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12º ano

FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO

FINGIMENTO ARTÍSTICO

Para o poeta do Modernismo português, um poema é uma impressão intelectualizada, uma


ideia convertida em emoção comunicada a outros por meio de um ritmo. E aqui radica todo
o processo da criação poética em Pessoa, onde a sinceridade humana, por um processo de
intelectualização das emoções, se anula, para dar lugar à sinceridade artística. O poeta é,
pois, um fingidor, transpõe as emoções em pensamentos o que constitui a chave para a
compreensão literária da obra literária pessoana. Aliás, o próprio Pessoa afirmou que pouco importa
o que sintamos, o que exprimimos; basta que, tendo-o pensado, saibamos fingir bem tê-lo sentido .
Ora, esta afirmação do poeta deixa-nos de imediato a perceber a originalidade e inovação da sua
poesia, em que o escritor rompe com a lírica tradicional, ao defender que o poeta não deve verter
em verso as emoções e sentimentos realmente sentidos. Nesta perspetiva, o poema é o resultado
de uma criação mental e um poeta fingidor que finge tão completamente /(…) / A dor que
deveras sente; já o sentir fica para quem lê (Sentir? Sinta quem lê!). No entanto, Pessoa não exclui o
sentimento subjacente à criação poética, simplesmente intelectualiza-o (Sinto com imaginação /
Não uso o coração), convertendo-o em algo de abstrato; só depois desse processo, o sentimento
passará a constituir-se como palavra poética. Esta forma de criação artística, através do fingimento,
opõe-se a uma poética tradicional, sentimental e romântica. Na sua essência, o poeta é um
racionalizador de sentimentos.

A DOR DE PENSAR

A intelectualização dos sentimentos, fundamental para a criação poética, é, contudo, geradora de


dor, pois este processo, devido ao excesso de lucidez, tem custos, intensificando estados de alma
negativos marcados por sentimentos de tédio, resignação, angústia, abulia, frustração, como é
exemplo o poema Ela canta pobre ceifeira, já que A ciência / Pesa tanto e a vida é tão breve!
Como o pensar esfria o sentir, o poeta tem consciência de que a felicidade perfeita só é possível
alcançar através da imaginação, pelo que só os outros podem ser felizes (Ah! Ser tu sendo eu! /Ter a
tua alegre inconsciência e a consciência disso). Uma vez mais, porque o prisioneiro do seu
pensamento, Pessoa vive um dilema intransponível: ser um inconsciente consciente e a
impossibilidade de conciliar opostos: a consciência e a inconsciência.

SONHO E REALIDADE

Deste modo, o sonho é muitas vezes, para o poeta, uma forma de escapar a uma realidade
amarga, dececionante, onde a angústia experimentada o leva a uma fragmentação interior e
a querer reviver a infância perdida. O sonho surge como uma dimensão de evasão para um
mundo de fantasia, refúgio de uma realidade que desencadeia nele uma angústia existencial.
Todavia, regista-se sempre uma não coincidência entre sonho e realidade. Associada a esta
temática, aparece o intersecionismo que consiste na sobreposição e cruzamento entre o plano real e
o do sonho. No poema citado, há a interseção de dois planos – uma paisagem real (plano vivido) e
um porto imaginado (plano sonhado), sendo o imaginado mais «poderoso» do que o vivido:
Atravessa esta paisagem meu sonho dum porto infinito / E a cor das flores é transparente de as velas
de grandes navios / […] O porto que sonho é sombrio e pálido / E esta paisagem é cheia de sol deste
lado… / Mas no meu espírito o sol desde dia é porto sombrio.

