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FINGIMENTO ARTÍSTICO
A DOR DE PENSAR
SONHO E REALIDADE
Deste modo, o sonho é muitas vezes, para o poeta, uma forma de escapar a uma realidade
amarga, dececionante, onde a angústia experimentada o leva a uma fragmentação interior e
a querer reviver a infância perdida. O sonho surge como uma dimensão de evasão para um
mundo de fantasia, refúgio de uma realidade que desencadeia nele uma angústia existencial.
Todavia, regista-se sempre uma não coincidência entre sonho e realidade. Associada a esta
temática, aparece o intersecionismo que consiste na sobreposição e cruzamento entre o plano real e
o do sonho. No poema citado, há a interseção de dois planos – uma paisagem real (plano vivido) e
um porto imaginado (plano sonhado), sendo o imaginado mais «poderoso» do que o vivido:
Atravessa esta paisagem meu sonho dum porto infinito / E a cor das flores é transparente de as velas
de grandes navios / […] O porto que sonho é sombrio e pálido / E esta paisagem é cheia de sol deste
lado… / Mas no meu espírito o sol desde dia é porto sombrio.
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Profª Irene Candeias
12º ano
NOSTALGIA DA INFÂNCIA
ALBERTO CAEIRO
ÁLVARO DE CAMPOS
RICARDO REIS
Os heterónimos mais importantes são Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, embora
também podemos citar o semi-heterónimo Bernaldo Soares, autor do Livro do Desassossego. Entre
pseudónimos, heterónimos e semi-heterónimos contam-se 72 nomes.
Como conclusão, e relacionando os três heterónimos estudados com Fernando Pessoa (ortónimo),
demos a palavra ao próprio Pessoa: “Pus no Caeiro todo o meu poder de despersonalização
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dramática, pus em Ricardo Reis toda a minha disciplina mental, vestida da música que lhe é própria,
pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida”.
David Mourão-Ferreira (in O Rosto e as Máscaras), comentando o texto citado de Pessoa, escreve:
“Seja como for, nós poderemos encará-los (os heterónimos) sob uma outra perspectiva:
Alberto Caeiro, desejando-se um simples homem da natureza, inteiramente desligado dos valores da
cultura, pretendeu, sobretudo, ser;
Álvaro de Campos, sem se mostrar tão radical na recusa dos valores culturais — mas contestando-os,
afinal, de modo muito mais corrosivo — esforçou-se principalmente por sentir, em lúcida histeria, de
acordo com os ritmos do mundo moderno;
e Ricardo Reis, por seu turno, não mais desejou que viver segundo o ensinamento de todas as
culturas, sinteticamente recolhidas numa sabedoria que vem de longe e que nem por isso deixa de
ser pessoal.
Pseudónimo é basicamente o nome falso inventado por um autor para esconder, por esta ou aquela
razão, com esta ou aquela função, a sua identidade civil. Objecto de um jogo, de um trabalho
possível, de investimentos diversos, o pseudónimo tem na sua base uma operação de ocultação ou
de substituição do nome próprio. O heterónimo é um nome diferente, outro (irregular, anómalo). E
no espaço de uma heteronímia plural, como a de Pessoa – vários heterónimos –, tem na base uma
operação não de máscara do nome próprio que o pseudónimo sempre supõe ou para o qual remete,
mas precisamente, uma operação de repetida diferenciação, de estranhamento, de construção de
uma estranheza ou outridade (qualidade outra) que ao limite, como em Pessoa é uma espécie de
(re)construída perda do nome próprio. O que exemplarmente é designado pelo já referido gesto de
Pessoa admitindo esse seu nome enquanto autor de poesia como um outro heterónimo, como Jorge
de Sena o viria também a referir.
«Nunca me sinto tão portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim – Alberto Caeiro,
Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, e quantos mais haja havidos ou por haver.»
Esses outros nomes são pensados, fingidos e vividos como outros eu, diferindo (e de facto
interagindo) até como que apagarem um eu central de onde irradiassem ou que os produzisse.
