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Personagens

D. Madalena de Vilhena é a primeira personagem que aparece na obra, mas pode-se afirmar
que toda a familia tem um relevo significativo. São as relações entre esposos, pais e filha, o criado e os
seus amos ou mesmo o apoio de Frei Jorge que estão em causa. Um drama abate-se sobre esta família
e enquanto Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena se refugiam na vida religiosa, Maria morre como
vítima inocente.
D. Madalena tinha 17 anos quando D. João de Portugal desapareceu na batalha de Alcácer-
Quibir. Durante 7 anos procurou-o. Há catorze anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho. Tem agora
38 anos (17+21). Mulher bela, de carácter nobre, vive uma felicidade efémera, pressentindo a desventura
e a tragédia do seu amor. Racionalmente, não acredita no mito sebastianista que Ihe pode trazer D. João
de Portugal, mas teme a possibilidade da sua vinda. E com medo que a encontramos a reflectir sobre os
versos de Camões e a sentir, como que em pesadelo, a ideia de que a sobrevivência de D. João destrua
a felicidade da sua família. No imaginário de D. Madalena, a apreensão torna-se pressentimento, dor e
angústia. É neste terror que se vê na necessidade de voltar para a habitação onde com ele viveu.
Manuel de Sousa Coutinho (mais tarde Frei Luis de Sousa) é um nobre e honrado fidalgo, que
queima o seu próprio palácio, para não receber os governadores. Embora apresente a razão a dominar
os sentimentos, por vezes, estes sobrepõem-se quando se preocupa com a doença da filha. É um bom
pai e um bom marido.
Maria de Noronha tem 13 anos, é uma menina bela, mas frágil, com tuberculose, e acredita com
fervor que D. Sebastião regressará. Tem uma grande curiosidade e espírito idealista. Ao pressentir a
hipótese de ser filha ilegítima sofre moralmente. Será ela a vítima sacrificada no drama.
Telmo Pais, o velho criado, confidente privilegiado, define-se pela lealdade e fidelidade. Não
quer magoar nem pretende a desgraça da família de D. Madalena e Manuel. Mas como verdade
recorrente no mito sebastianista, acredita que D. João de Portugal há-de regressar. No fim, acaba por
trair um pouco a lealdade de escudeiro pelo amor que o une à filha daquele casal, D. Maria de Noronha.
Representa um pouco o papel de coro da tragédia grega, com os seus diálogos, os seus agoiros ou os
seus apartes.
O Romeiro apresenta-se como um peregrino, mas é o próprio D. João de Portugal. Os vinte anos
de cativeiro transformaram-no e já nem a mulher o reconhece. D. João, de espectro invisível na
imaginação das personagens, vai lentamente adquirindo contornos até se tornar na figura do Romeiro
que se identifica como "Ninguém". O seu fantasma paira sobre a felicidade daquele lar como uma
ameaça trágica. E o sonho torna-se realidade.
Frei Jorge Coutinho, irmão de Manuel de Sousa, amigo da família e confidente nas horas de
angústia, ouve a confissão angustiada de D. Madalena. Vai ter um papel importante na identificação do
Romeiro, que na sua presença indicará o quadro de D. João de Portugal.

O Espaço

O Acto I passa-se numa "câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância dos
princípios do século XVII", no palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada. Neste espaço elegante
parece brilhar uma felicidade, que será, apenas, aparente.
O Acto II acontece "no palácio que fora de D João de Portugal, em Almada, salão antigo, de
gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de família… ". As evocações do passado e a
melancolia prenunciam a desgraça fatal.
O Acto lll passa-se na capela, que se situa na " parte baixa do palácio de D. João de Portugal". "É
um casarão vasto sem ornato algum". O espaço denuncia o fim das preocupações materiais. Os bens do
mundo são abandonados.

A Atmosfera
Há ao longo da intriga dramática uma atmosfera psicológica do sebastianismo com a crença no
regresso do monarca desaparecido e a crença no regresso da liberdade. Telmo Pais é quem melhor
alimenta estas crenças, mas Maria mostra-se a sua melhor seguidora.
Percebe-se também uma atmosfera de superstição, nomeadamente desenvolvida em redor de D
Madalena.
D. Sebastião e o mito sebastianista
D. Sebastião nasceu em Lisboa a 20 de Janeiro de 1554, filho do príncipe D. João e de D. Joana
de Áustria, e morreu a 4 de Agosto de 1578 na batalha de Alcácer Quibir. Foi o décimo sexto rei de
Portugal e é, até hoje, conhecido pelo cognome de "O Desejado".
D. Sebastião herdou o trono de seu avó, D. João 111, em 1557, mas, como era menor, ficou sua
avó, D. Catarina de Portugal, como regente. Desde muito cedo, sentiu a necessidade de readquirir a
glória passada e continuar a cruzada de conquistar a terra dos infiéis, em nome de Deus. Assim, quando
atinge os catorze anos, reorganiza o exército, preparando-se para a guerra no Norte de África, de onde
nunca iria regressar.
Com a perda do jovem monarca, na Batalha de Alcácer Quibir, e a posterior anexação de
Portugal a Espanha, em 1580, o nosso país atravessa um dos períodos mais negros da sua História. D.
Sebastião não deixa descendência, o que afunda Portugal numa época de inércia e de brumas, à espera
de um heróico rei salvador. Da relutãncia em reconhecer que, com a morte do rei, morria também o velho
Portugal, nasce um mito: o Sebastianismo. O mito sebastianista sustenta a esperança messiãnica e a
crença nacional no regresso de D. Sebastião. O rei "Desejado" iria vencer toda a opressão, sofrimento e
miséria em que Portugal vivia, restituindo-lhe o brilho e a glória de tempos passados.

