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Português – 11.

º ano

Guião de análise da obra Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett

1. Perfil biobibliográfico do autor


2. Características do texto dramático
3. O Romantismo: contextualização
4. Classificação literária da obra – leitura da Memória ao Conservatório Real
5. Características da Tragédia Clássica
a. Efeitos sobre o público - provocar o terror
b. Personagens de alta estirpe
c. Presença do coro
d. Lei das três unidades:
Unidade de ação (só tem uma ação)
Unidade de tempo (só tem um tempo)
Unidade de espaço (só tem um espaço)
e. Estrutura tripartida da acção
Exposição
 Apresentação das personagens
 Esboçar do conflito
 Mistério provocado pelo destino que aponta para um final trágico
Conflito
 Desenvolvimento do conflito que se encaminha para o clímax – ponto
culminante da acção trágica – em que se desvenda um mistério, ligado a uma
relação de parentesco oculta – reconhecimento – anagnórise.
Desenlace – catástrofe
 O fim das personagens é sempre trágico – morte social, física e afetiva

Conclusão – Garrett tem dificuldade em classificar a sua obra, no entanto,


aponta algumas características que a aproximam da tragédia clássica:

Existe
Personagens de alta estirpe (pertencem à nobreza);
aproximação à lei Acção simples (baseado toda no mesmo);
das 3 unidades. Não há unidade de espaço pura, mas há espaços muito reduzidos;
Há consideração de tempo (reduzido), apesar de não existir a unidade de tempo
pura;
O coro está presente nas personagens Telmo e Frei Jorge;
Ambiente solene, obscuro e trágico;
Momentos de retardamento típicos da tragédia clássica.
f. Anaké – destino
Proporcionou partida de D. João de Portugal para a batalha;
Proporciona a mudança de espaço;
Proporciona o incêndio no palácio de Manuel Sousa Coutinho;
Proporciona o facto de D. João de Portugal ficar exilado.
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g. Hybris - desafio
Casamento de Manuel Coutinho com Madalena;
Maria revolta-se contra a injustiça e pede aos pais para mentirem em relação à sua
legitimidade.
h. Agnón – conflito
Conflito interior que assalta todas as personagens, essencialmente Madalena.
i. Anagnórise – reconhecimento
Reconhecimento do romeiro enquanto D. João de Portugal.
j. A peripeteia – peripécia – mudança súbita de situação
Proporciona a mudança da situação familiar
k. Clímax – aumento da tensão emocional
l. Pathos – sofrimento
Presente em todas as personagens e em todos os seus conflitos interiores.
m. Katastrophé – que consiste na separação do casal e morte das personagens
Morte social: família
Morte simbólica: D. João de Portugal
n. Catharsis – purificação
Conversão de Madalena e de Manuel Coutinho (ida para o convento) e morte de
Maria por vergonha.
No entanto, apresenta outras características que aproximam a obra ao
teatro romântico:
Escrito em prosa;
Patriotismo (assunto de interesse nacional e histórico – batalha de Alcácer Quibir);
Carácter didáctico da obra;
O drama como expressão literária à crítica da sociedade;
Convite à reflexão e às normas da sociedade (com base nos factos reais);
Homem encontra-se no centro das preocupações, sendo objeto de reflexão.

Estrutura externa (atos) e interna

Ação trágica – as ações culminam no desenlace trágico, os homens são vítimas do


seu destino, mas à maneira romântica as personagens são igualmente vítimas das
suas decisões e paixões.
Indícios trágicos:
 Leitura do episódio de Inês de Castro, que remete para os amores trágicos e
felicidade aparente;
 Pressentimentos de Madalena que tem consciência de que algo de funesto se
abaterá na família;
 Agouros de Telmo;
 Manuel Coutinho ao incendiar o palácio evoca o pai;
 A leitura da “Menina e Moça” indicia a separação da família;
 O Sebastianismo de Maria indicia o aparecimento de D. João de Portugal;
 O carácter romântico de Maria, as suas visões e imaginações, bem como a sua
doença, remetem para um acontecimento funesto;
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 Decoração do espaço e preferência nocturna.

