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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E


ARTE – ICHCA

CURSO: HISTÓRIA LICENCIATURA

DISCIPLINA: HISTÓRIA DE ALAGOAS 2

PROFESSOR: DR. JOSÉ ROBERTO

ALUNO(A): INGRID STEFANNY

Rafael, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo: religião e política na Primeira


República. São Cristóvão: Editora UFS; Maceió: EDUFAL, 2012.

O trabalho a seguir se debruça sobre a obra “Xangô Rezado Baixo: religião


e política na Primeira República”, de autoria do antropólogo Ulisses Rafael, professor
da Universidade Federal de Sergipe. Dessa forma, o autor faz de forma singular um
apanhado contextual tanto da sociedade alagoana do período, concomitantemente a
insere no âmbito nacional da Primeira República.

De acordo de o autor, na noite de 1° de fevereiro de 1912, as ruas de Maceió


foram palco de uma devassa, “quando um grupo de rapazes, na sua maioria empregados
do comércio, foram se chegando ao número 311 da rua do Sopapo, no bairro da Levada,
residência de Manoel Luz da Paz e sede da liga dos Republicanos Combatentes, misto
de guarda civil e milícia particular, criada há pouco mais de dois meses com a
finalidade de fornecer suporte físico à campana de estilo persecutório contra o
governador Euclides Malta e onde também se realizavam os ensaios do tradicional
Clube dos Morcegos, presença cativa nos carnavais de Maceió daqueles primeiros anos
do século passado” (RAFAEL, 2012, p. 27).

Ulisses Rafael pontua que dentre os manifestantes havia alguns praças do


Batalhão de Polícia do Estado que haviam desertado devido a insatisfação com atrasos
salariais, concomitante viam na situação a oportunidade de livrar-se do serviço militar.
“A palavra de ordem repetida para diversão de todos e escárnio geral na ocasião era:
‘rasga’!. Essa exclamação que traduzia uma revolta quase generalizada na cidade, em
questão de dias deixou de ser a favorita e foi substituída por outra mais aprimorada:
‘Quebra’!” (RAFAEL, 2012, p. 29).

Nesse sentido, Rafael sublinha que além os clubes pretinho, morcegos, cor
de canela, se agitavam não somente porquê era véspera de carnaval, mas também “se
realizava uma das festas mais tradicionais promovidas pelos terreiros de Maceió, no
caso, a festa de Oxum [...] Um dos lugares de onde partia aquela ‘zoeira’ era a casa de
Chico Foguinho, um dos mais famosos e aclamados pais de santo de Maceió [...] Esses
festejos, abrilhantado por uma orquestração de adufos, chocalhos e, e que eram
integrados por devotos ardorosos e muito entusiasmados, já andaram incomodando o
sossego dos habitantes das ruas Barão de Maceió e Dias Cabral, antiga do Reguinho, na
qual situava aquele terreiro em que Chico Foguinho atuava, conforme denúncia feita no
jornal A Tribuna de 1903” (RAFAEL, 2012, p. 30).

Segundo autor, não era mais tempos tranquilos e a situação política era
instável, “já que o papa do Xangô alagoano, grande protetor daquelas casas se achava
afastado de suas funções governamentais” (RAFAEL, 2012, p.31). Nesse sentido,
quando foi deflagrado a Quebra aos terreiros, “o primeiro a ser atingido, pela
proximidade em que se encontrava, foi o terreiro de Chico Foguinho [...] Diversos
objetos sagrados, utensílios e adornos, vestes litúrgicas, instrumentos utilizados nos
cultos foram retirados dos locais em que se encontravam e lançados no meio da rua,
onde se preparava uma grande fogueira [...] Alguns objetos foram conservados para
serem exibidos depois na sede da Liga, outros em tom de zombaria no cortejo que se
armou em direção a outras casas de Xangô nas proximidades” (RAFAEL, 2012, p. 32).

Apesar da violência física e simbólica empregados ao povo de santo, houve


resistência por parte dos mesmos, onde “ os que insistiram em ficar, acompanhando tia
Marcelina, a qual resistiu ao ataque permanecendo no lugar, sofreram toda sorte de
violência física, sendo a mais prejudicada a própria mãe de santo, a qual veio a falecer
dias depois em função de um golpe de saber na cabeça aplicado por um daqueles praças
da guarnição que dias antes haviam desertado do Batalhão Policial” (RAFAEL, 2012, p.
37).

Conforme aponta Rafael, a devassa aos terreiros seguindo durante o fim de


semana e se espalhou por outros terreiros de Maceió, atingindo o Mestre Félix, o mesmo
possuía uma influência no “círculo governista era conhecido de todos, já que sua casa
tornou-se ponto obrigatório de visitas por parte dos correligionários do Partido
Republicano, sobretudo nós períodos de eleição [...] O quebra não se restringiu aos
terreiros da capital, tendo se estendido também por povoados e distritos próximos como
Paraguai, Atalaia, Santa Luzia do Norte, Alagoas, antiga capital da província e
Tabuleiro do Pinto” (RAFAEL, 2012, p. 40).

