Você está na página 1de 12

lOMoARcPSD|17918344

Preparação para o exame nacional de Português 12º ano -


Frei Luís de Sousa
Português (Ensino Secundário (Portugal))

A Studocu não é patrocinada ou endossada por alguma faculdade ou universidade


Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)
lOMoARcPSD|17918344

Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa

1. Contextualização política e cultural (Liberalismo e Romantismo)


A obra foi escrita em 1843, no período do Cabralismo (movimento que defendia a carta Constitucional abolida em 1836).
Ligado ao contexto liberal, encontramos o Romantismo. Vejamos algumas características do movimento literário do
Romantismo:
- valoriza-se o indivíduo em si mesmo, a sensibilidade, o sentimento e a exaltação do eu interior, estando inerentes a
inquietação e o desequilíbrio, assim como o sofrimento, a melancolia e a fatalidade;
- privilegia-se a liberdade e o nacionalismo (os românticos às causas autonomistas e liberais);
- enaltece-se a imaginação, a espontaneidade, o natural, o ser genial de cada indivíduo, a religião, o misticismo;
- gosto pelo coloquialismo do discurso;
- a paisagem romântica é tumultuosa, agreste, sombria, noturna (do tipo locus horrendus).

2. As fontes de Frei Luís de Sousa

Entre 1835 e 1842, conhecem-se várias obras que têm como tema a vida “romanceada” de Manuel de Sousa Coutinho.
- Luís de Sousa, romance de Ferdinand Denis (1835);
- O Cativo de Fez, drama de Silva Abranches (1840);
- o romance em prosa Manuel de Sousa Coutinho de Paulo Midosi (1842).
O primeiro contacto com esta temática teve-o Garrett na mocidade, numas férias na Póvoa de Varzim, quando assistiu a
uma comédia castelhana sobre Frei Luís de Sousa. Além destes textos, Garrett conhecia também a biografia de Frei Luís de
Sousa da responsabilidade de Frei António da Encarnação e a Memória do Sr. Bispo de Viseu, D. Francisco Alexandre Lobo.

3. A ação

“Nem amores, nem aventuras, nem paixões, nem carateres violentos de nenhum género. Com uma ação que se passa entre
pai, mãe e filha, um frade, um escudeiro velho e um peregrino que entra em duas ou três cenas – tudo gente honesta e temente
a Deus” (Memória…).
A única ação, tal como a entendemos, é a de Manuel de Sousa incendiando o seu palácio. As restantes personagens entram
e saem de cena contando os seus terrores, revelando saberes, trazendo o passado para o presente, assinalando o aumento de
tensão e desordem.
O ato I é composto por 12 cenas, das quais as duas primeiras constituem a exposição, ou seja, a introdução das personagens
e suas ações no passado mais ou menos recente, fundamentais para a evolução da intriga. Há dois fios de intriga:
- infelicidade e terror de D. Madalena devido à incerteza da morte do primeiro marido;
- paralelo ao primeiro e com ele entrando em ação, um conflito entre patriotismo e submissão ao invasor.
Há um conjunto de coincidências que se revelam fatais:
- locais em que se passam ações: palácio de D. João de Portugal;
- dias em que se passam ações: sexta-feira; regresso do Romeiro; aniversário da batalha de Alcácer Quibir;
- circunstâncias em que se passam ações: ausência de Manuel de Sousa.

4. Estrutura externa
Esta obra dramática e trágica é constituída por três atos: o primeiro e o terceiro com doze cenas e o segundo com quinze.
5. Estrutura Interna
Exposição - Ato I, Cenas 1 a 2
- Apresentação (através das falas das personagens) dos antecedentes da ação que explicam as circunstâncias atuais), das
personagens e das relações existentes entre elas.
- Momento de apresentação do conflito e dos seus antecedentes.
Conflito - Ato I, Cenas 3 a 12; Ato II; Ato III, Cenas 1 a 9
- Desenrolar gradual dos acontecimentos, com momentos de tensão e expectativa - desde o conhecimento de que os
governadores espanhóis escolheram para o palácio de Manuel de Sousa Coutinho para se instalarem até ao reconhecimento do
Romeiro (anagnórise) - que provocaram uma série de peripécias.
- A evolução do conflito culmina com a anagnórise do Romeiro por Frei Jorge, na cena 15 do Ato II.
Desenlace- Acto III, Cenas 10 a 12
- Desfecho motivado pelos acontecimentos anteriores- consumação da tragédia familiar com a morte de Maria e a separação
forçada de seus pais, que morrem psicologicamente um para o outro bem como para o mundo.
- A resolução do conflito começa a acontecer no Ato III e culmina com a catástrofe que acontece nas duas cenas finais do Ato III,
com a morte física de Maria e com a morte para o mundo de D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho que se consagram a
Deus.

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

Estrutura interna - síntese


Exposição Conflito Desenlace
Ato I, cenas 1-2 * Ato I, cena 3* – Ato III, cena 9 Ato III, cenas 10 -12
Preparação da ação Desenvolvimento da ação Apresentação da catástrofe

- Anúncio de informações sobre - O conflito surge inicialmente - (o desfecho fatal) da ação, com
as personagens e suas ações no ligado a uma só personagem, D. a morte (física ou psicológica)
tempo, fundamentais para a Madalena, e, depois, vai-se dos heróis.
evolução da intriga. propagando. Podemos dizer que
o último a participar nele é
Manuel de Sousa Coutinho que
só cede à angústia e ao
desenlace no Ato III.
O ponto culminante da tensão
dramática dá-se com o
reconhecimento do Romeiro e
prolonga-se no início do Ato III,
com a perceção do drama
interior de um pai que vê a sua
filha condenada a não ter nome,
nem família.