O Tempo

Tempo histórico – conjunto de referências e acontecimento reais que conferem cor epocal ao texto
e permitem a sua inserção na época.
o Batalha de Alcácer Quibir (11 de Agosto de 1578)
o Ocupação portuguesa pelos espanhóis – Filipe II de Espanha

Conclusão – Acção de Frei Luís de Sousa situa-se entre finais de século XVI, inícios do século XVII, o
que se pode verificar pelas referências históricas presentes ao longo da obra.

Tempo representado – tempo entre o início e o fim da acção representada.


o Da passagem do primeiro ato para o segundo ato passam oito dias, o que se pode
constatar pelas palavras de Maria, na cena I do ato segundo;
o Na passagem do segundo ato para o terceiro ato passam unicamente algumas horas.

Conclusão – Portanto, o tempo representado é, unicamente, de oito dias.

Tempo de representação – tempo apresentado em cena ao qual o leitor tem acesso

Está limitado a 3 momentos fulcrais que correspondem ao desenvolvimento da intriga.

o Exposição: acto I – um dia, sexta-feira, 27 de Julho de 1599.


o Conflito/reconhecimento: acto II – um dia, sexta-feira, 4 de Agosto de 1599.
o Desenlace/catástrofe: acto III – a noite de sexta para sábado, 5 de Agosto de 1599.

21 Anos (aparecimento de D. João de Portugal) Sequência cronológica com os números


14 Anos (casamento com Manuel Coutinho)
típicos da tragédia.

(espera por D. João de Portugal)


7 anos
8 dias Passagem do acto I para o acto II.
1 dia
Passagem do acto II para o acto III.
horas

O Simbolismo das referências temporais:

a) Sexta-feira: carga semântica negativa – considerada como dia azarento para Madalena.
Todos os acontecimentos marcantes na vida de Madalena acontecem à sexta feira: 1ºcasamento,
Batalha de Alcácer Quibir, desaparecimento de D. João de Portugal, 2º casamento, aparecimento de
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b) Ambiente crepuscular noturno: símbolo da tragédia, tipicamente romântico que simboliza neste
contexto a “morte da família”.

c) Permanência no nº7 e seus múltiplos: sendo o 7 o número da totalidade associado à perfeição, esta
referência é também símbolo da tragédia familiar, ou seja, a perfeição era a morte da família.

O Espaço – leitura das didascálias iniciais.

Acto I- palácio de Manuel de Sousa Coutinho, ricamente ornamentado, símbolo do luxo e da elegância da
época com duas janelas viradas para o Tejo; com o retrato de Manuel Coutinho vestido de cavaleiro de
Malta, símbolo da paz aparente que reina na família, retrato esse que vai ser destruído no incêndio,
prenúncio da tragédia final.

Acto II – palácio de D. João de Portugal, ricamente ornamentado, ambiente pesado e melancólico,


reposteiros que impedem a vista para o exterior e a entrada de luz, a existência de uma porta que
comunica com a capela

o Simbologia: ausência de luz é presságio da catástrofe final e a presença dos retratos


de D. Sebastião, Camões e D. João de Portugal remetem ao patriotismo e
nacionalismo das personagens e são símbolo trágico porque evocam o passado,
inviabilizam o presente e comprometem o futuro.

Acto III –

Simbologia dos espaços: Convento / capela – sem janelas, sem luz – presságio da morte total da família.

Personagens:

Identificação da personagem principal


O título da peça poder-nos-á levar a concluir que a personagem principal seja Manuel de Sousa Coutinho,
uma vez que a realidade histórica nos refere que este cavaleiro da ordem militar de Malta, ao tornar
hábito, mudou o nome para Frei Luís de Sousa.
No entanto, e relativamente a este aspeto, o da personagem principal, as opiniões dividem-se, havendo
quem opte por Madalena (a personagem que tem "direito" a mais falas), Maria (a personagem cujo
percurso é o mais destrutivo) e até D. João pela sua constante presença/ausência.
Contudo, e seguindo W. Kaiser, parece-nos mais lógico apontar a família como personagem principal,
porque é à volta dela (pai, mãe, filha, criado) que se desenvolve toda a ação. Todas as personagens estão
marcadas pelo destino, e conduzidas, logo desde o início, para a catástrofe final. É esta família que,
marcada pelo destino e pela fatalidade, enceta um percurso destrutivo que a leva à morte: Manuel e
Madalena professam, Maria morre, Telmo fica só e D. João fica sem família, sem identidade, sem nome,
sem referências.
É um percurso típico da tragédia clássica, havendo, no entanto, uma certa atenuante para o desespero
final, uma vez que a esperança católica de uma vida post-mortem ilumina uma vaga esperança de
felicidade eterna, presente na fala final do prior: "Meus irmãos, Deus aflige neste mundo aqueles que ama.
A coroa de glória não se dá senão no céu" (Acto III, cena 12).
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Assim, a inserção da abordagem da cena 2 do Ato I neste momento da unidade justifica-se pelo carácter
paradigmático da mesma. Com efeito, quase todas as características e elementos essenciais de Frei Luís de
Sousa se encontram presentes nesta cena.

