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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E
LOCAL

LETÍCIA SANTOS SILVA

IDEIAS E AÇÕES:
A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE ALTAMIRANDO REQUIÃO.
(1922-1937)

Santo Antônio de Jesus-BA


2015
LETÍCIA SANTOS SILVA

IDEIAS E AÇÕES:
A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE ALTAMIRANDO REQUIÃO.
(1922-1937)

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau


de Mestre em História ao Programa de Mestrado em História
Regional e Local do Departamento de Ciências Humanas,
Campus V - Santo Antônio de Jesus da Universidade do Estado
da Bahia, sob orientação do Prof. Dr. Paulo Santos Silva.

Santo Antônio de Jesus, Ba


2015
LETÍCIA SANTOS SILVA

IDEIAS E AÇÕES:
A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE ALTAMIRANDO REQUIÃO.
(1922-1937)

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau


de Mestre em História ao Programa de Mestrado em História
Regional e Local do Departamento de Ciências Humanas,
Campus V - Santo Antônio de Jesus da Universidade do Estado
da Bahia, sob orientação do Prof. Dr. Paulo Santos Silva.

Banca Examinadora:
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto (UEFS)
Profa. Dra. Marilécia Oliveira Santos (UNEB)
Prof. Dr. Paulo Santos Silva (Orientador)

Santo Antônio de Jesus, BA.

2015
AGRADECIMENTOS

Quero iniciar meus agradecimentos aos meus pais, que sempre torcem pela
minha felicidade. Ainda na família, agradeço a meus queridos irmãos Marisa e Diego e
ao meu sobrinho Joy. Agradeço ao meu companheiro Nonato pelo carinho e
compreensão das angústias recorrentes na escrita.
A orientação dedicada do professor Paulo Santos Silva. Muitas conversas,
indicações de leituras e discussões. Sou grata pela sua paciência. Se não fosse sua
dedicação seria muito difícil compreender o cenário baiano em que atuou Altamirando
Requião. Obrigada pelo aprendizado constante.
Agradeço meus professores da graduação: André Gattaz, Ari Lima, Clóvis
Ramaiana, Elisângela Oliveira, Maurício Brito, Yuri Ramos, Lúcia Pedreira e Robério
Souza.
Ao corpo docente do programa da Pós Graduação em História Regional e Local
e aos servidores administrativos da UNEB, sobretudo aos funcionários Andreia, Ane e
Helder. A Bruno Lopes, funcionário da Academia de Letras da Bahia, pelo carinho,
atenção e cafezinhos, na busca por informações valiosas em inúmeras pastas do arquivo.
Aos funcionários da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, em especial a Jacira Primo
por ter cedido, de suas fontes pessoais, a carta de Altamirando Requião a Getúlio
Vargas em 1938. Ainda sobre fontes, obrigada Eliana Batista pela ajuda com as
matérias de Altamirando Requião no Folha do Norte. A Cristiane Tavares por ter me
apresentado um pouco mais da vida de Altamirando Requião.
A Banca composta por Eurelino Coelho Neto e Marilécia Santos, que na
qualificação indicou caminhos necessários para melhor compreender o objeto.
A turma de História 2014.1, de Alagoinhas- Campus II, que me recebeu com
carinho para a realização do tirocínio docente na disciplina Teoria e Metodologia em
História, com a supervisão do professor Paulo Santos Silva.
Ao professor Carlos Zacarias pela contribuição acadêmica na disciplina Partidos
políticos e movimentos de esquerda na Bahia. Aos colegas Amélia Saback, Edi Ricardo
e Rafael Fontes pelas conversas acerca da política baiana.
Com carinho, agradeço as amizades construídas na graduação, em especial a
Alisson Batista, Erine Santana, Jorge Chastinet, Rafael Rosa e Thiago Machado. A
Iracelli, obrigada pela amizade, pelas festinhas e pelas conversas sobre quase tudo da
vida.
Agradeço aos amigos do mestrado pelas reuniões e conversas, como não me
lembrar das viagens entre Salvador e Santo Antônio de Jesus com Denise Zottolo,
Marcelo Silva e Rosimario Quintino e dos almoços com Alex de Jesus, Indira, Karla
Lima, Willan Januário. Em especial, sou grata pelo cuidado e carinho de Cristina Assis,
sempre tão atenciosa. Cris obrigada por tudo.
Aos amigos Alê Lopys, Jociane Machado, Erica Regina e Taise de Jesus pelo
carinho de sempre.
À CAPES pelo auxílio financeiro desde o ingresso no Programa.
RESUMO

Esta dissertação aborda a trajetória de Altamirando Requião, entre os anos de 1922 e


1937. A partir da análise de suas obras e das matérias jornalísticas publicadas no Diário
de Notícias, mostra-se como a imprensa foi utilizada em favor do antiliberalismo de
direita e como Requião usou da escrita para interferir nas principais questões políticas,
em âmbito nacional e estadual. Na década de 1920, o jornalista, insatisfeito com os
rumos da República, corroborou com as discussões acerca da necessidade de mudanças
para o país, pois acreditava que era sua função ajudar a resolver os problemas nacionais.
Em 1922, com o despertar nacionalista, ele escreveu Consciência e Liberdade. Em
1929, a fim de criticar o governo baiano publicou Cartas a Vital Soares. Assim, busca-
se entender como seus posicionamentos políticos contribuíram para a defesa da
―Revolução‖ e a implantação do Estado Novo. Na Bahia, o jornalista auxiliou o
executivo baiano na articulação com grupos locais, na construção do Partido Social
Democrático (PSD) e contra os adversários do governador. Escreveu, em 1936, Análise
Oportuna com o intuito de apoiar os atos de Juraci Magalhães contra o integralismo.

Palavras-chave: História- Política Baiana- Trajetória-Antiliberalismo-Imprensa.


ABSTRACT

This dissertation approaches the trajectory of Altamirando Requião (1893-1989), during


the years of 1922 and 1937. Through this anlysis of his works and of the journalistics
reports published on Diário de Notícias, it seeks to discuss how his writing was used
with the untuit of defend the anti liberalism of the right as a possible way for Brazil.
Also, realize how Requião used his writing to interfer on the principal political
questions, in a state and national range. On the decade of 1920, the journalist,
unsatisfied with the directions of the Republic, corroborated with the discussions
relatively of the need of changes for the country, cause he believed that it was his
function to help to resolve the national problems. In 1922, with the nacionalist
awakeness, he wrote "Consciência e Liberdade". In 1929, in order to criticize the baiano
government he published "Cartas a Vital Soares". Thid way, looks for understanding
how his political positionings contributed to the defense of the "Revolution" and the
implatation of the New State. In Bahia, the journalist helped the baiano executive on the
articulation with local groups, on the construction of the Democratic Social Party (PSD)
and against the governator adversaries. Wrote, in 1936, "Análise Oportuna" with the
intute of supporting the acts of Juraci Magalhães against the fundamentalism.

Keywords: History-Baiana Politics-Trajetory-Anti Liberalism-Press.


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABI – Associação Baiana de Imprensa


AIB – Ação Integralista Brasileira
ALB – Academia de Letras da Bahia
AN – Arquivo Nacional
ANL – Aliança Nacional Libertadora
BPEB – Biblioteca Pública do Estado da Bahia
CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda
IGHB – Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
LSN – Lei de Segurança Nacional
PCB – Partido Comunista do Brasil
TSN – Tribunal de Segurança Nacional
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO, 9

CAPÍTULO I - CONSCIÊNCIA PARA A LIBERDADE: DIAGNÓSTICO


POLÍTICO E SOCIAL DE ALTAMIRANDO REQUIÃO, 16
LANÇAMENTO NACIONAL DE UM CRÍTICO BAIANO,16
ANÁLISE DO ―DISPARATO ANTROPOLÓGICO‖,21
EM DEFESA DA ALEMANHA,31
A MALDITA REPÚBLICA, 38

CAPÍTULO II- DE CONSELHEIRO A ARTICULADOR


POLÍTICO:ALTAMIRANDO REQUIÃO NO GOVERNO ESTADUAL, 47
CARTAS AO GOVERNADOR, 47
A BAHIA E A ―REVOLUÇÃO DE 1930‖, 55

CAPÍTULO III- CONSTRUÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DE UM PROJETO


POLÍTICO, 75

EM FAVOR DOS IDEAIS INTEGRALISTAS,75


AÇÃO OPORTUNA: A VEZ DO INTEGRALISMO, 82
―IDEIA CONTRAPONDO IDEIA‖, 91
CONSOLIDAÇÃO DE UM PROJETO: IDEIAS E AÇÕES PARA A INSTALAÇÃO DO ESTADO
NOVO, 97
A ALEMANHA: O MODELO ANTILIBERAL, 109
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 117
ARQUIVOS, 119
FONTES, 119
LIVROS, 119
CARTAS, 119
ATAS, 120
MEMÓRIAS E BIOGRAFIAS, 120
PERIÓDICOS, 120

REFERÊNCIAS,121
INTRODUÇÃO

Esta dissertação analisa a trajetória de Altamirando Requião, entre os anos de


1922 e 1937. Ele fez parte de uma geração de intelectuais da década de 1920
descontentes com os rumos da República implantada em 1889. Assim, busca-se
perceber qual a sua interpretação acerca da sociedade brasileira, em face dos projetos
políticos que disputavam a condução do poder no país. Em função das mudanças
ocorridas a partir de 1930, destaca-se sua atuação da ―Revolução‖ até a implantação do
Estado Novo. No cenário baiano, o jornalista cooperou com o governo de Juraci
Magalhães na intermediação com grupos locais e na montagem do Partido Social
Democrático (PSD).
A intelectualidade baiana mantinha vínculos com aqueles que ocupavam
posições-chaves no aparelho do Estado ou que tinham situação econômica privilegiada.
Considerando-se essa circunstância, na pesquisa historiográfica sobre os intelectuais é
imprescindível mapear os espaços de sociabilidade desses indivíduos para perceber o
movimento de produção e circulação das ideias.1 Nesse sentido, cabe entender o cenário
baiano em que Altamirando Requião estava inserido.
Requião nasceu em 27 de agosto de 1893, na capital baiana, e diplomou-se em
1910, aos 17 anos, pelo Instituto Normal. Cursou a Faculdade de Direito no Rio de
Janeiro. Em 1907, aos 14 anos, colaborou na Revista Brasil. Em 1913, entrou para a
equipe de redação da Gazeta de Notícias e atuou como segundo secretário da
Associação da Imprensa na Bahia. Em 1914, trabalhou para o jornal A Tarde e, em
seguida, como secretário no Jornal Moderno. Em 1915, passou um curto período na
imprensa carioca, na redação de O País, sob a direção dos jornalistas João Lage e
Lindolfo Azevedo. No mesmo ano, retornou à Bahia, em 06 de dezembro, e ingressou
no Diário de Notícias, como noticiarista, quatro anos depois tornou-se proprietário do
periódico. Em 1930, presidiu a Associação Baiana de Imprensa, criada no mesmo ano.
Além do Diário, Requião escreveu no jornal A Manhã três artigos semanais e em A
Noite, um artigo semanal. Em 1940, publicou textos na coluna ―Pela Ordem‖ de O

1
GOMES, Ângela de Castro. História e Historiadores: a política cultural do Estado Novo. 2º ed. Rio de
Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 41.

9
Imparcial.2 No campo político-partidário, em 1927, foi eleito deputado federal, mas
devido ao sistema eleitoral vigente na Primeira República, foi impedido de assumir o
mandato.3 Tornou-se deputado federal nos anos de 1934, 1945 e 1950.
No Brasil, no início do século XX, os homens de letras preencheram as redações
dos jornais e atuaram na criação de uma opinião pública. Consequentemente, os
intelectuais perceberam o aumento do seu poder na ação social.4 Altamirando Requião
como integrante da classe dirigente baiana, a despeito das críticas ao sistema político
vigente, agia com o objetivo de manter a estrutura social. Ao propor mudanças no
regime republicano, suas ações visavam à implantação de um governo forte e
centralizado, em desacordo com as práticas liberais. No tocante às questões
internacionais e nacionais, destacava o papel transformador da função do jornalista.
Para ele, o posicionamento da imprensa deveria ser cauteloso, pois ações mal
ponderadas resultariam em consequências graves.5 Desse modo, o jornalista reconhece a
função do seu papel político na organização do país.
Durante o regime instaurado em 1889, outros intelectuais, como Alberto Torres
e Oliveira Viana, a fim de entender os problemas nacionais, investigaram a organização
política e social do Brasil. Os temas incorporaram questões como a sua formação
histórica, as relações entre a estrutura econômica, social e política, as oligarquias, a
questão das raças, a função do Estado, os limites do privatismo e a definição da
legitimidade do poder público.6 Oliveira Viana, em 1920, publicou Populações
Meridionais do Brasil, obra em que interpreta o país da Colônia até o fim do Segundo
Império. Ele se propôs a entender a formação histórica da nação a partir do estudo da
etnologia das "classes rurais" e a sua gênese política.7 Em seu segundo livro, Pequenos
Estudos de psicologia social (1921), publicado pela Revista do Brasil, deu enfoque às

2
A Noite, Rio de Janeiro, 13 de set. 1913. p. 3. O presidente era Severino dos Santos Vieira, vice-
presidente Aguiar Costa Pinto, Primeiro secretário Rafael Spínola. Sobre sua fase como romancista, ver:
MELO, Cristina Tavares Santos. A produção literária de Altamirando Requião: a Bahia do século XVII
em O Baluarte. 2014. 122f. Dissertação (Programa de pós-Graduação em Literatura e Diversidade
Cultural)- Universidade Estadual de Feira de Santana, 2013.
3
VEIGA, Claudio. Atravessando um século: A vida de Altamirando Requião. Rio de Janeiro: Record;
Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1993.
4
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: Tensões sociais e criação cultural na Primeira
República. 2° edição. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 119.
5
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade. Salvador: Dois Mundos, 1922.
6
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo: Duas cidades,
1978. p. 38.
7
VIANNA. Oliveira. Populações Meridionais do Brasil. 27º ed. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2005. Antes do lançamento, o escritor fluminense tinha publicado vários capítulos, em 1917, na
Revista do Brasil, de Monteiro Lobato. CARVALHO, José Murilo de. Utopia de Oliveira Viana. Revista
Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.4. n. 7, 1991. p. 204, 210, 217.

10
questões da República, do poder das oligarquias, da democracia e da ―falta de interesse‖
dos brasileiros pela política. Ele acreditava que o país carecia de um chefe político e não
de pessoas que atuassem apenas em benefício das questões partidárias. Para isso,
advertiu aos homens públicos para a necessidade deles se posicionarem em prol das
demandas nacionais, mesmo quando não estivessem no poder.8
Considerando-se que as ideias refletem os interesses de determinado grupo,
busca-se perceber o diálogo entre o pensamento de Altamirando Requião e os demais
indivíduos que, como ele, defendiam um modelo político antiliberal conservador para
organizar o país. Além de Oliveira Viana, diversos intelectuais se propuseram a pensar e
a resolver os problemas nacionais. Conforme indica Daniel Pècault, os letrados
mostraram-se dispostos a auxiliar na construção da sociedade em bases sólidas e
racionais. Muitas vezes, não participavam de funções públicas, mas mantinham a
linguagem do poder. Entre os anos de 1925 e 1940, eles apresentaram-se preocupados
com o problema da identidade nacional e das instituições.
Com Altamirando Requião não foi diferente. Em 1922, ele lançou Consciência e
Liberdade. Trata-se de um conjunto de ensaios apresentado como uma ―crítica
poligráfica‖ das suas percepções acerca dos problemas sociais da ―tribo brasileira‖. O
livro discutiu temas como o fim da escravidão, a formação da nação, as dificuldades da
República e até o esclarecimento de boatos envolvendo o escritor. Além da análise,
havia também propostas de um novo modelo político para o país. Consciência e
Liberdade revela os principais debates do período, tanto do cenário político nacional
quanto do mundial. Segundo Eric Hobsbawm, já nas primeiras décadas do século XX
houve queda nos valores e nas instituições liberais. As forças que derrubaram os
regimes liberais-democráticos tinham em comum a oposição à revolução social, a
reação contra a subversão da velha ordem em 1917-20, o autoritarismo, a hostilidade às
instituições políticas liberais e o nacionalismo.9
No Brasil, o ano de lançamento da obra de Altamirando Requião, 1922, foi
significativo para uma década repleta de contestações por parte de segmentos da
sociedade. Nesse ano, além da fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), ocorreu
a Semana de Arte Moderna, uma manifestação literária, política e social. Desse modo, é
possível perceber a contribuição dos seus ensaios para os debates de então e como seus

8
VIANNA. Oliveira. Pequenos Estudos de psicologia social. São Paulo: Monteiro Lobato e Cia, 1921.
9
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p.116-117.

11
contemporâneos o influenciaram. Segundo Antônio Arnoni Prado, havia dois grupos
distintos entre os modernistas. A ―verdadeira vanguarda‖, representados por Mário de
Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e
Villa-Lobos. E a ―falsa vanguarda‖, ativa no Rio de Janeiro, composta por João do Rio,
Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Renato Almeida, Menotti del Picchia, Cassiano
Ricardo e Plínio Salgado. O segundo grupo apoiou-se no discurso dos modernistas, mas
manteve-se aliado à oligarquia. Posteriormente, esses indivíduos organizaram-se e
participaram de grupos autoritários, protofascistas e reacionários.10 Ao longo da
investigação, percebe-se que havia relações entre o intelectual baiano e esses
indivíduos. O discurso dos ―falsos modernistas‖ é o que mais se assemelha ao conteúdo
dos textos do jornalista baiano.
O cenário político brasileiro analisado por Altamirando Requião era marcado
pela inquietude da ―pequena burguesia‖. No entanto, a "classe citadina" não queria
mudar o regime e sim o governo, os homens, o voto e a estrutura econômica, ignorando
as questões sociais. Durante o governo de Campos Sales estabeleceu-se a "política dos
governadores". Devido à estrutura social do país, aumentou o poder das oligarquias
regionais. Em 1921, na articulação entre São Paulo e Minas Gerais, a chapa oficial para
presidente foi composta por Arthur Bernardes e Urbano Santos. Na disputa pelo poder,
foi lançada outra chapa com Nilo Peçanha e J.J. Seabra. Impulsionada pelos estados do
Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul, a articulação ficou conhecida
como Reação Republicana. O conflito não tinha a intenção de pôr fim ao sistema
oligárquico, e sim propor uma alternativa de ampliação da participação de outros
estados na política nacional. Arthur Bernardes saiu vitorioso e os militares tentaram
impedir a posse do eleito. Para assegurar a sucessão, o então presidente Epitácio Pessoa
reagiu com censuras, prisões e transferências de oficiais. Os políticos da Reação
Republicana e os militares fizeram críticas à ―máquina política‖.11 Sob esse panorama a
primeira obra de Altamirando Requião, aqui mencionada, foi escrita e publicada.
No final da década, com as consequências da Depressão de 1929, aumentaram
ainda mais a necessidade de reajustes na estrutura do país no que tange às questões
eleitorais. Em 1930, a chapa presidencial Júlio Prestes e Vital Soares saiu vitoriosa. No
entanto, os opositores reuniram-se em torno da Aliança Liberal, que tinha um programa

10
PRADO, Antonio Arnoni. Itinerário de uma falsa vanguarda: os dissidentes, a Semana de 22 e o
Integralismo. São Paulo: Ed. 34, 2010.
11
CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo (1922-1938). São Paulo: Editora Ática, 1989.

12
de governo com reivindicações de setores tradicionais para tomar o poder. A iniciativa
"revolucionária", em oposição ao resultado das urnas, saiu de Minas Gerais e do Rio
Grande do Sul. Getúlio Vargas não conseguiu barrar os ânimos de suas bases no sul do
país. Quando as lideranças políticas conseguiram viabilizar a Revolução, o controle da
situação passou para as mãos do Exército. Os liberais foram marginalizados das
articulações, e o comando das oligarquias ficou em poder dos militares.12 A Revolução
de 1930 alcançou a Bahia em 5 de outubro, quando a capital amanheceu com a notícia
da nomeação do executor do estado de sítio, o general Santa Cruz Pereira de Abreu. Em
meio a um ciclo de alguns interventores federais, Getúlio Vargas nomeou o tenente
cearense Juraci Magalhães para chefiar o estado da Bahia em setembro de 1931. O
interventor federal assumiu o cargo em um contexto conturbado, governando até 1937.13
A chegada do novo interventor Juraci Magalhães foi acolhida como uma afronta
às elites baianas, pois a sua nomeação representava, para alguns segmentos, derrota dos
interesses locais. Assim, pela primeira vez, alguém de fora da Faculdade de Medicina,
da Escola Politécnica, da Faculdade de Direito de Recife ou da Bahia assumia o cargo
mais elevado do executivo estadual. A indicação federal do cearense resultou na união
dos heterogêneos grupos políticos baianos, que se uniram na resistência a seu nome,
dentre elas as facções comandadas por Otavio Mangabeira e Ernesto Simões Filho. Os
descontentes articularam-se a fim de retomar as rédeas do poder no estado.14
Consciente de sua função intelectual, Altamirando Requião por meio da escrita
procurou contribuir para a construção de um projeto político para o país. As ideias já
lançadas em Consciência e Liberdade (1922) desdobraram-se em intervenções no
processo político baiano. É o que se verifica na sua publicação Epístolas ao Sr. Vital
(1929). O texto, em formato de folheto, é uma reunião de onze cartas publicadas no
Diário de Notícias, entre os dias 15 e 27 de abril de 1929, dedicadas a apontar os erros
cometidos pelo governo de Vital Soares.15 Nessa obra, evidenciam-se as noções
políticas do jornalista no final dos anos de 1920.

12
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da ―política do café com
leite‖. 2ºed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.p.308, 312,314-316.
13
CARVALHO, Patrícia Carneiro Santos Moreira de. Juraci Magalhães e a construção do juracismo:
Um perfil da política baiana. 2005. 168f. Dissertação (Programa de Pós- Graduação em História Social) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.
14
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso
histórico na Bahia (1930- 1949) 2ª Ed. Salvador: EDUFBA, 2011.
15
REQUIÃO, Altamirando. Epístolas ao Sr. Vital. Salvador: Oficina dos dois mundos, 1929. Essa cópia
foi presenteada ao historiador Calasans, também membro da Academia de Letras da Bahia. Na
dedicatória, assinada em 15 de março de 1975, Requião informou que essa era sua última cópia e estava
enviado para Sergipe, e solicitou que Calasans ao retornar à Bahia trouxesse o livro com ele. Ao que tudo

13
Novamente, a fim de interferir nos assuntos da política estadual ele escreveu
Análise Oportuna (1936). O conteúdo do texto era para proteger o governador das
acusações feitas pelos integralistas e combater o avanço do Sigma e do liberalismo no
estado. Percebe-se que o jornalista reconhecia sua ação intelectual como uma tática
política. Nesse ano, a AIB havia sido acusada de orquestrar um golpe contra o governo
estadual, com isso Juraci Magalhães mandou fechar os núcleos integralistas da Bahia.
Portanto, a escrita foi empregada com o objetivo de desqualificar os argumentos do
adversário, nesse caso, dos integralistas.
Além das obras do próprio Altamirando Requião, outras fontes narrativas acerca
do período foram utilizadas para entender as ideias e ações do jornalista baiano.
O fechamento dos núcleos da AIB foi retratado nos livros memorialísticos de
dois indivíduos envolvidos no evento. Assim, tornou-se indispensável o uso das obras
Juraci Magalhães minhas memórias provisórias: depoimento prestado ao CPDOC
(1982) e O homem e o muro (memórias políticas e outras), do integralista Rubem
Nogueira (1997). No último, seu autor respondeu a algumas afirmações feitas pelo
antigo governador. Além do tema específico, os dois autores retrataram assuntos da
política baiana na década de 1930.16
Outras fontes exploradas foram os textos do Diário de Notícias. O periódico foi
de propriedade de Requião, de 1919 a 1939. Ao longo desses anos, o jornal foi utilizado
para expressar o ponto de vista político do seu proprietário, no que concerne aos
assuntos internacionais, nacionais e locais. Portanto, tais fontes possibilitam entender
suas concepções no que tange à noção de Estado, liberalismo e democracia. Permitem
também avaliar como o jornalista representava o cenário mundial, a Primeira República,
o governo de Getúlio Vargas e o de Juraci Magalhães, assim como perceber o confronto
de ideias com outros intelectuais baianos, indivíduos que se mantiveram contrários à
política centralizadora federal.
Ao buscar entender como Altamirando Requião defendeu um modelo político
antiliberal conservador para organizar o país, esta dissertação teve como recorte
temporal os anos de 1922 a 1937. Os resultados da investigação em torno de sua
trajetória no período indicado encontram-se expostos em três capítulos. Esta divisão
obedece a critérios cronológicos e temáticos, que, interligados, visam a dar conta da

indica assim foi feito, pois essa cópia encontra-se na ACB. Foi verificado o jornal Diário de Notícias e
confere que os textos foram escritos na data descrita.
16
ABREU; FARAH; VASCONCELOS, op. cit., p. 97; NOGUEIRA, op. cit., p. 121.

14
atuação de um jornalista baiano que, à semelhança de outros intelectuais de então,
tomou parte no debate que atravessou o país e discutiu seus caminhos políticos.
O primeiro capítulo, Consciência para a Liberdade: diagnóstico político e
social, analisa o momento político de 1922. Na seara internacional, um dos debates
tinha como propósito amenizar os erros cometidos pela Alemanha na Primeira Guerra
Mundial. No tocante a essa questão, o jornalista compartilhou pontos de vista
recorrentes à época como a do escritor de A Alemanha Saqueada, Mário Pinto Serva.
Igualmente, Requião defendeu as ideias difundidas pela revista baiana Cultura Alemã,
segundo a qual os germânicos não eram responsáveis pelo conflito. A revista foi
fundada em 15 de abril de 1915 por Karlos Weber e era dedicada a propagar na
sociedade brasileira assuntos germânicos, em especial sobre letras, ciências, artes e
atualidades. Na interpretação da sociedade brasileira, Requião utilizou-se de temas
como, raça, nacionalismo e democracia a fim de atacar as instituições da República. Ao
longo de sua obra, as práticas liberais foram postas como ineficazes para solucionar as
demandas do país. Desse modo, tornou-se necessário examinar quais caminhos ele
propôs para construir a nação. E quais foram os diálogos travados com os intelectuais
contemporâneos, a exemplo de Oliveira Viana, Ronald de Carvalho e Mario Pinto
Serva.
Na década de 1930, as mudanças ocorridas em solo baiano após a ―Revolução‖,
alteraram a vida de Altamirando Requião, tornando-o figura chave nas articulações do
chefe do estado com os grupos locais. Desse modo, no segundo capítulo, De
conselheiro a articulador político, busca-se entender como as suas ideias políticas,
propagadas nos anos de 1920, foram importantes para a tomada de posições no que diz
respeito ao apoio a Getúlio Vargas e a Juraci Magalhães. E quais argumentos o
jornalista utilizou no intuito de desqualificar os adversários do governo.
No último capítulo, Construção e consolidação de um projeto político, analisa-
se a influência de Requião na defesa e permanência do presidente Getúlio Vargas. O
jornalista baiano lutou para demonstrar a importância de um Estado forte e centralizado,
consolidado no Estado Novo. Defendeu as ações do governo e lutou contra o discurso
dos autonomistas. Assim, nesse capítulo, pretende-se abordar como ele interpretou às
noções de democracia e ditadura de acordo as necessidades políticas do governo federal,
principalmente no combate aos liberais.

15
CAPÍTULO I

CONSCIÊNCIA PARA A LIBERDADE: DIAGNÓSTICO POLÍTICO


E SOCIAL DE ALTAMIRANDO REQUIÃO

Lançamento nacional de um crítico baiano.

No âmbito literário, 1922 foi o ápice da reivindicação de uma consciência


nacional, existente desde o início do século XX, mas que aumentou ainda mais no
período da Guerra (1914-1918). Anterior aos conflitos internacionais, a literatura no
Brasil já tinha sido utilizada para questionar os problemas sociais do país. A realidade
nacional foi amplamente discutida com a publicação de Os Sertões, em 1902, em que
Euclides da Cunha (1866-1909) dialogou acerca do abandono das populações das
regiões centrais do país.17 Roberto Ventura, ao analisar Os Sertões, afirma que a obra
transita entre a literatura, a história e a ciência. Em perspectiva científica, uniu a base
naturalista e evolucionista à construção literária, marcada pelo fatalismo trágico, mas,
ao mesmo tempo, com uma visão romântica da natureza. Cunha recorreu à ficção,
utilizando-se da tragédia e da epopeia para inserir os fatos da guerra.18
1922 foi o ano de comemoração do centenário da Independência do Brasil, fato
histórico esse capaz de criar um espírito de consciência entre os intelectuais. Um
momento de reflexão para questionar se após cem anos de emancipação o país havia se
tornado livre. Inquirir, sobretudo, se existia uma nação e se toda a população estava
inserida de forma democrática. A resposta não era animadora, por isso, tornou-se
necessário identificar os focos responsáveis pelo subdesenvolvimento e pela condução
de amplos setores à marginalidade. O alvo principal era a política dominante, com as
oligarquias em vigor e um grupo dirigente reduzido.19 Partindo do pressuposto de que
Altamirando Requião (1893-1989) pertenceu a esse momento de estado de
―Consciência‖, os ensaios publicados em seu livro Consciência e Liberdade nos

17
TRINDADE, Hélgio. Integralismo (O fascismo brasileiro da década de 1930). 2º ed. Rio de Janeiro:
Difel, 1979. p. 19-29.
18
VENTURA, Roberto. Os Sertões. São Paulo: Publifolha, 2002. p. 60.
19
IGLÉSIAS, Francisco. História e literatura: Ensaios para uma história das ideias do Brasil. Org
PAULA, João Antonio de. São Paulo: Perspectiva, 2010. p. 248.

16
fornecem indícios para entender quais os caminhos foram apontados por ele como
necessários para se alcançar a ―Liberdade‖.
Consciência e Liberdade foi publicado em 1922, pela livraria Dois Mundos,
contendo 16 capítulos, de temas diversos. O texto foi apresentado como uma ―crítica
poligráfica‖. As principais questões abordadas na obra foram os problemas sociais da
―tribo brasileira‖, como por exemplo, o fim da escravidão, a formação híbrida da nação
e as dificuldades da República.20 O autor apresentou-se como indivíduo capaz de
organizar a sociedade. Por meio de seu texto pretendia criar uma consciência nacional
com o objetivo de obter a verdadeira liberdade.21
A venda de Consciência e Liberdade foi anunciada pelo Diário de Notícias, em
06 de março de 1922. Mas, antes disso, o periódico publicou os resumos de alguns
capítulos. Ao que tudo indica, a intenção foi despertar no público baiano interesse pela
―mais nova análise sociológica brasileira‖.22 Usando da mesma estratégia de lançamento
dos romances do século XIX, de ir aos poucos instigando no público o desejo de obter
um exemplar, o jornal, ou melhor, o seu dono, apresentou o resumo do segundo
capítulo, exatamente um mês antes, em 06 de fevereiro. No primeiro dia da
comercialização, o resumo do terceiro capítulo foi publicado.
Tudo indica que a propaganda teve bons resultados. Após nove dias, em 15 de
março, mais de cem exemplares haviam sido distribuídos. Destaque-se que o livro não
circulou apenas em solo baiano, a editora encaminhou três remessas para todo o sul e
norte do país. Segundo o jornal, indivíduos de diversos segmentos da sociedade baiana,
dentre eles, médicos, comerciantes e cirurgiões dentistas leram e aprovaram a obra. Por
sua vez, o periódico citou os nomes dos leitores que fizeram questão de ir pessoalmente
à sede do Diário prestigiar o escritor.23
Depois do sucesso das vendas mudou-se a tática: foi publicado quase que
diariamente resenhas de críticos literários. Em março, Elisbão da Costa destacou a
importância do estudo sociológico presente nos ensaios. Já no mês de abril, anunciaram-
se mais 10 matérias sobre o livro, escritas por Jayme de Lima, Olympio Pinto, Teixeira

20
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade. op., cit.
21
Intelectual como organizador das massas. Ver Cadernos do cárcere Volume 2: Os intelectuais. O
princípio educativo. Jornalismo. 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2011. TRADUÇÃO DE
Carlos Nelson Coutinho. p.15
22
CONSCIÊNCIA E LIBERDADE. Diário de Notícias, Salvador, 06 fev.1922. p.1; CONSCIÊNCIA E
LIBERDADE resumo do terceiro capítulo. Diário de Notícias, Salvador, 06 mar. 1922. p.1; JÁ ESTÁ A
VENDA. Diário de Notícias, Salvador, 06 mar. 1922. p.1
23
CONSCIÊNCIA E LIBERDADE mais de cem exemplares vendidos numa semana. Diário de Notícias,
Salvador, 15 mar. 1922. p.1.

17
Gomes, Silio Boccanera e Francelino de Andrade. No mês seguinte, em maio, Homero
Pires, Virgílio de Lemos e Dunshee de Abranches descreveram suas impressões. Dentre
tantas matérias de elogios, uma era para anunciar à sociedade baiana que a revista
América Brasileira havia publicado uma resenha do escritor Ronald de Carvalho
consagrando o livro de Requião.24 A tal revista era financiada por Elísio de Carvalho.
Dentre outros colaboradores encontravam-se Renato Almeida, Graça Aranha, Ronald de
Carvalho e Mario de Andrade.25
Nascidos no mesmo ano, 1893, Ronald de Carvalho e Altamirando Requião
mantinham contatos por carta. Em 1920, Requião estando no Rio de Janeiro visitou
Carvalho em sua residência. Em epístola, Ronald afirmou reconhecer o papel que a
inteligência baiana ―tem representado no desenvolvimento das nossas letras e das nossas
artes‖. Aconselhou o amigo baiano acerca de possíveis oportunidades na capital,
sugestão essa não seguida por Requião, que preferiu permanecer na Bahia.26
A amizade entre os dois passou por momentos conturbados. Um determinado
episódio deixou Requião em complicações com a intelectualidade baiana. Um pintor
falso de nome Virgílio Maurilio conseguiu enganar Ronald de Carvalho e Renato
Almeida na capital. Em outubro de 1919, ao chegar à Bahia, com as credenciais dos
dois escritores, foi recebido por Requião, que se tornou propagandista do impostor. O
caso foi desfeito e o proprietário do Diário de Notícias precisou se retratar com a
sociedade baiana em um artigo Com a verdade onde ela estiver.27 Posteriormente, o
tema também foi abordado em Consciência e Liberdade.
Interessa-nos o artigo de Ronald de Carvalho enaltecendo a obra de Requião e
qual a importância do fato para o momento. De acordo com Daniel Pècault, o ano de
1922 foi o símbolo da mutação em curso. Aconteceu a primeira revolta de jovens
oficiais, os tenentes. Data também da fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB).
O modernismo irrompeu no domínio cultural, com a realização da Semana de Arte
Moderna. Intelectuais também ingressaram no nacionalismo deliberadamente

24
FALAM OS MESTRES SOBRE O LIVRO CONSCIÊNCIA E LIBERDADE. Diário de Notícias,
Salvador, 01 abr. 1922. p.1; CARTA DE RONALD DE CARVALHO PARA REQUIÃO. 23 mai.1922.
Pasta academia de letras da Bahia.
25
PRADO, Antonio Arnoni. Itinerário de uma falsa vanguarda: os dissidentes, a Semana de 22 e o
Integralismo. São Paulo: Ed. 34, 2010. p. 268.
26
MELO, Cristina Tavares Santos. A produção literária de Altamirando Requião: a Bahia do século
XVII em O Baluarte. 2014. 122f. Dissertação (Programa de pós-Graduação em Literatura e Diversidade
Cultural) - Universidade Estadual de Feira de Santana, 2013.
27
RONALD DE CARVALHO/ ALTAMIRANDO REQUIÃO: DOIS CENTENÁRIOS. A Tarde
Cultural, Salvador, 15 mai.1993.

18
reacionário, promovido com o movimento católico organizado em torno do Centro Dom
Vital.28
No caso do modernismo e do tenentismo, o que se pode afirmar é que ambos
surgiram da insatisfação com o status quo. Da corrente modernista saíram grupos
reacionários, a própria direita, liberais, que se enquadraram ao jogo político, e figuras de
esquerda. Tanto os artistas quantos os militares não tinham uma orientação ideológica
segura, pois reagiam a depender das circunstancias.29 No caso de Altamirando Requião,
indivíduo descontente com a Primeira República, tornou-se personagem importante no
cenário baiano em apoio ao governo revolucionário de 1930, aspecto que será abordado
com mais ênfase no segundo capítulo desta dissertação.
No período entre guerras é constatado um despertar nacionalista, através do
surgimento das revistas, A revista do Brasil (1916), Brasiléa (1917) e Gil Blas (1919).
Os anos de 1920 e 1921 propiciaram condições necessárias para o lançamento de ideias
para um evento em que se propunha uma arte nacional.30 O modernismo de cunho
literário remete a 1890, a uma manifestação de escritores da língua espanhola para uma
renovação comum aos temas e formas. Na América Latina teve como seu principal
expoente Rubén Diário (1867-1916). O interesse desses modernos era reagir contra o
aumento do poder do dinheiro, dos ideais materialistas e da burguesia e da entrada das
massas na história, portanto um movimento aristocrático e esteticista.31 No Brasil, em
1922, a vanguarda modernista, em contato com as vanguardas da Europa, questionou as
velhas formas de criação. Seus principais organizadores foram Mário de Andrade,
Oswald de Andrade e Graça Aranha, que tentaram destruir formas velhas e instituir uma
revisão dos valores regentes da cultura nacional. O movimento incorporou outros
intelectuais de origem burguesa.32
Contudo, não havia homogeneidade entre os artistas. Antonio Arnoni Prado
distingue os modernistas em dois grupos: a verdadeira vanguarda e a falsa vanguarda. O
primeiro, formado por Mário de Andrade (1893- 1945), Oswald de Andrade (1890-
1954), Manuel Bandeira (1886- 1968), Tarsila do Amaral (1886-1973), Anita Malfatti
(1889-1964) e Villa-Lobos (1887-1959). O segundo, ativo no Rio de Janeiro,

28
PÉCAULT, op. cit., p. 26- 27.
29
IGLÉSIAS, Francisco. História e literatura: Ensaios para uma história das ideias do Brasil. Org
PAULA, João Antonio de. São Paulo: Perspectiva; 2010. p. 254.
30
TRINDADE, op. cit., p. 19-29; VEIGA, op. cit., p. 34. Havia uma revista do Brasil em São Paulo e
outra revista do Brasil na Bahia.
31
LE GOFF, Jaques. História e Memória. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1990. p. 180.
32
PÉCAULT, op. cit., p. 38.