6. As personagens (Retirado do livro: Preparação para o Exame Nacional Português 11º ano, Porto Editora)

O título da peça poder-nos-á levar a concluir que a personagem principal seja Manuel de Sousa Coutinho, uma
vez que a realidade histórica nos refere que este cavaleiro da ordem militar de Malta, ao tomar hábito, mudou o nome
para Frei Luís de Sousa. Manuel de Sousa Coutinho (1555-1632) teve uma vida acidentada em África e na Ásia,
enquanto prestava serviço ao rei Filipe II de Espanha. De regresso a Portugal,
casou com D. Madalena de Vilhena, viúva de D. João de Portugal, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir,
África. Após o falecimento da filha, deu entrada no convento dos Dominicanos em Benfica, tornando-se Frei
Luís de Sousa. Foi então que desenvolveu alguns projetos literários como A Vida de D. Frei Bartolomeu dos
Mártires e A História de S. Domingos Particular do Reino e Conquistas do Reino.
No entanto, e relativamente à definição da personagem principal da obra, as opiniões dividem-se, havendo
quem opte por Madalena (a personagem que mais intervém ao logo da peça), Maria (a personagem
cujo percurso é o mais avassalador e destrutivo) e até D. João (pela sua constante presença/ausência). Contudo, uma
outra hipótese de personagem principal poderá ser a família, porque é à sua volta (pai, mãe, filha, criado) que se
desenvolve a ação. Todas as personagens estão marcadas pelo destino e conduzidas, logo desde o início, para a
catástrofe final. É esta família que, marcada pelo destino e pela fatalidade, enceta um percurso destrutivo que a leva à
morte: Manuel e Madalena professam, Maria morre, Telmo fica só e D. João fica sem família, sem identidade, sem
nome, sem referências.

Madalena
Madalena é o paradigma da mulher apaixonada:
• casada em primeiras núpcias com D. João de Portugal (desaparecido em Alcácer Quibir) a quem respeitava
como a um pai, casa, pela segunda vez, com Manuel de Sousa Coutinho, a quem ama perdidamente e de quem tem
uma filha: Maria;
• vive perseguida pelo remorso de ter começado a amar Manuel, ainda em vida de D. João (Ato ll, cena 10)
e por um hipotético medo de que o seu primeiro marido, cuja morte nunca foi confirmada, regresse o que a torna
frágil e vulnerável - "esse amor, que hoje está santificado e bendito no céu, porque Manuel de Sousa é meu marido,
começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi... e quando o vi, hoje, hoje... foi em tal dia como hoje, D.
João de Portugal ainda era vivo!" (Ato II, cena 10);
• dominada pelas emoções que inibem a possibilidade de ser feliz, vive em permanente infelicidade e angústia;
• vive aterrorizada com o "fantasma" do seu primeiro marido, mas, no momento em que o tem, físicamente, diante de
si, e apesar das inúmeras coincidências, é incapaz de o reconhecer - "E quem vos mandou, homem?" (Ato ll, cena 14);
• respeita Telmo, embora este alimente os seus terrores e as suas superstições - "Ficastes-me em lugar

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

de pai; e eu... salvo numa coisa! - tenho sido para vós, tenho-vos obedecido como filha." (Ato I, cena 2);
• dominada pelo destino e impotente contra o fatalismo;
• fraca, influenciável e obsessivamente centrada na felicidade familiar;
• o seu sentimento do amor à Pátria é praticamente inexistente, considerando a atitude dos governadores
espanhóis como uma ofensa pessoal e não como um atentado à independência da Pátria
- "Mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar
naquela casa" (Ato l, cena 8);
• apesar do seu indubitável amor de mãe - preocupação permanente não só com a doença de Maria mas também com
a sua precocidade e crenças - é nela mais forte o amor de mulher, o amor por Manuel de Sousa Coutinho - "em tudo o
mais, sou mulher, e muito mulher, querido" (Ato I, cena 8). Madalena é, sobretudo, uma personagem romântica, pela
sua sensibilidade e pela submissão total à paixão por Manuel. O monólogo inicial da peça coloca Madalena na esfera
dos amores infelizes, funestos, em que os amantes se tornam vítimas do sentimento que os domina. Antes de ser mãe,
Madalena é, essencialmente, uma mulher apaixonada - "em tudo o mais sou mulher, e muito mulher" [Ato I, cena 8). No
entanto, ela é também produto da sociedade em que se insere, uma vez que a visão católica da indissolubilidade do
matrimónio a torna uma personagem infeliz e atormentada pelo remorso, pela culpa, pelo pecado - "O pecado estava-
me no coração… "(Ato ll, cena 10).

