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RESUMO: O presente trabalho visa analisar a obra dramática Ollantay a partir das três hipóteses
levantadas para sua autoria anônima: a hipótese incaísta ou autoctonista, a hipótese hispanista e a hipótese
intermediária, identificando a coexistência de métodos e características incas e a influência espanhola,
sobre a construção do texto enquanto drama e sobre as próprias personagens. Tais análises permitirão que
se sistematizem essas literaturas, a literatura autóctone e a literatura hispano-americana colonial,
considerando a importância de uma memória histórica e literária da América hispânica. Para isso, a
metodologia adotada para a elaboração desse trabalho foi essencialmente de pesquisa documental e
bibliográfica, atentando para algumas questões como a invenção da América e suas consequências
(O’Gorman); mestiçagem das produções culturais na América Latina e compreensão do que é ser mestiço
(Gruzinski; Ortiz; Cornejo Polar); a organização da literatura e, ainda mais especificamente, do teatro
inca (Baudot; Inca Garcilaso de la Veja; Cáceres Romero); a literatura hispano-americana colonial
(Luciani); uma análise geral do corpus (Bendezú) e uma mais especifica, tomando como base estudos
relacionados as três hipóteses supracitadas (Lara; Macchi; Lienhard; Villagra; Del Estal; Macarrini).
Dessa maneira, pretende-se recuperar o que poderia ser considerado uma literatura quéchua e o que
poderia ser considerado uma literatura criolla, compreendendo que a conjugação dos métodos e costumes
espanhóis aos métodos e costumes indígenas deu origem a um novo fazer literário, que podemos chamar
literatura criolla ou literatura americana.
RESUMEN: El presente trabajo tiene por objetivo analizar la obra dramática Ollantay a partir de las tres
hipótesis levantadas para su autoría anónima: la hipótesis incaísta o autoctonista, la hipótesis hispanista y
la hipótesis intermedia, identificando la coexistencia de métodos y características incas y la influenza
española, acerca de la construcción del texto en cuanto drama y acerca de los propios personajes. Ese
análisis permitirá que se sistematice esas literaturas, la literatura autóctona y la literatura
hispanoamericana colonial, considerando la importancia de una memoria histórica y literaria de la
América hispánica. Para eso, la metodología adoptada para la elaboración de este trabajo fue
esencialmente de investigación documental y bibliográfico, atentando para algunas cuestiones como la
invención de América y sus consecuencias (O’Gorman); el mestizaje de las producciones culturales en
América Latina y comprensión de lo que es ser mestizo (Gruzinski; Ortiz; Cornejo Polar); la organización
de la literatura y, aún más específicamente, del teatro inca (Baudot; Inca Garcilaso de la Vega; Cáceres
Romero); la literatura hispanoamericana colonial (Luciani); un análisis general del corpus (Bendezú) y
una más específica, tomando por base estudios relacionados a las tres hipótesis citadas anteriormente
1
Ensaio de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Letras da UFRPE como
requisito para obtenção de grau em Licenciatura em Letras (Português/Espanhol), sob a orientação da
Profa. Dra. Brenda Carlos de Andrade (UFRPE).
2
Graduada do Curso de Licenciatura Plena em Letras/Espanhol da Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE). E-mail: debbie.morais@hotmail.com.
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Professora de Literatura de Língua Espanhola na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e
Professora Colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
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(Lara; Macchi, Lienhard; Villagra; Del Estal; Macarrini). De esta manera, se pretende recuperar lo que
podría ser considerada una literatura quechua y lo que podría ser considerada una literatura criolla,
comprendiendo que la conjugación de los métodos y costumbres españoles a los métodos y costumbres
indígenas originaran un nuevo hacer literario, que podemos llamar literatura criolla o literatura americana.
