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Manuel Alegre

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Poeta e político português (1936). Data de 1965 a publicação do seu primeiro volume
Poético, Praça da Canção. Esta coletânea evidencia, desde o próprio título, uma ima-
gem do poeta como cidadão corresponsabilizado nos destinos da comunidade e um
entendimento da poesia como canto apelativo, grito de protesto lançado na ágora1.
Poeta maior da literatura de intervenção dos anos 60, Manuel Alegre carrega na sua
poesia as angústias e os anseios de uma geração profundamente marcada pela di-
tadura e pela guerra colonial. Os seus versos são a crónica de um tempo histórico
comum e a expressão da saudade de um espaço, que é simultaneamente o topos2
português lembrado pelo “lusíada exilado” e a utopia de um Portugal que há de ser.
São também o apelo a um percurso coletivo de regresso […], de reencontro com a
pátria verdadeira, depois da passada aventura histórica de partida. Esse chama-
mento passa pela convocação dos arquétipos, dos valores míticos e literários que
constituem o nosso património cultural […]. Na poesia de Manuel Alegre conjugam-
-se […] as tonalidades épica e lírica: ora se impõe a força da declamação, simbolica-
mente oposta ao silêncio, ora vem à tona um tom mais intimista, a que não é alheia,
no entanto, a preocupação sónica3 […].
ROCHA, Clara, 1995. “ALEGRE (Manuel)”. In Biblos – Enciclopédia Verbo das Literaturas de
Língua Portuguesa. Vol. 1. Lisboa: Verbo (pp. 121-122) (adaptado)

Algumas obras: Praça da Canção, 1965; O Canto e as Armas, 1967; Um Barco para
Ítaca, 1971; Coisa Amar – Coisas do Mar, 1976; Atlântico, 1981; Com que Pena – Vinte
Poemas para Camões, 1992; Sonetos do Obscuro Quê, 1993; As Naus de Verde Pinho,
1996; Alentejo e Ninguém, 1996; Senhora das Tempestades, 1998; Doze Naus, 2007;
Nada Está Escrito, 2012; Bairro Ocidental, 2015.
1. praça pública das antigas cidades gregas, semelhante ao fórum romano. 2. Tópico temático; 3. Relativa ao som, fonética.

O Poeta
Ele aprendeu o preço exato da canção.
Seus pulsos estão abertos e a vossa boca bebeu
o sangue puro de uma vida.
Que mais quereis de um homem?
5 Vós não podeis roubar-lhe esse luar na alma.
Vós não podeis mais nada. É um homem a cantar
um homem que sorriu aos tambores noturnos
dos vossos cárceres depois cantou
de pé no seu poema.
fotocopiável
Manuel Alegre 57

10 Vinde com vossas leis e vossas máscaras


vossas palavras cheias de fantasmas.
Nada podeis. O medo nunca pôde nada.
Vós não podeis despir um homem que está nu.
Pendurai-lhe no sexo uma coroa de espinhos
15 ele fará na própria dor um filho mais robusto
porque ele é pai de alegria
ele povoa a solidão de raparigas
as suaves raparigas que trazem no ventre
a cidade dos homens.

20 Vinde com vossas máscaras e vossos tribunais


e os mortos-vivos que recitam os parágrafos
do livro das sentenças.

Vós não podeis mais nada. É um homem a cantar


um homem que está nu com todos os seus músculos
25 a soluçar numa guitarra destroçada
e todavia iluminada e viva. Otto Freundlich, sem título, 1934.
Museu Coleção Berardo, Lisboa
Um homem que sorriu aos tambores noturnos
dos vosso cárceres depois cantou
de pé no seu poema.

30 Vós não podeis mais nada.


É um homem que merece a poesia.
ALEGRE, Manuel, 2000. “Praça da Canção”.
In Obra Poética. 2.ª ed. Lisboa: Dom Quixote (pp. 141-142) (1.ª ed.: 1999)

Leitura | Compreensão

Relaciona a interrogação retórica do verso 4 com as afirmações dos versos ante-


1 
riores.

Caracteriza o “Vós” a quem se dirige o sujeito poético ao longo da composição.


