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Género Literário da obra

Frei Luís de Sousa é um drama romântico, ou ainda a renovação da tragédia antiga?


O que é o drama?
O drama é um género teatral que procura diferenciar-se da distinção clássica entre a tragédia e a comédia.
Conjuga aspetos comuns aos dois géneros, unindo o elemento trágico e o cómico, o sublime e o grotesco.
Geralmente, apresenta uma série de situações com diversas personagens que se envolvem em vários
episódios, sucedendo-se rapidamente e, por vezes, com falta de verosimilhança.
O desfecho pode ser trágico ou não. Com este género pretendeu-se que a representação se aproximasse da
realidade e, assim, ir ao encontro dos interesses e gostos do novo público - o burguês.

Quais são as características do drama romântico?


Garrett constrói um drama romântico definido pelos princípios de estética romântica:
✓ o uso da prosa;
✓ o assunto nacional;
✓ a valorização dos sentimentos humanos das personagens;
✓ o ser humano como vítima das suas próprias atitudes/paixões, deixando de ser um joguete do destino;
✓ o pendor social (espelha a verdade social e a realidade dos acontecimentos quotidianos);
✓ a linguagem fluente e coloquial, próxima da realidade vivida pelas personagens.

Quais são as características românticas presentes em Frei Luís de Sousa?

✓ A crença no sebastianismo;
✓ o amor à pátria: patriotismo e o nacionalismo;
✓ as crenças em agouros, superstições e visões;
✓ o fatalismo (as personagens tentam negar racionalmente o destino, mas não o conseguem);
✓ a religiosidade (cristianismo e a religião);
✓ a apologia do individualismo (o confronto entre o indivíduo e a sociedade; a felicidade individual é
contrariada pelas normas sociais);
✓ a aspiração da liberdade;
✓ a exacerbação dos sentimentos;
✓ a noite (a ação passa-se ao fim da tarde, noite e madrugada);
✓ o tema da morte - a morte como solução para os problemas;
✓ o mito do escritor romântico;
✓ a intenção pedagógica: a problemática dos filhos ilegítimos e a denúncia da falta de patriotismo.

O que é a tragédia?
Cultivada na Grécia antiga, a tragédia é um género literário, escrita em verso e em tom solene, cujo
fim é suscitar o terror e a piedade.

Quais são as características da tragédia?


✓ A ação da peça desenvolve-se a partir do conflito entre o ser humano e o destino, entre o
indivíduo e o coletivo ou o transcendente;
✓ o castigo das forças superiores devido ao "desafio" cometido pelas personagens conduz à
catástrofe;
✓ as personagens são nobres e em número reduzido;
✓ a Lei das três unidades: ação, tempo e espaço;
✓ a presença de um coro que surge nos momentos de grande intensidade dramática, comentando
as situações ou as personagens;
✓ a existência de momentos de retardamento que sugerem a ilusão de que a tragédia não se
consumará.

O que há de tragédia em Frei Luís de Sousa?


✓Desafio (Hybris)
D. Madalena desafia o destino, apaixonando-se por Manuel de Sousa quando ainda estava casada
com D. João de Portugal. Manuel de Sousa desafia politicamente o poder instituído, incendiando o
seu palácio.
✓Sofrimento (Pathos)
O sofrimento atinge todas as personagens: a incerteza e a angústia de D. Madalena perante a
morte de D. João e de um possível regresso, a culpa e a desonra sentida pelo casal, a sua vergonha
e dor pela ilegitimidade de Maria, bem como o sentimento de traição vivenciado por Teimo.
✓ Peripécia
Mudança de rumo da situação - o incêndio e o aparecimento de D. João, que anula a legitimidade
do casamento, colocando Maria na situação de filha ilegítima.
✓Reconhecimento (Anagnórisis)
O momento em que o Romeiro se revela como sendo D. João de Portugal: revelação, por exemplo,
a Frei Jorge e a Teimo.
✓Clímax
O auge emocional - momento em que D. Madalena sabe que D. João está vivo.
✓Catástrofe
A morte para o mundo de D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho e a morte física de Maria.
✓Coro
Representado, sobretudo, por Teimo e Frei Jorge.
✓Catarse/Purificação (Cathársis)
Reflexão purificadora do espectador/leitor - a irreversibilidade dos acontecimentos e a
vulnerabilidade das personagens provocam a piedade e a comoção.

