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Escola Secundária de Camões

FREI LUÍS DE SOUSA de Almeida Garrett

A representação da peça foi precedida da sua leitura feita pelo próprio autor em 6 de Maio de 1843, no Conservatório Real de
Lisboa, perante um auditório muito exigente.
A 1ª representação foi feita num teatro particular na Quinta do Pinheiro em 4 de Julho de 1843, por oito atores. Por impossibilidade
de um ator, o próprio Garrett fez o papel de Telmo. A censura terá cortado certas partes, sendo o texto integral representado
apenas em 1850 no Teatro Nacional D. Maria II, num momento em que já não havia censura.

Tem-se escrito que este drama é a projeção poética da sua própria vida. Não se devendo confundir a obra e o autor, não deixa
de ser curioso mostrar as coincidências entre ambos.

Garrett Frei Luís de Sousa


Casamento com Luísa Cândida Midosi, sem Casamento de Madalena com D. João de Portugal.
descendência.
Separado de Luísa Midosi, passa a viver com Casamento de D. Madalena com Manuel de Sousa Coutinho – o seu
Adelaide Pastor Deville – o seu grande amor. grande amor.
Da sua ligação com Adelaide, nasce a única filha: Do casamento com Manuel de Sousa Coutinho, nasce a única filha: Maria
Maria Adelaide, por quem sente grande desvelo. de Noronha (segundo a história, chamava-se Ana de Noronha).
O problema da legitimidade de Maria Adelaide D. Madalena vive atormentada pelo mesmo problema.
atormenta Garrett.
Adelaide Pastor morre tuberculosa. Maria de Noronha é tuberculosa.

Elementos essenciais da ação dramática

Ação

Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir. Com ele parte
D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também, desencadeando toda a ação dramática em Frei Luís de Sousa.
Todos estes acontecimentos decorrem sob domínio Filipino.
Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante sete anos mas em vão. Casa então com
D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 13 anos. D. Madalena vive uma vida infeliz, cheia de angústia e
de intranquilidade, no receio de que o seu primeiro marido esteja vivo e acabe por voltar. Tal facto acarretaria para Madalena uma
situação de bigamia e a ilegitimidade de Maria, sua filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mãe que será o
seu.
Efetivamente D. João de Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a ação.

Estrutura externa e interna

Estrutura Interna Estrutura externa


Ato I -Cenas I a IV Informações sobre o passado das personagens.
EXPOSIÇÃO Antecedentes da ação.

CONFLITO - PROGRESSÃO Ato I - Cenas V a XII Intenção e incêndio do palácio de Manuel


DRAMÁTICA
Ato II Mudança de espaço
Preparação da ação: ida de Manuel de Sousa Coutinho a
Lisboa.
Ação: chegada do romeiro. Cena do reconhecimento

Ato III – Cenas I a IX Reação de Manuel


Viragem psicológica de Telmo; reconhecimento por parte de
Telmo
DESENLACE/ CATÁSTROFE Ato III – Cenas X a XII Cerimónia
Indignação de Maria
Morte
Personagens

D. Madalena de Vilhena

• Nobre: família e sangue dos Vilhenas.


• Sentimental: deixa-se arrastar pelos sentimentos muito mais do que pela razão.
• Pecadora.
• Torturada pelo remorso do passado: não chega a viver o presente por impossibilidade de abandonar o passado.
• Redimida pela purificação no convento: saída romântica para solução de conflitos.
• Modelo da mulher romântica: para os românticos, a mulher ou é anjo ou é diabo.
• Personagem modelada: profundidade psicológica evidente; capacidade de gerir conflitos (I,7).
• Marcada pelo destino: amor fatal.
• Apesar de ser uma heroína romântica, D. Madalena não luta por nenhuma ordem de valores superiores, nem por nenhum
idealismo generoso, pois nela não se evidencia de forma particular a luta por qualquer ideal.
• O que nela transparece acima de tudo é a sua natureza feminina, o seu amor de mulher a que prioritariamente se entrega,
pois há nela um conceito ou um desejo de felicidade que assenta numa vida objetiva, concreta à dimensão humana.
• De qualquer modo, D. Madalena é uma personagem que se impõe à compreensão, à estima e à simpatia do leitor, talvez
pela espontaneidade com que vive a sua vida sentimental e moral. Embora procure no segundo casamento uma proteção
para a sua instabilidade, mantém sempre uma integridade moral em relação à sua própria condição e até uma dignidade
de classe que naturalmente a impõe.
• Marcas psicológicas: angústia, remorso, inquietação, insegurança, amor, medo e horror à solidão e é uma personagem
tendencialmente modelada porque apresenta bastante densidade psicológica.