2 

Interpreta a repetição da expressão “Vós não podeis” (vv. 5, 6, 13, 23 e 30), conside-
3 
rando a oposição que se estabelece entre o “ele” (v. 1) e os outros.

3.1. Apresenta uma leitura do verso “Vós não podeis despir um homem que está
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nu.” (v. 13).

Comenta o retrato do poeta construído ao longo do texto, considerando que a obra


4 
em que se integra – Praça da Canção – foi publicada pela primeira vez em 1965.
fotocopiável
58 Poetas contemporâneos

As Palavras
Palavras tantas vezes perseguidas

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palavras tantas vezes violadas
que não sabem cantar ajoelhadas
que não se rendem mesmo se feridas.

5 Palavras tantas vezes proibidas


e no entanto as únicas espadas
que ferem sempre mesmo se quebradas
vencedoras ainda que vencidas.

Palavras por quem eu já fui cativo


10 na língua de Camões vos querem escravas
palavras com que canto e onde estou vivo. Alfréd Réth, sem título, 1938.
Museu Coleção Berardo, Lisboa
Mas se tudo nos levam isto nos resta:
estamos de pé dentro de vós palavras.
Nem outra glória há maior do que esta.
ALEGRE, Manuel, 2000. “O Canto e as Armas”.
In Obra Poética. 2.ª ed. Lisboa: Dom Quixote (p. 235) (1.ª ed.: 1999)

Leitura | Compreensão

Identifica os recursos expressivos da primeira estrofe e explicita o seu valor.


1 

Interpreta a dimensão metafórica dos versos 5 a 8.


2 

Comenta o sentido crítico do primeiro terceto, considerando o contexto em que a


3 
coletânea O Canto e as Armas, em que se inclui o poema, foi publicada – 1967.

Explica a relevância da última estrofe, enquanto conclusão do poema.


4 

Descreve formalmente a composição, considerando as estruturas estrófica, mé-


5 
trica e rimática.

Gramática

Classifica as orações subordinadas presentes na primeira estrofe e refere a função


1 
sintática que desempenham.

Indica a classe de palavras a que pertence o elemento “onde” (v. 11).


2 
fotocopiável
Manuel Alegre 59

Balada dos Aflitos


Irmãos humanos tão desamparados
a luz que nos guiava já não guia
somos pessoas – dizeis – e não mercados
este por certo não é tempo de poesia
5 gostaria de vos dar outros recados
com pão e vinho e menos mais-valia.

Irmãos meus que passais um mau bocado


e não tendes sequer a fantasia
de sonhar outro tempo e outro lado
10 como António digo adeus a Alexandria
desconcerto do mundo tão mudado
tão diferente daquilo que se queria.

Talvez Deus esteja a ser crucificado


neste reino onde tudo se avalia
15 irmãos meus sem valor acrescentado
rogai por nós Senhora da Agonia
irmãos meus a quem tudo é recusado
talvez o poema traga um novo dia.

Rogai por nós Senhora dos Aflitos


20 em cada dia em terra naufragados
mão invisível nos tem aqui proscritos1 1. exilados, condenados.

em nós mesmos perdidos e cercados


venham por nós os versos nunca escritos
irmãos humanos que não sois mercados.
ALEGRE, Manuel, 2012. Nada Está Escrito. Lisboa: Dom Quixote (pp. 13-14)

Leitura | Compreensão

Caracteriza os destinatários das palavras do sujeito poético, transcrevendo passa-


1 
gens textuais que comprovem as tuas afirmações.

Aponta duas circunstâncias referidas no texto ilustrativas de que “este por certo
2 
não é tempo de poesia” (v. 4).

Clarifica as críticas veiculadas no poema ao Portugal presente.


3 
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Analisa o efeito expressivo do cruzamento de linguagens do domínio da economia


4 
e da religião ao longo do texto.
fotocopiável

Explicita a relação semântica que o título estabelece com o texto.


5 
60 Poetas contemporâneos

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Crónica de Abril
(Segundo Fernão Lopes)
A rosa a espada o Tempo a lua cheia
entre Abril e Abril memória e ato
este oculto invisível coração.
E a trote dos cavalos os blindados
5 (quem me acorda no meio do meu sono?)
“Lisboa está tomada”. A rosa e a espada.
Subitamente às três da madrugada.