Concluindo, a resposta à questão inicial - Frei Luís de Sousa é um drama romântico, ou ainda a
renovação da tragédia antiga? - é adiantada pelo próprio dramaturgo na Memória ao
Conservatório Real, texto em que o Garrett faz a apresentação da sua peça.
"Contento-me para a minha obra com o título de drama; só peço que a não julguem pelas leis que
regem, ou devem reger, essa composição de forma e índole nova; porque a minha, se na forma
desmerece da categoria, pela índole há de ficar pertencendo sempre ao género antigo trágico."

Frei Luís de Sousa é um drama de índole trágica, apontando para o hibridismo de género.

O Sebastianismo: História e ficção


[...] Durante o séc. XIX, o sebastianismo foi passando da esfera política para os

domínios literário e culturológico. O sonho heroico de D. Sebastião, a sua morte na


batalha, o mito do seu regresso e a quimera do Quinto Império inspiram poetas e
prosadores. [...] No Frei Luís de Sousa de Garrett, é Telmo, o velho criado, quem
associa à fé no retorno do Rei a convicção de que D. João de Portugal, seu amado
amo, um dia aparecerá. [...]
Jacinto do Prado Coelho. Dicionário de Literatura, 4.° vol. 2003. Porto: Figueirinhas.

Assim, o Sebastianismo está presente em Frei Luís de Sousa:

✓ na crença nacional que surgiu após o desaparecimento do rei D. Sebastião na


bata-lha de Alcácer Ouibir.

✓ na convicção no regresso de D. Sebastião para devolver a independência e a


liberdade do passado a Portugal.

✓ na convicção que D. Sebastião era uma espécie de Messias que devolveria a honra
e a glória a Portugal que, assim, recuperaria o "brilho" do passado. Este mito
messiânico português serviu de apoio, de alento ao povo tiranizado, humilhado pela
independência perdida, aquando da ocupação castelhana, em 1580.

✓ no regresso do Romeiro, associação negativa, uma vez que provoca a destruição


da harmonia familiar e mesmo a morte (de Maria). D. João aparece, assim, como um
antimito, se o identificarmos como representante de D. Sebastião, não concretizando
a ideia criada de salvador da pátria. Garrett parece querer salientar a necessidade da
mudança de mentalidades, preconizando o abandono de uma crença que não deixa
Portugal evoluir, mantendo antes uma estagnação e apatia associadas a um certo
conservadorismo.

TEMPO
A ação decorre no período de cerca de uma semana, não respeitando, portanto, a unidade de
tempo da tragédia clássica.

Ato Primeiro

- Início da ação:

• sexta-feira;

• fim de tarde/noite.

- Revelação dos antecedentes:

• Desaparecimento de D. João de Portugal a 4 de agosto de 1578 (data da batalha de


Alcácer Ouibir);

• Tentativas feitas por D. Madalena, durante sete anos, para o encontrar.

• Casamento de D. Madalena com Manuel Coutinho e nascimento de Maria, que tem 13


anos quando a ação se inicia.

Ato Segundo

- A família está instalada na casa de D. João de Portugal há uma semana:

• sexta-feira;

• fim da manhã/tarde.

- Chegada do Romeiro e revelação da sua identidade.

Ato Terceiro

- Destruição da família:

• noite/alvorecer.

O tempo está carregado de fatalismo, tornando-se um elemento trágico.

Sexta-feira

✓ Visão de Manuel de Sousa Coutinho pela primeira vez.

✓ Data da batalha de Alcácer Quibir.

✓ Casamento com Manuel de Sousa Coutinho.