1. Considerações Iniciais
Mas quais são os elementos que levaram teóricos como Georges Baudot e Jesús
Lara a sustentarem que o drama de Ollantay “es [...] de origen inkano, compuesto en
tempos anteriores a la llegada de los españoles al Perú” (LARA apud. BENDEZÚ,
1996, p. 9)? E, na contramão, o que levou o general Bartolomeu Mitre, durante o século
XIX, a ver em Ollantay “un drama cristiano y caballeresco, ‘de capa y espada’, hecho a
la manera de los de Lope de Vega y Calderón de la Barca, negando toda raigambre
indígena en la obra” (MACCHI, 2009, p. 256)? Por fim, como esses elementos podem
ser mutualmente considerados e quais outras imagens surgem a partir disso, de tal
maneira que emerge daí uma terceira hipótese, a hipótese intermédia – a qual defendo –,
que vê Ollantay, como afirma Martín Lienhard (1990), como “cualquier manifestación
4
Hipótese inca, hipótese hispânica e hipótese intermediária/mestiça.
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cultural andina [que] surge en un horizonte hibrido, caracterizado por el predominio de
la cultura oficial y la resistencia de unas culturas autóctonas marginadas que se nutren
tanto de su pasado autónomo como de su historia en el marco colonial o semicolonial”
(1990, p. 218)?
para expresar los variadísimos fenómenos que se originan [...] por las
complejísimas transmutaciones de culturas que [...] se verifican, sin conocer
las cuales es imposible entender la evolución del Pueblo [...], así en lo
económico como en lo institucional, jurídico, ético, religioso, artístico,
linguístico, psicológico, sexual y en los demás aspectos de su vida (ORTIZ,
1987, p. 93).
Refere-se a Cuba, mas que bem cabe no contexto de qualquer país e povo em
processo de trânsito cultural (como pode ser facilmente observado nos registros de
Álvar Nuñez Cabeza de Vaca, Naufrágios e comentários, por exemplo). Nesse trabalho,
chamaremos apenas de mestiçagem – dadas as devidas proporções e aos problemas com
tal termo – de acordo com a definição de Gruzinski (2001).
Para que fosse possível melhor compreender tal mestiçagem, se viu necessária a
inserção de uma segunda seção, “A porção sul do Atlântico na literatura: as letras pré-
colombinas”, que trata de recuperar/resumir um pouco do que são as literaturas
americanas autóctones, aqui mais especificamente incas, podendo-se entender, dessa
maneira, os diversos gêneros e termos utilizados para definir/categorizar tal literatura.
Para isso, estudiosos como Baudot (1979) e o próprio cronista Inca Garcilaso de la Vega
(1985) foram essenciais para se fizesse possível a sistematização de uma literatura tão
rica, ainda que de poucos registros que tenham chegado até os dias de hoje. Por último,
tem-se uma terceira seção, intitulada “O Novo Mundo e a velha literatura: literatura
hispano-americana de influência europeia”, cujo intuito é precisar que momento vivia a
literatura hispânica que poderia ter influenciado a literatura indígena, baseando-se em
Luciani (2006).
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2. Interpenetração cultural: a mestiçagem dos povos
a ideia que remete a palavra ‘mistura’ não tem apenas o inconveniente de ser
vaga. Em princípio, mistura-se o que não está misturado, corpos puros, cores
fundamentais, ou seja, elementos homogêneos, isentos de qualquer
“contaminação”. Percebida como uma passagem do homogêneo ao
heterogêneo, do singular ao plural, da ordem a desordem, a idéia de mistura
carrega, pois, conotações e a prioris dos quais convém fugir com o diabo da
cruz (GRUZINSKI, 2001, p. 42).
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mesmo que sustentar a frágil noção de que esses povos eram, antes de se
interpenetrarem, homogêneos. Crer na homogeneidade de um povo é ignorar milênios
de história anterior à linearidade da história ocidental.