As personagens femininas
 Madalena: casada em primeiras núpcias com D. João de Portugal desaparecido em Alcácer Quibir, a
quem respeitava como a um pai, casa, pela segunda vez, com Manuel de Sousa Coutinho, a quem ama
perdidamente e de quem tem uma filha: Maria. Permanentemente infeliz e angustiada, vive perseguida
pelo remorso de ter começado a amar Manuel ainda em vida de D. João (Acto II, cena 10) e por um
medo de que o seu primeiro marido, cuja morte nunca foi confirmada, regresse. Respeita Telmo,
embora este alimente os seus terrores e as suas superstições (Acto I, cena 8; Acto II, cena 10).
Madalena é sobretudo uma personagem romântica, pela sua sensibilidade e pela submissão total à
paixão por Manuel. Antes de ser mãe, Madalena é, essencialmente, uma mulher apaixonada: "Em tudo
o mais sou mulher, muito mulher". No entanto, ela é também produto da sociedade em que se insere,
uma vez que a visão católica da indissolubilidade do matrimónio a toma uma personagem infeliz e
atormentada pelo remorso e pelo pecado.
 Maria:
• filha de Madalena e de Manuel de Sousa Coutinho;
• crescimento precoce, madura e adulta para a idade (13 anos);
• doente, débil, delgada e tísica;
• culta, gosta de ler;
• visionária (Ato I, cena 4);
• pressente a desgraça (Ato II, cena 1);
• curiosa (Ato II, cena 2);
• nacionalista (Ato II, cena 3);
• sebastianista (Ato 11,cena 3).
Maria, uma personagem marcada pelo "pecado", porque fruto do amor proibido entre Madalena e
Manuel de Sousa Coutinho, é o símbolo do nacionalismo romântico (defesa da pátria,
empolgamento face à atitude do pai de incendiar o palácio - Acto 11, cena 1) e também do
Sebastianismo dos finais do séc. XVI / início do séc. XVII. Um Sebastianismo voltado para o passado,
centrado num hipotético e mais que improvável regresso de D. Sebastião e que integrará, para
sempre, o imaginário e a personalidade nacionais. Bem diferente, no entanto, do Sebastianismo
pessoano da Mensagem, voltado para o futuro e que profetiza o aparecimento de um Quinto
Império, construído sobre a supremacia da língua e da cultura portuguesas e de que os poemas de
"O Encoberto" são um claro exemplo.

Como já atrás se referiu, Maria é a única personagem que morre, simbolizando a sua morte, e bem ao jeito
romântico, a impossibilidade de viver sem o amor (dos pais neste caso), sem o sonho e o aspecto
irreconciliável entre o eu e a sociedade.