ESPAÇO - Almada
Ato Primeiro - Palácio de Manuel de Sousa Coutinho

"O quarto de lavor" está decorado com Luxo e elegância. Possui um ambiente acolhe-
dor, grandes janelas, dando para um terraço - representa a felicidade, embora
aparente.

Ato Segundo - Palácio de D. João de Portugal

O "salão antigo" é austero e escuro. Os três retratos de corpo inteiro e os reposteiros


que cobrem as portas, como que impedindo a fuga das personagens ao seu destino.
Este salão dá, ainda, acesso à capela da Senhora da Piedade.

Ato Terceiro

Parte baixa do palácio de D. João de Portugal

Comunica com a capela da Senhora da Piedade, na Igreja de S. Paulo dos Domínicos


de Almada. É um "casarão sem ornato algum", possuindo apenas objetos religiosos

- representa o despojamento dos bens materiais; a "cruz negra", por exemplo, pode
simbolizar a morte, mas também a esperança de uma vida espiritual.

Igreja de S. Paulo dos Domínicos de Almada

Local onde decorrerá a profissão religiosa.

A complementaridade e o afunilamento progressivo do espaço adensam o peso da


fatalidade e do infortúnio.

A dimensão patriótica e a sua expressão simbólica


“ Ouem responde pela boca de D. João (de Portugal...), definindo-se como ninguém, não é um mero
marido ressuscitado fora da estação, é a própria Pátria. O único gesto positivo, redentor, do seu
herói (Manuel de Sousa Coutinho) é deitar fogo ao Palácio e enterrar-se fora do mundo, da História.
Interpretou-se (à superfície) o Frei Luís de Sousa em termos de puro melodrama psicológico, de
pura contextura romântica - o que é, naturalmente - mas o autêntico trágico que nele existe é de
natureza histórico-política, ou, se se prefere, simbólico-patriótica. É ao passado e no passado - mas
por causa do presente, como Herculano - que o cidadão, o autor, o combatente liberal e patriota
Almeida Garrett dirige a interrogação, ao mesmo tempo pessoal e transpessoal: "que ser é o meu,
se a pátria a que pertenço não está segura de possuir e ter o seu?"
Eduardo Lourenço. Labirinto da Saudade, 2008. Lisboa: Gradiva, pp. 83-84.

A ação de Frei Luís de Sousa decorre numa época conturbada da História de Portugal - o domínio
filipino. Recordemos que face à vontade de os governadores de Castela se instalarem no palácio de
Manuel de Sousa Coutinho, este decide, num gesto provocador e patriótico, lançar fogo à sua
própria casa. Manuel de Sousa Coutinho representa, então, a defesa e afirmação da liberdade, o
desejo de contribuir para a construção da identidade de um país oprimido, marcado
indelevelmente pelo sebastianismo, um país que, tal como o Romeiro, é "ninguém".

Depois deste acontecimento, a família é obrigada a mudar para a casa de D. João de Portugal, o
que, simbolicamente, pode ser visto como um regresso ao passado, a um Portugal velho,
impeditivo da construção de um Portugal novo.

O Sebastianismo, numa fase de desesperança e frustração, assume uma dupla vertente:

• a recusa da realidade dolorosa que impulsiona à crença de uma salvação;

• a inação, pois incute a ideia de que essa salvação dispensa em envolvimento efetivo e
pragmático.

Esta compreensão histórica é importante, pois, na época de Almeida Garrett, Portugal vive também
momentos políticos problemáticos, resultantes do governo autoritário de Costa Cabral
(Cabralismo).

Assim, é possível estabelecer um paralelo entre o período retratado em Frei Luís de Sousa e o
tempo da escrita da obra (década de 1840). A situação de crise e de desencanto provocada pelo
desaparecimento de D. Sebastião e consequente perda da independência é comparável aos tempos
do regime cabralista.

Em Frei Luís de Sousa percebe-se uma crítica a este governo, ainda que latente e simbólica, que,
aliás, reagiu à publicação e representação da obra, considerando que esta poderia avivar nos
portugueses valores e sentimentos patrióticos que pusessem em causa a política despótica de Costa

Cabral.

