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Capítulo V (confirmação)

Cada peixe é caracterizado com uma sequência de ideias:


- Caracteriza o peixe (também faz alusão aos homens)
- Cada um tem um exemplo bíblico
- Termina com uma referência a Santo António ( o seu ídolo), isto é a
forma de redenção

Vieira neste capítulo vai anunciar os vícios e defeitos de alguns peixes:

● 1ª espécie: Roncadores (símbolo dos arrogantes e dos soberbos)

Apesar de ser pequeno e fraco, quer ser ameaça, mas se perde quando acha
que possui poder e saber. Representa a soberba, arrogância; muita
arrogância e pouca firmeza.

Caracterização - “estes peixes tão pequenos”; “com uma linha de coser e um


alfinete torcido vos pode pescar um aleijado”; Vieira interroga-se e segundo
ele: “[...]quem tem muita espada, tem pouca língua." Quem se gaba/fala muito
é porque não tem muitos conhecimentos (roncadores) e quem não se
gaba/fala muito é porque tem muitos conhecimentos (peixe-espada).
Querendo Vieira enfatizar que os roncadores simbolizam aqueles que se auto
promovem exibindo a sua vaidade e poder, fazendo deles arrogantes.

Exemplo Bíblico:

● S. Pedro prometeu ser fiel a Deus, no entanto, quando encontrou


uma rapariga pela qual estava apaixonado voltou-lhe as costas.
Padre António Vieira com isto quer referir-se ao facto de que
ninguém é o que realmente diz ser até à hora da verdade.
Citação: “e bastou uma voz de uma mulherzinha para o fazer
tremer e negar”

● Vieira compara Golias às baleias, pois estas ao menos tinham a


desculpa de serem arrogantes, pois eram grandes. Faz essa
comparação ao referir o episódio bíblico onde Golias é arrogante,
pois confia na sua grandeza, mas Vieira diz que não é seguro
confiar/ ser arrogante só pelo facto de se ser grande e dá o
exemplo da derrota/morte que Golias sofreu por um "pastorzinho"
(David).
Citações: “quem se toma com Deus sempre fica debaixo”

● Redenção (referência a Santo António)


Apesar de Santo António ter muito saber e muito poder, não se gaba
“blasonar disso”, por isso o que o glorifica ainda mais, “E porque tanto
calou, por isso deu tamanho brado”
Tentou tanto saber e tanto poder, mas não se orgulhou disso, preferiu
calar-se e deixar que o silêncio dos seus feitos falassem por ele.

● 2ª espécie: Pegadores (representação dos oportunistas)

Estes pequenos peixes agarram-se ao dorso de peixes maiores vivendo


como parasitas às custas do seu hospedeiro “o peixe grande não pode dobrar
a cabeça, nem voltar a boca sobre os que traz às costas, e assim lhes
sustenta o peso e mais a fome.”

Caracterização- Padre António Vieira partiu do exemplo destes pequenos


peixes para criticar o aparelho colonial portugues, pois estes animais
aprenderam com os portugueses a serem parasitas, porque não há nenhum
vice-rei ou governador que não parta para as conquistas sem uma larga
comitiva. Referindo também que os mais inteligentes procuram ter a sua
independência e viver autonomamente e que os mais preguiçosos (como é o
caso dos pegadores) acabam por viver às custas de outrem, mas acabam
também por estar sujeitos a pagar o pecado daquele que escolheram estar
pegado: Ex: Se o Tubarão foi pescado morrem com ele porque lhe estão
pegados.
Padre António Vieira aconselha os pegadores que se desapeguem aos seus
hospedeiros para não pagarem pelos seus pecados: “Que morra o tubarão
que comeu, matou-o a sua gula; mas que morra o pegador pelo que não
comeu, é a maior desgraça que se pode imaginar!”

Exemplo Bíblico:
● Padre António Vieira referiu Herodes e a sua família que
perseguiram a sagrada família. Mas os pegadores não foram
exemplo único das más práticas: “Deus também tem os Seus
pegadores.” Aqueles que espalharam a palavra divina, David seguiu
Deus, Santo António seguiu Cristo e ambos foram bem sucedidos.

Aos pegadores aconselha a não se colarem aos grandes, pois quando um


grande morre arrasta consigo os pegadores. Aconselha cada homem a seguir
o seu caminho dizendo que os oportunistas, que vivem colados aos
poderosos, acabam por ser arrastados quando estes caem.

● Redenção (referência a Santo António)


Vieira aconselha aos pegadores, que ao invés de se pegarem aos “grandes
das terras", deveriam pegar se a Deus. Tal e qual, como Santo António fez,
que nem dá para ver se foi Santo António se pegou a Cristo ou se foi Cristo
que se pegou a Santo António.
Acaba por referir, que quem se pega a Deus é imortal.
Vieira concentra, a seguir, a sua atenção nos voadores (representação dos
ambiciosos e presunçosos)
Foram criados peixes e não aves, no entanto, tanto morrem como peixes
como morrem como aves.