Manuel de Sousa Coutinho

• Nobre: cavaleiro de Malta (só os nobres é que ingressavam nessa ordem religiosa) (I,2 e 4)
• Racional: deixa-se conduzir pela razão no que contrasta com a sua mulher
• Bom marido e pai terno (I,4; II,7)
• Corajoso, audaz e decidido (I,7, 8, 9, 10, 11, 12; III, 8)
• Marcado pelo destino (I, 11; II, 3 e 8)
• Encarna o mito romântico do escritor: refúgio no convento, que lhe proporciona o isolamento necessário à escrita.
• Até à vinda do romeiro, representa o herói clássico racional, equilibrado e sereno. A razão domina os sentimentos pela
ação da vontade.
• Tem como ideal de vida o culto pela honra, pelo dever, pela nobreza de ações (daí o seu nacionalismo e o incêndio do
palácio).
• Porém, no início do ato III, após o aparecimento do romeiro, Manuel de Sousa perde a serenidade e o equilíbrio clássico
que sempre teve e adquire características românticas. A razão deixa de lhe disciplinar os seus sentimentos, e estes
manifestam-se com descontrolada violência. Exemplos:
o Revela sentimentos contraditórios (deseja simultaneamente a morte e a vida da filha).
o Utiliza um vocabulário trágico e repetitivo, próprio do código romântico (“desgraça”, “vergonha”, “escárnio”,
“desonra”, “sepultura”, “infâmia”, etc.).
o Opta por atitudes extremas (a ida para o convento) como solução para uma situação socialmente condenável.
o Ao optar por esta atitude, encarna o mito do escritor romântico, como um ser de exceção, que se refugia na
solidão para se dedicar à escrita.
• Embora esteja ausente, de uma forma expressa, de todo o mito sebastianista que atravessa o drama, Manuel de Sousa
insere-se nele pela defesa dos valores nacionalistas.

D. João de Portugal:

• Nobre: família dos Vimiosos (I,2).


• Cavaleiro: combate com o seu rei em Alcácer Quibir (II,2).
• Ama a pátria e o seu Rei.
• Representante da época de oiro portuguesa.
• Imagem da Pátria cativa.
• Ligado à lenda de D. Sebastião (I,2).
• D. João é uma personagem dupla. Por um lado, é uma personagem abstrata porque só por si não participa no conflito.
Por outro, é uma personagem concreta, porque mesmo ausente ele é a força desencadeadora de toda a energia dramática
da peça, permanecendo permanentemente em cena através das outras personagens (através das evocações de Madalena,
das convicções de Telmo, do Sebastianismo de Maria, das crenças, dos agouros e dos sinais).
• Porém, uma vez que a sua figura se concretiza em cena (a partir do fim do II ato, é como se toda a sua força simbólica
se esgotasse pois que a personagem carece de força e de convicção para poder existir. De tal modo é assim que no final
da peça ninguém se compadece dele como marido ultrajado, mas das outras personagens trágicas.
• D. João é assim uma personagem simbólica que movimenta todas as outras personagens. Simboliza a fatalidade, a força
do Destino que atua inexoravelmente sobre as outras personagens, levando a ação a um desfecho trágico.
D. Maria de Noronha

• Nobre: sangue dos Vilhenas e dos Sousas (I,2).