Maria
Filha de Madalena e de Manuel de Sousa Coutinho, Maria evidencia características próprias de uma heroína romântica.
Assim, Maria é:
• precoce, madura e adulta para a idade (13 anos) - "É verdade, tem crescido de mais, e de repente, nestes dous
meses últimos..." (Ato l, cena 2);
• doente e débil - "e, além de tudo o mais, bem vês que não é uma criança... muito... muito forte." [Ato I, cena 2);
• tísica – “A lançar sangue?... Se ela deitou o do coração! Não tem mais. Naquele corpo tão franzino, tão delgado, que
mais sangue há de haver?" (Ato III, cena 1);
• bondosa - "Um anjo como aquele... uma viveza, um espírito!... e então que coração!" (Ato I, cena 2);
• culta - gosto pela leitura - '"Menina e moça me levaram de casa de meu pai' - é o princípio daquele livro tão bonito
que minha mãe diz que não entende; entendo-o eu" (Ato ll, cena l);
• visionária, dotada de um entendimento profético - "Pois não há profecias que o dizem? Há, e eu creio nelas" (Ato ll,
cena l); "A verdade... é que eu sabia de um saber cá de dentro; ninguém mo tinha dito" (Ato II, cena 2);
• pressente a desgraça - "Mas tenho cá uma coisa que me diz que aquela tristeza de minha mãe, aquele susto, aquele
terror em que está [...] aquilo é pressentimento de desgraça grande..." (Ato n, cena i);
• curiosa, perspicaz - "- Agora é que tu ias mentir de todo... Cala-te. Não sei para que são estes mistérios:
cuidam que eu hei de ser sempre criança!" (Ato II, cena 1);
• nacionalista - "Meu pai, que é tão bom português, que não pode sofrer estes castelhanos, e que até, às vezes, dizem
que é de mais o que ele faz e o que ele fala..." (Ato I, cena 3); "0 meu nobre pai! [...] mostrai-
-Ihes quem sois e o que vale um português dos verdadeiros." (Ato I, cena 7);
• sebastianista - "el-rei D. Sebastião, que não morreu e que há de vir, um dia de névoa muito cerrada...
Que ele não morreu; não é assim, minha mãe?" (Ato I, cena 3).
Maria, uma personagem marcada pelo "pecado", porque fruto do amor proibido entre Madalena e Manuel
de Sousa Coutinho, é o símbolo do nacionalismo romântico (defesa da pátria, empolgamento face à atitude do pai de
incendiar o palácio - Ato ll, cena 1) e também do sebastianismo dos finais do século XVI e inícios do século XVII. Um
sebastianismo voltado para o passado, centrado num hipotético e mais que improvável regresso de D. Sebastião e que
integrará, para sempre, o imaginário e a personalidade nacionais. Maria é a única personagem que morre,
simbolizando a sua morte e bem ao jeito romântico:
• a impossibilidade de viver sem o amor (dos pais neste caso) e sem o sonho;
• o carácter irreconciliável entre o "eu" e a sociedade, de que as palavras finais "morro, morro... de vergonha" (Ato III,
cena 12) são paradigmáticas.

Telmo
Telmo, símbolo de Portugal do passado, é uma presença constante na ação dramática:
• escudeiro, amigo e confidente, por quem Madalena sente respeito e carinho, vendo nele um pai, uma
proteção;

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

• nutre por Maria uma afeição especial superior ao amor que tem por D. João - "É que o amor destoutra
filha, desta última filha, é maior, e venceu... venceu... apagou o outro... " (Ato III, cena 4);
• personagem sebastianista, que sempre duvidou da morte do amo - cf. palavras de D. Madalena:
"a que se apega esta vossa credulidade de sete... e hoje mais catorze... vinte e um anos?" (Ato I, cena 2);
• alimenta os remorsos de Madalena - "Não lhe digo nada que não possa, que não deva saber uma donzela
honesta e digna de melhor... de melhor [...] De nascer em melhor estado." (Ato l, cena 2) - e as fantasias de Maria -
"não vês que estás excitando com tudo isso a curiosidade daquela criança, aguçando-lhe o espírito [...]a imaginar, a
descobrir.. ."(Ato I, cena 2);
• o amor por Maria vence o seu antigo amor, desencadeando um verdadeiro conflito interior (cf. Ato III, cena 4): o
escudeiro quase renega o seu amo, D. João, para salvar a honra de Maria - "Senhor, senhor, não tenteis a fidelidade do
vosso servo! É que vós não sabeis... [...] Que há aqui um anjo... uma outra filha minha, senhor, que eu também criei..."
(Ato III, cena 5);
• comentador crítico do comportamento de D. Madalena, espécie de coro da tragédia grega (cf. Ato I, cena 2);
• considerando inicialmente Manuel de Sousa Coutinho como um intruso, Telmo passa a admirá-lo como patriota que
t u d o sacrificou - "Vosso pai, D. Maria, é um português às direitas [...] para dar um exemplo de liberdade, uma lição
tremenda a estes nossos tiranos.. " (Ato ll, cena 1);
• simboliza a presença constante do passado (e daí a sua dimensão sebastianista) que, ao regressar na figura de D.
João, também o aniquila;
• no fim, fica só e sem ninguém, sem a família à qual estava ligado por laços afetivos.

Manuel de Sousa Coutinho


Manuel caracteriza-se por ser:
• fidalgo, bom português, casado com D. Madalena e pai de Maria;
• cavaleiro de Malta;
• patriota - "Mas fique-se aprendendo em Portugal como um homem de honra e coração, por mais poderosa
que seja a tirania, sempre lhe pode resistir, em perdendo o amor a coisas tão vis e precárias como são esses haveres
que duas faíscas destroem num momento..." (Ato l, cena 11);
• homem íntegro e consciente das suas decisões - incêndio do palácio e tomada de hábito;
• insensível às inquietações e desassossego da esposa - "Ora tu não eras acostumada a ter caprichos! [...]
Em verdade nunca te vi assim; nunca pensei que tivesses a fraqueza de acreditar em agouros." (Ato I, cena 8).
Manuel de Sousa Coutinho é, talvez, a personagem que maior evolução/transformação sofre ao longo da peça. No
início, apresenta-se-nos como uma personagem racional, segura de si, corajosa, capaz de lutar pelos seus ideais; é
nas palavras de Telmo "guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português" [Ato I, cena 2).
No entanto, e a partir do momento em que vê o seu retrato devorado pelas chamas que ele próprio ateou (Ato l, cena
9), os pressentimentos de que algo poderá ensombrar o futuro começam a ganhar forma.
O destino de Manuel de Sousa Coutinho será idêntico ao do seu pai no sentido de que são eles próprios que
"provocam" o destino e atraem a fatalidade e a morte.
Este progressivo afastamento da racionalidade é também intuído por Frei Jorge, seu irmão, que afirma:
"Até meu irmão o desconheço1. A todos parece que o coração lhes adivinha desgraça!..." (Ato ll, cena 9).
O percurso descendente e doloroso de Manuel de Sousa Coutinho culmina com um grito de autocompaixão
- "Mas eu em que mereci ser feito o homem mais infeliz da terra" (Ato III, cena 1) - e com o assumir da sua
"morte" e da sua decisão inabalável: "Até ontem, a nossa desculpa, para com Deus e para com os homens, estava na
boa fé e seguridade de nossas consciências. Essa acabou. Para nós já não há senão estas mortalhas [...] e a sepultura
dum claustro" (Ato III, cena 8).
Manuel de Sousa Coutinho é também o símbolo da luta pela liberdade, da não subjugação à tirania (e daí a
sua atemporalidade) e de um certo nacionalismo e é através destes dois aspetos que ele se aproxima de Maria.
Após a catástrofe, a sua principal preocupação é a filha: "Oh, minha filha, minha filha! [...] Desgraçada filha, que ficas
órfã!... órfã de pai e de mãe... [...] e de família e de nome, que tudo perdeste hoje..." (Ato III, cena 1) e é o seu amor
paterno que o faz voltar-se para Deus e oferecer-lhe a sua dignidade em troca da saúde de Maria: "Peço-te vida, meu
Deus, [...] peço-te vida, vida, vida... para ela, vida para a minha filha!..." (Ato III, cena 1).

