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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


LITERATURA BRASILEIRA I
JHONATAN DE PAULA MAXIMIANO DIAS
N° USP - 11756421

ANÁLISE LITERÁRIA COMPARATIVA


A DESESPERANÇA DO HOMEM MODERNO

SÃO PAULO
2021
Esta análise tem como objetivo apontar as similaridades e contrastes entre duas
produções poéticas de dois poetas modernistas: “Na Rua Barão de Itapetininga”, de Mário de
Andrade, e “Lembrança do Mundo Antigo”, de Carlos Drummond de Andrade. As
similaridades entre os dois poemas começam na data de publicação dos livros “Lira
Paulistana”, de Mário, e “Sentimento do Mundo”, de Drummond, ambos foram publicados na
década de 40, época em que a segunda geração do modernismo já estava em voga. Essa
geração é caracterizada por consolidar os valores e ideais da primeira geração do
modernismo: rompimento da estrutura tradicional do verso, poesia sem rima, poemas com
características prosaicas e a politização da arte poética. Os poetas modernistas tinham como
objetivo abordar temas essenciais da época, tal como a ditadura do Estado Novo,
caracterizado pela o autoritarismo, centralização de poder, anticomunismo e nacionalismo, a
2° Guerra Mundial, que teve início em 1939, a industrialização do país e as condições de
trabalho da época.

Como citado acima, os dois livros onde foram publicados os poemas analisados
tiveram abordagens semelhantes, no de Mário de Andrade notamos logo no título que a lírica
está muito presente na obra, sendo a cidade de São Paulo o tema principal, característica que
também se assemelha ao livro “Pauliceia Desvairada”. A diferença entre “Pauliceia
Desvairada”, publicado em 1922, ano em que a primeira fase do modernismo estava em seu
apogeu, e “Lira Paulistana” é que no segundo livro, apesar de também cantar a tão admirada
São Paulo, os poemas são menos individualistas e mais coletivos, abordando temas político-
sociais. A mesma ideia de engajamento social foi adotada no livro “Sentimento do Mundo”,
de Drummond. O livro foi publicado quando o poeta amenizou o isolamento e o
individualismo do eu-lírico, características de sua fase anterior, dando lugar a sua fase social,
mostrando interesse pelos problemas da vida na sociedade brasileira. Vagner Camilo fala
como sua inclinação política à esquerda teve relevância para essa tomada de decisão do autor:

[...]essa viva inclinação terá se convertido de vez em decisão político-


ideológica clara, levando o poeta, se não a superar em definitivo o
individualismo extremos revelado desde o livro de esteia, ao menos a
conciliá-lo de algum modo com as exigências de participação[...]. (CAMILO,
2002)

Apesar do momento histórico ser praticamente o mesmo, a estrutura dos dois poemas
divergem. O poema do Mário de Andrade foi escrito com base na ideia do poeta de utilizar a
estrutura parnasiana do verso e transformá-la em algo novo, dando origem a um poema com
rimas alternadas, decassílabo, divido em 5 estrofes, cada uma com 4 versos, com exceção da
última, com 2 versos. O poeta fala dessa ideia na carta a Álvaro Lins:

A história da invenção desses poemas é engraçada, embora seja mesmo um


feito muito meu. Em 1936 lendo um livro de Paul Radin, Primitive Man as a
philosopher fiquei impressionado com uns cantos maiores que achei nele.
Dias depois dia [sic] na Revista Lusitana umas poesias do jogral Martim
Codax, galego, não me lembro mais si do séc.XII ou XIII, achei lindo, veio
a ideia(sempre falsa mas acatável em poesia) de fazer uns poemas naquele
espírito e renovando aquelas técnicas. Peguei um desses caderninhos de
fazer verso onde estiver, tomei nota de tudo e datei. A idéia (falsa) me
desaconselhou nuns versinhos francamente “galantes”. Fiquei horrorizado
mas guardei os versos galates para ver o que se fazia com aquilo. (LINS,
1983)

Já o poema de Drummond é constituído de rimas poéticas variadas, versos livres e


brancos, e com uma estrutura prosaica de 2 estrofes e cada uma com 8 versos longos. A
característica prosaica do poema de Drummond tem como objetivo a comunicabilidade da
poesia, visto que a informação contida nos textos pode ser usada para a conscientização do
leitor sobre o contexto presente. Em uma entrevista, o poeta fala sobre a comunicabilidade da
poesia: “Não acho que a poesia seja meio para se comunicar qualquer coisa, senão que ela
própria é algo que comunica” (ANDRADE, 1978)

Uma característica da segunda geração do modernismo que está presente nos dois
poemas é o engajamento político e social. Tanto em um poema quanto no outro, há uma visão
da situação político-social da década de 40, já que os livros foram publicados em contexto de
2° Guerra Mundial. E pouco tempo antes da publicação do livro, houve estabelecimento do
governo Vargas, que foi de 1930 até 1945 e dois anos depois, em 1932, aconteceu a
Revolução Constitucionalista. Época em que a liberdade de expressão, a esperança, e a
claridade (palavra usada por Drummond para expressar a não-ignorância, a felicidade, a
liberdade) estavam em risco, dando lugar a um momento de repressão ideológica,
pessimismo, e a escuridão (ignorância da população em relação aos acontecimentos presentes
na época).