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Profª Irene Candeias
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NOSTALGIA DA INFÂNCIA

Como sabemos, a infância aparece-nos como paradigma da felicidade suprema, liberdade


incondicional e a inocência feitas de inconsciente espontaneidade. Assim, a evocação dos
espaços e tempos idos é uma forma de presentificar o Éden perdido. Na procura desse Paraíso, o
poeta volta, pelo eco a memória, ao passado e é aí que ele é feliz no tal «tempo interno», fruto de
uma «colagem» do passado evocado ao presente vivido, de maneira a poder experimentar uma
felicidade outra, mas esta de efeito retroativo, misto de verdade sentida e verdade imaginada (E
toda aquela infância / (…) me vem / Numa onda de felicidade); daí interrogar-se E eu era feliz? /
Fui-o outrora agora! A infância pode ser definida como a inconsciência, o sonho, a felicidade
distante, uma fase da vida perdida e longínqua que possivelmente nunca existiu a não ser como
recordação. Deste modo, é sempre no eco da memória que ele é feliz, facto que partilha com
Campos na fase intimista, de que poemas como Aniversário, Na casa Defronte e Lisboa revisitada
são exemplo. Todavia, a consciência de uma existência viva de mentira de sonhos vãos (O tempo
que eu dei sonhado / Quanto tempo foi de vida!) concorre para um presente triste, de tédio,
dor, angústia, frustração, o que o faz pensar que a passagem do tempo lhe causa progressivamente
um alheamento de si. É também a passagem do tempo que vai proporcionar ao poeta a
consciência de ser fragmentado (Não sei quantas almas tenho). Esta consciência cria no poeta
estados de alma díspares, em que o passado se cola às memórias de outrora, numa felicidade
apenas espelhada nas recordações de infância e o presente se converte numa imagem amarga e
pessimista de si. Daí, Pessoa afirmar estar condenado ao malogro, sofrendo as ideias do fluir do
tempo e da morte.

FERNANDO PESSOA HETERONIMOS

ALBERTO CAEIRO
ÁLVARO DE CAMPOS
RICARDO REIS

Significação dos heterónimos

Os heterónimos são considerados a grande criação estética de Pessoa e, ademais, conduzem a


Pessoa a uma profunda reflexão sobre a relação entre verdade e realidade e entre existência e
identidade.

Como processo criativo, de cariz inovador e anti-romântico, a heteronímia enquadra-se claramente


no movimento modernista, inscrevendo-se em cheio neste clima de insinceridade criadora.

Os heterónimos mais importantes são Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, embora
também podemos citar o semi-heterónimo Bernaldo Soares, autor do Livro do Desassossego. Entre
pseudónimos, heterónimos e semi-heterónimos contam-se 72 nomes.

Como conclusão, e relacionando os três heterónimos estudados com Fernando Pessoa (ortónimo),
demos a palavra ao próprio Pessoa: “Pus no Caeiro todo o meu poder de despersonalização

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dramática, pus em Ricardo Reis toda a minha disciplina mental, vestida da música que lhe é própria,
pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida”.

David Mourão-Ferreira (in O Rosto e as Máscaras), comentando o texto citado de Pessoa, escreve:
“Seja como for, nós poderemos encará-los (os heterónimos) sob uma outra perspectiva:

Alberto Caeiro, desejando-se um simples homem da natureza, inteiramente desligado dos valores da
cultura, pretendeu, sobretudo, ser;

Álvaro de Campos, sem se mostrar tão radical na recusa dos valores culturais — mas contestando-os,
afinal, de modo muito mais corrosivo — esforçou-se principalmente por sentir, em lúcida histeria, de
acordo com os ritmos do mundo moderno;

e Ricardo Reis, por seu turno, não mais desejou que viver segundo o ensinamento de todas as
culturas, sinteticamente recolhidas numa sabedoria que vem de longe e que nem por isso deixa de
ser pessoal.

