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No Atoleiro da Indecisão: Brejo das Almas e a Crise Ideológica dos Anos

1930

O autor inicia o texto apresentando uma comparação feita por José


Guilherme Merquior, entre Carlos Drummond de Andrade e Charles Baudelaire,
partindo da habilidade de ambos de introduzir uma nova sensibilidade
moderna, a partir da experiência existencial do homem com a grande cidade, e
a criação de uma escrita poética moderna, que rompia com a tradição clássica
e o romantismo. Drummond foi capaz de apreender o sentido profundo das
transformações sociais e culturais pelas quais o país passava, criando
personagens que dialogavam com o sentido de vítima e beneficiário de uma
modernização conservadora, com o indivíduo moderno como alguém mais
autônomo.
Essa contradição fez com que a sua poesia tivesse um cunho mais
abertamente participante no sentido social, onde o poeta se mostrou
empenhado em indagar criticamente sobre as impossibilidades de uma
constituição autônoma do indivíduo moderno entre nós. Seguindo esse
objetivo, Brejo das Almas mostra um individualismo exacerbado que se
defronta com as demandas da socialização, buscando uma participação e um
posicionamento ideológico que marcaram a vida intelectual e artística dos anos
1930. Drummond recorre à ironia e à negação final no momento em que o
conceito de nacionalismo passa a ter um sentido ditatorial, onde a “brasilidade”
era considerada também uma coisa negativa e conservadora. Ele faz da sua
própria indecisão política-ideológica o fundamento do conflito dramatizado em
sua obra.
Segundo o próprio autor, Brejo das Almas representou um avanço na
“grande inexperiência do sofrimento” e à “deleitação ingênua com o próprio
indivíduo”, com uma relação entre um individualismo exacerbado e uma
consciência crescente da sua própria precariedade. A obra mostra todas as
inquietudes que aflorariam intensamente nos livros seguintes, mas ainda assim
representa um momento totalmente distinto, sendo considerado um “produto da
crise ideológica de 1930”. Essa indecisão levou o poeta a oscilar entre os
conflitos pessoais e a condenação dessa preocupação individualista, com a
visão de um mundo sem transcendência.
Em um contexto de polarização ideológica, existe uma correlação nova
entre o intelectual e o artista e a sociedade e o Estado. Segundo Candido, o
alinhamento ideológico da nossa inteligência estava inscrito em uma tendência
internacional, mas também contando com a emulação direta dos
acontecimentos locais. O cenário europeu, em conjunto com as transformações
da Revolução de 30, reforçaram a necessidade de uma opção ideológica por
parte dos intelectuais. Essa polarização incluía um momento de autoanálise e
questionamento da própria intelectualidade, em um contexto de
“desaristocratização” da cultura.
Porém, Drummond parecia resvalar na zona do apoliticismo, se
aproximando das incursões psicanalíticas. Isso se tornou evidente em sua obra
de 1934, em que a desaprovação tácita da falta de conduta espiritual se tornou
um dos traços marcantes do livro.
Voltando à parte temático do livro, um dos tópicos que está muito
presente nos poemas que compõem a obra é o retrato da mulher fatal,
representado principalmente em “Desdobramento da Adalgisa”. Existe uma
projeção fantástica de duplificação da figura feminina, como uma figura
ambígua que ora se sujeita, ora se impõe. Mais do que ambiguidade, a
ambivalência dos desdobramentos de Adalgisa deixa claro a indefinição dos
homens em suas escolhas. Assim, o poema parece evidenciar a correlação
entre o conflito amoroso e o político-ideológico, que também será abordado em
“Registro Civil”.
Esse poema ocupa-se da tematização do desejo frustrado, com o retrato
de uma mulher que à princípio colhe margaridas, mas que depois são
transformadas em ostras que representam o coração dos namorados. Depois,
elas são colocadas em um lugar distante, enquanto “banhavam-se em
Ostende, sob um sol neutro”, para dar a ideia de inacessibilidade física da
mulher amada. A próxima estrofe apresenta o desenvolvimento das cidades no
contexto modernista, em especial daquela que dá o nome à obra e as outras
cidades mineiras marcadas pela colonização, fazendo também uma referência
à Aleijadinho.
Alguns poemas da obra também apresentam um eu lírico que sente um
apelo muito próximo da realidade exterior, que lhe atinge de forma confusa e
indistinta e retoma o individualismo extremo dominante em todo o livro. O
poema “Segredo”, por exemplo, representa a dúvida em que se encontrava a
subjetividade lírica, entre aderir a poesia mais abertamente participativa ou
não. Em Brejo das Almas, impera a dúvida sobre o embate dialético entre as
duas vozes de uma consciência cindida, que confirma a indecisão do próprio
Drummond.

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