A desesperança de um futuro melhor representa o resultado dos tempos caóticos


vividos nos anos 40, esse sentimento de desengano está presente nos dois poemas. Em “Na
Rua Barão do Itapetininga”, poema em que há uma voz que canta a rua paulista de tanto
prestígio na época, o eu-lírico descreve os sentimentos que a rua o faz sentir em meio a uma
multidão, dentre eles, conseguimos identificar, já na segunda estrofe, indícios de uma
desesperança por parte do eu-lírico ao ter vivido uma vida longa e não ter mais nada no que
acreditar, ele observa a esperança indo embora, assim como sua namorada: “Na rua Barão de
Itapetininga/Minha aspiração não agüenta mais,/A tarde caindo, a vida foi longa,/Mas a
esperança já está no cais.”. Na terceira estrofe, o eu-lírico continua com o sentimento de
desesperança marcada também pela falta de sua namorada, que agora se encontra ao longe, na
China: “Na rua Barão de Itapetininga/Minha devoção quebra duma vez,/Porque a mulher
que eu amo está longe,/É... a princesa do império chinês.”.

A namorada citada pode ser uma referência à liberdade, que na época estava em risco
por consequência do governo de Getúlio Vargas, liberdade esta que causa no eu-lírico um fio
de esperança ao passear novamente pela rua Barão de Itapetininga, após a estrofe que pode
fazer referência à revolução constitucionalista de 32: “Na rua Barão de Itapetininga/Noite de
São João qualquer mês terá,/Em mil labaredas de fogo e sangue/Bandeira ardente
tremulará.”. A Revolução, que aconteceu na Rua Barão de Itapetininga, teve como resultado
a Constituição de 1934, apesar da morte de 4 homens que representaram a luta: Martins,
Miragaia, Drausio e Camargo.

Em “Lembrança do Mundo Antigo”, o sentimento de desesperança do eu-lírico está


na comparação que faz entre passado e presente. Na primeira estrofe do poema, o poeta
utiliza a perspectiva de Clara para descrever o mundo antigo, um mundo onde Clara era livre,
podia transitar sem perigo, e a paisagem ao redor é descrita com palavras belas: “O céu era
verde sobre o gramado,/a água era dourada sob as pontes,/outros elementos eram azuis,
róseos, alaranjados”. Há também a descrição de um guarda-civil, figura que representa a
imposição da ordem social, com um semblante agradável e despreocupado: “o guarda-civil
sorria, passavam bicicletas”. Por outro lado, na segunda estrofe, há como se fosse um mundo
invertido, onde já não há as características de um mundo vivido pela perspectiva de Clara:
“As crianças olhavam para o céu: não era proibido./A boca, o nariz, os olhos estavam
abertos. Não havia perigo.”. O desengano, característica presente nos dois poemas, fica ainda
mais claro quando há uma indignação do tempo passado em comparação com o presente,
evidente pelo uso de exclamações, do eu-lírico na conclusão nos três últimos versos:
“[...]Mas passeava/[no jardim, pela manhã!!!/Havia jardins, havia manhãs naquele
tempo!!!”.

A comparação entre passado e presente nos deixa claro a saudade de um tempo que
não volta mais, assim como a namorada presente no poema do Mário de Andrade. Ao
procurá-la, enquanto anda pela Rua Barão de Itapetininga, o eu-lírico não a encontra em meio
a moças bonitas: “Não se vê moça que não seja linda/Minha namorada não passeia aqui”.
Logo depois de tanta procura, o desejo de encontrá-la se esvai: “Minha aspiração já não
aguenta mais”. Ao dar-se conta que a mulher já não pode ser alcançada: “Minha devoção
quebra de uma vez,/Porque a mulher que eu amo está longe”, ele perde todo o apego àquela
figura.

De maneira similar, Drummond descreve em seu poema um cenário tipicamente rural,


onde elementos naturais como o céu, a água, a relva e os pássaros estão presentes da forma
mais pura possível, dando característica a um lugar tranquilo e distante da cidade grande.
Esses elementos se transformam em um cenário urbano na segunda estrofe, especialmente
caracterizado pelo “[...] bonde das 11 horas”. Nesse espaço urbano, Clara já não pode ser
livre como era na primeira estrofe do poema. A liberdade tirada de Clara causa indignação e
desengano ao eu-lírico do poema de Drummond, assim como a falta da namorada no poema
de Mário faz com que o eu-lírico sinta o mesmo sentimento de desesperança e solidão.
Referências Bibliográficas

ANDRADE, Carlos Drummond de. “Sentimento do Mundo” (p. 62-82). In: ANDRADE,
Carlos Drummond de. Nova Reunião: 23 Livros de Poesia. 1ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2015.

ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira. 6ª ed. São Paulo, Martins, 1978.

ANDRADE, Mário de. “Lira Paulistana” (p. 411-464). In: ANDRADE, Mário de. De
Pauliceia Desvairada a Lira Paulistana. Edição especial. São Paulo: Editora Martin Claret,
2016.

CAMILO, Vagner. A Cartografia lírico-social de Sentimento do Mundo. São Paulo: Revista


USP, n. 53, p.64-75, março/maio 2002.

LINS, Álvaro. "A Crítica de Mário de Andrade". ln: Cartas de Mário de Andrade a Álvaro
Lins. R]: José Olímpio, 1983.

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