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Belo Horizonte
2020
Helen Leonarda Abrantes
Belo Horizonte
2020
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
CDU: 869.0(679).09
Ficha catalográfica elaborada por Fernanda Paim Brito - CRB 6/299
Helen Leonarda Abrantes
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Professora Doutora Maria Teresa Salgado Guimarães da Silva (Avaliadora) – UFRJ
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Professor Doutor Sávio Roberto Fonseca de Freitas (Avaliador) – UFPB
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Professora Doutora Roberta Maria Ferreira Alves (Avaliadora) – UFVJM
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Professor Doutor Alexandre Veloso de Abreu (Avaliador) – PUC Minas
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Professora Doutora Terezinha Taborda Moreira (Orientadora) – PUC Minas
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Professora Doutora Priscila Campolina (Suplente) – PUC Minas
À gargalhada que habita em mim, que vive fazendo parvoíce e parece viver
no fantástico mundo da Boba.
Aos meus irmãos Hugo e Humbard, que, nos dias inesperados, me enviavam
mensagem de carinho, acalentando meu coração.
Aos colegas da PUC Minas, pelos diálogos e pela amizade que, ao longo
desse tempo, foram se estreitando.
L’objective général de cette thèse est de proposer des réflexions sur la mise
en scène du rire dans deux ouvrages fictifs des littératures africaines en portugais, à
savoir : Le Parlement conjugal, une histoire de polygamie, de la mozambicaine
Paulina Chiziane, et O guardador de memórias, de l’angolaise Isabel Ferreira. Ces
réflexions partent de l’entente, à la lumière de Nietzsche et Cleise Mendes, du rire
comme une rédemption de la pensée sérieuse. Cela signifie dégager cette pensée
de ses limites, pourvue qu’elle se trouve encore soutenue par la forte relation entre
l’ascétisme et la connaissance, la souffrance et la réflexion, dans l’entremêlement
chrétien-platonique qui produit encore ses effets dans la manière de concevoir le
savoir. En tenant compte cette compréhension du rire, il s’agit d’analyser la manière
dont ces écrivaines utilisent esthétiquement le rire et ses nuances afin d’exposer et
critiquer les narratives d’oppression du système patriarcal, provenant des valeurs
occidentales et traditionnelles de Mozambique et d’Angola. Cette analyse conduit à
l’observation de la persistance de la mélancolie dans les œuvres de ces autrices,
malgré l’intense présence de l’humour dans les romans. Cette mélancolie, outre les
récits d’oppression, est issue de la superposition des traumatismes, des frustrations
et du délaissement en conséquence des guerres de libération, d’indépendance et
civiles. En raison de ce qui précède, nous cherchons, en Walter Benjamin, le concept
de mélancolie qui, en recevant un traitement esthétique littéraire, devient une
allégorie. Particulièrement, ce traitement esthétique implique l’utilisation de la
tradition orale faite par ces autrices qui portent en soi une manière de s’approprier de
la langue sous une écriture parlante et gestuelle, dans la perspective de Terezinha
Taborda Moreira, et de la parole en fête, en jouissance, d’après Laura Padilha. Ainsi,
dans les œuvres de Paulina Chiziane et Isabel Ferreira, le rire devient extase en
s’appropriant de la parole parlée et mise en scène. De ce fait, j’ai élu le rire comme
un instrument d’inquiéter la pensée à propos des littératures africaines en portugais
écrites par des femmes, parce que le rire a une facette vibrante, expansive,
moqueuse qui brise le silence monastique auquel la femme a été longtemps
soumisse.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 9
3 RINDO DA PENA............................................................................................ 34
3.1 o caso da moela e da cueca ......................................................................... 39
3.2 no espaço da escrita ..................................................................................... 50
1 INTRODUÇÃO
Sobre alguns aportes teóricos deste capitulo inicial, dialogo com Verena
Alberti (2002), Lélia Parreira Duarte (2006), Cleise Mendes (2008), Nietzsche (2012,
2018), para pensar o riso como uma exímia forma de saber e um saber criativo, além
de um gesto de vida, que se abre sem entraves ou caminha para essa abertura.
Mas por que essa preocupação com o leitor? Por dois motivos: o gênero
acadêmico tese exige uma linguagem, uma forma, um jeito de dizer próprio da
academia. Só sei que foi assim, de acordo com Chicó2. Assim me disseram, assim
aprendi. Ou nem tanto. Porém, busquei fazer do meu texto uma tese pouco mais
risível, como se eu quisesse desprender o pensamento sério de seus limites, a fim
3 A filósofa brasileira Marcia Tiburi expõe o tipo de humor que está sendo usado no cenário político
brasileiro, em seu livro Ridículo Político (2018).
11
profusão de referências bíblicas nas duas obras em estudo. Por isso, apresentei
também reflexões sobre as metáforas de gênesis e apocalipse, pois, à medida que
as autoras riem dos textos canônicos, elas reescrevem os sentidos de criação e
destruição. Tais metáforas seduziram o imaginário coletivo ocidental, segundo
Northrop Frye (2006), alcançando, inclusive, Moçambique e Angola, no processo de
colonização.
O último capítulo “Um riso só” busca analisar o jogo conflituoso entre riso e
melancolia nas narrativas, a fim de tentar compreender o quanto as formas da
tradição oral e a modernidade da sua figuração na escrita têm, em sua constituição,
o riso, o gozo de contar, atuando como um gesto, uma ação de resistir ao peso da
melancolia como tristeza profunda. Essa melancolia, decorrente do acúmulo de
mortes, traumas, frustrações, desamparo, ao receber um tratamento estético
literário, transforma-se em alegoria, no sentido proposto por Walter Benjamin (1984).
Além do teórico alemão, dialogamos com Julia Kristeva (1989), Moacyr Scliar (2003)
e Sergio Rouanet (2007). As reflexões sobre a tradição oral foram fundamentadas
nos textos de Laura Cavalcanti Padilha (1995) e Terezinha Taborda Moreira (2005).
Nas considerações finais, sob o título “Só riso”, retomo alguns pontos da tese
e apresento outros pontos em consequência de leituras e reflexões que foram
surgindo durante o processo de escrita, mas que, somente ao final, se revelaram de
forma mais pungente.
A escolha pelo riso tem a ver com minha experiência de leitura da obra de
Isabel Ferreira, pois eu não havia lido um texto em prosa feito por uma mulher
africana com uma escrita tão satírica e zombeteira. Além disso, o fato de haver raros
estudos sobre O guardador de memórias me motivou a estudá-lo. No caso, há um
artigo de Denilson Lima Santos “Tradições questionadas em O Guardador de
Memórias de Isabel Ferreira, escritora de Angola” (2011) e uma dissertação de
mestrado de Franciane Conceição da Silva “Armadilhas do corpo: uma leitura de
gênero em Isabel Ferreira” (2014). Ambos não elegem o riso e suas variantes como
objeto de pesquisa, escolhendo, antes, outras abordagens. Mas, quanto ao trabalho
de Silva, quero destacar trechos em que a pesquisadora, ao qualificar a escrita de
Ferreira, destaca o humor. Franciane Silva afirma que a escritora angolana
“estabelece uma proposta estética que alia o humor à raiva”, que “inova ao trazer
personagens masculinos”, que “se veem, em crise, mesclando com habilidade e
humor, episódios que tendem a reverter o quadro negativo de suas origens. (SILVA,
2014, p. 3 e 54). Sinalizo, por isso, que sua dissertação serviu de mote para minhas
propostas de leitura e reflexão.
moçambicana para fazer par com a narrativa ficcional angolana e ampliar a pesquisa
sobre o expressivo caráter cômico na escrita feminina africana de língua portuguesa.
Mas a teimosia pelo riso das escritoras vem de outras observações. Por isso
apresentarei três fontes de estudo que se mostraram propícias para trabalharem o
riso de mulheres e como tais estudos executaram essa tarefa, corroborando, em
certo sentido, minhas escolhas de pesquisa.
menos, com pretensões para tal.4 Isso me intrigou, pois, no momento oportuno de
analisar o riso ou suas variantes em autoria feminina, a revista não se propôs a tal
abordagem, indicando, o que acredito, uma dificuldade de se reconhecer o riso
como domínio também da mulher.
A terceira fonte que se mostrou aberta para trabalhar o riso de mulheres vem
do artigo “Possíveis leituras do conto O visto, de Ondina Ferreira”, de Mariana
Gomes (2016), a mesma pesquisadora da tese outrora citada. Um dos objetivos do
artigo é analisar como a subversão do riso operacionaliza discursos de
resistências/persistências entre Cabo Verde, EUA e Portugal. Ao ler o artigo, fiquei
interessada pela obra da cabo-verdiana, pois projetei a sua inclusão em minhas
4O ensaio referido é “Falar para curar, ouvir para aprender: Niketche - uma história de poligamia, de
Paulina Chiziane”, de Eufrida Pereira da Silva (2011).
15
Mas as mulheres é tudo igual. Se eu, não desse o tranco, ia afamar a minha
virilidade. Eu haveria de ouvir. Aquele kota não levanta! Tem uma arma que
não detona!
(FERREIRA, 2008, p. 222)
17
5 O posicionamento do filósofo alemão foi feito em 1934, dois anos antes de Bertolt Brecht tecer o
conceito sobre diversão, como qualidade pedagógica para aprendizagem no teatro, salienta
Bernadete Marantes (2011). Convém pensar, acrescenta Marantes, esse conceito “como um ponto de
cruzamento entre o modo de recepção e o meio de aprendizagem”. (2011, p. 67). Ou, conforme Luiz
Fernando Fukushiro, “ao mesmo tempo que [o teatro de Brecht] faz rir, faz uma crítica ao objeto de
diversão, não por identificação ou raiva, mas por estranhamento.” (2013, p. 362). Fukushiro tece as
considerações sobre diversão brechtiana a partir do termo kulinarisch (“culinário”), em seu sentido
estético, no artigo O “culinário” em Adorno, Benjamin e Brecht: entre o prazer e a regressão
(2013).
6 A expressão em destaque está no Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade
(ANDRADE, 2013, p. 11).
7A expressão está na obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, no capítulo C, Tu serás feliz,
Bentinho. (ASSIS, 2011a, p. 227).
8Ana Lúcia Boéssio e Jaini da Porciúncula colocam a epígrafe de Armênio Vieira como um rípio. Na
arquitetura grega eram “pequenas pedras usadas para preencher os vãos entre as grandes pedras
18
das paredes e que serviam de sustentação; na poesia grega, representavam aquelas palavras que
eram acrescentadas ao poema com a função de compor a rima ou a métrica.” Na obra de Arménio
Vieira, os rípios “funcionam como emendas necessárias ao andamento do conjunto da obra e são
resultado de uma estratégia compositiva bem elaborada da parte do autor, a qual leva o leitor a inferir
a existência de algo subliminar em um texto aparentemente cômico, marcado pela colagem de várias
referências.” (BOÉSSIO; PORCIÚNCULA, 2015, p. 96).
9Para a cosmovisão animista em boa parte dos países africanos, existe uma integração entre deuses
e humanos, natural e sobrenatural. (GARUBA, 2012; PARADISO, 2015).
19
feita entre zambianos e membros da etnia nampule. Assim, durante a trama, tecida
com muito humor, a protagonista e as quatro mulheres, cada qual representando um
espaço de Moçambique, com suas diferenças e histórias particulares, tomam
consciência das experiências de subordinação e de violência às quais estão sujeitas
no domínio cultural masculino, de certas tradições moçambicanas e da colonização
portuguesa.
Mas, melhor do que os resumos, é rir com as narrativas elaboradas por essas
autoras. Gostaria, portanto, de oferecer mais dois trechos das obras:
- Agora gozo! Com teu irmão [da Mavinda] estou nos braços da paz e da
sedução. Naquele tempo [com Hunende], só ele desfrutava! Ele era o único
que gemia de prazer. Depois punha-se a dormir extasiado. (FERREIRA,
2008, p. 193).
Não espere, pois, uma análise das cenas literárias anteriores nem daquelas
enormes epígrafes. Já disse, leitor, é uma oferta, desfrute. No momento, é só para rir
mesmo. Ou, ao menos, entrever um sorriso. Talvez nem sequer isso, porque o leitor
pode ser outro, ensimesmado, soturno, então, pode escolher seus caminhos ou
acreditar que pode fazê-lo.
10Todas as citações deste parágrafo encontram se no texto de Robson Costa Cordeiro “O Sertão de
Riobaldo: uma leitura a partir de Nietzsche” (2008), referenciado ao final do mesmo parágrafo.
Sempre que houver uma proliferação de citação direta, farei a referência ao final do parágrafo para
que assim dê uma fluidez ao texto.
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só prevê como colaborador, mas ainda procura criar”, um leitor que está “ansioso e
disposto a jogar”. (ECO, 1994, p. 15-16). O jogo é o do conhecimento que nos
oferece o júbilo de cada descoberta libertadora.
Levar a sério, seja um trabalho, lugar ou um amor, não consiste no zelo pela
vigência de normas sociais. Ao contrário. O acento faz com que toda carga
significativa recaia sobre o aspecto interno e virtualmente negador do
socialmente admitido. Se levo a sério, isto é algo que sai de mim em direção
ao objeto da seriedade. Se sou sério, me coisifico como objeto de
seriedade. Aí está a diferença entre o que é dinâmico – eternamente em
questão –, encontrado no a sério, e o caráter de acabada e estéril da
seriedade do sujeito objetificado. A sério, revigoro o mundo com uma
quantidade imensa de significações. Sério, reduzo-me a objeto morto,
caricato, de existir centrado externo.
