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Mário de Andrade- Poesias- Livraria Martins Editora- São Paulo, 1941.

Candido inicia seu texto demonstrando um certo constrangimento ao fazer uma


crítica a poesia, por ter que se esforçar para exprimir em seus conceitos os resultados de
analises que intelectualizavam as emoções. Assim, submeter a poesia ao processo de
expressão crítica é sacrílego e perigoso, por sacrificar boa parte da experiência poética e
se intrometer do leitor a dentro, especialmente se tratando de Mário de Andrade, por ser
um poeta tão complexo.
A obra “Poesias” representa um balanço da atividade poética de Mário, através
de uma grande coerência que se manifesta através da precisão pela qual ele demonstra
sua maneira poética, sendo um fruto da sua aventura através da concepção do mundo,
do homem e do próprio objeto da poesia. E a principal qualidade dessa obra é a
capacidade de descobridor.
Sua poesia representa essa aventura de descobrimento de um homem que
observa significações novas nas coisas velhas, e sentidos novos nas coisas novas. Essa
faculdade se junta a uma outra circunstância para explicar a essência de seu estado
poético, o que faz com que o poema não se submeta às emoções que lhe vêm de fora. O
dado das emoções é dominado, pensado e dirigido, sob uma esplêndida atitude de
criador que reflete a sua concepção de vida.
Esse descobridor construtivo é um poeta de vários aspectos, maneiras e temas,
assumindo as características de um poeta folclórico (poesia nutrida de lendas, casos e
assunto do nosso povo), um poeta do cotidiano (poesia com dados da vida de todo o
dia), um poeta de si mesmo (mergulhando em suas próprias águas) e um poeta que
procura novos meios de expressão para a sua aventura.
Já as maneiras que ele pode assumir são: a maneira de guerra (função dentro do
modernismo em “Paulicéia Desvairada”), a fase de encantamento rítmico (mais
concessiva às gestões populares) e a maneira despojada (que busca o essencial e
esquece o brilho). Muitas vezes as maneiras e os aspectos se encontram combinados.
Quanto aos temas, a variedade escapa de um enquadramento, mas pode se dividir em
três temas principais: o tema Brasil, o tema do conhecimento amoroso e o tema do auto
conhecimento e da conduta em face do mundo.
Seguindo essa esquematização, o autor destaca apenas um aspecto de Mário de
Andrade: a do poeta que desce em si mesmo e que se concentra em torno de sutilíssimas
emoções. O poeta é dominado por uma dupla preocupação de explorar os temas
brasileiros e de construir uma Poética, colocando o Brasil e a Poesia mais à margem e
formando um encontro puro.
Pelo fato de suas poesias não comportarem brilhos instrumentais, os grandes
virtuosismos se retiram para criar um despojamento completo, que sugere coisas em
virtude de sua proximidade com o silêncio. A poesia participa de uma ordem de
emoções até uma raiz escura do próprio mistério, e se transforma em uma poesia de
descobrimento, que toca em pontos escondidos da alma e desliza pelas emoções em
busca de mais profundidade, a partir de um conhecimento essencial e inexprimível.
Mário de Andrade gosta de impor a sua presença e os seus modismos de
expressão e de ser, criando uma poesia do silencio e revelando aspectos ignorados da
alma. Essa característica de uma obra de descobrimento em profundidade é a máxima
finalidade de sua poesia, sendo despojada e perfeita, com traços indispensáveis para a
emoção. Ele mostrava ao seu leitor todo o processo poético com as suas riquezas,
diferente da ideia de que a poesia é apenas um afloramento do trabalho interior.
Em casos excepcionais, ele não utilizava tabuletas ou armadilhas para dar a
impressão de que sua poesia é de fato especial, e sim simples cantos de amor,
experiência física e ternura. O assunto não está na virtude poética ou no jogo de
palavras, e sim no próprio ato de olhar as coisas e senti-las, trazendo-as para um plano
em que a experiência poética as transforma em fontes eternas de beleza.

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