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Síntese do ato II

No ato II de «Frei Luís de Sousa», vemos como D. Madalena sofre após


o incêndio e a mudança para a nova residência. Por sua vez, Maria
mostra a sua inquietação relativamente ao mistério que envolve os
pais, sentimento que é avivado pelo retrato de D. João de Portugal, que
ela não identifica. Na companhia de Frei Jorge e na ausência de
Manuel, Maria e Telmo, que estão em Lisboa, Madalena recebe a visita
de um Romeiro, que assegura que D. João ainda está vivo.  

Didascália inicial: espaço e ambiente


Pela análise da didascália inicial, podemos concluir que a ação decorre no
palácio onde D. Madalena viveu com D. João, em Almada. Trata-se de um
salão sem qualquer contacto com o mundo exterior, escuro e decorado com
sobriedade e austeridade, destacando-se os grandes retratos de família e os
reposteiros com as armas dos condes de Vimioso. É um ambiente
«melancólico e pesado», gerador de desconforto. Esta atmosfera simboliza o
primeiro casamento de Madalena e contrasta com o que é descrito na
didascália inicial do Ato I, que, pela sugestão de conforto e bem-estar, sugere
harmonia familiar. Também contribui para a criação de um ambiente trágico,
cada vez mais próximo da catástrofe que sucederá nas cenas finais do drama.

As personagens

D. Madalena de Vilhena
O seu estado emocional agudizou-se com a estada no palácio de D.
João de Portugal, encontrando-se, durante oito dias, num estado
doentio e revelador de extrema perturbação.
- é atormentada pela sensação de ter cometido um crime, por ter
começado a amar Manuel quando ainda era casada com D. João.
Assim sendo, vive angustiada pelos remorsos de ter pecado;
- tendo em conta a mentalidade da época e a visão católica do
casamento, Madalena sente-se perseguida pela culpa;  
- revela incapacidade de reconhecer o seu primeiro marido, ainda
que a sua imagem a tenha atormentado ao longo dos anos.

Maria de Noronha

Sendo fruto do amor proibido de Madalena e de Manuel, está


inevitavelmente marcada pelo destino.
- confirma-se novamente que é uma jovem culta que evidencia gosto
pela leitura;
- revela características românticas pois revela intuição e demonstra ter
pressentimento da desgraça iminente; 
- evidencia curiosidade e sagacidade;
- partilha com Telmo a esperança no regresso de D. Sebastião e a
crença nas lendas messiânicas sobre o papel do Rei na Restauração
da independência nacional, culto que é suportado também pela
presença do retrato real; 
- vê Camões como um homem bom, mas infeliz, e como um poeta que
é profeta;
- está ainda presente em Maria um certo visionarismo, uma certa
vidência.

Manuel de Sousa Coutinho

Personagem que sofre uma grande transformação ao longo da peça, na


medida em que a sua racionalidade é abalada pelos pressentimentos
de desgraça.
- é visto por Telmo, a partir deste ato, como um verdadeiro patriota e
homem de princípios nobres;
- manifesta um afastamento progressivo da racionalidade que o
caracteriza.

D. João de Portugal, o Romeiro


Personagem ligada ao mito sebastianista e cuja intromissão no
presente representará a instalação do caos e do sofrimento. Trata-se
de uma entidade abstrata que se vai corporizando progressivamente.  
- é visto pelos que o conheceram como um homem de princípios e
valor;
- simboliza a solidão extrema, por, após vinte e um anos (vinte dos
quais permaneceu em cativeiro), regressar à sua própria casa e
encontrar a esposa, que o não reconhece, casada com outro homem;
- manifesta um sentimento de perda profunda, que anula a sua própria
identidade.

