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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UnB)

Disciplina: Literatura Portuguesa – modernismo


Professor: João Gonçalves Ferreira Christofaro Silva
Aluno: Guilherme Costa da Fonseca
Turma: 04
Matrícula: 200038001

TRABALHO INDIVIDUAL

PROPOSTA 1

1)
O primeiro texto, chamado Isto, parece encerrar em si o caráter de um passo
mais na escala poética em relação ao primeiro grau da poesia lírica, em cuja
efervescência criativa erige-se, a maiores horizontes, o grau de lucidez decorrente da
imaginação em detrimento do sentimento; com efeito, a operação intelectiva goza da
qualidade de motor-mor para a volição expressiva do poeta. “Eu simplesmente sinto/
com a imaginação”: a inteligência intermedia a expressão poética, traduz os elementos
que constituem os movimentos interiores resultantes da experiência sentimental para
além do sujeito, de sorte que a vivência interior expele de si, como manifestação
inteligível, cada estado da alma. Donde tira-se que o poeta funciona como um prisma: a
experiência sentimental se irrompe nele, alcança sua apreensão cognitiva e esta serve
como a fonte pela qual se verte expressões poéticas de natureza vária. Assim, este
processo aponta para a criação heteronímica na medida em que corre para a
despersonalização do poeta, uma vez que a origem dos heterônimos se encontra na
tendência orgânica da simulação e da despersonalização.
O segundo texto, Autopsicografia, complementa os arrazoados supracitados, e o
que é chamado fingimento, no poema, pode ser chamado, ainda, simulação. Ambos os
textos convergem para a ideia da suspensão da experiência própria em função da
simulação de sentimentos; não se sente, mas se pensa que se sente. A experiência
própria não esgota a faculdade humana de simulação; a natureza do homem, cuja
diferença específica é o gênero de potência intelectivo da alma, viabiliza a reflexão
sobre o sentimento, transcendendo a experiência sentimental enquanto vivência
involuntária, de causa unilateralmente externa e sem participação possível da
arbitrariedade humana como interventora real nas disposições da alma.

2)
POEMA V

O poema V apresenta-se-nos tal qual o sumo da discussão consciente da


consciência. “O que penso eu do mundo?/ Sei lá o que penso do mundo!.../ se eu
adoecesse pensaria nisso...”. Caeiro, contudo, concebe a suspensão do juízo enquanto
ponto de partida para apreensão da concretude da existência. Para isso, a operação
abstrativa seria um impasse ao contato autêntico com aquilo que estrutura a realidade.
Diferentemente da fenomenologia husserliana, que compreende a consciência enquanto
“a atualidade da qual nos tornamos conscientes quando privados da consciência dos
objetos”, Caeiro recusa volitiva e ativamente a condição abstrativa mesma do
pensamento de pensar em nada. Para o poeta, a ordem do verdadeiro pertence não
àquilo a que se refere a linguagem, mas a esta própria; a verdade, assim, é de natureza
discursiva, cuja linguagem visa certa hegemonia em favor de si no inevitável confronto
com outros discursos. Desta maneira, da ideia de que a verdade cinge em si certa
essência discursiva promana o caráter paradoxal de seu pensamento: se existem palavras
antes de discursos e da retórica, e a verdade coincide com a linguagem discursiva dentro
duma “prisão simbólica”, como há entrelaçamento lógico na noção de que “o acesso à
realidade é possível no interior das palavras”? Se toda observação da realidade supõe
uma série de aspectos determinados aos quais nossa atenção se dirige – posto que a
totalidade da realidade é inabarcável ao escopo intelectivo humano –, e sendo toda
expressão humana o resultado de um pensamento, de um juízo, poderia, ainda assim,
existir uma linguagem que seja em simultâneo uma tradução de ideias e “capaz de
representar a natureza sem a intermediação do pensamento”?
Outra representação importante deste poema encontra-se nos seguintes trechos,
nos quais é possível extrair um princípio comum: “Quem está ao sol e fecha os olhos,/
Começa a não saber o que é o sol”; “[...] a luz do sol vale mais que os pensamentos/ De
todos os filósofos e de todos os poetas.”; e “Não acredito em Deus porque nunca o vi./
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,/ Sem dúvida que viria falar comigo/ E entraria
pela minha porta dentro/ Dizendo-me — Aqui estou!”. O princípio de absorção pura do
real decorre das sensações, pois que Caeiro identifica a atestação da existência autêntica
das coisas com aquilo que se conforma às suas potencialidades sensitivas. Não obstante,
o eu-lírico ainda exprime “Mas se Deus é as flores e as árvores/ E os montes e o sol e o
luar,/ Então acredito nele,/ Então acredito nele a toda a hora,/ E a minha vida é toda uma
oração e uma missa,/ E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos”; tal trecho
justifica o seu epíteto “místico materialista”. Segundo Fernando Cabral Martins, a
particularidade sinestésica da impregnação do real no sujeito é precisamente o
Sensacionismo inaugural de Caeiro.