As personagens masculinas
 Telmo:
 escudeiro, amigo e confidente, por quem Madalena sente respeito e carinho. Vê nele um pai, uma
protecção;
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 nutre por Maria uma afeição especial, superior ao amor que tem por D. João (Acto III, cena 4);
 tal como Maria, também é uma personagem sebastianista;
 alimenta os remorsos de Madalena e as fantasias de Maria;
 simboliza a presença constante do passado, que, quando regressa, na figura de D. João, também o
aniquila;
 no fim fica só e sem ninguém, sem a família à qual estava ligado por laços afectivos. O regresso de
D. João e o conflito interior daí decorrente abalam-lhe as certezas, destruindo-o também.
 Manuel de Sousa:
 Fidalgo, bom português, casado com D. Madalena e pai de Maria;
 É cavaleiro de Malta.
É talvez a personagem que maior evolução/transformação sofre ao longo da peça. No início, apresenta-se-
nos como uma personagem racional, segura de si, corajosa, capaz de lutar pelos seus ideais, é nas palavras
de Telmo "guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português" (Acto I, cena 2).
No entanto, e a partir do momento em que vê o seu retrato devorado pelas chamas que ele próprio ateou
(Acto I, cena 9), os pressentimentos de que algo poderá ensombrar o futuro começam a ganhar forma. O
destino de Manuel de Sousa Coutinho será idêntico ao do seu pai, no sentido de que são eles próprios que
"provocam" o destino e atraem a fatalidade e a morte.
Este progressivo afastamento da racionalidade é também intuído por Frei Jorge, seu irmão, que afirma na
cena 9, do Acto II: “ (…) Até meu irmão o desconheço! A todos parece que o coração lhes adivinha
desgraça!... "
O percurso descendente e doloroso de Manuel de Sousa Coutinho culmina com um grito de
autocompaixão - "Mas eu em que mereci ser feito o homem mais infeliz da terra" (Acto Ill, cena 1) - e com o
assumir da sua "morte" e da sua decisão inabalável: "Até ontem, a nossa desculpa, para com Deus e para
com os homens, estava na boa-fé e seguridade de nossas consciências. Essa acabou. Para nós já não há
senão estas mortalhas e a sepultura dum claustro" (Acto III, cena 8).
Manuel de Sousa Coutinho é também o símbolo da luta pela liberdade, da não subjugação à tirania (e daí a
sua atemporalidade) e de um certo nacionalismo (embora se saiba, historicamente, que as querelas de
Manuel de Sousa com os governadores tinham um carácter pessoal e não político, uma vez que, toda a
família apoiava a administração castelhana) e é através destes dois aspectos que ele se aproxima de Maria.
Aliás, ao contrário de Madalena, Manuel de Sousa Coutinho é primeiro pai e só depois marido. Após o
desencadear da catástrofe, a principal preocupação de Manuel de Sousa Coutinho vai para sua filha: " Oh!
minha filha, minha filha! Desgraçada filha, que ficas órfã!... órfã de pai e de mãe ... e de família e de nome,
que tudo perdeste hoje..." (Acto III, cena 1) e é o seu amor paterno que o faz voltar-se para Deus e
oferecer-lhe a sua dignidade em troca da saúde e vida de Maria: "Peço-te vida, meu Deus, peço-te vida,
vida, vida... para ela, vida para a minha filha!... Saúde, vida para a minha querida filha!... e morra eu de
vergonha, se é preciso; cubra-me o escárnio do mundo, desonre-me o opróbrio dos homens, tape-me a
sepultura uma lousa de ignomínia, um epitáfio que fique a bradar por essas eras desonra e infâmia sobre
mim." (Acto III, cena 1)
Manuel de Sousa é também o símbolo do Portugal novo e racional (transposto para a época de Garrett)
que pode ser "engolido" pelo passado, se não souber evoluir.

 D. João de Portugal:
• primeiro marido de D. Madalena a quem amava: "... Oh, Telmo, Telmo, com que amor a amava
eu..." (Acto III, cena 5);
• "Espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons... " (palavras de Telmo no Acto I, cena 2);
• "... D. João de Portugal, um honrado fidalgo e um valente cavaleiro" (palavras de Manuel de Sousa
Coutinho no Acto II, cena 2);
• feito cativo em Alcácer Quibir e prisioneiro, em Jerusalém, durante vinte anos;
• regressa, ao fim de vinte e um anos de ausência, na figura do Romeiro.
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D. João de Portugal é a "ausência mais presente" ao longo de todo o texto. É um fantasma, uma entidade
abstracto, apenas nomeada no Acto I, que só existe através das palavras de Telmo e de D. Madalena;
depois vai-se progressivamente materializando no Acto II, primeiro pelo retrato e depois pela presença
física (Acto II, cena 13).
Esta personagem sofre, ao longo do texto, dois tipos de percursos; o primeiro (já acima referido) que se
centra à volta da sua concretização enquanto figura real, o segundo que se relaciona com a sua
humanização.
Com efeito, o primeiro contacto físico entre o espectador/leitor e D. João de Portugal revela uma espécie
de anjo vingador, encarregado de castigar o "pecado" e de repor a "ordem". No entanto, a partir da cena 5
do Acto III e ao saber, por Telmo, que D. Madalena o procurara, D. João humaniza-se, tenta remediar a
situação que (in)voluntariamente desencadeara ("... vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor (...) que
tudo isto foi vil e grosseiro embuste de inimigos de... dos inimigos desse homem que ela ama ... E que
sossegue, que seja feliz" e "Agora é preciso remediar o mal feito. Fui imprudente, fui injusto, fui duro e
cruel. E para quê? D. João de Portugal morreu no dia em que a sua mulher disse que ele morrera", Acto III,
cena 5). No final, também ele é uma vítima de toda uma situação para a qual ninguém contribuiu
directamente, mas que acabou por tragar a todos.
D. João de Portugal simboliza o Portugal do passado e, por isso mesmo, o seu carácter inviável. D. João
de Portugal desmistifica o Sebastianismo passadista e fechado de Telmo e Maria, mostrando a
impossibilidade do regresso do passado.