• Precocemente desenvolvida, física e psicologicamente (I,2, 3 e 6).
• Doente: tuberculose, a doença dos românticos.
• Culto de Camões: evoca constantemente o passado (II,1).
• Culto de D. Sebastião: martiriza a mãe involuntariamente (II,1).
• Poderosa intuição e dotada do dom da profecia (I,4; II,3; III,12).
• Marcada pelo Destino: a fatalidade atinge-a e destrói-a (III,12)
• Modelo da mulher romântica: a mulher-anjo bom.
• A ameaça que percorre o texto é-lhe essencialmente dirigida, razão pela qual se torna vítima inocente e
consequentemente heroína. Quer atuando, quer através das falas das outras personagens, Maria está sempre em cena,
tornando-se assim o núcleo de construção de toda a peça.
• Maria não nos aparece nunca como uma personagem real pois a sua figura é altamente idealizada. Como consequência
dessa idealização, Maria não tem uma dimensão psicológica real, porque é simultaneamente criança e adulto, não se
impondo com nenhum destes estatutos.
• Maria apresenta algumas marcas de personalidade romântica:
o É intuitiva e sentimental.
o É idealista e fantasiosa, acreditando em crenças, sonhos, profecias, agoiros, etc.
o Tem capacidade de desafiar as convenções pois ama a aventura e a glória.
o Tem o culto do nacionalismo, do patriotismo e do Sebastianismo.
o Apresenta uma fragilidade física em contraste com uma intensa força interior (é destemida).
o Morre como vítima inocente.

Telmo Pais

• Não nobre: escudeiro.


• Ligado sempre à nobreza.
• Confidente de D. Madalena.
• Elo de ligação das famílias.
• Chama viva do passado: alimenta os terrores de D. Madalena.
• Desempenha três funções do coro das tragédias clássicas: diálogo, comentário e profecia.
• Ligado à lenda romântica sobre Camões.
• Telmo tem como que uma dupla personalidade (uma personalidade convencional e outra autêntica). A personalidade
convencional é a imagem com que Telmo se construiu para os outros, através dos tempos (a do escudeiro fiel). A
personalidade autêntica é a sua parte secreta, aquela que ele próprio não conhecia, e que veio à superfície num momento
trágico da revelação em que Telmo teve que decidir entre a fidelidade a D. João de Portugal ou a fidelidade a Maria.
• Telmo vive assim um drama inconciliável entre o passado a que quer ser fiel e o presente marcado pelo seu amor a Maria.
É este drama da unidade/fragmentação do “eu”, ou seja, este espetáculo da própria mudança feito em cena que é uma
novidade e uma nota de modernidade no teatro de Garrett.
• Claro que esta autorrevelação é provocada por um acontecimento externo que é o Destino, sem a atuação do qual esta
revelação não se teria dado.

Frei Jorge
• Irmão de Manuel de Sousa.
• Amigo da família.
• É confidente e conselheiro e à semelhança do coro clássico, faz comentários aos factos.
• Pressente o desenlace trágico, contribuindo assim para que os acontecimentos sejam suavizados por uma perspetiva
cristã.
Espaço Físico
Ato I - Palácio de Manuel de Sousa Coutinho em Almada: moderno, luxuoso, aberto para o exterior, duas grandes janelas de
onde se avista o Tejo e Lisboa; retrato de Manuel de S. Coutinho vestido com o hábito da Ordem de Malta.
Simbologia: paz e aparente harmonia na família. Mas com o incêndio e com a destruição do retrato de Manuel há já um
prenúncio da catástrofe final.