D. João de Portugal
D. João de Portugal:

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

i • primeiro marido de D. Madalena, que a amava ".. com que amor a amava eu..." (Ato III, cena 5);
• "espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons..." - de acordo com Telmo (Ato l, cena 2);
• "D. João de Portugal, um honrado fidalgo e um valente cavaleiro" - na perspetiva de Manuel de Sousa I
Coutinho (Ato II, cena 2);
• feito cativo em Alcácer Quibir e prisioneiro, em Jerusalém, durante vinte anos - cf. diálogo entre Madalena e o
Romeiro (Ato lI, cena 14);
• regressa ao fim de vinte e um anos de ausência, na figura do Romeiro.
D. João de Portugal é a "ausência mais presente" ao longo de todo o texto. É um fantasma, uma entidade
abstrata, apenas nomeada no Ato I, que só existe através das palavras de Telmo e de D. Madalena. Vai-se
progressivamente materializando no Ato II, primeiro pelo retrato e depois pela presença física (Ato II, cena13).
Esta personagem sofre, ao longo do texto, dois tipos de percurso: o primeiro, que se centra na sua concretização,
enquanto figura real, o segundo, que se relaciona com a sua humanização.
Com efeito, o primeiro contacto físico entre o espectador/leitor e D. João de Portugal revela-o como
uma espécie de anjo vingador, encarregado de castigar o "pecado" e de repor a "ordem". No entanto, a partir
da quinta cena do Ato III e ao saber, por Telmo, que D. Madalena o procurara, D. João humaniza-se, tenta
remediar a situação que (in)voluntariamente desencadeou - "vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor
[...] que tudo isto foi vil e grosseiro embuste de inimigos de... dos inimigos desse homem que ela ama... E que
sossegue, que seja feliz; Agora é preciso remediar o mal feito. Fui imprudente, fui injusto, fui duro e cruel. E para quê?
D. João de Portugal morreu no dia em que sua mulher disse que ele morrera" (Ato III, cena 5).
D. João de Portugal simboliza o Portugal do passado e, por isso mesmo, o seu carácter inviável, desmistificando o
sebastianismo passadista e fechado de Telmo e Maria.

Frei Jorge
Frei Jorge é irmão de Manuel de Sousa Coutinho:
• dominicano;
• personagem que impõe uma certa racionalidade, tentando manter o equilíbrio no seio da família angustiada e
desfeita - "Não é assim, meu irmão, não te cegues com a dor, não te faças mais infeliz do que és" (Ato III, cena 1);
. assume o papel de coro da tragédia clássica.

ATO I

7. O espaço no Ato I

A ação decorre predominantemente num espaço interior. Deparamo-nos com uma sucessão de três espaços que se
complementam, que acompanham o evoluir do conflito e que possuem em si elementos claramente premonitórios do
desenlace trágico.
No ato I, a ação produz-se num espaço interior, num palácio, numa câmara de habitação nobre, arejada e humanizada, uma
divisão luminosa que constitui o centro de uma vida familiar estável. É um espaço íntimo e familiar. Destaca-se um objeto de
considerável valor simbólico: um retrato de um cavaleiro da Ordem de Malta, Manuel de Sousa Coutinho que transmite a
serenidade da sua personalidade. A destruição do quadro constituirá, em primeiro lugar, um prenúncio da morte para o mundo
de Manuel de Sousa, um prenúncio da catástrofe final. Por outro, pode querer também significar que o homem é vítima do seu
fogo, da sua paixão, que o conduz inevitavelmente à destruição. Finalmente, também pode significar que é a ação do homem
que cria o seu destino, determinando o futuro.

Cena I
A peça inicia-se com D. Madalena, sozinha em cena, refletindo sobre a paixão funesta de D. Pedro e D. Inês de Castro
narrada no canto III de Os Lusíadas, obra predileta da personagem. D. Madalena escolhe o episódio de Inês de Castro porque se
compara a ela. Há semelhanças e diferenças entre ambas.
Esta cena divide-se em duas partes, além da introdução constituída pela postura de Madalena e recitação maquinal de
dois versos de Camões. A palavra que introduz a segunda parte é a conjunção adversativa “mas”, que estabelece uma relação de
oposição. O movimento emotivo da segunda parte contrasta com o da primeira parte.