 Frei Jorge (personagem secundária):


 irmão de Manuel de Sousa Coutinho;
 dominicano;
 personagem que impõe uma certa racionalidade tentando manter o equilíbrio no meio da família
angustiada e desfeita.

A linguagem e o estilo

A LINGUAGEM E O ESTILO

Ao contrário da tragédia clássica antiga, a obra Frei Luís de Sousa foi escrita em prosa.
Nesta peça, encontramos as marcas fundamentais do modo de expressão que constitui o diálogo, pelo que
as estruturas discursiva e frásica apresentam as características próprias da coloquialidade e da oralidade.
Atentemos nos vários aspectos que estruturam a linguagem e o estilo da obra Frei Luís de Sousa:
• Ao nível lexical:
É de relevar as repetições e a carga emotiva que encerram determinados vocábulos (por exemplo,
"desgraça", "escárnio", "amor"; é de reter igualmente a utilização de classes de palavras como a interjeição
e as locuções interjectivas ("Ah", "Meu Deus”) como tradutoras do ansiedade e da angústia das
personagens e a repetição do advérbio de tempo "hoje", que torna mais denso o ambiente trágico; por
vezes, uma palavra substitui uma frase, dado que concentra, de forma expressiva, a trama de sentimentos
que invade uma personagem, numa determinada situação - é o caso do pronome indefinido "Ninguém",
que fecha o segundo acto, proferido pelo Romeiro.

• Ao nível sintáctico:
Predominam as frases inacabadas, que traduzem as hesitações ou a intensidade das emoções das
personagens.
• Registo de língua:
Coexistem os registos familiar e cuidado
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• Prosódia:
• A entoação (inter-relação entre as unidades acentuais) é, essencialmente, traduzida através dos
diferentes tipos de frase pois, ao nível do texto escrito, são estes que traduzem a atitude do locutor (as
didascálias, por vezes, fornecem indicações em relação às unidades tonais); é de salientar a recorrência dos
tipos de frase exclamativo e interrogativo como forma de expressão dos sentimentos que dominam as
personagens e da entoação conferida às subunidades discursivas.
• As pausas evidenciam os constrangimentos das personagens, a sua dor e as suas hesitações; ao nível
sintáctico, manifestam-se, por vezes, na construção frásica inacabada
• O ritmo frásico e discursivo liga-se claramente ao estado de espírito do sujeito de enunciação
• Pontuação:
É de considerar a ocorrência das reticências e dos pontos de exclamação como sugestão da tensão
emocional e dramática.
De acordo com as situações vividas pelas personagens e com os momentos da acção, podemos sintetizar
as características da linguagem que sobressaem relação a cada personagem:

D. Madalena:
• frases inacabadas, de tipo exclamativo e interrogativo;
• utilização de interjeições e de locuções interjectivas;
• formas verbais no presente e no pretérito imperfeito do indicativo e no imperativo;
Estes traços anunciam o seu temperamento apaixonado, o seu receio, a sua vulnerabilidade, o seu pavor
perante as circunstâncias.

D. Manuel de Sousa Coutinho:


• frases do tipo declarativo e imperativo;
• registo de língua cuidado;
• formas verbais no presente do indicativo;
A partir do terceiro acto:
• frases de tipo exclamativo;
• interjeições; locuções interjectivas.
A sua linguagem revela cultura e objectividade, assim como uma faceta didáctica, exteriorizando a sua
força e segurança. No terceiro acto, porém, dada a situação de sua filha, é o descontrolo que marca o seu
discurso.