Os conceitos de pseudónimo e heterónimo

Pseudónimo é basicamente o nome falso inventado por um autor para esconder, por esta ou aquela
razão, com esta ou aquela função, a sua identidade civil. Objecto de um jogo, de um trabalho
possível, de investimentos diversos, o pseudónimo tem na sua base uma operação de ocultação ou
de substituição do nome próprio. O heterónimo é um nome diferente, outro (irregular, anómalo). E
no espaço de uma heteronímia plural, como a de Pessoa – vários heterónimos –, tem na base uma
operação não de máscara do nome próprio que o pseudónimo sempre supõe ou para o qual remete,
mas precisamente, uma operação de repetida diferenciação, de estranhamento, de construção de
uma estranheza ou outridade (qualidade outra) que ao limite, como em Pessoa é uma espécie de
(re)construída perda do nome próprio. O que exemplarmente é designado pelo já referido gesto de
Pessoa admitindo esse seu nome enquanto autor de poesia como um outro heterónimo, como Jorge
de Sena o viria também a referir.

«Nunca me sinto tão portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim – Alberto Caeiro,
Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, e quantos mais haja havidos ou por haver.»

Esses outros nomes são pensados, fingidos e vividos como outros eu, diferindo (e de facto
interagindo) até como que apagarem um eu central de onde irradiassem ou que os produzisse.
Anulando esse eu ou tão só manifestando a sua impossibilidade, são «vistos diante» como outras
tantas personalidades, outra gente, outras maneiras de escrever, outros «estilos». Daí que sejam,
mesmo que sumariamente biografados, que uns deponham sobre outros, se comentem, critiquem,
distingam, identifiquem.

Mesmo que eventualmente acompanhado por uma ficção biográfica, o pseudónimo é sempre,
tendencialmente, a construção de um nome próprio; em Pessoa, a heteronímia, diferentemente, se
se quiser radicalmente, é a impossibilidade do nome próprio.

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Profª Irene Candeias
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Se, sobretudo em determinados casos mais trabalhados e ludicamente jogados, o pseudónimo é um


revelador do autor como construção, efeito do texto, numa operação análoga à que constrói o
sujeito no discurso, o heterónimo, a heteronímia de Pessoa é isso também, mas mais e outra coisa
para além disso.

Manuel Gusmão, «Prefácio» in A Poesia de Alberto Caeiro, Editorial Comunicação.

Explicações possíveis da heteronímia

Vários caminhos convergentes, assinaláveis nas prosas inéditas, nos levam a explicações possíveis da
heteronímia – como se a pluralidade estivesse realmente no cerne do "caso" literário de Fernando
Pessoa e a consciência disso manejasse os fios do seu pensamento.

Eis algumas dessas explicações:

1ª) A constituição psíquica de Pessoa, instável nos sentimentos e falho de vontade, teria gerado a
multiplicação em personalidades ou personagens do drama em gente.

Pessoa explica o aparecimento dos heterónimos dizendo que a origem destes reside na sua histeria,
provavelmente histeroneurastenia[1], logo numa "tendência orgânica e constante para a
despersonalização e para a simulação".

Vários fragmentos das Páginas Íntimas atendem "à dispersão do eu".

2ª) A qualidade de poeta de tipo superior levá-lo-ia à despersonalização. Com efeito, na concepção
de Fernando Pessoa, segundo um fragmento inédito, há quatro graus de poesia lírica e no cume da
escala, onde ele se coloca, o poeta torna-se dramático por um dom espantoso de sair de si.

No segundo grau, o poeta ainda mais intelectual, começa a despersonalizar-se, a sentir, não já
porque não sente, mas porque pensa que sente, a sentir estados de alma que realmente não tem,
simplesmente porque os compreende. Estamos na antecâmara da poesia dramática, na sua essência
íntima. O temperamento do poeta, seja qual for, está dissolvido pela inteligência. A sua obra é
unificada só pelo estilo, último reduto da sua unidade espiritual, da sua coexistência consigo mesmo.

“O quarto grau da poesia lírica é aquele muito mais raro, em que o poeta, mais intelectual ainda, mas
igualmente imaginativo, entra em plena despersonalização."

Não só sente, mas vive os estados de alma que não tem directamente, supondo que o poeta,
evitando sempre a poesia dramática, externamente, avança ainda um passo na escala da
despersonalização.