A expressividade da linguagem, que traduz o seu estado de espírito, é conseguida através de:
- nomes abstratos;
- função emotiva da linguagem, predominante;
- pontuação (reticências);
5

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

- frases curtas e interrompidas;


- construção anafórica.
Características de drama romântico:
- valor dado ao indivíduo; apologia do individualismo (conflito entre a sociedade e o indivíduo, entre o código
moral e o desejo de ser feliz);
- linguagem emotiva;
- sentimentalismo de D. Madalena; valorização dos sentimentos;
- conflito emocional da personagem;
- referência a uma obra da nossa literatura nacional (Os Lusíadas).
Elementos da tragédia clássica presentes na cena:
- Hybris - Sentimento que conduz os heróis da tragédia à violação da ordem estabelecida através de uma ação
ou comportamento que se assume como um desafio aos poderes instituídos (leis dos deuses, leis da cidade, leis da
família, leis da natureza).
- Pathos - Sofrimento progressivo de D. Madalena, imposto pelo Destino (Anankê).
- Ágon - Conflito (a alma da tragédia) que decorre da hybris desencadeada pela protagonista e que se
manifesta na sua inquietação e perturbação interior.
- Anankê - É o Destino, entidade que se encontra acima dos próprios deuses e que determina a vida da
personagem.
- Catástrofe - Desenlace trágico, que deve ser indiciado desde o início, uma vez que resulta do conflito entre a
hybris (desafio da personagem) e a anankê (destino), conflito que se desenvolve num crescendo de sofrimento (pathos)
até ao clímax (ponto culminante).

A importância da presença d’ Os Lusíadas na primeira Cena


O dramaturgo teve o cuidado de abrir a peça com uma cena em que Madalena, sozinha, «como quem descaiu da
leitura na meditação», repete, «maquinalmente e devagar», dois versos do episódio de Inês de Castro, de Os Lusíadas.
«Naquele engano d'alma ledo e cego / Que a fortuna não deixa durar muito...»
O monólogo de Madalena evoca aspetos particularmente pertinentes: o caráter trágico do episódio determinado pelo
destino (fortuna), à boa maneira clássica; e a diferença que ela própria sente em relação a Inês. «Viveu-se, pode-se morrer.», diz
Madalena, só que o medo e os terrores que a perseguem (note-se a gradação crescente) não lhe permitiram ainda que vivesse,
levando-a, no final da cena, a desabafar: «...que desgraça a minha!»
Temos, pois, o primeiro indício de que a ação se encaminhará inevitavelmente para a catástrofe.
Por outro lado, o facto de Garrett ter colocado Madalena a ler Os Lusíadas propicia a segunda fala de Telmo (cena II),
que considera este livro «como não há outro, tirante o respeito devido ao da palavra de Deus».
A utilização de Os Lusíadas em Frei Luís de Sousa pode ser tudo menos surpreendente. Uma das formas que aqueles
que se opunham à governação filipina encontraram para alimentar o sebastianismo foi precisamente o fomento da leitura da
epopeia nacional.
Assim, aparentemente, Madalena surge em cena duplamente marcada pelo destino: todo o simbolismo do episódio de
Inês de Castro e o prenúncio de um sebastianismo que só lhe poderá ser adverso.

Cena II
Nesta cena, são caracterizadas as personagens principais:
Telmo caracteriza
- Madalena, acusando-a;
- Manuel de Sousa, admitindo as suas qualidades, mas com pouco apreço;
- Maria, elogiando-a e quase reclamando sobre ela o direito de pai;
- D. João de Portugal, elogiando-o e considerando-o superior a Manuel de Sousa;
Madalena caracteriza Telmo, criticando o seu ascendente sobre ela e sobre Maria; faz a sua autocaracterização,
sentindo-se vítima do Destino.
Telmo manifesta ideias reformistas ao condenar o uso do Latim na Bíblia (posição dos Protestantes).
Telmo alimenta o Sebastianismo, anunciando desgraças próximas profere contínuos agouros, uma função que seria
desempenhada pelo coro nas tragédias clássicas. Além disso, alimenta a presença do passado, um tempo que Madalena
quereria enterrar, mas não consegue ou não a deixam.
As dúvidas fatais sobre D. João de Portugal são alimentadas pelas palavras da carta, escrita por D. João na madrugada
da batalha de Alcácer Quibir, que Telmo leu, decorou e não se cansa de repetir. A tríplice repetição de “vivo ou morto” é
bem intencional e revela a total confiança no regresso de D. João de Portugal.
A ausência de Manuel de Sousa em Lisboa favorece a longa conversa entre as duas personagens.
A linguagem dramática é para ser representada; por isso, as variações de ritmo são constantes, traduzindo alterações
dos estados de alma ou dos sentimentos das personagens.
A repetição do número 7 – sete, catorze, vinte e um – confere ao tempo um caráter de mistério e fatalismo.

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

Madalena terá nesta altura (tempo presente da história) 38 anos: a batalha foi há 21 anos, tinha ela 17 anos; o
segundo casamento foi 7 anos depois, teria ela 24 anos; casaram há 14 anos, Maria tem 13 anos.

Madalena revela a sua tendência para o devaneio (delírio, divagação), de acordo com as características românticas e a
extrema sensibilidade da sua alma.

