Uma das suas linhas temáticas é a nostalgia da infância, que irrompe
como consequência do desejo de regresso do poeta aos tempos da infância feliz e inocente – época longínqua do bem (da unidade, da inconsciência e da verdade) –, sem o drama da dor de pensar, mas sinónimo de segurança, pureza e felicidade. E o poeta evoca esses tempos através da memória que lhe traz angústia e solidão, ao aperceber-se de que essa época não é mais que um paraíso longínquo, perdido na memória do tempo. E, negando-lhe a felicidade, o Presente funciona como o marco de sublimação do Passado, abrindo passagem à nostalgia dessa infância lembrada e esquecida.
Outra linha temática é a dor de pensar, com a dualidade da consciência-
inconsciência e a problemática do sentir-pensar. O poeta, ser consciente, sente que a extensão dos seus sentimentos é diminuída pela vastidão do pensamento a corromper a inconsciência inerente à felicidade de viver, pelo que a consciência lhe surge como fardo e fatalidade que desencadeiam no poeta o estado de desencanto e impotência face ao absurdo da existência, já que, por um lado, não se liberta do peso da reflexão e, por outro, não alcança a alegre inconsciência de outros, mantendo-se intacta a sua própria consciência. Simplesmente paradoxal, pois consciente de que nunca será consciente, sofre a dor de pensar e paga caro a extrema lucidez que possui.
Por sua vez, o contraste sonho/realidade é tema que perpassa a poesia
retratando a multiplicidade do “eu” introspetivo, inquieto e desdobrável noutros seres, despersonalizando-se. Marcado pelo fluir contínuo do tempo, Pessoa sente-se separado de si, distante do passado e do futuro, restando-lhe o ser que é no instante que passa e não o que existe na duração do tempo. Assim, o poeta exprime um misto de inquietação e absurdo ante a divisão do ser, que o faz sentir-se estranho a si mesmo, fragmentado entre o real e o ideal e acabando por ser um ser perdido no labirinto de si, não encontrando o fio que o levaria à saída e ao equilíbrio interior. E também o fingimento poético constitui uma das dialéticas desta poesia, em que o poeta sofre uma forte tensão conducente ao anti sentimentalismo e à intelectualização da emoção. Para o emissor poético, fingir é inventar, elaborar conceitos que exprimem emoções, gerando nova conceção da arte, antirromântica, despersonalizada, expressão de sensações intelectualizadas, onde ocupa o papel principal a imaginação e a arte é criada a partir de inspiração individual. Pessoa não transmite a emoção pura e simples, mas submete-a sempre ao exame da inteligência e da razão poética, deixando que o seu cadinho a racionalize, desviando-se do sentimentalismo tradicional. Assim, a arte nasce da realidade e consiste no fingimento dela, realidade, ou seja, na sua intelectualização materializada em texto. Neste âmbito, a composição poética nunca ocorre no momento da emoção, mas no momento da recordação dessa emoção.
Em suma, Pessoa ortónimo desenvolve as seguintes linhas de sentido:
procura da decifração do enigma do ser; fragmentação do eu e perda de identidade; pendor filosófico; obsessão da análise, dor de pensar e lucidez; fuga da realidade para o sonho; incapacidade de viver a vida; inquietação, angústia existencial, solidão interior, melancolia, resignação; tédio, náusea, desencontro dos outros e desamparo; nostalgia do bem perdido e do mundo fantástico da infância; fingimento poético; e transfiguração da emoção pela razão.
A nível do estilo, releva-se a preferência pela métrica curta (5 ou 7
sílabas – redondilha menor ou maior, respetivamente); a influência do lirismo lusitano (reminiscência da cantiga de embalar, toadas do romanceiro, conto de fadas); gosto pelo popular (uso frequente da quadra/quintinha; rima cruzada); linguagem simples, espontânea, mas sóbria; criação de metáforas inesperadas, uso frequente do paradoxo; versos leves com recurso frequente à interrogação, à exclamação, às reticências.