POEMA XXXIX

No texto XXXIX,

3)
No poema Ode Triunfal, Álvaro de Campos, em sua composição, delega ao seu
texto certo verniz futurista, pela referência à máquina, ao mecanicismo de fábrica, às
disposições presentes nas indústrias. De antemão, nota-se que existe uma diferença
particular acerca da expressão poética entre a ideia de “beleza” e “força”. “Força”
comporta uma contraposição à estética aristotélica, que conforme o poeta é aquela que
concebe as realidades teleológicas da arte circunscritas na ideia de beleza, sendo esta,
portanto, o termo da expressão artística. Campos propugna uma fundamentação estética
que aponta antes para a força – em sentido abstrato – que para a beleza. A raiz das
formas da força é a vida, em cuja ventura revela-se-nos o suporte substancial, a
instância provedora daquilo que será mais tarde converso em manifestação artística.
Sendo a vida, nestes termos, sensibilidade, esta, por seu turno, é a vida da arte; tal
arrazoado volve o olhar de Campos ao Sensacionismo. Assim, o trecho: “Ó rodas, ó
engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!/ Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!/ Em
fúria fora e dentro de mim,/ Por todos os meus nervos dissecados fora,/ Por todas as
papilas fora de tudo com que eu sinto!/ Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos
modernos,/ De vos ouvir demasiadamente de perto,/ E arde-me a cabeça de vos querer
cantar com um excesso/ De expressão de todas as minhas sensações,/ Com um excesso
contemporâneo de vós, ó máquinas!” demonstra a primazia do sujeito sobre o objeto, ou
melhor, a predileção das atividades interiores do sujeito em detrimento do objeto per se.
A poesia de Álvaro de Campos não apenas se caracteriza pelas sensações, como
também se interessa mais em como as coisas são sentidas do que na sensação das coisas
enquanto tais. Isto porque o fundamento da expressão artística se faz na consciência da
consciência das sensações. A consciência da sensação lhe confere valor, donde resulta a
munição do poder de expressão. Cada sensação por exprimir exige diferente trato no ato
de expressão do que outro utilizado para exprimir outra; daí surge a ideia de objetivar a
subjetividade. As onomatopeias, por sua vez, constituem por excelência a natureza da
poesia sensacionista, uma vez que sustentam ligação estreitíssima, em termos
significantes, com o que se apreende da realidade por intermédio das sensações. O
extrato substancial do poema, já exposto, pode ser encontrado em diversas partes: “Ah,
poder exprimir-me todo como um motor se exprime!/ Ser completo como uma
máquina!/ Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!”; “Eh-lá-hô
fachadas das grandes lojas!/ Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!/ Eh-lá-hô
recomposições ministeriais!”; “Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá! Hé-la! He-hô! H-o-o-
o-o! Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!”. Álvaro de Campos, por assim dizer, adquiriu
personalidade própria e reproduz, ao seu próprio modo, aquilo que aprender de seu
mestre, Alberto Caeiro.

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