Ao levar a sério, estou profundamente interessado em alguma coisa, a
ponto de voltar todas as minhas energias no sentido de sua realização –
outro não sendo o princípio de erotização do agir. Mesmo quando isso exige
"sair da linha". Só aqui poderemos encontrar o germe revolucionário
indispensável à criatividade. (GOMES, 1994, p. 10, grifos do autor).
Então, um riso a sério é aquele que volta todas as suas energias para
revigorar o mundo com uma gama de possibilidades que resultam em uma
perspectiva crítica e uma proposta de elaboração de conhecimento. Um riso a sério
pode “destruir um mundo, aquele que impede a vida de acontecer, para assim criar
outro mundo”, logo uma destruição criadora (GOMES, 1994, p. 28). A destruição
pelo riso é outra proposta para ler e analisar as narrativas africanas escritas por
mulheres, bem como outra forma de conceber um texto acadêmico sobre a temática
do riso e riso da mulher.
Mas isso não é recente. Plauto, no século III a.C, fizera isso no prólogo de Os
Menecmos, ao argumentar: “Isto fazem os poetas nas comédias: dizem que a ação
se passa em Atenas, porque aquele helenismo torna a peça mais importante.”
(PLAUTO apud MAFRA, 2016, p. 10).
Assim, também eu desejo um riso, “ainda que forçado”, para usar as palavras
de Luiza Lobo, presentes em Crítica sem juízo (2007), uma coletânea de artigos
autorais que propõe uma crítica literária “para além do juízo consciente”, uma via
que nos conduza a “alguma área recôndita, que só raramente visitamos”,
contrapondo-se, portanto, a um tipo de saber que se coloca “superegoicamente
como um juízo de valor a respeito de tudo e todos”. (LOBO, 2007, p. 9). Verena
Alberti, George Minois e Lélia Parreira Duarte também defenderão o riso como um
movimento de redenção do pensamento sério, o que significa desprendê-lo de seus
limites (ALBERTI, 2002, p. 11), tomá-lo como possibilidade de rir de tudo e contra
tudo (MINOIS, 2003, p. 520), de sair de toda a verdade. (DUARTE, 2006, p. 64).
Kant defende que o riso é um jogo prazeroso de afecções porque afeta nossa
saúde, movimenta nossas vísceras e diafragma, “chacoalha o corpo”, e isso “é
salutar”, mas, continua o filósofo, apenas tem um efeito corpóreo, diferente do belo,
ligado à razão. A forte expectativa provocada pelo riso, prossegue Kant, resulta em
nada, porque no riso não se pensa em nada, ele pode até alegrar por um instante o
pensamento, mas não impõe um julgamento. (KANT, 2016, p. 229-331). É claro que
o riso é momentâneo, salienta Cleise Mendes sobre a salvação fugaz do cômico,
“porque festa é festa”, ela brinca. Depois inquire: mas o que é que salva para
sempre? (MENDES, 2008, p. 218). Apropriando-me das metáforas nietzscheanas,
talvez um horizonte apagado com as esponjas nos salve.
13Comte-Sponville faz uma provocação: “Embarcamos e não há barco: melhor rir do que chorar.”
(1999).
14 Empréstimo da famosa expressão “nonada”, que inicia a obra Grande sertão veredas, de João
Guimarães Rosa: “- Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. O
senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir,
instantaneamente - depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. (...) O
sertão está em toda parte” (ROSA, 2006, p. 7).
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O riso proposto por Kant pode ser sumarizado em grau zero de entendimento
e grau positivo de afecção, um mais em saúde, como sintetizou Verena Alberti
(2002, p. 165, grifos da autora). Mas, se o riso é um salutar efeito corpóreo, nada
além, por que as gargalhadas das mulheres incomodam tanto, permitindo relacioná-
las, inclusive, à figura da bruxa e não à da santa? Por que o êxtase, expresso no
rosto que expande, no sorriso que se escancara, nos ombros e seios que se
movimentam, no diafragma que se exercita, experienciado pela mulher, incomoda a
razão erigida pela masculinidade hegemônica, instalada pelo patriarcado?
Mas o incômodo causado pelo riso não ficou para trás, ainda no século XXI,
estuda-se o gênero e a classe social da risada (GOLDENBERG; JABLONSKI, 2011;
WEEMS, 2016), porque, como esse é um comportamento nada discreto nem
resignado, ele não cabe às mulheres, acostumadas à contenção do corpo
(BOURDIEU, 2014, p. 48-49, 52), aos imperativos “sorrir, baixar os olhos” e “aceitar
as interrupções” (BOURDIEU, 2014, p. 47). Mariana Gomes reitera o cerceamento
do patriarcado em várias esferas da vida da mulher, e a negação ao riso é um
desses modos de freá-la:
17Trata-se do ensaio “Recusando-se a ser uma vítima” (hooks, 2020). O texto possui uma tradução
no site de um coletivo feminista We Rise Up. A tradução parte do original “Refusing to be a victim”,
presente na obra, ainda sem tradução no Brasil: Killing Rage, Ending Racism (1996).
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E tem mais, se se fala em peça íntima, o que está por detrás dela? A história
da... vagina. Esse nome não cabe, claro, ironicamente, nas palavras de Rami,
porque talvez seja algo vergonhoso, íntimo, pessoal demais, um nome feio ou,
talvez, porque as vaginas são debochadas mesmo:
E a linguagem da... Se a... pudesse falar que mensagem nos diria? [...]
À distância estabeleço o diálogo mudo com cada uma que passa.
Elas escancaram as bocas e me respondem com sorrisos, de alegria, de
amargura, de saudade, de desalento, ansiedade, esperança. Pergunto
àquelas que passam: acreditam no amor platónico? Todas se riem de mim e
me perguntam se enlouqueci. Querem saber se sou deste planeta. Amor
platónico é só na lua. (CHIZIANE, 2004, p. 185-186).
18Daqui em diante, farei referência às obra estudadas desta forma, respectivamente: Niketche e
OGM.
19O termo “zungueira” denomina as mulheres que vendem os seus produtos pelas ruas de Luanda.
(FRANCISCO, 2019). A palavra tem sua origem em Ku zunga, expressão da língua nacional
quimbundo, que traduzida para o português significa circular, andar à volta; girar. (SANTOS, 2010, p.
15).
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que não passo a ninguém”, e “como aquilo não desbota... dou a quem eu quero,
com gosto e prazer.” (FERREIRA, 2008, p. 254).
Vale ressaltar que o distanciamento conceitual não tem a ver com precisões
cronológicas. Flögel, em sua obra História da literatura cômica, datada entre
1784/85, enquanto a de Kant é de 1790, entende o riso como um instrumento de
alargamento do conhecimento:
Diante dos conselhos risíveis, eu só rio, rio muito, gargalho, rio sozinha, de
fato, mas rio. Se o riso é social, em grupo, segundo o filósofo Bergson (2018), como
falar em um riso sozinho? Embora isso pareça individual, somente voltado para o eu
ou uma ação do eu, existe um ridente imaginário em nós, existe um outro ou outros
em nós que ri(em).
Segundo Cleise Mendes, seria interessante “reconhecer que aquilo que ri, em
nós, quando rimos, é o grupo”, ou seja, diz respeito a uma “cumplicidade de
conceitos e preconceitos grupais”. (MENDES, 2008, p. 14). Ou seja, mesmo que a
pessoa esteja isolada, como no processo de leitura, o riso continua a ser um riso
social, porque o outro que provocou o riso em mim, no caso as escritoras, apostou,
como esclarece Mendes, “numa certa comunhão de valores sociais”. No caso, a
construção das personagens Rami, Kiluva e Mandi projeta questões do universo
feminino, suas dores, suas agruras, seus conflitos. Embora, enfatizo, o universo das
mulheres em Moçambique e Angola precise ser visto com cautela, devido a suas
especificidades, como veremos.
20Daqui em diante, farei referência às obra estudadas desta forma, respectivamente: Niketche e
OGM.
31
Quando opto pelo riso para analisar as obras, não estaria pressupondo ou
imaginando que o leitor dará boas gargalhadas, pois não é essa uma possível
imagem-ação que se interpreta ou espera da palavra “riso”? A escolha pelo riso não
seria uma presunção? Qual a garantia de que o leitor rirá, terá uma reação explosiva
do corpo decorrente de algo cômico (ALBERTI, 2002, p. 30)? Se o riso é uma
explosão, um brilho que não dura, não se prolonga, como afirmou Roustang (1996),
por que razão insistir nesse objeto de estudo? A vontade que tenho, como afirmou
32
Definir o riso pode cercear o seu caráter emancipatório. Por outro lado,
intenta-se um ponto de partida: o riso é uma experiência estético-criativa. Isso
significa o agenciamento de operações linguísticas, estruturais, o uso de formas
pelas quais o riso se efetua, a serviço de outro objetivo fulcral: relacionar o riso,
como uma categoria ampla, à criatividade das autoras africanas, como rearranjos de
outro modo de estar no mundo, visto que suas personagens representam, em certa
medida, mulheres de suas terras que estiveram (e ainda estão) à margem da cultura
e do simbólico, no silenciamento.
3 RINDO DA PENA
Para auxiliar o leitor, com risco de se perder vagando por aí (o que pode ser
bom ou pode se perder o fio da narrativa da tese-de-riso-a-sério), já anuncio as
propostas deste capítulo. Semelhantemente ao primeiro, começo com digressões,
mais curtas, de fato, sobre a relação das epígrafes com as narrativas das autoras
em estudo. Em um segundo momento, tensiono algumas questões teóricas sobre o
riso e depois analiso duas cenas literárias, o caso da moela e da cueca, dois fatos
cotidianos de personagens femininas que sofrem violências e opressões sexistas, e
como o riso aparece nessas passagens. Na última seção, apresento as escritoras
Paulina Chiziane e Isabel Ferreira, expondo suas obras e as questões que
vivenciam no processo de escrita. E o sentido de “rindo da pena” lá no título?
Devagar, leitor, porque na última seção desvelaremos, se é que o leitor já não
levantou hipóteses.
Dialogar com os versos do poeta João Cabral de Melo Neto e com o dizer de
Nietzsche pode não soar risível na acepção das vibrações físicas, aludidas por
Walter Benjamin, ou do chacoalhar do corpo, em Kant. Simplesmente, há uma
inscrição desconexa à gargalhada, o que, nesse sentido, gera o riso da
desconfiança do porvir.
portanto, de muitas possibilidades, escolho relacionar riso e manhã, riso e vida, até
porque, como afirmou Comte-Sponville (1999) “o real, que não ri nem chora, não dá
resposta”, e, conforme Cleise Mendes, “toda a coloração afetiva do mundo [é]
conferida pelo prisma de nosso olhar.” (MENDES, 2008, p. 12). As escritoras
Chiziane e Ferreira, cada uma com suas peculiaridades, se apropriam dos fios do
riso, de seus tons variáveis, porque seus personagens apresentam nuances, alegres
e tristes, como certas manhãs nubladas, chuvosas.
Não foi sempre desse modo, já que ainda nos séculos XIX e XX havia uma
resistente separação: o objeto do cômico era estudado nas obras de estética; o
sujeito que ri, nas de psicologia (PROPP, 1992, p. 31). Nietzsche riu da
segmentação e percebeu, no escuro do seu presente, a luz veloz chamada riso.
Todos riem. Existe uma universalidade do riso. Porém, quando esse ato de
linguagem se configura como uma tentativa de resposta do ser humano diante da
angústia de sua existência, o riso passa a ter tonalidades, podendo ser
Vemos nela [na fantasia cômica], antes de tudo, algo de vivo. [...] Iremos
nos limitar a vê-la crescer e se expandir. De forma em forma, por gradações
insensíveis, ela realizará sob nossos olhos as mais singulares
metamorfoses. Não desprezaremos nada do que tivermos visto. Talvez
assim, por meio desse contato, possamos alcançar algo de mais flexível do
que uma definição teórica – um conhecimento prático e íntimo, como aquele
que nasce de uma longa camaradagem. E talvez também venhamos a
descobrir que, sem querer, realizamos um conhecimento útil. Racional, a
seu modo, até em seus maiores devaneios, metódica em sua loucura,
sonhadora, sem dúvida, mas evocando em sonhos visões que são
imediatamente aceitas e compreendidas por toda uma sociedade, a fantasia
cômica não nos ensinaria algo sobre os procedimentos pelos quais a
imaginação humana trabalha e, mais particularmente, sobre a imaginação
social, coletiva, popular? (BERGSON, 2018, p. 37).
E o riso, como ou onde fica nisso tudo? Deságua nessa ressaca oceânica do
pensamento, tentando recuperar o “prazer que se perdeu com o desenvolvimento da
crítica”. (ALBERTI, 2002, p. 20). Proponho, pois, um desjuízo no modo de ler,
analisar e escrever sobre as literaturas africanas em língua portuguesa escritas por
mulheres, num vai-e-vem, a partir das histórias tecidas pela moçambicana Paulina
Chiziane, em Niketche, e pela angolana Isabel Ferreira, em OGM. Nessas obras,
encontramos muitos “mambos”, problemas, solidão, mágoas, tristes memórias, mas
“apesar de tudo isso há bué de alegria e a energia é contagiante”. É contagiante
porque há cantigas, histórias, “bugigangas”, “peidos”, alergia (não troquei a palavra,
é alergia mesmo), discurso bíblico, virgens, “Virgens? Como as musas? Só no teu
21O eu lírico no poema “Retrato” de Cecília Meireles (2001), no último verso, pergunta: em que
espelho ficou perdida a minha face?
