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Fernando pessoa – Heterónimo

Álvaro de Campos

Á lvaro de Campos é o poeta vanguardista e cosmopolita que, numa linguagem


impetuosa, canta o mundo contemporâ neo, celebra o triunfo da má quina e da civilizaçã o
moderna, da força mecâ nica e da velocidade. Integrado no espírito do modernismo, vem
implementar uma nova visã o estética, apresentando a beleza dos “maquinismos em fú ria”,
da energia e da força, por oposiçã o à beleza tradicionalmente concebida, que fundamenta
a conceçã o de estética aristotélica.
A obra de Á lvaro de Campos condensa três fases, que estabelecem entre si uma
sequencia ló gica. Em primeiro, está a decadentista, que exprime o tédio, o cansaço e a
necessidade de novas sensaçõ es. Proveniente desta carência, segue-se a fase futurista e
sensacionista, que se caracteriza pela exaltaçã o da energia, de “todas as dinâ micas”, da
velocidade e da força. Surge, aqui, como heteró nimo cultor dos sentidos, pois para ele a
sensaçã o é a realidade da vida e a base da arte. A nova tecnologia na fá brica, as ruas da
metró pole, e todos os elementos alusivos à industria, despoletam nele a vontade de
ultrapassar os limites das pró prias sensaçõ es. Ao manifestar querer “ser toda a gente em
toda a parte” e “sentir tudo de todas as maneiras”, deixa entrever a sua procura incansá vel
pela totalizaçã o de todas as possibilidades sensoriais e afetivas da humanidade,
independentemente do espaço, tempo ou circunstancias. A Ode Triunfal e a Ode Marítima
sã o obras exemplificativas desta necessidade de unificaçã o das sensaçõ es. É também
nestas obras que Á lvaro de Campos deixa entrever o seu desejo excêntrico e radical, que
assenta na fusã o e total identificaçã o com a civilizaçã o industrial (“Ah, poder exprimir-me
todo como um motor se exprime!/ Ser completo como uma má quina!”).
Sentindo-se impossibilitado de atingir o desejo de unificaçã o que projeta na
má quina, e depois de constatar a impossibilidade do excesso de sensaçõ es, Á lvaro de
Campos cai no desâ nimo e na frustraçã o (“Ah, nã o ser eu toda a gente em toda a parte!”).
Face à incapacidade das realizaçõ es, o heteró nimo deixa-se envolver pela apatia, abolia,
angustia e deceçã o, bem como pelo tédio existencial, pelo enfado e pelo cansaço psíquico,
que constituem a fase intimista, caracterizada primordialmente pela introspeçã o e pela
atividade reflexiva.
Nela está também patente a nostalgia da infâ ncia – um tema comum a Fernando
Pessoa (ortó nimo). A infâ ncia é considerada uma fase da vida marcada pelo prazer de
viver e pela despreocupaçã o face ao futuro, sentimentos que proporcionam a plenitude
existencial. Recordando esse tempo, Á lvaro de Campos diz que “tinha a grande saú de de
nã o perceber coisa nenhuma (...) E de nã o ter as esperanças que os outros tinham por
mim”, citaçõ es que remetem para a alusã o à inconsciência e ingenuidade das crianças
como fatores propiciadores da felicidade, bem como a ausência de ambiçõ es e obstá culos
a enfrentar. Em síntese, o tempo da infâ ncia caracteriza-se pelo prazer de sentir e agir
livremente, pela espontaneidade, pela ligeireza e despreocupaçã o e pela inocência, face ao
desconhecimento das agruras da vida. O sujeito poético aborda a temá tica do saudosismo
desta fase da sua vida com lamentaçã o e tristeza, pois recorda-a como tempo de harmonia
existencial que ficou confinada à infâ ncia, cuja racionalidade e a lucidez fizeram perder.
Alem disso, também a relaçã o contrastante entre o “eu” e “os outros” é uma
temá tica comum a Á lvaro de Campos e ao ortó nimo. O heteró nimo estabelece uma
oposiçã o entre ele e os outros, delineada pelo facto de estes se integrarem
harmoniosamente no espaço físico e social em que se inserem, enquanto que o poeta se
sente distanciado da sociedade. Assim, nas suas composiçõ es poéticas, é feita alusã o à
felicidade alheia, que nã o deixa de ser a comprovaçã o de que é incapaz de a viver no seu
íntimo. Uma vez sentindo-se desajustado de si pró prio e da vida, Campos projeta nos
outros os sentimentos positivos de que carece, isto é, tem a necessidade de perspetivar
uma realidade ideada, como contraponto ao vazio existencial que o habita. Por outro lado,
a felicidade que atribui aos “outros”, propiciam no sujeito poético a má goa de nã o ser
como eles (“Sã o Felizes, porque nã o sã o eu). Em síntese, Á lvaro de Campos, ao reconhecer
que o sentimento de felicidade lhe esta interdito, apercebe-se de que a ú nica maneira de a
experienciar passa por ascender a um cená rio idílico, onde figuram outros atores que nã o
ele.

Características Formais:
 Versos Livres;
 Estrofes longas;
 Liberdade rimá tica;
 Desigualdade de versos por estrofe;
 Estilo torrencial e excessivo;
 Discurso caó tico;
 Linguagem marcada pelo tom excessivo e intenso: exclamaçõ es, apó strofes,
enumeraçõ es, adjetivaçã o abundante, aná foras, interjeiçõ es, onomatopeias,
aliteraçõ es.