Não podemos rejeitar o fato de que os homens todos são a mistura de outros
homens originados de um mesmo lugar/marco comum, esses, sim, até poderíamos
chamá-los homogêneos – ainda que não o fossem. Os homens não evoluíram de
maneira homogênea ou conviverem somente com seus iguais – em cultura e em raça –,
mas foram, sim, justapostos uns aos outros, coexistindo por um período até que as
culturas se entrelaçassem em um novo universo cultural mestiço/híbrido. É o que passa
com colonizados e colonizadores, que seguem coexistindo assim como descendentes de
outra mestiçagem quiçá mais complexa e difícil de delimitar (o que me leva a crer que
desde antes de seu enfrentamento, europeus e índios já possuíam semelhanças de
métodos e costumes). Como afirma Gómez Martinez, “as culturas podem se misturar
quase sem limites e não apenas se desenvolver, mas igualmente se perpetuar” (apud.
GRUZINSKI, 2001, p. 44-45). Houve, portanto, um período no qual europeus e índios
ocuparam o mesmo espaço, e o conjunto de costumes e métodos desses dois povos
conviveu lado a lado e brigou pela sobrevivência. Essa supervivência de dois mundos
está no que Gruzinski chamou mestiçagem, com a acepção de coexistência de povos em
um mesmo espaço.
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interpretação evolucionista, pois não apenas o tempo dos vencidos não é
automaticamente substituído pelo dos vencedores, como pode coexistir com
ele séculos a fio. Ao juntar abruptamente humanidades há muito separadas, a
irrupção das misturas abala a representação de uma evolução única do devir
histórico e projeta luz nas bifurcações, nos entraves e nos impasses que
somos obrigados a levar em conta (GRUZINSKI, 2001, p. 59).
Não é difícil, pensando dessa maneira, de se supor que Ollantay seja também
uma justaposição de culturas e métodos. “Na medicina, na literatura, na filosofia, na
ciência e nas artes, descobriram-se múltiplas formas de sincretismo [...] sincrético não
seria, pois, o conjunto do real?” (GRUZINSKI, 2001, p. 47). É possível de se perceber
ainda em nível superficial, quando consideramos se tratar de personagens e
personalidades indígenas escritas com um sistema alfabético que os incas não possuíam
e um idioma que não dominavam, impondo o ritmo de uma narração linear, que
Ollantay é sincrética, justaposta, mestiça. Pode-se levantar o questionamento de que
Ollantay esteve presente na oralidade quéchua e que, quando da chegada dos espanhóis,
a mesma ainda se transmitia, o que a levou até a sua transcrição. Se considerarmos a
resistência peruana à colonização espanhola, não será difícil de acreditar em tal
afirmação. É necessário, no entanto, mostrar isso textualmente. Não se pode perder a
referência e, portanto, o seu significado. Ollantay não é o encontro de culturas, “mas
fragmentos de Europa, América e África. Fragmentos e estilhaços que, em contato uns
com outros, não ficavam intactos por muito tempo” (GRUZINSKI, 2001, p. 87), o
objetivo desse artigo/ensaio é mostrar que tal fragmentação gestou um drama criollo.
Ainda que mapear as literaturas americanas autóctones não seja uma tarefa fácil,
pois se sofre de uma insuficiência de fontes primárias, cronistas5 da época colonial,
através de seus escritos, puderam manter registros aceitáveis das literaturas indígenas.
Pensando mais especificamente a literatura inca, de expressão essencialmente oral, as
dificuldades para recuperar fontes se complicam com “las lagunas de conocimiento que
5
Interessante ter-se em conta, desde já, a questão da mestiçagem cultural, que será tratada mais adiante
nesse mesmo texto.
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tenemos sobre el ejercicio literario propiamente dicho, sobre su organización, si es que
tuvo una, sobre su lugar en la sociedad inca, sobre sus autores y sus fórmulas”
(BAUDOT, 1979, p. 201). Lacunas que estudiosos como José María Arguedas tentam
completar, partindo de cronistas do eixo andino como Inca Garcilaso de la Vega, Felipe
Guamán Poma de Ayala, Cristóbal de Molina e outros, que realizaram um maravilhoso
trabalho de reconstrução de uma literatura inca destruída e/ou perdida no tempo e na
guerra, “sacando de la tradición oral viva de las poblaciones andinas narraciones y
composiciones poéticas de inspiración precolombina” (BAUDOT, 1979, p. 201) e
ajudando, assim, “a comprender mejor la existencia de una verdadera literatura inca”
(BAUDOT, 1979, p. 201).