39
[de Deus] livro Sagrado”. (FERREIRA, 2008, p. 16, 35-37). Há também nudez
feminina que aterroriza os homens, um deles quase morreu por isso; há o caso da
moela, que faz rir e chorar (CHIZIANE, 2004) e o caso da cueca (FERREIRA, 2008).
Olho para a minha mãe. Meu Deus, como ela chora. Será que o meu caso
inspira tanta tristeza?
- O que foi, mãe?
- A tua voz faz-me recordar a minha irmã, a falecida.
- Qual delas, mãe?
- A mais velha. Não a conheceste. Morreu antes do teu nascimento.
- Já me falaste dela. De que morreu ela?
- Por causa de uma moela de galinha.
- Ah?!
- A moela é para os maridos, para os genros, sabes disso.
Ela conta-me a história toda.
- Era domingo e a minha irmã preparou o jantar. Era galinha. Preparou a
moela cuidadosamente e guardou numa tigela. Veio o gato e comeu. O
marido regressou e perguntou: a moela? Ela explicou. Foi inútil. O homem
sentiu-se desrespeitado e espancou-a selvaticamente. Volta para a casa da
tua mãe para ser reeducada, disse ele. Já! Ela estava tão agoniada que
perdeu a noção do perigo e meteu-se em marcha na calada da noite. Eram
cerca de dez quilômetros até ao lar paterno. Caiu nas garras do leopardo
nas savanas distantes. Morreu na flor da idade por causa de uma
imbecilidade. Morreu ela e ficou o gato. (CHIZIANE, 2004, p. 99-100).
Pode-se comparar a ave, boa para alimento, à mulher como um ínfimo objeto-
sexual, imagem reiterada na narrativa da escritora moçambicana; já a moela seria a
vagina. Segue o raciocínio: posteriormente à fala da mãe, Rami afirma indignada
que a sua tia morreu por causa de um “insignificante coletor de grão de areia”.
Comparativamente, a vagina é uma receptora dos grãos do homem, os seus
espermas. A reificação dessa parte íntima do corpo feminino aparece mais à frente
da narrativa, quando a personagem apresentará um diálogo com os vários tipos de
vagina, por exemplo, aquela que “cantaria cantiga de abandono. Da violência. De
violação.” (CHIZIANE, 2004, p. 185).
Para rir bem, é preciso trabalhar toda a história da moela sob uma perspectiva
metafórica, esquecer que estamos trabalhando com a tradição moçambicana, e, só
depois, compreender que se estava “parcialmente” enganado, um advérbio para
aliviar nossa convicção ocidental. A história pode não ser apenas uma parábola
sobre violência contra a mulher, mas um fato cotidiano da própria agressividade da
tradição, no sul e no norte de Moçambique.
lhe apetecia”; e em forma de prece, quando Rami retoma a história da sua tia.
(CHIZIANE, 2004, p. 157).
Vale lembrar que o caráter didático também proporciona um tom mais leve na
cena. Não nos enganemos, no entanto, com a simplicidade aparente do humor e do
didatismo. Por isso vamos agora articular o discurso didático da tradição ao riso
irônico e, então, percebermos as camadas de reflexão. A experiência da conselheira
e o caso relatado pela mãe, sob um tom moralizador para que a filha fosse uma
esposa obediente, funcionam como um argumento de autoridade para confirmar a
relevância de seguir a tradição em seus pormenores, no caso, o costume de
“obedecer à risca a todos os caprichos dos homens”, pois, segundo a mãe, tal
servidão é a “única estratégia da nossa existência”. (CHIZIANE, 2004, p. 101).
Assim, mulher que não oferece a moela é culpada, podendo ser punida com divórcio
ou morte. Até aqui, nota-se uma tensão, uma experiência de opressão e violência na
vida das mulheres.
Mas na ânsia de desejar um sentido outro, pois o texto ficcional nos permite
esse exercício, com seus ditos e não ditos, dentro do que a materialidade linguística
nos permite, destaco o alvo daquele riso saboroso: os homens. Mas o que há de
risível neles? Serem todos iguais em sua gula e inventar o mesmo mito, a mesma
narrativa: serem servidos sempre. De acordo com Henri Bergson (2018), o que
provoca o riso é a rigidez, o automatismo, e não a flexibilidade, a subjetividade, a
particularidade do sujeito. Dito de outra forma, rimos do sujeito que, por agir sempre
no automático, fazendo as mesmas coisas, “em estado de permanência”,
recuperando Gerd Bornheim, é surpreendido com alguma tensão da vida. O riso,
continua Bergson, vem para corrigir o corpo, o pensamento teso.
É claro que, segundo Linda Hutcheon (2000), hoje muitos teóricos suspeitam
desse caráter retificador do riso, uma vez paradoxal, pois quem o usa como corretor
ocupa uma posição de autoridade e verdade, caindo na própria armadilha que
43
Mas se a gula dos homens gera conflitos conjugais, violência, como a própria
conselheira amorosa expôs, então o riso não deveria vir, muito menos “com gosto”,
expressão indicadora de intenso riso, de um riso com vontade. O mais adequado, se
observada a realidade trágica, seria um “esboço de sorriso”, na perspectiva de Lola
Xavier.
Nessas exposições sobre qual riso definiria o “rimos com gosto”, se o “esboço
de sorriso”, de Lola Xavier, que enfatiza o aspecto trágico, se “a ironia atacante”, de
Hutcheon, se o “riso de medo”, ou enfrentamento do medo ou de outros afetos
dolorosos, em Jablonski e Rangé, Freud, optamos pelo riso que está se preparando
para o salto, um bote. Observamos que aquele riso saboroso pode ser uma
piscadela da narradora-personagem, anunciando ao leitor fatos vindouros. Veremos
que se trata de uma piscadela de quem arma um ataque, um ataque pela escrita
literária, porque já não se suportam acúmulos de opressão.
[Tony é] um polígamo do século vinte um. Que vai morrer cedo, na estrada
entre uma casa e outra, sempre a correr para cá e para lá na gestão dos
seus amores. Que come alimentos preparados por várias mãos e acabará
envenenado sem nunca conhecer aqueles que o matam. [...] Foi
maravilhoso conhecer um Tony frouxo, um Tony louco, que chora como
uma criança e pede socorro ao conselho de família assustado por um
papão. (CHIZIANE, 2004, p. 159-160).
Mavi, e de ela “afamar [sua] virilidade”. (FERREIRA, 2008, p. 219, 222). No capítulo
quatro desenvolveremos as duas personagens masculinas.
Vamos ao episódio das cuecas para observar novamente que os atos mais
corriqueiros segredam o domínio do homem sobre a mulher. Em OGM, Kiluva, na
casa da amiga Mavinda Massogi, relata peripécias de um marido-patrão, na época
em que ele era vivo. Hunende, de tanto pedir a Kiluva para fazer as coisas para e
por ele, certa vez, numa viagem, se descuidou e levou alguns pertences íntimos da
esposa. Segue a conversa entre as amigas:
Por que o riso não pode durar? Porque ele é uma explosão, responde a
língua. Uma explosão não poderia prolongar-se, a menos que, de tanto rir,
cheguemos a morrer de rir. [...]. Mas por que o riso não é senão uma
explosão? O riso, com efeito, explode como uma bomba que explode, como
um vidro que se quebra, como uma luz que brilha, como uma voz que
rompe o silêncio ou o discurso. [...] Desde que a explosão aconteceu, a
realidade retorna ao peso de sua história. (ROUSTANG, 1996, p. 38).
48
Diante do riso comedido, diante das penalidades cotidianas por ser mulher,
como vimos nos casos da moela e da cueca, narrativas como as de Niketche e
OGM mostram que já não se suportam os tropos discretos e aristocráticos do
falocentrismo, por isso o ato eruptivo do riso entra em cena. O efeito das arestas
desse tipo de riso faz esses tropos temerem-no porque os expõe, deixa-os à flor da
pele, inclusive, “para o desespero da maior parte do discurso crítico” que defende
um tropo sóbrio, provocou Hutcheon (2000, p. 63).
22Optei, neste momento, por colocar as datas da primeira publicação de cada obra dos autores, para
um ligeiro parâmetro temporal.
23Faz-se referência novamente ao clássico Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade
(ANDRADE, 2013, p. 1).
49
Poética” de Adélia Prado (2003), pois o eu lírico feminino ali não se intimida e afirma
o uso de artimanhas para se apropriar de textos do outro sem precisar mentir.
Talvez “esse saber envolto...” tenha medo da bebedeira de Rami, que quanto mais
bebe, mais lúcida fica:
Tento adormecer, mas o sono não vem. Volto e bebo uma boa dose, para
esquecer. O meu caso é estranho. Quanto mais bebo, mais lúcida fico, mais
recordo. De olhos fechados vejo uma multidão de rostos espantados,
vaiando o pobre Tony desesperado, de rabo entre as pernas, como um cão
vadio. (CHIZIANE, 2004, p. 111).
Talvez “esse saber envolto...” tenha medo de, num relampejo, descobrir que o
seu saber está a serviço da arbitrariedade, da compressão; talvez tenha pavor de
ver e admitir outras formas de pensar e construir o conhecimento há muito
acaçapadas: temor de inflexionar seus ângulos, parâmetros, diante de uma cena
literária que permita “outro sentir, outro saber e outro saber-sentir” (MATA, 2018, p.
430, grifos da autora) e, por que não, um saber-rir. E assim falou Virgínia Woolf
sobre o riso:
tensão e leva o leitor a esboçar não uma gargalhada, porque, segundo Xavier, a
gargalhada é gratuita, e sim um sorriso, como imagem reveladora do ato reflexivo.
Esse esboço parece servir de tempo necessário para o observador pensar antes de
rir gratuitamente, o que antevê o efeito do riso colocado por Propp, e assim não
cometer a insensibilidade do riso, na perspectiva de Bergson.
Por outro ângulo, Linda Hutcheon concebe a ironia como “uma estratégia
discursiva que opera no nível da linguagem (verbal) ou da forma (musical, visual,
textual)”. (HUTCHEON, 2000, p. 27). Beth Brait, em seu livro Ironia em perspectiva
polifônica (2008), também defenderá a ironia como processo discursivo, passível de
ser observado em diferentes manifestações de linguagem, inclusive a não verbal.
Jane Tutikian (2011) também sinaliza o labirinto de se estudar o riso ou outros
significantes, e por essa razão, em artigo sobre o escritor angolano João Melo, o
mesmo estudado por Xavier, escolherá falar de formas do cômico para desenvolver
o que chamou de o riso como estratégia estético-ideológica.
[Deus] Não fale da maçã, que cá não existe. Fale antes da banana, que faz
mais sentido nesta história. Ou então do caju, se a banana não dá.
(CHIZIANE, 2004, p. 94).
[Deus] Morreu sem castigar o meu homem. Queria tanto, que Ele desse um
castigo. Mirrar a pila dele de modo a nunca mais erguer! [...] Grito bem alto
no meu interior: volte mirrado! E depois ... nem ela, nem tu, nem eu...
(FERREIRA, 2008, p. 24-25).
Como me tornei escritora? É algo que não sei responder. Apenas posso
dizer que a escrita escolheu-me, da mesma forma que a natureza me tornou
mulher. Posso confirmar que a minha vivência também contribuiu para
conduzir-me a este caminho. As minhas memórias mais remotas são das
noites frias à volta da lareira, ouvindo histórias da avó materna. Nas
histórias onde havia mulheres, elas eram de dois tipos: uma com boas
qualidades, bondosa, submissa, obediente, não feiticeira. Outra era má,
feiticeira, rebelde, desobediente, preguiçosa. A primeira era recompensada
com um casamento feliz e cheio de filhos; a última era repudiada pelo
marido, ou ficava estéril e solteirona.
Acompanhava todos os passos da minha mãe. No rio, enquanto me
banhava, a minha mãe cantava e lavava roupas e mágoas. As outras
mulheres faziam o coro. Estas cantigas umas vezes eram suspiros e outras
murmúrios de angústia. Já em casa ouvia as cantigas de pilar milho e as de
pilar amendoim. Eram todas tristes. O que consegui observar é que os
homens ouviam-nas com total indiferença. Em momento nenhum da minha
vida me recordo de ter ouvido, da boca de um rapaz ou de um homem,
estas cantigas de mulher. (CHIZIANE, 2013b, p. 201).
não convivem com as suas rivais com uma frieza cordial, e tem
conhecimento que ontem o seu homem dormiu na casa da fulana de tal.
Compreender Angola neste campo é um estudo que deve ser feito no
contexto histórico-cultural dos nossos ancestrais. Claro que não defendo a
poligamia, porque o homem quer ter, por capricho, mais do que uma
mulher, mas há que ter em conta em que contexto cultural, nós, os
angolanos, estamos inseridos. Nós temos história de poligamia muito forte
no nosso país. E não se apaga a história cultural de um povo de um
momento para o outro. (SILVA, 2014, p. 98).
Essa realidade silente é tão árdua que, apesar de haver mulheres que
recusam a diferenciação entre homem e mulher na produção literária africana,
Inocência Mata faz uma afirmação dilacerante:
O acesso ao texto verbal lhes era duas vezes barrado: por serem mulheres
e africanas. Encher de palavras o silêncio histórico foi para elas uma árdua
e difícil conquista. Mesmo depois da independência, quando as nações se
constituíram como comunidades políticas imaginadas, o acesso das
mulheres à condição de produtoras textuais não foi facilitado. (PADILHA,
2002, p. 171).