Andando o Povo levantado andando


Álvaro Pais de rua em rua: “Acudam
10 ao Mestre cá ele é filho d’El-rei. D.
Pedro”. Entre Abril e Abril. Memória e ato.
Verás florir as armas: lua cheia. Vieira da Silva, XXV de Abril de 1974 (A Poesia está na
Rua), 1975 [Cartaz]. Coleção da Fundação Arpad
Szenes e Vieira da Silva
Saiu de Santarém o Capitão
já o Mestre matou o Conde Andeiro
15 e Álvaro Pais nas ruas cavalgando: E começava a gente de juntar-se
Matam o Mestre nos Paços da Rainha. e tanta que era estranha de se ver.
Não cabiam nas ruas principais
E o microfone às três e tal. E as gentes
cada um desejando ser primeiro
que isto ouviam saíam pelas ruas
40 e todos feitos d’um só coração.
a ver que coisa era. E começando
20 a falar uns com outros começavam Não sei se a História tem um fio se
a tomar armas. Aqui Posto de não tem. Mas já de Santarém partiu
Comando. E soavam vozes de arruído o Capitão. De negro vem vestido
pela cidade. E assim como viúva em cima da Chaimite1. Ouves? É o trote
que rei não tinha se moveram todos 45 das lagartas2. Cavalos e cavalos.
25 com mão armada. E Álvaro Pais gritando:
O exército da noite e seus blindados.
Acudamos ao Mestre meus amigos
Ó com quanto cuidado e diligência
Acudamos que o matam sem porquê.
escrever verdade sem outra mistura.
E o rouxinol cantou. Ouvi dizer
Andando o Povo levantado andando
que na torre soaram badaladas.
50 um Major aos seus homens perguntando:
30 O doce cheiro a terra. O respirar
Adere ou não adere? É só. Mais nada.
da amada. “E sobre cada povo (Nietzche)
E o segundo-sargento perfilando-se:
está suspensa uma tábua de valores”.
Há vinte anos que espero este momento.
Verás florir o Tempo. A rosa e a espada.
Nel mezzo del camin di nostra vita. Verás florir o Tempo. E as armas de-
35 Subitamente às três da madrugada. 55 sabrochadas: às três da madrugada.
fotocopiável

1. viatura blindada; 2. Correias metálicas, interpostas entre as rodas do veículo e o solo.


Manuel Alegre 61

Soem às vezes altos feitos ter 85 De cortinas corridas está o Carmo.


começo por pessoas cujo azo Da torre da Chaimite uma rajada
nenhum povo podia imaginar. saltam vidros e cal da frontaria
E pois assim aveio que em Lisboa e o tempo vai correndo sem resposta.
60 um cidadão chamado Álvaro Pais:
E não parava gente de juntar-se.
Onde matam o Mestre? Que é do Mestre?
90 Onde matam o Mestre? Que é do Mestre?
De cima não faltava quem gritasse
De cima não faltava quem gritasse
que o Mestre estava vivo e o Conde morto.
que o Mestre estava vivo e o Conde morto.
Mas isto já ninguém o queria crer.
Se está vivo mostrai-o e vê-lo-emos.
65 Continuidade. Descontinuidade.
E a gente não parava de juntar-se.
E o que é rutura? E a História? Um caos de acasos.
95 Quem fechou estas portas? perguntavam.
Kairos (dizem os gregos). Conjunturas
favoráveis. E já o blindado toma posição.
Verás florir as armas. O Capitão olha o relógio e conta
e antes que diga três irrompem vivas.
70 E já o Capitão entra na Praça
andando o Povo levantado andando Verás florir o Tempo: espada e rosa.
apoiando a coluna quando avança
100 Já saiu a cavalo Álvaro Pais
para cercar o Carmo às doze e trinta.
já o Mestre matou o Conde Andeiro
Traziam uns carqueja e outros lenha está caído no Paço trespassado
75 alguns pediam escadas e bradavam ó Lisboa prezada venham ver
que viesse lume para porem fogo o Capitão em cima do blindado
e queimarem o traidor e a aleivosa. 105 Arraial Arraial. E então o Mestre
assomando à varanda a todos diz:
E em tudo isto era o tumulto assim
Amigos sossegai: estou vivo e são.
tão grande que uns aos outros não se ouviam
80 e não determinavam coisa alguma. E o rouxinol cantou. Olhai as armas
desabrochadas. Cravo a cravo (ouvi
E o trote dos cavalos os blindados.
110 dizer). Andando o Povo levantado.
(Quem te acorda no meio do teu sono?)
Verás florir o Tempo: rosa e espada. E não vereis na crónica senão
Subitamente às três da madrugada. (sem falsidade) a certidão da História.