Para além dos jaillis que, de uma maneira ou de outra, tinham vínculo com
temas religiosos, havia também gêneros poéticos recitados durante festas, como o
qhaswa, que era um poema de temática agradável cantado em festas para expressar
ironia, picardia e a alegria de se viver, representando ao mesmo tempo ação de graças e
humor, foi um estilo poético dançável aparentemente popular entre os jovens, e o
wawaki, que foi um canto construído a partir de diálogos entre dois coros, um
masculino e outro feminino, cujo tema mais popular era o do amor rápido e das
conquistas amorosas.
6
Entender literatura quéchua como sinônimo de literatura inca.
7
“Es el más cospicuo de los dioses del ámbito andino. Es posible que su difusión se debiera a los
religiosos católicos que buscaban un nombre para explicar a los naturales el concepto de Dios […]
añadieran a su apelativo diversas palabras para esclarecer su calidad de Ser Supremo”
(ROSTWOROWSKI, 2016, p. 28), nesse sentido, seria em equivalência para o universo occidental o deus
criador de tudo. Na cultura inca, no entanto, encontramos diversos deuses maiores e outras divindades
subalternas.
8
“En el seno de Pachamama [...] se gestaba la vida” (ROSTWOROWSKI, 2016, p. 17) e por isso “no en
vano llaman en quéchua Pachamama a la tierra” (ROSTWOROWSKI, 2016, p. 61). Seria, então, a deusa
que representaria a mãe terra, encarregada de propiciar fertilidade.
9
“Decían que era un hombre que estaba em el cielo con una honda y una porra y que tenía el poder de
hacer llover, granizar y tronar, además de dominar todo lo que pertenecía a ‘la región del aire donde se
hacen los nublados” (ROSTWOROWSKI, 2016, p. 35).
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O Sol e a Lua eram as principais deidades do povo inca.
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Divindades incas menores. Realizavam-se cerimônias para eles ao longo do ano.
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Havia ainda outros poemas cujo tema era o amor desgraçado, tal como o arawi,
estilo poético presente em Ollantay, na forma de três poemas que serão melhor
analisados adiante, mas que trata essencialmente do desespero romântico. Havia
também o wayñu, que foi ao mesmo tempo poema, música e dança, gênero que cantava
a beleza da natureza ou da mulher amada. Diferentemente do arawi, que cantava o
desespero amoroso, o wayñu “expresaba el estado de ánimo del poeta delante de la
grandeza de la creción o de la belleza de la criatura” (BAUDOT, 1979, p. 236). Já o
urpi, tratava-se de um poema curto e refinado que falava da dor do desaparecimento da
mulher amada, cuja simbologia sempre se dava na forma de uma pomba.
Nesse sentido, o que sobreviveu da literatura poética inca até os dias de hoje
pode ser dividido, como o faz Baudot (1979), em três aspectos/três temáticas: o de uma
poesia sagrada que fazia parte das celebrações litúrgicas; o de criações líricas e
dramáticas profanas cujo objetivo era uma representação coletiva que enquadrava
atividades populares julgadas essenciais, como os trabalhos no campo e as tarefas de
construção de obras públicas, de maneira cultural; e uma produção orientada à vida
íntima, sobre o amor desgraçado. Fosse de uma ou de outra temática, a linguagem
adotada, como veremos no caso dos arawis de Ollantay, era simples e de fácil
compreensão para todos indiscriminadamente, “de ahí la repetición visible de metáforas,
símbolos y procedimentos literários. Como si esta poesía […] debiera constituir
obligatoriamente un modelo […] formal destinado a usos posteriores de orden general”
(BAUDOT, 1979, p. 202).