Escrever no feminino não é fácil, pois a tradição, já não sendo o que era,
pesa sobre a condição da mulher, obrigada, hoje, ainda, a desdobrar-se em
fêmea, progenitora, educadora, doméstica e figura pública, entre tantos
outros “papéis” sociais (funções na cadeia de re/produção). (LARANJEIRA,
2018, p. 527, grifos do autor).
58
Esse silenciamento das mulheres está presente nas obras Niketche e OGM.
Rami, em dado momento da narrativa, afirma: “porque as vozes das mulheres não
atingem os céus”. (CHIZIANE, 2004, p. 239). O desabafo surge depois de ela e as
outras esposas de Tony dizerem tudo contra ele, de “grita[rem]mos”,
“vomita[rem]mos” toda a “amargura” que os seus “peitos carregavam”, “até as cordas
vocais ficarem roucas”. Contudo o marido apenas escuta “em silêncio” e responde
“com duas lágrimas”, em atitude de quem “não se assusta e nem treme com a
violência” dos “gritos”. (CHIZIANE, 2004, p. 239).
“Que família era aquela, que decidia o destino de seus filhos? Qual era o
papel de sua mãe? Porquê que a sua mãe ficava em permanente silêncio
ante tantas barbaridades?”
“Quando era ainda pequena, vi tanta coisa... E a mãe sempre metida em
seus panos. E qual era a atitude das irmãs em tudo isso?
Aborreço-me ante o acabrunhamento de minha irmã. Ela, não se rebela.
Juro que comigo não será assim. [...].” (FERREIRA, 2008, p. 244, grifos da
autora).
Cito um excerto literário de Vera Duarte, autora de Cabo Verde, que está em
outra ponta do oceano, no Atlântico Norte, para exemplificar que o silêncio parece
uma condição oceânica dessas mulheres. Assim, embora distante do Oceano Índico
(Moçambique) e do Atlântico Sul (Angola), as seguintes palavras do conto “Amanhã
Amadrugada” da autora unem as mulheres nesse drama:
[...] da dor de me saber mulher feita não para amar mas para ser amada.
Choro porque sou e amo. [...] Uma melancolia sem princípio nem fim possui-
me e quedo-me impotente.
Um súbito regato de águas claras inundara-me. Dei-me sorrindo. Mas as
águas avolumaram-se e senti perder-me a minha alma.
Por isso choro. Por me saber mulher e não poder amar. Contudo amo. E na
solidão meus soluços se sucedem em canção desesperada.
Sinto-me escravizada, tiranizada, violentada. E meu ser nascido livre se
revolta. Na impotência se mata. Quem depois se acusará?
Por isso quero desvendar os universos proibidos e purificar-me. Penetrar-
me nos bastidores da minha condição humana e lutar contra os
preconceitos e a opressão que castram. Desprezar, com ódio acumulado,
os fariseus da minha história e voar, na plenitude do meu ser nascido livre,
de encontro às aspirações da alma. (DUARTE, 2008, p. 40).
Diante de uma catarse emocional, que banha a angústia do que parece ser a
condição feminina, a dor da mulher africana procura não ser infrutífera, continua
Inocência Mata, mas quer ser “uma dor epifânica, a dor da autoconsciência que
constrói um sentido individual, numa progressão conscientizadora do eu”. (MATA,
2018, p. 432). Se existe um “contudo”, como apresentado no excerto, existem ações
60
Esta questão de trajectória literária no feminino tem, assim, tanto a ver com
o que escrevem as mulheres – afinal, veremos que escrevem sobre o que
os homens escrevem! – como com o modo de ler o que as mulheres
escrevem, isto é, as estratégias de leitura instrumentalizadas pela categoria
do género a fim de fazer do acto da leitura uma mediação contra a
centralidade de um sujeito flexionado por um único género, o masculino.
(MATA, 2018, p. 423).
O trecho, retomado de uma das epígrafes, foi citado no livro Deus e o diabo
no humor das mulheres, de Alba Valéria Tinoco Alves Silva. Para contextualizar, o
excerto faz parte do romance Heartburn, da escritora Nora Ephron. Segundo os
26Em Homens no divã: relatos sobre a crise de identidade masculina (2013), Serge Hefez discutirá a
necessidade de o homem “deixar-se penetrar simbolicamente por sensações, emoções, palavras de
um outro (uma outra).” Ele também chama isso de intimidade. (HEFEZ, 2013, p. 78).
62
“Eu posso fazer você rir”. Partindo dessa fala, pergunto: como Paulina
Chiziane e Isabel Ferreira, escritoras africanas de língua portuguesa, fazem seu
leitor rir? Contando como quem teve o prazer de ouvir velhas histórias, que
resgatam os ancestrais e mantêm acesa a unidade do grupo, responde-nos Laura
Padilha (1995). São escutas feitas a partir do vivido e da experiência. As escritoras
contam de um modo que nos sugira uma observação atenta, uma “posição”, um
“gesto” de escuta, como afirma Terezinha Taborda Moreira (2005, p. 18).
27O artigo “O humor” de Freud, presente no volume 21, foi publicado em 1927, depois de sua obra
Os chistes e sua relação com o inconsciente, volume 8, publicado em 1905. Cf. referências.
63
Mas de que elas, Chiziane e Ferreira, riem? De fato, as escritoras, por meio
de seus narradores e personagens, femininos e masculinos, riem das coisas da vida,
do relacionamento amoroso, dos homens, das próprias mulheres, da família, da sua
cidade, do sentido de construção da nação, de suas tradições, do sistema patriarcal.
Elas riem de tudo aquilo que afeta o modo de ser e estar no mundo do sujeito,
feminino ou masculino, como veremos com acuidade nos próximos capítulos.
Gargalhar, rir, sorrir e chorar: tudo isso porque as mulheres que escrevem
não conseguem disfarçar o insustentável peso da condição africana e do estar
sendo mulher. Por essas considerações, sublinho as palavras de Inocência Mata
sobre as escritoras em África, que intentam tornar visíveis seus mais atávicos
desejos e itinerários como institutos do humano e de cidadania. Para Inocência Mata
(2018), o corpo entra nesse projeto de desvelamento, e o corpo feminino mais ainda,
por ser visto e construído através de interpretações sociais rígidas, inflexíveis, que
sempre ordenaram as maneiras pelas quais esse corpo deve aparecer.
Virgínia Woolf, em 1905. Cômicas ou trágicas, elas podem ser, mas humoristas, não.
(WOOLF, 2014). Entenda-se aqui “humorista” no seu papel agente de fazer o outro
rir, diferentemente de ser sempre o alvo do riso, e, por isso, cômica e/ou trágica.
Provine, durante um ano de pesquisa, coletou mais de mil eventos. Ele não
pesquisou piadas, mas cenas públicas, em festas, metrôs, restaurantes, onde
homens e mulheres riam. Para isso enviou assistentes que observaram essas
pessoas. Após um ano de coleta, o psicólogo concluiu quem riu mais em ambientes
naturais e afirma: as “mulheres riem mais do que os homens, até 126% mais. Então,
certamente não é verdade que as mulheres não têm senso de humor.” (WEEMS,
2016, p. 103).
65
Porém, mais à frente, Weems sinaliza que os homens são muito mais
propensos a provocar o riso, no sentido de fazer o outro rir. E quando as mulheres o
fazem, continua o neurocientista, é um evento raro. Scott Weems expõe a existência
de piadas sexistas, preconceitos sofridos pelas mulheres nessa área de profissionais
do riso, é incisivo ao dizer que piadas de insultos dizem mais sobre quem conta do
que sobre o alvo. No entanto, não se aprofunda nessa relação entre humor e
gênero.
4 RINDO DO CÂNONE
Imagina, leitor, uma sulamita angolana que abre “as órbitas num desejo de
quem procura um alvo para cometer um crime putativo”. Imagina uma viúva, toda
cheia de si, que dá uma grande gargalhada após ouvir a amiga relatando o choro de
um homem traído. Imagina uma virgem que provoca um polígamo angolano e diz:
“Tu és um mulherengo, e agora estás a recuar. Medroso!” (FERREIRA, 2008, p. 19,
234, 217). Imagina uma mulher que ri da queda de “um super-homem calcificado no
éden da praça”. (CHIZIANE, 2004, p. 333).
na mitologia grega) entra coxeando. Novamente o narrador interage com sua leitora,
como se ela perguntasse por que os deuses riam, ao que ele responde,
insistentemente: “Por quê? Senhora minha, com certeza nunca viu cair um carteiro.”
(ASSIS, 2011b, p. 131).
Sobre a segunda epígrafe, ela foi escolhida com base no título de um texto de
Lúcia Sá, professora na Universidade de Manchester, “Perdoem, mas eu acho
graça: o grotesco na poesia de Augusto dos Anjos” (2007). Ela começa advertindo
sobre a insistência da falta de senso de humor na fortuna crítica do poeta paraibano.
Lúcia Sá instiga: “quem nos garante que uma vida cheia de sofrimentos não poderia
ter gerado uma obra bem-humorada, ao menos irônica, autossarcástica? (SÁ, 2007,
p. 25). As epígrafes, portanto, são ecos de meus incômodos, porque o pedido de
desculpas desperta em mim vozes, fantasmas como se impelissem as mulheres a
buscar sempre a remissão dos seus erros, ou, para usar um termo religioso, dos
seus “pecados”.
Perdoe-me, leitor do “serás feliz”, pela sinuosidade nessa minha escrita, mas
os estudos desenvolvidos nesta tese foram afluindo e agitando em mim como
“ondas de incontáveis risos”, como diria Ésquilo (NIETZSCHE, 2012, p. 52). Mas,
tentando não deixá-lo se perder nessas águas, apresento as propostas do capítulo.
28Scarlett Marton faz referência à fadiga quando a personagem de Nietzsche, Zaratustra, desce da
montanha para encontrar com os homens: “Não é por constatar a miséria do ser humano, querer
resgatá-lo e salvá-lo que Zaratustra vai ter com os homens – mas por estar farto da própria
sabedoria.” (MARTON,1999, p. 138).
69
Vale uma nota sobre as citações bíblicas utilizadas neste capítulo da tese:
não cabe aqui estudá-las com profundidade e complexidade como fariam os autores
eclesiásticos, teólogos e pesquisadores afins. Proponho, no caso, leituras,
amparadas em teóricos da literatura, sobre os efeitos desses textos de interpretação
cristã na construção das personagens.
29 Fiz a escolha de “amado”, podendo ser “o amante”, e não o rei Salomão, baseando-me na obra O
Cântico dos Cânticos: um ensaio de interpretação através de suas traduções, de Geraldo Holanda
Cavalcanti (2005). O ensaísta brasileiro problematiza a autoria e interlocução de Salomão no referido
livro bíblico. Cf. referências.
70
O casamento como metonímia desse oásis não está no início desses dois
romances. Em Niketche, Rami, narradora-protagonista, tem um casamento cristão,
sob aparência monogâmica, já que descobrirá um marido informalmente polígamo.
74
A voz lírica é da camponesa sulamita, mulher negra, uma jovem cantada nos
versos aludidos à figura de Salomão e tornados um símbolo de erotismo. Diferente
da sulamita, a esposa do prólogo de Ferreira se autoincrimina por não segurar o
homem: “será que a culpa foi minha? Talvez eu seja cúmplice na doação do meu
homem a outrem. Será? Eu cedi... Silenciosamente cedi. Não fui criada para fazer
escândalos.” (FERREIRA, 2008, p. 19).
A cultura de violência volta a ser criticada com aquela ironia de face sutil no
trecho seguinte:
anterior com os versos bíblicos: “Os teus lábios, noiva minha, destilam mel. Mel e
leite se acham debaixo da tua língua [...]. Jardim fechado és tu, minha irmã, noiva
minha, manancial recluso, fonte selada.” (Ct 4, 11-12). Ferreira desafina esse
cântico, apresentando uma incongruência: de um lado, há uma doçura do mel, a
delicadeza da flor; de outro, a ação impetuosa do verbo “arrancou”.
Outra justificativa que a própria esposa apresenta para sua rejeição se deve
ao seu corpo, que sofre a passagem do tempo. Ela deixaria de ser a jovem sulamita,
ficando a cargo de uma jovem mulher esse “papel”, descrita como bela e graciosa,
um rosto como pedaço de romã. A adjetivação também corresponde ao livro bíblico:
“as tuas faces, como romã partida” (Ct 4,3). Embora no prólogo não se explicite o
nome da moça, é possível uma associação desta à personagem Kiluva, uma das
figuras centrais de OGM. Observemos a descrição seguinte, que se encontra na
metade do desenvolvimento do romance, quando é dado ao leitor o conhecimento
sobre a jovem:
ausência do nome de Kiluva no prólogo, como figura da mulher não oficial, nos
direciona a outra percepção. Se considerarmos o final da obra, em que Kiluva
também enfrenta o abandono de um homem, podemos compreender o prólogo de
OGM como se fosse um coro das mulheres angolanas: todas elas repetem a
subjugação de certas tradições angolanas calcada na hegemonia masculina.
Dizem que é jovem, a miúda que anda com o meu homem, o meu marido. É
isso que me incomoda! [...]. Tão jovem e já tão cabra! Não sei como teve
tempo de trabalhar a questão da sedução. Deve ter andado na escola da
multiplicidade do prazer. Lá ela fez mestrado. De certeza!
E o pobre do meu homem? Vocês deviam ver... [...]