ALEGRE, Manuel, 2000. “Atlântico”. In Obra Poética. 2.ª ed. Lisboa: Dom Quixote (pp. 435-439) (1.ª ed.: 1999)

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O título do poema sugere duas linhas de leitura.


1 
1.1. Explica como se articulam, ao longo do poema.
fotocopiável

1.2. Justifica a sua associação.


62 Poetas contemporâneos

D. Sebastião
Haverá sempre um porto por achar

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Em outro mar que não o navegado
Haverá sempre o que não é e o que não vem
Sua verdade está em o sonhar
5 E D. Sebastião é quem
Conquista em nós o inconquistado.

Haverá sempre em nós um além-sul


Um lugar que só é onde não está
Haverá outro espaço e um mais azul
10 Um buscar sem sentido e sem
Porquê
Haverá sempre o reino que não há
E D. Sebastião é quem
Dentro de nós o vê Costa Pinheiro, D. Sebastião, 1966.
Coleção particular

15 Haverá sempre em nós um rei perdido


Por seu excesso de saudade e ânsia
Um ser de ainda não ser ou já ter sido
Outro tempo no tempo outra distância
A nossa pátria é sempre outro lugar
20 E quando alguém voltar Ninguém Ninguém
Haverá sempre um não chegar
E D. Sebastião é quem
ALEGRE, Manuel, 2000. “Aicha Conticha”.
In Obra Poética. 2.ª ed. Lisboa: Dom Quixote
(pp. 552-553) (1.ª ed.: 1999)

Leitura | Compreensão

Interpreta as definições de “D. Sebastião” apresentadas nos versos 5-6 e 13-14, no


1 
contexto das estrofes em que surgem.

Apresenta uma leitura dos primeiros dois versos da última estrofe.


2 

Explicita a simbologia associada à figura de D. Sebastião ao longo do poema.


3 

Identifica e interpreta as manifestações de intertextualidade presentes na última


4 
estrofe.
fotocopiável
Manuel Alegre 63

Poemarma
Que o poema tenha rodas motores alavancas
que seja máquina espetáculo cinema.
Que diga à estátua: sai do caminho que atravancas.
Que seja um autocarro em forma de poema.

5 Que o poema cante no cimo das chaminés


que se levante e faça o pino em cada praça
que diga quem eu sou e quem tu és
que não seja só mais um que passa.

Que o poema esprema a gema do seu tema


10 e seja apenas um teorema com dois braços.
Que o poema invente um novo estratagema
para escapar a quem lhe segue os passos.

Que o poema corra salte pule


que seja pulga e faça cócegas ao burguês
15 que o poema se vista subversivo de ganga azul
e vá explicar numa parede alguns porquês.

Que o poema se meta nos anúncios das cidades


que seja seta sinalização radar
que o poema cante em todas as idades
20 (que lindo!) no presente e no futuro o verbo amar.

Que o poema seja microfone e fale


uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.

25 Que o poema seja encontro onde era despedida.


Que participe. Comunique. E destrua
para sempre a distância entre a arte e a vida.
Que salte do papel para a página da rua.

Que seja experimentado muito mais que experimental


30 que tenha ideias sim mas também pernas.
E até se partir uma não faz mal:
antes de muletas que de asas eternas.

Que o poema assalte esta desordem ordenada


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que chegue ao banco e grite: abaixo a pança!


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35 Que faça ginástica militar aplicada


e não vá como vão todos para França.
64 Poetas contemporâneos

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Fernand Léger, Composition, 1953. Museu Coleção Berardo, Lisboa

Que o poema fique. E que ficando se aplique


a não criar barriga a não usar chinelos.
Que o poema seja um novo Infante Henrique
40 voltado para dentro. E sem castelos.

