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Sonho oriental

Sonho-me às vezes rei, nalguma ilha,


Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica1 e fulgente2
E a lua cheia sobre as águas brilha...

O aroma da magnólia e da baunilha


Paira no ar diáfano3 e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha...4

E enquanto eu na varanda de marfim


Me encosto, absorto num cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,

Do profundo jardim pelas clareiras,


Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.

1. Identifique o tema do poema, explicitando a relação que se


estabelece entre o eu poético e o tu a que ele se refere.

2. A situação representada na composição poética localiza-se num


lugar distante do Oriente, longe da banalidade do quotidiano.
2.1 Identifique elementos exóticos presentes nesta composição
poética. Apresentando uma interpretação para o facto de a
situação representada no poema se desenrolar num lugar exótico,
com que o eu poético sonha.

3. Identifique os tipos de sensações presentes nas duas quadras do


soneto, justificando o recurso às mesmas.
4. Identifique um recurso estilístico presente no verso 7 do soneto e
comente o seu valor expressivo.
5. Interprete o verso final do poema.
1. O eu poético sonha que é o rei de uma ilha longínqua do Oriente,
onde vive também a sua amada.
2. O tema do poema é o amor. O eu lírico descreve um lugar exótico
e idílico onde se encontra a mulher que ele ama (o tu) e que ele
contempla embevecido.
3.
3.1 Os elementos exóticos são «mares do Oriente», «noite […]
balsâmica e fulgente», «aroma da magnólia», «varanda de marfim»,
«palmeiras», «leão familiar».
3.2 A situação representada desenrola-se num lugar
exótico, sonhado pelo eu lírico, porque dá conta de um sentimento
idealizado (ou de uma relação amorosa perfeita idealizada). Um tal
amor não podia existir no nosso mundo imperfeito, mas apenas num
lugar idílico.
4. No poema encontramos sensações visuais («noite […] fulgente»,
«lua cheia […] brilha», «divagas ao luar»), olfativas («noite é
balsâmica», «O aroma da magnólia e da baunilha») e gustativas
(«Lambe a orla dos bosques»).
4.1 Ao descrever aquele lugar através de três tipos de perceção
sensorial, o eu lírico pretende demonstrar que o_ambiente é
envolvente, exótico e convida ao amor.
5. Há uma personificação (ou animismo) em: «Lambe a orla dos
bosques, vagamente,_/ O mar». Desta forma se sugere a harmonia e a
ligação íntima (quase sensual) entre os elementos deste mundo
paradisíaco, o que contribui para a atmosfera acolhedora e envolvente.
6. Uma das interpretações possíveis é a seguinte: o leão que está com
a amada do eu é «familiar» (afável, domesticado) porque este é um
lugar sonhado (e não real) onde todos os seres estão em harmonia.
Na mão de Deus

À Ex.ma Sr.a D. Vitória de O. M.

Na mão de Deus, na sua mão direita,


Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita


A ignorância infantil, despojo1 vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega2 jornada,