Para além da lírica, a literatura inca também transitava pelo drama, como
recupera o cronista mestiço Inca Garcilaso de la Vega ao registrar, em seus Comentarios
Reales (primeira edição de 1609, 78 anos após a chegada dos espanhóis no Peru), que
“no les faltó habilidad a los amautas12 […] para componer comedias y tragedias” (1985,
p. 114), ou seja, aranway e wanka13, respectivamente. Inca Garcilaso, herdeiro da
nobreza inca por parte de mãe, também detalha como se constituía o representar teatral
desses textos dramáticos:
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Parafraseando Baudot (1979), o amauta é uma espécie de filósofo, historiador e professor que servia ao
estado como encarregado de instruir a nobreza inca, preservar a história oficial e transmitir as tradições
orais e os rituais. Foram os criadores dos jaillis, do aranway e do wanka. Havia, também, outro tipo de
criador inca, chamado arawicuj ou haravicus, que seria uma espécie de poeta popular autor do arawi, do
urpi, mas também de muitos jaillis, wawakis e qhashwa, provavelmente havendo sido anteriormente
escolhido por um grupo de amautas pela qualidade de seus trabalhos literários. Para mais, ver BAUDOT,
G. Las letras pré-colombinas. México: Siglo Veintiuno, 1979.
13
Não confundir com seus equivalentes poéticos, homônimos. Baudot levanta a hipótese de que as
versões dramáticas poderiam tratar-se de composições mais completas que teriam surgido inicialmente
como ensaios poéticos.
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la gracia del representar les daban joyas y favores de mucha estima (1985, p.
114).
O teatro inca, dessa maneira, como se pode observar pelo relato de Inca
Garcilaso, constituía a parte mais importante da literatura inca pré-colombina, pois toda
a nobreza – e não somente os amautas – estavam envolvidos na sua concepção. Se a
lírica estava intimamente ligada a uma parte dos rituais religiosos, o drama, por sua vez,
era uma literatura cuja representação tinha por finalidade a própria literatura de
entretenimento.
De toda a arte dramática inca, pouco resta. Embora tenha continuado sendo
composta e representada ao longo do século XVII, “a veces coexistiendo, y a veces
mezclándose con los temas, las formas dramáticas y la lengua española en si misma”
(LUCIANI, 2006, p. 280), além dos autos sacramentais compostos majoritariamente por
clérigos espanhóis seguindo o estilo indígena, se recuperaram poucos, como Ollantay,
um wanka, somente descoberto tardiamente no século XVIII, e que será mais
detidamente analisada adiante.
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convirtió en fuente tanto de inspiración temática como de modelos formales […] El
teatro histórico, la comedia de costumbres, la comedia romántica, las obras pastorales y
las mascaradas cortesanas florecieron todos en el renacimiento teatral español”
(LUCIANI, 2006, p. 282). Ou seja, afasta-se de um teatro de caráter religioso, que
imperou durante o medievo, e aproximou-se de um teatro popular de caráter cômico e
burlesco, com a exploração de diversos temas que mesclavam o profano e o sagrado,
recuperando o período clássico. Esse teatro era apresentado fora das igrejas, para a corte
e para o povo.
Conhecido desde o século XIX, mais precisamente desde o ano de 1837, quando
da publicação de fragmentos no diário Museo erudito, Ollantay foi publicado
integralmente pela primeira vez somente dezesseis anos depois, em 1853. Registros
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mais antigos, no entanto, apontam um manuscrito boliviano de 1735, mais de um século
antes da publicação de seus primeiros fragmentos. Como vimos anteriormente,
recuperar a literatura da América Colonial não é dos trabalhos de investigação mais
simples, em razão do poder decompositor do tempo, o que, de antemão, nos dá uma
forte pista para a imprecisão do momento exato de composição do drama quéchua.
