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O conceito, tal como se nomeia, foi aplicado no trabalho que Klein trouxe à luz em
1946, “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides”. Todavia, por ocasião dessa
publicação, ainda usava a denominação de “posição paranóide” (tal como no artigo de
1935, “Contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos”). Porém, ao
republicar “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides” na coletânea comemorativa
de seu septuagésimo aniversário, Progressos em Psicanálise (Developments in
Psycho-Analysis), em 1952, Klein resolveu ajuntá-lo ao termo “posição esquizóide”
usado por W. R. D. Fairbairn (1941; 1944), passando a adotar a designação definitiva
de”posição esquizoparanóide”. Essa noção, em alguns aspectos essenciais, já era
usada por Klein em seus primeiros trabalhos com o nome de “fase persecutória”. Assim,
para acompanhar o uso ,do conceito no desenvolvimento da obra kleiniana, observem
que, primeiramente, até 1935, foi designado como “fase persecutória”; a partir daí e até
1946, “posição paranóide”; daí em diante, “posição esquizo-paranóide”.
Como foi visto no início deste capítulo, na evolução normal do bebê as posições
esquizo-paranóide e depressiva são consideradas etapas do desenvolvimento. A
clivagem é o passo inicial para desenvolver a capacidade de diferenciação entre bom e
mau, e a identificação projetiva a primeira forma de relação com o mundo exterior. Mas
quando a angústia persecutória é excessiva, leva a resultados que preparam o caminho
para os mais graves distúrbios mentais. Se o bebê se vê a braços com angústias e
frustrações intoleráveis, não poderá elaborar a posição esquizo-paranóide, e, menos
ainda, elaborar a posição depressiva. Esta falha na elaboração da posição depressiva
fortalece regressivamente os temores persecutórios e fundamenta os pontos de fixação
das severas psicoses do grupo das esquizofrenias. Os efeitos de distúrbios surgidos na
elaboração da posição depressiva serão posteriormente perturbações mentais de tipo
maníaco-depressivo.
Por outro lado, excesso de projeção de um mundo interno muito hostil acarreta
introjeção de mundo externo também muito hostil (por identificação com o projetado).
Inversamente, a introjeção de um mundo externo hostil (por exemplo, mãe realmente
má) leva à projeção de mundo interno também hostil sobre o exterior, formando uma
bola de neve de relações cada vez mais destrutivas. Se a projeção é muito intensa,
produz a fantasia de uma entrada à força no objeto. O inverso passa então a ser
temido: a introjeção é retribuída como a fantasia de uma invasão do exterior para o
interior do sujeito. Isso é inferido nos delfrios de influência, em que o sujeito vive a
experiência de que sua mente e seu corpo são controlados pelos outros. Esse temor de
ser invadido desde fora pode levar a severo distúrbio na introjeção de bons objetos,
impedindo a utilização de funções do ego (percepção, atenção, memória, raciocínio),
bloqueando a evolução da sexualidade e provocando retraimento no contato com o
mundo externo. Assim, um excesso de clivagem e projeção enfraquece o ego por
esvaziamento. O ego enfraquecido torna-se incapaz de assimilar o objeto interno —
que se torna idealizado, engrandecido, inatingível — e fica subserviente. A
incapacidade de incorporar aspectos do ambiente por temor de introjeção invasiva
impede o ego de recuperar o que foi projetado no exterior. Essas deficiências nas
relações objetais constituem-se na raiz do desenvolvimento esquizóide.
As relações objetais esquizóides são causadas por clivagens violentas e projeções
excessivas, tornando o outro um perseguidor, para o qual é preciso sempre ficar atento,
aplacar e nunca confiar. A pessoa esquizóide inevitavelmente projeta uma parte,má de
seu ego em outra pessoa. Se se trata de uma pessoa amada, essa projeção gera culpa
inconsciente. A culpa projetada não desaparece; é sentida como responsabilidade
compulsiva pela pessoa que foi objeto da projeção (representa partes agressivas do
ego). Visto que também as partes boas do sujeito são projetadas, as pessoas se tornam
o ego ideal do sujeito. isso quer dizer que, devido a freqüente e intenso uso de
projeções e introjeções, as relações de objeto ficam alteradas. As pessoas são
percebidas distorcidamente, como se fossem prolongamentos do sujeito. Para Melanie
Klein, é esse o significado de “relações narcísicas de objeto”. Nas relações narcísicas
há um vínculo com o exterior, embora prejudicado pelas identificações projetivas. Klein
descreve também “estados narcísicos”. Nestes, não há vínculo com o exterior. O sujeito
se volta para o objeto interno idealizado, nega a perseguição e a frustração, tornando-
se autista (isto é, corta o contato com o ambiente externo).
As relações narcísicas mostram nítidos traços obsessivos. Essa obsessividade no trato
com o outro explica-se pela necessidade de controlar nele partes do sujeito que foram
projetadas e identificadas no parceiro. É como se o sujeito tentasse controlar no outro
as partes más (ou boas) de si mesmo. Essa forma de ligação esquizóide, baseada na
identificação projetiva excessiva, leva a vínculos compulsivos com determinadas
pessoas. ou então, como forma de reação, a retraimento exagerado do contato humano
para se preservar de intrusão destrutiva ou retaliação.
Outra característica das relações objetais esquizóides, descritas por Klein, é a
acentuada artificialidade e falta de espontaneidade. São conseqüência de
esvaziamento afetivo e rígido controle da expressividade. Junto com essas inibições há
severo distúrbio no sentimento de si mesmo, a própria pessoa se sente artificial, sem
vida própria. No extremo surgiriam sentimentos de despersonalização. A falta de
angústia em pacientes esquizóides é apenas aparente. Ela se deve à ação dos
mecanismos esquizóides que dispersam ou abafam as emoções. Mas as emoções
permanecem presentes em estado latente. (Depois de trabalhosa análise às vezes são
recuperáveis.) Na verdade, o sentimento de estar desintegrado, incapaz de se
preocupar em perder os objetos, ou incapaz de experimentar emoções, é de fato
equivalente à angústia. Se tudo parece morto, isso é sinônimo de angústia grave.
Seria útil, para completar a visão da psicopatologia da posição esquizo-paranóide,
trazer alguns acréscimos feitos por discípulos mais próximos de Melanie Klein.
Trabalhando com psicóticos graves, eles aplicaram as teorias de Klein com seu
conhecimento e aprovação. Entre estes destacam-se H. Rosenfeld (1965), cujos
trabalhos serão referidos nó próximo capítulo, e W. R. Bion (1967). Ambos fizeram
contribuições importantes à psicopatologia da esquizofrenia.