Cena III
Madalena tenta levar a filha a não acreditar nem nos fantasmas nem nas fantasias do povo.
Maria é a porta-voz da sabedoria popular.
Esboça-se um pequeno conflito entre Maria com a mãe e o pai, pois os dois não aceitam ouvir falar do regresso de D.
Sebastião. As razões são óbvias: se o rei não morreu, também não terá morrido D. João de Portugal, o segundo casamento de
Madalena seria nulo e, consequentemente, Maria, uma filha ilegítima.
Maria é tuberculosa – a doença por excelência dos românticos. Tal situação favorece ao longo da obra a sua
extraordinária fantasia e morte no final. Devidos aos seus múltiplos sintomas, a tuberculose não foi identificada como uma
única doença até à segunda década do século XIX.
Cena IV
A par da doença física, Maria tem a doença de sonhar, é dotada de uma prodigiosa imaginação. A mãe pretende desviar
a atenção de Maria, pedindo-lhe que fale das flores do jardim. As flores murcham facilmente, o que é um presságio da morte de
Maria.
Cena V
As personagens não surgem todas em cena em simultâneo, mas a pouco e pouco. Primeiro, Madalena; depois, Telmo;
em seguida, Maria; agora, Frei Jorge; mais tarde, Manuel de Sousa. Esta sucessão corresponde ao que se deveria passar no 1º
ato de uma tragédia, em que se apresentam as personagens e se mostra o conflito latente entre elas.
Cena VI
Salienta-se a agudeza de ouvido de Maria, facto que está relacionado com a sua doença e que é considerado um
“terrível sinal”.
Cena VII
A situação “noite fechada” está de acordo com o que vai acontecer, quer na família, quer no palácio; neste, permite um
final espetacular e simbólico. A saída do palácio de Manuel de Sousa parece, tal como a noite escura, não ter outra solução que
não seja a destruição e a morte.
O uso do Latim “mea culpa” e “peccavi” por Manuel de Sousa revela que se trata de uma personagem culta, o que está de
acordo com o seu estatuto social.
Face ao anúncio feito por Manuel de Sousa, Maria e Madalena reagem de forma diferente e oposta, o que é facilmente
explicável.

Reação de D. Madalena Reação de Maria


. entra em conflito com Manuel de Sousa; . sedenta de ação, acolhe a ideia da mudança, cheia de
. receia o passado e tem medo do futuro; entusiasmo;
. por motivos dolorosos, profere palavras que se . os governadores ilegítimos abandonam o povo à sua
revelarão proféticas. sorte;
. habitar o palácio de D. João de Portugal excita a sua
curiosidade e o seu patriotismo.
A linguagem é fortemente reticente, cheia de subentendidos, que os espetadores decifram facilmente.
A alternância de tratamento – D. Madalena: “senhora”/“tu” – explica-se deste modo:
- no 1º caso, realça a sua condição social;
- no 2º, a sua situação de esposa.

Cena VIII
1. Nesta cena, há um contraste entre as personagens de Manuel de Sousa e D. Madalena.

Manuel de Sousa D. Madalena


. linguagem serena, decidida; . linguagem titubeante, hesitante, emotiva;
. personagem forte, modelo de um herói clássico, . personagem obcecada pelo fantasma do passado,
dominado pela razão, que se orienta por valores agindo pelo coração, modelo da heroína romântica;
aceites como universais, como a honra, a lealdade, a
liberdade; . representa o individual;
. representa o universal; . simboliza o passado.
. simboliza o presente.

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

A afirmação de Manuel de Sousa de que os verdadeiros espetros são os nossos atos maus mostra que desconhece a
motivação profunda de Madalena para recusar mudar de palácio.
É feita uma caracterização de Manuel de Sousa, realçando-se o seu patriotismo que se expressa:
- em palavras: “Oh que gente, que fidalgos portugueses!”
- e em atos: . recusa hospedar os governadores;
. desafia-os ao destruir o seu palácio;
. despoja-se dos seus bens materiais;
. arrisca a vida.

Cenas IX, X e XI
Cenas rápidas. Desde a chegada de Manuel de Sousa, o ritmo, até então lento, tornou-se rápido, o que está de acordo com
o final espetacular do acto primeiro e com a peripécia (acontecimento imprevisto que modifica o rumo da ação e precipita o
desfecho).
Manuel de Sousa refere o acontecido com seu pai e põe a hipótese de lhe acontecer algo semelhante. Esta é uma
antecipação da desgraça futura (prolepse). Nesta cena, Manuel de Sousa refere-se à fatalidade que parece perseguir a sua
própria família, parecendo profetizar a sua própria destruição. Desafia também o Destino quando incendeia o seu palácio e
vai habitar para o palácio de D. João de Portugal.

Cena XII
Na impossibilidade de salvar o palácio, Madalena pede desesperadamente que lhe salvem o retrato de seu actual marido. O
leitor vê, neste pedido, mais uma antecipação do final trágico (prolepse).
O retrato é destruído pelas chamas tal como o retratado será destruído pelos acontecimentos. A destruição de retrato
constituirá um prenúncio da morte para o mundo de Manuel de Sousa.
A destruição do retrato pode também querer significar que o homem é vítima do seu fogo, da sua paixão, que o conduz
inevitavelmente à destruição. Finalmente, também pode significar que é a ação do homem que cria o destino, determinando o
futuro.

ATO II

ESPAÇO
No ato II, há uma mudança de espaço que tem algo de simbólico e fatal: ao regressar ao palácio do primeiro marido,
Madalena vai ao encontro do passado.
Ao calor, afeto e luminosidade do primeiro cenário, sucedem-se a frieza e a austeridade de um salão despido, pouco
confortável e escuro.
Também aqui um paralelo que reside nos retratos: figurações simbólicas de Camões, D. João de Portugal e D. Sebastião.
Este trio de retratos ocupa um espaço privilegiado, numa cumplicidade onde se misturam o idealismo, o patriotismo, a desgraça
e a fatalidade.
O palácio de D. João de Portugal revela-se um espaço opressivo, que faz avolumar o clima trágico. É um espaço de revelação
e de reencontro com o passado, contribui para o avolumar do pathos (sofrimento), que atinge o seu ponto culminante com o
reconhecimento do Romeiro.
O espaço sofre uma redução: deixa de nos interessar a casa de D. João de Portugal para se encher de sentido a seleção de
uma parte desse palácio – a sala dos retratos contígua à capela. Fecha a ação e as personagens num beco, sem outra saída que
não seja a da morte para o mundo, através da consagração a Deus.

Brasão dos duques de Cadaval

cena I
1. O incêndio do palácio provocou impressões diferentes em Maria, Madalena, e Telmo.