Quando haveria surgido Ollantay? Quais suas origens? Quem é seu autor? Miguel Ortiz,
António Valdés, Juan de Espinosa Medrano, Vasco de Contreras Valverde, Blas Valera
ou nenhum deles? Seria colonial ou pré-colonial? Não são perguntas fáceis de
responder. Nessa seção, não pretendemos respondê-las, mas discutir as hipóteses
concebidas com base no que se conhece do drama, levando em consideração as
particularidades da literatura indígena e da hispano-americana, já mencionadas nesse
trabalho.
14
Nono imperador inca, governou de 1438 a 1471, sucedido por Tupac Yupanqui.
15
Décimo imperador inca, governou de 1471 a 1493.
16
Princesa.
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Espécie de templo semelhante a conventos, onde mulheres – em geral da realeza – dedicavam-se a
cultuar ao Sol. Não podia ou deveriam manter contato com o mundo exterior.
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então, dá seu consentimento para a união da princesa e do general, permitindo que
vivam felizes.
Desse modo, podemos perceber que Ollantay possui um foco duplo, como
pontua Macchi, por um lado temos Ollanta “quien se rebelará contra Pachacutec
levantando el Antisuyu, pero será finalmente derrotado, condenado y perdonado por
Tupac Yupanqui” (MACCHI, 2009, p. 258-259) e, por outro lado, Cosi Ccoyllur, amor
de Ollanta e filha do imperador
quién será encadenada durante diez años en una recluida celda en la casa de
las vírgenes del Sol por haber sido pedida por Ollanta en matrimonio. Allí
será descubierta por Ima Sumaj […] su hija […] [que] resolverá la segunda
intriga cuando, arronjándose a los pies del Inca, salve a su recién descubierta
madre de la muerte y del cautiverio: encuentra a su padre y permite una
bendecida unión de Ollanta y Kusi Qóyllur con el auspicio y la protección del
nuevo inca (MACCHI, 2009, p. 258-259).
Orcco-Huarancca – […] Que no llegue aquel día en que cada año salgamos a
aquellos remotos pueblos a derramar nuestra sangre; para cortar al Inca y a
los suyos la provisión de víveres que han menester.
Ollanta – ¡Capitanes! Escuchad las órdenes de Orcoo-Huarancca que manda
que descanséis. Conservadlas en vuestra memoria, aun cuando se cubra de
luto todo Anti-Suyu. Tengo bastante coraje para hacer saber al Inca que
desista este año de acometer a Anti-Suyu. (BARRANCA, 1996, p. 51)
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bondade de Tupac Yupanqui, que representa a restauração da normalidade política –
não sem modificar-se para adaptar-se as exigências do momento).
se puede pensar [...] que el nuevo inca tenía interés en contar a su favor con
las excepcionales cualidades políticas y miliares de Ollántay […] Túpac
Yupanqui mostraba un razonamiento político diferente al de Pachacútec, con
mayor visión de futuro y apertura (BENDEZÚ, 1996, p. 18).
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permitido contrair matrimônio, sob ameaça de morte, assim como a tuya não podia
comer um grão sequer a mais de milho, pois seu destino seria o mesmo: o castigo. Em
sua edição de 199419, versão de José Sebastián Barranca, observamos a seguinte
construção poética deste primeiro arawi mencionado, como pode ser visto no fragmento
a seguir:
De mi Princesa la mies
Pajarillos no comáis,
Ni terminéis con el maíz
Que sin dudarlo tierno es.
¡Ay Tuya! ¡Tuya!
Es él blando en su interior,
Aunque su corteza es dura;
De sus hojas la ternura
No marchitéis con ardor.
¡Ay Tuya! ¡Tuya!
Cuidado pues golosillos,
Que a millares os cojamos
En la trampa, que os hagamos
Lanzar tristes chirridillos.
¡Ay Tuya! ¡Tuya!
[…] (BARRANCA, 1996, p. 36-37)
Que difere da que se pode ver na versão mais antiga de Jesús Lara, presente em
La literatura de los quechuas, de 1961, como pode ser observado no fragmento a
seguir:
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Reimpressão em julho de 1996.