Após a abusiva situação em que foram expostas, “as manifestações


populares integradas por negros passaram a ser vistas com certa desconfiança
principalmente os cantos [...] mantendo suas atividades religiosas; mas por temerem as
punições dos orixás que as das autoridades policiais. Resultou daí essa nova modalidade
de rito mais discreta, reservada e sem exuberância de outrora, a qual se convencionou
chamar de ‘Xangô rezado baixo’, assim denominado por dispensar o uso de tambores e
zabumbas” (RAFAEL, 2012, p. 42/43).

Rafael se debruça sobre a questão do silêncio a respeito das narrativos do


passado em específico sobre o Quebra, que se configura como “uma saída encontrada
pelas vítimas e seus descentendes, diante da condição de convívio a que se viram
forçados, com vizinhos e outros habitantes daquela comunidade, algum dos quais
tinham participado efetivamente do episódio da perseguição e com quem estavam
fadados a manter vários tipos de relação” (RAFAEL, 2012, p. 47). Assim temos “no
caso de Alagoas, a memória da perseguição sofrida nunca é acionada sem a presença de
um estímulo, como a indignação sobre o episódio [...] Assim sendo, a lembrança só
desponta quando provocada, e quando narrada, vem destituída dos requintes que a
situação exige” (RAFAEL, 2012, p. 49).

O autor ressalta a importância de compreender o que foi a Era Malta no


Estado de Alagoas, onde já inicia pontuando que o período o qual ficou conhecido como
Era dos Maltas, vai além da figura política de Euclides no poder máximo do executivo
estadual, pois quando o último não estava no comando que o substituía eram seus
asseclas, garantindo o seu mando local. Assim, alguns pontos são fundamentais para
compreender a biografia de Euclides Malta, um dele é a sua formação como bacharel
que foi uma “tendência, que teve forte influência na formação da nossa mentalidade,
consiste numa supervalorização de certos símbolos, entre os quais se destacavam as
carreiras liberais, o título de doutor e o prestígio das palavras escrita” (RAFAEL, 2012,
p. 77). Assim, o autor pontua que “a finalidade do bacharel Euclides Malta, nesse
período mais adiantado, continuava sendo a de assegurar o poder familiar” (RAFAEL,
2012, p. 77).

Rafael sublinha o quanto a figura de Euclides Malta é caracterizado pela


“passagem entre dois tempos e dois mundos distintos [...] ele é um caso típico de
indivíduo que buscou através da valorização de educação, mais especificamente da
formação em Direito, o caminho para ingressar na vida política, porém, sem dispensar
outros atributos [...]adquiridos no interior de uma família tradicional e acionados como
importantes credenciais na construção de sua própria estirpe” (RAFAEL, 2012, p. 78).

Nesse sentido, a explanação desse período que a família Malta se


consolidou no poder nos dá pistas, pois houve uma ruptura na forma de administrar o
Estado. O autor nos aponta que antes da Era dos Malta havia uma volatilidade à frente
do executivo estadual, onde os administradores passavam um curto período chefiando o
Estado, “no geral os mandatos não iam além de alguns dias e meses, sendo poucos que
cumpriam por mais de um ano [...] Euclides Malta irá reapresentar um corte no modo de
fazer-se política no Estado, além de servir como paradigma para administração futuras”
(RAFAEL, 2012, p. 81).

Contextualizando com a conjuntura nacional, Rafael salienta que o período


que Euclides adentra profundamente na política alagoana, o Brasil passava por um
contexto de profundas transformações durante o mandato de Campos Sales, em que
“seu projeto político implicou a restrição dos militares no poder, encerrando o ciclo
militarista republicanos. Em contrapartida, favoreceu a ascensão das oligarquias civis,
as quais apesar de já terem obtido algum destaque desde o início da República,
reclamavam uma participação mais efetiva na vida política do país” (RAFAEL, 2012, p.
82).

Nesse contexto de mudanças aludido, Euclides Malta, este “um fiel


representante em Alagoas das elites agrárias, garantirá sua posição no mapa oligárquico
que se desenhava por todo país [...] lançou mão do modo peculiar de fazer política que
tanto caracterizou esse período da nossa história: fraudes eleitorais, duplicatas e
violências contra opositores, atuação marcante da figura do coronel e a presença da
indefectível instituição voto de cabresto e o ‘Curral Eleitoral’” (RAFAEL, 2012, p. 83).
Assim, Euclides se beneficiou da ordenação política do que se configurou a chamar de
“politica dos governadores”, garantindo a sua posição oligárquica de forma a assegurar
o comando da administração local.