19
constituído por João do Rio (1881-1921), Graça Aranha (1868-1931), Ronald de
Carvalho (1893-1935), Renato Almeida (1895-1981), Menotti del Picchia (1892-1988),
Cassiano Ricardo (1895-1974) e Plínio Salgado (1895-1975), responsáveis pelo
modernismo regressivo. Para o autor, a falsa vanguarda se maquiou com o discurso dos
modernistas, mas se mantiveram aliados à oligarquia. Depois se organizaram e
participaram de grupos autoritários, protofascistas e reacionários.33
Retomando as resenhas literárias em Consciência e Liberdade, expostas no
Diário de Notícias, uma era de Irineu Marinho, diretor do jornal A Noite. Um fato a ser
destacado é que na matéria do Rio de Janeiro, Irineu Marinho (1876-1925) louvou o
baiano e afirmou ter realizado a leitura do livro, mas em nenhum momento citou as
relações existentes entre Requião e aos demais literatos. Porém, na transcrição da nota
para o jornal baiano os nomes de Renato Almeida, Ronald de Carvalho, Elysio de
Carvalho e Gomes Leite apareceram como se estes tivessem feito elogios a Requião.34
O proprietário do Diário de Notícias mantinha uma relação de amizade com Ronald de
Carvalho, mas a matéria da capital em nenhum momento afirmou isso. No entanto,
Requião acreditou ser necessário mostrar aos seus leitores sua afinidade com o grupo
literário da capital.
Ronald de Carvalho e Renato Almeida, ambos ligados a Graça Aranha, faziam
parte da Revista Americana integrada à literatura dos povos latino-americanos. A revista
se apresentava como um órgão de combate à ―literatura de esgoto‖, dos remanescentes
do naturalismo. Para isso, dizia-se necessário orientar os jovens escritores no intuito de
expor-lhe o papel da literatura no âmbito da nova pátria nacional, uma literatura distinta
da regional ou ―sertanófila‖.35 Assim é o livro Consciência e Liberdade. Recorrendo à
História e à Ciência, os ensaios não apresentaram as questões de cunho regionais e sim a
elaboração de uma crítica dos problemas do país.
No dia três de abril, o Diário de Notícias afirmou ter vendido mais de 500
exemplares. Não se pode afiançar a veracidade dos fatos, mas é certa a tentativa de

33
PRADO, op. cit. Para Gramsci, na América do Sul não houve um desenvolvimento completo das
superestruturas, pois a base industrial era restrita. Portanto, os intelectuais estavam ligados aos
proprietários de latifúndios e ao clero. Intelectual como organizador das massas. Ver Cadernos do cárcere
Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira. TRADUÇÃO DE Carlos Nelson Coutinho. p. 31
34
CONSCIÊNCIA E LIBERDADE e a crítica autorizada. Diário de Notícias, Salvador. 09 mai. 1922.p.1.
35
PRADO. op. cit., p. 138-140.

20
mostrar a importância da obra em âmbito nacional.36 Depois de tantos elogios,
Consciência e Liberdade teve direito à segunda edição, justamente no dia 13 de maio de
1922. A seguir será discutido como a escolha da data de mais um lançamento da obra
pôde ter alguma relação com um de seus argumentos utilizados para apontar os
problemas nacionais.

Análise do “disparato antropológico”

O primeiro capítulo do livro de Requião foi intitulado Nosologia Étnica e


Diagnose Social. Com a pretensão de uma análise sociológica, o texto teve como foco
diagnosticar e classificar os males que afligiam a nação, compreendido pelo resultado
da mistura étnica. Requião não difere de alguns de seus contemporâneos ao tratar da
questão racial para entender a nação.
Durante a Primeira República, a noção raça estava inserida de uma ou de outra
maneira no conceito de nação. De acordo com Nilo Odalia, os intelectuais, no final do
século XIX e nas primeiras décadas do XX, ao interpretar a história nacional utilizava
como paradigma a sociedade europeia. Silvio Romero ao descrever a realidade visível
das raças na constituição do povo brasileiro, conclui que o Brasil era diferente, mestiço
e como tal deveria ser encarado e analisado.37 Assim, era inconcebível a ideia de
realizar uma interpretação do país sem tecer considerações acerca do processo histórico
de formação do povo brasileiro e da diversidade e miscigenação racial que o
caracterizava.
Como salienta Lilia Moritz Schwarcz, as discussões sobre a noção de raça eram
realizadas em diversos espaços, como nos jornais. Esses debates haviam sido
embasados por duas principais vertentes. A princípio, a visão monogenista, dominante
até o século XIX, de conteúdo cristão, segundo o qual a humanidade era una,
diferenciando os indivíduos como um produto ―da maior degeneração ou perfeição do
Éden‖. A segunda, poligenista, concebia a humanidade como oriunda de diferentes
36
LIMA, Jayme de. Consciência e Liberdade. Diário de Notícias, Salvador. 03 abri. 1922. p.1. (500) O
GRANDE EXITO DO LIVRO CONSCIÊNCIA E LIBERDADE. Diário de Notícias, Salvador. 26 mar.
1922. p.1. (quase 500)
37
ODALIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagem e
Oliveira Viana. São Paulo: Fundação editora da UNESP, 1997. p. 20

21
espécies. Embora possuíssem um ancestral comum, acreditava ter havido tempo
suficiente para distinguir as heranças.38
As discussões sobre raça realizadas na Europa e nos Estados Unidos da América
quando lançadas no Brasil já estavam em um processo de descrédito em seus países de
origem. Os textos traduzidos não eram escolhas aleatórias, havia uma seleção em que se
optava por uns em detrimento de outros. Desse modo, esses saberes foram utilizados
como um instrumento do conservadorismo e do autoritarismo na construção de uma
identidade nacional.39
Porém, não se pode pensar em homogeneidade na interpretação dos intelectuais
sobre a questão racial no Brasil. O escritor baiano Xavier Marques (1861-1942), a
exemplo, contemporâneo de Requião, era adepto da psicologia coletiva de Gustave Le
Bom (1841-1931).40 O francês Le Bon era um dos que defendiam as teorias do
darwinismo social, e interpretava a mestiçagem como sinônimo de degeneração racial e
social. Adepto da chamada ―psicologia social‖, compreendia que o grupo era fator
preponderante na determinação do comportamento dos indivíduos. O teórico
influenciou diversos intelectuais brasileiros. Entretanto, como não havia unanimidade
de pensamento sobre a questão racial, Marques também se apropriou das ideias de
Oliveira Viana, que por sua vez se embasou em Vacher de Lapouge (1854-1936).41
Assim, Xavier Marques concordava com algumas noções do teórico francês e
concomitantemente com outra corrente de branqueamento, difundida por Silvio Romero
(1851-1914) nos fins do século XIX, e que corroborou os debates dos primeiros anos da
Primeira República.42 Seguindo essa lógica, percebe-se que os intelectuais brasileiros se
apropriavam de ideias estrangeiras e geravam suas próprias interpretações. A partir
dessa constatação busca-se entender como Requião incorporou as ideias raciais
discutidas no Brasil, reelaborou e as utilizou como arma contra os liberais.
O escritor adotou a data 13 de maio de 1888 como um marco necessário para
entender os problemas nacionais. Por sua vez, os jornalistas liberais foram acusados de

38
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil –
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 48- 49, 55, 245.
39
SCHWARCZ, op. cit., p. 41- 42.
40
OLIVEIRA, Marcelo Souza. Federalistas Xavier Marques entre os intérpretes do Brasil: raça e nação
na Primeira República. Salvador, 2013. p. 17. 241f. (Programa de Pós-Graduação em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
41
SCHWARCZ, op. cit., p. 58, 63.
42
OLIVEIRA, Marcelo Souza. Op. cit., p. 17. Sobre as teorias de Oliveira Viana. CARVALHO, José
Murilo de. A Utopia de Oliveira Viana. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.4. n. 7, 1991. p.
208.

22
serem os principais responsáveis pelo ―nosso retardamento geral‖. Segundo Requião,
esses profissionais haviam sido infectados por uma ―doença mental‖, pelo ―excesso de
megalomania regionalista‖ e de ―nacionalismo ufanista‖, por isso agiram de forma
errônea, levando o país à derrota. Diante desses fatos ele indicava manter o cuidado:

É de urgência abolir esse mal recidivo, que no segue pari passu, e que se
escancarou, não há muito, como ficou dito, em sobejas provas, pelos jornais,
rebentando em lirismo lamechas, comemorativas do nosso decantado treze de
maio. 43

Para o autor a atuação da imprensa deveria ser cautelosa e sua tarefa era de
ajudar a resolver os problemas nacionais. Caso contrário, suas ações mal ponderadas
resultariam em consequências ainda mais graves para a nação. Destacou ainda que,
anteriormente, a função do jornalista era ―uma culinária simples, clássica, imutável, na
mesmice de uma rotina veneranda‖. Mas naquele momento era diferente, caberia a eles
se conscientizarem do seu papel de indivíduos capazes de transformar a sociedade.44
No texto há menção à necessidade de mudanças no posicionamento da imprensa
perante as questões sociais. Mas seu objetivo principal era de exibir os problemas já
causados pelos liberais no cenário brasileiro. Nota-se que não foram todos os membros
da imprensa responsável pela data e sim os adeptos da doutrina liberal. Para tanto, o
autor usou do argumento do 13 de maio como estratégia para exemplificar como as
ideias liberais foram maléficas para a nação. Em nenhum momento o autor mencionou
como os escravos historicamente se rebelaram contra o sistema; o processo foi estudado
apenas como resultado das práticas mal sucedidas dos liberais.
Como indicou Wanderley Guilherme dos Santos, o pensamento da elite
brasileira, tanto no Império quanto na República, foi sempre ―eclético‖. No tocante à
questão da escravidão, em 1869, um grupo dentro do partido liberal fez o Manifesto
Liberal Radical, que exigia, entre outras coisas, a emancipação dos escravos, mas não
necessariamente apoiava o fim da Monarquia. Essa coligação teve auxílio da imprensa,
dos clubes de propaganda e de intelectuais progressistas. Já em 1870, outro grupo
lançou o Manifesto Republicano, que pedia o fim da Monarquia sem mencionar o tema
da escravidão. As duas facções apoiaram-se em um ―semiliberalismo‖, uma

43
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade. Salvador: Dois Mundos, 1922. p. 1,2.
44
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade. op. cit., p. 167.

23
reinterpretação dos ideais liberais que se adequasse às características do Brasil e, acima
de tudo, aos seus interesses próprios, logo não havia uma corrente liberal coerente.45
Na Bahia, como em outras províncias, a imprensa teve uma atuação fundamental
na campanha a favor da abolição e na divulgação de denúncias contras os escravocratas.
O Asteróide, da cidade de Cachoeira, e o Diário da Bahia, órgão porta voz dos liberais
no estado, foram os mais veementes na causa. Em 1872, alguns jornais baianos
assinaram um pacto antiescravista, no qual se negaram a publicar a fuga, a compra e a
venda de escravos. O acordo foi assinado pelo Jornal da Bahia, Correio da Bahia,
Diário da Bahia e Diário de Notícias.46 Requião partiu da ideia de que os jornalistas
liberais foram responsáveis por todos os problemas promovidos pelo evento de 1888,
embora nem os jornais e tampouco os jornalistas baianos foram atacados diretamente.
No período de publicação do seu livro, vários dos periódicos citados ainda circulavam,
mas a discussão no livro ocorreu sempre em uma perspectiva nacional.
A acusação era que os jornalistas liberais, quando defenderam a abolição,
vislumbraram uma pátria melhor, ―sonharam, e foi só. [...]‖. Como consequência, ―a
nação instituiu em ócio mais um dia do ano, para a satisfação dos madraços que a
exploram‖. O 13 de maio tinha o sonho de abolir a escravidão, mas:

Que somos todos nós, senão escravos, mas escravo da pior espécie, (...)
dentro dos limites da democracia de sodalícios e do nepotismo. (...)
Nas senzalas de outrora só repercutia o ranger de dentes de uma casta, (...) as
de hoje, na falência integral das regalias Republicanas, escutam as
lamentações e os rugidos de desespero de uma nacionalidade desfeita em
hordas que se sobrepõem na desventura de uma virilidade morta. 47

Para o autor, o 13 de maio não passou de uma ilusão, a dificuldade maior


naquele momento era a inexistência de uma nação. Ele acreditava ser papel dos

45
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo: Duas cidades,
1978. p. 90-93. Segundo Norberto Bobbio, o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto no que
concernem aos seus poderes, representado pelo Estado de direito, quanto às suas funções, apoiado no
Estado mínimo. Assim, o Estado liberal age a favor do Estado de direito em detrimento ao Estado
absoluto e contra o Estado máximo em defesa do Estado mínimo. A tradição liberal defende a ideia de
que a ―liberdade‖ e o ―poder‖ são termos incompatíveis. BOBBIO. Norbert. Liberalismo e Democracia.
São Paulo: Brasiliense, 2005.
46
Devido uma cisão política, O Monitor surgiu em 1876. BRITO, Jailton Lima. A Abolição na Bahia:
Uma História Política. 1870-1888. 1999. p.265f. Dissertação (Faculdade de filosofia e Ciências Humanas
MESTRADO EM HISTÓRIA – UFBA. Salvador, 1999. p. 29-33; CARVALHO FILHO, Aloysio de. A
Imprensa na Bahia em 100 anos. p. 53-56 In PONTES, Luis Guilherme Apontamentos para a história da
imprensa na Bahia; AMARAL, Braz do. Alfredo Requião. Revista do Instituto Geográfico e histórico da
Bahia, nº 36, 1911. p. 112-114. O Diário de Notícias passou a ser propriedade de Altamirando Requião
apenas em 1919.
47
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade. op. cit., p. 4,5.

24
jornalistas, ou melhor, a função dele era de expor ―a verdade da degeneração [...] o
germe do morbo que estraçalha e inutiliza a nação inteira‖. Assim, os letrados, tinham
que se posicionar com o objetivo de denunciar a questão da raça negra, que estava
adoecendo a nação brasileira e tornando-a estéril. E exibir a situação da ―tragédia
nacional‖, pois todos os sintomas que afetavam a saúde de uma nação encontravam-se
na sociedade brasileira, caracterizada como ―povo amorfo‖ e ―desorganizado‖.48 De
acordo com o texto, as moléstias que agravavam a saúde da nação eram muitas.
Contudo, havia uma enfermidade mais grave, a hibridização das ―três raças negativas‖,
das quais duas eram incapazes e uma estava incapacitada.
Ao nos debruçarmos sobre os conceitos médicos, na década de 1920, através do
livro de Lilia Moritz Schwarcz, O Espetáculo das raças, constata-se que Requião usou
dos mesmos argumentos da comunidade médica. Ao analisar os discursos das
faculdades de medicina da Bahia e a do Rio de janeiro, a autora salienta que os médicos
baianos entendiam o cruzamento racial como o nosso grande mal. Enquanto os médicos
cariocas tratavam de combater as doenças, os profissionais baianos não pensavam no
indivíduo e sim na coletividade, na nação doente. Sua principal tese era de que da
miscigenação decorria a loucura, a criminalidade e a degeneração.49
Em 1865, os profissionais de medicina criaram a Gazeta Médica da Bahia, que
tinha publicação mensal, com intuito de unir os profissionais da área. O grande
laboratório humano era a sociedade baiana repleta de pessoas pobres e doentes. Através
de fotos promovia-se a espetacularização das doenças. Nos anos de 1920, a revista
assumia um discurso pessimista, disseminando a ideia de inviabilidade para qualquer
projeto futuro de melhoria da nação. A hibridização das raças e suas consequências
eram os fatores apresentados como empecilho. Ainda, a gazeta ridicularizava o discurso
filosófico liberal de liberdade individual e lutava pela proposta do Estado assumir a
tutela dos alienados. Para defender tais opiniões, os ―médicos políticos‖ também
atuavam como cientista social, ocupando lugares até então apenas preenchidos por
bacharéis.50
Schwarcz não expôs o posicionamento da Gazeta Médica da Bahia sobre a
abolição. No entanto, o discurso antiliberal da revista defendia a posse do Estado sobre
os doentes, que em sua grande maioria eram negros e mestiços. Requião não teve

48
Ibidem.
49
SCHWARCZ, op. cit., p. 190- 191, 200.
50
Ibdem. p. 200-213

25
formação médica, mas quando ele enfatizou a questão racial como uma barreira para o
progresso da nação, usou dos mesmos argumentos da comunidade médica baiana.
Acredita-se que os ―médicos políticos‖ interagiam com outros intelectuais baianos,
através de diversos espaços de sociabilidade. Nessa mesma linha de raciocínio, a Gazeta
Médica da Bahia não era um órgão vinculado e restrito à escola baiana de medicina.
Nesse momento, havia outros espaços em Salvador para a discussão acerca da
questão racial, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia é um exemplo. O IGHB
possuía uma revista trimestral, e a partir de 1923 tornou-se anual, possibilitando
diálogos com a faculdade de Medicina da Bahia. Com isso o debate sobre o caráter
racial da população baiana perpassava pelo âmbito médico. Consequentemente, os
principais nomes do poder político e econômico, dentro ou fora do governo, tinham
conhecimento dessas discussões, estabelecendo um círculo, iniciado pela
intelectualidade, mas que chegava à esfera do executivo, ou seja, dos idealizadores aos
executores de uma abordagem e tratamento racializado da população.51
Portanto, do mesmo modo que esses médicos atuavam politicamente na
sociedade, outros setores também tinham conhecimento do conteúdo propagado pela
revista. Requião pode ter dialogado com essas ideias para escrever o primeiro capítulo
do seu livro. Por outro lado, o enfoque da questão racial tendo como marco o 13 de
maio não foi apresentado apenas pelos médicos baianos. Havia outros setores sociais
que compartilhavam do mesmo pensamento, do qual Requião possivelmente tenha
tirado proveito. O leque de opções sobre a questão racial era imenso. O escritor ao
analisar o tema incorporou um emaranhado de discussões do momento.
Em 1920, Oliveira Viana (1883-1951) publicou o livro Populações Meridionais
do Brasil. Antes do lançamento, o escritor fluminense divulgou vários capítulos, em
1917, na Revista do Brasil, de Monteiro Lobato. O texto influenciou quase todas as
principais obras de sociologia política do país. Mesmo aquelas em que os escritores
discordaram de sua proposta, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Nestor
52
Duarte, entre outros. Populações Meridionais do Brasil teve como objetivo realizar
uma análise da formação nacional, desde a Colônia até os fins do Império. O autor

51
SILVA, Aldo José Morais. INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DA BAHIA Origem e
Estratégias de Consolidação Institucional. 1894 – 1930. 246f. TESE. (Programa de Pós-Graduação em
História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2006. p. 126, 164- 166. O autor apresentou em ata a nomeação de Nina Rodrigues, representante máximo
da medicina legal, como sócio do IGHB. Percebe-se que as relações entre as duas instituições eram
fecundas.
52
CARVALHO, José Murilo de. op. cit., p. 82-99. p. 204.

26
acreditava no ―elemento histórico na formação da psicologia dos povos‖. Assim, a
proposta consistia em ―investigar na poeira do passado os germes das nossas ideias
atuais‖. Viana buscou entender a gênese política do país, através dos seus aspectos
políticos, sociais e etnológicos. No âmbito político, o sistema liberal no Brasil foi
concebido como antagônico, devido à inexistência de uma sociedade liberal.53
Apesar de não haver menção ao escritor fluminense no texto de Requião, partiu-
se do pressuposto da extensão da obra de Viana para os estudos realizados acerca da
sociedade brasileira a partir de 1920. Fazendo uma breve comparação, o que se pode
observar é que Requião também empregou os mesmos métodos, como o retorno ao
passado, as práticas dos liberais e a abolição para justificar e apontar os erros do
presente. Por isso tornou-se necessário fazer um paralelo entre Populações Meridionais
do Brasil, de 1920, e Consciência e Liberdade, de 1922.
Um livro citado no texto de Requião foi Os Sertões. O autor baiano, a fim de
narrar os problemas enfrentados pela população do campo, recorreu aos meios
empregados por Euclides da Cunha, como a ciência e a história, para entender o país
naquele momento. Em anos distintos os autores fizeram uso de outras ciências para
fazer literatura. Entretanto, optou-se por fazer um paralelo entre Oliveira Viana e
Altamirando Requião, pois Populações Meridionais do Brasil tinha como um dos
objetivos entender a formação das instituições liberais.
Viana utilizou como fonte um estudo dos negros e mestiços no período da
Colônia, e apresentou uma das noções da época, segundo a qual na quarta ou quinta
geração perdia-se o ―sangue bárbaro e clarificava-se‖. As Reflexões Estáticas de Minas
Gerais, escrito por Eschwege, em 1821, ilustrou as ideias de branqueamento da época.
Em síntese, a pesquisa demonstrava que, havia preponderância dos brancos em
comparação aos negros, nos aspectos de fertilidade ou por meio da resistência
biológica.54
Por sua vez, fazendo análise na República, Requião discorreu acerca das teorias
existentes sobre o tema que, para ele, não passava de ―acrobacias‖ para tentar evitar a
―grei barbaresca‖. – leia-se, o gado miúdo, oriundo da mistura entre a raça superior e a
inferior. Com base em pressupostos correntes à época, afirmava:

53
VIANNA. Oliveira. Populações Meridionais do Brasil. 27º ed. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2005. p. 23, 56.
54
VIANNA. Oliveira, op. cit., p. 161.

27
Se o elemento flutuante de raças adventícias superiores (...) não se vier casar
proficuamente com essa lia de sangue degenerado, a ponto de fazer
desaparecer e de renovar o destino etnológico da espécie nacional, então, o
que se há de operar é uma regressão [...] com o aniquilamento total de um
povo, um dia emancipado para morrer de cachexia física, mental e moral‖. 55

Para o baiano, a opção do casamento era uma de tantas outras ―acrobacias‖


malsucedidas utilizadas para tentar resolver o problema dos negros no país.
Alguns mestres da faculdade de Recife saíram em defesa da mestiçagem, um
deles foi Silvio Romero. Para o intelectual, como não havia um grupo étnico definido
no país, a mestiçagem era percebida como uma chave para a construção de uma nação
homogênea, mas ele não defendia a igualdades entre os homens, e sim acreditava haver
predominância do branco sobre o negro. Esse e outros debates, interpretações que de
outra forma ficariam restritas entre os círculos acadêmicos, eram veiculados por meio
da literatura.56 Na parte de Os Sertões, intitulada O Homem, Euclides discutiu as origens
do homem americano, a formação racial do sertanejo e os malefícios da mestiçagem.
Construiu uma teoria fatalista do Brasil, cuja história seria movida pelo conflito entre
etnias. Alertou ele: ―Estamos condenados à civilização. Ou progredirmos, ou
desaparecemos‖.57 Ao analisar os distintos discursos sobre a questão racial,
Altamirando Requião não via vantagens na mestiçagem, por isso preferiu acreditar na
teoria ―flagelante‖ apresentada, anteriormente, em Os Sertões.
Em 1920, Viana, ao tratar dos mestiços na Colônia fez uma distinção entre os
superiores e os inferiores. Os primeiros, arianos de caráter e inteligência, tinham a
habilidade de ajudar os brancos na organização do país. Os inferiores, por sua vez, eram
incapazes de ascensão, por isso eram usados no campo para atividades de violência.
Com as fontes da época, o escritor concluiu: ―Esse documento é prova eloquentíssima
da função agressiva e criminal do mestiço em nossa história (...)‖. Mas ao abordar a
mesma questão na República, Viana acreditava que o mestiço não poderia adequar-se à
política nacional, pois a anarquia era para ele a verdadeira liberdade: ―ao lado dos
liberais, se estão no poder os conservadores; ao lado dos conservadores, se estão no
poder os liberais. O poder que impõe [...] é seu grande inimigo‖.58 Assim, percebe-se a
influência do pensamento ―catastrófico‖ de Euclides nos dois outros livros.

55
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade. Op. cit., p.11. O termo ―degeneração da raça‖
proposto pelo Conde Gobineu (1816-1882) era empregado para se referir a mistura de espécies humanas
diferentes.
56
SCHWARCZ, op. cit., p. 152- 154.
57
VENTURA, op. cit., p. 48.
58
VIANNA. Oliveira, op. cit., p. 171, 253- 255.

28
No entanto, o evento de 1888, a abolição da escravidão, foi empregado por
Viana como marco para apontar a desestruturação do país, um meio de atacar as práticas
liberais. Igualmente, em Consciência e Liberdade foram realizadas ponderações como
um complemento ou uma resposta ao texto de Viana. Requião não precisou retomar o
período da Colônia, porque assim Viana já o fizera. Enquanto Viana terminou sua
análise em 1888, o escritor baiano utilizou-se dessa mesma data para iniciar seu
diagnóstico. Nesse sentido, Altamirando Requião deu continuidade aos estudos
elaborados de Viana.
Aos que defendiam a possibilidade de futuro grandioso para a nação, Requião
concluía que não passava de uma ―ilusão democrática‖. Para ele, não era correto
alimentar sonhos, a ―tribo brasileira‖ tinha um drástico destino. A realidade deveria ser
encarada, pois antes só existia o negro como escravo e os liberais mudaram a situação,
sonharam em libertar a nação e não conseguiram, pior, criaram uma República em que a
democracia escravizava a todos. Portanto, era preciso encarar os fatos, e não seguir
apenas as teorias, pois não era de ―hipóteses que uma nacionalidade vive‖.59
Ao se referir ao centenário de Independência do Brasil, o escritor recusou a ideia
de que a nação estivesse em sua infância e tivesse um futuro promissor. Para ele era
necessário desfazer ilusões, pois o destino da nação, comparada a uma ―massa inerte‖ e
acéfala, estava fadado à ―desgraça‖. Era imprescindível aceitar as interpretações
corretas e não as ver como ofensa. Como, por exemplo, as do francês Gustavo Le Bon
de que o país tinha uma nação desclassificada, sem moral e sem ideias.60
Depois de discorrer acerca das teorias existentes da época, Requião concluiu que
todos negros e mestiços eram ―cânceres‖ para a nação. E a multiplicação populacional
da raça negra, era um fator preocupante. Por sua vez, o Estado era o responsável pela
―ignorância‖ destruidora que corroía o ―organismo social‖. Não se refletia sobre as
necessidades comuns da nação, o resultado era a procriação de ―alardes e enxovedos
[...] no ventre cancerado das instituições‖. Era imprescindível o desaparecimento dessa
enfermidade, pois eles não poderiam fecundar-se entre eles e tampouco iriam
desaparecer, mesmo com o casamento entre as raças, aliás, que, ao contrário, gerariam
uma ―grei barbaresca‖ para o país. Então, não havia dúvidas, a cura seria só com uma
inesperada ―convulsão geológica‖ que conteria o ―germe de uma demolição apreciável‖.

59
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade. op. cit., p. 8.
60
Ibdem. p. 4,5,12,15.

29
Posteriormente, seria reconstruída uma nação ―forte e viril‖, com o desaparecimento
desse futuro que assombra.61
Enfim, o negro estava fadado à extinção, de maneira catastrófica igual aos
dinossauros, ou à dominação da raça branca, considerada a mais forte.62 Nessa mesma
linha de argumento, Requião preferia um desastre no qual todos os negros e mestiços
fossem extirpados para renascer uma pátria ―forte e viril‖. E advertiu, para os que
discordavam do seu ―rude método de análise‖, ser necessário levar em consideração que
a nação estava destinada ―a progredir ou a desaparecer‖.
A teoria acerca do desaparecimento da nação brasileira foi defendida, em 1922,
também por Mario Pinto Serva, em Pátria Nova. O escritor acreditava que a nação
precisava passar por um processo de renovação. Assim, era imprescindível criar ―uma
raça inteira, forte, bela, instruída e generosa‖. Ideal esse que não se distancia nem se
diferencia daquilo a que já atingiram os americanos do Norte, e devia ser lema
nacional.63 Acredita-se que Requião ao se referir acerca da ―raça negra‖ dialogou com
os textos de Serva, publicado no mesmo ano.64 Lembrando que, em Consciência e
Liberdade, Requião empregou das mesmas ideias apresentadas em outra obra de Serva,
A Alemanha Saqueada.

61
Ibidem. p. 6.
62
SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco. Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de
Janeiro. Paz e Terra. 1989 p. 70.
63
FLORES. Maria Bernadete Ramos. O mito de Caliban na interpretação do Brasil: Acerca do
americanismo na República Velha. Brasileira. Diálogos Latinoamericanos, Aarhus Universitet
Dinamarca, nº 11, 2006, pp. 50- 71. p. 17.
64
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit., p 9-11.

30
Em defesa da Alemanha

Um dos capítulos de Consciência e Liberdade é ―A Alemanha Saqueada‖, nome


também do livro do escritor Mario Pinto Serva, publicado em 1921. Na mesma década,
Serva escreveu: Pátria Nova (1922) A Virilização da raça (1923), A Renovação Mental
do Brasil (1925), entre outros.65 Em 1911, na Bahia, a família Serva foi homenageada
por Otávio Mangabeira (1886-1957, em razão da comemoração do centenário da
imprensa. Manoel Antônio da Silva Serva, bisavô do escritor, criou a primeira tipografia
do estado. Os Servas mudaram-se para São Paulo. Jayme Soares Serva, o pai de Mario,
era médico oficial do Exército e atuou na campanha republicana e antiescravista. Mario
Pinto Serva fez carreira como jornalista no jornal O Estado de S. Paulo. Graças ao
espaço oferecido por Júlio de Mesquita, tornou-se um dos principais porta-vozes da
Liga Nacionalista. Durante a Primeira Guerra, escreveu no Estadinho, publicação de O
Estado de S. Paulo. Entre os anos de 1927 e 1932, participou do Diário Nacional.66
Requião, através de seu livro ensaístico, mostrou admiração e apoio ao
argumento de Serva, segundo o qual o país germânico não poderia ser sozinho
responsável pela Primeira Guerra. A adesão de Requião às ideias de Serva, por meios
dos textos, ocorreu no mesmo momento em que a Alemanha tentava cumprir as
obrigações do ―monstruoso Tratado de Versalhes‖.67 Os textos tinham a função de
criticar os germanófobos no Brasil, acusados de se renderem aos discursos liberais da
França e da Inglaterra, durante a guerra.
A Primeira Guerra Mundial iniciou-se essencialmente como um acontecimento
europeu. De um lado, a tríplice aliança com a França, a Grã-Bretanha e a Rússia, do
outro, as chamadas Potências Centrais que eram a Alemanha e a Áustria- Hungria.
Propagava-se a ideia de que o barbarismo russo agia contra a cultura alemã e a
democracia francesa e a britânica lutavam contra o absolutismo alemão. Depois de
diversos conflitos, no verão de 1918 já se esperava o fim do embate, os aliados
avançaram para aniquilar as Potências Centrais. Os vencedores impuseram um acordo

65
FLORES, op. cit., p. 17. No jornal A Manhã, de propriedade do Diário de Notícias, há um texto de
Serva sobre o analfabetismo no Brasil. O autor considerava que o analfabetismo era o suicídio da raça
brasileira. SERVA, Mário Pinto. Calamidade Nacional. A Manhã, Salvador, 8 out. 1920. p. 3.
66
http://observatoriodaimprensa.com.br/armazemliterario/_ed790_o_primeiro_jornal_a_primeira_revista/
67
SERVA, Mário Pinto. A Alemanha Saqueada. São Paulo: Monteiro Lobato. 1921.

31
de paz, conhecido como o Tratado de Versalhes que obrigava diversas sanções aos
derrotados.68
Ainda durante a guerra, os intelectuais brasileiros ficaram em grande maioria a
favor da Tríplice Entente. Ruy Barbosa (1849- 1923), Graça Aranha, Paulo Barreto e
Olavo Bilac (1865-1918) são alguns dos integrantes da corrente que apoiou a entrada do
país na guerra ao lado daqueles que, segundo eles, representavam o ideal de liberdade e
democracia para o mundo. A propagação dessas convicções era feita através das páginas
da revista Atlantida, disseminadora do discurso acerca do perigo pangermânico.
Diferentemente, os países liberais, França e Inglaterra eram apresentados como pátrias
salvadoras da latinidade, por isso, os beligerantes não lutavam por interesses
particulares e sim por uma causa mais ampla. Portanto, o Brasil, pertencente à cultura
latina, deveria apoiar seus pares e romper qualquer relação com o Império Alemão.69
João do Rio e Elísio de Carvalho, através das revistas Brazíleia e o Mundo Literário,
também, como outros intelectuais, atuaram na campanha contra o germanismo.70
Do ponto de vista oposto, encontravam-se os germanistas, no qual propagavam a
imagem de uma Alemanha renovadora. Logo, o Brasil obteria diversas vantagens
econômicas e políticas caso optasse pelo apoio à causa germânica. Para combater a
oposição alemã, oficiais brasileiros, que tinham estagiado no exército teutônico antes da
guerra, escreviam em jornais amenizando as ações da Alemanha no conflito.71 Os
jovens turcos, como eram chamados os oficiais de influência alemã, divulgavam suas
experiências através de artigos e da prática de ensino, pois alguns se tornaram
professores da Escola Militar.72
Na Bahia, a comunidade alemã possuía uma revista, A Cultura Alemã, dedicada
à divulgação da Alemanha no Brasil. Karlos Weber era o responsável por sua edição.
Ele era filho do professor Julius Henrique Lourenço Weber, que atuou na escola alemã
de Salvador e, como musicista, realizou concertos na sede da Sociedade Germania. O
colégio alemão funcionou no bairro da Graça, de 1921 a 1941. A entidade possuía um

68
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p. 31-32, 37-38.
69
PIRES, Lívia Claro. A Liga Brasileira pelos Aliados e o Brasil na Primeira Guerra Mundial.
(Disponível em:
http://www.snh2011.anpuh.or/resources/anais/14/1308163768)_ARQUIVO_apresentacaopdf. Acesso
em:12 jul. 2015.
70
PRADO, op. cit., p. 149.
71
SKIDMORE, op. cit., p. 168.
72
CARONE, Edgar. A República Velha I: Instituições e classes sociais (1889-1930). Rio de Janeiro:
DIFEL, 1978.p. 354.

32
caráter recreativo, mas também exerceu o papel de organizar da colônia local por mais
de seis décadas.73
Contendo de 12 a 24 páginas, A Cultura Alemã foi fundada em 15 de abril de
1915. Era editada na Bahia, mas seus textos circulavam por todo o país. Na contracapa o
proprietário informava ser oriundo do estado. As publicações eram mensais, traziam
alguns textos alemães traduzidos para o português, mas, buscava-se agregar as ideias
dos autores ―eminentes‖ brasileiros, a exemplo do Dr. Oliveira Lima, o diplomata
brasileiro que escreveu sobre suas impressões ao visitar a cidade Bonn, localizada na
região do Reno. Acerca da questão militar, o deputado ao congresso da Bahia, Euzébio
Cardoso, mostrou ―as verdadeiras causas da Guerra Europeia‖. Já o Dr. Artur Dias,
expôs seus argumentos para mostrar as vantágens dos soldados brasileiros viajarem para
a capital teutônica ao invés de Paris. 74
As notícias da Alemanha eram transmitidas através de demais temas, como
letras, ciências, artes e atualidades. Para divulgar seu ideal de cultura, toda edição
homenageava um ―cérebro do mundo‖. Em cada capa havia uma personagem da história
alemã, como, Gutemberg, Emanuel Kant, além de algumas ―glórias da Alemanha‖ do
período, a exemplo do cardeal Felix von Hartmann. A revista se intitulava defensora da
civilização na luta contra o barbarismo dos ―povos incultos e invejosos‖.75
Especificamente sobre a guerra, era exaltado o perfil cristão e benevolente da
população alemã, com destaque aos seus soldados. Por sua vez, os ―povos incultos‖
eram indivíduos pertencentes aos aliados, os inimigos bélicos da Alemanha. Os
representantes da cultura francesa, a exemplo, eram apresentados como bárbaros.76
Portanto, na Bahia os germanistas tinham munição suficiente para atacar as ideias
propagadas pelos opositores da Alemanha.
Posteriormente, em 1922, ao destacar como a imprensa havia divulgado os ―atos
hediondos‖ da Alemanha, Altamirando Requião salientou que a ―simplória‖ acusação
dos antigermânicos ―caíram por insustentável e ridícula‖ com as provas surgidas após o

73
RABELLO, Evandro Henrique. Deutschtum na Bahia: a trajetória dos imigrantes alemães em Salvador.
2009. 182f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Antropologia) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 2009. p. 58, 130-131.
74
LIMA, Oliveira. Em Bonn e Colônia. In. A Cultura Alemã. Cidade do Salvador, vº 2, ano I, maio 1915.
CARDOSO, Euzébio. As verdadeiras causas da Guerra Europeia. In. A Cultura Alemã. Cidade do
Salvador, vº 8, ano I, out, 1915. DIAS, Artur. A propósito de viagem da missão militar- brasileira. In. A
Cultura Alemã. Cidade do Salvador, vº 8, ano I, out, 1915.
75
A Cultura Alemã. Cidade do Salvador, vº 10, ano I, dez, 1915. A Alemanha cérebro do mundo. A
Cultura Alemã. Cidade do Salvador, vº jul, 2015. p. 81.
76
A Cultura Alemã. Cidade do Salvador, vº 2, ano I, maio, 1915. p. 39, 41. Imagem. A Cultura Alemã.
Cidade do Salvador, vº 3, ano I, jun. 1915.

33
conflito. Para o jornalista, os aliados, ―senhores‖ de todos os meios de comunicação,
não ―cometeriam a evidente sensaboria de vulgarizar os próprios crimes. ―Com o fim da
guerra, os aliados além de ter colocado a imprensa contra a Alemanha, pretendiam
―levar o derrotado ao desespero da morte pela fome‖. Assim, tornava-se impossível não
defender a ideia de que a Alemanha foi duplamente saqueada, na imagem e na
economia. Essa análise era a ―tese brilhante‖ que tanto Mario Pinto Serva quanto
Requião defendiam.77
Mesmo antes da publicação dos livros, Requião teve a oportunidade de
apresentar em público suas inquietações sobre a questão. Em 1919, o cônsul Espanhol
na Bahia, Varquez Amor, convidou o proprietário do Diário de Notícias para realizar
um discurso no dia da Festa da Raça Ibérica, promovida pela comunidade espanhola na
Bahia, realizada no Cassino Espanhol. Contando com uma plateia de mais de 500
pessoas, o orador que deveria discursar sobre algum tema relacionado aos espanhóis,
aproveitou-se do espaço para fazer um balanço sobre a Primeira Guerra e mostrar seu
descontentamento sobre os erros cometidos pela imprensa durante o conflito.78
Na alocução, o tema central era o mesmo defendido posteriormente, em 1922, no
seu livro ensaístico, no qual a Alemanha sozinha não teria sido responsável pelas
atrocidades da guerra. O problema era que os meios de comunicação no Brasil
encontravam-se nas mãos da Inglaterra, e não divulgariam suas próprias atrocidades.
Para provar seu argumento, um atentando inglês provocado a um navio alemão foi
citado. Na tal tragédia, vários civis haviam morrido de forma violenta.79
Posteriormente, ao avaliar acerca da festa no Cassino Espanhol, Requião
destacou a desagradável situação gerada, pois o evento contava com a presença do
cônsul inglês Crawford White, deixando o anfitrião da festa, o cônsul espanhol, em
saias justas. Entretanto, o jornalista garantiu não haver arrependimento do ocorrido,
pois, independente de qualquer desconforto, a ocasião necessitava de alguém para expor
a ―verdade histórica‖.80
Mas as ―atrocidades‖ da guerra não haviam sido divulgadas apenas na
perspectiva dos aliados. Como exposto anteriormente, havia na Bahia A Cultura alemã
de Karlos Weber. A revista, além de comercializada, era distribuída gratuitamente para

77
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit., p.46,179- 180.
78
REQUIÃO, Altamirando. Uma Resposta a um protesto. A Manhã, Salvador. 9 abr. 1920. p.3.
79
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade. op. cit., p. 47.
80
Ibidem. p.177. REQUIÃO, Altamirando; REQUIÃO, Altamirando. Vamos ao fim. A Manhã.
Salvador.18 out. 1919.