TRAÇOS DA SUA POÉTICA


- poeta modernista
- poeta sensacionista (odes)
- cantor das cidades e do cosmopolitismo (“Ode Triunfal”)
- cantor da vida marítima em todas as suas dimensões (“Ode Marítima”)
- cultor das sensações sem limite
- poeta do verso torrencial e livre
- poeta em que o tema do cansaço se torna fulcral
- poeta da condição humana partilhada entre o nada da realidade e o tudo dos sonhos
(“Tabacaria”)
- observador do quotidiano da cidade através do seu desencanto
- poeta da angústia existencial e da autoironia

1ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – DECADENTISMO (“Opinário”, somente)


- abulia, tédio de viver “E afinal o que quero é fé, é calma/ E não ter estas
- procura de sensações novas sensações confusas.”
- busca de evasão “E eu vou buscar o ópio que consola.”

2ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS


 Futurismo
- elogio da civilização industrial e da técnica (“Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!”, Ode
Triunfal)
- rutura com o subjetivismo da lírica tradicional
- atitude escandalosa: transgressão da moral estabelecida
 Sensacionismo
- vivência em excesso das sensações (“Sentir tudo de todas as maneiras” – afastamento de
Caeiro)
- sadismo e masoquismo (“Rasgar-me todo, abrir-me completamente, / tornar-me passento/
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões...”, Ode Triunfal)
- cantor lúcido do mundo moderno

3ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – PESSIMISMO


- dissolução do “eu”
- a dor de pensar
- conflito entre a realidade e o poeta
- cansaço, tédio, abulia
- angústia existencial
- solidão
- nostalgia da infância irremediavelmente perdida (“Raiva de não ter trazido o passado
roubado na algibeira!”, Aniversário)

TRAÇOS ESTILÍSTICOS
- verso livre, em geral, muito longo
- assonâncias, onomatopeias (por vezes ousadas), aliterações (por vezes ousadas)
- grafismos expressivos
- mistura de níveis de língua
- enumerações excessivas, exclamações, interjeições, pontuação emotiva
- desvios sintáticos
- estrangeirismos, neologismos
- subordinação de fonemas
- construções nominais, infinitivas e gerundivais
- metáforas ousadas, oximoros, personificações, hipérboles
- estética não aristotélica na fase futurista

Síntese dos principais aspetos de produção poética de Álvaro de


Campos
Á lvaro de Campos Sensações trabalhadas pelo exercício mental

Alberto Caeiro “O Mestre” Caeiro – sensações intuídas/espontâneas


Sensações

 Heterónimo mais próximo de Fernando Pessoa


 Único heterónimo cuja poesia tem um caráter evolutivo, passando por três fases;
 Fases da sua poesia:
 1ª Fase – Decadentista – sentimentos de tédio, cansaço e necessidade de novas
sensações (produção: Opiário):
 Reflexo da falta de um sentido para a vida e a necessidade de fugir à rotina –
ópio (exemplo: opiário – viagem ao Oriente (exotismo), sonho)
 “O filho indisciplinado das sensações” – imita o Mestre na fruição das
sensações, só que lhes adiciona a imaginação;
 Egocentrismo
 2ª Fase – Futurista – exaltação da força, da violência, do excesso; apologia da
civilização industrial; intensidade e velocidade (a euforia desmedida) - (produção: Ode
Triunfal; Ode Marítima; Saudação a Whitman)
 Deseja “sentir tudo de todas as maneiras” (Sensacionismo), saindo, assim, e
por influência do mestre da sua fase decadentista: abraça a modernidade;
 Conceção não aristotélica de Arte – valorização da máquina, da velocidade, da
força e não da beleza;
 Apologia da civilização mecânica, da indústria e da técnica;
 Atitude escandalosa, chocante – transgressão da moral estabelecida;
 Predomínio da emoção torrencial e espontânea – recurso a interjeições e
onomatopeias;
 Influência do poeta americano Walt Whitman – defesa de um homem novo,
amoral, apologista a violência, insensível, que domina o mundo através da
técnica;
 Influência do italiano Marinetti que faz a apologia da velocidade da força;
 “Dolorosa luz” – dolorosa (táctil), luz (visual) – mistura de sensações.

Modernismo Futurismo Sensacionismo


Fábrica Discurso caótico “Sentir tudo de todas as
maneiras”
Máquinas Vários tipos de letras Sensações vão crescendo
até ao delírio sensações
erotizadas – relação e
identificação com a
máquina
Meios de transporte Desvios sintáticos Excesso de discurso:
Gente/coletivo - Apóstrofe
- Interjeições
- Exclamações

 3ª Fase – Intimista – Abatimento e angústia que o descontentamento de si e dos


outros lhe provocam (produção: Lisbon Revisted, Esta velha angústia, Aniversário, O
que há em mim é sobretudo cansaço)
 A depressão, o cansaço e a melancolia perante a incapacidade das realizações;
 Incompreensão, desejo de distanciação dos outros/sociedade;
 Saudades da infância;
 Nostalgia;
 Desejo de morte.

Linguagem e Estilo:
 Presença do prosaico, do quotidiano, do banal (que é poetizado);
 Verso livre (ou branco), longo entrecortado, por vezes, por versos curtos;
 Estilo torrencial e esfuziante, onde é bem visível uma determinada dinâmica
(sobretudo nos poemas de fase futurista), provocando um ritmo, de certa forma,
desordenado;
 Uso recorrente de repetições, anáforas, apóstrofes e enumerações; recurso a
exclamações, interjeições e reticências;
 Utilização de comparações e metáforas inesperadas, bem como de antíteses fortes e
de alguns paradoxos;
 Recurso às aliterações e às onomatopeias.

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