Recorte das personagens principais


D. Madalena de Vilhena

Origem social: nobreza, da família dos Vilhenas.

Retrato psicológico: moralmente íntegra; torturada pelo passado e avassalada por


pressentimentos angustiantes indiciadores da tragédia; vulnerável, sobressaltada e
incapaz de ser feliz; apaixonada e ligada às desventuras amorosas de Inês de Castro.

Modelo representado: a mulher romântica, dominada por sentimentos exacerbados


(amor-paixão).

D. Manuel de Sousa Coutinho

Origem social: nobreza, cavaleiro da Ordem de Malta.

Retrato psicológico: desprendido dos bens materiais, forte consciência cívica - a


honra e o dever; patriota e corajoso (incendeia o seu próprio palácio); bom marido e
pai carinhoso; aparentemente racional (insensível aos pressentimentos de D.
Madalena e da própria Maria) e determinado; dominado pelo desespero perante a
situação de ilegitimidade de Maria.

Modelo representado: o escritor romântico (a ida para o convento proporciona-lhe a


solidão propícia à escrita).

D. Maria de Noronha

Origem social: nobreza.

Retrato psicológico: adolescente desejosa de aventura; entusiasta e sonhadora;


idealista (tem vontade de transformar o mundo); sebastianista; perspicaz e intuitiva,
compreende o mundo e as coisas fora do comum, o que lhe permite o acesso aos
mistérios da vida.

Modelo representado: a mulher-anjo, ser puro e frágil.


Telmo Pais

Origem social: escudeiro leal da família, velho aio.

Retrato psicológico: fiel a seu amo, D. João de Portugal, movido pela honra e pelo
dever; dedicado a Maria e seu protetor; sebastianista (o seu discurso é marcado
pelos agouros que indiciam um desfecho trágico); atormentado por um conflito
interior (a consciência de que o amor que nutre por Maria é mais forte do que aquele
que dedicava a D. João, seu antigo amo); dividido entre o passado e o presente.

Modelo representado: semelhante ao do coro das tragédias clássicas.

D. João de Portugal

Origem social: nobreza.

Retrato psicológico: patriota; apaixonado; severo e inflexível (conforme revela no


diálogo que trava com D. Madalena e Frei Jorge na cena XIV do Ato Segundo); arre-
pendido (conforme se prova na cena IV do Ato Terceiro); infeliz, solitário.

Modelo representado: o Portugal de outrora.

Frei Jorge Coutinho

Origem social: clérigo, frade da Ordem dos Dominicanos.

Retrato psicológico: equilibrado, sereno e prudente; crente na vontade de Deus;


confidente tanto de D. Madalena como de seu irmão, D. Manuel de Sousa Coutinho.

Modelo representado: semelhante ao do coro das tragédias clássicas.

LINGUAGEM E ESTILO
Garrett dá ao diálogo a estrutura típica da linguagem falada: linguagem simples,
fluente, coloquial, refletindo uma certa densidade psicológica. As personagens de
Frei Luís de Sousa falam numa linguagem adequada à época e à sua posição social,
bem como às circunstâncias que envolvem a situação.

A nível lexical é de salientar o uso de substantivos abstratos e de adjetivos fortes e,


muitas vezes, de carga negativa que refletem o estado de espírito, os sentimentos e
os afetos das personagens. As repetições, a interjeição e as locuções interjetivas,
transmitindo ansiedade e angústia são também muito frequentes.

A nível sintático são evidentes as frases inacabadas, mais uma vez para transmitirem
as hesitações e o estado emocional das personagens.

A nível da pontuação é de salientar a frequência da ocorrência das frases


exclamativas e interrogativas, sugerindo a tensão emocional e dramática.

Relativamente à presença de recursos expressivos, a hipérbole e as antíteses são


recorrentes, pois ajudam a traduzir o estado emocional de algumas personagens, ora
exteriorizando a intensidade dos sentimentos e das sensações, ora as contradições e
até algumas incoerências próprias de quem está em sofrimento e vulnerável.

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