34
todas as bibliotecas públicas e associações científicas, literárias e históricas do Brasil.
Assim, a comunidade alemã, por meios de publicações e eventos, conseguia propagar
sua versão do conflito. Portanto, o escritor de Consciência e Liberdade, ao amenizar os
atos alemães, empregava os mesmos argumentos anteriormente divulgados pelo grupo.
O evento da Raça Ibérica, o discurso e suas implicações foram narrados em
Consciência e Liberdade no capítulo ―Uma questão ruidosa‖. Ao tratar dos fatos,
Requião concluiu que a guerra serviu para ensinar umas ―duras lições, severas‖ aos
povos de consciência liberal. A ―verdade histórica‖ era que nem a Inglaterra e nem a
França, com suas doutrinas liberais, poderiam ser idealizadas como superiores a
Alemanha, pois suas práticas liberais no momento do conflito não valeram de nada, pois
todas as nações revelaram-se bárbaras. No entanto, a história mostrava que, ao longo do
tempo, a Inglaterra teria sido a nação que mais cometeu atentados à regra da ―justiça, do
direito e da humanidade‖. Mas, no Brasil, a ―legião antigermanista‖ amenizava as
responsabilidades dos países liberais.81 Quais características possuíam o país teutônico
para diferenciá-lo dos demais países liberais?
Na década de 1850 a Prússia passou por um poderoso processo de expansão
industrial. Assim, fortalecida economicamente, a região encontrou condições favoráveis
para sua unificação. A aristocracia prussiana que representava o setor mais conservador
conduziu o processo. Depois a tarefa coube a Bismarck, ministro do rei da Prússia, a
consolidar a unificação, de 1866 a 1890. Bismarck assumiu uma atitude autoritária para
conduzir o Estado e impediu que as camadas médias ou setores de influência da
democracia liberal interferissem em seu governo. Diversas particularidades da
Alemanha que lutou entre 1914 e 1918 foram construídas durante seu processo de
unificação, que terminou em 1870. 82
Em 1890, houve outro surto industrial, gerando um aumento no numérico de
trabalhadores. No primeiro Reich, as classes dominantes, reconhecendo o protagonismo
da classe operária, instituíram leis contra os partidos operários, e utilizaram-se do
nacionalismo para persuadir grande parte de seus membros, no sentido de mostrar que
eles eram também integrante do Reich.83 Assim, a atuação de um Estado forte com leis

81
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit., p.46, 52-53, 178. Exemplo das ações
inglesas violentas no Egito e em Gibraltar e da posse econômica na região do sul da África.
82
ALMEIDA, Ângela Mendes de. A República de Weimar e a Ascenção do Nazismo. São Paulo:
Brasiliense, 1999. p. 9.
83
O primeiro Reich, formado por uma federação formada por 25 estados. Mas, cada estado possuía seu
sistema eleitoral e elegia seu próprio parlamento, o Landtag. A classe operaria tinha a liderança do
Partido Social- democrata Alemão (SPD). ALMEIDA, Ângela Mendes de, op. cit., p. 10.

35
contra a classe operária e em que os grupos liberais tivessem pequeno poder nas ações
do dirigente da nação, era valorizado por Altamirando Requião.
O ato de defesa da Alemanha, em 1919, foi publicado em seu jornal. A
repercussão do evento afetou as relações entre o cônsul inglês e o governador da Bahia,
Antônio Moniz (1881-1940). Para mostrar a importância do caso, Requião citou que as
cartas trocadas pelos diplomatas com o chefe do estado foram expostas no Diário
Oficial do Estado. E que tanto o governador quanto o cônsul inglês ficaram perplexos
com a sua coragem de expor a ―verdade histórica‖: a prática liberal, adotada por
determinados países, não coloca uma nação em um patamar mais civilizado ou superior
a outra. No entanto, o jornalista alertou não ser mais coerente falar do ocorrido, por ter-
lhe proporcionado muitas chateações. Um dos motivos para findar o assunto era o fato
do cônsul espanhol não conhecer ―os homens e nem os pigmeus‖ das terras baianas.84
Portanto, o problema não teria sido o discurso, em sim, os desdobramentos devido à
presença da ―cara lerda e sem expressão‖ do governador.85
A expressão atribuída ao governador Antônio Muniz, aliado de J.J Seabra (1855-
1942), pode ter sido em razão das greves ocorridas durante seu governo. Em 1918, os
professores municipais recusaram-se a iniciar o ano letivo, devido ao atraso de salário,
que deveria ser pago pelo estado.86 Em 1919, operários baianos realizaram a primeira
greve geral de Salvador contra a carestia e as demandas do mundo do trabalho. O
movimento, sob a liderança de Agripino Nazaré (1886-1961), começou no sindicato dos
pedreiros, mas estendeu-se ao setor de transporte e energia. O governador não reprimiu
o movimento, devido às alianças do seabrismo com o líder da greve.87 O tratamento de
Altamirando Requião ao governador da Bahia, tanto no evento em 1919 quanto na
abordagem do livro em 1922, não estava relacionado à questão alemã.

84
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit., p. 64.
85
REQUIÃO, Altamirando. Uma Resposta a um protesto. A Manhã, Salvador. 9 abr. 1920. p.3;
REQUIÃO, Altamirando. Vamos ao fim. A Manhã. Salvador. 18 out. 1919; Consciência e Liberdade. p.
74.
86
SARMENTO, Silvia Noronha. A Raposa e a Águia: J.J Seabra e Rui Barbosa na política baiana na
Primeira República. Salvador, EDUFBA, 2011. p. 170.
87
CASTELLUCCI, Aldrin. Salvador dos operários: uma história da greve geral de 1919 na Bahia. 2001.
Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2001. Requião era anti- seabrista. A princípio o Diário de Notícias se colocou a favor
da greve e mostrou o ―despertar‖ do operariado baiano. Mas com a falta de energia, alimentos e bondes
na cidade o periódico mudou de posicionamento, acusava o governo de omissão aos fatos. SANTOS, Jose
Weliton Aragão dos - Formação da grande imprensa na Bahia. Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal da Bahia. Salvador: 1985. p. 84-88. O periódico utilizou-se da greve para fazer oposição ao
governo do estado, acusando-o de não saber conduzir a ordem.

36
Antônio Muniz foi candidato indicado por Seabra pelo PRD, mas Rui Barbosa
não aceitou a indicação e a crescente projeção de Seabra na política estadual, o
acusando de usurpador da política baiana.88 Em 1919, com a candidatura de Rui
Barbosa para presidente da República, para substituir Rodrigues Alves que tinha
morrido antes da posse, o grupo seabrista recusou-lhe apoiou e escolheu o paraibano
Epitácio Pessoa (1865-1942). Por sua vez, no processo de campanha, Rui veio à Bahia
em abril realizar uma conferência, mas dedicou o seu maior tempo na crítica ao
seabrismo.89 Nos conflitos entre Rui e Seabra, Requião sempre ficou ao lado do
primeiro.
Nos anos de 1920 e 1921 o jornal A Manhã, incorporado ao Diário de Notícias,
tinha como foco na primeira página desqualificar o governo de Seabra, mostrando à
população os problemas estruturais, da falta de energia em Salvador até a atuação
violenta da polícia.90 Para além das questões que atingiam o cotidiano da sociedade
baiana, o periódico, ao fazer propaganda de Rui Barbosa, acusava Seabra de querer
interferir demais na política estadual. Sobre o pleito eleitoral para o legislativo, de 1921,
escreveu:

J.J.Seabra governador dessa terra, por força da opressão federal, que não vá
mais adiante, na obra nefasta da desmoralização da Bahia. S.S. já
bombardeou a cidade em 1912 (...) já nos deu um governo nefando em 1916
e 1920. (...) pois contente-se com isto, Sr. Seabra, porque levar ao Senado o
Sr. Muniz Ferreira seria pior do que bombardear novamente a Bahia (...).91

Antônio Moniz assumiu o governo baiano em 29 de março de 1916, momento de


crise no Brasil, reflexo das dificuldades econômicas gerados pela Primeira Guerra
Mundial. Na economia baiana o cacau e o fumo eram as principais fontes de receita do
estado, exportado maciçamente para a Alemanha. Os banqueiros alemães eram os mais
importantes financiadores das grandes ações comerciais. Com o comércio baiano em

88
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Bahia na Primeira República; uma política de
acomodação. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA. 1975. p. 92-93.
89
SARMENTO, op. cit., p. 171. Em 1910 na campanha presidencial de Rui Barbosa, Seabra o apoiou.
90
O Jornal A Manhã era de propriedade do Diário de Notícias, ambos de Requião. Os abusos do governo
Seabra. A Manhã, Salvador, 14 abr. 1920. p. 1. Sobre os atos perversos cometidos por Seabra contra a
população baiana, exemplo, ao deixar o Sr. Souza Carneiro como diretor de gás e eletricidade. Assim,
Seabra era o responsável pela falta de energia na cidade e aumento do valor da passagem dos bondes. A
440 reis não vai, Sr. Carneiro. A Manhã, Salvador. 15 abr.1920. p.1.
91
Desagravemos a Bahia. A candidatura de Antonio Moniz é um insulto ao nosso povo. A Manhã,
Salvador. 25 jan. 1921. p.1

37
declínio agravou-se ainda mais a oposição a Moniz.92 Devido aos embates na política
baiana, Requião possuía motivos para fazer oposição ao governador.

A maldita República

A geração dos anos de 1920, composta por muitos indivíduos de formação


jurídica, considerava-se responsável pela restauração do Estado e da nação. A tarefa
deles era forjar uma consciência nacional para organizar a nação. Dos diversos grupos
nacionalistas, surgidos nessa época, a maioria, conforme a historiografia sobre o tema,
possuía conteúdo antiliberal, pois a doutrina liberal era vista como um produto
importado. Autores como Alberto Torres (1865-1917) e Oliveira Viana associavam o
liberalismo ao atraso.93
Oliveira Viana foi um dos mais influentes teóricos da organização autoritária no
Brasil. Para ele, o liberalismo significava o caudilhismo local e provincial do país.94
Tecendo uma breve comparação entre os dois intelectuais observa-se que tanto
Altamirando Requião quanto Oliveira Viana, utilizaram-se do passado para abordar os
problemas nacionais. As suas noções de Estado e oposição ao liberalismo são bastante
similares. Ainda, ambos entendiam que o 13 de maio de 1888, a abolição, havia sido um
marco para compreender os principais conflitos do presente.
No tópico anterior discutiu-se como Requião utilizou de suas convicções
antiliberais para defender a Alemanha e atacar a Inglaterra e a França. No que concerne
às questões nacionais, o jornalista também apontou os erros cometidos pelo regime. Ele
acreditava que era sua a função denunciar as instituições Republicanas e os problemas
nacionais. Seu livro foi apresentando como ―uma obra de reação, de reivindicação e de
reconstrução‖. Alertou que seus textos poderiam ter ―algumas afirmações dolorosas‖
para o ―combalido e desolado meio social‖.95

92
SAMPAIO, op. cit., p. 95,96.
93
PÉCAULT, op.cit.,p. 24.
94
Ibidem. p. 28.
95
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit.

38
Percebe-se que o jornalista adotou para si o papel de intelectual com o intuito de
reivindicar em nome da nação.96 Na realidade brasileira os intelectuais sempre
arranjavam um jeito de mostrar sua importância para transformar a sociedade, justificar
sua intervenção. Primeiro, mostravam-se disposto na missão de conduzir a nação a um
destino certo, por isso sempre evocaram a ideia de um ―projeto‖ nacional.97

Senhores: - Maldita a República que nos conduziu até aqui. Maldita, sim,
com todas as suas deturpações odiosas, com todos os seus vícios lavrantes,
com todas as misérias que a degradam, com todos os crimes que infelicitam,
com todas as malversações, que a aviltam, com as chufas que acanalham,
com as ironias que afrontam, com os despudores que as prostituem, e com as
escarolas que nos ficam nesse festim de incontinência, dessa bacanal de
insaciabilidades, em que figuram congeries irremovíveis do cinismo, a que
dão o nome de democracia brasileira.98

Acreditando ser um desses responsáveis pelo destino da nação, sua função era
apontar os problemas da República, comparada a um ―bacanal de insaciabilidades‖,
leia-se um cenário de imoralidade no qual seus atores não cansavam de atuar com
interesses apenas particulares, resultando em uma política perversa. E ele na profissão
de jornalista tinha como missão atacar: ―(...) eu protesto! Protesto contra os celerados
que levam à ruina e à escravidão econômica (...) protesto contra o chefe dessa nação
agonizante, que é um criminoso e invulgar, que é um não inclassificável‖.99 No período
de escrita do livro de Requião o presidente do país, apontado como um criminoso era
Epitácio Pessoa.
Ao final de 1918 já se cogitava a possibilidade de morte ou renúncia do então
presidente Rodrigues Alves. Com o falecimento do presidente, acirrou-se a disputa pela
sucessão presidencial e as oligarquias paulistas acreditavam possuir o direito na
indicação daquele quadriênio. Já os mineiros temiam que o crescimento do poder de São
Paulo, embora fosse seu parceiro político, resultasse na perda de prestígio de Minas
Gerais. Em meio a essa disputa, outra candidatura ganhou destaque, a de Rui Barbosa.
A princípio, em torno da figura senil do baiano aglomeraram-se apoio dos estados do
Rio de Janeiro, Bahia, Santa Catarina. Por sua vez, São Paulo via o baiano como um

96
Em História da Bahia, escrito por Pedro Calmon há uma listagem da inteligência baiana e o nome de
Altamirando Requião encontra-se na mesma lista que Braz do Amaral, Lemos Britto entre outros. In.
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. A rainha destronada: o discurso das elites letradas sobre as grandezas
e os infortúnios da Bahia nas primeiras décadas Republicanas. Feira de Santana: UEFS editora, 2012. p.
173.
97
PÉCAULT, op. cit., p. 8.
98
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit., p.33.
99
Ibidem. p.4, 5, 18-19,34-35.

39
mal menor, em comparação a possibilidade de aumento do poder de Minas Gerais. O
nome de Rui foi rejeitado por alguns estados do Nordeste.100
O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul criaram uma ―concentração dos estados‖
com o intuito de combater uma possível exclusão por parte de São Paulo e Minas.
Embora o regime possuísse seus limites democráticos algumas regras eram seguidas.
Assim, o nome de Rui Barbosa não foi aceito pelo Rio Grande do Sul, resultando em
um conflito de interesses entre as três principais oligarquias da Primeira República.
Surgiu então o nome do paraibano Epitácio Pessoa como uma opção alternativa. O
político foi defensor de Rodrigues Alves contra as provocações feitas por Rui Barbosa.
São Paulo não apresentou postura firme em relação ao seu favorito, pois de fato o que
eles queriam era lançar desde o início um candidato próprio, Altino Arantes. O apoio
mineiro a Epitácio Pessoa impediu o começo de uma aliança mineiro-paulista, de
caráter exclusivista. Assim, com a vitória do candidato paraibano evidencia-se a força
dos pequenos estados organizados na ―concentração dos estados‖.101
Conforme salienta Cláudia Viscardi, a historiografia brasileira foi sedimentada
por estudos, muitos realizados logo depois de 1930, propagando a ideia de que havia
uma hierarquia entre os estados na Primeira República. Por sua vez, São Paulo e Minas
Gerais eram os superiores e possuíam hegemonia em função de alianças para se
manterem no poder. Para a autora, a estabilidade política da Primeira República foi
resultado das instabilidades das alianças entre os estados politicamente menos
importantes da federação, impedindo que a hegemonia de uns fosse perpetuada e que a
exclusão de outros fosse definida. Havia rupturas internas, mas que não desestruturavam
o modelo político. A partir dessa noção, dividiu-se o período entre quatro fases. A
primeira de hegemonia militar, depois, de 1894 a 1906 correspondentes a preeminência
civil paulista, de 1906 a 1918 ocupação maior dos mineiros, e por último, de 1919 a
1930 mineiros e paulistas compartilharam o núcleo do poder nacional.102
Em 1919, os estados pequenos não tomaram parte do ―tabernáculo‖, mas criaram
sérios embaraços à hegemonia política.103 Na Bahia, o grupo seabrista recusou o apoio
ao seu conterrâneo e escolheu o paraibano Epitácio Pessoa. Consequentemente, Rui
veio ao território baiano em abril desse ano realizar uma conferência que teve como

100
VISCARDI. Cláudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da ―política do café com
leite‖. 2ºed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.
101
Ibidem. p. 240-250.
102
Ibidem. p. 25, 37.
103
Carta de Raimundo de Miranda a Epitácio Pessoa, março de 1919. Apud VISCARDI, Claudia. p. 249

40
principal foco lançar críticas ao seu principal opositor baiano.104 Portanto, com a derrota
do seu candidato no confronto nacional, Requião tinha diversos motivos para falar mal
do presidente que tinha sido rival politico de Rui Barbosa e defendido por Seabra.
Assim, além dos problemas financeiros, das acusações de roubos, dado a
Epitácio Pessoa, havia também a falta de confiança em todo aparelho administrativo do
Estado. Ele considerava que todos os cidadãos eram escravos do sistema que possuía
―deturpação das leis, de instituições da mentira (...), dentro dos limites desta democracia
de sodalícios e de nepotismo‖.105 Independente do representante escolhido para presidir
o país, o sistema liberal da República era compreendido como o grande mal para a
nação.
O liberalismo da República foi destacado como sendo o responsável pelo
nepotismo e pelo mandonismo presente nas práticas oligárquicas. Em Populações
Meridionais do Brasil, Viana sugeriu a necessidade de mais centralização para obter
―mais controle sobre a violência e o árbitro dos mandões locais‖. Ao tentar entender a
formação política do país e como as oligarquias tinham construído seu poder, constatou
que no período da Colônia, os senhores organizaram-se para lutar contra a anarquia dos
negros e mestiços, sendo agrupamentos pacíficos, pois liquidavam suas diferenças na
tribuna, por meio dos partidos. Por outro lado, estes mesmos grupos desorganizaram a
nação com suas ideias liberais de federalismo, municipalismo e democracia, como a
última palavra do progresso político. De forma diferente teriam agido os ―grandes
construtores políticos da nossa nacionalidade‖, o fundador do poder civil, pois esses
sempre entenderam que o objetivo supremo da política era consolidar e organizar a
nação através do fortalecimento da autoridade nacional. 106
Na década de 1920, a ampliação e desenvolvimento das indústrias e das
empresas e a diversificação da agricultura foram alguns dos fatores que alteraram o
quadro econômico nacional. Concomitantemente, expandiram-se os setores das camadas
médias urbanas, da classe trabalhadora e a diversificação dos interesses das elites
econômicas, que serviram como um conjunto de motivos para estimular a sociedade a
questionar as bases do sistema oligárquico.107

104
SARMENTO, op. cit., p. 171. Em 1910 na campanha presidencial de Rui Barbosa, Seabra o apoiou.
105
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit., p.4- 5,18-19,34-35.
106
VIANNA. Oliveira, op. cit., p. 248, 290.
107
FERREIRA, Marieta de Morais; PINTO, Surama Conde Sá. A crise dos anos 1920 e a revolução de
1930. In O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge. 2ºed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006. 389,390.

41
A Primeira República tinha uma constituição liberal, que convivia com práticas
oligárquicas, resultando assim na expressão ―liberalismo oligárquico‖. O modelo da
Constituição Republicana de 1891 foi fundamentado nos moldes da tradição liberal
norte-americana, de organização federativa e do individualismo político e econômico.
Esses constituintes ―esqueceram‖ que a Constituição americana surgiu para regular uma
sociedade ―igualitária‖ formada pelos colonos. No Brasil, do ponto de vista da
participação política, o Republicanismo esteve atado a um liberalismo de representação
limitada e restrita. Ou seja, adotou-se um liberalismo com uma essência conservadora.
O federalismo na República substituiu o centralismo do Império. Os estados passaram a
ter autonomia, que por sua vez, se distribui entre os municípios. Princípio este que deu
suporte para a força política dos coronéis em âmbito municipal e das oligarquias nos
níveis estaduais e federal. O federalismo rompeu com a lógica do sistema de relação
direta entre os detentores do poder local e o centro de poder nacional.108
Além da contestação mais ampla contra o liberalismo a partir de 1888, é
possível perceber na obra de Altamirando Requião minuciosidades das questões
políticas do ano de 1922. Consciência e Liberdade foi lançado em março de 1922, o
início da escrita não é preciso, mas supõe-se que o autor até fevereiro do mesmo ano
pôde ter feito alterações no texto. Desse modo, é possível analisar quais eram as
questões da política nacional criticadas pelo jornalista.
Dois anos antes da sucessão presidencial, os líderes estaduais reuniram-se na
capital do país e escolheram Arthur Bernardes (1875-1955). O estado de Rio de Janeiro
foi o primeiro a fazer oposição, alegando ter se comprometido anteriormente com Nilo
Peçanha (1867- 1924). Com as articulações dos estados dominantes, São Paulo e Minas
Gerais definiram que a chapa oficial seria composta por Arthur Bernardes e Urbano
Santos (1859-1922). Na disputa pelo poder foi lançada outra chapa com Nilo Peçanha e
J.J. Seabra. Impulsionada pelos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Rio
Grande do Sul, a articulação ficou conhecida como a Reação Republicana. Além das
questões com o candidato principal, a escolha do vice para a chapa foi um dos motivos
básicos para a crise política de 1921. O conflito não tinha a intenção de por fim ao

108
Os escravos eram isolados dos direitos da população. O termo igualdade foi utilizado para se referir
aos colonos. RESENDE, Maria Efigênia de. O processo político na Primeira República e o liberalismo
oligárquico. In O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge. 2ºed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006. p. 91-98.

42
sistema oligárquico, e sim propor uma alternativa de ampliação da participação de
outros estados na política nacional.109
Em 1º de março de 1922, Arthur Bernardes e Urbanos Santos saíram vitoriosos.
Os militares tentaram impedir a posse do eleito. Para assegurar a sucessão, o então
presidente Epitácio Pessoa reagiu com censuras, prisões e transferências de oficiais. A
escola Militar da Praia Vermelha foi o centro de estudo da classe citadina. A partir de
1910, houve um renascimento militar, eles representaram a ordem contra a anarquia.
Em 1922, os militares agiram contra Arthur Bernardes, e não contra o regime. A Reação
Republicana aliou-se aos militares e fizeram crítica à máquina política.110 Em meio ao
conflito, gerado em torno da sucessão presidencial, o livro de Altamirando Requião foi
lançado.
O vice-presidente Urbano Santos faleceu antes de sua posse. E o governador de
Pernambuco morreu um pouco antes. Assim, as articulações de Seabra em oposição a
Artur Bernardes, não podendo ser previstas, lhe custou a anulação de algumas
aspirações políticas. Mesmo com a morte do vice, o Supremo Tribunal Federal negou a
posse do baiano. O presidente atacou veemente àqueles que se opuseram a sua
candidatura. Seabra tentou articulação com sua oposição na Bahia, mas o grupo apoiou
o governo federal. Assim, a derrota do seabrismo no estado baiano tornou-se
inevitável.111
As estratégias políticas do regime oligárquico não eram bem vistas por Requião.
Uma das formas encontradas pelo baiano, para desqualificar os liberais foi atribuir-lhe
os problemas gerados pela abolição da escravidão. Ao fazer um paralelo entre a
abolição e a República, Requião enfatizou que os liberais ainda continuavam a
escravizar a sociedade. O 13 de maio teve a pretensão de abolir a servidão dos negros,
mas naquele momento toda a nação era escrava do sistema político vigente. 112
Para acabar com o abuso de poder no país era necessário que a liberdade da
nação fosse dada pelo Estado. Entretanto, para isso era indispensável que houvesse
mudanças no caminho da República e consequentemente transformações no governo.
Requião acreditava que ―O governo é tudo, faz tudo e resolve tudo, porque no governo

109
FERREIRA, Marieta de Morais; PINTO, Surama Conde Sá. A crise dos anos 1920 e a revolução de
1930. In O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge. 2ºed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006. 389,390. p. 394,395.
110
CARONE. Revoluções do Brasil Contemporâneo (1922-1938), op. cit., p. 27-31.
111
SAMPAIO, op. cit., p. 127, 128.
112
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit., p.4,5.

43
está contido a única força viva do país. Fora dele não há nada (...) só uma vasta massa
humana (...)‖.113 Na perspectiva ampla de organização e partido, não existe sociedade
em que os indivíduos estejam desorganizados. O que ocorre é que um ou mais grupos
sociais conseguem ter hegemonia sobre o resto da sociedade civil, resultando em um
Estado governamental coercitivo.114
Segundo Edgard Carone, na República, a pequena burguesia se apresenta com
uma inquietude renovadora de grande intensidade. No entanto, na década de 1920,
momento em que a questão social surge no Brasil de forma brusca, com o crescimento
das lutas dos movimentos operários. Age sempre para dissociar e repelir qualquer
aliança com o proletariado. O seu caminho é a mudança, mas na manutenção da ordem.
Ela não queria mudar o regime e sim o governo, os homens, o voto e a estrutura
econômica, ignorando as questões sociais. 115
Embora Requião não fizesse parte de partido político em 1922, ele era associado
a uma organização composta por jornalista. Mas para ele, a maior parte da população
era apenas uma massa que não poderia intervir no governo. Como integrante de um
segmento social privilegiado, Requião enxergava a maior parte da população pela sua
subalternidade. Para Claudio Batalha, as classes dominantes e os governantes brasileiros
se acostumaram a lidar com as classes subalternas apenas de forma repressiva. Eram
feitas prisões arbitrárias, fechamento de associações, deportações de estrangeiros,
expulsão para a Amazônia dos nacionais. Essas medidas tornaram-se mais sistemáticas
depois das greves de 1917 e 1919.116 Assim exercendo sua função de defensor dos
interesses de sua classe, Requião de forma consciente temia que a ―massa‖ se
organizasse e retirasse a hegemonia pertencente ao seu grupo social. Apesar de não
apoiar o chefe do atual governo, ele não buscava liquidar o Estado, e sim fazer parte de
sua organização. No entanto, esse Estado deveria ter uma administração que não atuasse
em caráter liberal.117

113
Ibidem. p. 27.
114
COUTINHO, op. cit., p. 272.
115
CARONE. Revoluções do Brasil Contemporâneo (1922-1938). op. cit., p. 14-15.
116
BATALHA, Claudio. A formação da classe operária: um fenômeno econômico? In O tempo do
liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. DELGADO, Lucilia de
Almeida Neves; FERREIRA, Jorge. 2ºed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 185.
Relembrando que em 1919 também teve greve na Bahia.
117
O Estado liberal é caracterizado pela luta constante contra o Estado absoluto. Que por sua vez, atua em
defesa do Estado de direito, contra o Estado máximo e em defesa do Estado mínimo. Racionalmente, a
noção de Estado é justificada pela existência de um acordo entre indivíduos livres. BOBBIO, Norberto.
LIBERALISMO E DEMOCRACIA. São Paulo: Brasiliense, 2005. 2ª ed. p. 14, 18. De acordo com Maria
Efigênia de Resende, a teoria e a prática liberal que caracterizaram a Europa no século XIX não podem

44
Os intelectuais da década de 1920, em sua maioria, mostravam-se de acordo a
rejeição a democracia representativa e em defesa do fortalecimento dos poderes do
Estado. Esses mesmos indivíduos, mais tarde, na década de 1930, aderiram aos
movimentos autoritários.118 Igualmente, para o jornalista baiano, a ―vasta massa
humana‖ não era capaz sozinha de transformar o país. Ou seja, havia a necessidade de
homens letrados, como ele, posicionarem-se para a concretização de tais mudanças.
Viana acreditava na obrigação dos homens ―instruídos‖ tomarem atitudes para
modificar os caminhos da nação. Mas lamentava a realidade, pois acreditava que existia
a falta de cultura política na sociedade brasileira. Não apenas das pessoas sem acesso ao
mundo letrado, mas dos que mesmo tendo conhecimento só se interessavam pela
política quando assumiam algum cargo público. Aí escreviam, debatiam, iam a
meetings. De acordo com o autor, nesse cenário de falta de interesse pela política, seria
difícil construir um líder político. Logo, ele acreditava ser necessário que os dirigentes
da rudimentar democracia se transformassem em chefes de verdade, abandonassem a
ideia de uma ―atividade política‖ meramente de conclaves partidários e atuassem de
forma clara e forte. Somente deste modo seria possível obter um Estado soberano,
incontrastável, centralizado, unitário e capaz de impor-se a todo o país pelo prestígio
fascinante de uma grande missão nacional.119
De acordo com Nilo Odalia, Oliveira Viana, como tantos outros ensaístas e
cientistas sociais antes dele, convoca a figura mítica do Estado, mas não esboça uma
teoria sobre ele. Ele analisa a presença do Estado, português e brasileiro, do
Descobrimento à República. Em seu pensamento existia uma concepção pragmática do
papel que o Estado deveria desempenhar.120 Igualmente, ao longo de Consciência e
Liberdade, Requião não define o Estado, e sim o papel que ele deveria desempenhar
através de um governo forte para guiar a nação. No entanto, o que se pode afirmar é que
ambos não queriam um Estado liberal e ou comunista.
No entanto, nem todas as correntes antiliberais estavam dispostas a atribuir a
função ao Estado de organizar a sociedade. Os católicos, por exemplo, quando o
fizeram, foi dentro de certo limite, pois eles acreditavam que a autoridade do Estado só

ser aplicadas para a realidade brasileira, no final do século XIX e início do XX, principalmente no que se
refere à liberdade. RESENDE, op. cit., p. 97- 98.
118
PÉCAULT, op. cit., p. 15
119
VIANA. Oliveira. Pequenos estudos da psicologia social. São Paulo: Monteiro Lobato e Cia, 1921. p.
22, 26-93.
120
ODALIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagem e
Oliveira Viana. São Paulo: Fundação editora da UNESP, 1997. p. 140, 141. Na década de 1930, Viana
esboça a noção de Estado corporativista.

45
seria legítima se respeitasse a ―natureza das coisas e a natureza do homem‖.121 Requião
era um dos indivíduos que acreditavam ser importante no auxílio das mudanças da
República, e atuar junto a um dirigente forte para conduzir a nação. E naquele
momento, ele acreditava que a situação era desfavorável, pois o que existia era um
―chefe agonizante, criminoso e invulgar‖. Com a inexistência de um líder capaz de
trazer transformações, o texto de Requião finaliza com descrença na possibilidade de
melhorias. ―Podemos, assim, dizer que este país não é e não será uma entidade política
real, dentro, talvez, de cem anos‖.122
No cenário baiano, os discursos de ataques à República tinham diversos motivos.
As lamentações eram que a Bahia tinha sido uma terra de grandezas, fortunas e poder
político na esfera nacional. Depois de 1889, com o avançar das décadas, o estado teria
se tornado apenas coadjuvante nas orquestrações políticas. Havia um sentimento de
perda, de decadência política; cultural e econômica.123 Contudo, os ataques de Requião
à República em nenhum momento foram apresentados como um empecilho apenas para
a Bahia. Mais uma vez, suas observações foram a partir de uma esfera nacional. Os
problemas das elites baianas não foram abordados por Requião em Consciência e
Liberdade.
Ao retratar as questões políticas, o escritor empenhou-se em demonstrar os
empecilhos para o avanço do país. Na seara internacional, a Alemanha era superior às
nações liberais e deveria servir de modelo para os brasileiros. No âmbito nacional, os
liberais teriam sido os responsáveis por todos os problemas do regime, desde a abolição
da escravidão, em 1888, até o período da escrita de seu livro ensaístico. Altamirando
Requião mostrou-se insatisfeito com o caminho da República, compartilhando das
ideias de alguns indivíduos de sua geração, o jornalista construiu um argumento de que
era imprescindível que as instituições e as práticas liberais fossem modificadas. Para
salvar a nação era preciso ter um governo forte com um chefe político forte. Ao longo
da década de 1920 suas ações foram no intuito de defender seu projeto político para o
país.

121
PÉCAULT, op. cit., p. 45. Frase de Alceu Amoroso. Antiliberal e católico.
122
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit., p. 5, 18-19,34,35.
123
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. A rainha destronada: o discurso das elites letradas sobre as
grandezas e os infortúnios da Bahia nas primeiras décadas Republicanas. Feira de Santana: UEFS editora,
2012. p. 20, 300.

46
CAPÍTULO II

DE CONSELHEIRO A ARTICULADOR POLÍTICO: A ATUAÇÃO


DE ALTAMIRANDO REQUIÃO NO GOVERNO ESTADUAL.

Cartas ao governador

No capítulo anterior abordou-se como um ensaio foi empregado para sugerir um


diagnóstico social do país. Assim, Requião valeu-se da escrita para mostrar o seu
posicionamento acerca dos principais assuntos discutidos pela intelectualidade brasileira
no início década de 1920 e ao mesmo tempo atacar as ideias contrárias as suas.
No que tange à política baiana, igualmente o jornalista usou a escrita como uma
arma no combate aos seus adversários ideológicos. Ainda na Primeira República,
Requião publicou o livro Epístolas ao Sr. Vital. O texto, em formato de folheto, é uma
reunião de onze cartas publicadas no Diário de Notícias, entre os dias 15 e 27 de abril
de 1929. Segundo o autor, chegaram telegramas de diversas cidades do interior baiano
solicitando exemplares dos jornais que continham suas mensagens para o governador da
Bahia. Porém, como já havia esgotado todos os periódicos impressos naquela data foi
necessário reeditar as epístolas e assiná-las em 10 de maio de 1929.124 A partir da
análise dessa obra, busca-se entender como as noções políticas do jornalista
permaneceram ao longo da década de 1920. Antes de Getúlio Vargas assumir o poder,
Requião acreditava que as práticas liberais eram responsáveis pelo atraso do país.
Embora, Requião tenha escrito em seu jornal um texto público, a mensagem era
endereçada ao governador da Bahia, em 1929, Vital Soares (1874-1933). Ao tratar com
o chefe do executivo, o jornalista utilizou como conteúdo da retórica palavras de elogios

124
REQUIÃO, Altamirando. Epístolas ao Sr. Vital. Salvador: Oficina dos dois mundos, 1929. Essa cópia
foi presenteada ao historiador Calasans, também membro da Academia de Letras da Bahia. Na
dedicatória, assinada em 15 de março de 1975, Requião informou que essa era sua última cópia e estava
enviado para Sergipe, e solicitou que Calasans ao retornar à Bahia trouxesse o livro com ele. Ao que tudo
indica assim foi feito, pois essa cópia encontra-se na ACB. Foi verificado o jornal Diário de Notícias e
confere que os textos foram escritos na data descrita.

47
e demonstrativas de respeito. Assim, logo de imediato, indicou que não tinha a
pretensão de desmerecer a figura do chefe político. E sim, ser um conselheiro que queria
apenas o bem da Bahia. Adotando a função de orientador, em diversas ocasiões, o
remetente citou inúmeros atores históricos da antiguidade, como Alexandre, Juvenal,
Herculano, S. Paulo de Filipenses, Artaxerxes, rei da Pérsia, o poeta Estácio e Ulysses.
Os personagens eram inseridos em uma história com uma moral a ser seguida. Um
ensinamento pelo qual Vital Soares deveria se embasar e aplicar com seus
correligionários.
Na primeira carta, Requião para mostrar que se apresentava como um jornalista
imparcial alertou ao governador que suas ponderações não estavam infectadas com a
maldade pertencentes ao partidarismo, apresentado como sendo algo ―tacanho e
demolitório‖. E que deveria ―permanecer muito abaixo do nível moral em que se
processam as soluções sociais e políticas (...)‖.125 Requião se eximiu de tais adjetivos e
mostrou-se livre para fazer suas ponderações, mas ao mesmo tempo, de forma indireta,
acusou os demais políticos baianos de possuírem tais características.
Havia no Brasil uma tradição liberal concorrendo ou complementar à tradição
autoritária.126 Assim, como um indivíduo contrário ao liberalismo, o partido é
caracterizado como sendo algo ruim para o bem do Estado. Além de ser uma maneira de
se desviar de tais atributos, os argumentos do autor podem ser compreendidos como um
ataque ao governador, que era chefe de um partido, consequentemente apresentava tais
defeitos.
De acordo com Consuelo Novais Sampaio, a Primeira República na Bahia foi
marcada pela ―política de acomodação‖. Os interesses individuais moldaram-se às
circunstâncias momentâneas, gerando assim arranjos políticos muitas vezes impensáveis
anteriormente. Os principais líderes da Bahia até a década de 1920 foram Rui Barbosa e
José Joaquim Seabra. E o apogeu do poder oligárquico na Bahia foi representado pela
figura de Seabra. Na visão de Consuelo Novais Sampaio, Seabra era uma figura
carismática, maleável e flexível. Mas também sabia a hora de ser firme com os
pequenos grupos oligárquicos presentes em todo o estado.127
Segundo Silvia Sarmento, não houve político brasileiro com popularidade igual
ou superior à de Rui Barbosa, até a ascensão de Getúlio Vargas. Apesar de Rui e Seabra

125
REQUIÃO, Altamirando. Epístolas ao Sr. Vital, op. cit., p. 7.
126
PÉCAULT, op. cit., p. 10.
127
SAMPAIO, op. cit., p. 76, 77, 128.

48
terem atuado na maior parte do tempo como rivais, em determinados momentos eles se
aproximaram, como, na campanha presidencial de 1910. Posteriormente, em 1922, com
a Reação Republicana, Seabra foi candidato a presidente e Rui Barbosa não apresentou
oposição. A chapa constituída por Nilo Peçanha e Seabra foi derrotada, o mineiro Artur
Bernardes (1875-1955) ao assumir o cargo, tornou uma de suas missões aniquilar o
seabrismo.128
Apesar do problema existente entre Seabra e o governo federal, ele conseguiu
jogar conforme as circunstâncias e mostrar sua força política. Em 1923, de forma
estratégica, ele propôs o nome de Francisco Marques de Góes Calmon (1874- 1932),
que era irmão do ministro Miguel Calmon, para governador da Bahia. Conseguindo, de
tal modo, uma forma de driblar a perseguição federal, pois não haveria oposição ao seu
candidato e ele teria atuação na escolha do novo governo. Caso a oposição baiana
negasse a indicação de Góes Calmon significaria uma afronta ao governo federal.
Porém, tanto Góes Calmon quanto o outro candidato Arlindo Leoni foram
―empossados‖. O episódio resultou em uma intervenção federal com estado de sítio para
definir a dualidade no estado. E finalmente, Góes Calmon foi reconhecido como
governador pelo presidente Artur Bernardes. Mesmo com a vitória de seu candidato,
Seabra ficou de mãos atadas.129
Os quatro anos de governo de Góes Calmon (1874-1932) foram seus primeiros
anos de experiência política. Ele tinha uma carreira de advogado na área do direito
comercial, e em 1922 foi diretor do Banco Econômico da Bahia. Com seu conhecimento
no setor econômico, tomou algumas medidas financeiras no estado, a exemplo da
criação de um imposto territorial sobre as terras e a diminuição gradativa, até a extinção,
do imposto de exportação. Essa tática favoreceu os produtores de cacau e deixou
insatisfeitos outros proprietários rurais. Góes Calmon escolheu Vital Soares, seu
companheiro do mesmo banco, que havia trabalhado como seu sucessor. Soares em
1928 assumiu o governo do Estado e em 1930 renunciou para compor a chapa
presidencial, como vice, ao lado de Júlio Prestes (1882-1946).130
É sobre o seu mandato no ano de 1929 que versam as epístolas escritas por
Requião. Os textos remetidos pelo jornalista iniciaram com algumas palavras de elogio,
mas depois seguiu com a sua função: julgar a atuação do governo de Vital Soares. A

128
SARMENTO, op. cit., p. 182,183.
129
SAMPAIO, op. cit., p.133- 134, 142-143, 160-161.
130
Ibidem. p. 161,166.

49
começar pela sua gênese política, a candidatura do sucessor de Góes Calmon foi
acusada de ter sido lançada por ―fontes pouco recomendáveis‖, o seu antecessor, o que a
moral política condenaria. Sobre a administração do governo, a primeira indignação
apresentada foi a respeito de um empréstimo realizado pelo estado, interpretado como
uma traição econômica aos interesses da Bahia. Requião acusou o governador de baixar
o valor dos títulos públicos para que bancários e outros interessados os comprassem e
depois os revendessem ao Tesouro mais caro, obtendo lucros extravagantes. Ao longo
dessa primeira carta, seu remetente apresentou os argumentos para tais desconfianças. E
pediu ao governador para não ficar irritado com a sua sinceridade, pois ele na posição
de ―baiano e brasileiro‖ não poderia agir diferente, e desculpou-se: ―Que farei em
Roma, não sei mentir...‖.131
Ele, na condição de jornalista, sugeriu que era impróprio o uso da mentira nos
seus textos, mas, acusou o governador de agir de forma diferente. Igualmente, na
segunda carta o alvo principal era apontar os atos falsos realizados durante o último ano
do governo do representante do Partido Republicano da Bahia. Para tal afirmação,
Requião utilizou como documento uma entrevista cedida pelo governador ao jornal
carioca O Paiz. De acordo a epístola, Vital Soares em sua declaração teria citado
diversas obras efetuadas durante seu governo. Contestando tal afirmativa, Requião
enfatizou que nem todas as construções públicas foram consolidadas pelo governador,
que nem ele e tampouco Seabra havia ou estavam realizando os serviços ―que apenas
em mente cogitou‖.132
Na terceira carta, o terreno político inseguro do governador foi abordado. O
primeiro argumento era a atuação antidemocrática de Soares, pois ele era chefe do
partido durante o processo eleitoral para o legislativo realizado em 1929 e teria
permitido que vários colégios eleitorais na capital não fossem abertos. No interior,
como já era de praxe, obteve-se o resultado da eleição antes mesmo dela ocorrer.
Segundo, a chapa, ―virtualmente completa‖, tinha sido aberta com três vagas destinadas
a indivíduos da mesma congregação religiosa do governador, os neo-batistas. E terceiro,
o partido havia realizado rodízios de forma incorreta com seis dias de antecedência,
―para que a fraude despejada fosse ainda mais escandalosa‖.133

131
REQUIÃO, Altamirando. Epístolas ao Sr. Vital, op. cit., p. 9-13. Citação de Juvenal, História
Romana.
132
Ibdem. p. 15- 19.
133
Ibdem. p. 24,26.