Deus está morto! Não faz justiça! E para variar deixou-me como herança as
transas do tormento. Oiço as vozes de um coral, martelando a minha mente.
Não podemos caminhar com fome e sem amor. Ironia desta vida! Eu, aqui,
a esposa de aliança no dedo e os filhos.
[...] Valha-me Deus morto! Como posso caminhar com a fome no corpo e o
desejo na alma, em sofreguidão. Todo o meu corpo anda afogueado de
noite e de dia. (FERREIRA, 2008, p. 21, grifo da autora).
Lélia Duarte afirma que o riso, resultante do humor, pode voltar-se para o
próprio eu, que graceja com seus infortúnios, “costumes, crenças, pretensões ou
manias” e que “pode revelar o sofrimento em toda a sua crueza” (DUARTE, 2006, p.
51,53). Ou seja, enquanto a narradora parece direcionar um riso à jovem, esse riso,
por outro lado, volta-se sobre si mesma, porque diz respeito aos seus costumes de,
79
dele” (Ct 2,16; 6,3), “Venha o meu amado para o seu jardim e coma os seus frutos
excelentes!” (Ct 4,16).
Matar o Anjo do Lar fazia parte da atividade de uma escritora. [...] E de fato
ficou na mais viva angústia e aflição. Falando sem metáforas, ela [a
ensaísta enquanto romancista] pensou numa coisa, uma coisa sobre o
corpo, sobre as paixões, que para ela, como mulher era impróprio dizer. E a
razão lhe dizia que os homens ficariam chocados. Foi a consciência do que
diriam os homens sobre uma mulher que fala de suas paixões que a
despertou do estado de inconsciência como artista. [...] Então, essas foram
duas experiências muito genuínas que tive. [...] A primeira – matar o Anjo do
Lar – creio que resolvi. Ele morreu. Mas a segunda, falar a verdade sobre
minhas experiências do corpo, creio que não resolvi. Duvido que alguma
mulher já tenha resolvido. (WOOLF, 2017, p. 14-17).
Em Niketche, o livro poético bíblico foi destacado por Cândido Rafael Silva:
“Em vários momentos da narrativa, principalmente quando explodem as tensões na
estória narrada pela protagonista do romance, surge uma pausa para o lirismo [...],
fazendo-nos recordar do Cânticos dos cânticos. (SILVA, 2009, p. 31-32, grifo do
autor). De fato, se contrastarmos com OGM, o estilo lírico de Cântico dos cânticos
aparece com veemência na obra de Paulina Chiziane, claro, “reconfigurado
literariamente”, pontua Antonio Manuel Ferreira (2013, p. 85). E mais, Chiziane
recupera, em partes, a leitura que recoloca o livro epitalâmico no seu lugar de
erotismo, conforme defendeu Geraldo Cavalcanti (2005). Vejamos um exemplo
dessa leitura. Trata-se do momento em que Rami, ao conhecer outra mulher de
Tony, assim a descreve:
como o amor à primeira vista. Trocamos confidências como velhas amigas, como
irmãs gémeas30”.
Ela tenta secar o meu rio com as mãos nuas. Aquelas mãos correm suaves
no meu rosto, como flocos de algodão. Aquelas mãos transmitem calor
como asas de galinha cobrindo os pintos. Descarrega sobre mim um
oceano de ternura. Coloca o seu braço delicado sobre o meu ombro.
Abraça-me. Sinto o cheiro do perfume dela. O Tony tem razão de se perder
de amores por ela, como ela é boa, meu Deus! (CHIZIANE, 2004, p. 215-
216).
Assim, além do par sulamita, podemos ler a declaração erótica de Rami como
questionadora do paradigmático casal Adão e Eva, construindo, portanto, um novo
par Rami e Eva ou Eva e Rami. Chiziane reconstrói o erotismo, o prazer desfrutado
pela própria mulher. O cômico disso tudo? Ora, como não rir desse espelhamento
restaurador da atração entre mulheres, seja a da fraternidade ou a do desejo
sexual? Como não experienciar um riso de quem descobre outro modo de estar-
sendo mulher? E que venham as vulvas.
30Cândido Rafael Silva (2009), em sua dissertação, explora a metáfora dos espelhos e dos duplos na
obra Niketche.
84
“Da terra” parece aludir à expressão bíblica “ao pó tornarás”, porém sob a
perspectiva da mulher que fura a imagem insuflada, oca, do homem que recriou uma
poligamia em benefício próprio. Essa mulher destitui-o do seu lugar construído
tradicionalmente como o de “deus”, palavra usada ironicamente pelo narrador para
se referir ao marido de Donamarguita, morto num acidente, mas que ainda seria
honrado pela castidade dela (FERREIRA, 2008, p. 67); ou, como já dissera Mavinda
Massogi, sobre o que aprendera da tradição, marido é “dono e senhor”. (FERREIRA,
2008, p. 192). Sabemos, pois, que a morte é realidade da existência humana, e isso
nos inquieta. Mas a finitude do poderio masculino parece assustar mais, porque ela
acontece duplamente: na escrita e no protagonismo no riso de Ferreira.
86
31Segundo Eulália Temba (2004), “muitas vezes a morte do marido” é “associada a um feitiço feito
pela mulher para o matar e ficar com os bens.” Por conta dessa associação, muitas vezes os rituais
de purificação são utilizados como testes para legitimar a “culpabilidade” da mulher na morte do
marido, para que ela não fique com os bens.
32 Além de Eulália Temba, Aline Beatriz Miranda da Silva (2019) discutirá sobre as práticas da viuvez
em Moçambique. A partir de uma pesquisa de campo com mulheres viúvas na cidade de Maputo,
Aline Silva apresenta diferenças de sentido da viuvez para essas mulheres. Entre obrigação ou
proibição de vestir o luto, as mulheres sofrem de modos distintos, concluirá a pesquisadora.
87
que o Tony só regresse a casa depois deste acto consumado.” (CHIZIANE, 2004, p.
221).
Por que sorriram após ouvir uma canção? Alegria, satisfação, poderíamos
concluir. De fato, mas foi dada a expressão “por razões diferentes”, por isso,
tentamos compreender qual seria o sentido de sorriso para cada um. Seria porque a
música revelou seus desejos cúmplices, mas com expectativas diferentes? Seria
pelo sorriso desconfiado do que está por vir, pela elevação “em nuvens de poeira”
do ápice do prazer? Seria pelo prenúncio da diluição das “pedras”, das verdades que
habitam os seres, mesmo que eles não queiram essa dissolução ou a ela resistam?
Seria um sorriso de medo pela entrega sem reserva aos afetos? São várias as
possibilidades. Há, porém, alguns caminhos de leitura escolhidos, a partir de pistas
textuais no desenrolar da história.
A cena parece inoportuna para que haja razões diferentes do sorriso, pois a
música não é nada engraçada ou cômica. O sorriso em si é gratuito, mas coube ao
narrador a tarefa de criar tensões ou sugeri-las. Então, comecemos a compreendê-
las com base no diálogo entre Lélia Duarte e os estudos de George Bataille:
desejo é a mulher, que não mede esforços, inclusive o econômico, para seduzir o
amante; por sua vez, há uma crítica social sobre o empenho dos sujeitos para
idealizarem sonhos, alimentados pelos contos de fadas que ambientalizam a paixão
em castelos, no caso, a cena se deu em “Novo Hotel Luandinense”, num dos
“luxuosos apartamentos”; por outro lado, esses contos estão atualizados na capital
angolana nitidamente segregacionista, engendrada pelo consumismo.
Os risos de Mavi são uma resposta ante um tropeço de uma narrativa que
corre há séculos como verdadeira, única – a masculinidade do homem só é
verdadeira quando tangível ou verificável –, mas que, posta à prova nas relações
interpessoais, titubeia. (BADINTER, 1993; HEFEZ, 2013). O que faz rir na cena é a
falta de jeito de Kafrique em sustentar sua narrativa de homem viril. E essa falta de
modo anuncia uma fenda na simbologia criada em torno do homem sempre ativo,
penetrante. Anuncia também uma rachadura no silenciamento de um corpo feminino
desejante.
E o humor? Ora, rir pode ser revelador dos discursos ocos, sem sustentação,
porque a realidade é viva, acontece em relação, questiona nossas narrativas
idealizadas, seja por homens ou mulheres. Na cena, o humor mostra as
complexidades dos sujeitos, pois, em um único episódio, muitas questões se
entrecruzam: questões sociais, econômicas, temporais, valores do mundo
globalizado e locais.
Assim, depois dos sorrisos e das galhofas, a realidade caiu em Kafrique como
um peso, conforme admite: “Em toda a minha vida, posso dizer que fui violado.”
(FERREIRA, 2008, p. 219). A violação apagou a doçura e o sono, ficando o
93
E tudo isso aconteceu após o “som de Maria Betânia num repeat contínuo
produzindo efeitos colaterais.” (FERREIRA, 2008, p. 217). Na memória do casal
Mavi e Kafrique, “em jeito de um par trágico, ficaram vestígios de um diálogo que
fermentou no âmago de cada um”, ficaram dilemas, afetos, desejos, marcas
(FERREIRA, 2008, p. 214). É um repeat, uma recorrência, porque, por um lado, a
narrativa de par trágico, de sofrer por um amor impossível de ser realizado,
atravessa continentes, é universal; por outro, não quer dizer que essa narrativa
insistente provoque os mesmos efeitos colaterais para todos. O tempo e o espaço,
no caso de Angola do século XXI, traz outros dramas, como se pôde perceber na
relação entre Mavi e Kafrique.
Aliás, Rami também faz a escolha de ouvir uma música na voz de uma
mulher. Diz a personagem de Niketche: “O que vou fazer é ouvir uma música
agradável, na voz grave e masculina de um bom trovador. Não. Apetece-me ouvir a
voz feminina suave e dourada da Rosália Mboa.” (CHIZIANE, 2004, p. 149). A partir
da leitura de Ana Mafalda Leite (2003), aproprio-me dos termos “ab-rogar e
94
33 Esclareço que Ana Mafalda Leite (2003, p. 19) relê o termo abrogation dentro de um conjunto de
ensaios sobre estudos pós-coloniais “The impire writes back: Theory and pratice in post-colonial
literatures”, organizado por Bill Ashcroft et al. (1989).
95
Penso muito nessa tal Julieta ou Juliana. Mulher bonita, ouvi dizer. [...]
De repente apetece-me ferver um pote de óleo e derramar na cara dessa
Julieta ou Juliana, para eliminá-la do meu caminho. [...] Rezo. Rezo com
todo o fervor para que essa mulher morra e vá para o inferno. Mas ela não
morre e nem o romance acaba. Enquanto ela viver, nunca terei o meu
marido por completo e eu não o quero dividir com ela. (CHIZIANE, 2004, p.
19).
A narrativa sobre Rami e Julieta, sobre Tony e Julieta, mostra a graça da vida
e o ridículo do ser humano; seus dramas e suas tragédias; o encontro da mulher
consigo mesma.
O par Tony e Julieta não vive um amor intenso, como a própria Rami
acreditou no primeiro momento ao vê-la bem alimentada, numa casa grande, linda,
rodeada de filhos, aspectos indicativos de cuidado, de responsabilidade do homem
por uma família na tradição moçambicana. Ao contrário, tudo isso não passava de
“um retrato pendurado” na parede, onde, “sorrindo para o mundo”, os “olhos de
ambos parecem estar fixos em mim, gozando-me”. (CHIZIANE, 2004, p. 21).
Certamente, as narrativas literárias são partilhadas, e com elas memórias e crenças
do que se preservou sobre o que se escreveu: a narrativa de um amor
romanticamente trágico fixou-se também no ideário moçambicano.
Mas Rami percebe que tudo “cheira a falso, tão falso como o amor que
construiu este lar” porque Julieta era “mais sofrida”, pois ela e seu filhos, segundo
Rami, não estão recebendo o amparo que seria justo, ao contrário, Tony só fazia
“promessas maravilhosas”. (CHIZIANE, 2004, p. 20,23,26). E continua Rami: “Sinto
pena desta mulher que lutou por um amor e acabou em dor.” (p. 23). A história da
Julieta moçambicana “revela-se uma verdade mais cáustica que uma taça de
veneno”, afirma Rami (CHIZIANE, 2004, p. 25). Chiziane ironiza o sentido de
tragédia ao comparar o grau de impacto na história de Romeu e Julieta com a
história de Tony e Julieta. Ou seja, parece mais resoluto matar dois personagens
que fizeram juras de amor e eternizar um amor incólume do que desfazer amarras
da hegemonia masculina em Moçambique, vinda de vários lados: pelos portugueses,
com a tradição cristã; pelos árabes, com a poligamia.
96
34Durante o momento da pesquisa não encontrei material endógeno de teóricos de países africanos
de língua portuguesa que teorizassem sobre o riso, por isso insisti na opção pelo filósofo alemão.
98
aspectos da tese. Isso precisa ficar claro porque, diferentemente, o mundo religioso
em países de África é um aspecto de grande valor e complexidade. A perspectiva
animista abarca uma visão de integração e harmonia entre a natureza e os
humanos, objetos e plantas, mortos e vivos. Tudo é vida, homens são deuses,
deuses são homens, objetos são vivos, humanos viram animais, o sobrenatural é
natural. (GARUBA, 2012; PARADISO, 2015). E mais uma vez, isso só confirma o
valor do corpo e de todas as formas possíveis de expressar vida por meio dele.