O Sebastianismo em Frei Luís de Sousa


A leitura interpretativa de Frei Luís de Sousa não pode esquecer a actuante presença do
Sebastianismo e o que este mito do "Desejado" significava na concepção de Portugal: uma nação à
procura da sua identidade, assombrada por mitos do passado.
A possibilidade teórica do regresso de D. Sebastião é simbolicamente representada na peça pelo
regresso de D. João de Portugal, na figura do Romeiro. As personagens que melhor simbolizam a
esperança no seu regresso são Telmo e Maria.
Ao longo da peça, são várias as referências expressas à mítica figura de D. Sebastião que,
segundo Garrett, inserem esta obra "( ... ) no rico intertexto e interdiscurso literário e cultural do
Sebastianismo ( ... )" ( Memória ao Conservatório Real):
a) No primeiro diálogo entre D. Madalena e Telmo, D. Madalena censura ao velho aio as suas crendices
sebásticas: "( ... ) as tuas alusões frequentes a esse desgraçado rei D. Sebastião, que o seu mais
desgraçado povo ainda não quis acreditar que morresse, por quem ainda espera em sua leal
incredulidade.", (Acto 1, cena 11). Teimo acreditava no regresso do seu velho amo, D. João de
Portugal, que acompanhara o jovem monarca D. Sebastião na sangrenta Batalha de Alcácer Quibir.
b) As crenças sebastianistas de Telmo são assimiladas pela influenciável jovem Maria de Noronha que
acredita indubitavelmente no regresso do desejado monarca, D. Sebastião: "( ... ) que não morreu e
que há-de vir, um dia de névoa muito cerrada ( ... )"- (Acto 1, cena 111). Esta influência de Telmo no
espírito de Maria provoca grande aflição a D. Madalena de Vilhena: "( ... ) não vês que estás excitando
com tudo isso a curiosidade daquela criança, aguçando-lhe o espírito ( ... )"- (Acto 1, cena 11).
c) O incêndio da casa de Manuel de Sousa Coutinho permite a mudança de espaço físico, para o palácio
de D. João de Portugal, e o contacto com o retrato de D. Sebastião, que merece a curiosa e
entusiasmada atenção de Maria: "( ... ) é o do meu querido e amado rei D. Sebastião"- (Acto 11, cena
1). Aliás, o incêndio da casa de Manuel de Sousa Coutinho não é só um viril acto de patriotismo, mas
é fulcral para o entendimento do Sebastianismo na peça: o incêndio espelha a determinada busca de
um novo espaço, e mesmo de uma nova ordem, para uma família assombrada pelo passado que
representa uma nação assombrada por mitos e sonhos, como o do Sebastianismo. Garrett parece
dizer-nos que Portugal não se pode imobilizar na fixidez de um passado mítico, mas tem de mudar o
rumo da sua história, procurar uma nova ordem.
Podemos, então concluir que o mito do Encoberto assume uma conotação negativa em Frei Luís de
Sousa, sendo perspectivado como sinal de paragem no tempo, de estagnação e de
sacrifício do herói na catástrofe final: Maria de Noronha representa o sacrifício necessário para expiar os
fantasmas do passado e definir o futuro do país.
Com o regresso de D. João de Portugal na figura do Romeiro, o rumo da história altera-se e
precipita-se o aniquilamento da harmonia da família de Manuel de Sousa Coutinho e de D. Madalena e a
morte de Maria. D. João é o anti-herói, o antimito, cuja simples presença provoca destruição. De facto, há
nesta obra uma concepção destruidora deste regresso, já que não conduz à redenção ou salvação, mas
origina catástrofe e desgraça. Garrett parece sugerir que o Passado saudosista e a sua passividade
prejudicam a dinãmica do Presente, impedindo a regeneração activa do país.
Mais do que meras personagens de um drama familiar, na peça de Garrett temos seres
simbólicos, representativos do destino colectivo português, num momento de profunda crise política,
devido à perda da independência. Neste sentido, a resposta "Ninguém!" do Romeiro a Frei Jorge pode
ser associada a Portugal, um país subjugado pelo domínio filipino.
Por isso, a espera sebástica em Frei Luís de Sousa simboliza a problematização do modo de ser
português, a auto-interrogação de um Portugal que busca a sua identidade e não se encontra.

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