MARIA MADALENA Telmo


- fica fascinada; - fica doente, aterrorizada, cheia de pesadelos, - modifica a sua opinião sobre
- o incêndio alimenta a sua fértil sobrepondo o coração à razão; Manuel de Sousa, admirando
imaginação; - liga a destruição do retrato à perda do seu o seu patriotismo.
marido.

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

2. Há um paralelismo entre as cenas iniciais do Ato I e do Ato II.


Ato I – cenas iniciais Ato II – cena I

- Madalena lê Os Lusíadas de que se citam dois versos. - Maria cita Bernardim Ribeiro, escritor da época de
- estabelecem-se semelhanças e diferenças entre Camões, autor de uma novela sentimental trágica.
Madalena e Inês; - Maria recusa semelhanças com a heroína;
- Madalena recrimina os agouros da filha; - Maria recrimina os agouros da mãe;

Cena II
Manuel de Sousa volta a referir-se a D. João de Portugal, tal como fizera na cena VIII do ato primeiro: admira as suas
qualidades e não tem quaisquer ciúmes.
Maria não reconhece o pai pela voz, apenas quando o vê, porque se encontra obcecada pela imagem de D. João.
Maria mostra-se, uma vez mais, detentora de conhecimentos anormais para a sua idade.

Cena III
As palavras de Manuel de Sousa a propósito de parecer um frade podem ser interpretadas como novo indício da fatalidade:
o Destino irá servir-se delas.
Vêm sendo acentuadas diferentes relações familiares:
- Madalena sempre respeitou D. João, mas não o amou; amou e ama Manuel de Sousa;
- Maria não controla as suas emoções diante do retrato de D. João: admira-o pela sua coragem e liga-o ao seu rei,
mas ama os seus pais;
- Madalena estremece ao ouvir pronunciar o nome de D. João, porque tem um grave problema de consciência,
fulcro do drama;
- Manuel de Sousa deixou de apresentar um carácter hirto e seco, para se tornar meigo e afetivo com a filha.
Cena IV
A referência à tia Joana de Castro, condessa de Vimioso, é interpretada como mais um indício de desgraça: Manuel de
Sousa e Madalena serão obrigados a seguir o exemplo de D. Joana e seu marido, o Conde de Vimioso, que entraram,
respetivamente, para o Convento do Sacramento e para S. Domingos de Benfica.
Cena V
De novo o contraste psicológico entre Manuel de Sousa – homem decidido – e Madalena – mulher sentimental, cheia
de agouros, ligada ao passado, do qual não se liberta.
A saída de cena de quase todos, deixando Madalena em solidão, é outro indício de tragédia.

Cenas VI, VII, VIII e IX


A despedida preocupa Madalena.
- Em relação a Maria, o seu estado de saúde;
- em relação a Manuel de Sousa, não compreende a sua ida ao convento por lhe recordar um caso que a faz sofrer.
Uma vez mais, o leitor/espectador apercebe-se da fatalidade que paira sobre as personagens e que ameaça destruí-las.
Madalena está só no local onde se dará o encontro com o Romeiro – a sala dos retratos.
Cena X
As coincidências temporais são um indício de desgraça. Note-se a repetição do advérbio de tempo “hoje” nove vezes.
Madalena não é sincera quando sugere a morte de D. João.
Frei Jorge cumpre a função de confidente.
Cena XI

Nos dados fornecidos por Miranda acerca do Romeiro – peregrino de Espanha, de Roma, dos Lugares Santos – há uma
gradação destinada a produzir efeitos de expetativa em Madalena.
Cenas XII e XIII

Inicia-se, nesta última cena, o ponto mais alto da ação dramática (clímax), funciona como introdução. Será o
aparecimento do Romeiro a desequilibrar a harmonia familiar.
Cena XIV
É nesta cena que se atinge o clímax da acção dramática.
O Romeiro dá-se a conhecer gradualmente, de forma a adiar o clímax e fazer sofrer Madalena.
Verifica-se um desdobramento da personalidade do Romeiro, num “eu” e num “ele”.
Madalena recusa até ao máximo possível a verdade, pretendendo iludir-se.
Os espetadores/leitores depressa compreendem que o Romeiro é D. João. Madalena só no final da cena é que atinge o
reconhecimento - anagnórise (todavia, apenas de que está vivo D. João).

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

A perturbação de Madalena é acompanhada da alteração da sua linguagem: frases curtas, inacabadas, repetições, ritmo
acelerado.
Cena XV
Comparando esta cena com a última cena do ato primeiro, verifica-se que são ambas espetaculares e que o paralelismo
de construção é uma constante nesta obra.
O sentido da palavra “Ninguém”, mais tarde repetida na cena V do ato terceiro, é abrangente:
- D. João de Portugal não era esperado por nenhum dos seus familiares, estes organizaram a sua vida na base da
sua morte;
- A sua casa já não lhe pertence, está ocupada;
- A afirmação “Ninguém” pode ser interpretada como uma antecipação do desenlace desta personagem – o
anonimato.