Em OGM, a esposa no prólogo desabafa: “sinto que Deus está morto”, “queria
ter alguém ao meu lado para colher os meus desabafos.” E ela se ira: “Ah! Se eu
pudesse elevá-los a Deus! Mas Ele está morto! [...]. Deus está morto!”. (FERREIRA,
2008, p. 19). Cristo também não escapa de seu riso zombador: “o Filho de Deus
devia ser novamente crucificado, agora pelas mulheres.” (FERREIRA, 2008, p. 19).
As sentenças de morte aparecem várias vezes no prólogo e se alternam com a
sentença dada ao marido: “E o meu homem que um dia esteve vivo para mim, está
morto!” (FERREIRA, 2008, p. 24). Para o efeito iconoclasta, a autora, por meio de
sua personagem, coloca Deus e o homem na mira do riso zombeteiro, mostrando o
verdadeiro sentido contido na relação entre “a imagem e a semelhança” que
aproxima essas figuras masculinas: o gesto de abandonar.
Miller, retomada por Hutcheon, faz “um apelo para que as mulheres usem a ironia
como uma arma e um instrumento de mudança”. (HUTCHEON, 2000, p. 219).
Parece-me que levei a sério esse apelo no momento de elaboração da tese.
Temeroso com o caos, Tony clama a Rami pela redenção de sua honra de
macho, querendo saber de quem é o filho em seu ventre. A “ideia de traição provoca
nos homens um cataclismo sem fim”, diz Rami, e ele vai vendo seu mundo em
ruínas, sem as outras mulheres, os filhos e agora perdendo a esposa principal
(CHIZIANE, 2004, p. 299). Rami não trai e cumpre a tradição do levirato, esperando,
portanto, o filho do Levy.
nas águas, saindo das verdades empedernidas nas quais ela havia erigido o sentido
do seu ser.
Tony parece ter medo da “infinidade dos possíveis” das águas; daquelas
águas agitadas, ameaçadoras do “mais”, isso seria um cataclisma sem fim.
Realmente, Chiziane não veio trazer calmaria, nem paz. Os personagens não riem,
mas o leitor é convidado a esboçar um sorriso, leve que seja, ou estrondoso que
seja. É chamado a convergir o riso para si mesmo, para suas convicções,
ingenuidades, arbítrios petrificados, e, então, se beneficiar de uma das funções do
riso, que consiste em se libertar de um sistema que oprime, conforme Lélia Duarte
(2006).
Mas “coração” é também símbolo do amor. Como pode o amor ser atacado?
Geraldo Cavalcanti nos auxilia na leitura que proponho em relação à queda do amor:
“De fato, nenhuma religião fala tanto do amor quanto a religião cristã e nenhuma
mais do que ela para diabolizar o sexo.” Em seguida, o ensaísta cita Maurice
Valency: “O amor foi a base da igreja cristã. Toda a história humana – a criação, a
queda, a redenção, mesmo a danação eterna – foi o fruto do amor e somente do
amor.” (VALENCY apud CAVALCANTI, 2005, p. 209). Depois Cavalcanti contesta:
Mas desse amor que tudo compenetra, exclui-se a carne, aquilo que faz o
homem e que, para redimi-lo, Deus assumiu na pessoa do Filho. Ora,
mesmo a religião do temor sabia reconhecer que se podia e se devia
desejar também com a carne, com a mesma intensidade com que se
desejava com a alma. (CAVALCANTI, 2005, p. 209).
Calcificado está o símbolo que não mais faz sentido: o do amor cristão de um
marido monogâmico polígamo, já que não admite o corpo desejante de Rami por
outro homem, porque à esposa caberia o amor exclusivo pelo marido, critério distinto
aplicado ao homem. Tony é uma alegoria do autoritarismo masculino, e, por meio de
uma alegoria, segundo Benjamim, nos deparamos com a “facies hippocratica da
História”, isto é, sua face sofrida, que nos revela uma “protopaisagem petrificada”.
(BENJAMIM, 1984, p. 188, grifo do autor).
Portanto, se a árvore não dá fruto, como diria o texto bíblico, ela “é cortada e
lançada ao fogo” (Mt. 7, 19). Tem-se, portanto, a derrocada de uma masculinidade
tirana, porque a árvore que deseja florescer é outra, o ramo é outro, é Rami. Ou, os
ramos são outros, ramificados nas mulheres Julieta, Luísa, Saly, Mauá, Eva. E quem
anuncia, ou sugere, em Niketche, outra proposta de lidar com as relações
interpessoais é a própria mulher. Chiziane realiza o anúncio por meio de uma Maria
cheia de graça, a “Rosa Maria”, nome composto de sua protagonista. (CHIZIANE,
2004, p. 52). Rami aprendeu pelo espelho sarcástico, irônico – aquele que pediu
para ela varrer o lixo da alma, aquele que disse “quem és tu” – outra graça, não o
sorriso das virgens, mas o riso da vida em sua plenitude. Logo, a personagem riu
desde o começo da narrativa ficcional, mas a consciência sobre isso foi sendo
desenvolvida à medida que o riso dela se encontrava com outros fios de risos de
tantas outras mulheres.
106
Reitero, tal qual a ambivalência da água, que o riso pode conservar costumes,
ser um método de escamotear realidades, acobertar ou manter condicionamentos
cristalizados pela organização social. Ou pode sinalizar uma sabedoria de quem
joga com o riso para “repousar da fadiga de viver”. (BERGSON, 2018, p. 122).
Para auxiliar o leitor sobre o que estamos discutindo nesta seção, antes de
introduzir OGM em comparação com Niketche, sintetizo, em um dito popular, na
versão de pergunta: quem ri por último, no caso, as mulheres africanas que ocupam
o vértice na pirâmide de opressão, retomando Inocência Mata, ri melhor mesmo?
Dito de outra forma: existe, no final do romance de Isabel Ferreira, como pareceu
enfático em Chiziane, um riso de alegria, alívio, ironia, pela morte do divino, do
homem, simbolizando a morte do patriarcado?
Desses narradores, destaco Hunende, tanto pelo fato de sua voz aparecer
mais vezes na obra quanto pelo propósito de pensar a questão levantada sobre o
prognóstico do fim da hegemonia masculina. No entanto, precisamos conhecê-lo,
primeiro, para depois fazer essa articulação.
35Se você não conseguiu inferir o significado dessa palavra “Kudilar”, em quimbundo, fique tranquilo
eu explicarei. Mas só farei no próximo capítulo, o último da tese. Devagar, leitor.
107
Hunende, marido de Kiluva, surge na obra como um defunto que volta à Terra
e apronta algumas peripécias. Antes disso, no reino celestial dos brancos, espíritos
e seres se reúnem para decidir sobre o regresso de Hunende. Assim, ele é obrigado
a voltar a sua cidade para conhecer melhor o seu passado, pois não estava na hora
de ele morrer e porque a estadia naquele reino branco indicava algo estranho, já
Hunende era de cor preta e pobre. Nesse momento, o narrador-personagem se
assusta ao saber que até no mundo celestial havia lugares separados por cor e
classe.
Com essa síntese sobre Hunende, destaca-se que Isabel Ferreira alude ao
defunto autor de Machado de Assis36, que, diga-se, foi um dos influenciadores de
leitura da autora. Em outra perspectiva, se tomarmos a cultura da fé em África, o
animismo, referida no início da seção, há peculiaridade. Essa cultura pressupõe uma
existência de integração entre natureza e humanos, mortos e vivos. (GARUBA,
2012). Então, quando Hunende afirma que habitará os corpos, causando neles
desconfortos, isso é natural, faz parte do dia a dia de como os angolanos concebem
a integralidade da vida. Além disso, a primeira morte de Hunende não é definitiva,
porque, antes, precisa desvelar algumas questões para, então, descansar tranquilo,
como afirma o narrador.
36A tese de Roberta Maria Ferreira Alves “Olhares irônicos sobre a morte: memória e travestimentos
em narrativas de língua portuguesa” (2013) faz uma análise comparativa entre Machado de Assis,
Jorge Amado, ambos escritores brasileiros, Germano Almeida (Cabo Verde) e João Paulo Borges
Coelho (Moçambique), a respeito do tratamento irônico dado à morte em obras desses autores.
108
assim Hunende a chama, não guardou o luto e ainda namorava seu ex-chefe,
Hunende fica desolado e confessa: “fiquei estarrecido”, “sinto as dores da traição”,
“fiquei desnorteado, queria sair do Jardim Celestial, tocar em ti que nem S. Tomé em
Cristo Jesus!”, “chorei, sangrei de dor” (FERREIRA, 2008, p. 278-280).
decisões, tendo em vista todo o contexto da tradição, Kiluva volta a sofrer com as
novas perturbações de Hunende e o abandono de outro homem por quem havia
sentido prazeres.
37 Há distintas maneiras de sua formulação e diferentes traduções, segundo Marco Aurélio Silva
(2005).
110
O cenário em Niketche é caos para que algo novo se faça, renasça, como
sinaliza o filho no ventre de Rami. O cenário em OGM avulta harmonia, convergindo,
até certo ponto, com as ideias de Luther Link, retomado pelas palavras de Sérgio
Rizo, sobre as implicações temáticas dos apocalipses na arte: “o princípio do Juízo
Final não é o do conflito, mas o da harmonia por intermédio de um julgamento e de
uma separação, ocorrendo ajustes, dos eleitos e dos condenados.” Então, “quando
soa a última trombeta e os mortos retornam à vida o ajuste final é feito para todo o
sempre.” (RIZO, 2016, p. 80).
38Às vezes, nem é preciso que ele [o carteiro] caia; outras vezes nem é sequer preciso que exista.
Basta imaginá-lo ou recordá-lo. A sombra da sombra de uma lembrança grotesca projeta-se no meio
da paixão mais aborrecível, e o sorriso vem às vezes à tona da cara, leve que seja – um nada.
Deixemo-la rir [...]. (ASSIS, 2011b, p. 131).
111
que seja, ou estrondoso que seja, caro Machado, e assim: “Divertimo-nos como
nunca. A Lu e a Saly contavam anedotas e gargalhávamos. A Ju e a Mauá ouviam,
sorriam.” (CHIZIANE, 2004, p. 110-11). Mavinda Massogi, Madian, Kiluva, Kiminha e
Ana Medrante “riam-se das ingenuidades e dos fracassos dos companheiros”.
(FERREIRA, 2008, p. 251). Deixemos as mulheres rirem. Por quê? Senhor meu,
talvez você não tenha sofrido o efeito colateral de uma pena embotada.
112
5 UM RISO SÓ
Donde vem esse sol negro? De que galáxia insensata seus raios invisíveis e
pesados me imobilizam no chão, na cama, no mutismo, na renúncia?
(KRISTEVA, 1989, p. 11)
A partir das epígrafes, busco analisar o jogo conflitante entre riso e melancolia
nas obras Niketche e OGM. Pretendo, com tal análise, compreender o quanto as
formas da tradição oral figurada na escrita têm, em sua constituição, o riso, o prazer
de contar, atuando como um gesto de resistir ao peso da melancolia como tristeza
profunda.
Convido o leitor a se preparar para o era uma vez de Paulina Chiziane. Sente-
se, porque lá vem a história:
Mas ainda não é o fim. Temos outros sentidos mais tensos nas entrelinhas do
conto popular. Percebemos, pois, a existência de significado alegórico e irônico na
narrativa. Embora consciente de uma discussão tanto extensa quanto profunda
sobre aquele par conceitual, apresento o sentido que pretendo para as análises dos
textos literários. Demonstrarei como as duas categorias – alegoria e ironia – têm
suas diferenças, bem como articulações. Para isso, apoio-me no texto “Alegoria e
ironia: confrontos e convergências” de Eiliko Flores (2011), no qual o autor usa as
duas categorias para analisar o mesmo poema, o de Manuel Bandeira, “Maçã”
(2006), apesar de Flores priorizar a ironia, diferenciando-se da leitura alegórica
muito comum sobre o texto brasileiro.
Essa minha busca, em certo sentido, foi provocada pelo gesto do narrador
nos textos da tradição oral moçambicana. Esse narrador, segundo Moreira, evoca
“pela reminiscência, situações associadas às vivências dessa mesma tradição e
situações associadas à realidade atual de Moçambique.” (MOREIRA, 2005, p. 147).
118
Com objetivo de entender quais seriam essas possíveis situações recuperadas pela
memória e associadas à realidade do país moçambicano, amparei-me no artigo “As
mulheres à beira de um império nervoso na obra de Paulina Chiziane e Ungulani Ba
ka Khosa”, de Hilary Owen (2010), professora de Estudos Portugueses e Luso-
africanos na Universidade de Manchester. Nesse texto, Owen salienta um
questionamento latente nas obras As Andorinhas (CHIZIANE, 2013a) e Ualalapi
(KHOSA, 1991): o legado das tendências imperialistas e totalitárias de quem
governou Moçambique.
39Para aprofundar sobre essa história, sugiro o texto “Ocupação e escravidão em Moçambique do
século XIX”, de Francielly Giachini Barbosa (2012). Cf. referências.
119
Vimos que o discurso didático tem a característica de citar uma voz remissiva
ao saber ancestral, voz organizadora de uma concepção de mundo fundadora dos
textos. (MOREIRA, 2005). Esse discurso, segundo Terezinha Moreira, pode
confirmar a tradição ou criticá-la. Numa primeira leitura do conto popular, confirma-
se a tradição e, por isso, a alegoria se adapta a ela, já que esse procedimento
trabalha com a concordância de elementos similares.