Que a mãe leva no colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto…


Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

1. Apresente uma interpretação possível para o facto de o «coração» (v. 2) do


sujeito poético descansar na «mão direita» (v. 1) de Deus.
2. Explicite a expressividade do advérbio «afinal» (v. 2).
3. Aponte uma interpretação possível para o facto de o eu descer «a passo e
passo» (v. 4) a escada do «palácio encantado da Ilusão» (v. 3).
4. Explicite a relação que se estabelece no soneto entre as palavras que
surgem com maiúscula inicial: «Ilusão» (v. 3) e «Ideal»/«Paixão» (v. 7).
5. Explicite o valor expressivo da comparação que é estabelecida nos dois
tercetos.
6. Identifique a apóstrofe presente no último terceto e explique o seu valor
expressivo.
7. Relacione este soneto com o poema «O palácio da Ventura», que estudou
anteriormente.
1. Segundo a Bíblia, os eleitos sentar-se-ão à direita de Deus. Assim,
o facto de o eu buscar refúgio na mão direita mostra que pretende
assumir uma relação positiva com Deus, configurando-se como um
dos escolhidos.
2. Cenário de resposta: O advérbio «afinal» pode ser interpretado de
duas formas: se for entendido como sinónimo de «finalmente»,
vem evidenciar a ideia de que o sujeito poético percorreu um longo
caminho antes de conseguir encontrar repouso para o seu coração. No
entanto, este advérbio pode também significar que algo sucedeu ao
contrário do que era esperado. Deste ponto de vista, pode ser
interpretado como uma referência ao facto de que, após traçar um
percurso marcado por várias vicissitudes — entre as quais as dúvidas
em relação à existência de Deus —, o eu não esperava encontrar refúgio
na figura divina.
3. Cenário de resposta: Podemos interpretar o_facto de o eu descer
«a passo e passo» (v. 4) a escada do «palácio encantado da Ilusão» (v.
4) como uma consequência de o fazer com um sentimento de
profundo desalento decorrente do malogro de todas as suas
esperanças — assim, a tristeza levá-lo-ia a executar este movimento de
forma lenta e algo relutante.
4. O facto de estas palavras surgirem no poema com maiúscula
inicial confere-
-lhes destaque: o «Ideal» (v. 7) e a «Paixão» (v. 7) estão associados
aos sonhos que o eu alimentou ao longo da vida, bem como a toda a
determinação que colocou ao serviço da sua concretização — e que
agora são vistos como uma mera «forma transitória e imperfeita» (v. 8).
Com efeito, o «palácio encantado» (v. 3) que os representava
metaforicamente é agora associado à «Ilusão» (v. 3), uma vez que
o eu se apercebe da impossibilidade da sua concretização.
5. Nos dois tercetos, o coração do sujeito poético é comparado a uma
criança que realiza um percurso adverso, uma «lôbrega jornada» (v. 9)
— que representa metaforicamente a vida mergulhada no sono, ao colo
da mãe. Assim, através deste recurso expressivo, podemos perceber
que o eu pretende encontrar, «[n]a mão de Deus» (v. 1) proteção em
relação a um percurso existencial que é concebido em
termos disfóricos. Com efeito, o desencanto em relação a todos os seus
ideais leva-o a desejar mergulhar num estado de inconsciência, graças
ao qual lhe seria, finalmente, possível encontrar refúgio para a dor
profunda que marca a sua vida.
6. Através da apóstrofe «coração liberto» (v. 13), o eu exorta o seu
coração a libertar-se da amargura provocada pelo malogro de todos os
seus ideais, aconselhando-o a mergulhar num sono profundo — que
lhe permitiria alcançar o desejado estado de indiferença.
7. No poema «O Palácio da Ventura», o sujeito poético lança-se
numa demanda esperançada deste local, que é descrito como um
«palácio encantado» (v. 4). No entanto, acaba por deparar, no fim, com
um edifício, que, apesar da sua imponência, apenas guarda no interior
«[s]ilêncio e escuridão» (v. 14). Assim, o soneto «Na mão de Deus»
pode ser considerado como um sucedâneo do anterior, na medida em
que o eu desce agora a «escada estreita» (v. 4) daquele que passa a ser
considerado como o «palácio encantado da Ilusão» (v. 3), isto é, como
um local associado a um ideal que estava, à partida, condenado ao
fracasso. Com efeito, o desencanto em relação a todos os seus
ideais leva-o a procurar refúgio na figura divina.
Leia com atenção o soneto de Antero de Quental que se segue.

A Santos Valente

Estreita é do prazer na vida a taça:


Largo, como o oceano é largo e fundo,
E como ele em aventuras infecundo,
O cálix amargoso da desgraça.

E contudo nossa alma, quando passa,


Incerta peregrina, pelo Mundo,
Prazer só pede à vida, amor fecundo,
É com essa esperança que se abraça.

É lei de Deus este aspirar imenso...


E contudo a ilusão impôs à vida,
E manda buscar luz e dá-nos treva!

Ah! se Deus acendeu um foco intenso


De amor e dor em nós, na ardente lida,
Porque a miragem cria... ou porque a leva?
Antero de Quental, Sonetos, ed. organizada, prefaciada e anotada
por António Sérgio, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1984.

Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que
se seguem.
1. Identifique a antítese apresentada na primeira estrofe e explique a
sua importância no contexto global do poema.
2. Explicite o valor expressivo da utilização do advérbio conectivo
«contudo» no verso 5 e no verso 10.
3. Explicite o significado da interrogação retórica que é apresentada
no fim do poema.
1. Na primeira estrofe, é apresentada uma antítese entre a «[e]streita
[...] taça» «do prazer na vida» (v. 1) e o «largo» (v. 2) «cálix
amargoso da desgraça» (v. 4). Esta antítese é fundamental no contexto
global do poema, dado que é nela que assenta a oposição a que nele se
faz referência: a contínua aspiração do Homem ao prazer e ao amor e o
malogro desta sua esperança.
2. Na sua primeira ocorrência, o advérbio «contudo» torna clara a
oposição entre aquilo que se passa na vida — a prevalência da
desgraça sobre a dor — e aquilo a que a alma do Homem aspira: o
prazer e o amor. Quando utilizado pela segunda vez, este advérbio
mostra que Deus, ao levar o Homem a ter esperança de alcançar o
prazer e o amor, lhe impôs uma ilusão, dado que criou nele a
expectativa de alcançar algo que, na realidade, é inalcançável.
3. No fim do texto, o sujeito poético interroga-se sobre o motivo por
que Deus, tendo criado no Homem a dor, o leva a aspirar ao prazer
e, suscitando neste a esperança de alcançar o amor, condena ao
malogro este desejo.
7. Cesário Verde adota um olhar subjetivo e crítico sobre a cidade.
Escreva uma breve exposição sobre a representação da cidade na poesia de Cesário
Verde.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual refira uma característica da cidade enquanto espaço
físico e uma característica da cidade enquanto espaço humano, fundamentando as
ideias apresentadas em, pelo menos, um exemplo significativo de cada uma das
características;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

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