Que o poema vista de domingo cada dia


e atire foguetes para dentro do quotidiano.
Que o poema vista a prosa de poesia
ao menos uma vez em cada ano.

45 Que o poema faça um poeta de cada


funcionário já farto de funcionar.
Ah que de novo acorde no lusíada
a saudade do novo, o desejo de achar.

Que o poema diga o que é preciso


50 que chegue disfarçado ao pé de ti
e aponte a terra que tu pisas e eu piso.
E que o poema diga: o longe é aqui.
ALEGRE, Manuel, 2000. “O Canto e as Armas”. In Obra Poética.
2.ª ed. Lisboa: Dom Quixote (pp. 246-248) (1.ª ed.: 1999)

Escrita Apreciação crítica

Redige uma apreciação crítica, de duzentas a trezentas palavras, do poema de Ma-


1 
nuel Alegre.
Segue as marcas próprias do género textual solicitado e a sua estrutura habitual:
descreve sucintamente o objeto da tua apreciação – o poema – e faz o seu comen-
tário crítico. No momento que considerares mais pertinente, explora a relação
existente entre o título e o conteúdo do poema.
Planifica previamente o teu texto e, no final, faz a sua revisão atenta e cuidada.
fotocopiável

b lo co i n fo r m at i vo pp. 312-313
Manuel Alegre 65

Leitura | Compreensão Quest ionário resolvido

Lê atentamente o poema de Manuel Alegre.

A Foice e a Pena
Com outra que não pena arma trabalhas.
Se é minha a pena é tua a foice. Mas
se acaso são diferentes nossas armas
as penas são as mesmas e as batalhas.

5 Eu ceifo com a pena ervas daninhas


e a mentira que a todos envenena.
E tu ceifando penas essa pena
que fraterna se junta às penas minhas.

Onde tu ceifas eu ceifeiro sou


10 da tua dor ceifeira e dessas queixas
que dizes a ceifar e nunca ceifas.

Se já teu canto a foice te ceifou


canta ceifeira canta: a dor destrói-se
juntando a foice à pena e a pena à foice.
ALEGRE, Manuel, 2000. “O Canto e as Armas”. In Obra Poética.
2.ª ed. Lisboa: Dom Quixote (pp. 235-236) (1.ª ed.: 1999)

1. Explicita o valor expressivo da anástrofe presente no verso 1, considerando o conteúdo


da primeira estrofe.
Com a anástrofe do primeiro verso, o sujeito poético altera a ordem sintática habitual e
aproxima as palavras “pena” e “arma”. Desse modo, sugere o poder da poesia (metoni-
micamente aludida por meio da referência ao instrumento que usa para a criar, a “pena”)
e instaura a relação com um “tu” subentendido que trabalha com uma “arma” diferente,
posteriormente identificada com “a foice”, mas com o qual partilha “penas” e “batalhas”.

2. Relaciona a exploração do campo semântico de “pena” ao longo do poema com a dico-


tomia “eu” (v. 5) / “tu” (v. 7).
O sujeito poético – “Eu” – recorre à sua “pena”, utensílio de escrita (vv. 1, 2, 5 e 14), para
denunciar a corrupção moral (vv. 5-6) e a dor, a(s) “pena(s)” (vv. 4, 7 e 14) que o “tu” “pena”,
ou seja, sofre (v. 7) e que não expressa e que não consegue eliminar (v. 11).

3. Esclarece o sentido da última estrofe, enquanto conclusão do soneto.


O último terceto constitui um apelo do sujeito poético ao “tu” a quem se dirigiu ao
longo do poema e agora identificado: uma “ceifeira” (v. 13). Incentiva-a a cantar, ainda que
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o trabalho lhe tenha tirado a vontade, pois só desse modo, “juntando a foice à pena”,
poderá ultrapassar a sua “dor” (v. 13), que será denunciada por aqueles que, como ele,
podem, através da sua “pena” (v. 14), falar da “foice” (v. 14) e de quem com ela trabalha.
fotocopiável

OEXP12PC-05

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