50
A acusação de que as eleições eram embasadas pela fraude não foi feita pelo
jornalista apenas dirigida ao governador Vital Soares. Em Consciência e Liberdade, ele
considerava que todos os cidadãos eram escravos do sistema político vigente. A
República brasileira foi critica por conter ―deturpação das leis‖, e ―instituições da
mentira‖. A democracia era um meio encontrado pelos liberais para garantirem seus
interesses particulares, prova disso era o nepotismo e o poder dos coronéis.134 Assim, as
noções acerca das práticas liberais tratadas em 1922 não se alteraram no final da década.
Requião escreveu as cartas em março de 1929, relatando as fraudes do pleito
eleitoral do legislativo, realizado em 3 de fevereiro do mesmo ano. O partido de Vital
Soares, o PRB foi partido único. Seabra voltou do exílio para organizar, com a presença
de Antônio Moniz, sua lista de candidatos. Assim, o partido preparou uma lista com 14
nomes. Nas vésperas das eleições, Vitoriano Costa e Landulfo Medrado, candidatos
seabristas romperam com o partido e decidiram lançar-se de forma avulsa. Tornando a
câmara unanimente governista, já que esses últimos candidatos ocuparam as cadeiras
destinadas à minoria.135 Acerca de todo o processo eleitoral de 1929, com seus
malabarismos, destacado acima, Requião recomendou a necessidade do governador
mudar de posicionamento: ―mude de trilha, Sr. eminente Vital Soares, para o desastre
não ser grande. O caminho é longo e longa a caminhada ...‖.136
Nas cartas seguintes Requião sempre se expunha como alguém destituído de
interesses pessoais, afirmando que seus conselhos partiam de um cidadão que desejava
apenas o bem da Bahia. Diferenciando-se dos demais políticos, apontados de não
usarem da verdade com o governador. Com isso, resultava na situação em que Vital
Soares era chefe do estado e do seu partido, mas na prática, ―o honrado Sr, governador
seja aquele, justamente, que menos dirige a coisa pública, porque são muitos a mandar‖.
A acusação era feita porque, segundo Requião, havia um deputado federal ―que se
intitulava governador de fato da Bahia‖.137
Desde a segunda mensagem, o escrevinhador posicionou-se como se o
governador de fato estivesse lendo e tomando para si os conselhos dados por ele.
Porém, Vital Soares somente desceu de ―cima do poder, para pulverizar‖ sua opinião,
através de uma nota do gabinete do Palácio, apenas depois da quarta carta. Na quinta
epístola, Requião abordou os argumentos utilizados pelo chefe do estado para se

134
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade, op. cit., p.4, 5, 18-19,34,35.
135
SAMPAIO, op. cit., p. 167, 169.
136
REQUIÃO, Altamirando. Epístolas ao Sr. Vital, op. cit., p. 25-26.
137
Ibidem. p. 29, 30. (Carta V). De acordo com Requião, Góes Calmon ainda mandava no governo.

51
defender das acusações. Além de relatar aos leitores do Diário de Notícias sobre sua
resposta do Palácio, Requião também ressaltava a importância dos seus textos, a ponto
de obter resposta.138
Além das acusações de mentira, práticas ilegais e de articulações políticas
indevidas por parte do governador, Requião utilizou-se de seu texto para delatar um
empréstimo realizado pelo governo baiano. O chefe do estado era tratado como Vossa
Excelência e Senhor Governador, mas ao apontar as questões financeiras do estado,
Requião chamava Vital Soares de ―Doutor‖. Assim, a abreviatura V.Exa. Sr. Dr Vital
Soares era usada para lembrar que o então administrador do estado possuía formação na
área do direito e, principalmente, que ele havia sido funcionário de uma instituição
financeira. Desse modo, o governador não poderia aplicar nenhuma desculpa para
justificar seus erros cometidos no plano econômico. Tornava-se assim inaceitável que o
―homem doutor‖ fizesse confusão entre o significado da economia pública com ―a
figura clássica do Capital, fator que é este do fomento da primeira‖.139
A nota vinda do Palácio tinha as explicações de Vital Soares sobre o fato. O
governador esclareceu que, antes do seu mandato, todos os empréstimos haviam sido
efetuados da mesma maneira. Na visão do jornalista, eram inaceitáveis tais desculpas,
pois o chefe do executivo tinha interesses ―obscuros‖. A atuação de Vital foi posta
como dupla, como devedor e como credor, já que tanto ele quanto Góes Calmon haviam
sido funcionários de um banco.140 Depois de todo seu discurso de conselheiro, Requião
concluía, em sua décima primeira carta, para seus leitores e para o seu destinatário: ―A
política partidária é fator sem expressão ou influência, nestas epístolas modestas‖.141
Além das questões apontadas pelo remetente acerca das finanças do estado, outros
acontecimentos agravariam a situação econômica no final do governo de Vital Soares.
Depois da Primeira Guerra, ocorreu um colapso nas relações comerciais
capitalistas e a economia pareceu desmoronar. Entre os anos de 1927 e 1933, os
empréstimos internacionais caíram mais de 90%, países como o Brasil, que dependiam
do comércio internacional de produtos primários, mantiveram-se em crise na sua
produção básica. Assim, tornou-se símbolo do desperdício do capitalismo e da seriedade
138
Ibidem. p. 33. (Carta V). O Diário de Notícias também reeditou um texto publicado pelo jornal Diário
da Tarde (Ilhéus). A Matéria de Leo Leonidas parabenizava a atuação de Requião. ―As suas epístolas ao
governador têm tom de verdade incisiva e da justiça soberana. (...). Sua tarefa, meu caro, tem sido, até
agora, digna da admiração e do respeito de seus patrícios.‖ LEONIDAS, Leo. Diário de Notícias, 27 abr.
1929. p.1.
139
REQUIÃO, Altamirando. Epístolas ao Sr. Vital, op. cit., p. 77. (Carta X).
140
Ibidem. p. 34, 35. 60, 61, 62. (Carta V e VIII).
141
Ibidem. p. 63.

52
da Depressão, o ato em que os produtores de café queimaram o seu fruto na tentativa de
evitar o colapso dos preços.142 Na Bahia, que possuía uma economia baseada na
exportação de produtos como o cacau, fumo e café, a crise mundial abalou
profundamente o estado, 1932 foi o ano mais agudo. Nesse cenário, a Associação
Comercial da Bahia (ACB), que representava as classes conservadoras, liderou uma
campanha pela redução dos impostos e pelo aumento nos prazos para a quitação das
dívidas.143
Com as consequências da Depressão de 1929, aumentaram ainda mais a
necessidade de reajustes na estrutura do país no que tange às questões eleitorais.144 No
início da crise internacional, o presidente do Brasil era Washington Luiz. No final de
seu mandato, a correlação de forças políticas mudou. Os fluminenses, baianos e
pernambucanos ganharam a preferência do Catete e os mineiros perderam prestígio.
Estratégia utilizada para tentar diminuir a contribuição mineira no processo de sucessão
presidencial e respectivamente aumentar o poder de São Paulo. Por outro lado, Minas
Gerais aliou-se ao Rio Grande do Sul para combater a chapa que seria escolhida pelo
presidente. Washington Luiz (1869-1957) tentou desfazer essa aliança e ofereceu ao
gaúcho Osvaldo Aranha o lugar de vice-presidente na chapa com Júlio Prestes.
Entretanto, o líder sulista, que era um dos responsáveis pela oposição, não se ausentou
da função. Igualmente, em troca do apoio da Bahia foi oferecido o cargo de vice-
presidente, resultando na chapa Júlio Prestes e Vital Soares.145 Os baianos acreditavam
que a vitória da chapa apoiada pela situação sairia tranquilamente vitoriosa. Assim, o
que mais agitou o estado naquele ano foi a sucessão para governador.146
Os opositores da chapa escolhida por São Paulo reuniram-se em torno da
Aliança Liberal, que tinha um programa de governo com reivindicações de setores
também tradicionais. No campo econômico, o programa da Aliança incluía a
colonização da Amazônia, o apoio à pecuária, o incentivo a novas culturas e a defesa do
café. Os cafeicultores queriam que o Estado viabilizasse meios para que o produtor

142
HOBASBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p. 91,93,97.
143
SAMPAIO, op. cit., p. 173.
144
FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: historiografia e História. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978.
p. 112.
145
VISCARDI, op. cit., p. 305-308.
146
SAMPAIO, op. cit., p.170.

53
diminuísse os custos de produção. Para isso, era necessário que o Estado ficasse
afastado do mercado, adotando-se assim medidas liberais.147
A campanha da Aliança Liberal foi muito intensa, com mobilização de setores
da população urbana. Mas a chapa de Júlio Prestes e Vital Soares saiu vitoriosa. 148 Após
as eleições de 1º de março, na Bahia, as especulações aumentaram em torno da escolha
do governador. Miguel Calmon, Octávio Mangabeira, Simões Filho (1886-1957) e
Pedro Lago (1870-1958) eram aspirantes ao cargo. Em oposição ao quadro estabelecido
tanto na esfera nacional quanto local, um grupo de indivíduos conduzidos por Seabra
mostrou-se favorável a campanha aliancista. E através de O Jornal, a coligação criticava
as principais lideranças do estado, os Calmon, Vital Soares e Simões Filho e defendia a
candidatura de Octavio Mangabeira.149
Dentro do Partido Republicano da Bahia, a disputa foi entre Simões Filho,
apoiado por Vital Soares, contra Miguel Calmon, representante dos calmonistas. Vital
Soares ficou diante de um impasse, pois Simões Filho tinha atuado de forma
contundente para sua indicação na chapa presidencial. Por outro lado, Góes Calmon
havia sido o responsável pela sua colocação enquanto político e governador da Bahia.
Assim, realizaram-se acordos entre os dois grupos e o partido por unanimidade propôs
outro nome, o de Pedro Lago, que ganhou a eleição realizada no dia 7 de setembro de
1930.150
No âmbito federal, depois da vitória da chapa Júlio Prestes-Vital Soares houve
retaliação aos inimigos mineiros. O Rio Grande do Sul posicionou-se contrariamente ao
governo federal acerca das perdas de Minas Gerais. Embora a princípio os gaúchos
tenham reconhecido o resultado das eleições. A iniciativa revolucionária, em oposição
ao resultado das urnas, saiu de Minas Gerais, no Sul Getúlio Vargas não conseguiu
barrar os ânimos de reação de suas bases. Quando as lideranças políticas conseguiram
viabilizar a Revolução, o controle da situação passou para as mãos do Exército. Os
liberais foram marginalizados das articulações, e o comando das oligarquias ficou com
os militares, particularmente os tenentes. 151

147
VISCARDI, op. cit., p. 308,309.
148
Ibidem. p. 312,314.
149
SAMPAIO, op. cit., p. 174.
150
Ibidem. p. 170-171, 174.
151
VISCARDI, op. cit., p. 312,314-316. O tenentismo surgiu como um movimento de oposição ao
sistema oligárquico vigente. Como assinalou Anita Leocadia Prestes, o tenentismo nasceu com uma
bandeira liberal, a campanha da Aliança Liberal para as eleições de março de 1930 o exemplifica.
Entretanto, fatores como a Grande Depressão e a crise do liberalismo, aliados à crise do sistema
oligárquico, fizeram com que o movimento ganhasse outra linha de concepção autoritária, centralizadora

54
A Bahia e a “Revolução de 1930”

A intelectualidade, ao longo da década de 1920, debateu acerca da crise da


República. O Estado liberal era acusado de ser um modelo importado, inapropriado às
características do povo brasileiro. Havia ainda um grupo de políticos civis, aliados a
Getúlio Vargas, com ideias autoritárias, centralizadora e corporativista. No setor militar,
os ―jovens turcos‖ defendiam a intervenção do exército na vida nacional, o serviço
militar deveria ser obrigatório e igual ao alemão. As pressões dos diversos setores
influenciaram nas mudanças no programa dos tenentes. E com a derrota eleitoral
aumentou ainda mais o apelo às armas. Portanto, o movimento armado que eclodiu na
―Revolução‖ de 1930, a princípio, se desenvolveu sob as concepções liberais, porém
devido à pressão de outros setores da vida nacional, resultaram em um movimento
armado.152
Em 1930, a Bahia encontrava-se descapitalizada, sofrendo com os efeitos da
crise econômica e social de 1929. As medidas de corte drástico nos gastos públicos
atingiram de forma contundente o funcionalismo baiano, aumentou ainda mais o
exército de desempregados. A Revolução atingiu o estado em 5 de outubro, sendo
nomeado o general Santa Cruz Pereira de Abreu para a execução do estado de sítio. No
comando das forças governistas, o militar mandou concentrar tropas na cidade de
Alagoinhas, importante entroncamento ferroviário. O general possuía um heterogêneo
grupo formado por capangas dos coronéis sertanejos, Polícia Militar e o 19º BC, que
tinha a função de barrar as tropas revolucionárias, cuja vanguarda estava sob o comando
do tenente Agildo Barata (1905-1968). Embora o anúncio da deposição do Presidente
Washington Luís (1926-1930) só tenha chegado a Salvador na manhã de 24 de outubro,
no dia seguinte, os batalhões revolucionários chegaram à capital e foram recebidos com
ovações e manifestações de apoio. Dentre os revolucionários encontravam-se os
tenentes Juraci Montenegro Magalhães (1905-2001), Joaquim Monteiro e Hanequim
Dantas.153
Com as mudanças em âmbito nacional, José Joaquim Seabra reivindicou o
governo da Bahia, como reconhecimento pela participação na campanha da Aliança

e de cunho nacionalista. PRESTES, Anita Leocadia. Tenentismo Pós- 30: Continuidade ou Ruptura? São
Paulo: Paz e Terra, 1999. p.15-20.
152
Ibidem. p.15-20.
153
SAMPAIO, op. cit., p. 32, 42; TAVARES, op. cit., p. 384, 387.

55
Liberal.154 Porém, a solicitação do ex-governador não foi aceita. O primeiro interventor
do estado baiano foi Leopoldo Afrânio do Amaral, que governou por quase três meses
(1º de nov. 1930 a 18 fev. 1931) e depois Artur Neiva (18 fev. a 15 jul. 1931). Após
breve intervalo, preenchido pelo general Raimundo Barbosa, o jovem tenente Juraci
Magalhães assumiu o posto, liderou a Bahia por seis anos, até ser apeado do poder pelo
golpe de estado de novembro de 1937.155
Juraci Magalhães foi recebido pelos políticos baianos com o pressuposto de
futuro fracasso, pois contava apenas 26 anos quando assumiu o cargo, transformando-se
em um administrador público bem-sucedido e figura importante na política estadual. No
processo de redemocratização, em 1945, Juraci foi, ao lado de Otávio Mangabeira
(1886-1960), peça chave na retomada do processo político no estado. Aliados e
desafetos fizeram parte da vida política de Juraci Magalhães. Assim, a personagem é
importante para se compreender o cenário político na Bahia, no período localizado entre
a Revolução de 1930 e o início do Estado Novo, pois o interventor lançou as bases de
sua corrente política no estado, posteriormente denominada juracisismo.156
A chegada de Juraci Magalhães foi acolhida como afronta às elites baianas, pois
a sua nomeação para a Interventoria do Estado representava a derrota dos interesses
regionalistas. Assim, pela primeira vez, alguém fora da Faculdade de Medicina, da
Escola Politécnica, da Faculdade de Direito de Recife ou da Bahia assumia o cargo mais
elevado do executivo estadual. A indicação de Juraci resultou na união das heterogêneas
facções políticas baianas, que se uniram na resistência a seu nome, dentre elas as fações
comandadas por Otavio Mangabeira e Ernesto Simões Filho, que se utilizou do seu
jornal, A Tarde, como arma contra o novo interventor. Ao mesmo tempo em que A
Tarde se colocou como opositora de Juraci Magalhães, o Diário de Notícias mostrou
seu apoio ao tenente. O diretor do jornal, Altamirando Requião, foi importante aliado de
Juraci e assumiu a defesa do governo de Vargas.157
De antemão ressalte-se que Altamirando Requião não se apresentou de imediato
favorável às mudanças oriundas de 1930. O próprio jornalista lembrou que ―(...) fui
contra a candidatura da Aliança Liberal, fui contra a Revolução que nos ofereceu a
ditadura (...)‖. Getúlio Vargas foi apresentado como ―o maior traidor que a política

154
CAMARGO, Aspásia. Do federalismo oligárquico ao federalismo democrático. In: PANDOLFI,
Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p.40-41; TAVARES, op. cit., p.
387.
155
SAMPAIO, op. cit., p. 63.
156
CARVALHO, Patrícia. op. cit., p. 10-11, 142.
157
SILVA, op. cit., p. 27-28; CARVALHO, Patrícia. op. cit.,p. 28.

56
deste país nos revelará, em mais de quarenta anos de regime‖.158 Segundo Pècault, a
grande maioria dos intelectuais mantiveram-se cautelosos com o avanço da Aliança
Liberal e com a Revolução de 1930, pois temiam que ela representasse apenas uma
nova expressão do liberalismo.159
No capítulo anterior um dos pontos tratados foi o posicionamento antiliberal de
Requião. Assim, tanto para ele quanto para diversos intelectuais, o evento de outubro de
1930 era apenas mais uma das táticas liberais. É possível que Requião depois tenha
percebido na figura de Getúlio Vargas alguém capaz de promover mudanças na
República. Um chefe no qual os intelectuais da década de 1920, como ele e Oliveira
Viana, acreditavam ser necessário para alterar o rumo do país. Em 1932, o presidente
foi caracterizado como um ―ditador de uma nação‖ que tinha o dom de um ―domador de
feras mais perfeito nesse século rebelde‖.160
Desse modo, neste tópico pretende-se compreender quais eram as noções
políticas do jornalista acerca da política baiana. E como ele agiu frente ao governo de
Getúlio Vargas. Portanto, acredita-se que suas práticas políticas pós-1930 não foram
apenas no sentido de tirar proveito da conjuntura estabelecida. A adesão ao novo
interventor Juraci Magalhães seria um auxílio a um plano mais amplo: apoiar um
projeto político antiliberal que transformasse a vida nacional.
A aliança com o jovem interventor também partiu de alguns remanescentes dos
antigos partidos que dominaram o cenário estadual na Primeira República, não apenas
por interesses pessoais de obter projeção na esfera federal e sim com o intuito de
resgatar no ambiente nacional o espaço político que eles acreditavam pertencente à
Bahia.161 No caso de Altamirando Requião, em 1926, ele concorreu para deputado
federal no terceiro distrito (eram seis no estado) e conseguiu um número considerável
de votos para vencer a primeira etapa, mas não passou pelo último rito do processo
eleitoral, que era realizado pela comissão de verificação de poderes.162 A região de sua
campanha anterior havia sido o local onde Altamirando Requião atuou como professor e
proporcionou vivência para a escrita do seu romance Brutos e Titãs, em 1923.
O momento exato em que o jornalista mudou de posicionamento e apoiou
incondicionalmente o governo de Getúlio Vargas e consequentemente o de Juraci

158
REQUIÃO, Altamirando. O Ditador. Diário de Notícias, Salvador, 21 out, 1932. p.1.
159
PÉCAULT, op. cit., p. 28.
160
REQUIÃO, Altamirando. O Ditador. Diário de Notícias, Salvador, 21 out, 1932. p.1. Anita Prestes
destacou os princípios liberais do tenentismo, em sua gênese.
161
CARVALHO, Patrícia. op.,cit., p.93,94.
162
VEIGA, op. cit., p.46,50.

57
Magalhães não é claro. Juraci Magalhães, em seu livro de memórias, mencionou o apoio
de Altamirando Requião, em sua chegada à Bahia, e como ele havia sido prejudicado
nas eleições anteriores a 1930, devido a falsas atas.163 Apesar das transformações no
cenário nacional e baiano terem lhe propiciado oportunidades, acredita-se que Requião
via no governo de Getúlio Vargas a possibilidade de mudanças na República liberal,
combatida por ele de forma veemente na década de 1920.
Diferente de sua condição na Primeira República, em 1935, Requião ocupou o
cargo de deputado federal. Fez parte da comitiva que acompanhou o então presidente
Getúlio Vargas em uma viagem para a Argentina. Na ocasião, foi também reconhecido
pelo circuito de imprensa de Buenos Aires. Requião foi recebido como representante
dos jornais da Bahia.164 Em 1942, foi nomeado secretário da interventoria do estado da
Bahia. No ano de 1945, presidiu a Comissão de Educação e ocupou a vice-presidência
da Câmara. As concepções ideológicas de Requião identificavam-se com as ideias
antiliberais propostas pelo governo de Getúlio Vargas, antes e durante o Estado
Novo.165
Além de utilizar o seu jornal como ferramenta de transmissão dos interesses da
interventoria, Requião também ocupou a posição de mediador entre o interventor e
grupos locais, como a Associação Comercial da Bahia. Em janeiro de 1932, o
presidente da agremiação e outros representantes das classes dominantes reuniram-se
para fechar um acordo com o chefe do governo baiano, com a finalidade de ―abandonar
a atitude comodista que sempre mantiveram em benefício dos seus próprios
interesses‖.166 O discurso de que a Associação era comodista antes de 1930 não é
verdadeiro, possivelmente foi utilizado pela própria instituição a fim de demonstrar que
aceitava o novo governo em oposição aos seus adversários, ou do próprio interventor
para destacar que ele conseguiu o apoio antes não adquirido.167

163
ABREU, Alzira Alves; FARAH, Paulo César; VASCONCELOS, Eduardo Raposo. Juraci Magalhães
minhas memórias provisórias: depoimento prestado ao CPDOC. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1982. p. 75.
164
Reconhecimento de Altamirando Requião como representante da imprensa da Bahia. Círculo da
Imprensa de Buenos Aires. Argentina. Mai. 1935.
165
DIÁRIO OFICIAL, Salvador, 27 de dez 1942. No terceiro capítulo será abordado sobre seu cargo em
1942.
REQUIÃO, ALTAMIRANDO. Ao coração da Bahia. Diário de Notícias, Salvador, 17 abr. 1935. p. 1.
VEIGA, op. cit., p.9.
166
SANTOS, Mario. op. cit., p. 61.
167
A entidade foi criada em 1811, tempo suficiente para o grupo interferir na política local. Por exemplo,
em 1926 a Associação homenageou o governador Góes Calmon e no ano de 1928 ofereceu um banquete
em homenagem ao seu candidato Vital Soares. Livro. SANTOS, Mario Augusto da Silva. Associação
Comercial da Bahia na Primeira República: um grupo de pressão. 1973. Dissertação (Mestrado em

58
Em 1932, Requião foi uma figura importante na construção da relação entre
Juraci Magalhães e a Associação Comercial da Bahia. O jornalista privava da amizade
de muitos diretores do grupo.168 Nesse momento, ele era também presidente da
Associação Baiana de Imprensa. Assim, dispondo de diversas relações de poder no
cenário estadual, foi de grande serventia na articulação entre Juraci e políticos e os
empresários do estado.
Dois meses após a posse do novo interventor, o diretor da ACB, João Mendonça
Pereira Junior, pediu aos associados que fosse notificada em ata a visita de Juraci
Magalhães à entidade, ocorrida no dia 6 de novembro. O pedido seria para mostrar a
afinidade que estava sendo construída entre a Associação e o interventor.169 Porém, no
dia 3 de dezembro, a Associação lamentou acerca de uma matéria do Diário de Notícias
sobre uma possível proposta de entregar a terceiros a dívida ativa do Estado. Fato esse
que deixaria as classes conservadoras prejudicadas. A agregação declarou que naquele
momento, caso o governo realizasse a proposta, seria uma ação vexatória, pois devido à
depressão econômica era impossível o pagamento.170
Antes da notificação acerca do pagamento da dívida, já estava nos planos da
entidade apelar para que o interventor tivesse ―sinceros propósitos com a Bahia‖. Como
argumento, enfatizou-se que tanto o comércio do interior, o sertanejo que sempre
precisou da atenção protetória do governo, quanto o comércio da capital não estavam
pagando as dívidas em dia devido à impossibilidade absoluta de recursos. Depois de
apresentar os motivos existentes que levaram quase todas as casas comerciais à
impossibilidade de cumprir suas obrigações, a Associação dizia acreditar no bom senso:
―Confio da clarividência do Sr. Interventor que não permitirá a agravação dos males
que, na hora corrente, tanto afligem os contribuintes baianos, através de uma cobrança
da dívida do Estado entregue a terceiros‖.171

Ciências Sociais) —Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia,


Salvador. p.202. p. 155.
168
―(...) O professor Altamirando Requião (...) ligado por interesses políticos e empresariais a membros
da Associação Comercial da Bahia, com alguns dos quais, mantinha relações de amizade. (...)‖.
SANTOS, Mario Augusto da Silva, op. cit., p.202. Por meio das imagens, Altamirando Requião auxiliou
o autor na identificação dos principais membros da entidade.
169
Ata da Associação Comercial da Bahia. p. 34-36. 34º da sessão da 91º direção da Associação
Comercial da Bahia. Acesso: 8 jun. 2015. Biblioteca da Associação Comercial da Bahia, Brasil. p. 36.
170
Ata da Associação Comercial da Bahia. p. 40-46. 37º da sessão da 91º direção da Associação
Comercial da Bahia. Acesso: 8 jun. 2015. Biblioteca da Associação Comercial da Bahia, Brasil.
171
O presidente da associação solicitou que fosse registrada em ata a cordialidade existente entre a
entidade e o Interventor Federal. Ata da Associação Comercial da Bahia. 35º da sessão da 91º direção da
Associação Comercial da Bahia. 3 dez. 1931. p. 36-43. Acesso: 8 jun,2015. Biblioteca da Associação
Comercial da Bahia, Brasil. p.36.

59
E assim ocorreu, no início de janeiro a Associação recebeu um ofício do
secretário do interventor, em nome dele, com a cópia do decreto sancionado para que as
dívidas do setor industrial fossem parceladas em três prestações. Contando com o apoio
do novo governo para resolver a situação econômica do estado, a entidade, dias depois,
remeteu mais uma carta à interventoria relatando a situação das lavouras do interior. Os
acordos estabelecidos para sanar os tais problemas foram selados. E no mês seguinte,
em fevereiro, o comércio baiano através de sua instituição enviou uma moção
aplaudindo a orientação seguida pelo governo. Por sua vez, Juraci Magalhães respondeu
agradecendo o reconhecimento das classes conservadoras do estado.172
Durante as negociações nem tudo deve ter sido registrado em ata. Não se tem
referência ao nome de Altamirando Requião nos registros da ACB. Na condição de
conciliador, mencionaram-se apenas as matérias de seu jornal durante o acordo. Assim,
por meios de seus textos, Requião atuou como um representante de sua classe. Já que
fazia o papel de cooperar nos acordos entre um grupo econômico e o governo. A
participação de Requião nos ajustes locais foi destacada por Juraci em suas memórias. O
proprietário do Diário de Notícias foi lembrado como um ―companheiro de organização
política‖.173
Entretanto, não apenas de aliados viveu Juraci Magalhães na Bahia. Acerca dos
acordos entre a ACB e o interventor, o Diário da Bahia, ainda no mês de janeiro
criticou as relações que foram estabelecidas. Segundo o periódico, os membros do
grupo, ou os ―cérebros vazios‖, não estavam empenhados em se opor ao fato da Bahia
ser governada por um ―tenente qualquer‖. A entidade foi acusada de defender um
―liberalismo largo e ideias curtas‖ que fazia sua falsidade ser maior. Mas o periódico
relatou ter se habituado a essas estratégias, pois já tinham os vistos serem solidários
com todos os últimos governos da terra.174

172
Ata da Associação Comercial da Bahia. 42º da sessão da 91º direção da Associação Comercial da
Bahia. 13 jan,1932. Acesso: 8 jun,2015. Biblioteca da Associação Comercial da Bahia, Brasil. p.53-56.
COSTA, Waldemar Arevedo Ata da Associação Comercial da Bahia. 44º da sessão da 91º direção da
Associação Comercial da Bahia. 26 jan,1932. Acesso: 8 jun,2015. Biblioteca da Associação Comercial da
Bahia, Brasil. p.59-60. A associação enviou um álbum fotográfico ao interventor da inauguração do
monumento Conde dos Arcos. Ata da Associação Comercial da Bahia. 61-63. 45º da sessão da 91º
direção da Associação Comercial da Bahia. 17 fev.1932. Acesso: 8 jun.2015. Biblioteca da Associação
Comercial da Bahia, Brasil. p.63.
173
Juraci Magalhães retrata que muitos acordos políticos foram realizados em jantares informais.
ABREU, Alzira Alves; FARAH, Paulo César; VASCONCELOS, Eduardo Raposo. Juraci Magalhães
minhas memórias provisórias: depoimento prestado ao CPDOC. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1982. p. 75. Há algumas cartas remetidas de Juraci Magalhães à Altamirando Requião do Rio de Janeiro.
Quando o governador estava viajando solicitava a informações sobre seus adversários políticos.
174
MARGEM (À) – Preço de ocasião. Diário da Bahia, Salvador, 24 jan. 1932, p.2.

60
Paulo Santos Silva destacou que os políticos baianos desalojados do poder pela
Revolução de 1930 rearticularam-se com o intuito de retomar as rédeas do poder no
estado. Os integrantes do grupo ficaram conhecidos como ―autonomistas‖. E em 1932,
através da Liga de Ação Social e Política (LASP), uniu-se a campanha de São Paulo a
favor da reconstitucionalização do país, afastando-se, porém da opção armada, adotada
por São Paulo. O anseio de retorno aos papeis políticos tradicionalmente
desempenhados pelas elites baianas foi o que incentivou e sustentou o heterogêneo
grupo.175
Com a Revolução de 1930, houve disputa ideológica: enquanto alguns setores da
classe dirigente do país defendiam medidas mais centralizadoras e autoritárias para o
novo regime, outras parcelas advogavam um governo liberal, com ampla autonomia
regional. Ao longo desse percurso, segmentos importantes das elites civis e militares
foram sendo alijados do poder. Em 1932, São Paulo, com armas, rebelou-se contra o
governo central, exigiu o fim do regime ditatorial.176 Vavy Pacheco Borges, ao analisar
a relação entre Getúlio Vargas e a oligarquia paulista, por meio dos jornais do Partido
Democrático e do Partido Republicano Paulista, constatou que esses grupos se dividiam
apenas na luta política, mas em âmbito econômico e ideológico mantinham os mesmos
interesses. Tentaram garantir velhos privilégios ―regionais‖, confrontando-se com o
governo provisório possuidor de interesses ―nacionais‖. Em 1932, os grupos opositores
juntaram-se em uma Frente Única, que rompeu com a ditadura de Getúlio Vargas. 177
Na Bahia, a oposição conseguiu reunir diferentes facções locais, agrupando
antigos adversários. A recuperação da autonomia política do estado tornou-se o fator
principal de mobilização para a elite política entre os anos de 1930 e 1945. A partir de
1932, a LASP apelidada de ―Liga dos Amigos de São Paulo‖, lançou-se na campanha
constitucionalista. O grupo baiano exigia que a direção política do estado fosse entregue
a um baiano e civil.178
Em face às oposições de São Paulo ao Governo de Getúlio Vargas, Requião
utilizou-se de seu jornal para se posicionar sobre os episódios. Segundo o jornalista, ele
era conhecedor da realidade política de São Paulo, por isso enxergava a situação
equiparada a uma ―panela de ódio‖. Os caudilhos paulistas apresentavam uma

175
SILVA, op. cit., p. 32.
176
PANDOLFI, Dulce. Introdução. In: ____ (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV,
1999. p. 9.
177
BORGES, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e a Oligarquia paulista. História de uma esperança através
dos jornais da Oligarquia: 1926-1932. São Paulo: brasiliense, 1979. p. 136, 177, 183.
178
SILVA, op. cit., p. 31,32.

61
mentalidade ―regionalista de futuro‖ para o país.179 A expressão caudilho foi utilizada
por Oliveira Viana para se referir aos fazendeiros chefes locais com a descentralização
do Império. Os caudilhos do Império foram comparados aos oligarcas da Primeira
República. Igualmente, segundo essas interpretações, os grupos liberais de São Paulo
não compreendiam os problemas nacionais, atuavam apenas em benefícios próprios.
Requião transcreveu em sua matéria o posicionamento do escritor paulista
Menotti del Picchia, que defendia veementemente os grupos locais contrários à ditadura.
Conforme o escritor paulista, os demais estados tinham se posicionado contra a situação
em que caminhava a nação, pois se sentiam ―bem com o regime de engorda da
ditadura‖. Por sua vez, em resposta para descontruir tais argumentos, o jornalista baiano
afirmou que esses grupos sempre se autodenominaram representantes do país, ao passo
que as demais unidades federativas eram sempre postas como ―o parasita da nação‖.180
Desse modo, para desqualificar os acontecimentos de 1932 em São Paulo, empregou-se
no conteúdo da matéria a ideia do bem próprio. Assim, os paulistas atacavam o governo
de Getúlio Vargas não pensando em qualquer bem para a nação e sim apenas com
interesse de retomar seus antigos privilégios.
Os discursos de Requião, contrários aos acontecimentos de São Paulo,
intensificaram-se ainda mais com a publicação do livro A Revolta Paulista, de Menotti
del Picchia. O escritor foi apresentado como um ―confuso historiador‖ que havia trazido
à lume questões da ―revolução‖ paulista, e que suas páginas estavam recheadas de
―chocantes contradições‖.181 Para contrariar os argumentos utilizados por Picchia em
seu livro, Requião enfatizou que o Norte não era o que ele supôs ser e alertou que a
região não precisava de ―um governo de arbítrio, localizado no centro, tornando, assim,
mais esfumada a condição fatal de ter que viver sob o domínio de autocratas‖. A seu
ver, as denúncias sobre o Norte, feitas pelo escritor, eram apenas resultado ―da amarga
doença dos temperamentos exaltados, que sonharam com a vitória inacessível, numa
luta profundamente desconforme (...)‖.182
Do mesmo modo, o jornalista se utilizou de textos para acusar as práticas
políticas do ―autonomismo‖, visto por ele como os representantes da saudade
179
REQUIÃO, Altamirando. PANELA DE ÓDIOS. Diário de Notícias, Salvador, 28 out. 1932. p.1.
180
REQUIÃO, Altamirando. PANELA DE ÓDIOS. REQUIÃO, Altamirando. TALENTO E PAIXÃO.
Diário de Notícias, Salvador, 21 nov. 1932. p.1.
181
REQUIÃO, Altamirando. TALENTO E PAIXÃO ainda o livro de del Picchia). Diário de Notícias,
Salvador, 22 nov. 1932. p.1.
182
Ibidem; REQUIÃO, Altamirando. TALENTO E PAIXÃO (ainda o livro de del Picchia). Diário de
Notícias, Salvador, 22 nov. 1932. p.1; REQUIÃO, Altamirando TALENTO E PAIXÃO (outras
considerações necessaríssimas). Diário de Notícias, Salvador, 25 nov. 1932. p.1.

62
situacionista, que levaram a ―esterilidade do governo‖ e ao ―completo abandono das
nossas riquezas‖.183 Também escreveu de maneira negativa a respeito de São Paulo.
Portanto, Requião atacou as ideias liberais tanto na esfera baiana quanto na paulista.
Assim, nos dois casos, ele ressaltou como os grupos estavam apenas lutando pela
retomada de antigos privilégios políticos.
Em razão dos seus textos, o escritor de A Revolução Paulista desentendeu-se
com o baiano, e em carta destacou sua insatisfação com as opiniões expostas no Diário
de Notícias:

Amigo Requião. Abraços: em telegrama nervoso da A.R. – o que exprime o


êxito nacional do seu artigo – depois um recorte de jornal fizeram-me
conhecer suas palavras referentes à Revolução Paulista. Estou sinceramente
grato à sua gentileza. Você foi o amigo de sempre, carinhoso, mas, desta vez
com ares de quem, muito a contragosto, precise puxar a orelha de pessoa
muito querida.
Pois foi injusto, caro Requião. Em primeiro lugar não tenho saudosismo pelo
meu passado político, porquanto, sendo um dos criadores da revolução
mental do Brasil, em 922(sic), aguardava como natural e necessária a queda
da velha mentalidade. Os cargos que tinha não me fazem falta, pois continuo
muito bem na direção de uma poderosa empresa, cercado sempre pelo
entusiasmo e amigo carinho dos meus coestaduanos. Pelo contrário: a perda
de posições políticas devolve-me uma grande parte das simpatias que elas me
haviam amealhado. Você não esteve em S. Paulo, não viu com seus olhos o
que fez S. Paulo. (...) Do velho amigo – Menotti del Picchia – 4. Nov. 932
(sic). 184

Picchia ao lado de Monteiro Lobato (1882-1948) e Amadeu Amaral (1875-1929)


fizeram parte da ala paulista do movimento literário de 1922. 185 Ao longo da carta
acima transcrita, o remetente se refere a Requião como um amigo de sempre e pessoa
muito querida. Como foi destacado no primeiro capítulo desta dissertação, Requião
conhecia e trocava cartas com outros modernistas, como, por exemplo, Ronald de
Carvalho.186 Porém, não se tem notícia acerca de uma amizade nesse período com
Picchia. Independente das relações estabelecidas anteriormente no âmbito artístico,
nesse momento, as questões eram outras.

