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Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett – Aspectos Fundamentais

Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett - Notas


O estudo de uma obra literária obedece, em primeira instância, à observação da estrutura externa e
interna. Ao falarmos de estrutura externa, referimo-nos à divisão por capítulos, actos; enquanto ao nível da
estrutura interna estamos a pensar no desenvolvimento da acção e de todos os aspectos com ela
relacionados.

Estrutura externa Estrutura Interna


Exposição Conflito Desenlace
Intenção dos governadores
O passado das personagens. Incêndio do palácio.
de se mudarem para a casa
Acto I de Manuel de Sousa
Coutinho e decisão deste de
(12 cenas) incendiar o palácio.
Cenas I a IV Cenas IX a XII
Cenas V a VIII
Ida de Manuel de Sousa
Chegada de D. João de Portugal,
O que se passou depois do Coutinho a Lisboa, deixando
Acto II na figura do Romeiro.
incêndio. D. Madalena sozinha
(apenas com Frei Jorge).
(15 cenas)
Cenas IX a XV
Cenas I a III Cenas IV a VIII

Acto III Preparação do desenlace.


A solução escolhida. Desenlace.
(12 cenas) Cenas II a IX
Cenas I a IV Cenas X a XII

1. ESPAÇO

1.1 ESPAÇO FÍSICO

Espaço Descrição Sucinta


Palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Elegante, luxuoso, com largas janelas
ACTO I
Almada. abertas sobre o Tejo.
Palácio de D. João de Portugal, em Almada. Antigo, melancólico, escuro. Sala dos
ACTO II
retratos.
Parte baixa do Palácio de D. João de Espaço interior, austero e sem
ACTO III Portugal, com ligação à capela da Senhora da ornamentos. Artefactos religiosos.
Piedade.

Conclusão: os diferentes espaços em que a acção da peça decorre vão diminuindo gradativamente,
anunciando, assim, o desenlace trágico.

1.2 ESPAÇO SOCIAL

Segundo alguns críticos literários há uma aproximação entre o drama narrado e a vida do autor, uma
vez que também ele tivera uma filha ilegítima. Haveria assim uma vontade intencional de criticar a sociedade
da época deste escritor que, à semelhança da do século XVII, continuava carregada de preconceitos em

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relação aos filhos nascidos fora do casamento que estavam condenados a uma discriminação social, cujo
sofrimento seria indescritível, condenando-os a uma vergonha desmedida.

2. TEMPO

2.1 TEMPO HISTÓRICO

A acção de Frei Luís de Sousa, não só a representada como os seus antecedentes, situa-se no
final do século XVI e início do século XVII.

2.2 TEMPO DA ACÇÃO/TEMPO SIMBÓLICO

DATA DIA DA SEMANA Momento do dia


ACTO I 28 de Julho de 1599 Sexta-feira Fim da tarde
ACTO II 4 de Agosto de 1599 Sexta-feira Tarde
ACTO III 4 de Agosto de 1599 Sexta-feira Madrugada

Em Frei Luís de Sousa, o tempo dos principais momentos da acção sugerem o dia aziago: sexta-feira,
fim da tarde e noite (Acto I), sexta-feira, alta noite (Acto III); foi a uma sexta-feira que D. Madalena casou
pela primeira vez; à sexta-feira, viu Manuel pela primeira vez; à sexta-feira dá-se o regresso de D. João de
Portugal; à sexta-feira morreu D. Sebastião, vinte e um anos atrás.
A numerologia parece ter sido escolhida intencionalmente. Madalena casou sete anos depois de D. João ter
desaparecido na batalha de Alcácer Quibir, há catorze que vive com Manuel de Sousa Coutinho; a desgraça,
com o aparecimento do romeiro, sucede vinte e um anos depois da batalha.

3. AS PERSONAGENS

3.1 Manuel de Sousa Coutinho


 Fidalgo português, casado com D. Madalena e pai de Maria.
 Cavaleiro de Malta.
 Personagem viril, um patriota exemplar, homem de coragem e bravura – Telmo define-o como ”um
português às direitas.”
 Insensível às inquietações e desassossego da esposa.
 Homem íntegro e consciente das suas decisões.
 Personagem que maior transformação sofre ao longo da peça.

3.2 D. João de Portugal


 Primeiro marido de D. Madalena.
 Fidalgo honrado, ilustre e valente.
 Feito cativo em Alcácer Quibir e prisioneiro durante vinte anos.
 Regressa vinte anos depois, sob o disfarce de Romeiro, sedento de vingança pela dor vivida na
ausência da sua amada que o abandonou.
 É uma presença constante ao longo da obra, primeiro como se de um fantasma se tratasse, depois
humaniza-se aparecendo inicialmente como um anjo vingador, para depois querer remediar o mal
causado salvando a família da sua amada.
 Representa o Portugal de outrora e a desmistificação do sebastianismo.

3.3 Frei Jorge

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 Irmão de Manuel de Sousa Coutinho.


