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Em síntese…

Camões Lírico

Maria Serafina Roque


A época
• Renascimento – movimento cultural que se caracteriza
pelo gosto pelos textos da Antiguidade Clássica e que reflete
a crença nas potencialidades do Homem, “medida de todas
as coisas”.
– O Renascimento teve origem em Itália, no século XIV, e alastrou-se
pela Europa nos séculos XV e XVI.
– Em Portugal, este movimento artístico, filosófico e literário marca o
século XVI. É considerado um período áureo da Literatura, ao qual se
associam notáveis personalidades, entre as quais Camões.
– A lírica camoniana concilia o “doce” estilo “novo” e a corrente
tradicional, daí que se afirme que a sua lírica não se constitui em
rutura com o passado, mas sim em continuidade.
As correntes tradicional e
renascentista da lírica camoniana
A corrente tradicional
• Apesar de ter sido marcado pelo Renascimento,
Camões não rompeu com a velha tradição da lírica
galaico-portuguesa.
“A novidade da sua obra não se constitui em rutura,
mas sim na continuidade e no aproveitamento de toda
a tradição medieval peninsular, o que aliás é
característico da maioria das manifestações do
Renascimento Português.”
Matos, M. Vitalina, A Lírica de Luís de Camões, Ed. Comunicação, 1981
Corrente tradicional: a cantiga
Verdes são os campos,
Da cor do limão: Mote: Tema, do autor ou
Assim são os olhos Mote – 4 ou 5 versos alheio, que se desenvolve
Do meu coração. nas glosas ou voltas.
Campo, que te estendes
Glosa: Estrofe que retoma,
com verdura bela;
ovelhas, que nela desenvolvendo-o, o
vosso pasto tendes, sentido de um dado tema
de ervas vos mantendes ou mote, do qual repete
que traz o Verão, um ou mais versos em
e eu das lembranças posição certa.
do meu coração.
Glosas ou voltas – 8, 9 ou 10 versos
Gados que pasceis
com contentamento,
vosso mantimento
não no entendereis;
http://textosepretextos2.podomatic.com/entry/2012-03-22T16_13_20-07_00
isso que comeis
não são ervas, não:
são graças dos olhos
do meu coração.
Corrente tradicional: o vilancete
Mote seu Faz serras floridas,
faz claras as fontes...
Se Helena apartar Se isto faz nos montes,
do campo seus olhos, que fará nas vidas? Formalmente:
nascerão abrolhos. Trá-las suspendidas, -> 1 mote de 2 ou 3 versos – expõe-se o
como ervas em molhos, assunto;
Voltas na luz de seus olhos. -> 1 número variável de voltas ou glosas
de 7 versos – desenvolve-se o tema;
A verdura amena, Os corações prende -> Cada volta é constituída:
gados que pasceis, com graça inumana; -> pela cabeça – 4 primeiros versos;
sabei que a deveis de cada pestana -> pela cauda – 3 últimos versos;
aos olhos d’ Helena. um’ alma lhe pende. -> o último verso da cabeça rima
Os ventos serena, Amor se lhe rende com o primeiro da cauda;
faz flores d’ abrolhos e, posto em giolhos, -> os 2 últimos versos da cauda
o ar de seus olhos. pasma nos seus olhos. rimam com os 2 últimos do
mote .
Etimologicamente, vilancete quer dizer "cantiguinha vilã“.
Corrente tradicional: a esparsa
Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e pera mais me espantar, Esparsa - Trova que não é precedida
os maus vi sempre nadar nem de mote nem de glosa,
em mar de contentamentos. constituída por uma única estrofe de
redondilha maior de 8 a 16 versos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só pera mim http://www.youtube.com/watch?v=iMLpHvuwoc4&feature=youtu.be
anda o Mundo concertado.
Corrente tradicional: trovas
Sois uma dama de grão merecer
das feias do mundo sois bem apartada
de toda a má fama andais alongada
sois cabo profundo do bem parecer Trovas - Composição
a vossa figura bem claro mostrais em redondilhas não
não é para ver em vós fealdade sujeita a mote.
em vosso poder não há i maldade
não há formosura que não precedais

fostes dotada de fresco carão


de toda a maldade vos vejo ausente
perfeita beldade em vós é presente
de vós é tirada a má condição
sois muito acabada em ter perfeição
de tacha e de glosa mui alheia estais
pois, quanto a fermosa mui muito alcançais
em vós não há nada de pouca razão
Corrente tradicional: endechas
Endechas a ũa cativa com quem andava de amores na Índia,chamada Bárbora