183
REQUIÃO, Altamirando. A Futura chapa Municipal do P.S.D. Diário de Notícias, Salvador, 11 nov.
1935. p. 1. A seu ver, tanto a Bahia quanto o Brasil estavam cansados desses grupos.
184
Arquivo. Part. AR. Menotti del Picchia. Apud. VEIGA, op. cit. O escritor em 1940 saudou a ―marcha
para o oeste‖ e disse que, ―essa era a verdadeira Revolução‖, uma ―espiritual reconstrução da
nacionalidade‖. Getúlio Vargas foi colocado por del Piccha como um homem de gênio e pensador.
PICCHIA, del Menotti. Palavras que confortam. O Imparcial, Salvador, 21 ago. 1940. p.4.
185
PRADO, op. cit., p. 129.
186
Outro escritor considerado por Prado como integrante da falsa vanguarda foi Renato Almeida.
Requião, no ano de 1934, se correspondia com Almeida, encontramos duas cartas remetidas por Almeida,
uma afirmando que tinha recebido a quantidade de 300$, no banco alemão, e outra apenas mandando
lembranças.

63
É interessante destacar o conhecimento do escritor sobre um texto publicado na
Bahia. Conforme o paulista, a nota chegou ao seu conhecimento através de um recorte.
Possivelmente, algum integrante da Liga de Ação Social e Política (LASP), o tenha
enviado. Os atos políticos são motivados pela necessidade de dar coerência a um grupo.
Portanto, os textos de Requião sobre o movimento de São Paulo e a carta de Picchia
demostram como eles queriam se posicionar sobre tais acontecimentos, cada um com
seus interesses particulares.187
O evento em São Paulo reivindicava o fim da ditadura de Vargas, instalada em
1930. Apesar de ter sido derrotado militarmente, o movimento de São Paulo teve
algumas de suas reivindicações atendidas. Mesmo com uma heterogênea oposição ao
governo de Getúlio Vargas, em junho de 1934, parlamentares foram escolhidos por voto
direto e promulgaram uma Constituição. Elegeram, como chefe provisório, Getúlio
Vargas para a presidência da República. Apesar de manter o mesmo presidente, a nova
carta representou uma vitória para os setores mais liberais.188
Marly Viana, ao analisar os debates políticos na sociedade brasileira em 1934,
revelou que em torno da Assembleia Nacional Constituinte foram travadas as discussões
mais importantes no primeiro semestre daquele ano. Os debates foram acerca da
centralização versus regionalismo, unidade nacional, reconstitucionalização, eleição
para presidente da República e anistia para os revoltosos de São Paulo. Em meio a essas
questões, o integralismo e os movimentos grevistas antifascistas dividiram e
radicalizaram as camadas médias urbanas.189 Nesse ambiente de discussões, em
fevereiro de 1934 foi lida na Tribuna da Assembleia uma carta de Otávio Mangabeira
que, mesmo estando no exílio, questionou sobre o movimento de 1930 e seus
resultados. O baiano perguntou aos seus contemporâneos o ―Que é a revolução? A que
ela está reduzida? Quem lhe interpretava os propósitos ou lhe representava as
ideias?‖.190 Assim, mesmo em exílio o baiano quis mostrar sua insatisfação com os
resultados políticos do evento de outubro de 1930.

187
Na perspectiva do materialismo histórico não existe erro, os atos políticos são determinados pela
estrutura. COUTINHO, op. cit., p. 186.
188
PANDOLFI, Dulce. Introdução. In: ____ (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV,
1999. p. 6.
189
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São Paulo: Expressão
Popular, 2007. p. 129. Sobre as greves citou SILVA, H. 1934, A Constituinte, p. 66.
190
Carta de Otávio Mangabeira, Paris, 27/11/ 1933, transcrita no Diário da Assembleia Nacional, Ano II,
nº 26, de 2/2/1934, p. 523-528. Apud. VIANNA, Marly de Almeida Gomes. op. cit.,p. 129- 130, 136. O
descontentamento de Mangabeira por escrito não foi algo especifico de 1934. Em 1930, o baiano lançou
um manifesto intitulado Palavras à nação. VIANA FILHO, Luiz. Octávio Mangabeira – um homem na
tempestade. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1986. Apud SILVA, Paulo Santos Silva. O

64
Devido à pressão paulista contra o governo instalado em 1930, na Bahia, Juraci
Magalhães organizou o Partido Social Democrático (PSD), em janeiro de 1933. Para
manutenção de seu governo, assumiu um discurso de que governava acima das facções
políticas do estado. O interventor tentou construir a ideia de que os interesses pessoais
deveriam ser menosprezados em prol de um bem maior, ―o bem da Bahia‖.191 Requião
valeu-se do Diário de Notícias como espaço para difundir as ideias do PSD, apoiou
incondicionalmente a campanha do grupo do interventor, do qual ele também fazia parte
como candidato a deputado federal. Para o interventor, Requião era um exemplo de
organizador político.192 A criação de um partido político tem a função de organizar e
agrupar os intelectuais orgânicos de um determinado grupo. E por meio da propagação
de suas concepções de cultura, utilizam-se dos jornais e das revistas.193
Por outro lado, a Liga de Ação Social e Política (LASP), com o sentimento de
revanche aos ―invasores‖, se organizou em 1933, para as eleições da Assembleia
Nacional Constituinte, a chapa A Bahia ainda é a Bahia. Na disputa eleitoral, o PSD de
Juraci conseguiu eleger vinte deputados enquanto a oposição apenas dois, Seabra e
Aloísio de Carvalho Filho (1901-1970). Depois do fracasso, em 1934, nas eleições
legislativas estaduais, os autonomistas uniram-se novamente na luta contra o
―forasteiro‖. Houve então a reconciliação de J.J. Seabra e Otávio Mangabeira. Em torno
da figura de Mangabeira nasceu a Concentração Autonomista da Bahia.194
Tanto a campanha para constituinte, em 1933, quanto para o legislativo, em
1934, o PSD utilizou-se da imagem de Juraci Magalhães para angariar votos. A votação
deveria ser pela legenda, votação pelo partido e não no candidato. A oposição, em 1933,
utilizou-se quase que exclusivamente da imagem de Seabra. Em 1934, com a chegada
de Mangabeira, os autonomistas também fizeram sua campanha em torno de sua
imagem.195

Estado Novo e os ―autonomistas‖: conflito político e resistência liberal na Bahia. In SENA JÚNIOR,
Zacarias de; SILVA, Paulo Santos. O Estado Novo: as múltiplas faces uma experiência autoritária.
Salvador: EDUNEB, 2008.
191
CARVALHO, Patrícia. op. cit., p.93-94.
192
A BAHIA ao seu governador: Passa amanha o 2º aniversário do governo constitucional do sr. Juraci
Montenegro Magalhães. Diário de Notícias, Salvador, 23 abr. 1937. p. 1; ABREU, Alzira Alves;
FARAH, Paulo César; VASCONCELOS, Eduardo Raposo. Juraci Magalhães minhas memórias
provisórias: depoimento prestado ao CPDOC. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 75.
193
Sobre partido político ver COUTINHO, op. cit., p. 211,212.
194
SILVA, Paulo Santos. op. cit., p. 35- 37.
195
PINHO, Ana Luiza Araújo Caribé de Araújo. De Forasteiro a Unanimidade: a interventoria de Juraci
Magalhães na Bahia (1931-1934). 2010. 153f. Dissertação (PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS)- Fundação Getúlio Vargas Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC. Rio de Janeiro, 2010. p. 110-116.

65
Durante a campanha dos autonomistas, como em todo período do governo de
Getúlio Vargas, Requião lançou mão de seus textos para descontruir o prestígio de seus
opositores. Diante dos novos arranjos políticos, realizados pelo grupo liberal, o
jornalista questionou se os indivíduos se aliaram apenas com a intenção de obter uma
vitória moral ou se de fato o que havia os unidos era a negação da ―política fundada, na
Bahia, pelo atual interventor‖? Como resposta, destacou que a Frente Única ou os
―confrades do A Tarde‖ adotavam atitudes infantis ao atacarem a imagem do
interventor. Para o jornalista, o que unia os antigos rivais baianos era o sentimento de
desmoralização. Porém, a eleição não deveria trilhar esse caminho. ―O ponto capital
que, por conseguinte, para os que se opõem ao governo e ao PSD, não é, nem deve ser,
o de restituir o governo na Bahia a um ‗baiano‘, mas, sim a um baiano que se não haja
filiado à política dominante‖.196 Para ele, o problema das oposições brasileiras ―(...) no
combate as atividades governistas, partiam, fundamentalmente, da inconsistência de
seus reproches (...)‖. Em quase todas as situações havia ―falta de perfeita mirada dos
pontos vulneráveis da organização política adversa. (...)‖.197 Portanto, os liberais
baianos não tinham motivos reais para fazer oposição à forma de governar de Juraci
Magalhães, suas acusações eram apenas no sentido de retomada de privilégios
anteriores a 1930.
Seu ponto de vista sugeria que os ―baianos‖ não possuíam argumentos para falar
do interventor ou de sua política, pois esses mesmos indivíduos eram ―dominadores de
ontem‖. Se os autonomistas olhassem para o passado veriam que a acusação de que o
problema da Bahia era o fato do seu governo encontrar-se nas mãos de um estrangeiro
não era legítima. ―Os legionários da frente única‖ não tinham razão para alegar que a
Bahia só poderia ser governada por filhos da terra. Para provar, remeteu a um fato
ocorrido em 1912: ―Foi assim que vimos o filho do Marechal Hermes da Fonseca
empunhar o bastão de ‗leader‘ de nossa fulgentíssima bancada‖. Sobre o episódio,
Requião questionou aos seus opositores se naquela época ―a Bahia não tinha homens
capazes, em proporção, de representá-la, no Legislativo Federal e Estadual‖, por isso
havia sido necessário trazer um homem não baiano para governar.198

196
REQUIÃO, Altamirando. VITORIA MORAL, APENAS? Diário de Notícias, Salvador, 19 jul. 1934.
p. 1.
197
REQUIÃO, Altamirando. PALAVRAS, PALAVRAS, PALAVRAS... Diário de Notícias, Salvador,
21 jul. 1934. p.1.
198
REQUIÃO, Altamirando. RECLAMA O ROTO CONTRA O ESFARRAPADO. Diário de Notícias,
Salvador, 01 ago. 1934.

66
O evento do qual Requião tirou proveito para ruir o discurso da oposição
autonomista foi o da candidatura de Mário Hermes para deputado pela Bahia. O filho de
Hermes da Fonseca contou com o apoio de J.J Seabra, único baiano a compor seu
ministério. Que por sua vez, utilizou-se do caso para obter prestígio com o presidente da
República. Portanto, o discurso utilizado pelos adversários de Juraci Magalhães de que
a Bahia não poderia ser governada por ―forasteiros‖ não possuía legitimidade, pois
historicamente o ―roto‖, Seabra, não tinha razão para falar do ―esfarrapado‖.
A oposição autonomista lançou para as eleições de 1934 um ―baiano‖, Otávio
Mangabeira, ligado à política da Primeira República para o confronto com o candidato
da situação. Na sua chegada do exílio, 10 de agosto de 1934, Requião reservou sua Nota
do Dia, espaço diariamente dedicado as suas impressões sobre a política baiana, para
descrever a eficiência de Mangabeira no Ministério das Relações Exteriores. Destacou
que ―homens do seu feitio, de sua estatura, de sua preexcelência, não se diminuem nem
podem ser diminuídos com pontos de vista restritos, políticos ou doutrinários, (...)‖. O
ex-ministro estava acima das concepções que ―dividem coletividades‖.199
Provavelmente, o proprietário do Diário de Notícias acreditava na possibilidade de
trazer mais um aliado para Juraci Magalhães. Assim, de imediato não apresentou de
forma negativa o recém-chegado, seus ataques foram apenas para os liberais presentes
na Bahia.
As teorias liberais, que caracterizaram a Europa no século XIX, não podem ser
empregadas na sua totalidade para a interpretação da realidade brasileira. Segundo
Maria Efigênia Lage de Resende, a constituição entre os anos de 1889 e 1930 era de
conteúdo liberal, mas nos estados dominados por oligarquias a participação política
manteve-se atada a um liberalismo de representação limitada e restrita. Ou seja,
adotaram um liberalismo essencialmente conservador. Esses territórios viviam sob o
poder às vezes de uma única família ou também entre as lutas de diferentes facções que
disputavam hegemonia do estado, como, por exemplo, a Bahia.200
No estado baiano, conforme observa Silvia Noronha Sarmento, os comícios
durante a Primeira República tinham a presença de populares. As fotos de 1912, para
recepcionar J.J. Seabra, e em 1919, e Rui Barbosa em sua campanha presidencial,
apresentam uma multidão, porém, a participação da população não demonstra a sua

199
REQUIÃO, Altamirando. OTAVIO MANGABEIRA. Diário de Notícias, Salvador, 10 de ago. 1934.
p. 1.
200
RESENDE, op. cit., p. 97, 98.

67
inserção no processo eleitoral. Os rituais promoviam uma ordenação entre os que
estavam em cima e os que estavam embaixo, reforçava a visão da política como algo
que deveria ser conduzido pelos chefes. Era a exemplificação de um liberalismo
profundamente senhorial e excludente.201
Segundo Eric Hobsbawm, após 1918, o liberalismo foi se apagando do quadro
político mundial. Portanto, a direita representava uma ameaça tanto aos governos
institucionais e representativos quanto à ideologia liberal. As forças que derrubaram os
regimes liberal-democráticos possuíam três características. Além da forma mais
tradicional de golpes militares que instalaram ditadores e caudilhos latino-americanos,
todas elas tinham em comum a oposição à revolução social, o autoritarismo e o
nacionalismo. Para o autor, havia ainda outro tipo de ideologia produzida pela direita, o
chamado ―estatismo orgânico‖, ou seja, regimes conservadores com princípios de
negação ao individualismo liberal e à ameaça do trabalhismo e do socialismo.202
No Brasil, a contestação ao liberalismo pode ser representada pela de figura de
Oliveira Viana, autor que influenciou outros intelectuais de sua época. O liberalismo foi
exposto como sendo uma doutrina estrangeira que não se adequaria à realidade
brasileira. Assim, o país necessitava criar um sentimento nacional, que, por sua vez, só
seria possível com uma ação contínua do Estado, que precisava ser forte, centralizado,
unitário, capaz de impor-se em todo o país. Para destacar a importância do centralismo,
enfatizou-se que os grandes construtores políticos da nacionalidade tinham como
objetivo supremo de sua política consolidar e organizar a nação, tornando-a forte com a
autoridade nacional. Os liberais, de forma oposta, forneceram suas ideias de
municipalismo, federalismo e de democracia, como a última palavra do progresso
político.203 Além de Viana, os autores nacionais que mais influenciaram a geração dos
anos de 1930 foram Alberto Torres e Azevedo Amaral, pois seus livros analisavam o
Brasil a partir de uma perspectiva antiliberal.204
Durante o Império, período analisado por Viana, a centralização foi
compreendida como um meio eficiente de repressão aos caudilhos. Porém, sob a
influência do liberalismo, em 1832, mudou-se a estrutura e estabeleceu-se um sistema
de descentralização que gerou o enfraquecimento do poder central, resultando uma fase

201
SARMENTO, op. cit., p. 82.
202
HOBSBAWM, op. cit., p.115- 117.
203
VIANNA. Oliveira, op. cit.,p. 22, 290.
204
TRINDADE, op. cit., p. 100

68
―anárquica‖ na vida política nacional.205 Seguindo a mesma linha de pensamento, na
década de 1920, Requião compreendia que o liberalismo era um fator de
desestruturação para a nação. A República liberal deveria ser modificada e para isso
havia a necessidade da existência do poder central, conduzido por um chefe forte capaz
de guiar a nação.
Retornando à eleição baiana de 1934, parecia que as concepções liberais
estavam novamente ganhando folego no cenário político brasileiro. Em junho do
mesmo ano, parlamentares escolhidos pelo voto direto promulgaram uma Constituição e
elegeram para chefe do governo Getúlio Vargas, que deveria entregar o mandato em
1938.206 Na Bahia, ao disputar vagas no legislativo estadual, os autonomistas uniram-se
novamente na luta contra o ―forasteiro‖.207 O interventor pelo PSD conseguiu o apoio
de muitos coronéis que mesmo caçados pela ―Revolução‖ conseguiram voltar à cena
política. Com tais apoios, Juraci estabeleceu acordos que lhe garantiram a fidelidade do
eleitorado.208 A vitória de Juraci Magalhães não poder ser compreendida apenas como
uma vitória particular. O interventor durante sua campanha viajou por diversas cidades
para fazer ligações com os políticos do interior do estado. E seus apoiadores, que
possuíam jornais, utilizaram-se dos textos de Altamirando Requião para fazer oposição
aos defensores locais dos autonomistas.
Como o jornal Folha do Norte, da cidade de Feira de Santana, que acerca das
acusações dos autonomistas de que a Bahia não poderia ser governada por alguém de
outro estado, publicou matérias de Requião para apoiar Juraci nessa empreitada. Ainda,
o jornal Diário da Tarde, da cidade de Ilhéus, desde 1930 publicava matérias
valorizando as ações do governo e consequentemente desqualificando os seus
opositores.209 Cabe lembrar que os textos de Requião já eram conhecidos por esses
jornalistas ilheenses, pois em 1929 o periódico publicou textos elogiando a atuação de
Altamirando Requião na sua empreitada contra o governo de Vital Soares. 210

205
VIANA, Oliveira. op. cit., p.286, 287.
206
PANDOLFI, op. cit., p. 6.
207
SILVA, op. cit.,p. 35- 37.
208
SAMPAIO, op. cit., p.135.
209
BATISTA, Eliana Evangelista.
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364955997_ARQUIVO_TextoAnpuh-2013.pdf.
acesso em: 29 de julho de 2015.
210
Diário de Notícias, 27 abr. 1929. p.1. A pesquisa de Eliana Batista é importante para entender como
foi criada a base aliada de Juraci Magalhães em oposição ao autonomismo. Assim, reitera a participação
de Altamirando Requião nessa jornada.

69
Nos estudos sobre os intelectuais, Jean- François Sirinelli constatou que o meio
desses indivíduos é constituído por um ―pequeno mundo estreito‖, alguns ambientes são
mais propícios para que os laços se atem, como, em redações de revista. A linguagem
comum empregou o termo ―redes‖ para definir tais estruturas.211 Partindo da noção de
estrutura de sociabilidade, percebe-se como as afinidades do proprietário do Diário de
Notícias no interior do estado favoreceram a atuação política de Juraci Magalhães.
Altamirando Requião sempre atuou contrário às práticas liberais e fazia parte de
um grupo de intelectuais que não acreditavam no liberalismo como um caminho para
resolver as questões nacionais. Em sua Nota do Dia, o jornalista baiano apresentou aos
leitores sua análise acerca da política nacional e estadual. Para o jornalista, as luzes da
ditadura estavam se apagando, ainda agonizando e não deveria ser julgada. Porém, uma
coisa era certa, a ditadura deixou vários homens cheios de mágoas. O ―puro idealismo, e
outras sevandijadas pelos interesses vis das posições, cujos privilégios perderam, depois
de uma usufrutuação (sic) contrária às determinantes do regime‖.212
Os intelectuais e políticos que se opuseram ao liberalismo usaram o argumento
de que os liberais se apoiaram nessa doutrina apenas como forma de garantir privilégios
perante o Estado. Destaque-se que o posicionamento político antiliberal de Requião não
é proveniente de sua adesão ao governo de Getúlio Vargas. Como foi tratado no
capítulo anterior, com base em Consciência e Liberdade, evidencia-se que, ao analisar o
regime anterior a 1930, o autor o caracterizou como um regime de ―celerados‖ e de
―perversos‖. E o chefe da ―nação agonizante‖ não fazia o seu papel, que era o de
denunciar os problemas existentes do ―falseamento da democracia‖.213
Já na década de 1930, ele acreditava que os ―inimigos‖ da democracia liberal
tinham de fato muitas razões para se opor a ela, pois os sentimentos que levaram
homens a apoiar a democracia tiveram como resultado ―constituir ideologia meramente
de fachada‖. Outra motivação que o levou a não confiar nos princípios liberais foi o fato
de que ―As mesmas ideias que, de uma feita, separam os indivíduos, (...) depois, sem
nenhuma abdicação ou mudança de parte a parte, os aproximam e os ligam,

211
SIRINELLI, Jean- François. Os intelectuais. In. Por uma história política. Org. René Rémond.
Tradução ROCHA, Dora. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.p. 248.
212
REQUIÃO, Altamirando. Ao apagar das luzes da Ditadura. Diário de Notícias, Salvador, 16 jul. 1934.
p.1. Significado de sevandijadas: comum a todos os parasitas, insetos e vermes imundos.
213
Igualmente, Oliveira Viana viu alguns de seus anseios serem realizados durante o governo de Getúlio
Vargas.

70
estreitamente, para novas empreitadas (...)‖.214 Assim, conforme as explicações do
jornalista existiam diversos motivos ideológicos para suas diferenças com os
autonomistas.
O grupo que se identificava como uma corrente tradicionalmente liberal
configurava uma composição de antigos rivais. Paulo Santos Silva ressaltou que antigas
facções como ―severinismo‖, ―vianismo‖, ―calmonismo‖ e ―seabrismo‖ fundiram-se e
sobreviveram. Nos discursos, empregaram-se os termos liberalismo e democracia para
estabelecer relações com uma ―tradição liberal‖, conforme alegaram, existente desde a
Primeira República. Em 1930, em um manifesto, Palavras à nação, Otávio Mangabeira
mostrou que havia uma forte afinidade entre República e instituições liberais.
Igualmente, Luiz Viana Filho, em obras ensaístas identificou que o nascimento das
instituições liberais no país se devia ao 15 de novembro de 1889.215 Alguns intelectuais
baianos por meios dos textos defenderam o retorno a um passado liberal para a Bahia. Já
Requião não acreditava nessa doutrina que, segundo ele, fazia homens se unirem mesmo
não tendo perspectivas políticas parecidas.
Para Rogerio Dultra dos Santos, uma forma de compreender o antiliberalismo é
pelos fundamentos que postulou a relação política de autoridade. A partir de 1920,
desenvolveu-se a política antiliberal no Brasil. Sua forma de representação poderia ser
estabelecida através da existência de corporações profissionais, por uma elite
esclarecida ou por meio do plebiscito. Por sua vez, o constitucionalismo antiliberal, que
deriva do antiliberalismo, foi contra a oligarquização da Primeira República e teve suas
bases filosóficas no castilhismo do Rio Grande do Sul, que defendia a organização
social do Estado de forma ditatorial. Por sua vez, a ideia de um Estado corporativo de
Francisco José de Oliveira Viana deu suporte para a defesa do Estado Novo.216
As inquietações do jornalista acerca das instituições liberais aumentaram ainda
mais com ―o apagar das luzes da Ditadura”. Naquele momento, ele acreditava que era
necessária uma avaliação, principalmente, pelas coisas boas que a ditadura tinha trazido
à nação brasileira. Como, por exemplo, ―A nossa recente legislação do trabalho (...)
reforma eleitoral, reforma que os homens do passado nunca tiveram coragem de fazer,

214
REQUIÃO, Altamirando. POBRE DEMOCRACIA LIBERAL. Diário de Notícias, salvador, 23 ago.
1934. p.1
215
SILVA, Paulo Santos; SENA JUNIOR, op. cit., p. 111- 113.
216
SANTOS, Rogerio Dultra. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 50, no 2, 2007, pp. 281 -
323.

71
para não garantir as representações das minorias‖.217 É significativo como Requião, ao
tratar tanto do governo federal quanto do estadual sempre se posiciona como nós.218
Durante a Primeira República, Requião escrevia com o intuito de apontar os
problemas do Estado, que deveria atuar contra os males da nação. Seus posicionamentos
eram no sentido de se colocar à disposição para organizar o país. Até 1934, momento
em que a ditadura estava findando, o jornalista conseguiu desempenhar seu papel de
atuar ao lado dos líderes do governo. O então chefe do Estado era apontado como
alguém que ―soube governar com invulgar noção de benignidade e tolerância‖. A partir
dali, pouco importava na carreira do presidente o que iria ocorrer, pois o ciclo que se
fechava indicava que ―Pela primeira vez, alguém, na política desse país, praticou a
ciência de Montesquieu, com o máximo de proveito: uniu o bem com o mal, para dessa
incrível união retirar incólume o princípio da autoridade e o equilíbrio da República‖.219
Para Montesquieu, a Revolução Puritana na Inglaterra do século XVII abriu
caminho para todas as ideias de liberdade pessoal. Em seu êxito, construiu a
superioridade do parlamento sobre o rei, que de forma gradativa, terminou com a
implantação de um Estado representativo como modelo ideal de constituição.
Empregando essas noções de liberdade, Requião qualificou o ex-ditador como um
homem justo: ―Ademais o Sr. Getúlio Vargas soube governar com invulgar noção de
benignidade e tolerância‖. Portanto, mesmo com o fim do regime ditatorial (1930-
1934), era preciso ter respeito.220
A benevolência e justiça de Getúlio Vargas deveriam ser exaltadas, pois a seu
ver este tinha sido diferente dos presidentes anteriores. Em Consciência e Liberdade,
Epitácio Pessoa foi retratado como sendo ―um criminoso e invulgar‖. Em 1934, foi a
vez de Artur Bernardes ser julgado. O antigo presidente foi lembrando pelo seu excesso
de poder, pois nenhum tanto quanto ele tinha abusado, ―grosseiramente do direito de
mandar‖. Durante sua atuação, havia as ―famosas ―geladeiras‖ do marechal Fontoura‖
que ―desterraram brasileiros e patriotas para zonas insalubres‖. Comparando os

217
REQUIÃO, Altamirando. Ao apagar das luzes da Ditadura; REQUIÃO, Altamirando. Sugestões do
Momento Político. Diário de Notícias, Salvador, 18 jul. 1934. p. 1.
218
Antônio Gramsci ao abordar acerca do agrupamento dos intelectuais nos partidos políticos, afirma que
esses indivíduos ao fazer parte do partido político de um determinado grupo social confundem-se com os
intelectuais orgânicos do próprio grupo, resultando na indissolução entre intelectuais e Estado, pois eles
pensam ser o próprio Estado. GRAMSCI, op. cit., p. 24,25.
219
REQUIÃO, Altamirando. Consciência e Liberdade.p.33; REQUIÃO, Altamirando. Ao apagar das
luzes da Ditadura; REQUIÃO, Altamirando. Sugestões do Momento Político. Diário de Notícias,
Salvador, 18 jul. 1934. p. 1.
220
REQUIÃO, Altamirando. Ao apagar das luzes da Ditadura. p.1; REQUIÃO, Altamirando. Pelo Pudor
do Regime. Diário de Notícias, Salvador, 14 jul. 1934. p.1.

72
governos, Requião advertia que os baianos autonomistas criticavam a política de
Vargas, mas, antes de 1930, os estados ―sofreram humilhações (...) tendo a Bahia
padecido a maior de todas elas‖. E prossegue: ―E foi assim que o Artur Bernardes
governou...‖. 221 Evidencia-se a prática de Requião em provar aos autonomistas que eles
não tinham argumentos satisfatórios para se opor ao governo tanto estadual quanto
federal. Utilizando da história, o jornalista apresentava aos adversários políticos que a
Bahia antes de 1930 não tinha um passado glamoroso como os liberais baianos faziam
questão de exaltar.
De acordo com Claudia Viscardi, o governo pós 1930 atuou no sentido de
desqualificar os governos anteriores. Para justificar a implantação de um estado mais
centralizado e autoritário era necessário romper com o passado político do país. Assim,
ajudou a fixar a expressão ―café com leite‖ e dizer que o regime anterior havia sido
monopolizado pela aliança entre São Paulo e Minas Gerais. 222 Igualmente, Requião
mostrava para os liberais que antes do governo Vargas a Bahia não tinha o prestígio
nacional que os autonomistas diziam ter existido.
Depois da defesa da suposta eficácia do regime ditatorial, o jornalista questionou
se seria ―possível, ainda, a prática honesta da liberal-democracia nesta nação
sevandijada?‖ Requião lamentou pelo fim da ditadura e pelas novas regras do jogo
político, que asseguravam o predomínio do Legislativo na intervenção do Estado. Sua
inquietação com as mudanças se dava pela insegurança dos novos rumos, que a seu ver,
não seriam suficientes para ―oxigenar os pulmões da nacionalidade definhada‖.223
O questionamento acerca da democracia liberal no país estava presente em
significativa parcela de intelectuais que, desde 1920 a acusavam de não ser eficiente.
Como assinalou Ângela de Castro Gomes, havia descrença entre os intelectuais e
políticos na Primeira República em relação ao liberalismo. Em geral, todos
concordavam que era necessário superar o atraso existente para alcançar o modelo de
civilização europeu e dos Estados Unidos da América do Norte. Entre 1920 e 1940,
produziram-se ensaios com esse objetivo. Os textos, em sua grande maioria,
valorizavam as realidades nacionais em oposição às ideias estrangeiras como o

221
REQUIÃO, Altamirando. Ao apagar das luzes da Ditadura; REQUIÃO, Altamirando. POBRE
DEMOCRACIA LIBERAL. Diário de Notícias, salvador, 23 ago. 1934. p.1
222
VISCARDI. p. 24, 25.
223
REQUIÃO, Altamirando. Ao apagar das luzes da Ditadura; REQUIÃO, Altamirando. POBRE
DEMOCRACIA LIBERAL. Diário de Notícias, salvador, 23 ago. 1934. p.1. Sevandijada igual a
desprezível.

73
liberalismo.224 Como um dos interpretes do Brasil, Requião em Consciência e
Liberdade abordou os problemas nacionais e apresentou ―provas‖ de que as práticas
liberais não seriam eficazes para salvar a nação. Pelo contrário, na perspectiva do autor
os males existentes no regime, eram oriundos do liberalismo e da falta de um chefe
político forte.
Daniel Pécault afirmou que existiu uma tradição liberal no Brasil, concorrente
ou complementar à tradição autoritária. Mas diversos intelectuais, como Alberto Torres,
Oliveira Viana e Azevedo Amaral, não sentiram atração pela primeira. O nacionalismo
ajudou a difundir a ideia de que o liberalismo era uma doutrina importada. Para
transformar a realidade brasileira, os intelectuais sentiram que era sua a função de
resolver os problemas nacionais. Proclamaram que entre o ofício de intelectual e o de
governar existia uma profunda semelhança. O Manifesto com o qual Plínio Salgado
inaugurou a Ação Integralista Brasileira, em 1932, exemplifica a necessidade da
participação direta dos intelectuais no governo da República.225
Como integrante dessa geração, Altamirando Requião entendia que suas ideias
políticas haviam sido concretizadas com o governo de Getúlio Vargas. Assim, durante o
regime de 1930 a 1934, o jornalista se empenhou em defender o chefe do Estado, a
exemplo da instalação da Constituinte. Na seara baiana atuou no sentido de consolidar o
poder do interventor Juraci Magalhães em confronto com os autonomistas. Para isso
tornou-se figura importante na organização do Partido Social Democrático (PSD).
Diante dos acontecimentos políticos posteriores a 1934, Requião colocou-se a serviço
do governo, agiu no sentido de desqualificar quaisquer que fossem os opositores do
governador. No plano federal, defendeu a atuação e a permanência do presidente.

224
GOMES, Ângela de Castro. AUTORITARISMO E CORPORATIVISMO NO BRASIL: O LEGADO
DE VARGAS. REVISTA USP, São Paulo, n.65, p. 105-119, março/maio 2005.p. 108,110.
225
PÉCAULT , op. cit., p.28,31.

74
CAPÍTULO III

CONSTRUÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DE UM PROJETO


POLÍTICO.

Em favor dos ideais integralistas

Hélgio Trindade, ao estudar o integralismo, aponta diversas mudanças da


sociedade brasileira ao longo da década de 1920. O ano chave para tal compreensão foi
1922, devido à Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista Brasileiro, à
criação do Centro Dom Vital e à primeira etapa do tenentismo. Portanto, as distintas
transformações ocorridas nesse período foram cruciais para entender o berço político-
ideológico que culminou na Revolução de 1930 e no nascimento da Ação Integralista
Brasileira (AIB).226
Depois da Primeira Guerra Mundial, o Brasil passou por duas grandes
transformações no plano econômico, através do aumento da industrialização, e no
social, crescimento das classes médias urbanas. Desse modo, para entender o terreno em
que se desenvolveu o líder integralista Plínio Salgado, o autor mostrou ser crucial a
análise das transformações ocorridas no país nesse período.227 Do mesmo modo, o
primeiro capítulo desta dissertação também se debruçou sobre a década de 1920, em
especial o ano de 1922, para entender o pensamento antiliberal, com viés autoritário de
direita, presente na prática política de Altamirando Requião.
Os jovens situados politicamente, tanto à esquerda quanto à direita, eram
inquietos, céticos e antiliberais. O estado de espírito dessa geração foi abalado pelas
transformações do mundo do pós-guerra. Os intelectuais de direita eram, sobretudo,
antiliberais, e foram impactados pela Revolução Russa. Os desdobramentos de 1917
eram percebidos como uma incapacidade das democracias liberais de se opor à ameaça
socialista, tornando-se o exemplo de fracasso do liberalismo. Na década de 1930, com a
queda da Primeira República, essas ideias influenciaram o governo provisório. Nesse
período, várias obras fascistas europeias foram traduzidas para o português. Publicaram-
226
TRINDADE, op. cit., p. 7.
227
Ibidem.

75
se livros de análise do país em uma perspectiva antiliberal e surgiram diversas revistas e
grupos de orientação fascista, uma delas a Ação Integralista Brasileira.228
A AIB surgiu em 1932, liderada por Plínio Salgado. Sua formação foi resultado
das relações estabelecidas entre os intelectuais reunidos na Sociedade de Estudos
Políticos.229 As ideias que propiciaram a organização do movimento teriam sido
elaboradas com base em um pensamento autoritário já existente no Brasil, embora tenha
recebido influência especialmente do fascismo italiano. Os principais grupos que o
antecederam foram: a Legião Cruzeiro do Sul (1922), a Ação Imperial Patrionovista
(1928), o Partido Fascista Brasileiro (1930), a Ação Social Brasileira Partido Nacional
Fascista (1931). Em 1931, em Minas Gerais, foi fundada a Legião 3 de outubro em
Minas Gerais, com Francisco Campos, Gustavo Capanema, Amaro Lanari e o Partido
Nacional Sindicalista, por Olbiano de Mello. Em 23 de agosto de 1931, no estado do
Ceará, fundou-se a Legião Cearense do Trabalho, por D. Helder Câmara, e os capitães
Severino Sombra e Jeová Motta.230
O governo manteve prudência e vigilância em relação à AIB. Em 1934, com a
criação da Lei de Segurança Nacional (LSN) havia um dispositivo contra os
integralistas. Getúlio Vargas não sabia se o sancionava ou não contra o Sigma, pois
naquele momento entendia que a entidade tinha uma ―forma orgânica de governo e uma
propaganda útil no sentido de disciplinar a opinião‖, mesmo não confiando nos seus
dirigentes.231
Na Bahia, a trajetória do movimento integralista iniciou-se em 1933 sob a chefia
de Messias Tavares, João Alves dos Santos e José Cesimbra. O grupo teve forte
inserção no meio estudantil e atraiu acadêmicos e secundaristas. Apesar da disputa de
espaço ideológico com o socialismo, o comunismo, o liberalismo e outras correntes, a
Ação Integralista conseguiu obter, em 1936, 46.000 integrantes no estado baiano.232 De
acordo com Jacira Primo, a Ação foi bem recebida na capital baiana, mas foi no interior
do estado que a AIB-Ba floresceu e adquiriu força e densidade. Mesmo nas cidades

228
Ibidem. p. 97, 100.
229
FERREIRA, Laís Mônica Reis. Integralismo na Bahia: gênero, educação e assistência social em O
Imparcial: 1933-1937. Salvador: EDUFBA, 2009. p. 21.
230
VIANNA, Marly de A. G. Algumas notas sobre o integralismo. Disponível em:
<http://www.achegas.net/numero/42/marly_42.pdf> Acesso em: 10 de agosto de 2014. 2012. p.1.
231
Anotações, 27/03/1935. Vargas, Getúlio. Diário. Volume 1. São Paulo: Siciliano. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1995. Apud. PRIMO, Jacira. Nas Fileiras do Sigma: os integralistas na Bahia e
a política brasileira na década de 30. 2013. 195f. Tese (Programa de Pós-Graduação em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. p. 22.
232
FERREIRA, Mônica. op. cit., p. 23, 26.

76
mais distantes de Salvador foram fundados núcleos integralistas. As bandeiras que
percorreram as regiões do Sul e do recôncavo promoveram comícios e desfiles em via
pública e conferências e batismos de neófitos. A princípio, os camisas-verdes utilizaram
da simbologia e do espetáculo público para chamar atenção. Posteriormente, a mesma
técnica foi empregada com o objetivo de criar núcleos e inscrever novos partidários para
o Sigma.233
Ao analisar o posicionamento da imprensa baiana acerca do integralismo, Laís
Mônica Ferreira destacou que o jornal de Altamirando Requião apresentou-se de forma
oscilante perante o movimento liderado por Plínio Salgado. Em 1933, por exemplo, o
proprietário do Diário de Notícias exaltou a vitória das propostas do líder nacional
integralista. O jornal oficial da AIB era A província, mas o Imparcial e o Diário de
Notícias cederam suas páginas à difusão das ideias do Sigma.234
No segundo ano do integralismo em solo baiano, um episódio inquietou
Altamirando Requião. No dia 5 de julho de 1934, a Ação Integralista Brasileira-BA
realizou um comício no largo da Sé. No local, havia mais de 300 pessoas trajando as
suas camisas verdes. Ao som de uma banda militar, a passeata caminhou em direção ao
edifício do Diário de Notícias. No outro dia, o fato tornou-se o assunto principal do
periódico, tanto da primeira página quanto no espaço Nota do Dia. O jornalista destacou
a sua euforia em presenciar a demonstração de civismo presente na homenagem
realizada pelos integrantes do Sigma. Durante o evento, realizaram-se três paradas. A
primeira na Praça Conde dos Arcos com a oratória do acadêmico J. Bonifacio Mariane;
a segunda, na Praça Castro Alves, com o pronunciamento do Dr. Euvaldo Caldas e o
acadêmico Nicanor Carvalho; e, por último, seguiram em direção à Piedade. Os últimos
a terem discursado foram Adonias Aguiar e o Dr. Antonio Caldas Coni.235
No momento da homenagem ao Diário de Notícias, o chefe provincial Ponciano
Jaqueira representou o integralismo na Bahia. Na nota do dia seguinte foram destacados
os motivos existentes para tal notoriedade.

233
PRIMO, op. cit., p. 2. Acerca dos trabalhos que apontam o integralismo no interior da Bahia ver
Amélia Saback.
234
FERREIRA, op. cit., p. 31. Em 1940, Requião escreveu em uma coluna do jornal o Imparcial, na
época de propriedade de Wilson Lins. O proprietário do Imparcial era filho do Coronel Franklin
Albuquerque. Conforme Veiga, o coronel tinha grande admiração por Altamirando Requião. VEIGA, op.
cit., p. 46.
235
REQUIÃO, Altamirando. A PARADA DOS INTEGRALISTAS. Diário de Notícias, Salvador, 06
jul.1934. p.1. O INTEGRALISMO BRASILEIRO, uma garbosa manifestação cívica. Diário de Notícias,
Salvador, 06 jul.1934. p.1.

