O poema defende o "sensacionismo", uma corrente literária criada por Fernando Pessoa que valoriza o sentir. O poeta deseja sentir tudo excessivamente para possuir a existência total do universo. Ele se identifica com a Terra, vista como um "monte confuso de forças" em constante mudança. O objetivo é confundir-se com o universo e a vida, sentindo e vivendo em todas as direções.
Descrição original:
Título original
Exemplo de análise do poema "Afinal, a melhor maneira de viajar é pensar"
O poema defende o "sensacionismo", uma corrente literária criada por Fernando Pessoa que valoriza o sentir. O poeta deseja sentir tudo excessivamente para possuir a existência total do universo. Ele se identifica com a Terra, vista como um "monte confuso de forças" em constante mudança. O objetivo é confundir-se com o universo e a vida, sentindo e vivendo em todas as direções.
O poema defende o "sensacionismo", uma corrente literária criada por Fernando Pessoa que valoriza o sentir. O poeta deseja sentir tudo excessivamente para possuir a existência total do universo. Ele se identifica com a Terra, vista como um "monte confuso de forças" em constante mudança. O objetivo é confundir-se com o universo e a vida, sentindo e vivendo em todas as direções.
Álvaro de Campos, o heterônimo mais existencialista de Fernando
Pessoa, é conhecido, sobretudo, pelos seus traços de modernismo e futurismo e suas poesias profundamente filosóficas. Rico em referências à cultura clássica e à tradição filosófica, faz-se necessário analisá-lo por partes. Em seu “A final, a melhor maneira de viajar é sentir”, temos a defesa do “sensacionismo”, uma corrente literária modernista criada por Fernando Pessoa e seu amigo Mário de Sá- Carneiro, que consiste na hipervalorização do sentir e no ser enquanto união do indivíduo com o exterior. Analisaremos trechos do poema, explicando algumas referências filosóficas e comentando aspectos variados.
Já no começo, em que o poeta diz “Sentir tudo
excessivamente,/Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas”, poderíamos interpretar a partir duma perspectiva ontológica, pois o ser excede, devido à complexidade de sua essência, qualquer esforço da inteligência humana em compreendê- lo. Como disse São Tomás de Aquino “nenhum filósofo jamais conseguiu esgotar a essência sequer de uma mosca.¹ Nos versos seguintes, em que a realidade é definida como uma alucinação e uma violência, aquilo que se exaure com tais estímulos são, justamente, os sentidos. “Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,/Estiver, sentir, viver, for,/Mais possuirei a existência total do universo”. Ora, além da antítese – figura de linguagem bastante comum em Álvaro de Campos –, vê-se que o poeta tem a necessidade de ser, ele mesmo, uma conjugação do verbo ser – posto que o ser é central na realidade das coisas, na língua portuguesa e nas questões filosóficas.² Quanto mais ele for, diz então, mais análogo será a Deus. Evidente, já que “Deus é o Ser divino, do qual os entes são partícipes”.³ Sendo a alma uma escada para Deus, um corredor que Nele termina, a imagem proposta pelo poeta fica mais clara.
A frase “Sursum corda” será repetida muitas vezes. De início, a
proposta de que toda matéria é espírito, e que tais nomes confundem, devido à “grande sombra que ensopa o Exterior em sonho/E funde em Noite e Mistério o Universo Excessivo”. Para o poeta, o simples sentir do mundo exterior deve bastar, e o ortónimo explica, num texto chamado O sensacionismo (prolegómena).⁴ Ao defender tal posição, ele claramente entra em choque com a tradição filosófica, que distingue muito bem os sentidos do intelecto. Ora, Aristóteles, em sua Metafísica, diz “[…] não encaramos quaisquer dos sentidos como sabedoria. Embora sejam realmente nossas principais fontes de conhecimento, não nos indicam a razão de coisa alguma, como, por exemplo, o porquê o fogo é quente, mas somente que é quente”.⁵ E, contrariamente aos sentidos, o intelecto atinge a essência das coisas, “porque a consciência nos atesta que, enquanto as faculdades sensitivas param na superfície externa dos objetos e só percebem as qualidades sensíveis, há em nós uma energia superior que penetra até o íntimo desses objetos, e descobre notas e caracteres, que escapam ao alcance dos sentidos”.⁶ A energia a que se refere o padre Thiago Sinibaldi é a inteligência, ou melhor, a razão. A grande questão, entretanto, é que Álvaro de Campos desdenha da razão. Seja em “Lisbon Revisited (1923)”, quando diz “tirem-me daqui a metafísica”, ou na “Tabacaria”, onde se lê “E gozo, num momento sensitivo e competente,/A libertação de todas as especulações/E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto”. Campos se satisfaz no sentir, porque, por ser mais imediato, talvez, creia-o mais verdadeiro. Ou talvez porque a reflexão e o pensamento lhe são muito penosos. Aliás, as semelhanças entre este heterônimo e o filósofo argelino Albert Camus são muitas. Uma delas é resumida na frase do livro O Mito de Sísifo “começar a pensar é começar a ser atormentado”.⁷
Após isto, o poeta enobrece a Terra como “berço/Que embala a Alma
dispersa da humanidade sucessiva!”. Chama-a de “Grande bacante ébria do Movimento e da Mudança”. Ora, “a substância sensível é suscetível de mudança”.[8] Eis o ponto central do sansacionismo neste poema, já que Campos identifica-se com a Terra através do sensível. Ambos são, apenas, “um monte confuso de forças cheias de infinito”. Claro, já que, quanto mais material/sensível, mais o ente é potência. Por isso o poeta se vê como um hino ao planeta, um “satélite da tua dinâmica íntima”. Ao dizer “Dentro de mim estão presos e atados ao chão/Todos os movimentos que compõem o universo,/A fúria minuciosa e dos átomos,/A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos,/A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam”, nota-se, mais uma vez, a identificação com a natureza, que é, quase totalmente, um constante mudar-se para o mesmo, uma harmonia entre elementos muito distintos, como a água e o fogo, que se chocam para renovar. Por isso o verso “Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio”. Ser tudo isso. Ser exaustivamente. Confundir-se com o universo e com a vida. Este é o fim, é sobreviver em si e “em todas as direções”.