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CESÁRIO VERDE
O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL
IV – Horas Mortas
Orientações de leitura
⮚ O verso 3 cria uma imagem citadina metamorfoseada, surreal, de astros com «lágrimas
de luz» (uma luz «lacrimosa», nostálgica, triste?).
⮚ A noite natural (tudo se apagou) dá lugar ao desejo de partir para uma dimensão-outra,
à «quimera azul de transmigrar», metáfora de fuga para um espaço perfeito, mas que
apenas existe na imaginação. Tal desejo resulta da vontade de se libertar de um
espaço geográfico que se tornou uma espécie de prisão fantasmagórica que lhe retira
a liberdade e o amor, e do qual, consequentemente, o «eu» tem de se afastar.
Estrofe 2: O silêncio profundo e a escuridão permitem uma maior atenção aos apelos
sensitivos. Ampliam-se, deste modo, os sons do parafuso que cai nas lajes, ou das
fechaduras que rangem. Na escuridão, a visão súbita dos faróis «sangrentos» de uma
caleche espantam o «eu», permeável a todos os encontros. É extraordinária a
associação dos olhos / «olheiras» das estrelas e dos «olhos» / faróis da caleche.
Quanto ao uso do empréstimo (francês) «caleche», se bem que confira uma ideia de
modernidade, elegância e cosmopolitismo, esconde igualmente uma crítica à
sociedade mercantilista , «sangrenta». Por outro lado, os «olhos da caleche» poderão
ser «sangrentos» porque atingem e ferem inesperadamente o «eu», ofuscam, ainda
que momentaneamente, a sua visão.
Escola Secundária da Maia
⮚ O verbo «prever» (v.15) define o poeta como alguém que vê na realidade com que se
cruza não só aquilo que ela é, aquilo que ela foi e aquilo que poderia ter sido, mas
também aquilo que poderá vir a ser, tendo em conta que em Cesário Verde «Falar do
real é falar poeticamente dele».
⮚ Evidencia-se, todavia, a esperança num futuro, na vida, que poderá ter como fonte de
inspiração um passado longínquo. O sujeito poético projeta numa nova geração («Ó
nossos filhos!», «a raça ruiva do porvir») a solução redentora, a capacidade de
religar o «porvir» ao fulgor do passado, regenerando a pátria doente num futuro
perfeito.
⮚ Essa sensação olfativa liga-se a um quadro dinâmico: «cantam, de braço dado, uns
tristes bebedores». É agora esse espetáculo decadente e degradante do real que lhe
invade os olhos. (Aliás, na poesia de Cesário Verde, toda a matéria do real - o salutar e
o podre - é digna de ser poetizada sem forçosamente se moralizar). Note-se, ainda, a
possível aproximação com os emigrados que riam e se alienavam, jogando, na
brasserie («Noite Fechada»). Estes também «cantam», mas são «tristes»: a antítese
está ao serviço da alienação social.
⮚ O medo aumenta com o aparecimento dos cães vadios, «errantes», magros e doentes.
A sucessão de quatro adjetivos antepostos ao nome («sujos, ósseos, febris, errantes»)
expressa, de forma intensa, a ideia de perigo silencioso («sem ladrar»), de ferocidade,
que está também presente na comparação dos cães com lobos. O advérbio
«amareladamente» sugere talvez a intensidade da luz artificial que, de forma doentia,
incide sobre os animais. O uso expressivo do advérbio coloca a impressão pictórica (a
cor) em primeiro lugar, seguida do objeto em si, os «cães» (técnica típica do
Impressionismo).