77
(...) a fim de abraçar os postulados da sistematização moral e racional da
Pátria redimida, os integralistas baianos haviam decidido realizar o seu
desfile até a tenda do jornalismo independente, regulador da opinião
equilibrada, até a velha casa em que se forjava e se temperava o aço das
resistências a todas as tiranias, até o pórtico semi secular da imprensa austera,
construtora e incorruptível, até ao DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que felizmente,
não se perdera nos descaminhos do egoísmo político- partidário.236

Na citação acima, o Diário de Notícias foi caracterizado como um órgão isento


de qualquer ―egoísmo político-partidário‖. De acordo com Requião foi dessa maneira
que o orador apresentou o seu periódico. O jornalista ao reescrever as palavras,
proferidas no dia anterior, enfatizou a ideia que o seu jornal possuía as características
contrárias às presentes no liberalismo.
Retomando os textos das epístolas a Vital Soares, percebe-se que nelas, o
jornalista, para legitimar seu discurso, se apresentava como uma figura apartidária e
livre de interesses próprios, sua preocupação era apenas com o bem da Bahia. Na
primeira carta ao governador, o jornalista alertou que sua escrita não estava infectada
com a maldade ―tacanha e demolitória‖, característica do partidarismo.237 Deste modo,
ao se referir a própria escrita, o jornalista enfatizava o seu posicionamento contrário às
práticas liberais.
Ao abordar o evento, ele enfatizou a campanha de civismo nacional realizada
pelo grupo, contra os ―extremistas de Moscou‖, e avaliou as possibilidades de futuro
para os camisas-verdes. Para o jornalista, ainda não era possível afirmar se o
Integralismo iria progredir nas terras baianas e se o programa defendido pela AIB, de
um Estado autoritário, seria talvez a única solução possível para livrar a nação de outros
males. Naquele momento, ele alertou, não estava preparado para fazer tais julgamentos,
porém uma coisa era certa, a ―nação tinha filhos para guerrear em favor da paz e da
ordem‖.238 Apesar de não ser filiando ao integralismo, Altamirando Requião apresentou
afinidades com as ideias do grupo. Seus textos atestam o apoio à noção de Estado
centralizado e autoritário defendida pelos seguidores de Plínio Salgado.
No mesmo ano, Requião tinha sido eleito deputado federal e auxiliava as
articulações do PSD, possuindo assim mais atribuições. Portanto, necessitava de mais
funcionários na redação para buscar informações sobre a política baiana. Quando
ocorreu a homenagem da AIB-BA ao Diário de Notícias, Rubem Nogueira (1913-2010)
236
REQUIÃO, Altamirando. A PARADA DOS INTEGRALISTAS. Diário de Notícias, Salvador, 06
jul.1934. p.1.
237
REQUIÃO, Altamirando. Epístolas ao Sr. Vital. Op, cit., p. 7.
238
REQUIÃO, Altamirando. A PARADA DOS INTEGRALISTAS.

78
era repórter do periódico, permanecendo até final do ano de 1935. Em seu livro de
memórias, ele retratou sua entrada no Diário como repórter policial. O integralista
retratou Requião como um patrão exigente, mas que, aparentemente, sabia reconhecer
um bom funcionário, pois em 1935 o confiou a cobertura dos trabalhados
parlamentares.239 Nogueira era natural de Serrinha e o jornal de sua cidade, O
Serrinhense (1935-1936), propagava as ideias integralistas. Além de textos doutrinários
da liderança nacional, publicava escritos de líderes locais, como Rubem Nogueira.240
Assim, entre os anos de 1934 e 1935, percebem-se as afinidades entre Altamirando
Requião e os integralistas baianos.
Em 1934, Requião colocou-se como incapaz de avaliar o projeto político do
integralismo. No ano de 1935, ele expos suas ideias sobre o tema em uma matéria
nomeada Democracia e Ditadura, onde escreveu: ―(...) as últimas demonstrações de
vitalidade da campanha do Sigma fizeram, todavia, nascer, brotar e expandir-se, no
espírito dos amigos da Democracia, essa espécie de pudor político que procura um
sentido novo de revigoramento (...)‖. Para o jornalista, o integralismo era uma opção
política em favor da democracia.241 Cabe destacar que a postura de Requião
apresentando-se como um dos defensores da democracia não o coloca no mesmo
patamar de um liberal. A noção de democracia empregada no texto pode ser entendida
por dois ângulos. Primeiro, diferenciar o integralismo do comunismo. Em novembro de
1935, cresciam as fileiras da Aliança Nacional Libertadora acusada de ser comunista. O
integralismo era percebido tanto por Requião quanto por alguns setores da sociedade
como uma alternativa contra o avanço comunista. Segundo, o governo federal e estadual
estavam amparados na Constituição de 1934. Nesse sentido, os grupos que estavam
atuando contra os mesmos inimigos do governo, comunismo e liberalismo, eram
igualmente democráticos.
Entretanto, havia quem tentasse associar os preceitos do liberalismo àqueles do
integralismo. O deputado autonomista Rafael Jambeiro, na Assembleia Legislativa da
Bahia, discursou acerca da existência de um ―espírito democrático do integralismo‖ e,
ainda, que a doutrina do Sigma ―representava a verdadeira democracia‖. Requião, em
sua Nota do Dia, respondeu ao pronunciamento do parlamentar, da seguinte maneira:

239
NOGUEIRA, Rubem. O homem e o muro - memórias políticas e outras. São Paulo: Gumercindo
Rocha Dorea FInd (edições GRD), 1997. p. 92.
240
ALVES NETA, Amélia Saback. Os verdes às portas do sertão: doutrina e ação política dos
integralistas na Bahia (1932-1945). 2012. 146f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em História
Regional e Local) – Universidade do Estado da Bahia (campus V), Santo Antônio de Jesus, 2012.
241
REQUIÃO, Altamirando. Democracia e Ditaduras. Diário de Notícias. Salvador, 12 de nov. 1935. p.1.

79
―Francamente, não compreendemos, como, nem por onde, o venerando orador
‗autonomista‘ descobriu esse caráter eminentemente liberal, nos lineamentos estruturais
das teses indubitáveis pregadas pelo Sr. Plínio Salgado e seus adeptos‖.242 O
estranhamento de Requião em relação ao discurso do deputado Rafael Jambeiro deveu-
se ao seu conhecimento tanto da bandeira liberal defendida pelos autonomistas,
desqualificada por ele nas páginas de seu jornal, quanto à essência antiliberal presente
na doutrina do Estado integral.
O antiliberalismo presente no Manifesto Integralista rejeitava uma sociedade
composta pelo pluralismo sindical e partidário, em favor de uma organização integral.243
Segundo Marly Viana, o grupo era destituído de embasamentos teóricos e se mostrava
incoerente, pois a corrente se autodenominou representante de todas as classes sociais,
embora questionasse o individualismo capitalista. Para unir todos os segmentos sociais,
o nacionalismo foi uma das características marcantes do movimento, por sua vez,
interpretado de forma distinta pelos seus dirigentes.244
Com o fracasso do liberalismo econômico no cenário internacional, resultado da
crise de 1929, disseminou-se a descrença no que tange à política liberal. Assim, os
integralistas desprezavam os mecanismos da democracia liberal, como partidos
políticos, eleições e parlamentos.245 Por sua vez, o jornalista baiano, no início dos anos
de 1920 já se posicionava descrente em relação às instituições liberais. Seus principais
argumentos destacavam que os partidos políticos eram apenas utilizados para os
interesses de seus membros e que todos os problemas da sociedade brasileira resultavam
das práticas mal sucedidas dos liberais durante a República.
Compreendendo as noções básicas das duas correntes ideológicas, Requião
estranhou as proposições de Rafael Jambeiro e afirmou que as relações estabelecidas
entre o integralismo e a democracia eram impossíveis, pois as duas ideologias eram
―polos que se repelem, são forças que se repulsam, são ideias que se não conciliam‖.
Ainda, arguiu que a democracia liberal é um regime em que o povo, no gozo de suas
liberdades exerce a sua soberania. O poder público deixava de ser o ―polo irradiador‖ e

242
REQUIÃO, Altamirando. DEMOCRACIA pelo método confuso. Diário de Notícias, Salvador, 23
nov. 1935. p.1.
243
TRINDADE, op. cit., p. 229.
244
VIANNA, Marly de A. G. Algumas notas sobre o integralismo. op. cit. A afirmação de Viana acerca
de uma incoerência ideológica no integralismo é no sentido que alguns membros apresentavam-se contra
os judeus. Ou seja, não havia um conjunto específico dos inimigos do Sigma. Em relação à concepção de
Estado, Trindade aponta que ela é muito vaga no Manifesto. TRINDADE. Op. cit., p. 219.
245
VIANNA, Marly de A. G. Algumas notas sobre o integralismo, op. cit., p. 47.

80
passava a ser ―receptor‖ da vontade da Nação. Por sua vez, o Integralismo era uma das
―variantes das ditaduras‖, uma ―apologia do Estado corporativo‖.246
A estratégia de Requião para desconstruir as concepções empregadas pelo
autonomista pode ser compreendida pelo seguinte ângulo. O jornalista queria mostrar
aos seus leitores que o integrante do grupo liberal baiano não tinha noção real das
concepções defendidas pelos seus pares. Ainda, era necessário defender o integralismo
do discurso de um liberal. Conforme Hélgio Trindade, a palavra de ordem do chefe
maior do integralismo, Plínio Salgado, era ―guerra de morte à liberal democracia‖. O
manifesto de 1932 defendia a ideia de que os princípios liberais e suas instituições
oprimiam o homem, pois sua noção de igualdade era destinada para poucos
indivíduos.247 Cabe lembrar que Altamirando Requião não era integralista. Mas ao
longo da análise do conjunto de sua obra, constatou-se o posicionamento político
antiliberal de direita similar ao presente no discurso integralista. O jornalista acreditava
apenas na ditadura para salvar a nação ―definhada‖, os seguidores de Plínio Salgador
precisavam ser defendidos.
Jacira Primo destacou que, apesar de não haver deputados integralistas na
câmera do estado, a AIB contou com o apoio de alguns membros do autonomismo,
como Rafael Jambeiro e Álvaro Catarino, opositores do Partido Social Democrático.
Jambeiro, em diferentes momentos, pronunciou-se a favor da agremiação, como por
exemplo, quando requisitou que constasse na ata da Assembleia Legislativa de 28 de
novembro de 1935 ―um voto de louvor à Ação Integralista pelo gesto do seu chefe
colocando à disposição do governo cem mil camisas-verdes para combater a revolução
comunista‖.248
Sérgio Miceli salienta que diversos jovens intelectuais, que se tornaram
defensores e militantes nas organizações ―radicais‖ de direita durante a década de 1930,
eram bacharéis livres e letrados que estavam desnorteados, carentes de apoio político e
sem perspectiva de enquadramento profissional e ideológico.249 Diante do exposto,
compreende-se que Altamirando Requião se identificava com a teoria do Estado
integral, embora ele não se filiado ao integralismo. O proprietário do Diário de Notícias
foi peça fundamental nas articulações políticas do governo baiano. Em suas memórias,

246
REQUIÃO, Altamirando. DEMOCRACIA pelo método confuso.
247
TRINDADE, op. cit., p. 228.
248
PRIMO, Jacira. Nas Fileiras do Sigma: os integralistas na Bahia e a política brasileira na década de 30.
2013. 195f. Tese (Programa de Pós-Graduação em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. p. 4
249
MICELI, op. cit., p.61.

81
Juraci Magalhães menciona o fato de ter alertado Getúlio Vargas do aumento do grupo
na Bahia, o governador temia o avanço dos camisas-verdes.250 Desse modo, acredita-se
que esse é o principal motivo dele não ter entrado de fato para o integralismo. Por mais
que o jornalista no campo doutrinário aprovasse as noções de Estado defendidas pelos
integralistas, e a campanha anticomunista e antiliberal do Sigma, a prática política em
favor de Juraci Magalhães eram mais importante para a implantação de um projeto
político mais amplo.

Ação oportuna: a vez do integralismo.

A organização do integralismo era dividida em órgãos que tinha como finalidade


exercer funções em nome do seu chefe maior. Em 1936, a entidade passou por uma
reorganização, inserindo mudanças que proporcionaram uma evolução no movimento.
O departamento de Organização Política desmembrou-se em múltiplas atribuições,
como Secretária Nacional de Corporações e dos Serviços Eleitorais. Desse modo, as
responsabilidades do setor tinham duplo propósito. Primeiro, desenvolver a atividade
sindical do movimento, difundindo o espírito corporativo. Segundo, como meta mais
imediata, preparar a organização das eleições através da inscrição eleitoral de militantes
e simpatizantes. O objetivo era eleger representantes locais e, principalmente, o chefe
Plínio Salgado à Presidência da República em 1937. Essa alteração no movimento é
representativa porque mostra a ambição do grupo em se tornar um partido político.251
Em novembro de 1935, Plínio Salgado veio à Bahia para participar do congresso
provincial. Sua visita a Salvador fazia parte do cronograma de viagens pelo norte do
país com o intuito de tratar das eleições municipais e ainda construir sua candidatura à
presidência do país. Conforme Jacira Primo, no final de 1935 já havia desavença entre
os integralistas e os políticos aliados a Juraci Magalhães. Defender o integralismo na
Bahia significava fazer oposição ao governador.252 Em dezembro de 1935, a chefia
provincial da Bahia recebeu do Secretário Nacional de Organização Política, Everaldo

250
ABREU; FARAH; VASCONCELOS, op. cit., p. 97.
251
Trindade explica como era a hierarquização dentro do grupo, o Departamento de organizações
políticas ficava na parte inferior da estrutura do movimento. TRINDADE, op. cit., p. 174,176.
252
PRIMO, Jacira, op. cit., p. 5,10.

82
Leite, e de Plínio Salgado, as diretrizes a serem realizadas durante o ―estado de sítio‖.
Os integralistas não poderiam realizar comícios, reuniões públicas e sessões solenes,
apenas tinha permissão para reunir-se internamente.253
Em 1936, a conjuntura de exceção, resultado da Lei de Segurança Nacional, foi
aproveitada pelo governador que já tinha problemas com a AIB-BA. O delegado
Antônio Pereira de Matos descreveu em relatório, para o Tribunal de Segurança
Nacional, informações sobre um atentando planejado pelos seguidores de Plínio
Salgado.254 Juraci Magalhães intensificou sua repressão ao integralismo. Uma das
razões para tal atitude foi o fato dele temer o crescimento eleitoral dos camisas-verdes, a
ponto de tornar significativa a disputa com os grandes partidos. Em setembro do mesmo
ano, o governador ordenou o fechamento dos núcleos no estado. Na madrugada do dia
3, a sede provincial foi invadida pela polícia, que apreendeu documentos e material de
propaganda. Alegou que era necessário proibir o funcionamento do grupo porque os
líderes do movimento, aliados aos militares do 19º BC, haviam preparado um plano
subversivo que incluía a morte de diversas autoridades, inclusive a do chefe do estado.
Desse modo, a AIB permaneceu proibida na Bahia e legal no resto do país. Em julho de
1937 com autorização da justiça, foi reaberta a sede baiana do Sigma.255
Confrontando as memórias dos envolvidos, percebe-se que Juraci Magalhães
reafirma a ideia de que o integralismo se expandiu na Bahia porque seus opositores
reuniram-se em torno do movimento no intuito de confrontá-lo. Por sua vez, Rubem
Nogueira, que nesse período não atuava mais no Diário de Notícias, afirmou que o
resultado das eleições no início de 1936 fez com que os chefes de cidades do interior
baiano tenham levado o governador a atuar contra os integralistas.256
O jornal A Tarde, vinculado à Concentração Autonomista, como forma de atacar
a imagem de Juraci Magalhães, denunciou suas ações contra os integralistas.257 Por sua
vez, Juraci afirmou que os autonomistas aliaram-se aos integralistas para juntos fazerem
oposição ao seu governo.258 Se o grupo autonomista manteve acordos com a AIB para
derrubar o governo do PSD a historiografia baiana ainda não se debruçou o suficiente

253
ALVES NETA, op. cit., p. 61.
254
PRIMO, Jacira. Tempos Vermelhos: a Aliança Nacionalista Libertadora e a Política Brasileira (1934-
1937). 2006. 132 f. Dissertação – Mestrado em História Social (UFBA), Salvador, 2006.
255
Em 1945, a AIB retornou aos quadros políticos através do Partido de representação Popular (PRP). Na
Bahia, apoiou a candidatura de Octavio Mangabeira. FERREIRA, op. cit., p. 33-36.
256
ABREU; FARAH; VASCONCELOS, op. cit., p. 97; NOGUEIRA, op. cit., p. 121.
257
FERREIRA, Laís, op. cit.,. p. 46.
258
Carta de Juraci Magalhães para Getúlio Vargas, em 01/06/1933. CPDOC. GV 1933.06.01/2. Apud
PRIMO, Jacira. p. 27.

83
sobre o tema, mas, de fato, alguns autonomistas, como Rafael Jambeiro, foram
destacados por manterem certa aproximação e simpatia pelos camisas-verdes.259
A propagação na capital do país das notícias sobre o fechamento do núcleo
integralista foi da seguinte maneira: O jornal A Noite, do baiano Geraldo Rocha,
protestou contra a suposta perseguição aos camisas-verdes em sua terra natal. Embora
não fosse filiado, o jornalista mostrava admiração pelo integralismo, pois acreditava que
eles eram ―brasileiros patriotas‖. Por sua vez, a atuação de Juraci Magalhães foi
interpretada como uma ação em benefício aos comunistas. Outro jornal carioca, A
Nação, fez uma série de reportagens sobre a boa administração do govenador e suas
habilidades para resolver os problemas internos.260 As matérias do Diário de Notícias
noticiaram o fato, mas em nenhum momento fez qualquer comentário condenando a
atitude do governador. Como destacado anteriormente, Requião era simpático às
campanhas anticomunistas e antiliberais do integralismo. Mas diante da situação não
poderia agir contra o governador, como fez A Tarde e A Noite, já que seu objetivo maior
era defender o governo baiano.
A partir do dia 25 de setembro, Altamirando Requião se empenhou em fazer
uma ―série necessária de esclarecimento da opinião pública‖ para explanar os motivos
que levaram o governador a romper com a AIB. Juraci Magalhães havia enviado uma
carta a Plínio Salgado, em referência as acusações que vinha sofrendo com os
integralistas baianos. Ao iniciar a análise da situação, o jornalista afirmou a necessidade
de deixar clara a falta de obrigação do chefe do estado em se pronunciar perante os seus
atos, pois todos sabiam que sua atuação sempre esteve a favor da ordem, ―dentro das
leis vigentes da República‖.261
Os textos do Diário de Notícias, editados entre setembro e outubro de 1936,
foram organizados e transformados no livro Análise Oportuna. A obra reiterava a ideia
de que nunca houve o sentimento de ódio do regime para com os integralistas. O
jornalista, como de costume, se posicionou como ―nós‖, ou seja, ele como integrante do
governo baiano, para defender a necessidade do fechamento do núcleo integralista na
Bahia. O autor lembrou que eles sempre reconheceram a luta do Sigma contra ―o
259
―Alguns historiadores ressaltam a participação de Otávio Mangabeira, Armando de Salles Oliveira,
Júlio de Mesquita e Flores da Cunha na conspiração dos integralistas. Mas, esse fato não significou na
Bahia aliança entre esses grupos. Tanto o regime quanto o integralismo continuaram sendo alvos dos
liberais‖. ALVES NETA, op. cit., p. 31.
260
Conforme Primo, o governador pagou dois contos e quinhentos ao jornal A Nação para ter propaganda
sobre seu governo e amenizar as acusações que ele vinha recebendo com o fechamento da AIB. PRIMO,
Jacira. op. cit., p. 41-43.
261
REQUIÃO, Altamirando. Análise Oportuna. Op. cit., p.9.

84
vandalismo bolchevista‖. Entretanto, diante dos fatos, tudo indicava que as ações do
grupo teriam sido desvirtuadas. O governador havia localizado documentos claros,
―como cristais‖, da ―conspiração, irrecusavelmente preparada e articulada, com o
intuito, evidentíssimo, de agredir o regime, de subverter a ordem e de apossar-se do
poder, pela violência de um golpe armado‖.262
Para o escritor não adiantaria perguntar aos integralistas baianos acerca da
veracidade do plano, pois eles iriam negar e ainda dizer que desejavam pacificamente,
―conquistar as consciências, para, depois, pelo sufrágio, conquistar o direito de regência
do Estado‖. Justamente, por acreditar nesse projeto inicial, de que através das ideias era
possível banir o comunismo e o liberalismo, ele afirmou ter apoiado o Sigma:

(...) regido por pronunciamento e definido espírito democrático, foi que


chegamos a franquear nossas colunas à cooperação dos estudiosos
hermeneutas integralistas, criando a primeira secção, dedicadas ao assunto do
Estado Integral e cooperativo que se institui na imprensa da Bahia.263

Altamirando Requião foi o primeiro a dar espaço na imprensa baiana para tais
ideias. Como salientado anteriormente, em 1935, ele sabia dos reais propósitos do
Integralismo. Quando um dos integrantes do autonomismo baiano, Rafael Jambeiro,
quis rotular o Sigma de ―democrático‖, ele garantiu que não havia nenhuma relação de
reciprocidade entre as ideias liberais e as integralistas. Os camisas-verdes faziam
―apologia do Estado corporativo‖ e era uma das ―variantes das ditaduras‖.264 Mesmo em
1936, anterior ao fechamento da AIB, o jornalista dizia que o movimento de Plínio
Salgado fazia uma campanha cívica de caráter brasileiro.
Os estudiosos sobre a Ação Integralista atestam que o movimento nasceu com
base nas correntes de direita, presente no país na década de 1920, mas não descartam a
influência do pensamento nazifascista no grupo, em especial o da Itália. Altamirando
Requião mantinha uma postura crítica às instituições liberais e exaltava a atuação
antiliberal do governo alemão. Partindo desses pressupostos, afirma-se que o jornalista
via no trabalho desempenhado pelos integralistas uma possibilidade metodológica para
a educação cívica dos jovens brasileiros, tornando-a equivalente ao dos países fascistas.

262
REQUIÃO, Altamirando. Análise Oportuna, op. cit., p. 5,6. No Diário de Notícias a conclusão da
Análise Oportuna foi dia 02 de outubro de 1936, no livro diz dia 03.
263
REQUIÃO, Altamirando. Análise Oportuna, op. cit., p. 5,6.
264
REQUIÃO, Altamirando. DEMOCRACIA pelo método confuso. Diário de Notícias, Salvador, 23
nov. 1935. p.1.

85
Segundo Requião, justamente por reconhecer a eficiência da ação realizada pela
entidade, na campanha contra o bolchevismo, que ele não poderia ―achar defesa para o
integralismo, quando os seus processos de ação se desvirtuam (...)‖. De acordo com a
análise, apenas a ação ―ordeira‖ dos integralistas os diferenciavam dos comunistas, pois
ambos buscavam ―a liquidação, por falência, do Estado democrático atual‖. Desse
modo, o autor se defende, pois antes ele apoiava as ideias do integralismo, mas não teria
sido ele que mudou e sim o grupo. A mudança na atuação da AIB-BA teria sido a razão
que levou o ―governador da democracia‖, atuante e ―adversário, por fundadas
convicções, de quaisquer ideologias extremistas‖, a fechar os núcleos.265 Depois da
apreensão dos documentos atestando o plano contra o governo ―democrático‖, os
integralistas já não apresentavam nenhuma diferença com os comunistas.
As acusações não partiram apenas de Requião contra os camisas-verdes.
Conforme Jacira Primo, os integralistas exploraram o ‗calcanhar de Aquiles‘ do
governador, pois se aproveitaram dos seus laços afetivos para acusá-lo de ser conivente
com o comunismo no estado. O governador era irmão de Eliéser Magalhães, que
mantinha amizade com Anísio Teixeira (1900-1971) e Agildo Barata, ambos envolvidos
com a Aliança Nacional Libertadora. Os integralistas disseram que Juraci Magalhães
teria evitado a prisão do irmão, temendo que eles, um dia no governo, entregassem os
‗bolchevistas de cartola‘, incluindo seu familiar.266
O partido Comunista na Bahia não participou do Levante em 1935. Desse modo,
Salvador era um local que possuía melhores condições para abrigar o órgão dirigente do
PCB. Em 1936, Eliéser Magalhães era membro da ANL no Rio de Janeiro e estava
foragido da polícia sob a proteção da influência de seu irmão na Bahia.267 Jacira Primo
afirma que parte da historiografia sobre a Bahia Republicana reafirma o fato do
governador ter sido benevolente com a esquerda. No entanto, ela identificou uma lista
de comunistas presos no estado entre os anos de 1935 e 1936. O fato da repressão aos
integralistas ter sido mais intensa não evitou a perseguição direcionada aos
comunistas.268
Alimentando ainda mais a intriga contra o chefe do estado, Seabra exibiu
correspondências particulares entre os irmãos Magalhães. O governador e os deputados
do PSD foram acusados de terem acoitado Eliéser Magalhães. Alegou-se que o pedido

265
REQUIÃO, Altamirando. Análise Oportuna, op. cit., p. 6, 7,9.
266
PRIMO, Jacira. op. cit., p. 42.
267
ZACARIAS. p. 51.
268
PRIMO, Jacira, op. cit., p. 53.

86
da prisão do irmão do governador havia sido realizado antes mesmo de sua viagem à
Bahia. Diante da situação, Seabra afirmou que o judiciário não tratava de forma
igualitária os acusados de comunismo. Os demais denunciados, João Mangabeira, irmão
de Otávio, Abguar Bastos, Abel Chermont, e Domingo Velasco, pertencentes à minoria
parlamentar, encontravam-se presos.269
A tática de chamar o inimigo político de comunista foi empregada por todos os
lados. Otávio Mangabeira afirmou que o governo a fim de calar os opositores chamava
de comunista quem se insurgisse contra ele.270 Os integralistas acusam o governador de
ser conivente com os comunistas. Para Bethânia Mariani, a produção dos sentidos sobre
os ―comunistas‖ girou em torno do inimigo social, o outro, o indesejável. Se o lugar do
inimigo já estava previamente assinalado no imaginário social, significar o comunismo
e os comunistas deste modo possibilitava torná-los visíveis, singularizá-los e, assim,
deixá-los isolados e sob controle, como todo opositor deve ficar. ―A denominação
‗comunista‘, então, passa a corresponder a sujeitos cuja identidade e modo de agir já se
encontrariam previamente significados em termos sócios- históricos‖.271 Nesse sentido,
Altamirando Requião ao denunciar que os integralistas agiam do mesmo modo que os
comunistas, invalidava o discurso deles contra o governador.
Sobre as incriminações do governador, Requião pediu aos leitores que tivessem
bom senso sobre o caso de Eliéser Magalhães, pois, naquele momento, os laços de
sangue eram mais importantes do que as crenças ideológicas. Esse era um assunto muito
doloroso para um ―homem de família‖, que era o chefe do governo baiano. Por não
saber considerar tais sentimentos, os integralistas com seu ―ódio mercenário‖
acreditaram ser possível tirar proveito ―dessa ocorrência desgraçada‖. Com intuito de
roubar o governo das mãos de Juraci e dar o poder ao ―primeiro chefe integralista que
aparecesse conspirando‖.272 Com tais propósitos, os integralistas haviam utilizado de
inverdades contra o governador, apenas com o objetivo de criar uma atmosfera de
desconfiança entre o chefe do estado e a nação.

269
PRIMO, Jacira. Nas Fileiras do Sigma: os integralistas na Bahia e a política brasileira na década de 30.
op. cit., p. 49-50
270
Ibidem.
271
MARIANI, Bethânia. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais 1922-1989. Rio
de Janeiro: UNICAMP, 1998. p. 107,108.
272
Requião esclarece que Eliéser Magalhães chegou à Bahia com permissão pelas autoridades do Rio de
Janeiro. E desapareceu antes das autoridades baianas poderem tomar uma atitude. REQUIÃO,
Altamirando. Análise Oportuna, op., cit., p. 20-24.

87
Se os integralistas (...) com absoluta nitidez, intentam incompatibilizar o
governador da Bahia com o povo brasileiro, com Nação, em si mesma,
sabidamente contrária, por temperamento, por educação e por principio, à
infâmia comunista (grifo meu) (...) não haverá solução que possa malferi-
lo.273

Para Requião, a acusação de que o governador apoiava os comunistas era leviana, pois
Juraci Magalhães sempre havia atuado de maneira contrária, em prol da democracia. A
prova da sua inocência era o fato de que todas as ―associações de cunho patrimonial‖
estavam ao seu lado. As acusações falsas se davam porque os integralistas atribuíam
―cores suspeitas de adeptos do credo de Moscou‖ a qualquer um que não seguissem os
seus preceitos.274
Para o escritor, as denúncias contra Juraci Magalhães se davam em razão de sua
coerência. Por não ter a intenção de criar um clima de terror no estado, ele não saiu
apontando ―a torto e a direito‖ qualquer indivíduo, lançando a ―pecha‖ de ser
comunista. Os camisas-verdes ficaram insatisfeitos porque eles queriam que o governo
baiano mandasse prender todas as pessoas que eles delatassem. Contrariando essa
lógica, o governo ―da ação repressiva‖ passou à ―ação educativa e ideológica‖. Em
decorrência da orientação do governador, não havia sucedido nenhuma tentativa na
Bahia ―do lado dos gatos pingados do marxismo‖ para perturbar a ordem.275
No processo contra os integralistas, anterior à escrita da Análise Oportuna, uma
das correspondências obteve maior divulgação nos jornais. A carta de Joaquim Araújo
Lima para o chefe nacional de finanças, Belmiro Valverde, compunha a primeira parte
do processo de alegação sobre o possível levante.276 Entretanto, Requião expôs outra
carta, a de Araújo Lima a Everaldo Leite, acusando Juraci Magalhães de não ter tomado
atitude repressiva contra o comunismo.277
Para mostrar aos leitores as inverdades das quais os integralistas acusavam o
chefe do executivo baiano, Requião expôs o ―depoimento satânico‖ de Lima, e o

273
REQUIÃO. Análise Oportuna, op. cit., p. 13, 14.
274
Ibidem. p. 18-20, 38.
275
Ibidem. p. 18-20, 38. Entre setembro e outubro de 1936, no período da escrita de esclarecimento
acerca do fechamento da AIB, no sul da Bahia ocorriam conflitos de terra envolvendo integralistas e
comunistas no Posto Paraguaçu. Mas, foi apenas no final de outubro, depois da escrita de Análise
Oportuna, que o jornal Estado da Bahia, encaminhou o repórter Edson Carneiro para relatar os eventos.
LINS, Marcelo. Os vermelhos nas terras do cacau: a presença comunista no sul da Bahia (1935-1936)
2007. 255f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em História Social) -Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
276
PRIMO, Jacira. Nas Fileiras do Sigma: os integralistas na Bahia e a política brasileira na década de 30.
op. cit., p. 61.
277
REQUIÃO, Altamirando. Análise Oportuna, op. cit., p. 15.

88
escarneceu utilizando-se do principal lema do grupo. Mostrou-se que a epístola continha
mentiras contra Deus, a pátria e a família. ―A Deus quando viola um dos seus
magníficos mandamentos. A pátria, quando atraiçoa um dos seus devotados servidores
(...). A família quando desacata e desvirtua (...) o amor fraterno‖.278 Como tática para
enfraquecimento das acusações feitas contra Juraci Magalhães, Requião enfatizou que
os seguidores de Plínio Salgado estavam contrariando os seus objetivos basilares. A
ideia difundida era que o integralismo agia igual ao extremismo de esquerda. Portanto,
Juraci Magalhães que possuía um governo favorável à democracia, tinha que lutar
contra ambos.279
Como o título enfatiza, Análise Oportuna foi uma necessidade de avaliar a
situação do fechamento da AIB-BA. Além de analisar o seu conteúdo, a própria obra
deve ser percebida como uma ação política, pois o propósito de Requião era defender as
ações do governador em combate ao integralismo na Bahia. Nesse sentido, é
interessante observar como a forma de apresentar o integralismo aos baianos foi
diferente ao passar dos anos. Em 1933, o seu jornal cedeu espaço para apresentar o
integralismo nas terras baianas. Em 1934, o Diário de Notícias recebeu homenagem dos
integralistas. Em 1935, o jornalista colocou o integralismo como uma opção política,
justamente por reconhecer seu caráter ditatorial.
O governo brasileiro mantinha relações de prudência e vigilância em relação à
AIB. Em 1934, com a Lei de Segurança Nacional (LSN) havia um dispositivo contra os
integralistas. Getúlio Vargas não apresentou de forma clara quais eram seus projetos
para a AIB. Porém, naquele momento, compreendia-se a importância dos integralistas
na atuação contra o avanço do comunismo.280 Seguindo essa linha de raciocínio, mas
combinando com suas próprias convicções, Requião defendeu a ideia de que seria
necessário a ―substituição da democracia por uma forma de governo que venha
disciplinar rigorosamente os homens no sentido de evitar a anarquia‖, indisciplina essa
ameaçada pelo regime liberal. Assim, em 1935, o integralismo foi colocado como uma
possibilidade, caso necessário na luta contra a anarquia, uma vez que o liberalismo com
suas ideias de democracia, que só poderiam existir ―na plasmagem do mundo político‖,

278
REQUIÃO, Altamirando. Análise Oportuna, op. cit., p. 24.
279
De acordo com Paulo Santos Silva, após a promulgação da Constituição de 1934, determinados grupos
teimaram em caracterizar o governo de democrático. SILVA, Paulo Santos. op. cit., p. 39.
280
Anotações, 27/03/1935. Vargas, Getúlio. Diário. Volume 1. São Paulo: Siciliano. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1995. Apud. PRIMO, Jacira. Nas Fileiras do Sigma: os integralistas na Bahia e
a política brasileira na década de 30. 2013. 195f. Tese (Programa de Pós-Graduação em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. p.29.

89
não teria força suficiente para evitar o anarquismo.281 Em 1936, quando o governador
rompeu com AIB, Requião procedeu da mesma maneira.
Em 1938, logo após o Estado Novo, os integralistas baianos dispuseram de
prestígio no desfile no Dia da Bandeira, por convite do interventor federal Antônio
Dantas Fernandes, porém poucos dias depois a AIB foi extinta em todo território
nacional, como todos os partidos políticos.282 Mesmo assim, o aniversário de Plínio
Salgado, 22 de janeiro de 1938, foi celebrado pelo jornalista baiano. Lembrou-o que não
aderiu ao integralismo, mas admirou as ―diretrizes disciplinares e educativas‖, a
doutrina sem ―os vícios do passado‖, leia-se negação ao liberalismo e, essencialmente, a
valorização do nacionalismo. O ponto principal de reverência ao ―Homem de fé‖,
segundo o jornalista, seria porque ele ―organizou e erigiu sua campanha de salvação do
Brasil das garras do comunismo‖. Indivíduo que foi essencial para livrar a nação dos
―flagelos do comunismo‖.283
Antes da implantação do Estado Novo, o governo de Vargas tinha simpatias pelo
Sigma, como uma forma de luta contra o comunismo. Essa situação possibilitou a
Associação de Plínio Salgado se organizar com os partidos nazifascistas, como o
Partido Fascista Brasileiro, a Ação Social Brasileiro, a Legião Cearense do Trabalho, a
Legião de Outubro, o Partido Nacional Sindicalista, o Partido Nacional de São Paulo e o
Partido Nacional Regenerador, pequenas agremiações que se agruparam à AIB. Por
outro lado, o sentimento antifascista, presente em diversos setores da sociedade, ganhou
ênfase e tornou-se possível unir forças em um programa comum que estabeleceu a
Aliança Nacional Libertadora.284

281
REQUIÃO, Altamirando. Democracia pelo método confuso, op. cit.
282
FERREIRA, Mônica. op. cit., p. 35.
283
REQUIÃO, Altamirando. Homem de fé. Diário de Notícias, Salvador, 22, jan. 1938. p.1.
284
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. Op. cit. p. 136, 139,
162- 163, 166. Conforme a autora, o PCB recusou-se a se unir com as demais esquerdas. Quando forças
antifascistas invadiram em São Paulo um comício dos integralistas, o núcleo central do PCB encontrava-
se em Moscou. p. 140.

90
“ideia contrapondo ideia”

A formação da ANL começou no segundo semestre de 1934, em oposição ao


crescimento do integralismo, que radicalizou as camadas médias urbanas. Movimentos
grevistas da classe operária, partidos de esquerdas e os tenentes inconformados com os
resultados do movimento de 1930, uniram-se em uma causa comum na luta contra o
integralismo. No comício de lançamento da Aliança o estudante Carlos Lacerda propôs
o nome do capitão Luís Carlos Prestes (1898-1990) para presidente de honra da
entidade, sugestão aprovada. O grupo cresceu simultaneamente à campanha de
assimilação com o PCB.285 Prestes era um dos tenentes inconformados com a situação
política do país. Em 1930, ele havia rompido com antigos companheiros. A sua
conversão ao comunismo foi um marco divisório e fundamental, tanto para os rumos do
movimento da juventude militar rebelde quanto para o futuro do movimento comunista
brasileiro.286
Na Bahia, a ANL organizou-se em abril de 1935, em um escritório na Rua Chile
com ―expediente diário das 17 às 18 horas‖, local onde a população poderia enviar listas
de apoio ao movimento. O diretório foi composto pelos advogados Edgard Matta
(presidente), Cantídio Teixeira (vice-presidente), o engenheiro Valle do Cabral
(secretário geral), o doutorando Fernando Marques dos Reis (subsecretário) e Lourival
Nascimento (tesoureiro). Conforme Jacira Primo, a organização refletiu uma
característica comum aos demais núcleos do país: ―células com hierarquia de partidos e
homens de classe média ocupando os postos de direção‖. No entanto, os líderes também
foram para outras localidades, como a Liberdade, bairro popular de Salvador, com a
intenção de obter aproximação com os trabalhadores.287
Em 1935, a Aliança funcionou legalmente durante menos de quatro meses e
conseguiu convocar milhões de brasileiros. As mobilizações dos operários e da Aliança
Nacional Libertadora, em diversos estados, contrapondo-se aos grupos integralistas
proporcionaram ao governo supostos motivos para a aprovação da Lei de Segurança

285
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. Op. cit., p. 136, 139,
162- 163, 166. Conforme a autora, o PCB recusou-se a se unir com as demais esquerdas. Quando forças
antifascistas invadiram em São Paulo um comício dos integralistas, o núcleo central do PCB encontrava-
se em Moscou. p. 140
286
DEL ROIO, Marcos. Os comunistas, a luta social e o marxismo. In RIDENTI, Marcelo. REIS, Daniel
Aarão (orgs.). História do Marxismo no Brasil: Partidos e organizações dos anos 1920 aos 1960.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007. p. 45.
287
PRIMO, Jacira. Tempos Vermelhos: a Aliança Nacionalista Libertadora e a Política Brasileira (1934-
1937).p. 40-42.