Anulando esse eu ou tão só manifestando a sua impossibilidade, são «vistos diante» como outras
tantas personalidades, outra gente, outras maneiras de escrever, outros «estilos». Daí que sejam,
mesmo que sumariamente biografados, que uns deponham sobre outros, se comentem, critiquem,
distingam, identifiquem.
Mesmo que eventualmente acompanhado por uma ficção biográfica, o pseudónimo é sempre,
tendencialmente, a construção de um nome próprio; em Pessoa, a heteronímia, diferentemente, se
se quiser radicalmente, é a impossibilidade do nome próprio.
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Vários caminhos convergentes, assinaláveis nas prosas inéditas, nos levam a explicações possíveis da
heteronímia – como se a pluralidade estivesse realmente no cerne do "caso" literário de Fernando
Pessoa e a consciência disso manejasse os fios do seu pensamento.
1ª) A constituição psíquica de Pessoa, instável nos sentimentos e falho de vontade, teria gerado a
multiplicação em personalidades ou personagens do drama em gente.
Pessoa explica o aparecimento dos heterónimos dizendo que a origem destes reside na sua histeria,
provavelmente histeroneurastenia[1], logo numa "tendência orgânica e constante para a
despersonalização e para a simulação".
2ª) A qualidade de poeta de tipo superior levá-lo-ia à despersonalização. Com efeito, na concepção
de Fernando Pessoa, segundo um fragmento inédito, há quatro graus de poesia lírica e no cume da
escala, onde ele se coloca, o poeta torna-se dramático por um dom espantoso de sair de si.
No segundo grau, o poeta ainda mais intelectual, começa a despersonalizar-se, a sentir, não já
porque não sente, mas porque pensa que sente, a sentir estados de alma que realmente não tem,
simplesmente porque os compreende. Estamos na antecâmara da poesia dramática, na sua essência
íntima. O temperamento do poeta, seja qual for, está dissolvido pela inteligência. A sua obra é
unificada só pelo estilo, último reduto da sua unidade espiritual, da sua coexistência consigo mesmo.
“O quarto grau da poesia lírica é aquele muito mais raro, em que o poeta, mais intelectual ainda, mas
igualmente imaginativo, entra em plena despersonalização."
Não só sente, mas vive os estados de alma que não tem directamente, supondo que o poeta,
evitando sempre a poesia dramática, externamente, avança ainda um passo na escala da
despersonalização.
Certos estados de alma, pensados e não sentidos, sentidos imaginativamente e por isso vividos
tenderão a definir, para ele, uma pessoa fictícia que os sentisse sinceramente.
Não se detém Pessoa precisamente no limiar do seu caso excepcional de poeta múltiplo, autor de
autores?
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O poeta será tanto maior quanto mais intelectual, mais impessoal, mais dramático, mais fingidor – é
o sentido pleno da "Autopsicografia".
O progresso do poeta dentro de si próprio, realiza-se pela autoria sobre a sinceridade, pela conquista
(lenta, difícil), da capacidade de fingir: "A sinceridade é o grande obstáculo que o artista tem de
vencer. Só uma longa disciplina, uma aprendizagem de não sentir senão literariamente as coisas,
pode levar o espírito a esta culminância. "
"O bom português é várias pessoas – reza um fragmento inédito. Nunca me sinto tão
portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim – Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro
de Campos, Fernando Pessoa e quantos mais haja havidos ou por haver".
Se um indivíduo deve despersonalizar-se para seu progresso interior, uma Nação deve
desnacionalizar-se – e esta é em particular a vocação portuguesa.
O ideal que Pessoa inculca a Portugal, é consequentemente o que se propõe a si próprio: "Ser tudo,
de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa" – o pluralismo,
o politeísmo.
4ª) A multiplicidade do escritor seria o produto necessário de uma nova fase de civilização – fase que
Fernando Pessoa caracteriza ao explicar o Orfeu e o sensacionismo dum ângulo sociológico.
A decadência da fé, quebra de confiança na ciência, a complexidade de opiniões traduz-se pela ânsia
actual de "ser tudo de todas as maneiras".
