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Fernando Pessoa - Ortónimo, 12ºano Português

Português (Ensino Médio - Portugal)

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FERNANDO PESSOA
CONTEXTUALIZAÇÃO

♥ MODERNISMO (finais do século XIX)


↪ Caracteriza-se por uma nova visão da vida, que se traduz, na literatura, por uma diferente
concepção da linguagem e por uma diferente abordagem dos problemas que a humanidade se vê
obrigada a enfrentar, num mundo em crise.
✦ Literatura enquanto linguagem;
✦ Aliança entre a literatura e artes plásticas;
✦ Relacionamento entre o autor e a obra: transposição e fingimento da vivência;
✦ Tendência para a dispersão;
✦ Fragmento do eu.

Algumas temáticas modernistas:


- a euforia do moderno e da tecnologia;
- a relação poético-dramática da heteronímia;
- o tédio, a dissolução do sujeito, a morte;
- a crise existencial (a máscara, o retrato, o espelho);
- a exploração do psique (mente) humana;
- a fragmentação, a despersonalização;
- a sinceridade e o fingimento;
- ...
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Poesia do Ortónimo
Fernando Pessoa conta e chora a insatisfação da alma humana. A sua precariedade, a sua
limitação, a dor de pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se
sente incapaz de construir e que, comparando as possibilidades miseráveis com a ambição
desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio.

Os remédios para esse mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença
num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo messianico, o
estoicismo de Ricardo Reis, etc. Todos estes remédios são tentativas frustradas porque o mal é a
própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. É uma poesia cheia de desesperos e
entusiasmos febris, de náusea, tédios e angústias iluminados por uma inteligência lúcida, febre da
absoluta insatisfação do relativo.

CONTEXTUALIZAÇÃO LITERÁRIA

☗ fERNANDO PESSOA ORTÓNIMO

Pessoa ortónimo distingue-se por traços peculiares: avesso ao sentimentalismo, as suas finas
emoções são pensadas, ou são já vibrações da inteligência, vivências de estados imaginários.
Pessoa exprime ou insinua a solidão interior, a inquietação perante o enigma indecifrável do
mundo, o tédio, a falta de impulsos afetivos de quem, minado pelo demónio da análise, já não
espera nada da vida.

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☗ PESSOA: ENTRE A VIDA E A OUTRA

Em pessoa há a expressão musical e subtil do frio, do tédio e dos anseios da alma, de estados
quase inefáveis em que se vislumbra por instantes, nostalgias de um bem perdido que não se
sabe bem qual foi, oscilações quase imperceptíveis de uma inteligência extremamente sensível, e
até vivências tão profundas que não vêm “à flor das frases e dos dias” mas se insinuam pela
eufonia dos versos, pelas reticências de uma linguagem finíssima. Lirismo puro, a voz da alma
que se confessa baixinho, num tom menor, melancólico de uma resignação dorida, agravada, de
que, sofre a vida incapaz de viver.

TEMAS

☗ O FINGIMENTO ARTÍSTICO

A noção de fingimento desempenha, na obra de Fernando Pessoa, um importante papel. Acaba


por relacionar com a heteronímia e está presente sob uma forma explícita em alguns poemas,
nomeadamente Autopsicografia e Isto que, uma vez que se trata de poesia, não se pode fazer
uma leitura literal por existir uma deriva de sentidos.
Para Fernando Pessoa, a arte poética resulta da intelectualização das sensações, o que remete
para a temática do fingimento poético. Para este poeta, um poema “é um produto intelectual” e,
por isso, não acontece “no momento da emoção”, mas no momento da recordação. Assim, ao não
ser um resultado direto da emoção, mas uma construção mental da mesma, a elaboração de um
poema define-se como um “fingimento”. Tal significa que o ato poético apenas pode comunicar
uma dor fingida, simulada, inventada,... pois a dor real (sentida) continua apenas com o sujeito,
que, através da sua racionalização, a exprime através de palavras, construindo o poema. No
entanto, o fingimento não impede a sinceridade apenas implica o trabalho de representar, de
exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar - processo criativo desenvolvido
pelo poeta.
Em suma, a criação poética constrói-se através da conciliação e permanente interação da
oposição razão/sentimento.