91
Nacional, permitindo a Vargas colocar a ANL em julho de 1935 na ilegalidade. Com o
seu fechamento, o PCB passou a dirigir os militantes e a estrutura que restou do grupo.
Por outro lado, o fim da Aliança não motivou grande reação popular. De sua parte,
Getúlio Vargas aproximou-se dos militares simpatizantes do integralismo.288 Nos meses
de abril, maio e junho de 1935 ou se era aliancista ou se era integralista, mesmo não
aderindo a um dos movimentos, as simpatias nacionais estavam divididas e
radicalizadas.289
No plano internacional, o mundo capitalista estava em recuperação com os
abalos da Grande Depressão. Com o abismo econômico, três opções competiram pela
hegemonia intelectual-política. A primeira seria a adesão ao comunismo, uma vez que, a
URSS apresentou-se imune ao desastre econômico. De 1929 a 1940, a União Soviética
teve sua produção industrial triplicada com aumento de 5% em produtos manufaturados
e tudo isso sem ter desemprego, como ocorreu nos EUA e na Europa. A segunda, um
capitalismo privado de livre mercado ou com uma ligação com a social- democracia de
movimentos trabalhistas que não fossem comunistas. E por último, a alternativa de
seguir o fascismo, movimento que se transformou em um perigo mundial. A versão
alemã do fascismo beneficiou-se de uma tradição intelectual que se apresentou hostil às
teorias neoclássicas do liberalismo econômico.290
Em 1935, em meio aos acontecimentos políticos no país, Altamirando Requião
não deixou de demonstrar por meio da escrita seu posicionamento a favor das ações
realizadas pelo governo. Havia quem acusasse Getúlio Vargas por não barrar o avanço
dos comunistas. Em resposta aos rumores, o jornalista escreveu: ―Não temos nenhuma
ligação com a política do grande bravo brasileiro, que é Luís Carlos Prestes (...)‖. Se a
ANL ―era ou não filiada à III Internacional e ao partido Comunista, não nos interessa
apurá-lo‖. O que importava era distinguir a legislação trabalhista do governo de
qualquer relação com as demandas do ―capital russo‖, Luís Carlos Prestes.291 Enquanto

288
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São Paulo: Expressão
Popular, 2007.
289
Ibidem. p. 162
290
HOBASBAWM, op. cit., p.100-112.
291
Acusações realizadas por Assis Chateaubriand em O Jornal. REQUIÃO, Altamirando. A FEIÇÃO
QUE CUMPRE IMPRIMIR À DEMOCRACIA. Diário de Notícias, 21 nov. 1935.p. 1. Anterior a
formação da ANL Requião defendeu como ―A nossa recente legislação do trabalho‖ foi uma garantia das
representações das minorias. REQUIÃO, Altamirando. Ao apagar das luzes da Ditadura. Diário de
Notícias, Salvador, 16 jul. 1934. Ainda sobre Assis Chateaubriand, em outras matérias de Requião ele é
demonizado, ―até o dia 9 de novembro, do ano passado [1937], o diretor dos ‗Diários Associados‘ era o
mais ferrenho e desabusado adversário do Sr. Getúlio Vargas (...)‖. REQUIÃO, Altamirando. Advogado
do Diabo. Diário de Notícias, 15 fev. 1938. p. 1. REQUIÃO, Altamirando. Esse demônio. Diário de

92
Requião lastimava e negava as relações estabelecidas entre a ANL e o governo. Os
aliancistas, Prestes e o PCB, expressavam o antagonismo à política varguista. Desse
período até o levante de novembro, os integrantes da ilegal Aliança Nacional
Libertadora concentraram-se na criação da Frente Popular pelas Liberdades e na Luta
contra o Integralismo.292
Em Natal, no dia 23 de novembro, ocorreu o primeiro dos levantes de 1935. No
dia seguinte, o secretariado do Nordeste do PCB iniciou o Levante em Recife,
ampliando o que se acreditava significar o início da revolução nacional libertadora.
Com a alegação de apoiar as revoltas que ocorriam no Nordeste, em 27 de novembro,
Prestes teve a iniciativa de levantar as unidades militares e desencadear a insurreição no
Rio de Janeiro. Na noite de 25 do mesmo mês aprovou-se o pedido de Estado de sítio
em todo o país. Assim, todas as unidades militares entraram em prontidão e prenderam
os revoltosos.293
Em 26 de dezembro de 1935, o jornalista Altamirando Requião escreveu uma
nota intitulada Como, não raro, se escreve a História! A matéria era direcionada ao
povo baiano, como uma forma de protesto, contra uma carta vinda de Nova York, da
agência norte-americana All America Press Service. Segundo a agência, o que havia
ocorrido, em novembro de 1935, foi uma quartelada, uma luta das forças armadas de
alguns estados contra o governo central. Escrevendo em nome do periódico baiano, o
articulista irritou-se com o ponto de vista norte-americano. Conforme seu argumentou,
de nada valiam os documentos, o posicionamento do poder público brasileiro e, ainda,
os depoimentos dos envolvidos no levante comunista para escrever a História. Para
Requião, o que ocorreu, de fato, foi uma Intentona Comunista: ―Toda gente, que vive
no Brasil, sabe, evidentemente, em demasia, seja nacional, seja estrangeiro, o que foi a
última tentativa revolucionaria ocorrida no País, com diretrizes marcadamente
extremistas [...]‖.294

Notícias 29 set. 1937. p.3. Conforme o Diário de Notícias, a candidatura de Requião nasceu de uma
demanda de vários municípios. Possivelmente, com a intenção de transmitir a imagem da união de vários
municípios baianos, a nota dizia que sua inscrição foi feita por terceiros. REQUIÃO, Altamirando. A
gênese da candidatura do prof. Altamirando Requião. Diário de Notícias, Salvador, 08 set. 1934. p.1;
292
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. p.152, 166, 167.
Lembrando que o secretário geral do PCB em 1935 era Antônio Maciel Bonfim, conhecido como
Miranda.
293
Ibidem. p. 250- 315.
294
REQUIÃO, Altamirando. Como, não raro, se escreve a historia! Diário de Notícias, Salvador, 26
dez.1935, p. 1.

93
Requião perguntou aos leitores se, daquela data em diante, as correspondências
estrangeiras iriam adulterar os fatos ocorridos em território brasileiro ao seu bel prazer?
Um dos problemas apontados era que as agências internacionais exerciam legalmente o
jornalismo no país. Assim, iriam ser apresentados os fatos nacionais ao mundo? O
proprietário do Diário de Notícias conclamou a sociedade brasileira a uma tomada de
posição sincera frente ao ocorrido, pois todos sabiam que os acontecimentos registrados
em Natal, em Recife e no Rio de Janeiro configuraram-se em uma tentativa
revolucionária, com diretrizes marcadamente extremistas. Os correspondentes
―desconceituam a administração do Presidente Getúlio Vargas, a estas horas em luta
aberta com a ameaça comunista‖.295 Altamirando Requião lamentou que ―Para esse
homem, como para seus colegas de empresa, o que ocorreu não foi uma Intentona
Comunista‖.296 Ele preocupava-se como estava sendo veiculadas as notícias sobre o
evento, pois temia que os opositores do governo se aproveitassem da situação
conturbada.
E assim ocorreu, A Tarde abordou o Levante de 1935 a partir de um viés
diferenciado do defensor do governo. O periódico de Simões Filho serviu como local de
aglutinação política e intelectual dos liberais contrários ao governo.297 Em 29 de
novembro, tomando como premissa uma matéria escrita pelo correspondente do jornal
The Times, no Rio de Janeiro, o órgão de imprensa baiano noticiou, sob o formato de
um artigo, os acontecimentos relacionados ao evento, da seguinte maneira:

―The Times‖ publica hoje um artigo de seu correspondente do Rio, o qual,


examinando os últimos acontecimentos no Brasil, exprime a opinião de que a
recente sublevação foi menos uma revolta comunista do que certa inquietação
política, manifestada depois da nova constituição. 298

É relevante a posição do jornal londrino, pois afirmou, também, que, de fato, os


acontecimentos no Brasil foram resultado de uma política defeituosa, de um sistema que

295
REQUIÃO, Altamirando. AINDA A PROPAGANDA CONTRA O GOVERNO BRASILEIRO.
Diário de Notícias, 27 de dez.1935. p. 1.
296
REQUIÃO, Altamirando. Como, não raro, se escreve a historia! Anterior a carta da agência americana
o Diário de Notícias apresentou a população baiana as ―ameaças do comunismo a nação‖. A
PAVOROSA lista negra do regime Comunista. Diário de Notícias, Salvador, 23 dez. 1935. p. 1; OS
COMMUNISTAS do Rio ameaçam assassinar os deputados que querem a declaração do estado de guerra.
Diário de Notícias, Salvador. 6 dez. 1935. p.1. ; ACTIVIDADES Comunistas na Bahia. Diário de
Notícias, Salvador, 9 dez. 1935. p.1; A ACTIVIDADE da policia carioca enseja-lhe a descoberta de
novos núcleos extremistas. Diário de Notícias, Salvador, 13 dez. 1935. p. 1; AINDA o combate ao
extremismo. Diário de Notícias, Salvador, 19 dez. 1935. p. 2.
297
SILVA, op. cit.,p.17.
298
O ―TIMES‖ e o movimento subversivo no Brasil. A Tarde, Salvador, 30 nov. 1935. p.1.

94
não permitiu uma relação de equilíbrio entre o governo e a oposição. Assim, nota-se
uma crítica do periódico estrangeiro à política de Vargas, ou principalmente, à própria
atitude de oposição de A Tarde, protegida pela narrativa de outra gazeta. Embora o
movimento militar de novembro de 1935 tenha se voltado contra o governo Vargas, A
Tarde preferiu sublinhar a responsabilidade política do Presidente. Mas não se pode
perder de vista que mesmo não destacando o conteúdo comunista do evento, A Tarde
veiculava discursos contrários ao marxismo. Mas, para os liberais baianos o uso do
evento como estratégia para as ações do enfraquecer o governo federal tornou-se mais
importante do que uma propaganda contra os comunistas.
Como advertido por Rodrigo Patto Sá Motta, o espectro ideológico
anticomunista é tão amplo que vai da direita para a esquerda, reunindo reacionários,
conservadores, liberais e esquerdistas. Ao longo do século XX, a grande imprensa
brasileira foi uma arma no sentido de expor para a sociedade os ―horrores do
comunismo‖. Após a Revolução Russa de 1917, as manifestações contra o comunismo
começaram a aparecer na imprensa nacional. Em 1922, com o surgimento do PCB, o
bolchevismo entrou no rol das preocupações dos grupos privilegiados. Nesse contexto,
na década de 1930, com a adesão do antigo líder tenentista Luiz Carlos Prestes e a
formação da ANL, o quadro se agravou.299
Por sua vez, as matérias de Requião convocavam diversos setores da sociedade
brasileira para refletir acerca do perigo comunista, e, principalmente, a observar acerca
das ações veementes do presidente em relação aos acontecimentos. Para o jornalista não
seria mais cabível tolerar que a agência americana propagasse ―que não foi uma
Intentona Comunista‖.300 Rodrigo Patto Sá Motta mostra que a oficialização do termo
―Intentona‖ para se referir ao levante de 1935 somente foi consolidada nos anos
299
MOTTA, op. cit. p. 15. No entanto, outros estudos demostram que o comunista, vislumbrado como
inimigo do Brasil foi percebido antes mesmo da Revolução Russa. Conforme José Nilo Tavares, na
sessão de 20 de junho de 1871, a Câmara de Deputados debateu a disposição do governo imperial em
aceitar o pedido de extradição de revolucionários parisienses que porventura aportassem no Brasil. O
parlamento se agitou pelo temor despertado na fuga dos sobreviventes da Comuna de Paris (1871),
enquadrados como criminosos comuns por diversos países europeus. O deputado conservador
pernambucano Pereira da Silva taxou o comunismo como um ―cancro do mundo moderno‖. O debate
travado na Câmara, em 1871, chegou ao Senado do Império. O visconde de São Vicente, José Antônio
Pimenta Bueno (1808-1878), presidente do gabinete anterior, amigo do imperador e sócio de poderosas
empresas europeias, temia a presença dos ―comunardos‖, então confundidos com os comunistas, pois se
tratavam ―de uma facção tenebrosa que ameaçou a humanidade inteira‖, declarou guerra à propriedade
privada e pública e ―à moral, à religião e à própria divindade‖. O visconde manifestou a sua preocupação,
pois temia a influência que os sobreviventes da Comuna de Paris pudessem exercer no Brasil sobre a
―multidão ignorante‖. TAVARES, José Nilo. Marx e o Brasil: indicações. In: CERQUEIRA FILHO,
Gisálio; FIGUEREDO, Eurico de Lima. KONDER, Leandro. Por que Marx? Rio de Janeiro: Graal, 1983.
p. 196-198
300
REQUIÃO, Altamirando. Como, não raro, se escreve a historia!, op., cit.

95
posteriores. Filinto Muller (1890-1973), Chefe da Polícia do Distrito Federal,
denominou o movimento de Intentona Comunista, em um relatório apresentado ao
Presidente. Em um primeiro momento, nas páginas dos jornais brasileiros, outras
expressões prevaleceram, tais como: ―revolta‖, ―levante‖, ―insurreição‖ e ―movimentos
extremistas‖. A designação Intentona foi posta apenas no segundo momento. Mas, entre
1961 e 1964, a expressão Intentona Comunista, utilizada para caracterizar os levantes de
novembro, já tinha se consolidado.301 No entanto, no calor dos acontecimentos a
expressão foi usada na matéria Como, não raro, se escreve a História! O termo foi
apresentado como uma tentativa fracassada dos comunistas em oposição ao governo de
Getúlio Vargas. Em outro momento, a palavra foi empregada pelo Diário de Notícias,
em 1936, com a finalidade de denunciar uma sublevação integralista, que resultou na
prisão dos participantes pela polícia especial, e legitimar a atuação de Juraci Magalhães
em confronto com o Sigma.302
Para lutar contra possíveis sublevações comunistas, o governo Vargas valeu-se
do apoio externo, considerado não apenas bem-vindo, mas também solicitado a outras
nações, na perspectiva de mostrar à opinião pública quais eram os países empenhados
no combate mundial ao perigo vermelho.303 Em 28 de dezembro, o Diário de Notícias
publicou uma nota sobre o Levante de 1935, caracterizando o movimento como uma
ação comunista e exaltando a atitude do governo do Uruguai em auxiliar o Brasil no
combate à subversão. O texto destacava, ainda, que o governo do país vizinho rompeu
as relações diplomáticas com a União Soviética após a insurreição de novembro.
Mesmo assim, o jornalista advertiu à sociedade baiana que a obsessão pelo credo
marxista não iria se atemorizar com as ações do poder público, tampouco em função do
apoio uruguaio. Para Altamirando Requião, o único jeito de extirpar o ―credo exótico‖
no Brasil, era formar uma mentalidade contrária a ―ditadura de Moscou‖. Era necessário
copiar a tática educacional usada na Alemanha e na Itália, ―ideia contrapondo ideia‖.304
Ou seja, os problemas políticos enfrentados no país somente acabariam se o presidente
tomasse o mesmo caminho anticomunista dos países que adotaram o fascismo como
regime político. Qualquer tentativa por um viés liberal era percebida com descrédito por
Requião.

301
MOTTA, op. cit., p. 76.77.
302
CONCLUIDO o relatório da Intentona Integralista. Diário de Notícias, Salvador, 12 nov. 1936. p.1.
303
MOTTA, Rodrigo Patto Sá, op. cit,. p. 3
304
A ATITUDE do Uruguai. Diário de Notícias, Salvador, 28 dez. 1935. p.1.

96
Desde 1934 havia um alerta contra os integralistas através da criação da Lei de
Segurança Nacional (LSN). Getúlio Vargas não confiava nos dirigentes do grupo e agia
de forma cautelosa com a organização, mas naquele momento percebia que seus
membros poderiam ser utilizados de forma estratégica contra o comunismo. Assim,
entendia que as ideias do Sigma poderiam ser empregadas para disciplinar a sociedade
contra o aumento nas fileiras da ANL.305

Consolidação de um projeto: ideias e ações para a instalação do Estado


Novo.

A ideia propagada pelo Estado e por diversos órgãos de imprensa era que o
perigo vermelho planejava horrores para os brasileiros. Na Bahia, o Diário de Notícias
demonstrava que as horas eram ―sombrias‖ para o país. O plano internacional
apresentava a seguinte conjuntura: a Alemanha de Adolf Hitler e a Itália de Benito
Mussolini tinham seus problemas, contudo, possuíam dirigentes poderosos. Já a Rússia,
―inoculadora de tóxicos‖, havia banido a ética das suas instituições políticas, prescreveu
Deus, apagou os sentimentos de Pátria e retirou da família os seus códigos morais. Por
sua vez, a Inglaterra era uma monarquia liberal composta por um governo resultante de
urnas ―prostituídas‖. Tranquila era a situação americana, pois podia contar com o gênio
do Presidente Roosevelt, e com um povo fechado ―às ideologias satânicas dos
opressores‖. Segundo o jornal, mesmo com todos os problemas externos apresentados, o
povo no Brasil não precisava temer: ―As horas são sombrias, mas o povo brasileiro
confia no patriotismo e nas energias morais do seu grande Presidente‖. Ou seja, no
combate ao comunismo, o Brasil poderia descansar, pois era governado por Getúlio
Vargas.306

305
Anotações, 27/03/1935. Vargas, Getúlio. Diário. Volume 1. São Paulo: Siciliano. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1995. Apud. PRIMO, Jacira. Nas Fileiras do Sigma: os integralistas na Bahia e
a política brasileira na década de 30. 2013. 195f. Tese (Programa de Pós-Graduação em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. p.29.
306
SPÍNOLA, Horas sombrias, Diário de Notícias, Salvador, 25 out. 1937. p.1.As matérias do Diário de
Notícias contaram com o apoio do jornalista Rafael Spínola que dividia com Requião os sentimentos
antiliberais, anticomunistas e principalmente o de defesa do governo. O diretor chefe do Diário de
Notícias, Rafael Spínola começou a sua carreira ao lado de Américo Barreiro e Virgílio de Lemos. Em
Itaparica, escreveu em O Mosquito, O Echo e O Democrata. Era funcionário público e faleceu em 20 de

97
A demonstração de confiança que todos deveriam ter pelo presidente era uma
forma de explicar as diversas tomadas de posição do governo brasileiro para conter o
comunismo. Depois do Levante de 1935, Vargas sancionou medidas como o estado de
sítio, que durou de novembro de 1935 a março de 1936. Posteriormente, conseguiu a
aprovação do Estado de Guerra, que vigorou de 21 de março de 1936 a janeiro de 1937.
O Estado de Guerra era mais contundente do que o de sítio, pois suspendia as garantias
individuais, antes respeitadas. As medidas mais fortes adotadas foram as prisões do
senador Abel Chermont (1887-1962) e de quatro deputados oposicionistas: Domingos
Velasco (1899-1973), Abguar Bastos, João Mangabeira e Otávio da Silveira.307
A situação política no segundo semestre de 1937 parecia normalizada no país. O
Estado de Guerra, que já vinha sendo alongado, não estava mais nas prioridades dos
parlamentares. A corrida presidencial era o principal assunto em debate. 308 Na Bahia, o
Diário de Notícias ficou a favor de José Américo (1887-1980) e afirmou que a
candidatura de Armando de Salles Oliveira (1887-1945) era exótica e divorciada dos
ideais do povo brasileiro. A Tarde apoiou Salles, governador de São Paulo, que
renunciou ao cargo em dezembro de 1936, para se candidatar à Presidência da
República pelo Partido Constitucionalista.309 O jornal de Simões Filho, a fim de mostrar
os erros do opositor adversário, anunciou as andanças do governista José Américo e os
pedidos de verbas para a campanha. O candidato aliado a Vargas tinha se dirigido ao
Departamento do Café e solicitado financiamento. Segundo o periódico o ministro da
Fazenda havia lhe negado verbas, garantido sua honestidade.310
Em meio à aparência de tranquilidade política, em setembro, aconteceu a
―macedada‖ – apelido derivado do nome do ministro da Justiça, José Carlos de Macedo
Soares –, ou seja, a libertação de presos políticos, incluindo os do Levante de 1935. Nas
palavras de Rodrigo Patto Sá Motta, os grupos anticomunistas se sentiram traídos com a
saída dos condenados e realizaram uma cerimônia cívica em memória dos mortos da

agosto de 1940. FOI uma grande perda. Diário de Notícias, 21 de ago. de1940. p.1. RAFAEL Spínola In
Memória. Diário de Notícias, 13 de set de 1940. p.1.
307
DULLES, John W. O comunismo no Brasil, (1935- 1945) Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
p.42.
308
MOTTA, Rodrigo Patto Sá, op. cit., p. 215.
309
O SR. José Américo queria dinheiro do D.N.C para a propaganda de sua candidatura. A Tarde,
Salvador, 11 out. 1937. p. 1.
310
O SR. José Américo queria dinheiro do D.N.C para a propaganda de sua candidatura. A Tarde,
Salvador, 11 out. 1937. p. 1; ENQUANTO o Sr. José Américo recebe mais solidariedade. Diário de
Notícias, Salvador, 18 set 1937.p. 2. Antes da campanha de José Américo começar oficialmente, Juraci
Magalhães pede para Requião o visitá-lo. 28 de maio de 1937. Telegrama de Juraci Magalhães a
Altamirando Requião.

98
Intentona – estranhamente em setembro e não em novembro, como ocorreu no ano
anterior, data da sublevação no Rio de Janeiro. Com a libertação dos presos políticos, a
opinião popular estava na expectativa de que os comunistas preparavam algo. O
recrudescimento da campanha anticomunista, durante os meses de agosto e setembro,
adubou o terreno para a ―descoberta‖ do Plano Cohen. 311
O plano foi apresentado pelas Forças Armadas como uma nova ―trama do
Comintern‖. Em linhas gerais, o projeto subversivo tinha o intuito de assassinar
membros do governo. Os comunistas pretendiam incendiar prédios públicos e capturar
reféns para serem fuzilados. A palavra que intitulou como o Cohen é resultado da ideia
xenofóbica segundo a qual os judeus eram a ―mão oculta por trás‖ do bolchevismo, uma
vez que Cohen é um sobrenome muito comum entre os judeus. Portanto, a intenção era
vincular a atividade dos comunistas como uma conspiração de proporções
internacionais e, ao mesmo tempo, associar a sua imagem ao judaísmo internacional. No
Brasil, o integralismo ajudou a relacionar as representações do judeu ao comunismo.312
Os camisas-verdes pretendiam lançar a candidatura de Plínio Salgado, abandonando a
tática ―revolucionária‖ e ambicionando tornar-se partido político. De modo estratégico,
Vargas utilizou-se da mudança comportamental do grupo para obter apoio dos
integralistas no processo de instauração do Estado Novo.313
No momento da ―descoberta‖ do novo plano comunista, o governo Vargas
necessitava da adesão de setores da opinião pública. Assim, o terror exercido pelo
governo federal contra a suposta ameaça vermelha foi fundamental no período.
Conforme Antônio Gramsci, quando o Estado deseja iniciar uma ação pouco popular,
cria, preventivamente, a opinião pública adequada, ou seja, organiza e centraliza certos
elementos da sociedade civil. Segundo o pensador marxista, a opinião pública é o
conteúdo político da vontade política pública, que poderia ser discordante. Por isso,
existe luta pelo monopólio dos órgãos da opinião pública – jornais, partidos, Parlamento
–, de modo que uma só força modele a opinião.314
Nas palavras de John F. W. Dulles, os comunistas não assumiram qualquer
projeto de uma nova sublevação. Em nome do PCB, o Comitê Regional de São Paulo se
posicionou e declarou que o tal Plano Cohen seria uma farsa do governo. Direto de

311
MOTTA, Rodrigo Patto Sá, op. cit., p. 215-216, 218- 219.
312
Ibidem. p. 57-58; DULLES, op. cit., p. 134.
313
O departamento de Organização Política transformou-se, com múltiplas atribuições, em Secretária
Nacional de Corporações e dos Serviços Eleitorais. TRINDADE, op. cit., p. 176.
314
COUTINHO, op. cit., p. 283.

99
Moscou, como exilado e trabalhando na Internacional Comunista, Otávio Brandão
(1896-1980) escreveu sobre a ―desprezível forjificação‖ que tinha claramente a
finalidade de enganar qualquer um.315
Tomando como verdade os novos planos comunistas ―descobertos‖ pelo
governo, o jornal de Requião lamentou o fato, ―a denúncia de novas atividades
comunistas alimentados pelo ouro satânico de Moscou contra as instituições e contra a
pátria brasileira‖. Mas alertou que as ―horas eram sombrias‖ e que a ―gangrena
comunista‖ planejava atacar o país e todos deveriam temer. Apesar da atmosfera de
terror, alertou que era necessário ter confiança no chefe da nação. Como demonstração,
relembrou aos seus leitores o caso da rebelião paulista de 1932, que havia sacudido o
país, mas o chefe político Getúlio Vargas atuou de forma magnânima e soube resolver
os problemas.316 Por sua vez, o jornal dos autonomistas não demonstrou a mesma
credibilidade acerca do plano. No mesmo mês das matérias sobre o medo ao
comunismo, o foco do periódico foi o apelo à eleição, apesar de também apresentar
notas sobre a repressão a tentativa de reorganização da ANL. Esperava-se que quatro
milhões de brasileiros fossem às urnas: ―O povo, fortalecendo o poder civil, poderá
salvar ainda as tradições do nosso organismo social‖.317
Na circular sobre o Estado de Guerra vigente no país, em 11 de outubro de 1937,
o periódico dos liberais veiculou a descoberta de documentos apreendidos, na tentativa
de reorganizar a Aliança Nacional Libertadora. Segundo a reportagem, a documentação
desmascarava os companheiros do credo vermelho e as suas articulações para a próxima
luta armada. Mas em destaque, havia a ideia de que a campanha presidencial
prosseguiria com o ―mesmo vigor‖. Assim, a intenção era mostrar que, independente da
atmosfera de medo ao comunismo, as eleições iriam acontecer.318 Ainda no mesmo dia,
próximo ao anúncio acerca do novo plano comunista, o jornal apresentou o discurso de
seu confrade Octávio Mangabeira na Câmara Federal. A alocução do deputado remetia
à situação do regime, como agiu e estava sendo conivente com os extremismos.

315
DULLES, op. cit., p. 135.
316
SPINOLA, Rafael. A gangrena comunista. Diário de Notícias, Salvador, 27 out. 1937,
p. 2. A expressão ―ouro satânico de Moscou‖ foi também utilizada pela imprensa para afirmar que o
levante de novembro de 1935 havia sido financiado pela União Soviética. MARIANI, op. cit., p. 97, 106;
SPINOLA, Rafael. Horas sombrias. Diário de Notícias, Salvador, 25 out. 1937. p.1. Conforme
observação, durante o mês de outubro de 1937 a campanha eleitoral no Diário de Notícias não ganhou
destaque, as notas priorizaram o comunismo.
317
A SITUAÇÃO. A Tarde, Salvador, 3 nov. 1937, p. 3; QUATRO milhões de brasileiros deverão
comparecer as urnas em janeiro. A Tarde, 19 out. 1937. p. 3.
318
TENTARAM reorganizar a A.N.L. A Tarde, Salvador, 11 out. 1937. p. 1.

100
Segundo o autonomista, o que ele pronunciara nem era mais concebível naquele
momento. No entanto era necessário alertar que o problema da nação não era do regime
e sim ―[era] de autoridade de governo‖. Enquanto o país vivesse com o atual chefe da
República, ―viveremos em crise sobre crise‖.319
Em seu pronunciamento, relembrou que o problema do Brasil resultado das
ações do governo que teria permitido tanto o extremismo de direita, quanto o de
esquerda.320 Mangabeira atacou o governo federal por ser conivente com os
extremismos, mas um ano antes, na Bahia, quando Juraci Magalhães mandou fechar a
AIB-BA ele e seus confrades de A Tarde atacaram a ação do governador. Há indícios de
sua participação na conspiração planejada pelos integralistas. 321 Em nenhum momento
afirma-se a apropriação de ideias integralistas por parte dos liberais baianos. Entretanto,
observa-se que eles também se utilizaram do integralismo quando lhe foi conveniente.
Sobre o comunismo, em 1937, Otávio Mangabeira indicou que foi no teatro João
Caetano, pertencente ao governo, em 1935, que a Aliança Nacional Libertadora se
instalou, com a presença de um representante do Sr. Presidente.322

Não foi senão assim que o comunismo, ou que se se está chamando de


comunismo, entrou e prosperou na nossa pátria. [...] Um governo Sr.
Presidente, que trata assim o regime, ontem em face ao extremismo, da
esquerda, hoje do extremismo da direita; esse governo tem autoridade para
pedir estado de guerra, e usar de medida de tal natureza? Não tem. Digo-o
com todas as veras de minha alma, porque disso estou convencido. Digo, e
repito: não tem [...] Não. Estado de guerra nenhum! Porque, sob o estado de
guerra, não se faz eleição em parte alguma. Onde ha liberdades publicas
suspensas, não pode haver eleição. O mais é bizantismo.323

Não foi a primeira vez que Mangabeira opôs-se às ações de Getúlio Vargas.324
As acusações ao governo federal foram publicadas na íntegra por A Tarde, em 11 de
outubro de 1937. Segundo o deputado, o regime não tinha autoridade para pedir o

319
O ESTADO de guerra deve ser executado pelas classes armadas. A Tarde, Salvador, 11 out. 1937. p. 1.
Otávio Mangabeira chegou do exílio em 10 de agosto de 1934, no mesmo ano, em eleição complementar,
ganhou o cargo de deputado federal e manteve no posto até o dia 10 de novembro de 1937. SILVA, Paulo
Santos. op. cit., p. 36- 37.
320
O ESTADO de guerra deve ser executado pelas classes armadas, op. cit.
321
ALVES NETA, op. cit., p. 31.
322
O ESTADO de guerra deve ser executado pelas classes armadas, op. cit.
323
Ibidem.
324
Carta de Otávio Mangabeira, Paris, 27/11/ 1933, transcrita no Diário da Assembleia Nacional, Ano II,
nº 26, de 2/2/1934, p. 523-528. Apud. VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35:
sonho e realidade. São Paulo: Expressão Popular, 2007.p. 129,130, 136. O descontentamento de
Mangabeira por escrito não foi algo específico de 1934. Em 1930, o baiano lançou um manifesto
intitulado Palavras à nação. VIANA FILHO, Luiz. Octávio Mangabeira – um homem na tempestade.
Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1986. Apud SILVA, Paulo Santos Silva. O Estado Novo e os
―autonomistas‖: conflito político e resistência liberal na Bahia. In SENA JÚNIOR; SILVA, op. cit.

101
alongamento da situação, pois foi conivente com o extremismo de direita, o
integralismo, e com o extremismo de esquerda, o comunismo. Portanto, não possuía
autoridade para solicitar o Estado de Guerra e usar medida de tal natureza. ―Não. Estado
de guerra nenhum! Porque, sob o estado de guerra, não se faz eleição em parte alguma‖.
Outro parlamentar, Augusto Amaral Peixoto Júnior (1901-1984), em apoio às ideias
expostas por Mangabeira, afirmou que, caso um deles fosse à praça pública atacar o
integralismo, iria para a cadeia, enfatizando a abertura que o regime deu ao Sigma.325
No pronunciamento do deputado baiano a sua menção ao ―suposto comunismo‖,
presume uma desconfiança do parlamentar no que se refere à veracidade do Plano
Cohen. Mas não se deve supor que o deputado ou A Tarde fossem coniventes com o
comunismo. Os grupos anticomunistas podem ter várias posições distintas, destacando
apenas a negação em comum ao comunismo. A questão é que a declaração da existência
de um ―suposto comunismo‖ era apresentada para mostrar a manobra política utilizada
por Vargas com a propagação do Plano Cohen.
Os autonomistas temiam que com o alongamento do Estado de Guerra, não
ocorressem as eleições marcadas para janeiro de 1938. Apesar da desconfiança, as
palavras oficiais eram que o pleito eleitoral estava com a data marcada. Exatamente 9
dias após o pronunciamento de Mangabeira na câmara federal, A Tarde publicou uma
nota sobre os rumores políticos, questionando se, com as restrições, ainda haveria a
eleição: ―Uns acham que sim, outros acham que não. A comissão incumbida de
fiscalizar o estado de guerra em todo o país, pensa que sim; alguns fatos, infelizmente
verificados, arguem opostamente, que não‖.326
No mês de outubro de 1937, as intrigas entre o Diário de Notícias, que apoiava o
governo e suas ações, e A Tarde, contrárias ao governo desde 1930, se agravaram.327
Antes mesmo do discurso de oposição do deputado autonomista, contra o
prolongamento do Estado de Guerra, J.J. Seabra chegou de viagem a Salvador no dia 4
do mesmo mês e negou dar qualquer entrevista ao jornal de Altamirando Requião:
―Não, não quero falar se não a um jornal. Sou autonomista. O repórter a quem desejo
dizer alguma coisa é o Sr. Luís Viana, que escreve na ‗A Tarde‘. É o meu jornal,

325
O ESTADO de guerra deve ser executado pelas classes armadas. A Tarde, Salvador, 11 de out de
1937.p. 1.
326
A ATUALIDADE. A Tarde, Salvador, 19 out. 1937. p. 3; PROCURANDO desmentir a fria verdade.
Diário de Notícias, Salvador, 20 set, 1937. p. 1.
327
REQUIÃO, Altamirando. RECLAMA O ROTO CONTRA O ESFARRAPADO; REQUIÃO,
Altamirando. VITORIA MORAL, APENAS?

102
hoje‖.328 As acusações entre os dois periódicos antecederam a 1937, pois como foi
exposto anteriormente, Requião utilizou-se de seus textos para defender Juraci
Magalhães e o PSD e desqualificar os discursos e as atuações políticas do grupo liberal.
O integrante do autonomismo baiano negou-se a dar entrevista ao jornal que
representava o governo de seu rival político. Entretanto, a querela entre Requião e
Seabra não começou em torno da figura de Juraci Magalhães.329
No Estado de Guerra em 1937, o perigo comunista alardeado por vários órgãos
da imprensa foi utilizado como justificativa para intensificar os mecanismos de controle
da sociedade. O legislativo aprovou medidas que fortaleceram o executivo. Segundo
Dulce Pandolf, o regime autoritário que foi implantado em 10 de novembro de 1937
consolidou propostas em pauta desde 1930. Consequentemente, a nova constituição
brasileira foi baseada na centralização política, no intervencionismo estatal e em um
modelo antiliberal.330
O periódico dos autonomistas apresentou o novo regime com as notas vindas do
Rio de Janeiro de circulares para todos os órgãos de comunicação. Um dia após o golpe,
A Tarde publicou apenas notícias protocolares. Assim, uma das manchetes destacou que
a mudança do regime se operou de forma pacífica. Ademais, na primeira página, o
jornal reproduziu as palavras do Presidente: ―O novo regime é de paz, justiça e
trabalho‖. Veiculou, ainda, o discurso no qual o chefe do governo se dirigiu à nação,
justificando o golpe de Estado. O jornal concedeu espaço para a proclamação do
Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. Finalmente, publicou a nova Constituição,
que anulava a Carta de 1934, baseada nos moldes clássicos do liberalismo
democrático.331
Altamirando Requião utilizou-se de seu jornal como porta voz do governo de
Juraci Magalhães e, em perspectiva mais ampla, legitimar as ações do governo federal.
Com a promulgação do Estado Novo, Juraci Magalhães saiu do governo da Bahia.
Segundo o ex-governador, ele soube do golpe um ano antes, mas ele não quis se aliar a

328
NÃO quis falar. Diário de Notícias, Salvador, 4 out. 1937. p. 3 Os embarques e desembarques eram
frequentes, os políticos de atuação nacional viviam em constantes viagens. Assim, suas chegadas e
partidas eram pretextos para os aliados aproveitarem e demonstrarem publicamente sua lealdade.
SARMENTO, op. cit., p. 79. No caso, acima mencionado serviu de lugar para Seabra mostrar seus
apoiadores.
329
Até a morte de Rui Barbosa, em 1923, é sabido que o jornal A Manhã e o Diário de Notícias faziam
oposição ao seabrismo. Como foi destacado no primeiro capítulo desta dissertação, Requião
desqualificava o governo de Seabra.
330
PANDOLFI, op. cit., p.1.
331
OPEROU-SE de modo pacífico a transformação do regímen. A Tarde, Salvador, 11 de nov. 1937. p.1.

103
Getúlio para mais essa ação.332 Entretanto, de forma polida o Diário de Notícias apenas
noticiou a saída do político cearense e lembrou aos baianos do trabalho honroso que ele
tinha realizado.333
Mas, o foco principal do periódico foi publicar matérias contendo relatos de
pessoas que apoiavam a atitude de Getúlio Vargas. Assim, expressou a felicidade da
sociedade baiana pela permanência do presidente no poder. A Bahia foi apresentada
como um estado unânime em apoio às ações do chefe da nação. Segundo a gazeta, o
Presidente Vargas recebeu diversas cartas, remetidas de Salvador e de outros municípios
baianos. As epístolas eram de pessoas físicas e de sindicatos, que parabenizavam as
ações eficazes contra o comunismo e a nova Constituição.334

O tacto do eminente Chefe da Nação, a sua extrema habilidade com a serena


energia de resolução que o caracteriza, livraram a Nação de dias tormentosos
e de situação talvez insolúveis. A opinião pública, nas legítimas
manifestações do seu pensamento [...] o povo brasileiro, enfim; as classes
armadas [...] tudo enfim que significa força, que exprima prestígio, que
representa poder estão ao lado do grande Presidente. 335

O Diário de Notícias colaborou com a legitimação do estado de guerra. Depois


do golpe, o jornal de Altamirando Requião apresentou à população baiana as
―vantagens‖ da extinção dos partidos políticos. Para o diretor chefe do periódico Rafael
Spínola, ―a revolução branca inhumou no cemitério da história‖ os agrupamentos
políticos. As entidades atuavam como um entrave ao progresso do país e soldavam a
nação à rotina e ao desprestígio interno e externo. Ao tratar do fim dos partidos, a nota
comparou o fato à morte de um enfermo. Segundo Spínola, as agremiações eram como
os doentes, mas ao contrário da morte de um ente querido, o fim das organizações
partidárias não trouxe nenhum sentimento de saudade, e, sim, de alívio.336
O posicionamento de Altamirando Requião era no sentido de atacar as práticas e
as instituições liberais. Apesar dele ter ajudado na formação do PSD de Juraci
Magalhães, lembrando que a Constituição de 1934 foi resultado da pressão dos liberais,
o fim dos partidos, com a garantia de um chefe forte, foi encarado pelo jornalista como

332
ABREU; RAPOSO e FARAH, op. cit, p. 106.
333
SPÍNOLA , Rafael. A Bahia e Juraci Magalhães... Diário de Notícias, Salvador, 13 de nov. 1937. p.2.
334
A BAHIA Unânime. Diário de Notícias, Salvador, 25 nov. 1937. p.1. SPINOLA, Rafael. OCASO dos
partidos. Diário de Notícias, Salvador, 5 dez. 1937. p.2.
335
OCASO dos partidos. Diário de Notícias, Salvador, 5 dez. 1937. p.2.
336
OCASO dos partidos. p. 2. Para Oliveira Viana os partidos políticos eram ―grupos improdutivos‖, que
davam vozes aos clãs e aos indivíduos. ODALIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o
pensamento historiográfico de Varnhagem e Oliveira Viana. São Paulo: Fundação editora UNESP, 2007.
p. 151.