A poesia poderá entender-se também como resposta a um estado colectivo de crise, mas em sentido
diferente, isto é, como antídoto, como bálsamo espiritual.
Caeiro, libertador imaginário, um remédio (provisório) para a dor de pensar de que sofre Pessoa
ortónimo, uma fuga.
Em síntese, podemos dizer que Fernando Pessoa apresenta duas explicações para a origem dos
heterónimos que não se excluem, já que se podem complementar:
2) Numa carta a Adolfo Casais Monteiro explica que surgem com os poemas de que são autores,
não são ideados previamente à escrita dos poemas.
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Para Casais Monteiro os retratos de Caeiro, Reis e Campos foram feitos para as obras e não estas
para aqueles, isto é, os poemas são os criadores dos autores fictícios.
As biografias imaginárias (mas de modo algum arbitrárias), prolongam o acto criador dos poemas,
com ele se relacionam mas dele se destacam como leitura desses poemas já definitivamente fora do
seu criador.
A crítica apercebeu-se que não pode haver uma leitura autónoma de cada uma dessas manifestações
heteronímicas.
Os heterónimos são a totalidade fragmentada. Por isso, não têm leitura individual, mas também não
possuem dialéctica senão na luz dessa totalidade de que não são partes, mas plurais e hierarquizadas
maneiras de uma única e decisiva fragmentação.
O carácter "dramático" da sua poesia (aquilo a que chamou "o drama em gente"), concentra a
hipótese de um drama da personalidade psicológica (os desdobramentos da personalidade) e não
sobre a natureza dramática da própria poesia.
Segundo José Augusto Seabra "há em Pessoa uma transferência da dramaticidade para o lirismo, do
"poeta dramático" para os poetas líricos, que são afinal os heterónimos."
"A multiplicidade dos sujeitos poéticos – o poetodrama – é aqui a condição de realização do lirismo
dramático – do poemodrama."
O sujeito dramático (poético) aparece pois ao mesmo tempo como seu próprio interlocutor de uma
infinidade de destinatários num diálogo permanente e múltiplo.
Cada movimento por ele proposto surge sempre associado a um determinado heterónimo ou
conjunto de heterónimos. Por exemplo, o paulismo inscreve-se numa das vertentes da poesia
ortónima, o interseccionismo se distribui por Pessoa " ele mesmo" e por Álvaro de Campos; já o
neopaganismo inspira a poesia de Alberto Caeiro e de Ricardo Reis, enquanto o sensacionismo
parece ramificar-se com nuanças pelos vários heterónimos.
O poeta ortónimo situa-se ao mesmo nível que os restantes poetas – ele é afinal um heterónimo a
que o autor emprestou a sua identidade privada. Como aliás, diz Jorge de Sena, que numa carta a
Fernando Pessoa, escreve: "E você, quando escreveu em seu próprio nome, não foi menos
heterónimo do que qualquer um deles".
A sua poesia exprime sempre os seus sentimentos ou as suas crenças, sejam no que for. Fernando
Pessoa não sabe e não quer mentir, embora minta e se contradiga. Não é então ele que fala ou
escreve, porque realmente não existe ele.
Quando afirma ou nega pronuncia-se somente uma parte dele, uma fracção ocasional do seu eu. A
dissociação mental de que é vítima despersonaliza-o. Então a perda da integridade psíquica fá-lo
sentir-se outro, ou outros, conforme as fracções próprias que o determinam.
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Sendo um psicopata hebefrénico[2], está implicitamente entendido que Fernando Pessoa não era o
que se chama um louco. Padecia dessa nosofobia[3] porque, como é próprio da hebefrenia,
conservava a inteligência e a lucidez do seu estado a agravar-se progressivamente e sabia o fim
evolutivo que fatalmente o aguardava no avanço da idade.
Psicopata profundamente atingido, e com a obstinação de escrever, fatalmente que Fernando Pessoa
haveria de transmitir ao papel as vicissitudes dramáticas do seu espírito.
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