D. Mário de Noronha:
• frases de tipo declarativo e exclamativo;
• linguagem conotativa;
• adjectivação;
• formas verbais no presente e no futuro do indicativo.
Estas marcas linguísticas apontam para o carácter fantasista de Maria e para a sua percepção subjectiva
dos acontecimentos, assim como para a sua faceta profética e sebastianista.

Telmo Pais:
• frases de tipo declarativo, exclamativo e interrogativo (interrogativa retórica);
• frases inacabadas;
• adjectivos;
• maleabilidade discursiva (adapta o seu discurso ao receptor do mesmo);
• formas verbais no presente do indicativo e no pretérito imperfeito do indicativo;
Estas características evidenciam o seu temperamento romântico e traduzem a sua divisão entre o passado
e o presente (cf. adjectivação e formas verbais).
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Frei Jorge:
• frases de tipo declarativo (predominantemente);
• vocábulos da esfera lexical da moral e da religião católica;
• registo de língua cuidado;
• formas verbais no presente do indicativo.

Estes aspectos remetem para o eruditismo e para a objectividade que caracterizam a personagem. Ligam-
se igualmente à sua função de conselheiro e à sua tentativa de proporcionar o equilíbrio e a paz de espírito
às outras personagens.

Romeiro:
• frases de tipo declarativo e exclamativo;
• linguagem metafórica (“Lágrimas de sangue”)
• registo de língua cuidado
As falas desta personagem apresentam, sobretudo, uma função informativa, ainda que revelem o seu
sofrimento e angústia perante um destino implacável, que o votou ao anonimato.
Garrett imprimiu, pois, à sua obra um estilo sóbrio, entrecortado por um outro que se caracteriza pela
jactância que enforma a linguagem das personagens em situação de conflito. O primeiro serve um
ambiente solene clássico, próprio da tragédia, e associa-se à própria situação social das personagens; o
segundo serve a tradução da interioridade das mesmas, à maneira do drama romântico.

O SEBASTIANISMO EM FREI LUÍS DE SOUSA

Após a leitura e análise da obra Frei Luís de Sousa, constatamos que o mito sebástico ou sebastianista
assume uma conotação negativa corporizada na personagem do Romeiro. Se, depois da batalha de Alcácer
Quibir, o povo português aguardava o regresso de D. Sebastião que, tal como no mito arturiano, salvaria o
reino da desgraça e da perda da hegemonia nacional, ressuscitando os valores que, durante mais de quatro
séculos, haviam garantido a identidade e a integridade de um povo que a tudo sobrevivera, a personagem
Romeiro simboliza o anti-herói e o elemento destrutivo que, só pela sua presença, aniquila a harmonia de
D. Madalena e de Manuel de Sousa Coutinho e conduz à morte de Maria, que "de vergonha" sucumbe, tal
como Portugal, perante a verdade cruel que significa a perda da identidade. "Ninguém" é a resposta do
Romeiro à questão formulada por Frei Jorge, resposta que poderíamos associar a Maria, enquanto fruto de
uma relação "adúltera", e a Portugal, enquanto país subjugado pelo domínio filipino. D. João de Portugal
assume, assim, uma condição de antimito, uma vez que a sua presença enquanto duplo de D. Sebastião
não preconiza a salvação da nação, mas a destruição da hegemonia simbolizada pela união entre D.
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Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa Coutinho e o aniquilar dos valores que, prestimosamente, haviam
incutido em D. Maria de Noronha (o núcleo constituído pela família representa, simbolicamente, a nação).
À vida sobrepõe-se a vergonha e à salvação do reino contrapõe-se a morte física de uma inocente (ainda
que esta morte seja necessária como forma de destruir um tempo passado) e a clausura que,
metonimicamente, ligamos à vivência do povo português durante o jugo dos Filipes, perdida a sua
identidade.

Garrett procura, através desta obra, evidenciar a necessidade de uma mudança ao nível das mentalidades
(preocupação, aliás, coerente com os seus ideais liberais) e do abandono de uma crença inútil num mito
que estava a contribuir para a estagnação de Portugal. O patriotismo fossilizado, tendo como sustentáculo
o hipotético regresso de D. Sebastião, impedia a regeneração do país pela acção. O saudosismo que
redundava em passividade permitia, por outro lado, que se acalentassem valores nacionais que originavam
apatia, pelo conservadorismo.
Com a situação de Maria e a sua morte de "vergonha" são as verdades convencionais que são
questionadas, à maneira do romântico, que se rebela contra uma sociedade cuja alma se perdera no
tempo.