104
uma conquista pessoal. Consequentemente, depois da instalação do Estado Novo, seu
jornal se empenhou em mostrar para a população brasileira o sentido do regime.
Partindo do pressuposto de que, o meio intelectual é antes de tudo um lugar de
―fermentação intelectual‖ com relações de afetividade, um espaço de sociabilidade.337 A
escrita de Rafael Spínola apresenta um posicionamento semelhante ao do proprietário
do Diário de Notícias, no que concerne ao pensamento antiliberal.
A tática utilizada nos textos do boletim consistia em apresentar um resumo das
dificuldades internacionais, nos países liberais e na Rússia, e consequentemente validar
os atos do presidente brasileiro. No dia 12 de novembro de 1937, discutiu-se como o
comunismo estava abalando o mundo, por isso o Brasil estava passando pela ―hora da
salvação‖. Nesse sentido, o bem da nação era mais importante do que as leis e a
constituição. Tornando assim incoerente a ação dos adversários que reclamavam do
golpe de 10 de novembro. Mas, segundo o jornal, não havia ―incompatibilidade e nem
antagonismo entre a autoridade e os princípios liberais‖.338
O discurso utilizado pelo jornal de Requião nos primeiros meses do Estado
Novo era no intuito de invalidar os momentos em que o país teve instituições liberais. A
Constituição de 1891 foi retratada como falsa, pois suas ideias de liberdade eram apenas
teóricas, na prática ―a farsa organizada‖ quase levou a ―República ao fracasso e o Brasil
à ruína‖. Por sua vez, a de 1934, ―perturbada pela politicagem‖ de São Paulo, desvirtuou
os propósitos da Revolução de 1930, promulgada antes do tempo possuía todas ―as
características do aborto‖. Portanto, o atual momento político foi apresentado como uma
nova era, pois tinha a função de unir ―liberdade com autoridade‖ para afastar a nação
dos erros do passado.339 Conforme as notas do Diário de Notícias, a população deveria
compreender que existia democracia no novo regime.
As questões propagadas pelo periódico, difundidas pelos teóricos do Estado
Novo, e elaboradas pela intelectualidade antiliberal desde a década de 1920, remetem ao
uso do conceito de democracia, de como ele foi utilizado pelos defensores do Estado
Novo, diferenciando-o do liberal. De acordo com Pierre Rosanvallon, no estudo
político, ao empregar o conceito de democracia é necessário compreender o tempo
como uma variável ativa e construtiva. A política é formada no tempo social, marcado

337
SIRINELLI, Jean- François. Os intelectuais. In. Por uma história política. Org. René Rémond.
Tradução ROCHA, Dora. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p.249.
338
SPÍNOLA, Rafael. Hora da salvação... Diário de Notícias, Salvador, 12 nov. 1937. p. 2.
339
SPNOLA, Rafael. Os fundamentos do Estado Novo. Diário de Notícias, Salvador, 26 jan. p.2;
SPÍNOLA, Rafael. A função do Estado Novo. Diário de Notícias, 31 jan. 1938. p.2.

105
de forma simultânea pelo trabalho da memória e pelas impaciências da vontade, ela é
enraizamento da invenção. Assim, é imprescindível compreender a democracia a partir
do exame de suas aporias, a partir da tensão entre tempo- recurso e tempo obrigação.
Com efeito, a definição de noções essenciais – a igualdade, a cidadania, a soberania e o
povo – geram problemas quando usadas de forma não correspondente ao seu tempo.340
A partir do golpe do Estado Novo, o governo federal buscou tornar legítimo o
regime através do conceito de ―democracia construtiva‖, preocupada com a ―questão da
justiça social‖.341 Oliveira Viana, um dos teóricos do Estado Novo, defendeu uma
democracia sem a existência de partidos políticos. O Estado deveria legislar para as
corporações econômicas, culturais e religiosas, e, especialmente, para as associações de
classe; em suma, todas as organizações que exprimiam uma função social com utilidade
coletiva. Portanto, era necessário um Poder Executivo uno e capaz de governar acima
dos partidos e dos homens, apenas preocupada com a nação.342 Independente das formas
de governar, todos os regimes contemporâneos, de maneira paradoxal, qualificaram-se
sempre como mais ou menos democráticos. Os governantes necessitam fazer crer que
há uma legitimação coletiva para as suas ações. Nesse sentido, os anseios dos regimes
representam as aspirações da nação.343
Segundo Ângela de Castro Gomes, os críticos estado-novistas procuraram
requalificar o significado de democracia. No intuito de atacar as noções liberais, o novo
conceito partia justamente da concepção de uma sociedade composta por indivíduos
desiguais por natureza. A missão do Estado era promover artificialmente condições para
uma maior igualdade social. O liberalismo era acusado de não enxergar as
peculiaridades do homem brasileiro e as especificidades nacionais, pois o movimento
liberal era internacionalista. O Estado Novo inaugurava uma nova ideia de democracia,
diferente da liberal: a democracia social, que valorizava o brasileiro, não mais pelas
definições de posses e direitos políticos, mas com a aquisição dos direitos sociais
necessários ao homem.344
Ao analisar as fontes do periódico de Altamirando Requião, em outubro de
1937, sobre o Plano Cohen, e início de 1938, legitimação do Estado Novo, percebe-se
340
ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do politico. São Paulo: Alameda, 2010. p. 88, 90-91.
341
AS PALAVRAS que o Presidente Getúlio Vargas dirigiu, ontem, à Nação. A Tarde, Salvador, 11 nov.
1937, p. 1.
342
ODALIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagem e
Oliveira Viana. São Paulo: Fundação editora UNESP, 2007. p. 151, 152.
343
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Democracia. In: _____. Dicionário de conceitos
históricos. São Paulo: Contexto, 2006. p. 90.
344
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro, FGV, 2008.p. 192, 194, 203.

106
que as matérias não são escritas apenas pelo seu proprietário. As notas sobre a política
nacional eram de autoria do redator chefe Rafael Spínola. Acredita-se que devido à
recusa do governador baiano em apoiar o plano de Vargas em 1937, Altamirando
Requião como deputado federal governista, estava ocupado com as articulações
políticas na Bahia nos meses que antecederam a preparação do golpe. Juraci Magalhães,
em suas memórias, afirmou que em junho de 1936 ele já sabia do projeto de
permanência de Vargas no poder. O golpe teria sido montado durante o Estado de
guerra. De acordo com o ex-chefe do executivo, alguns próceres de sua corrente política
estavam com Vargas.345 Altamirando Requião, na condição de deputado federal, em
1936, discursou a favor do Estado de Guerra, alegou a necessidade de lutar contra os
membros da ANL. O parlamentar debateu o argumento de Seabra em que o país
desfrutava de um ambiente de calma.346 Em 1938, no primeiro aniversário do Estado
Novo, Requião recebeu uma carta assinada por Getúlio Vargas: ―No primeiro
aniversário do Regime Novo, levo ao nobre povo baiano, por intermédio do Diário de
Notícias, o meu incitamento patriótico para prosseguir no trabalho pacífico e produtivo
(...)‖.347 A atuação intelectual de Requião realizado na Bahia, desde a chegada de Juraci
Magalhães até a instalação do Estado Novo, lhe proporcionou reconhecimento federal e
bons frutos no estado.
Com o golpe e a saída de Juraci Magalhães, acreditava-se na possibilidade de
um baiano assumir a chefia do estado. E assim ocorreu, no dia 28 de março de 1938
Landulfo Alves (1893-1954) foi nomeado interventor da Bahia, permanecendo até 24 de
novembro de 1942.348 Dois meses após Alves tomar posse, Requião escreveu a Getúlio
Vargas informando-o acerca da administração do chefe do executivo.349 Ao iniciar a
epístola, o remetente relembrou o seu passado como deputado federal e como havia sido

345
ABREU; FARAH; VASCONCELOS, op. cit., p. 104, 106.
346
Altamirando Requião discursou na bancada contra Seabra, em apoio ao Estado de Guerra. O Sr. J.J
Seabra ouviu. Diário de Notícias, Salvador, 16 dez. 1936. p. 2. Em 1938, Requião lembrou ao presidente
que ele teria sido o único da bancada baiana a defender a permanência do Estado de Guerra. Carta de
Altamirando Requião a Getúlio Vargas, 07/05/1938. AN, Gabinete da casa civil da
presidência da República, lata 93. Fato esse não investigado, mas o jornalista utilizou-se desse argumento
para mostrar fidelidade a Getúlio Vargas.
347
VARGAS, Getúlio. Presidência da República Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 26 outubro de 1938.
348
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso
histórico na Bahia (1930-1949), op. cit., p. 40, 41.
349
Carta de Altamirando Requião a Getúlio Vargas, 07/05/1938. AN, Gabinete da casa civil da
presidência da República, lata 93; Carta de Altamirando Requião a Getúlio Vargas, 07/05/1938. AN,
Gabinete da casa civil da presidência da República, lata 93. A atuação de Requião como informante do
governo é antiga, pois o deputado mandava cartas da capital apresentando a situação política a Juraci
Magalhães. Do mesmo modo, quando Juraci Magalhães não estava sem solo baiano, o jornalista escrevia
ao governador.

107
o único na bancada a apoiar o Estado de Guerra. Para mostrar a sua importância na
política local, o jornalista lembrou ao presidente que havia integrado a comitiva que o
acompanhou à Argentina, por convite do ministro Macedo Soares. Mas ressaltou que,
independente do seu comportamento fiel a Getúlio, ele nunca solicitou nada em
benefício próprio. Assim, a carta era apenas para informar ao presidente a situação do
estado, na esperança ―que o eminente chefe do governo‖ encontrasse meios de ―orientar
melhor os passos do interventor em minha terra‖ para cumprir-se a defesa do Estado
Novo, pois o cenário baiano lhe deixava decepcionado.350
A fim de deixar o presidente a par da situação, Requião descreveu o que estava
acontecendo na Bahia. A princípio destacou que havia recebido feliz a notícia da
interventoria de Landulfo Alves, pois o conhecia há mais de vinte anos. A dificuldade
do chefe do executivo desempenhar bem o seu papel era o fato dele está cercado de
parentes que o aprisionavam. Para provar seu argumento, Requião destacou todos os
problemas do atual governo: a nomeação do próprio irmão Isaias Alves para secretário
de educação e saúde e a do seu ―primo irmão‖ Raul Batista como secretário da
interventoria. Além da questão familiar, o jornalista apontou que essas nomeações
ajudavam o integralismo, pois seu irmão era correligionário de Plínio Salgado. Do
mesmo modo, as prefeituras das cidades de Ilhéus e Itabuna estavam entregues aos
camisas-verdes. Como não bastasse, para o procurador geral do estado, Alves havia
indicado o Sr. Epaminondas Berbet de Castro, ―pessoa de imediata confiança‖ de
Simões Filho e Otavio Mangabeira.351 Em 1942, Landulfo Alves saiu da chefia do
estado, o general Renato Onofre Pinto Aleixo o substituiu.352 No seu governo, Requião
ocupou o cargo de secretário do Governo da Bahia, de 1942 a 1943. 353 Em 1938,
quando o jornalista escreve para presidente, alerta que não tinha interesses particulares e

350
Carta de Altamirando Requião a Getúlio Vargas, 07/05/1938. AN, Gabinete da casa civil da
presidência da República, lata 93.
351
Carta de Altamirando Requião a Getúlio Vargas, 07/05/1938. AN, Gabinete da casa civil da
presidência da República, lata 93.
352
SILVA. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na Bahia
(1930-1949). Op. cit., p. 41. Segundo João Falcão, em 1942, com os ataques de submarinos alemães aos
navios na costa baiana, aumentaram ainda mais o sentimento de repúdio da população ao interventor. A
esposa de Alves era de origem alemã e no seu governo havia vários integralistas. FALCÃO, João. O
partido comunista que eu conheci: 20 anos de clandestinidade. 2º ed. Salvador: Contexto e Arte Editorial,
2000. p. 182, 185.
353
Requião em entrevista afirmou que estava deixando seus negócios particulares, empresário, criador e
agricultor, para assumir o cargo apenas pelo bem da Bahia. Fala à imprensa o prof. Altamirando Requião.
Diário oficial, 27 dez. 1942. p. 3. Um grupo de jornalista organizou um jantar, no Clube Cruz Vermelha,
para 300 pessoas, para homenagear e celebrar o cargo de Altamirando Requião. O advogado e jornalista
Antônio Balbino ficou responsável pelo discurso. (Lembrando que Balbino comprou o Diário de
Notícias.) Prof. Altamirando Requião: homenagem dos jornalistas. Diário Oficial, 27 dez. 1942. p.1.

108
sim apenas o bem da Bahia, mas com a saída de Alves do poder, Requião conseguiu
atuar diretamente na organização do Estado Novo.
Daniel Pécault analisou diversos intelectuais que atuaram entre as décadas de
1920 e 1940, e salientou que Oliveira Viana foi um dos mais influentes teóricos da
354
organização autoritária no Brasil. Viana entendia que o Estado brasileiro era
patriarcal, sendo necessário ter a tutela da nação através da autoridade. Assim, o novo
Estado não deixava de ser o grande patriarca benevolente que agia para o bem-estar da
grande família brasileira. Esse intelectual ficou marcado na historiografia por sua
participação no governo de Getúlio Vargas, e principalmente por ter justificado
teoricamente o Estado Novo.355 Na década de 1922, Requião corroborava com as ideias
políticas de Oliveira Viana, acerca dos problemas das instituições liberais. Ambos
acreditavam na necessidade do país ter um chefe político forte capaz de eliminar as
ideias estrangeiras, como, o comunismo e o liberalismo. Como integrante da mesma
geração, para Altamirando Requião a implantação do Estado Novo era a consolidação
dos projetos políticos defendidos anteriormente.

A Alemanha: o modelo antiliberal

Durante o Estado Novo, Viana atuou no sentido da defesa do corporativismo. No


Estado corporativista a representação classista era interpretada como a mais legítima.
Essa análise serviu de base para a compreensão das funções legislativas da Constituição
de 1937. Funcionou para justificar a redução dos poderes legislativos do Parlamento e
para a configuração diferenciada da organização federativa, indicando o Poder

354
Entretanto, Pécault destaca a influencia de outros indivíduos para o pensamento autoritário no Brasil.
PÉCAULT, op. cit., p. 28. Embora fizessem parte da mesma geração, José Murilo de Carvalho afirma que
Viana jamais citou Plínio Salgado em seus textos. p. 225.
355
CARVALHO, José Murilo de, op. cit., p. 221,225. Viana foi de 1932 a 1940 membro da Comissão
Especial de Revisão da Constituição, em 1934 membro da Comissão Revisora das Leis do Ministério da
Justiça e Negócios Interiores e em 1940 Ministro do Tribunal de Contas do Estado Novo. Como membro
da Academia Brasileira de Letras, figurou como o grande patrono da sociologia brasileira até o
aparecimento de Casa-Grande e Senzala (1933) de Gilberto Freyre. SANTOS, Rogerio Dultra dos.
Oliveira Vianna e o Constitucionalismo no Estado Novo: corporativismo e representação política. In. p.
274. Rogerio Dultra dos Santos é pesquisador do constitucionalismo antiliberal no Brasil, pesquisa sobre
Francisco Campos, Oliveira Viana entre outros juristas.

109
Executivo para garantir a soberania nacional frente aos poderes locais, resultando na
concentração dos poderes nas mãos do Presidente da República.356
Por sua vez, o jurista alemão Carl Schmitt, autor da teoria do constitucionalismo
antiliberal, fundou a noção de democracia substancial. Nela, a lei deveria ser realizada
pela vontade de um líder. Seus ensinamentos acabaram servindo de parâmetro jurídico-
constitucional para as ditaduras ocidentais do século XX. Schmitt analisou as
instituições liberais da Alemanha, da República de Weimar, e realizou duras críticas.
Concluiu que a Alemanha deveria atuar em relação à crise da democracia
contemporânea, ameaçada pelo comunismo soviético.357
Desse modo, Viana para defender o Estado Novo colocava exatamente a
Alemanha como exemplo, – a Alemanha desse momento era a de Hitler – onde a
revogação parcial do monopólio legislativo do Parlamento era uma prática geral. O
autor sustentava a ideia de que a finalidade maior de qualquer modelo de organização
política era a completa realização do direito dentro do Estado e a defesa da sociedade
contra os inimigos fora do Estado, tornando legítima a forma política da ditadura. Nas
relações trabalhistas, ele compreendia que o Estado deveria ter a função de normatizar
os contratos coletivos. Todas as ―desordens‖ relacionadas ao mundo do trabalho, como
a luta de classes e as greves, eram resultado da falta de força do Estado liberal.358
Após a Primeira Guerra Mundial, diante dos problemas econômicos e de uma
classe operária cada vez mais revolucionária, a burguesia apelou para a força e a
coerção, ou seja, para alguma coisa semelhante ao fascismo. A ascensão da direita
radical foi uma resposta ao perigo da revolução social e do poder operário. O nacional-
socialismo realizou um expurgo radical das velhas elites e estruturas institucionais
imperiais. Para o capital, o fascismo ofereceu vantagens, como a eliminação da
revolução social esquerdista, exclusão dos sindicatos, dando aos empresários mais
direitos de administrar sua força de trabalho e, por último, evitar uma Depressão
econômica.359 A Alemanha, tornou-se o modelo de Estado a ser seguido, tese essa

356
SANTOS, Rogerio Dultra dos. Sequência, n. 61, p. 273-307, dez. 2010. p. 273-307.
357
O jurista Francisco Luís da Silva Campos, ao redigir a Constituição de 10 de novembro de 1937,
desenvolveu para a realidade nacional um modelo teórico jurídico de constitucionalismo antiliberal com
base em Schmitt. SANTOS, Rogerio Dultra dos. Francisco Campos e os fundamentos do
Constitucionalismo antiliberal no Brasil. op. cit., p. 283, 284.
358
SANTOS, Rogerio Dultra dos. Sequência, n. 61, p. 273-307, dez. 2010. p. 290. Os grandes industriais
e o exercito apoiaram Adolf Hitler. Em janeiro de 1933, Hitler foi nomeado Primeiro Ministro.
ALMEIDA, Ângela Mendes de. p. 114.
359
Embora, nem todas as forças que derrubaram os regimes liberais eram fascistas. HOBSBAWM, op.
cit., p. 115- 139.

110
defendida por diversos intelectuais antiliberais desse período, dentre eles Altamirando
Requião.
Em 1934, o proprietário do Diário de Notícias acreditava que a figura de Hitler
por si só representaria o cenário do período em que ele vivesse.360 Em 1935, o periódico
enalteceu a força do governo germânico em estabelecer acordos entre o patrão e o
empregado, sem aceitar interferência da oposição. O novo regulamento da ―Ordem do
Trabalho Nacional de 20 de janeiro de 1934 deu então o principio regulador, no qual
deviam basear-se futuramente as relações de todos os colaboradores de uma empresa‖.
Para Requião, se os chefes teutônicos conseguissem manter essa mentalidade, a Nova
Alemanha estaria dando um exemplo a ser seguido por diversos países.361 O texto sobre
os benefícios das regras implementadas por Hitler foi em agosto de 1935. No Brasil, a
ANL, atuou legalmente até julho do mesmo ano, assim cabia a Vargas naquele
momento atuar do mesmo modo que o dirigente alemão. Portanto, antes mesmo da
instalação do golpe de 1937, e da implantação do corporativismo de Oliveira Viana,
Requião defendia que o capital nacional deveria utilizar-se dos mesmos artifícios do
fascismo.
De acordo com José Carlos Peixoto Junior, o Diário de Notícias serviu como um
elo entre a Alemanha e os germânicos na Bahia, entre os anos de 1935 e 1942. Com o
investimento de comerciantes, anunciantes e da própria embaixada alemã, o periódico
ajudou a construir no estado uma imagem favorável da política nazista. O país era
apresentado a partir de diversos ângulos: social, econômico, político e religioso. As
matérias eram produzidas por editores, colaboradores e editorialistas alemães, e
expostas com os seguintes títulos: ―Linha de colaboração, exclusiva, para o Diário de
Notícias‖ e ―Dos sectores alemães‖, e ―Carta alemãs‖ em 1937.362 Por exemplo, em
agosto de 1936, o periódico mostrou para os leitores a visita da mocidade ―hitlerista‖ na
Itália. Durante o evento, o correspondente encontrou, entre a multidão, o soldado de
nome Gustavo, que afirmou ter parentes na Bahia e mencionou o nome de um tio, o Sr.

360
REQUIÃO, Altamirando. O GRANDE HITLER. Diário de Notícias, Salvador, 03 jul. 1934. p.2. O
Grande Hitler demonstra o seu extraordinário prestígio. Diário de Notícias, Salvador, 03 jul. 1934. p. 1.
361
Diário de Notícias, Salvador, 9 ago. 1935. p. 2. Apud Peixoto. Op. cit., p. 73.
362
Em 1939, Requião vendeu o periódico a Antônio Balbino. Em 1943, foi vendido para os Diários
Associados, de Assis Chateaubriand. PEIXOTO JUNIOR, José Carlos. A Ascensão do nazismo pela ótica
do Diário de Notícias (1935-1941). 2003. 166f. Dissertação (Programa de Pós- Graduação em História
Social) Faculdade Social da de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2003. p. 10

111
Hugo Vlatten, diretor do clube alemão no estado. O repórter prometeu mandar
saudações para o parente do jovem por ―intermédio do Diário de Notícias”.363
Em 1936, o periódico inaugurou o espaço ―Dos sectores alemães‖. A coluna
tinha o proposito de informar a colônia germânica na Bahia acerca dos preparativos e a
realização das Olimpíadas de Berlim. Ainda, trazia matérias sobre os aspectos internos
do país, principalmente àqueles voltados para pesquisa e desenvolvimento tecnológico
em diversas áreas do conhecimento. Já em 1937, Cartas alemãs retratavam o cotidiano
do Volk, povo, e a economia na Nova Alemanha.364
Conforme Evandro Henrique Rabello, a comunidade alemã na Bahia se
organizou em diferentes entidades. Houve o Clube de Tiro da Bahia, depois Clube
Germania de Salvador que, mais tarde, tornou-se Sociedade Germania, localizada na
Avenida Sete de Setembro. Para além do caráter recreativo, a instituição exerceu outros
papéis fundamentais para a colônia alemã local. No âmbito comercial, esses
estrangeiros atuaram na Bahia em dezenas de empresas de exportação, escoando a
produção de produtos como cacau, fumo, charutos, piaçava, açúcar, café, algodão,
dentre outros. E na importação, traziam linho, seda, lã, brins, meias, fogos de artifício,
vidros, porcelana, embutidos, carne salgada, trigo, tintas, mobílias, pianos,
medicamentos e diversas outras mercadorias. As empresas de maior destaque nesse
período eram: Laporte & Co, Overbeck, Linde &Co, Hoffmann & Co, Behrmann & Co
e Von Uslar, algumas delas movimentando as exportações das empresas de fumo do
recôncavo baiano, como Dannemann e Suerdieck.365 Portanto, eram para essas pessoas
que Altamirando Requião trazia as informações alemãs.
Para Peixoto, o que levou o jornal de Requião a assumir o papel de
propagandistas da Alemanha foi o fato dele ter boas relações com a Associação
Comercial da Bahia. As empresas alemãs faziam propaganda no Diário de Notícias. Por
sua vez, essas corporações controlavam setores da economia local e o jornal foi porta
voz, desde o início do século XX, da entidade que representava essa classe.366 Como foi

363
A juventude hitlerista, visita, oficialmente, a Itália. Diário de Notícias, Salvador, 16 out. 36. p.1.
364
PEIXOTO, op. cit., p. 82.
365
RABELLO, op. cit., p. 108, 122, 131. Entre os clubes do carnaval de 1938, havia o baile do Clube
Alemão, com sede no bairro da Vitória. ―os seus associados (...) estão a postos para que o Arraial
germânico faça vibrar mais ainda a folia‖. No Clube Alemão. Diário de Notícias, Salvador, 26 fev. 1938.
Do mesmo modo, o jornal fazia propaganda das empresas alemã. Por exemplo, quando o representante da
Suerdieck estava na Bahia era no jornal de Requião que o os produtos eram anunciados, com direito a
página inteira do jornal para mostrar os avanços tecnológicos desenvolvido na Alemanha. A indústria
alemã em franca atividade. Diário de Notícias, Salvador, 5 out. 1936. p. 6.
366
PEIXOTO, op. cit., p. 9.

112
retratado, no segundo capítulo, em 1932, Requião utilizou do seu prestígio com a classe
comercial da Bahia para articular o grupo com o interventor Juraci Magalhães. No
entanto, afirma-se que apenas as relações sociais com os empresários germânicos
instalados na Bahia não justificavam o financiamento da embaixada alemã no seu
periódico. Acredita-se que a escolha do jornal de Requião assumindo o papel de elo
entre a Alemanha e sua colônia na Bahia, tenha tido outros fatores.
Entre os anos de 1922 e 1937 constata-se o posicionamento de Altamirando
Requião contra as práticas liberais. Depois da Revolução de 1930, o jornalista
empenhou-se em ajudar a construir um projeto autoritário para o país. O fato do
conteúdo dos textos do proprietário do periódico ter se apresentado com preponderância
em um viés antiliberal fez dele personagem propício para a realização do trabalho em
prol dos germânicos. O órgão representante na Bahia da Alemanha fascista deveria
compartilhar dos mesmos ideais políticos. Antes mesmo de 1935, Requião já tecia
elogios às ações do chefe alemão Adolf Hitler.
As relações do jornalista com a comunidade alemã na Bahia são anteriores ao
contrato do seu jornal. No ano de 1933, Requião recebeu uma carta:

Com o consentimento do Presidente honorário da Cruz Vermelha Alemã, do


Senhor presidente do Reich, Marechal de Campo von Beneckendorff und von
Hindenburg, o presidente abaixo assinado tem a honra de conceder como
sinal de gratidão da Cruz Vermelha alemã e de seu reconhecimento pelos
seus serviços especiais (grifo meu) prestados a Cruz Vermelha.

A epístola foi enviada de Berlim em 15 de outubro de 1932, mas passou pela embaixada
alemã para tradução e remetida para Requião em 2 de maio de 1933.367
Os contatos dos baianos com a Cruz Vermelha foram anteriores aos anos de
1930. Em 1915, a Revista A Cultura Alemã, retratou um episodio em que três estudantes
da faculdade de Medicina da Bahia solicitaram atuar na instituição. Conforme a nota, o
representante do império alemão ―entre nós‖ escreveu agradecendo a atitude
humanitária dos baianos, mas informava a impossibilidade de atender a tal pedido.368
Na Segunda Guerra Mundial, Evandro Henrique Rabello, através dos relatos orais dos
imigrantes na Bahia, verificou a atuação da Cruz Vermelha no estado. Em 1943, alguns

367
MENKIN, Von Winterfeldt – (Presidente da Cruz Vermelha Alemã), Certidão de posse da insígnia
concedida, 1932. Alemanha, Consulado na Bahia. Acesso: Academia de Letras da Bahia, acervo pessoal
de Altamirando Requião. Salvador, Bahia.
368
PARA A HISTÓRIA DO FUTURO (estudantes da Bahia na Cruz Vermelha alemã). In. A Cultura
Alemã. Cidade do Salvador, vº 2, ano I, maio 1915. p .40.

113
cidadãos alemães foram autuados e enviados para a Vila Militar dos Dendezeiros, em
Salvador, e para a cidade de Maracá, sudoeste baiano. O intuito era impedir que esses
indivíduos se comunicassem com os navios alemães, ancorados na Bahia e em Sergipe.
Os familiares dos presos receberam ajuda financeira da instituição.369
No texto da carta não fica claro quais foram os ―serviços especiais‖ realizados
por Requião à Cruz Vermelha no início da década de 1930, a ponto dele ter recebido
agradecimentos. Sabe-se que o jornalista se empenhou em amenizar as ações da
Alemanha na Grande Guerra. No ano de 1919, na festa da Raça Ibérica, ele tentou
mostrar como o país germânico não havia sido sozinho responsável pelo conflito. No
ano de 1922, em Consciência e Liberdade, o autor destacou como a imprensa brasileira
agiu em favor dos interesses da Inglaterra e da França. Corroborou o mesmo discurso de
outros germanistas, como Mario Pinto Serva, Requião defendia a ideia que o país
teutônico além de ter sofrido um golpe midiático, era injustiçado ao ter que pagar
dívidas, conforme o Tratado de Versalhes.
Segundo Eric Hobsbawm, a situação mundial criada pela Grande Guerra (1914-
1918) era inerentemente instável, principalmente na Europa e, também, no Extremo
Oriente. Portanto, não se esperava que a paz durasse. Na Alemanha, tanto os comunistas
da extrema esquerda quanto os nacional-socialistas de Hitler, na extrema direita,
considerava o Tratado de Versalhes injusto. Entretanto, a insatisfação com o status quo
não se restringiu apenas aos Estados derrotados. O Japão e a Itália, vencedores, estavam
insatisfeitos com os seus ganhos. A Itália não recebeu o que havia sido prometido pelos
aliados em troca da entrada ao lado deles em 1915. Com o triunfo do fascismo,
movimento imperialista e ultranacionalista, cresceu a insatisfação italiana. Assim, é
inegável que as agressões das três potências, Alemanha, Japão e Itália, ligadas a vários
tratados desde meados de 1930, resultaram na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).370
No Brasil, o Estado Novo demonstrou ambiguidade nas relações com os países
beligerantes. Por exemplo, em abril de 1940, o Presidente Getúlio Vargas, a bordo do
encouraçado Minas Gerais, discursou para os oficiais do Exército e da Marinha,
condenando a liberal-democracia: ―passou a época dos liberalismos imprevidentes‖.
Assim, o chefe de Estado não ocultou as simpatias pelas práticas dos governos fascistas.
―[...] assistimos à exacerbação dos nacionalismos, as nações fortes impondo-se pela

369
RABELLO, op. cit., p. 62.
370
HOBSBAWM, op. cit., p. 43-44.

114
organização baseada no sentimento de Pátria e sustentando-se pela convicção da própria
superioridade‖.371
Em junho de 1940, os EUA liberaram verbas para o Brasil construir a sua
primeira usina siderúrgica – a de Volta Redonda. No final do ano, o Brasil não se
apresentou equidistante em relação à Alemanha e aos EUA, mas, sim, com uma postura
de assimetria na qualidade e na quantidade de vínculos com os dois países.
Independente das questões ideológicas da democracia liberal americana e do nazismo
alemão, no âmbito econômico o governo Vargas procurou adequar-se às práticas
internacionais do comércio. Em 1934, apostou em tirar vantagens do ―Novo Plano‖
alemão e, concomitantemente, comercializou com os norte-americanos, embasado no
acordo assinado em 1935, que mantinha as taxas alfandegarias reduzidas entre os dois
países.372
A Segunda Guerra Mundial só alcançou, mesmo, o Brasil em 1942, quando
navios mercantes brasileiros foram torpedeados por submarinos alemães. O
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) somente noticiou as agressões do Eixo
quando dezenas de cadáveres, feridos e destroços chegaram às praias de Sergipe e da
Bahia. Centenas de manifestantes, alunos das Faculdades de Medicina e de Direito, da
Escola Politécnica, do Ginásio da Bahia, profissionais liberais e pessoas do povo saíram
às ruas da cidade do Salvador, exigindo a imediata declaração de guerra à Alemanha, à
Itália e ao Japão.373
No dia 8 de agosto, na Praça da Sé, realizou-se um comício para exigir que o
país declarasse guerra ao eixo, pois a população não tolerava mais a falta de
posicionamento do presidente perante os fatos. Nos dias 15 e 16 do mesmo mês, os
submarinos inimigos afundaram 5 navios brasileiros na costa da Bahia. O episódio
deixou um saldo de mais de 550 mortos. Uma onda de ódio e repudio se espalhou por
toda a capital baiana. A reação da população culminou no ato de depredação de casas
comerciais de propriedade dos alemães, dos italianos e dos espanhóis. O Brasil só
declarou guerra ao eixo, em 22 de agosto. No texto oficial, a Alemanha e a Itália foram
apresentadas como ―nações agressoras‖. O governo estava dividido entre os
americanófilos, liderados pelo ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, e

371
PALAVRAS do presidente sobre a guerra. Diário de Notícias, Salvador, 20 abr. 1940. p. 8;
TAVARES. op. cit., p. 431.
372
PINHEIRO, Letícia. A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Revista USP, São Paulo, n. 26,
jun./ago. 1995, p. 110-111; TAVARES, op. cit., p. 431-432.
373
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 11. ed. São Paulo: Ed. UNESP; Salvador:
EDUFBA, 2008. p. 432.

115
germanófilos, que tinha o ministro da Guerra, o general Eurico Gaspar Dutra e o chefe
do Estado Maior do Exército, o general Aurélio Góes Monteiro.374
Diante desse cenário, em 22 de agosto, em Salvador, manifestantes ameaçaram
empastelar a sede do Diário de Notícias, localizada na Rua Santos Dumont, no
Comercio. A polícia foi chamada para conter a ação da multidão. Mas, mesmo assim,
um grupo conseguiu despistar as autoridades e danificar parte do maquinário. O
periódico foi reconhecido pela população como representante da Alemanha na Bahia.
Igualmente, firmas alemãs como Westphanlen Bach, Krohn e Cia, do setor de máquinas
e ferragens, a Suerdick e a Danemann, ligadas ao setor fumageiro agroexportador, todas
elas anunciantes do periódico, também sofreu represálias.375
O Diário de Notícias foi propriedade de Altamirando Requião de 1919 a 1939.
Antônio Balbino, em 1939, adquiriu o periódico e o comandou até 1942. No ano de
1943, a empresa foi vendida para os Diários Associados de Assis Chateaubriand.376
Durante a Primeira Guerra Mundial, a revista Cultura Alemã ficou responsável pela
divulgação da cultura alemã na Bahia. Seus assuntos eram sobre letras, ciências, artes e
atualidades, e se apresentava como defensora da civilização, contra o barbarismo dos
―povos incultos e invejosos‖. Entre os anos de 1935 a 1939 Requião carregou a mesma
responsabilidade anterior atribuída a Karlos Weber, proprietário de A Cultura Alemã.377

374
Conforme João Falcão, enquanto A Tarde e o Diário da Bahia faziam campanha patriótica, o Diário
de Notícias dava cobertura à Alemanha nazista. 176, 179- 180, 189.
375
PEIXOTO, op. cit., p. 9. A sociedade Germana e o Colégio Alemão também sofreram represálias.
RABELLO, op. cit., p.60.
376
Em 1943, jornal passa a ser comandado pelo pernambucano Odorico Tavares. Diário de Noticias
encerrou suas atividades em 1979 e em 1981 a 17ª Vara Comercial de Justiça do Estado decretou sua
falência. PEIXOTO, op. cit., p. 10.
377
Entre os anos de 1939 a 1942, quando Antônio Balbino esteve à frente do periódico, o coronel
Franklin Albuquerque possuía a maior parte das ações do Diário de Notícias. PEIXOTO, op. cit., p. 10.
A população invadiu a sede do jornal e acusou o interventor de comemorar os ataques alemães à
sociedade baiana, pois sua esposa era de origem alemã e em seu governo possuía membros da AIB.
FALCÃO, op. cit., p. 185.

116
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A principal proposta deste trabalho foi analisar a trajetória de Altamirando


Requião, entre os anos de 1922 e 1937. Ele acreditava na função social e política que
deveria ser desempenhado pelos homens de letras. Assim, o jornalista utilizou-se de sua
produção intelectual em prol de um projeto político para o Brasil.
O jornalista baiano tomou parte no debate das principais questões políticas do
país. Na década de 1920, ele fez parte da geração de intelectuais inconformados com o
regime republicano. Integrante da classe dirigente baiana agia com o objetivo de manter
a estrutura social vigente. Sua critica à República não visava à liquidação do Estado e
sim transformações que resultassem em um governo forte e centralizado. Através do
Diário de Notícia, expressava seu ponto de vista no que concerne aos assuntos
internacionais, nacionais e locais.
De forma mais incisiva, em Consciência e Liberdade, o autor apontou os
problemas sociais da ―tribo brasileira‖. A partir dos principais tópicos como raça, nação
e democracia, responsabilizou os liberais pelas dificuldades nacionais. Ao propor um
novo modelo político para o país, dialogou com os demais indivíduos que, como ele,
defendiam um viés antiliberal conservador para organizar a nação. Foram examinadas
as relações do escritor com Ronald de Carvalho, Renato Almeida, Mario Pinto Serva
entre outros. Mas é na obra de Oliveira Viana que se percebe maior atrelamento das
ideias do proprietário do Diário de Notícias com o pensamento autoritário. Ambos
destacaram o 13 de maio de 1888 como um marco para entender os problemas do
Brasil. Consciência e Liberdade foi percebido como uma continuação de Populações
Meridionais do Brasil. Viana estudou o país da Colônia até 1888 e Altamirando
Requião iniciou seu debate a partir da abolição da escravidão até a década de 1920.
Na tentativa de intervir na política baiana, em 1929, Requião escreveu Epístolas
ao Sr. Vital (1929). O texto era dedicado a apontar os erros cometidos pelo governo de
Vital Soares. Nessa obra foi possível perceber as inquietações políticas do autor antes
das mudanças de outubro de 1930. O jornalista atuou da defesa da ―Revolução‖ até a
implantação do Estado Novo. Auxiliou Juraci Magalhães na articulação de seu governo
com grupos locais e na montagem do Partido Social Democrático (PSD). Durante a
atuação do político cearense, o jornalista defendeu como pôde a imagem do governo

117
contra seus adversários, principalmente, os autonomistas baianos. Seu jornal serviu de
porta voz do governo e de arma para desqualificar o discurso dos liberais. Requião via a
concretização dos seus anseios, expostos dos anos de 1920, no projeto político de
Getúlio Vargas.
Em 1936, ele escreveu Análise Oportuna. O texto visava proteger o governador
das acusações feitas pelos integralistas e combater o avanço do Sigma e do liberalismo
no estado. Dos anos de 1933 a 1935 percebem-se relações de afinidades entre o
proprietário do Diário de Notícias e os camisas-verdes. Mas o jornalista, mesmo
defendendo o Estado integral, não se filiou a AIB, pois a pratica política na defesa do
governo de Juraci era mais importante. Assim, em 1936, quando o governador mandou
fechar os núcleos integralistas, Requião utilizou-se de sua escrita em ação contra os
adversários. Em 1937, contrariando os autonomistas que queriam a sucessão
presidencial, utilizou-se do seu periódico para defender a necessidade de permanência
de Getúlio Vargas no poder e auxiliou o governo federal no estado na articulação para a
implantação do Estado Novo.
Na seara internacional, na década de 1920, um dos seus propósitos foi amenizar
a responsabilidade da atuação da Alemanha na Primeira Guerra Mundial. Na ação,
utilizou-se do mesmo discurso da Revista A Cultura Alemã. Requião via no país
germânico um modelo de antiliberalismo que poderia ser implantado no Brasil. Entre os
anos de 1935 e 1939, seu periódico propagou as ideias do nazismo na Bahia e serviu de
elo entre a Alemanha e seus colonos. Desse modo, o jornalista realizou a mesma função
desempenhada anteriormente por Karlos Weber na publicação A Cultura Alemã. Em
1942, quando a população invadiu a sede da empresa ele não era mais proprietário do
Diário. A identificação do órgão como represente dos teutônicos na Bahia, decorreu do
trabalho iniciado por Altamirando Requião.
Diante do exposto, esta dissertação teve como finalidade apresentar como
Altamirando Requião foi figura importante no cenário político baiano, principalmente
na década de 1930. Os trabalhos já realizados sobre Juraci Magalhães não apontaram os
sujeitos baianos que durante o seu governo contribuíram para o funcionamento da
maquina política varguista e alimentaram as vertentes autoritárias que deram suporte ao
governo em âmbito estadual e federal.

118
ARQUIVOS

Acervo pessoal de Altamirando Requião. Academia de Letras da Bahia. Salvador. BA


Biblioteca da Associação Comercial da Bahia. Salvador. BA
Acervo jornais raros. Biblioteca Pública do Estado da Bahia. Salvador. BA.
Acervo digitalizado da Biblioteca Nacional do Brasil. (periódicos).

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Letras da Bahia, acervo pessoal de Altamirando Requião. Salvador, Bahia.
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o Deputado Altamirando Requião. Acusando de ter recebido ―Judiciosa carta‖.
_____. 12 ago. 1936. (departamentos dos Correios e Telégrafos). Agradece a defesa do
―amigo ao nosso governo‖ contra as ―investidas do velho bombardeador‖. (Supõe-se ser
Seabra).
_____. 28 mai. 1937. (departamentos dos Correios e Telégrafos). Pede para
Altamirando Requião não deixar de visitar José Américo antes de iniciar a campanha.
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dez. 1942, Salvador. Bahia. Acesso: Academia de Letras da Bahia, acervo pessoal de
Altamirando Requião. Salvador, Bahia.

3-ATAS

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5-PERIÓDICOS

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