Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FERNANDO PESSOA
CONTEXTUALIZAÇÃO
Poesia do Ortónimo
Fernando Pessoa conta e chora a insatisfação da alma humana. A sua precariedade, a sua
limitação, a dor de pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se
sente incapaz de construir e que, comparando as possibilidades miseráveis com a ambição
desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio.
Os remédios para esse mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença
num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo messianico, o
estoicismo de Ricardo Reis, etc. Todos estes remédios são tentativas frustradas porque o mal é a
própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. É uma poesia cheia de desesperos e
entusiasmos febris, de náusea, tédios e angústias iluminados por uma inteligência lúcida, febre da
absoluta insatisfação do relativo.
CONTEXTUALIZAÇÃO LITERÁRIA
Pessoa ortónimo distingue-se por traços peculiares: avesso ao sentimentalismo, as suas finas
emoções são pensadas, ou são já vibrações da inteligência, vivências de estados imaginários.
Pessoa exprime ou insinua a solidão interior, a inquietação perante o enigma indecifrável do
mundo, o tédio, a falta de impulsos afetivos de quem, minado pelo demónio da análise, já não
espera nada da vida.
Em pessoa há a expressão musical e subtil do frio, do tédio e dos anseios da alma, de estados
quase inefáveis em que se vislumbra por instantes, nostalgias de um bem perdido que não se
sabe bem qual foi, oscilações quase imperceptíveis de uma inteligência extremamente sensível, e
até vivências tão profundas que não vêm “à flor das frases e dos dias” mas se insinuam pela
eufonia dos versos, pelas reticências de uma linguagem finíssima. Lirismo puro, a voz da alma
que se confessa baixinho, num tom menor, melancólico de uma resignação dorida, agravada, de
que, sofre a vida incapaz de viver.
TEMAS
☗ O FINGIMENTO ARTÍSTICO
☗ A DOR DE PENSAR
Fernando Pessoa sente-se condenado a ser lúcido, a ter de pensar, isto é, considera que o
pensamento provoca a dor, teoria que alicerça a temática da “dor de pensar”. Na sequência da
mesma, o poeta inveja aqueles que são inconscientes e que não se despertam para a atividade
de pensar, como uma “pobre ceifeira”, que “canta como se tivesse mais razões para cantar que a
vida”, ou como “gato que brinca na rua” e apenas segue o seu instinto.
Assim, o poeta inveja a felicidade alheia, porque esta é inatingível para ele, uma vez que é
baseada em princípios que sente que nunca pode alcançar (a inconsciência e a irracionalidade),
uma vez que o pensamento é atividade que se apodera de forma persistente Pessoa,
condicionando a sua felicidade e causando sofrimento. Contudo, apesar de desejar ser
inconsciente, não abdica da sua consciência, manifestando a sua vontade de conciliar ideias
inconciliáveis “poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência / E a consciência disso!”.
Em suma, esta “dor de pensar” provém da intelectualização das sensações à qual o poeta não
pode escapar, como ser consciente e lúcido que é.
☗ SONHO E REALIDADE
Quando falamos de sonho, podemos referir-nos a duas dimensões: o sentido literal, referente à
vivência, por alguém adormecido, de recordações ou traumas que nesse mundo (mundo onírico)
se manifestam, a`vezes de forma incoerente ou até absurda; e ao sentido de “sonhar acordado”,
ou seja, aos projetos orientados para um futuro que há de vir, que pode vir a realizar-se ou não.
Pessoa faz constatar o sonho e realidade. O eu lírico não encontra a felicidade na realidade do
quotidiano, porque é dominado pela frustração, pelo vazio ou pelo tédio existencial. Então, idealiza
o sonho, onde acredita conseguir realizar-se e atingir a plenitude, a felicidade ou o equilíbrio.
Na sua poesia, o mundo onírico não funciona como forma de refúgio ou escape, mas como um
lugar onde o eu acredita que pode recuperar uma experiência perdida (a de infância) ou ser o que
não é no mundo “real”. No sonho, o eu lírico começa por se imaginar outro, um eu idealizado,
onde tudo parece perfeito e ele acredita ter encontrado a felicidade e a harmonia. No
entanto, num segundo momento, após uma reflexão mais atenta, o sujeito lírico constata
que esse estado de perfeição é ilusório e que o sonho não é solução para os problemas
existenciais que o minam.