A IDEOLOGIA ROMÂNTICA

Na obra Frei Luís de Sousa ecoam os grandes cânones que estiveram na origem da forma de estar de
Garrett no mundo. A sua luta pela liberdade e o seu patriotismo estão patentes na corajosa decisão de
Manuel de Sousa Coutinho de incendiar a sua casa, para que os governadores espanhóis não façam dela o
seu alojamento - de facto o período filipino que se seguiu à derrota portuguesa na batalha de Alcácer
Quibir espelhava o Portugal conturbado dos anos vinte e trinta do séc. XIX, onde as forças absolutistas
tentavam esmagar o grito de liberdade de homens entre os quais se encontrava o escritor (o que, aliás,
como verificámos, motivou o seu exílio). Mas a ideologia romântica da obra completa-se com a intenção
pedagógica do autor. Se a peça veicula o amor que o escritor nutria pela sua pátria e o culto que fazia da
liberdade, verdadeiro valor que, segundo ele, permitia a redenção dos povos e o seu percurso em direcção
ao progresso, esta apresenta um conteúdo moral: na última cena do drama, uma criança inocente, vítima
de uma sociedade dominada por preconceitos desumanos e por ideais efémeros, morre "de vergonha".
Garrett cria que, para educar o seu país, era necessário confrontá-lo com a sua própria realidade, para que,
conscientes das suas virtudes e dos seus erros, os portugueses aprendessem a lição que motivaria a sua
transformação.
Acresce apenas referir que o êxito da peça foi notável e que, apesar da proibição, na época, de a
representar, sob pretextos políticos (a peça foi representada pela primeira vez em 1843, na Quinta do
Pinheiro, e só voltaria a ser representada no íntegra, em 1850, no Teatro Nacional), esta faz parte do
repertório do Teatro Nacional e foi traduzido em várias línguas (aliás, numa carta a José Gomes Monteiro,
datada de 1842, o dramaturgo informava que Frei Luís de Sousa tinha sido traduzido em alemão pelo
Conde de Luckner e em inglês, por Mrs. Northon).
Na verdade, a dimensão humana da obra ultrapassa as fronteiras nacionais, pois nela encontramos
espelhada a relação, sempre actual, entre o homem e a sociedade, numa perspectiva (explícita ou
implícita) de interacção entre estes dois agentes que criam, afinal, a realidade, sempre relativa, como
sabemos, porque susceptível de análises diversas ao longo dos tempos.

O CARÁCTER UNIVERSAL E ATEMPORAL DA OBRA


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O carácter universal e atemporal de Frei Luís de Sousa


 O conflito eu/sociedade (temática romântica) presente, sobretudo em Madalena.
consciência
 Os conflitos interiores
amor
 A denúncia das arbitrariedades e da tirania e o apelo à defesa da liberdade (temática romântica) em
Manuel de Sousa Coutinho e Maria.

As temáticas românticas
 Eu/vs. sociedade.
 Apelo à liberdade.
 Valorização das raízes nacionais (tema da história nacional, referência a acontecimentos históricos e a
figuras da saga portuguesa), do Sebastianismo e do amor à pátria.
 A obsessão da morte.
 A ligação amor/morte.

O Sebastianismo
 Frei Luís de Sousa apresenta uma tese anti-sebastianista, embora todo o texto se desenvolva em torno
desta temática. O regresso do passado destrói o presente e inviabiliza o futuro. A mensagem que
Garrett deixa passar aos seus contemporâneos (então dominados pela ditadura de Costa Cabral) é a de
que não nos podemos deixar dominar nem seduzir pelo passado, apenas o presente e o futuro devem
ser alvo do nosso empenho.

A linguagem
 A inovação romântica presente no seu carácter oralizante e coloquial construído através de uma
sintaxe afectiva (interrogações, exclamações, frases entrecortadas) e pelo emprego de um vocabulário
corrente, adequado ao estatuto das personagens.
 Emprego de alguns arcaísmos que contribuem (tal como as referências históricas, o cenário e o guarda-
roupa) para a criação da cor epocal.

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