ATO III
ESPAÇO
No ato III, encontramos um espaço marcadamente religioso, ainda mais austero, fechado, frio e noturno. A presença da
cruz, símbolo do sacrifício de Cristo aponta para o sacrifício de uma família e para a ideia cristã de remissão.
O fechamento do espaço acompanha o avolumar da tragédia, paulatinamente os elementos profanos vão sendo
substituídos pelos religiosos.
Alterou-se o espaço, o cenário e o tempo: casarão sombrio com ligação direta à capela; objetos litúrgicos com
destaque para a cruz negra;
alta noite.
O simbolismo é notável: o desenlace trágico, inelutável, a morte; a luz da esperança aliada ao raiar da alvorada.
O espaço vai sendo cada vez mais concentrado, pois, à medida que a ação dramática se desenrola, as personagens
foram mudando para espaços cada vez mais reduzidos e fechados, o que simboliza a proximidade cada vez maior da catástrofe
final. O afunilamento do espaço contribui para aumentar a tensão dramática, traduzindo-se no fechamento do espaço sobre as
personagens, que ficam como que enclausuradas.
Cena I
A primeira e grande preocupação de Manuel de Sousa é a ilegitimidade da filha. Não deixa de estar presente o caso
pessoal de Garrett.
Manuel de Sousa exagera e julga-se o autor de todo o mal: único responsável pelo mal causado a D. João; responsável
pela vergonha em que lançou o nome de sua família; responsável pela ilegitimidade e morte da sua filha; o mais infeliz de todos.
Manuel de Sousa prefere que a sua filha morra de tuberculose a morrer de vergonha.
Apenas sabem da verdadeira identidade do Romeiro Manuel de Sousa, Frei Jorge e o arcebispo – aqueles que mais
criam nele serão os últimos a saber.
Ao contrário da imagem apresentada no ato primeiro, Manuel de Sousa é agora um homem vencido, martirizado,
emotivo.

Cena lV
A cena 4 é um monólogo de Telmo e contém as marcas deste tipo de discurso: o fluxo da consciência realizado numa
linguagem emotiva, repetitiva, interrogativa, exclamativa e reticente.
Manuel de Sousa mostra-se «sobressaltado» quando Telmo aparece, porque este vigia a sua filha e pode suspeitar da
ilegitimidade.
Manuel de Sousa sente relutância em ver a sua filha - é o sentimento de culpa.
Telmo está também mudado: aterrado e confuso.
Antes, acreditava na sobrevivência de D. João de Portugal e comungava de um espírito sebastianista;
Agora, pressente que vai saber notícias daquele que esperava há tantos anos e treme. Entretanto, Maria ocupou o
lugar do outro no seu coração.
Criou D.João de Portugal e afeiçoou-se-lhe; criou Maria e afeiçoou-se-lhe. Aquele já é velho, esta é uma criança.
Tremendo conflito interior: tem de decidir-se por um deles e matar o outro. Qual? No meio deste agudo conflito, tenta uma
saída, pedindo a Deus que o leve em vez de Maria cuja morte prevê para breve. Segundo alguns intérpretes, é agora que Telmo
se torna uma personagem da tragédia.

Cena v
Dá-se o tão esperado encontro entre Telmo e o Romeiro. O reconhecimento (a anagnórise) foi também gradual e levou à
mesma pergunta de Frei Jorge na última cena do ato ll.
Como já se disse, Telmo desempenhava até agora o papel de confidente e de coro com os seus agouros. Agora, a presença
do Romeiro instala-o como verdadeira personagem em quem se desenrola um profundo conflito: toma consciência da sua
dolorosa fragmentação afetiva.

10

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)


lOMoARcPSD|17918344

É neste aspeto que Garrett é inovador. Nas tragédias clássicas, o Fado agia e o herói era o joguete nas suas mãos; em Frei
Luís de Sousa, assiste-se à fragmentação do eu. É dentro das personagens que o conflito se desenrola. Aqui está umas das
notáveis inovações.
D. João de Portugal é o símbolo da força trágica que se abate sobre as personagens reais.

Cenas VI, VII e VIII

As três cenas completam o primeiro quadro deste acto – um espaço pobre que contrasta com a condição social das
personagens – e abre as portas para o segundo quadro: a capela.
O Romeiro tem duas reacções contrastantes: primeiro, feliz; depois, desiludido e revoltado.
Madalena, sentimental, não fora capaz de identificar o Romeiro com D. João de Portugal. Agora, detentora da revelação,
tem dúvidas. Como no final do acto primeiro, estão frente a frente duas psicologias: Manuel, decidido, embora sofredor;
Madalena, confusa, afectiva, contrariada, segue a decisão que Manuel tomou pelos dois.

Cena IX

A cena IX é a preparação do desenlace: o som do órgão e o coro dos frades produzem uma intensa atmosfera de
dramatismo.

Cenas X, XI e XII
Estas cenas formam o segundo quadro: a ação passa-se na Igreja de S. Paulo – espaço apropriado para a profissão religiosa.
Ontem como hoje, ao entrar para a vida conventual, é norma a mudança de nome que, simbolicamente, sugere o
esquecimento (a morte) de tudo o que é mundano. É o que significa “despir o homem velho”. Manuel de Sousa muda o nome
para “Frei Luís (de Sousa)”.
O monólogo de Maria é a cena mais dramática da peça. Alienada, ela exprime de forma violenta:
- a revolta contra o mundo hipócrita em que os inocentes são castigados;
- a revolta contra Deus, que permite o que está a acontecer e a quem as pessoas obedecem;
- a revolta contra a sociedade, ali representada por todos os que participam no cerimonial e que nada fazem para o
impedir;
- a revolta contra a lei da indissolubilidade do casamento que gera situações dramáticas;
- a revolta contra a não-aceitação da ilegitimidade de filhos, vítimas de actos que lhes são alheios.
A peripécia de Maria é inesperada mas necessária para o desenrolar dos últimos fios da peça: o último reconhecimento
(anagnórise), que provoca a catástrofe.
As personagens estão frente a frente: de um lado, a família (há autores que consideram a família a personagem principal da
peça) – pai, mãe e filha; do outro, D. João de Portugal e Telmo, o amigo, mas também a testemunha acusatória do pecado de
Madalena. São dois mundos incompatíveis.
• D. João de Portugal e Telmo regressam ao rio do esquecimento; Manuel de Sousa torna-se Frei Luís e escritor e
Madalena professa também; Maria morre, vai para o céu, não era digna deste mundo.

11

Descarregado por Aluno Maria Adelina de Jesus Carreira (a15009@escolasmoimenta.pt)

Você também pode gostar