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Claude Lévi-Strauss,
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É de bom tom — tornou-se pedagogicamente correto —, desde há uns dois ou três
lustros, mandar de volta com um suspiro os anos estruturalistas para seu passado pré-
sessenta e oito, dispensar com um lamento hipócrita a teoria — metida com “terror” na
valise da palavra “terroria” — como se a análise e explicação, a distinção das constantes
e das variáveis, o acribológico discernimento dos níveis fonéticos, morfêmicos e
semânticos tivessem desconhecido a poesia a ponto de desencorajarem sua leitura fresca
e jubilosa — contra-reforma empreendida, é sabido, em nome dos valores do retorno, do
afeto, da imediatez, que sei eu... Não é nada disso. A análise dos Chats não pode ter
estragado Les Chats, nem a do soneto de Pessoa, Ulisses nem Lisboa. Ao contrário, elas
aumentaram seu valor, encareceram o precioso, entesouraram a preciosidade intrínseca
à poesia. Assim como a profunda e bela “leitura” do Boléro, na contestação de uma
observação de Pousseur (L’Homme nu, p.590 sqq.), só pode ter bonificado a recepção
de Ravel.
Parece-me, entretanto, que o tratamento estruturalista reservado localmente aos
textos poéticos (para não dizer nada, é claro, do lugar que abre para a poesia “em sua
vida” o homem Lévi-Strauss, que podemos supor grande e afetuoso nesse homem de
cultura por excelência; nem da tonalidade afinal de contas poética das grandes páginas
de sabedoria pensativa, com as quais eu gostaria de concluir) é um tratamento que os
simplifica; e enredado ele próprio numa certa contradição.
Pois, por um lado, ele reconduz a verdade do poético ao somático, se posso dizer
isso, limitando a leitura de tal poema através do filtro estruturalista a processos como o
do “simbolismo fonético”, afinal de contas destinado a uma “explicação científica”
futura segundo o progresso das ciências neuronais, e essa amputação do poético
decapitado da complexidade de nível superior (na escala das frases, das estrofes, da
composição de uma obra), será que ousarei chamá-la de cientificista, une-se, contra sua
vontade, a uma propensão contemporânea a privatizar o pensamento que vou evocar
daqui a pouco digressivamente e, por outro lado, ele disjunta excessivamente (quantas
vezes eu deveria acrescentar: “parece-me”?) o lado do mito e da música do lado do
filosofema e do poema (pode-se dizer do pensamento não-selvagem?), em favor da
polissemia do termo “tradução”; ao que virei em seguida.
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NOTAS