Aquela cativa Ũa graça viva, Presença serena


Que me tem cativo, Que neles lhe mora, Que a tormenta amansa;
Porque nela vivo Pera ser senhora Nela, enfim, descansa
Já não quer que viva. De quem é cativa. Toda a minha pena.
Eu nunca vi rosa Pretos os cabelos, Esta é a cativa
Em suaves molhos, Onde o povo vão Que me tem cativo;
Que pera meus olhos Perde opinião E. pois nela vivo,
Fosse mais fermosa. Que os louros são belos. É força que viva.

Nem no campo flores, Pretidão de Amor, A endecha é uma composição lírica, com um
Nem no céu estrelas Tão doce a figura, caráter um pouco melancólico. É constituída
Me parecem belas Que a neve lhe jura por quadras e carateriza-se pela utilização da
Como os meus amores. Que trocara a cor. redondilha menor ou pelo verso de 6 sílabas.
Rosto singular, Leda mansidão,
Olhos sossegados, Que o siso acompanha;
Pretos e cansados, Bem parece estranha, http://textosepretextos2.podomatic.com/entry/2012-03-
Mas não de matar. Mas bárbara não. 22T17_59_27-07_00
Corrente tradicional
Em síntese:
-> Na poesia de influência tradicional, é evidente o aproveitamento da temática
da poesia trovadoresca e das formas palacianas.
Temas
-> Saudade, sofrimento amoroso, beleza da mulher, contacto com a natureza,
ambiente pastoril, ambiente cortesão com as suas "cousas de folgar" e as suas
futilidades, humor, …

Verso
-> Medida velha: verso de 5 sílabas métricas (redondilha menor) e de 7 sílabas
métricas (redondilha maior).

Variedade estrófica
-> As formas poéticas mais frequentes são as da poesia palaciana do século
anterior: os vilancetes, as cantigas, as esparsas, as endechas e as trovas.
Corrente renascentista: influências
• Petrarca – poeta e humanista italiano cuja influência se fez
sentir em toda a Europa.
• Em Camões, as influências petrarquistas manifestam-se,
sobretudo:
 conceção do amor (visto como
algo suscetível de transportar o
enamorado a um estado de elevação
suprema, podendo provocar-lhe o gosto
pela dor amorosa, ou conduzi-lo à luta
entre a razão e o desejo ou à perturbação
emocional perante a amada. O amor pode
ainda provocar uma análise introspetiva
sobretudo sobre os paradoxos do
sentimento amoroso).
Corrente renascentista: influências

 conceção da mulher (vista como fonte


de perfeição moral, a mulher é idealizada, bela,
imaculada, perfeita, e faz sofrer porque está longe,
por isso, o poeta desabafa as suas mágoas à solidão
da natureza, que se torna o reflexo dos seus estados
de alma e sua confidente. A influência petrarquista
manifesta-se, ainda, na busca do isolamento e na
antecipação do sofrimento).
Corrente renascentista: influências

 conceção de uma natureza amena


(locus amoenus, que consiste numa descrição da
paisagem ideal, em ambiente de tranquilidade,
bucólico ou pastoril, frequentemente associado aos
estados de enamoramento).
Corrente renascentista: influências
• Dante – poeta, escritor, teórico literário, filósofo moralista e
pensador político italiano.
• Em Camões, as influências de Dante manifestam-se,
sobretudo:
 conceção do amor enquanto
estado suscetível de provocar tormentos
infernais. Toda a poesia camoniana relacionada
com a tristeza, o desagrado, a dor, o infortúnio
do poeta, a saudade e o amor não
correspondido é inspirada em Dante .
Corrente renascentista: influências
• Platão – um dos pensadores mais influentes de toda a
história da filosofia, nasceu em Atenas cerca de 427 a. C..
• Em Camões, as influências platónicas manifestam-se,
sobretudo:
 conceção do amor platónico ou
contemplativo, isto é, um amor idealizado e
espiritualizado.