Certos estados de alma, pensados e não sentidos, sentidos imaginativamente e por isso vividos
tenderão a definir, para ele, uma pessoa fictícia que os sentisse sinceramente.

Não se detém Pessoa precisamente no limiar do seu caso excepcional de poeta múltiplo, autor de
autores?

A heteronímia seria o termo último de um processo de despersonalização inerente à própria criação


poética e mediante o qual Pessoa estabelece uma axiologia literária.

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O poeta será tanto maior quanto mais intelectual, mais impessoal, mais dramático, mais fingidor – é
o sentido pleno da "Autopsicografia".

O progresso do poeta dentro de si próprio, realiza-se pela autoria sobre a sinceridade, pela conquista
(lenta, difícil), da capacidade de fingir: "A sinceridade é o grande obstáculo que o artista tem de
vencer. Só uma longa disciplina, uma aprendizagem de não sentir senão literariamente as coisas,
pode levar o espírito a esta culminância. "

Exprimir poeticamente significa fingir.

3ª) A qualidade de português levaria o poeta a despersonalizar-se, a desdobrar-se em vários.

"O bom português é várias pessoas – reza um fragmento inédito. Nunca me sinto tão
portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim – Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro
de Campos, Fernando Pessoa e quantos mais haja havidos ou por haver".

Se um indivíduo deve despersonalizar-se para seu progresso interior, uma Nação deve
desnacionalizar-se – e esta é em particular a vocação portuguesa.

O ideal que Pessoa inculca a Portugal, é consequentemente o que se propõe a si próprio: "Ser tudo,
de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa" – o pluralismo,
o politeísmo.

4ª) A multiplicidade do escritor seria o produto necessário de uma nova fase de civilização – fase que
Fernando Pessoa caracteriza ao explicar o Orfeu e o sensacionismo dum ângulo sociológico.

A decadência da fé, quebra de confiança na ciência, a complexidade de opiniões traduz-se pela ânsia
actual de "ser tudo de todas as maneiras".

A poesia poderá entender-se também como resposta a um estado colectivo de crise, mas em sentido
diferente, isto é, como antídoto, como bálsamo espiritual.

Caeiro, libertador imaginário, um remédio (provisório) para a dor de pensar de que sofre Pessoa
ortónimo, uma fuga.

Pessoa ter-se-ia dividido para se compensar.

Heteronímia seria um modo de suprir a carência, verificada na época, de personalidades superiores,


e em especial de grandes personalidades na literatura portuguesa: "Com uma tal falta de literatura,
como há hoje, que pode um homem de génio fazer senão converter-se ele só em literatura?".

Em síntese, podemos dizer que Fernando Pessoa apresenta duas explicações para a origem dos
heterónimos que não se excluem, já que se podem complementar:

1) Num primeiro momento diz que são consequência da anormalidade histérico-neurasténica do


seu psiquismo, que facilita despersonalização e a simulação.

2) Numa carta a Adolfo Casais Monteiro explica que surgem com os poemas de que são autores,
não são ideados previamente à escrita dos poemas.

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A exegese em Pessoa: o drama em gente

Para Casais Monteiro os retratos de Caeiro, Reis e Campos foram feitos para as obras e não estas
para aqueles, isto é, os poemas são os criadores dos autores fictícios.

As biografias imaginárias (mas de modo algum arbitrárias), prolongam o acto criador dos poemas,
com ele se relacionam mas dele se destacam como leitura desses poemas já definitivamente fora do
seu criador.

A crítica apercebeu-se que não pode haver uma leitura autónoma de cada uma dessas manifestações
heteronímicas.

Os heterónimos são a totalidade fragmentada. Por isso, não têm leitura individual, mas também não
possuem dialéctica senão na luz dessa totalidade de que não são partes, mas plurais e hierarquizadas
maneiras de uma única e decisiva fragmentação.

O carácter "dramático" da sua poesia (aquilo a que chamou "o drama em gente"), concentra a
hipótese de um drama da personalidade psicológica (os desdobramentos da personalidade) e não
sobre a natureza dramática da própria poesia.