Assim sendo, o sonho não resolve as insatisfações e as ansiedades do eu lírico. Isso sucede
porque o sonho é uma ilusão ou porque não é resposta para os problemas que se geraram: o
tédio, o vazio existencial, as saudades da infância perdida. Por outro lado, pode até ser uma
forma de evasão para um eu poético que se sente prisioneiro no interior de si mesmo.
Concluindo, o poeta, dominado pela reflexão incessante, admite que a existência sonhada
traz um estado de perfeição ilusório mas não a verdadeira felicidade, esta encontra-se, na
verdade, no interior de cada ser humano.
☗ A NOSTALGIA DA INFÂNCIA
Fernando Pessoa tinha o seu laboratório de linguagem. Era realmente dentro dele que se
produzia a obra, que se acelerava, os mecanismos que acompanham a produção de palavras, de
metáforas, de versos, de poemas.
Numa quantidade enorme de poemas, o questionamento acerca do sentir, acerca do movimento
de construção da linguagem poética, acerca do ato de escrever no momento em que este se
desencadeia, acerca do pensamento e da experiência, acerca da realidade “esculpida” e criada
pela palavra poética e acerca da realidade dita por certa sensação, não traça apenas os contornos
dos “temas”, mas oferece-se também como matéria sensível da língua trabalhada.
> A poesia não está na dor experimentada, ou sentida realmente, mas no fingimento dela. Isto é, a
dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser fingida, imaginada, tem de ser
expressa em linguagem poética, o poeta tem que partir da dor real, a “dor que deveras sente”.
> Não basta, para haver poesia, a expressão espontânea dessa dor real, tal como o faria, por
exemplo, um doente relatando a sua dor ao médico. Não há poesia, não há arte, sem imaginação,
sem que o real seja imaginado de forma a exprimir-se artisticamente, de forma a surgir um
objetivo poético artístico, de forma a concretizar arte.
> A concretização da dor no poema opera na memória do poeta o retorno à sua dor inicial,
parecendo-lhe a dor imaginada mais autêntica do que a dor real.
> É a sobreposição do objeto artístico à realidade objetiva que lhe serviu de base: “chega a fingir
que é dor / a dor que deveras sente”. Isto conduz-nos à ideia de fruição artística, da parte do
poeta.
> Na segunda parte do poema, o sujeito poético alude à fruição artística da parte do leitor. Este
não sente a dor real 8 inicial), que o poeta sentiu, nem a dor imaginária (dor em imagens) que o
poeta imaginou, ao ser artífice do poema, nem a dor que eles (leitores) têm, mas só a que eles
não têm. Isto é, o que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado
à maneira de cada leitor. Trata-se de uma dor lida (dor intelectualizada que provém da
interpretação do leitor e que é objeto da sua fruição).
> A terceira parte do poema, como a própria expressão “E assim” prenuncia, constitui uma
espécie de conclusão: o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a
girar nas calhas da roda (que o destino fatalmente traçou) para entreter a razão.
Há aqui uma referência à função lúdica da poesia que começa na fruição de que o próprio poeta
goza, no ato da criação artística.
São marcados os dois pólos onde se processa a criação do poema: o coração (as sensações de
onde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o poema é inventado).
Fecha-se neste fim do poema, como um círculo cuja linha limite marca uma pista sem fim em que
se nunca esgota a dinâmica do jogo sensação-imaginação.
ISTO
> O poema Isto apresenta-se como uma espécie de esclarecimento em relação à questão do
fingimento poético enunciada em Autopsicografia, não há mentira no ato de criação poética. O
fingimento poético resulta da intelectualização do “sentir” da racionalização.
> Aqui, o sujeito poético vai mais longe já que, negando o “uso do coração”, aponta para a
simultaneidade dos actos de “sentir” e “imaginar” apresentado-nos a obra poética como uma
espécie de síntese onde a sensação surge filtrada pela imaginação criadora.
> A comparação presente na 2ª estrofe evidencia o facto de a realidade que envolve o sujeito
poético ser apenas a “ponte” para “outra coisa”: a obra poética, expressão máxima e absoluta do
belo.
> Na 3ª estrofe, introduzida pela expressão “Por isso” de valor conclusivo/explicativo, o sujeito
poético recusa a poesia como expressão imediata das sensações. O sentir, no sentido
convencional do termo, é remetido para o leitor.