Porém, o seu governo utilizou-se de procedimentos no mínimo escusos para


se manter no poder. Tais como o artifício utilizado por Euclides em favor do seu irmão
Joaquim Paulo Malta, que consistiu em uma mudança constitucional enviada ao
Congresso, que acrescentava ao texto primitivo dispositivo que viabilização a eleição do
seu irmão Joaquim Paulo Malta. Porém tal manobra teve consequências significativas,
dentre elas está “a ruptura política com seu sogro e preceptor, o Barão de Traipu, que
inclusive inicializou a substituição de Euclides Malta quando do seu afastamento do
poder, pelo seu vice, Coronel Miguel Nunes da Silva Tavares, grande latifundiário e
correligionário do Barão” (RAFAEL, 2012, p. 85).

Além dessa querela familiar, no seu segundo mandato houve uma nova
reforma na Constituição Estadual, que garantiu a sua reeleição, conservando o estilo
autocrático de fazer política. Nesse contexto aludido, a candidatura do Gen. Clodoaldo
da Fonseca contagiou inúmeros segmentos da sociedade que buscavam derrubar a
oligarquia Malta, atualizando em Alagoas sob o nome de “soberania”, o movimento que
a nível nacional chamava-se “salvação” (RAFAEL, 2012, p.93).
De acordo com Ulisses Rafael, outro capítulo singular no desgaste do
governo de Euclides Malta, foi o mistério que permaneceu a transação do empréstimo
externo. O empréstimo ocorre em meio “a falta de capital e a baixa dos preços dos
produtos agrícolas no Estado, já reclamados por Euclides Malta em sua primeira
mensagem dirigida ao Congresso alagoano, que se fez necessária a implementação de
uma medida administrativa que iria marcar toda a sua atuação política dali em adiante.
Trata-se do tal propalado ‘empréstimo externo’, operação que já nasceu sob o signo da
suspeita, razão pela qual foi desde o início atacada pela oposição, cuja exploração feira
do fato, resultou num dos motivos da destituição de Euclides Malta, sete anos depois”
(RAFAEL, 2012, p. 100). Assim, de acordo com autor, “pode-se afirmar com
segurança, que esse sumiço do secretário do interior e o grande mistério em que
permaneceu essa transação do empréstimo externo, se não foi a causa principal da
derrocada de Euclides Malta do poder, sem sombras de dúvidas concorreu para que isso
acontecesse mais rapidamente” (RAFAEL, 2012, p. 105).

Outrossim, refere-se ao papel que a imprensa teve na proliferação do


preconceito religioso, onde a mesma passou a atribuir uma suposta prática que “vinha se
tornando comum entre os correligionários do Partido Republicano do Estado, que
recorram à ajuda do sobrenatural para obter sucesso em seus projetos eleitoreiros ou em
nomeações para cargos importantes da administração pública” (RAFAEL, 2012, p.
118). A crônica local no ápice da crise enfrentada por Euclides Malta dizia que não se
conseguia dormir devido o barulho tambores, onde corria na boca miúda que o
governador frequentava terreiros de xangô no intuito de se manter no poder. O que teria
alterado a relação de “tolerância” supostamente foi a inclinação dessas casas para a
defesa irrevogável de Euclides Malta, ou seja, um desvio na sua função religiosa.

Em linhas gerais, Ulisses Rafael pontua que dentre as principais causas dos
ataques aos terreiros de Xangô de Alagoas consiste no fato do governador Euclides
Malta, nos últimos anos de sua administração política, contraiu no seio da população um
tipo de insatisfação que extrapolou a sua destituição do cargo, afetando também seus
asseclas e as práticas religiosas associadas a ele, tal fato fica nítido na destruição de
peças dos terreiros que estava ligadas diretamente ao governador, pois o mesmo passou
a ser encarado como a personificação do mal.
Nesse sentido, o autor sublinha a ligação entre Euclides Malta e as religiões
de matriz africana do ponto de vista que “o que fica como questão é o fato de que, não
foi por esse tipo de aproximação que a revolta contra terreiros se desenvolveu, mas sim
por um tipo de ressentimento para com o político, de que e cuja ausência, as casas de
culto tornaram-se a mais pura representação” (RAFAEL, 2012, p. 57).

Em síntese, a obra desenvolvida por Ulisses Rafael se mostra de


fundamental importância, pois demostra que a relação dialógica entre História e
Antropologia fomenta pressupostos conceituais e teóricos mais rico para ambas as áreas,
no sentido que os primeiros passaram valorizar comportamentos, crenças, cotidianos do
homem comum, como os antropólogos passam a se interessar por processos de
mudanças sociais, etc. Seu trabalho também se destaca pela crítica ao apagamento
histórico que o “Quebra” passou por parte dos estudiosos Alagoanos, ou seja, além da
violência física do começo da República, temos a violência simbólica através da
aniquilação da história das vítimas.

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