Segundo José Augusto Seabra "há em Pessoa uma transferência da dramaticidade para o lirismo, do
"poeta dramático" para os poetas líricos, que são afinal os heterónimos."

"A multiplicidade dos sujeitos poéticos – o poetodrama – é aqui a condição de realização do lirismo
dramático – do poemodrama."

O sujeito dramático (poético) aparece pois ao mesmo tempo como seu próprio interlocutor de uma
infinidade de destinatários num diálogo permanente e múltiplo.

Cada movimento por ele proposto surge sempre associado a um determinado heterónimo ou
conjunto de heterónimos. Por exemplo, o paulismo inscreve-se numa das vertentes da poesia
ortónima, o interseccionismo se distribui por Pessoa " ele mesmo" e por Álvaro de Campos; já o
neopaganismo inspira a poesia de Alberto Caeiro e de Ricardo Reis, enquanto o sensacionismo
parece ramificar-se com nuanças pelos vários heterónimos.

O poeta ortónimo situa-se ao mesmo nível que os restantes poetas – ele é afinal um heterónimo a
que o autor emprestou a sua identidade privada. Como aliás, diz Jorge de Sena, que numa carta a
Fernando Pessoa, escreve: "E você, quando escreveu em seu próprio nome, não foi menos
heterónimo do que qualquer um deles".

O caso clínico de Fernando Pessoa

A sua poesia exprime sempre os seus sentimentos ou as suas crenças, sejam no que for. Fernando
Pessoa não sabe e não quer mentir, embora minta e se contradiga. Não é então ele que fala ou
escreve, porque realmente não existe ele.

Quando afirma ou nega pronuncia-se somente uma parte dele, uma fracção ocasional do seu eu. A
dissociação mental de que é vítima despersonaliza-o. Então a perda da integridade psíquica fá-lo
sentir-se outro, ou outros, conforme as fracções próprias que o determinam.

«Vivem em nós inúmeros,


Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.

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Sou somente o lugar


Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma


Há mais eus que eu mesmo.»
(Ricardo Reis)

Na normal evolução da doença esquizofrénica[1] vai-se acentuando a progressão da dissociação


psíquica até chegar à dissolução completa da personalidade, que é a demência- Fernando Pessoa,
falecendo aos 47 anos de idade, não teve tempo de chegar lá.

Sendo um psicopata hebefrénico[2], está implicitamente entendido que Fernando Pessoa não era o
que se chama um louco. Padecia dessa nosofobia[3] porque, como é próprio da hebefrenia,
conservava a inteligência e a lucidez do seu estado a agravar-se progressivamente e sabia o fim
evolutivo que fatalmente o aguardava no avanço da idade.

No sofrimento atroz que lhe provocava à consciência da desagregação do pensamento,


provavelmente terá (ainda que temido) desejado a loucura, porque a perda de lucidez do seu estado
lhe seria uma libertação. No relâmpago de uma crise, algures chegou a exclamar: «Graças a Deus que
estou doido!» Não o estava, claro. Nenhum doido (demente) diz que o é, pois que não reconhece o
seu estado. Mas estava, isso sim, no caminho da demência e, nalguns momentos, muito próximo
dela.

Psicopata profundamente atingido, e com a obstinação de escrever, fatalmente que Fernando Pessoa
haveria de transmitir ao papel as vicissitudes dramáticas do seu espírito.

[1] Esquizofrenia: do grego skhízein, «fender» + phrén, «mente; espírito» + -ia.


[2] Hebefrenia: uma categoria de esquizofrenia que começa, habitualmente, na adolescência e é caracterizada por inércia,
embotamento da afectividade, autismo, bizarria de comportamento, delírios, dissociação intelectual da coesão íntima da
personalidade.
[3] Nosofobia: horror excessivo às doenças; medo mórbido de adoecer. (Do gr. nósos, «doença» + phobe¸n, «ter horror a» +
-ia)

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