Se, de um lado, a nudez pode salvar, por outro, a nudez pode ser mau
agouro, afirma a narradora protagonista de Niketche. Este parece ser um sentido
mais pertinente para a história do rei tirano, pois o nu que está em questão é o
traseiro. De acordo com Bakhtin (1993), o traseiro é um contaminador da figura
120
Sob outro olhar, poderíamos definir aquela voz como uma voz melancólica, se
pressupormos que revela uma angústia, um incômodo, por ter transgredido na forma
de usar o corpo. Ou seja, parece que, ao terminar a lenda, a personagem se depara
não com a vitória ali enunciada, mas com a realidade que pesa sobre a mulher
moçambicana. Esse momento nos faz retomar as palavras de François Roustang
(1996) sobre a duração do riso: após sua explosão, a realidade retorna ao peso de
sua história.
Por outro lado, nem sempre, como afirma a teórica, as obras literárias da pós-
colonialidade tornam “ontologicamente diferente esta escrita.” (MATA, 2018, p. 426).
Maria Nazareth Soares Fonseca (2000) também modera a obrigatoriedade dos
textos mais recentes de romperem com a relação naturalizada entre gênero feminino
e símbolo Mãe-África. Por exemplo, o próprio romance Niketche apresenta uma
epígrafe zambiana, louvando esse símbolo: “Mulher é terra. Sem semear, sem regar,
nada produz”. (CHIZIANE, 2004). O verso é regido pelos valores culturais e
tradicionais que reforçam o lugar de um corpo fecundante, gerador e cuidador da
terra e da prole.
parece solicitar a presença de um corpo, seu cheiro, sua cor, suas secreções, o tom
da voz, diferente da escrita. No entanto, o leitor pode criar a voz, o tom que deseja
ouvir, o corpo que deseja sentir, o riso que deseja experienciar.
E onde fica a melancolia? Como foi dito, a tristeza profunda vem quando a
realidade, figurada naquele eco sobre qual nudez feminina deve ser aceita, vem
para culpá-las de seus comportamentos violadores de uma norma, de uma tradição
sob a égide do patriarcado.
vendedor não tem uma certidão de nascimento que legitime sua existência e guarda
e distribui afetos contraditórios, como o sorriso e as mágoas. Tais dores são
confessadas por um sujeito que não tem família nem onde morar, conforme diz: Não
tenho certidão de nascimento. Não existo! Família? Nunca tive. (FERREIRA, 2008,
p. 173) e “para quem não tem mais nada nesta vida, nem mesmo onde dormir, só
me resta sorrir para não kudilar40. Chorar não dá dinheiro...Sorrir sim!” (FERREIRA,
2008, p. 181). Ora, afirma Todorov, “sem um sentimento de identidade que nos
pertença, vemo-nos ameaçados em nosso próprio ser e paralisados” ou em estado
de melancolia. (TODOROV, 2002, p. 195). O caráter “entontecido” do ambulante
decorre de suas memórias parcas e fraturadas, tendo em vista o trauma dos vários
abandonos por ele sofridos.
Não tenho outro nome! Adoptei este nome como meu, por revolta as
mágoas da minha mãe e aos sorrisos fingidos da minha avó, que me
escondia das amigas, por ter nascido um ilegítimo, um bastardo.
Não conheço o meu pai. Nunca tive pai! Fui abandonado no dia da minha
concepção. O significado da palavra pai eu não conheço.
40 Leitor, não precisa de dicionário para saber o significado de “kudilar”. Aliás, nosso dicionário em
língua portuguesa não lhe dará a resposta. A resposta está lá, naquela mesma linha, mora ao lado:
chorar. Essa estratégia didática é comum tanto na escrita de Ferreira quanto na de Chiziane. A
necessidade de explicar, definir palavras em quimbundo logo após seu aparecimento, bem como
utilizar procedimentos de frases curtas, repetições de palavras, de formulações linguísticas, sintáticas,
aliadas ao ritmo, são estratégias da narrativa oral. O objetivo é assegurar, segundo Padilha, a
audição do receptor, pois esses recursos facilitam o processo mnemônico, de maneira que “esse
receptor possa vir a ser um retransmissor e difusor da mensagem narrativa” (PADILHA, 1995, p. 29).
Além disso, tais estratégias podem ser entendidas por um objetivo inicial de expansão da literatura
angolana, por exemplo, porque elas são mais dinâmicas e fáceis de alcançar um público maior de
leitores. Após a independência do país, o contexto mundial de expansão, globalização cultural exigia
um meio de expressão que abarcasse os compatriotas e o público mundial, afirma Padilha (1995, p.
29). Em razão disso, o escritor precisaria utilizar procedimentos que lhe permitissem atingir um
público mais amplo possível. (PADILHA, 1995, p. 139-140).
125
Não tenho certidão de nascimento. Não existo! Família? Nunca tive. Nem,
mesmo quando nasci. Só avó. Tive tias; muitas tias emprestadas. Tive tios;
tios que eu conheci na avenida da curiosidade.
Recebi sorriso por liquidação. Por isso agora dou a n’dunta (a saldo). Nunca
faço sorriso por empréstimo. (FERREIRA, 2008, p. 173).
A minha mãe, que diziam ser grande beata, não aguentou a dor da
humilhação. Tudo aconteceu num dia de intensa paixão e de uma única
entrega total. Pobre mãe! Levou consigo o fulgor da paixão que nutria pelo
homem que facilitou a minha entrada ao mundo dos vivos. Com a tristeza a
comer-lhe a carne, minha mãe definhou. Engoliu os insultos que a vida
madrasta lhe ofereceu. Morreu tuberculosa de amor num colchão que uma
mão amiga lhe deu.
Da minha avó já perdi os sinais visuais. Perdi a memória do tempo que tudo
por mim fazia. Os símbolos afectivos, emprestados durante a minha tênue
infância, a vida maldita que levo, inadequaram-se de mim. (FERREIRA,
2008, p. 174).
é exigido do homem. Tanto isso pode ser notado que o termo “pai” não aparece para
se referir à paternidade, mas apenas a palavra “homem” no questionamento “E os
homens?” e na expressão “pobre homem”.
dos filhos por ele não saber como conduzir toda a situação com a jovem Mavi,
termina em corpo desejante, explicitamente em ereção (FERREIRA, 2008, p. 224);
Hunende tem um fim duplamente glorioso, pois, além de sua morte definitiva ter sido
em festa, ele, enquanto se preparava para subir, se consome em desejos pela
Kiluva, a ponto de dizer “encaixo a acção. Assumo como minha. Trafico desejos.”
(FERREIRA, 2008, p. 322).
Hampaté Bâ continua:
Escutar para compreender. Escutar para contar.41 Contar para que a dor
possa só(r)ir, transmutar.
Então, leitor, sugiro-lhe que se acomode para acompanhar mais uma história
escrita por Isabel Ferreira como quem conta a dor de um povo rindo. Ouça. Digo:
leia, se possível em voz alta:
41Sugiro a leitura do artigo de Eufrida Pereira da Silva (2011): “Falar para curar, ouvir para aprender
– Niketche: uma história de poligamia, de Paulina Chiziane.” Cf.referências.
131
alheias?”. Depois fortalece essa repreensão com a triste lembrança da finada mãe:
“Imagino o que disseram sobre minha finada mãe!”. O leitor é levado a sentir
compaixão pelo vendedor, se recordar da história da falecida mãe.
é Ninguém” para escapar de ser devorado pelo ciclope Polifemo, que teve o único
olho vazado. O monstro, ao pedir ajuda, precisava nomear o inimigo para que este
fosse encontrado. Mas como encontrar “Ninguém”?
Então, com malícia e burla, o personagem de Homero joga com seu próprio
nome, porque Odisseu, de raiz Udeis, significa em grego “ninguém”42. (MATOS,
1987; MENDES, 2008; OLIVEIRA, 2008). Segundo Olgária Matos (1987), “Ulisses”
não se trata ainda de um nome, o que nos faz lembrar a afirmação, já mencionada,
do ambulante de sorrisos “Não tenho outro nome”.
Ulisses é matriz do herói cômico, aquele que tenta esgueirar-se, sem ilusões,
usando as artimanhas bem humanas. Aquiles é a imagem da virilidade, da força, do
enfrentamento direto; Ulisses usa poderes de burla, de gracejo, que estão a serviço
do “prosaico objetivo”: sobreviver. (MENDES, 2008, p. 211). Nesse sentido, a razão
prática como força em ação na comédia é um modo de dilapidar as verdades
canônicas sem o ataque frontal, direto, enfatiza Cleise Mendes.
42Antônio Carvalho (2002), Donaldo Shüler (2007) e Trajano Vieira (2003) associam o nome de
Odisseu à palavra ódio, que viria do verbo Odýssomai (odiar) e do substantivo odyne (ódio). Mas
escolhemos o sentido de “ninguém”, que aparece em Cleise Mendes (2008), Luís Oliveira (2008) e
Olgária Matos (1987), pelo sentido sugerido no texto ficcional angolano.
135
43 Em entrevista à pesquisadora Franciane Silva (2014), Isabel Ferreira relata sobre represálias e
violência após a publicação da sua obra O guardador de memórias. (SILVA, 2014, p. 99).
136
Outra cena literária para observar um riso entre(is)tecido na tradição oral está
na passagem seguinte. Nela, veremos os sofrimentos dos luandenses pobres, mas
contados de um jeito em que se articulam narrativa e drama:
O trecho é iniciado por uma fala de uma personagem, cujo nome é Kilamba,
que trabalha como vigia em uma casa de luxo, conhecido como “guarda-mansão”.
Kilamba inicia sua fala a partir do presente, lançando um comentário sobre a
agitação da natureza: “Tudo na cidade Luandinense é abanado com a força do
vento.” Ao prosseguir, vemos que ele seduz os interlocutores, seus colegas de
trabalho e o leitor, com um “Nem imaginem”. É uma expressão típica da forma oral
de contar um caso, significando algo absurdo, que não conseguimos sequer
imaginar. Ou melhor, se até a imaginação, à qual é facultada a crença em coisa
ilógica, não consegue projetar o absurdo, como poderíamos acreditar no ilogismo?
Logo, o caso pode parecer mentira.
Mas pode ser verdade porque quem narra é a própria pessoa que viveu e que
convoca, indiretamente, os seus colegas a confirmar a veracidade daquilo que vai
contar, pois Kilamba, ao soltar a queixa “Aliás ao pobre tudo de mau acontece!”,
coloca todos na mesma situação. Em seguida, o guarda-mansão lança um pedido
de escuta, como a iniciar sua história.
Esse narrador parece gostar do que ouve ou vê, pois é obstinado a incitar o
leitor a tomar parte da narrativa ao destacar aspectos da voz, dos gestos, das
expressões faciais, da corporeidade, ilustrados na passagem abaixo:
44Essa expressão está no poema “Karingana ua Karingana”, de José Craveirinha (1995), escritor
moçambicano, e utilizada na obra O vão da voz, de Terezinha Taborda Moreira (2005), na qual a
pesquisadora desenvolve a teoria sobre o narrador performático.
138
É possível fazer frente à tristeza por uma atividade capaz de dar alegria aos
envolvidos, como a contação de histórias. No entanto, os contrapontos são
inevitáveis e o medo de perder o emprego – “Eu não tenho medo do vento, nem da
chuva. Tenho medo de perder o emprego” – é mais forte que o medo da natureza,
este agente tão poderoso, sagrado e digno de temor para os angolanos. Nem a
memória de tempos de fome, de guerra – “A comida escasseava na cidade
Luandinense. À medida que a guerra se alastrava, o sentimento patriótico
aumentava” – fez desaparecer a alegria.
Rami nos conta uma história que ouviu de uma mulher do interior da
Zambézia. O caso dela, anunciado na primeira epígrafe deste último capítulo da
tese, diz respeito aos quatro abusos sexuais sofridos, uma mulher que “carregou a
história de todas as guerras do país num só ventre.” (CHIZIANE, 2004, p. 278).
Segue o excerto:
Depois Rami afirma, ironicamente, que foram mesmo dois abusos, já que, nas
outras ocorrências, a zambiana “entregou-se de livre vontade porque se sentia
especializada em violação sexual.” A avaliação cáustica da narradora-personagem
junta dois elementos desiguais: liberdade e abuso sexual. Ironicamente, Rami
justifica essa união pela palavra “especializada”, palavra indicadora de perícia, que
no contexto, paradoxalmente, sobressalta uma repetição de violência e um trauma
dessa mulher.
Mas ainda assim a mulher da Zambézia “canta e ri”. Conta sua história a
qualquer um que passa, de lágrimas nos olhos e sorriso nos lábios e declara: “A
minha felicidade foi ter gerado só homem, diz ela, nenhum deles conhecerá a dor da
violação sexual.” (CHIZIANE, 2004, p. 279). Em relação à negação do nascimento
de mulheres, o ambulante em OGM também se diz aliviado pelo benefício de ele
não ter irmãs, porque assim elas não seriam vítimas dos mujimbos das mais velhas,
que consideravam um absurdo uma viúva não guardar o luto como manda a tradição
(FERREIRA, 2008, p. 179). São textos ficcionais de lugares distintos, Moçambique e
Angola, mas que insistem em revelar, por meio do imbricamento entre riso e
sofrimento, o corpo da mulher como objeto a serviço da tirana do patriarcado.