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de um outro alguém, em geral seu amor impossível. Em segundo lugar, a presença de
assonâncias que dá aos arawis de Ollantay uma musicalidade própria da oralidade, que
teria a ver com sua origem indígena, oral, cujas assonâncias seriam mais fáceis de
declamar em cena que os versos brancos (embora estes também estejas presentes em
Ollantay).
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E que sequer está presente na de Miró e Bondy. Podemos perceber em ambas as
edições a recorrência desse tema que evoca não apenas o ser amado, mas também as
coisas e a paisagem que fazem do ser amado um ser ligado com a natureza ao redor –
vemos isso seja pela menção a pássaros (a tuya, a pomba) ou mesmo no que diz respeito
ao próprio cenário (a neve, os paramos, as montanhas, etc.) e a comparação da amada
com elementos da natureza (a lua, o sol, as flores, etc.). Vale ressaltar que o sentimento
aqui não seria de misticismo, como se vê nos jaillis sagrados, e sim emocionais, ou seja,
com o intuito de representar o amor entre um homem e uma mulher de todas matizes
possíveis.
Canto
Una paloma he criado,
Que perdí en un momento,
Busca en la comarca atento.
Y averigua donde está.
Pues, ella tiene por nombre
Por su rostro tan gracioso
Ccoyllur, nombre armonioso
Que dice con su beldad.
Su lozana frente iguala
A la Luna en hermosura,
Cuando brilla en la tersura
De la celestial región
Y las dos resplandeciendo
Con singular bizarría,
Causando están alegría
Y hechizando el corazón.
Y sus cabellos reflejan
Del blanco y negro, colores
Que ornan sus sienes cual flores,
Resaltando su esplendor
Y sus dos hermosas cejas
En su rostro inmaculado
Son el iris matizado
De la mañana al albor.
Y sus ojos son dos soles
Fijos en su faz radiante;
Su mirada penetrante
Hace llorar y gemir. (BARRANCA, 1996, p. 45-46)
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se llama Estrella.
No te equivoques delante de otra,
fácil es verla.
Como nos outros dois casos, a edição de Miró e Bondy suprimiram o canto.
Pode-se observar nos três arawis presentes em Ollantay que o sentimento amoroso
ultrapassa os limites dos versos e das estrofes, associando-se a vida, a natureza e até a
religião, traço comum ao estilo quéchua. Ainda que o tema do amor doloroso em razão
da separação dos amados seja comum a literatura universal, nos arawis, como pontua
Cáceres Romero, esse sentimento é expresso de maneira:
Mas não é esse o único motivo apontado como prova de uma origem espanhola.
Como pontua Maccarini:
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más las intrigas de una guerra, que ha de abarcar dos reinados y a la que solo
podrá ponerle fin la traición, todo, hasta el mismo momento en que es
tomado prisionero Ollanta, corresponde a la estructuración de un drama
trágico, como lo entiende el mundo europeo (VILLAGRA et al., 2011, p.
315).
Assim, pode se supor que Ollantay foi escrito por um criollo que dominava a
língua espanhola (que até poderia ser algum dos possíveis autores mencionados no
início dessa seção), tendo como base um texto oral (a lenda) de origem inca, porque é
aceitável que “el copista haya recreado el drama insertando elementos españoles y su
perspectiva propia, de tal modo que la obra final resulta ser tanto de origen incaico
como de origen colonial” (BENDEZÚ, 1996, p. 10). Já observamos diversas vezes que
é muito difícil, para não dizer impossível, inscrever Ollantay a uma origem homogênea,
a criação ou recriação de Ollantay nada mais é que uma literatura inscrita em um
universo heterogêneo e, portanto, também heterogênea, mestiça, transcultural.
6. Considerações finais
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projetos como pertencente a uma ou a outra cultura, e sim como interculturais, um
legado híbrido, mestiço, ou mais bem criollo.
7. Referências
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