 Personagem que impõe um certo equilíbrio e racionalidade no seio da família ao longo de toda a
obra.

3.4 Telmo
 Personagem de incontornável importância ao longo da obra.
 Escudeiro, amigo e confidente de D. Madalena que vê nele um pai, um símbolo de protecção.
 Alimenta os receios de D. Madalena e as fantasias de Maria por quem sente um afecto imenso.
 Personagem sebastianista, simboliza o passado, mostrando permanentemente uma desconfiança
pela morte do seu amo.
 Assume a função do coro na tragédia grega ao comentar criticamente o comportamento de D.
Madalena.
 Não é uma personagem estática uma vez que a sua perspectiva pessoal se vai modelando em
função dos acontecimentos (muda de atitude em relação a Manuel de Sousa Coutinho passando a
admirá-lo.

3.5 D. Madalena
 Casada pela primeira vez com D. João de Portugal, a quem respeita como um pai, casa, pela segunda
vez, com D. Manuel de Sousa Coutinho a quem ama perdidamente, após o desaparecimento do seu
primeiro Marido na Batalha de Alcácer Quibir.
 Vive aterrorizada, dilacerada pelo remorso de ter começado a amar o segundo marido ainda casada
com o primeiro receando o seu regresso, uma vez que a morte deste nunca fora confirmada.
 Vive permanentemente dominada pelas emoções que a inibem de ser feliz.
 Dotada de grande humanidade enquanto mulher e mãe.
 Pressente o seu destino, mostra-se receptiva aos agouros e outros sinais.

3.6 Maria
 Filha de D. Madalena e D. Manuel de Sousa Coutinho.
 Personagem jovem, mas com grande maturidade psicológica.
 Marcada pela presença constante da Morte: doença, crença em agouros e profecias, adesão ao mito
Sebastianista.

NOTA:
Nesta obra, torna-se difícil a definição da personagem principal, uma vez que a
totalidade das personagens que evoluem em cena, à excepção de Frei Jorge, está
votada à ruína, à perda, à morte, ao esquecimento, à divisão, não se podendo afirmar
com razão qual delas é a mais desafortunada e olvidada pelo destino.

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4. Tragédia? Drama?

Almeida Garrett, no seu texto de apresentação da obra Frei Luís de Sousa, não escondeu a sua
intenção de afirmar o carácter inovador (drama romântico) da sua peça, embora reconheça as influências do
mais nobre dos géneros (tragédia clássica). Assim, é importante um olhar atento às principais características
de cada um destes subgéneros literários de modo a que se possa encetar uma reflexão mais profunda nesta
área.

Tragédia Clássica Drama Romântico


 É escrita em verso.  É escrita em prosa.
 Tem 5 actos.  Tem apenas 3 actos.
 Obedece à lei das unidades: unidade de tom  Mistura de tons: sublime e grotesco; ausência de
(sublime e elevado); unidade de acção, tempo e unidade, excepto, normalmente, a da acção).
espaço.
 Personagens em número reduzido e de classe  Grande número de personagens, por vezes
elevada; presença de Coro. multidões; mistura de classes sociais diferentes;
ausência de Coro.
 Visa a Purificação das Paixões (a cartase).  Tem carácter historicista.
 Apresenta marcas de realismo (linguagem, cor
local).
 Celebra o individualismo e o sentimento; o herói é
romântico, desequilibrado, em ruptura com a
sociedade.

4.1 Marcas da Tragédia Clássica em Frei Luís de Sousa

Acção trágica Frei Luís de Sousa


O aparecimento de D. João muda subitamente a situação transformando em
Peripéteia (peripécia, alteração)
ilegítimos o casamento de Madalena e Manuel e a filha deles.
O reconhecimento do Romeiro como D. João de Portugal, que tem lugar em
Anagnorisis (conhecimento)
diferentes momentos pelas diferentes personagens.
Madalena desafia o destino ao amar Manuel de Sousa quando ainda estava casada
Hybris (desafio) com D. João de Portugal. Manuel desafia os deuses quando desobedece aos
governadores e incendeia o seu palácio.
O sofrimento atinge todas as personagens pelas suas incertezas (Madalena), pelo
sentimento de culpa (Madalena e Manuel Sousa), pela divisão interior (Telmo),
Pathos (sofrimento)
pela doença e pela vergonha de sua ilegitimidade (Maria), pelo esquecimento a
que foi votado (D. João).
A tensão emocional aumenta progressivamente dentro de cada uma das cenas; na
Clímax
globalidade, atinge-se o ponto máximo no final do Acto II.
Maria morre; Manuel e Madalena separam-se e morrem para o mundo ao
Katastrophé (catástofre)
professarem.

4.2 Marcas do Drama Romântico em Frei Luís de Sousa:

 Relação entre a problemática política e os problemas individuais.


 Tratamento literário de uma época da história de Portugal (acção situada no século XVII).
 Valorização da identidade nacional.
 Confronto permanente entre o indivíduo e a sociedade.
 Referência constante ao cristianismo… (vide páginas 189 e 190 do manual).

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