Essa escrita que salta do trágico para o riso, ou vice-versa, que engendra
alegria e desencanto, é comum em obras contemporâneas, afirma Lola Xavier
(2011). Toda essa intersecção, às vezes, se faz um caos. Mas por que seria
142
Ora esse narrador nos conta uma história, ora encena, parecendo teatro, ora
comenta, ora se dirige ao leitor, ora assume uma postura lúdica, lírica. Porque
palavra, para esse narrador, construído entre voz e letra, não é mera comunicação
formal ou mera interação, é realização corporal, sonora, visual, tátil (MOREIRA,
2005). Por isso tem-se a ideia de performance, “virtualmente um ato teatral”, de
acordo com Zumthor (2005, p. 69). É como se esse narrador quisesse saltar dos
limites da tipografia, da folha. É um “narrador performático”, afirma Moreira, que “se
apodera da palavra e a aplica de acordo com seu desejo, ou a sua necessidade”; na
voz dele, “uma mesma palavra pode mudar de sentido segundo a forma como ele se
apropria dela.” (MOREIRA, 2005, p. 148).
Uma mesma palavra pode mudar de sentido, pode ser tantas coisas, pode se
transformar. Só riso: tributo ao riso, ao chacoalhar do corpo, ao movimento do
diafragma, à revelação dos dentes, ou apenas uma oferta de sorriso, de um esboço.
Sol-riso: em contraponto à melancolia da tarde. Pareço o vagabundo Chaplin, que
faz tantas coisas com a mesma coisa, e multiplica as possibilidades. Atrevo-me a
outros risos, riscos, e, assim, arrisco caminhos, pensamentos. É isto. Um riso só.
Triste. Mas ainda é um riso, entretecido em fios de sol que virão.
Mas as dores podem vir misturadas aos “odores de alegria”. Por outro lado, é
possível que a alegria é que tenha se juntado às tristezas, com o acréscimo de uma
letra “o” em “dores”, formando “odores”, e a junção do termo “alegria”. Se corrigir é
acrescentar, retomando Barthes (2004), “dores” se ampliou, passando a ser outro
texto “odores de alegria”, outra memória, uma ressignificação de vida. Esse
suplemento acontece também com vocabulários em quimbundo, língua banto falada
na região em torno de Luanda, que se inscrevem na língua portuguesa: “makas46”,
“muxima”, “malambas”, respectivamente, significam problemas/confusão, coração e
pesares. Ao enxertar o quimbundo na língua oficial, emprestando-lhe outra
sonoridade, outro visual, outra experiência, Isabel Ferreira se posiciona de maneira
contestadora, própria de uma “literatura menor”, no sentido de Deleuze e Guattarri
46 Há outro sentido de maka, que consiste em uma narrativa tomada como “um acontecimento
representado como vivido”, pelo contador, por alguém próxima a ele, ou por pessoas que ouviu falar.
Ou a ficcionalização tomada como verdadeira. (PADILHA, 1995, p. 19).
144
Diante dessa brincadeira lexical isabelina e do que foi exposto até agora, cito
Lisana Bertussi: “Ser alegorista, portanto, é ter a capacidade de, a partir de uma
montagem metonímica de fragmentos, criar uma imagem significativa do mundo.”
(BERTUSSI, 2004). Isabel Ferreira articula, portanto, riso, melancolia, contação de
histórias, posição de escuta, o lúdico para ondear, movimentar, ventar a dor e o
pensamento. Se o sorriso ajuda o ambulante-angolano a prosseguir? É uma
possibilidade, visto que só ir, prosseguir, sem se preocupar com as memórias, ainda
que reduzidas pelo seu passado de orfandade, pode não ser o melhor caminho ou a
melhor maneira para a construção de si e da nação. Por outro lado, o fato de ser um
sujeito que deambula, “ondeia”, o torna um sujeito que volta e tenta voltar para os
seus e para si.
dor, talvez, para que a dor vá para longe: “E a canção solta-se da garganta como um
projéctil.” (CHIZIANE, 2004, p. 292). E a contrapartida do riso? Na frase seguinte ao
“projéctil”, Rami indaga a si mesma: “Por que choro eu, se ninguém morreu?”.
(CHIZIANE, 2004, p. 292). É cômico porque, no senso comum, há incongruência
entre choro e ausência de motivo para tal. Ou melhor, ao inferir-se que existe uma
ligação entre choro e morte, não havendo esta última, não haveria razão para
lamúria. Em outro momento da narrativa (p. 221), Rami acha absurdo chorar
copiosamente nos enterros, isso é coisa de enterro cristão, ela afirma. Assim, nem
na morte Rami vê motivo para choro.
Leitor, não dá vontade de rir aquele riso alegre definido por Propp (1992), que
emana as forças vitais, forças essas já presentes na tradição oral?47 Não dá vontade
de rir um riso como se fosse o da criança48 que imagina toda a corporeidade do ser
que conta, como quem conta a grandeza de sua própria vida? Baleeiro continua
sobre a insígnia, o distintivo do humor, propondo questões:
[é] uma marca de humor, uma marca de alegria, que ela [a criança] vai
procurar, sempre, reencontrar, repetindo e buscando se deparar com esse
algo já vivido e que lhe traz imensa satisfação. Não seria essa a marca que
daria ao sujeito a possibilidade de possuir certo bom humor como base para
a sua vida? Essas não seriam as pessoas predispostas a ter uma atitude
humorística no lidar com as suas questões? Não teriam elas, essas
pessoas, um recurso a mais para lidar com o sofrimento e a dor?
(BALEEIRO, 2009, p. 47).
“Canto” pode significar parte, lugar separado, reservado, íntimo, pode ser um
ângulo por onde se contempla o mundo: “Levanto os olhos e contemplo o mundo.
Num canto, as mulheres juntam-se em roda e as suas vozes explodem num
majestoso canto”. (CHIZIANE, 2004, p. 292). Claro, sem desconsiderar, neste último
trecho, novamente o significado de canção, reiterada pela última palavra “canto”.
“Canto” pode denotar também a reclusão do sujeito, sua introspecção, é o
comportamento do melancólico, como o fez Rami no início do romance, buscando o
que não se sabe, o que está perdido: “Fecho os olhos e escalo o monte para dentro
de mim. Procuro-me. Não me encontro. Em cada canto do meu ser encontro apenas
a imagem dele.” (CHIZIANE, 2004, p. 14).
Quem é ele, que seguiu os caminhos tortuosos até este canto escondido,
sob o manto romântico da penumbra? Para quem serão aquelas flores tão
belas se o aniversariante é um bebezinho que só quer um brinquedo, um
chocolate, um bolo de creme? Deve ser um ladrão. Um belo ladrão. O beijo
roubado se colhe na penumbra. (CHIZIANE, 2004, p. 77-78).
Aqui, o riso ou seu leve entreabrir, provém, como afirma Bertussi (2004), da
melancólica capacidade de rir do desconcerto. Rami ainda tem dúvidas se poderia
ser objeto de desejo, já que todo o seu ser havia sido moldado sob as narrativas da
clausura, representada pelas palavras “escondido”, “manto”, “penumbra” e “canto”.
49Sim, leitor, essa minha frase é dupla de sentido. Ora, uma tese é um texto muito seco e duro
demais. Serpentear é preciso.
149
Novamente, este último termo pode ter o sentido do recolhimento ou mesmo de uma
canção comedida (“canto escondido”), uma vez que, relembrando as palavras de
Rami, para as mulheres foi dado o eterno conselho “fecha”, “cobre”, “esconde”.
(CHIZIANE, 2004, p. 99).
Mas Chiziane brinca com a linguagem e convida o leitor, desejoso pelo jogo
do desvelamento, a observar Rami. Ela não quer apenas ser desejada, também
deseja e muito. A penumbra já é o jogo da sedução e não da melancolia. É nessa
intimidade, proximidade (“bebezinho”), que o canto se insinua erótico. E aqui
destaco os fonemas /b/ e /l/50.
50 Sobre a articulação dos fonemas /b/ e /l/, conferir os textos de Lygia Bueno Fragoso (2016) nas
referências.
150
Contar “história a qualquer um que passa, de lágrimas nos olhos e sorriso nos
lábios”, como fez a zambiana, ou “saber sorrir, chorando”, como disse sensivelmente
o ambulante, podem ser modos de alinhavar o sentido da vida. As personagens de
Niketche e OGM buscam, tomando por empréstimo as palavras de Mário César
Lugarinho, “com ansiedade vetores de orientação nessa realidade fragmentada.”
(LUGARINHO, 2015, p. 214). É uma busca para que o sol negro de Saturno51,
símbolo da melancolia, não as paralise no mutismo, na renúncia.
51 “Os autores árabes do século IX estabeleceram também a correlação astrológica entre humores e
planetas. O humor sanguíneo corresponderia a Júpiter, o colérico a Marte, deus da guerra, o
fleugmático a Vênus ou à Lua. A melancolia estaria sob o signo de Saturno, planeta distante, de lenta
revolução. Como também tinha correspondência no chumbo, aqueles que nasciam sob seu signo
eram lentos, pesados. Ou seja: um astro pouco auspicioso. No corpo humano, Saturno governava o
baço, sede da bile negra. A associação entre Saturno e melancolia era inevitável. Até hoje o
qualificativo “soturno”, corruptela de Saturno, é sinônimo de melancólico. (SCLIAR, 2003, p. 73-74).
151
O homem que vive a arkhé, a tradição, não é mudo, nem silêncio deve ser
entendido como mera ausência de verbo. Pelo contrário, silêncio é a
realidade que engendra o verbo, que dá à luz a palavra, por ser a força que
conduz o indivíduo à sua própria interioridade e à eclosão de uma verdade.
Silêncio é coisa de "dentro", palavra é coisa de "fora" - no jogo ponderado
dos dois espaços se faz a comunicação equilibrada com o mundo. (SODRÉ,
2000, p. 9).
Tudo isso para dizer que, embora o riso tenha uma curta duração, seja um
momento curto, apenas um ângulo para se ler os textos, a vida, essa experiência
humana, é capaz de provocar ecos, reverberações, materializados em reflexões,
pensamentos, mudanças de mentalidade. O brilho do riso é uma maneira de
reelaborar a melancolia resultante das mazelas deixadas pelas guerras, pelas ações
discricionárias da globalização e do neoliberalismo. Mas não se trata de um riso
iluminador a serviço de sentimentos nobres, observa Sérgio Rouanet. Pode ser um
antídoto contra a melancolia, insiste Rouanet, recuperando Demócrito (ROUANET,
2007). Se o riso não for um antídoto, ao menos, será um alívio, um fôlego suficiente,
estratégico, para seguir a vida mais um pouco.
153
6 SÓ RISO
leitura mais esperançosa, se pensarmos que o melancólico busca saber qual objeto
se perdeu e como encontrá-lo.
A narrativa isabelina incomoda nosso desejo de, pela arte, matar o “anjo do
lar”, de extinguir, metaforicamente, aquilo que oprime. Porém acordamos para
contrastar realidades brasileira e angolana. A escrita satírica, sarcástica, irônica de
Isabel Ferreira questiona o sentido do meu riso, daquele ridente ocidentalizado que
habita em mim, que vê por cima o seu objeto de pesquisa e recusa a posição da
escuta. O riso de sua escrita indaga as percepções do meu tempo e do meu espaço,
e, por sua vez, também se faz distinta do tempo e espaço da escrita de Paulina
Chiziane.
Já o riso elaborado por Chiziane faz o homem descer ao inferno sem fim.
Embora Tony diga, como vimos, estar arrependido ou desejoso de ser outro homem
diferente do que aprendeu nas tradições calcadas no patriarcado, ele não sustenta o
seu discurso, este é palavra vã. Parodio, pois, um dito popular: seria o Tony, de
Antony, de valor inestimável, a princípio, o santo do pau oco? O homem da palavra
vazia no entendimento de ele não conseguir e não ser possível sustentá-la? O
estarrecimento dessa personagem, ao final, sugere uma descoberta tardia de que já
não é suficiente sustentar as subjetividades masculinas pelos mesmos discursos
tirânicos arquitetados pelo patriarcado. (BOURDIEU, 2014).
156
Pelo riso da escrita das autoras, quais sejam os seus tons, ele nos mostra
nosso próprio absurdo, a crença totalizante no pensamento sério de defender
nossas partículas científicas como universais. Até o momento em que outro saber
nos conteste e, astrofisicapoeticamente falando, prove que o escuro que vemos no
firmamento de noite não é ausência de luz, mas uma luz veloz do número infinito de
galáxias e de corpos luminosos que se distanciam de nós porque o universo está em
expansão. (AGAMBEN, 2009, p. 64-65). Apropriando-me e gozando-me dos
sentidos de Agamben, leio o escuro da melancolia nas escritas de Chiziane e
Ferreira não como ausência de luz, mas uma melancolia estetizada literariamente
sob influências não de Saturno, mas de um riso ancestral africano que explodiu em
corpos luminosos e alegres um número imenso de possibilidades de dar sentido à
existência de suas próprias mulheres para que elas não sucumbissem.
Em toda a tese, busquei refletir sobre o modo de fazer tese. Isso foi surgindo
a partir das observações sobre a escrita das autoras, mulheres que se apropriam da
pena, e o que isso significa para elas em um contexto de silenciamento. Refletir
sobre a confecção deste estudo surgiu também a partir das minhas leituras dos
textos teóricos que insistem no riso como um movimento para ir além do sério.
“Além” é um termo que aparece em Nietzsche, Verena Alberti, Luiza Lobo. Então,
como Chiziane e Ferreira, que se apropriam do processo de escrita, vão além do
sério? Pela forma, e o riso irônico, satírico, sarcástico, zombeteiro, ou ainda o lúdico
na contação de histórias são alguns exemplos da forma.
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