☗ A DOR DE PENSAR

Fernando Pessoa sente-se condenado a ser lúcido, a ter de pensar, isto é, considera que o
pensamento provoca a dor, teoria que alicerça a temática da “dor de pensar”. Na sequência da
mesma, o poeta inveja aqueles que são inconscientes e que não se despertam para a atividade
de pensar, como uma “pobre ceifeira”, que “canta como se tivesse mais razões para cantar que a
vida”, ou como “gato que brinca na rua” e apenas segue o seu instinto.
Assim, o poeta inveja a felicidade alheia, porque esta é inatingível para ele, uma vez que é
baseada em princípios que sente que nunca pode alcançar (a inconsciência e a irracionalidade),
uma vez que o pensamento é atividade que se apodera de forma persistente Pessoa,
condicionando a sua felicidade e causando sofrimento. Contudo, apesar de desejar ser
inconsciente, não abdica da sua consciência, manifestando a sua vontade de conciliar ideias
inconciliáveis “poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência / E a consciência disso!”.
Em suma, esta “dor de pensar” provém da intelectualização das sensações à qual o poeta não
pode escapar, como ser consciente e lúcido que é.

☗ SONHO E REALIDADE

Quando falamos de sonho, podemos referir-nos a duas dimensões: o sentido literal, referente à
vivência, por alguém adormecido, de recordações ou traumas que nesse mundo (mundo onírico)
se manifestam, a`vezes de forma incoerente ou até absurda; e ao sentido de “sonhar acordado”,
ou seja, aos projetos orientados para um futuro que há de vir, que pode vir a realizar-se ou não.

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Pessoa faz constatar o sonho e realidade. O eu lírico não encontra a felicidade na realidade do
quotidiano, porque é dominado pela frustração, pelo vazio ou pelo tédio existencial. Então, idealiza
o sonho, onde acredita conseguir realizar-se e atingir a plenitude, a felicidade ou o equilíbrio.
Na sua poesia, o mundo onírico não funciona como forma de refúgio ou escape, mas como um
lugar onde o eu acredita que pode recuperar uma experiência perdida (a de infância) ou ser o que
não é no mundo “real”. No sonho, o eu lírico começa por se imaginar outro, um eu idealizado,
onde tudo parece perfeito e ele acredita ter encontrado a felicidade e a harmonia. No
entanto, num segundo momento, após uma reflexão mais atenta, o sujeito lírico constata
que esse estado de perfeição é ilusório e que o sonho não é solução para os problemas
existenciais que o minam.
Assim sendo, o sonho não resolve as insatisfações e as ansiedades do eu lírico. Isso sucede
porque o sonho é uma ilusão ou porque não é resposta para os problemas que se geraram: o
tédio, o vazio existencial, as saudades da infância perdida. Por outro lado, pode até ser uma
forma de evasão para um eu poético que se sente prisioneiro no interior de si mesmo.
Concluindo, o poeta, dominado pela reflexão incessante, admite que a existência sonhada
traz um estado de perfeição ilusório mas não a verdadeira felicidade, esta encontra-se, na
verdade, no interior de cada ser humano.

☗ A NOSTALGIA DA INFÂNCIA

Do mundo perdido da infância, Pessoa sente nostalgia. Um profundo desencanto e angústia


acompanham o sentido de brevidade da vida e da sua efemeridade, isto é, o tempo que, para ele,
é um fator de degradação na medida em que tudo é breve, tudo é efémero. O tempo apaga tudo.
Ao mesmo tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a saudade de
uma ternura que lhe passou ao lado.A infância surge, então, como um período evocado e
idealizado, tornando-se num símbolo que representa a identidade fragmentada, a inconsciência.
Frequentemente, para Fernando Pessoa, o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou,
antes se traduziu numa desilusão. Por isso, a constante descrença perante a vida real e do sonho.
Daí, também, uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento
possível de felicidade.
No entanto, evocar a infância não foi a solução para os problemas do presente e essa idealização
não existiu, tendo resultado de uma tentativa ilusória de reconstruir o passado.

LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA

Fernando Pessoa tinha o seu laboratório de linguagem. Era realmente dentro dele que se
produzia a obra, que se acelerava, os mecanismos que acompanham a produção de palavras, de
metáforas, de versos, de poemas.
Numa quantidade enorme de poemas, o questionamento acerca do sentir, acerca do movimento
de construção da linguagem poética, acerca do ato de escrever no momento em que este se
desencadeia, acerca do pensamento e da experiência, acerca da realidade “esculpida” e criada
pela palavra poética e acerca da realidade dita por certa sensação, não traça apenas os contornos
dos “temas”, mas oferece-se também como matéria sensível da língua trabalhada.

✦ presença de formas da lírica tradicional portuguesa: quadras e quintilhas e versos


frequentemente em redondilha menor e maior;
✦ tendência para a regularidade estrófica, métrica e rimática;
✦ musicalidade: presença de rima, aliterações e transporte;
✦ vocabulário simples, mas pleno de símbolos;
✦ construção sintáticas simples;
✦ usos da pontuação expressiva;
✦ recursos expressivos abundantes.

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Quanto aos recursos expressivos:


+ Hipérbato – consiste na separação de palavras que pertencem ao mesmo segmento por
outras palavras não pertencentes a este lugar:
Ex: Autopsicografia – última estrofe
+ Perífrase – consiste em utilizar uma expressão composta por vários elementos em vez do
emprego de um só termo:
Ex: Autopsicografia – “Os que lêem o que escreve”
+ Metáfora – consiste em igualar ou aproximar dois termos que pertencem à mesma categoria
sintáctica mas cujos traços se excluem mutuamente.
Ex: Autopsicografia – “Gira, a entreter a razão/Esse comboio de corda”
Ela canta, pobre ceifeira – “E há curvas no enredo suave”
+ Aliteração – repetição do(s) fonema(s) inicial(ais) consonântico(s) de várias palavras
dispostas de modo consecutivo.
Ex: Isto – “Eu simplesmente sinto/Com a imaginação/Não uso o coração”
Ela canta pobre ceifeira – “limpo” e “limiar”
+ Antítese – ou contraste, consiste na oposição de duas palavras, expressões ou ideias
antagónicas, no intuito de reforçar a mensagem.
Ex: Isto – antítese: sentimento (coração) – pensamento (razão)
Ela canta pobre ceifeira – “pobre ceifeira/julgando-se feliz”
+ Adjectivação – utilização de quantificadores para atribuir qualidades a substantivos.
Ex: Ela canta pobre ceifeira – “pobre”; “feliz”; “anónima”; “alegre”
+ Comparação – consiste na aproximação entre dois termos ou expressões, através do
elemento linguístico comparativo, proporcionando o destaque do primeiro
elemento ou termo.
Ex: Ela canta pobre ceifeira – entre o canto da ceifeira e o canto de ave
+ Apóstrofe – ou invocação consiste na nomeação apelativa de chamar ou invocar pessoas
ausentes, coisas ou ideias.
Ex: Ela canta pobre ceifeira – “Ó Céu! Ó campo! Ó canção!...”
+ Personificação – consiste em atribuir propriedades humanas a seres inanimados ou
irracionais.
Ex: Ela canta pobre ceifeira – “…tornai/Minha alma vossa sombra leve!”
+ Pleonasmo – consiste na manifestação da redundância. Esta existe quando as
manifestações tomam a forma, a nível semântico, da repetição do mesmo
significado por dois significantes diferentes na mesma expressão.
Ex: Ela canta pobre ceifeira – “Entrai por mim dentro!”
+ Gradação – consiste na apresentação de vários elementos segundo uma ordenação, que
pode ser ascendente ou descendente.
Ex: O menino de sua mãe – “Jaz morto, e arrefece/Jaz morto, e apodrece”
+ Sinestesia – consiste na mistura de dados sensoriais que pertencem a sentidos diferentes.
Deste facto pode resultar uma expressividade muito original e inesperada.
Ex:Ela canta pobre ceifeira – “A tua incerta voz ondeando”