 conceção do amor investido de um


poder transformador.
Corrente renascentista: canção
A canção camoniana consiste numa forma Fermosa e gentil Dama, quando vejo
a testa de ouro e neve, o lindo aspeito,
lírica que obedece a uma estrutura constante. a boca graciosa, o riso honesto,
(…) contém (…) estrofes regulares cujo o marmóreo colo e branco peito,
número de versos varia entre 7 e 20, de meu não quero mais que meu desejo,
terminando com uma estrofe menor (…) (que) nem mais de vós que ver tão lindo gesto.
Ali me manifesto
servia para invocar a pessoa amada ou para por vosso a Deus e ao mundo; ali me
condensar a temática do poema. A canção inflamo
clássica recorre sempre ao metro heroico nas lágrimas que choro;
e de mim, que vos amo,
clássico (10 sílabas), alternando com o em ver que soube amar-vos, me namoro;
quebrado correspondente (seis sílabas). e fico por mim só perdido, de arte
Na canção camoniana é constante a temática que hei ciúmes de mim por vossa parte.
amorosa.
Se porventura vivo descontente
por fraqueza de esprito, padecendo
Canção camoniana. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora,
a doce pena que entender não sei,
2003-2012. [Consult. 2012-04-16].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$cancao- fujo de mim e acolho-me, correndo,
camoniana>. à vossa vista; e fico tão contente
que zombo dos tormentos que passei.
http://www.youtube.com/watch?v=NOqpzWfO710 (…)
Corrente renascentista: elegia
Se quando contemplamos as secretas
causas, por que o mundo se sustenta,
o revolver dos céus e dos planetas; (…) de origem grega (…), designa uma
composição poética lírica, em tom melancólico
e se quando a memória se apresenta e terno. (…) Na Antiguidade Clássica, a elegia
este curso do sol, que é tão medido era formada por dísticos (…) inicialmente era
que um ponto só não mingua nem se aumenta;
(…)
cantada com acompanhamento de flauta, mas
se quando, enfim, revolve subtilmente lentamente foi perdendo a associação musical
tantas cousas a leve fantasia, para passar a ser recitada ou simplesmente lida.
sagaz, escrutadora e diligente; (…) No final da Idade Média e já por
vê bem, se da razão só não desvia,
influência do Classicismo, a elegia é retomada
o altíssimo Ser, puro e divino, por (…) Petrarca e Jacopo Sannazaro. Em
que tudo pode, manda, move e cria; Portugal, esta composição foi cultivada (…)
por Camões. (…)
sem fim e sem começo, um ser contino;
um Padre grande, a quem tudo é possível, Elegia. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-
por mais árduo que seja ao homem indino; 2012. [Consult. 2012-04-17].
Disponível na www: <URL:
um saber infinito, incompreensível; http://www.infopedia.pt/$elegia>.
ũa verdade que nas cousas anda,
que mora no visível e invisível.
(…)
Corrente renascentista: ode
Se de meu pensamento
tanta razão tivera de alegrar-me
quanta de meu tormento
a tenho de queixar-me,
puderas, triste lira, consolar-me.
A ode é uma composição poética
E minha voz cansada,
que teve origem na Grécia Antiga que noutro tempo foi alegre e pura,
e era cantada e acompanhada não fora assi tornada,
com tanta desventura,
musicalmente pela lira. Na tão rouca, tão pesada, nem tão dura.
verdade, trata-se de um canto
laudatório, pelo que se carateriza A ser como soía,
pudera levantar vossos louvores;
pelo tom elevado e sublime vós, minha Hierarquia,
usado para tratar o tema. ouvíreis meus amores,
que exemplo são ao mundo, já, de dores.