 Indícios trágicos
Ao longo deste ato, como no anterior, o leitor vai sendo confrontado
com indícios que apontam para a tragédia que se avizinha.  
São exemplos desses indícios: 
 
- a alusão à obra «Menina e Moça», de Bernardim Ribeiro, na qual
se relatam os amores infelizes de dois jovens e se observam vários
enigmas;
- a passagem textual citada por Maria aponta metaforicamente para
a sua morte precoce e inesperada;
- os vaticínios de D. Madalena, relacionados com a destruição do
retrato do marido e com a presença da imagem a corpo inteiro de D.
João de Portugal, figura que, ao longo da obra, se vai corporizando;
- os presságios de Maria;
- a doença da jovem (o seu estado febril intensifica-se ao longo da
obra);
- a situação de Joana de Castro e do marido, D. Luís de Portugal,
que optaram pela vida religiosa, renegando os bens materiais e o
estatuto social, aponta para o fim do casal Madalena e Manuel (o
convento como sepultura);
- as referências constantes a sexta-feira, dia que Madalena
considera aziago e que evoca a Paixão e morte de Cristo;
- a sugestão de despedida presente no discurso de Madalena e
Manuel;
- a apreensão de Frei Jorge face ao decorrer dos acontecimentos e
aos estados de espírito e reações dos familiares.

Dimensão patriótica e sua expressão simbólica


A dimensão patriótica continua a ser um tema desenvolvido no ato II da
obra, não só através da valorização de Manuel de Sousa Coutinho
como representando o ideal de liberdade e de patriotismo,
como também, através da alusão a figuras nacionais de renome,
incluindo a tríade de retratos apresentada logo na didascália inicial do
ato. 
- o apoio de Maria ao pai por este ter ateado fogo ao seu próprio
palácio e o seu entusiástico sebastianismo representam a
esperança da nação oprimida, que um dia se libertará do domínio
filipino. Esta dimensão patriótica justifica-se pela própria resistência
de Garrett que, no momento da escrita do drama, lutava contra a
ditadura cabralista;
- a referência aos retratos de D. Sebastião e de Camões, imagens
de portugueses cujas ações deviam ser imitadas.

Sebastianismo: história e ficção

Na sequência da Batalha de Alcácer Quibir, em 1578, na qual


desapareceu D. Sebastião e muitos dos membros da prestigiada
nobreza tradicional portuguesa, desenvolveu-se em Portugal a crença
de que o rei regressaria, na esperança de que a sua vinda permitiria a
recuperação da independência nacional, perdida desde 1580. Estes
factos históricos foram tratados ficcionalmente por Almeida Garrett. De
facto, Telmo e Maria são personagens sebastianistas, o que adensa o
clima de tragédia, pois, se D. Sebastião regressasse, a possibilidade
da vinda de D. João de Portugal seria igualmente uma realidade,
tornando ilegítimos o segundo casamento de D. Madalena bem como a
própria filha do casal. 
- a crença sebastianista está bem patente em Maria e de Telmo; no
caso deste último, está também associada à figura de D. João
(ficção); 
- o regresso de D. João de Portugal (ficção).

Linguagem e estilo
À semelhança do que acontecia no ato anterior, também aqui encontramos
recursos expressivos e linguísticos que dão conta do estado emocional
das personagens, nomeadamente do medo, terror, incredulidade e
desespero.

- hesitações transmitidas pelo uso recorrente das reticências;  


«– Esse é… há de ser… é um da família destes senhores da casa de
Vimioso, que aqui estão tantos.»

- repetições acompanhadas de frases suspensas, a darem conta do terror


em que Madalena se encontrava por estar na casa do seu primeiro marido
e por ter visto o seu retrato;
«O outro, o outro…»

- personificação e perífrase para referir a morte de Camões;


«Ruim terra te comerá cedo, corpo da maior alma que deitou Portugal!»

-frases exclamativas, com possível ocorrência de interjeições, que


demonstram o medo e a ansiedade de D. Madalena;
«Sexta-feira! [...] ai que é sexta-feira!»

- repetição da palavra «hoje», sugerindo a carga semântica negativa que


D. Madalena atribui àquele dia, referente a uma sexta-feira, que ela
considera aziago; 

- metáfora para referir a opção pela vida conventual e a morte social;

«[...] que tanto deixou para deixar o mundo e se ir enterrar num claustro.»

- ironia por parte do Romeiro, demonstrando a sua dor pela situação com
que se confronta e por não ser reconhecido.
«Romeiro – Não há ofensa verdadeira senão as que se fazem a Deus. –
Pedi-lhe vós perdão a Ele, que vos não faltara de quê.»

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