Caracterização: Estes animais criados por Deus para serem peixes, por
terem barbatanas maiores do que a generalidade dos peixes acabam por
querer imitar as aves. Essa ambição acaba por lhes “pregar uma partida”,
pois, estão sujeitos a outros perigos: “mata-vos essa vossa presunção e o
vosso capricho.” No mar morrem pelo isco, no ar morrem porque as velas, as
cordas e os laços dos barcos se transformam em redes, apanhando-os. Vieira
aconselha-os então a que se devem contentar com o que têm: “Quem quer
mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem”

Exemplo bíblico:
● Referência a Simão Mago, que fingiu ser o filho de Deus, assinalou um
dia para mostrar que iria voar até ao céu, mas em vez disso caiu a
meio (enquanto voava) e partiu os pés, o seu castigo: “porque quem
tem pés para andar e quer asas para voar, justo é que perca as asas e
mais os pés”. (Mais um exemplo de que as pessoas devem-se
contentar com aquilo que têm).

● Redenção (referência a Santo António)


Tinha duas asas: a sabedoria natural e a sobrenatural. Não as usou por
ambição.
Vieira mais uma vez refere Santo António como um ser humilde e alguém que
sempre se demarcou da ambição, pois preferiu remeter-se à sua humildade:
“Não estendeu as asas para subir, encolheu-as para descer” Tal como Santo
António, também os voadores se deviam recolher às covas do mar para não
estarem expostos à insegurança e à morte prematura.
● 4ª espécie: Polvo (representava a traição a falsidade e a hipocrisia)

Caracterização: Vieira começa por comparar o polvo a um monge: “com


aquele seu capelo na cabeça” e compara-o também a uma estrela: “com
aqueles seus raios estendidos” mostrando brandura e mansidão, contudo,
debaixo desta aparência, segundo S. Basílio e Santo Ambrósio, o polvo era “o
maior traidor do mar.”

A traição do polvo consiste em:


- dissimular-se, no fundo do mar, para assim enganar os outros peixes e
conseguir capturá-los mais facilmente;
Ele faz isto, através:
● Das cores, para se camuflar mais facilmente “cores, que no camaleão
são gala, no polvo são malícia”;
● Da capacidade de se vestir ou de se pintar "das mesmas cores de
todas aquelas a que está pegado";
● Das "figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e
artifício".
O peixe, inocente à traição, nada no fundo do mar e de súbito é vítima de
uma emboscada, pelo polvo, que lança os braços e fá-lo prisioneiro.

Exemplo Bíblico: O polvo é comparado a Judas, Vieira afirmando o polvo


ser ainda pior que Judas. Judas planejou a entrega de Cristo às escuras e
executou-a às claras, o polvo escurece a água com a sua tinta e rouba a luz à
sua presa para a apanhar. As palavras finais do pregador são violentas: “Vê,
peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é
menos traidor!”
Redenção (referência a Santo António)
O capítulo termina com uma feroz crítica aos portugueses. É dado mais uma
vez o exemplo de Santo António: “o mais puro exemplar da candura, da
sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano”
referindo que no passado todos os portugueses tinha as características de
Santo António, não sendo, por isso, atributo dos santos: “bastava
antigamente ser portugues, nao era necessario ser santo”

Final do Capitulo: Vieira afirma de forma irónica que tudo o que esteve a
pregar “foi em vão”, pois o que pregou até então seria um boa conduta para o
homem, se não tivesse pregado para os peixes: “Oh, que boa doutrina era
esta para a terra, se eu não pregara para o mar”

Recursos expressivos neste capítulo:

Comparação - “O polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um


monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela [...]”
“O que era a Baleia entre os peixes era o Gigante Golias entre os Homens”

Enumeração - A sucessão de nomes sublinha e enaltece a forma positiva a


atuação de Santo António: “o mais puro exemplar da candura, da
sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano”
“que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e
muito maiores e mais perniciosas traições”

Gradação - “de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino como o da
água”
"[...] um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e
tão conhecidamente traidor!"
Paralelismo - “Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se
branco; se está no lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como
mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra.”

Exclamação - "Oh que boa doutrina era esta para a terra, se eu não pregara
para o mar!"

Apóstrofe - “Ah, Peixes, quantas invejas vos tenho a essa natural


irregularidade!”
"Oh alma de António, que só vós tivestes asas e voastes sem
perigo "

Interrogação retórica - “É possível que, sendo vós uns peixinhos tão


pequenos, haveis de ser as roncas do mar?”
“E no cabo, que fim teve toda aquela arrogância?”

Antítese - “tão seguros ao perto como aqueles ao longe”


“traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras”
“António (...) o mais puro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade,
onde nunca houve dolo, fingimento ou engano”

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