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TEMAS DA POESIA DE FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO

 Uma das suas linhas temáticas é a nostalgia da infância, que irrompe


como consequência do desejo de regresso do poeta aos tempos da
infância feliz e inocente – época longínqua do bem (da unidade, da
inconsciência e da verdade) –, sem o drama da dor de pensar, mas
sinónimo de segurança, pureza e felicidade. E o poeta evoca esses
tempos através da memória que lhe traz angústia e solidão, ao
aperceber-se de que essa época não é mais que um paraíso longínquo,
perdido na memória do tempo. E, negando-lhe a felicidade, o Presente
funciona como o marco de sublimação do Passado, abrindo passagem à
nostalgia dessa infância lembrada e esquecida.

 Outra linha temática é a dor de pensar, com a dualidade da consciência-


inconsciência e a problemática do sentir-pensar. O poeta, ser
consciente, sente que a extensão dos seus sentimentos é diminuída pela
vastidão do pensamento a corromper a inconsciência inerente à
felicidade de viver, pelo que a consciência lhe surge como fardo e
fatalidade que desencadeiam no poeta o estado de desencanto e
impotência face ao absurdo da existência, já que, por um lado, não se
liberta do peso da reflexão e, por outro, não alcança a alegre
inconsciência de outros, mantendo-se intacta a sua própria consciência.
Simplesmente paradoxal, pois consciente de que nunca será consciente,
sofre a dor de pensar e paga caro a extrema lucidez que possui.

 Por sua vez, o contraste sonho/realidade é tema que perpassa a poesia


retratando a multiplicidade do “eu” introspetivo, inquieto e desdobrável
noutros seres, despersonalizando-se. Marcado pelo fluir contínuo do
tempo, Pessoa sente-se separado de si, distante do passado e do futuro,
restando-lhe o ser que é no instante que passa e não o que existe na
duração do tempo. Assim, o poeta exprime um misto de inquietação e
absurdo ante a divisão do ser, que o faz sentir-se estranho a si mesmo,
fragmentado entre o real e o ideal e acabando por ser um ser perdido no
labirinto de si, não encontrando o fio que o levaria à saída e ao equilíbrio
interior.
 E também o fingimento poético constitui uma das dialéticas desta
poesia, em que o poeta sofre uma forte tensão conducente ao anti
sentimentalismo e à intelectualização da emoção. Para o emissor
poético, fingir é inventar, elaborar conceitos que exprimem emoções,
gerando nova conceção da arte, antirromântica, despersonalizada,
expressão de sensações intelectualizadas, onde ocupa o papel principal
a imaginação e a arte é criada a partir de inspiração individual.
Pessoa não transmite a emoção pura e simples, mas submete-a sempre ao
exame da inteligência e da razão poética, deixando que o seu cadinho a
racionalize, desviando-se do sentimentalismo tradicional. Assim, a arte nasce
da realidade e consiste no fingimento dela, realidade, ou seja, na sua
intelectualização materializada em texto. Neste âmbito, a composição poética
nunca ocorre no momento da emoção, mas no momento da recordação dessa
emoção.

 Em suma, Pessoa ortónimo desenvolve as seguintes linhas de sentido:


procura da decifração do enigma do ser; fragmentação do eu e perda de
identidade; pendor filosófico; obsessão da análise, dor de pensar e
lucidez; fuga da realidade para o sonho; incapacidade de viver a vida;
inquietação, angústia existencial, solidão interior, melancolia,
resignação; tédio, náusea, desencontro dos outros e desamparo;
nostalgia do bem perdido e do mundo fantástico da infância; fingimento
poético; e transfiguração da emoção pela razão.

 A nível do estilo, releva-se a preferência pela métrica curta (5 ou 7


sílabas – redondilha menor ou maior, respetivamente); a influência do
lirismo lusitano (reminiscência da cantiga de embalar, toadas do
romanceiro, conto de fadas); gosto pelo popular (uso frequente da
quadra/quintinha; rima cruzada); linguagem simples, espontânea, mas
sóbria; criação de metáforas inesperadas, uso frequente do paradoxo;
versos leves com recurso frequente à interrogação, à exclamação, às
reticências.

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