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Autopsicografia - Fernando Pessoa ------------------------------------------------------------

AUTOPSICOGRAFIA → explicação do processo psíquico que nele se ao elaborar um texto


poético ↔ Teoria do Fingimento Poético
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

> A poesia não está na dor experimentada, ou sentida realmente, mas no fingimento dela. Isto é, a
dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser fingida, imaginada, tem de ser
expressa em linguagem poética, o poeta tem que partir da dor real, a “dor que deveras sente”.

> Não basta, para haver poesia, a expressão espontânea dessa dor real, tal como o faria, por
exemplo, um doente relatando a sua dor ao médico. Não há poesia, não há arte, sem imaginação,
sem que o real seja imaginado de forma a exprimir-se artisticamente, de forma a surgir um
objetivo poético artístico, de forma a concretizar arte.

> A concretização da dor no poema opera na memória do poeta o retorno à sua dor inicial,
parecendo-lhe a dor imaginada mais autêntica do que a dor real.

> É a sobreposição do objeto artístico à realidade objetiva que lhe serviu de base: “chega a fingir
que é dor / a dor que deveras sente”. Isto conduz-nos à ideia de fruição artística, da parte do
poeta.

> Na segunda parte do poema, o sujeito poético alude à fruição artística da parte do leitor. Este
não sente a dor real 8 inicial), que o poeta sentiu, nem a dor imaginária (dor em imagens) que o
poeta imaginou, ao ser artífice do poema, nem a dor que eles (leitores) têm, mas só a que eles
não têm. Isto é, o que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado
à maneira de cada leitor. Trata-se de uma dor lida (dor intelectualizada que provém da
interpretação do leitor e que é objeto da sua fruição).

> A terceira parte do poema, como a própria expressão “E assim” prenuncia, constitui uma
espécie de conclusão: o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a
girar nas calhas da roda (que o destino fatalmente traçou) para entreter a razão.
Há aqui uma referência à função lúdica da poesia que começa na fruição de que o próprio poeta
goza, no ato da criação artística.
São marcados os dois pólos onde se processa a criação do poema: o coração (as sensações de
onde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o poema é inventado).
Fecha-se neste fim do poema, como um círculo cuja linha limite marca uma pista sem fim em que
se nunca esgota a dinâmica do jogo sensação-imaginação.

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Isto - Fernando Pessoa ---------------------------------------------------------------------------

ISTO

Dizem que finjo ou minto


Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,


O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio


Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

> O poema Isto apresenta-se como uma espécie de esclarecimento em relação à questão do
fingimento poético enunciada em Autopsicografia, não há mentira no ato de criação poética. O
fingimento poético resulta da intelectualização do “sentir” da racionalização.

> Aqui, o sujeito poético vai mais longe já que, negando o “uso do coração”, aponta para a
simultaneidade dos actos de “sentir” e “imaginar” apresentado-nos a obra poética como uma
espécie de síntese onde a sensação surge filtrada pela imaginação criadora.

> A comparação presente na 2ª estrofe evidencia o facto de a realidade que envolve o sujeito
poético ser apenas a “ponte” para “outra coisa”: a obra poética, expressão máxima e absoluta do
belo.

> Na 3ª estrofe, introduzida pela expressão “Por isso” de valor conclusivo/explicativo, o sujeito
poético recusa a poesia como expressão imediata das sensações. O sentir, no sentido
convencional do termo, é remetido para o leitor.

> “Fingir” não é o mesmo que “mentir” é a tese defendida.

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