Alegres meus cuidados,


contentes dias, horas e momentos,
oh! quão bem alembrados
sois de meus pensamentos,
reinando agora em mim, duros tormentos!
(…)
Corrente renascentista: soneto
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio; O soneto português quinhentista segue as
regras do modelo italiano: 14 versos
Sem causa, juntamente choro e rio,
decassílabos ordenados em quatro estâncias,
O mundo todo abarco, e nada aperto. 2 quadras com o esquema rimático ABBA-
ABBA, precedendo 2 tercetos que, na sua
É tudo quanto sinto um desconcerto: forma mais perfeita, também estão sujeitos
Da alma um fogo me sai, da vista um rio; ao esquema rimático CDC-DCD, embora
Agora espero, agora desconfio; sejam igualmente muito comuns os tercetos
Agora desvario, agora acerto. com as três rimas que seguem o esquema
CDE-CDE.
Estando em terra, chego ao céu voando;
O desenvolvimento (do tema) está sempre
Num' hora acho mil anos, e é de jeito subordinado à obrigatoriedade da rima das
Que em mil anos não posso achar um' hora. estrofes e termina numa nítida pausa final
de cada estância. Por norma, toda a
Se me pergunta alguém porque assim ando, composição do soneto termina em beleza
Respondo que não sei; porém suspeito por um verso que encerra um pensamento
Que só porque vos vi, minha Senhora. elevado.
http://www.youtube.com/watch?v=BZ59-sy84rE
Corrente renascentista: soneto
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Amor é fogo que arde sem se ver;
Muda-se o ser, muda-se a confiança; É ferida que dói e não se sente;
Todo o mundo é composto de mudança, É um contentamento descontente;
Tomando sempre novas qualidades. É dor que desatina sem doer;

Continuamente vemos novidades, É um não querer mais que bem querer;


Diferentes em tudo da esperança; É solitário andar por entre a gente;
Do mal ficam as mágoas na lembrança, É nunca contentar-se de contente;
E do bem, se algum houve, as saudades. É cuidar que se ganha em se perder;

O tempo cobre o chão de verde manto, É querer estar preso por vontade;
Que já coberto foi de neve fria, É servir a quem vence, o vencedor;
E em mim converte em choro o doce canto. É ter com quem nos mata lealdade.

E, afora este mudar-se cada dia, Mas como causar pode seu favor
Outra mudança faz de mor espanto: Nos corações humanos amizade,
Que não se muda já como soía. Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
http://textosepretextos2.podomatic.com/entry/2012-04-18T07_57_28-07_00 http://textosepretextos2.podomatic.com/entry/2012-04-18T08_04_31-07_00
Em síntese:
Corrente Tradicional Corrente Renascentista
Influência da poesia trovadoresca e Influência greco-latina e italiana.
da poesia palaciana.

Saudade; sofrimento amoroso; Amor de influência platónica e


Temas ambiente pastoril; ambiente petrarquista; sensualidade; beleza divinal
cortesão; humorismo. da mulher; saudade; destino adverso;
mudança; desconcerto do mundo.

Verso Medida velha - verso de Medida nova - verso de 10 sílabas


5 sílabas métricas (redondilha métricas (decassílabo; de acentuação nas
menor) e de 7 (redondilha maior). 6ª e 10ª sílabas – heróico, ou nas 4ª, 8ª ou
10ª sílabas - sáfico).

Variedade Vilancete, cantiga, esparsa, trova, … Soneto, canção, écloga, elegia, ode.
estrófica
Referências
Matos, M. Vitalina, (1981). A Lírica de Luís de Camões. Lisboa:
Ed. Comunicação.
Pais, Amélia Pinto, (1987). Eu cantarei de amor: Lírica de Luís
de Camões. Porto: Areal Editores.
Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012.
[Consult. 2012-04-16].

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