Ato II - Palácio de D. João de Portugal: salão antigo, de gosto melancólico e


pesado; reposteiros que impedem a vista para o exterior e a entrada de luz;
comunica com a capela da Sª da Piedade.
Simbologia: pela ausência de luz, pressagiadora da catástrofe final e pelos
retratos que são, não só nacionalistas, como também evocam um passado
ameaçador que inviabiliza o presente e o futuro. O retrato de D. João funciona
como anunciador de uma fatalidade iminente: Maria e D. Madalena fitam-no
uma como que fascinada, outra aterrorizada e no final deste ato torna-se o
meio de reconhecimento do Romeiro.

Ato III - Parte baixa do palácio de D. João


de Portugal. O espaço perde abertura e luz
e ganha frieza e escuridão, tornando-se
mais restrito e austero (“é um casarão
vasto sem ornato algum”); decorado com
símbolos de morte (esquife) e de dor
(cruz), ornamentos característicos da
Semana Santa; existência de um hábito
religioso. Comunica com a capela.
Simbologia: este espaço denuncia o fim
das preocupações materiais. A presença
de elementos próprios da religião cristã
como, por exemplo a cruz de Cristo
indicadora de sofrimento e martírio; a
referência à Semana Santa (morte e
ressurreição),simbolizando a ressurreição
para uma nova vida, mas esta espiritual e
a presença de uma toalha como para
limpar os pecados.

Capela

Símbolo da morte e da impossibilidade de


superação, já que é a única saída para
uma família católica que assume as suas
convicções religiosas e sociais de forma
clara e rígida. É a renúncia ao mundo da
luz.

Podemos concluir que o afunilamento gradual do espaço em Frei Luís de Sousa anda a par com o avolumar da tragédia.

Há um afunilamento quer a nível de luz, decoração ou amplitude. Ou seja, vai evoluindo no sentido da ação: vão surgindo
acontecimentos que afetam a vida normal familiar e que culmina com a morte de Maria. Caminha-se de objetos confortáveis para
objetos que são alusões cada vez mais nítidas à catástrofe. Do profano ao religioso/ da vida à morte.
O Espaço Psicológico

O espaço psicológico é aquele que surge como tradutor dos sentimentos e pensamentos das personagens. Através do diálogo,
apercebemo-nos destes fatores, mas ele aparece mais nitidamente em situações definidas. Na obra, o espaço psicológico é
constituído fundamentalmente através dos monólogos e dos sonhos.
• os monólogos - são de reter o monólogo inicial de D. Madalena, quando reflete sobre a sua própria vida, motivada pela
leitura do episódio de Inês de Castro, inserido na obra Os Lusíadas (cena I doa ato I); o monólogo de Manuel de Sousa
Coutinho, no momento em que decide incendiar a sua própria casa, pondo a hipótese de que, tal como seu pai, poderia
sofrer as consequências da sua decisão (final do primeiro ato, cena XI) e o monólogo de Telmo, que espelha o conflito
que domina a sua alma, aquando do reaparecimento de D. João, hesitando entre a fidelidade que lhe deve e o amor a
Maria (terceiro ato, cena IV). No segundo ato (cena IX), o monólogo de Frei Jorge, anunciando a perturbação que lhe
causa o estado em que vê a família do irmão, exprime os seus sentimentos, mas funciona igualmente como indício trágico
(Frei Jorge constata consigo mesmo: "A todos parece que o coração lhes adivinha desgraça..."). No terceiro ato (cena
IX), o monólogo de D. Madalena, abraçada à cruz, lamentando junto do Senhor a sua desgraça, revela, por um lado, o
papel da religião como um consolo e, por outro, o próprio inconformismo da personagem, que luta até ao fim para
preservar uma réstia da sua felicidade antiga.
• os sonhos - os sonhos de Maria, para além de funcionarem como forma de caracterização da personagem, realçando a
sua tendência para a quimera e a sua crença nalgumas superstições populares, anunciam o seu receio semiconsciente de
que a fatalidade destrua a sua família.

Espaço Social

Existem várias indicações que contribuem para a integração das personagens numa classe social elevada - a nobreza: D. Madalena
tem o epíteto dona, que só se dava no século XVII às senhoras da aristocracia (D. Madalena de Vilhena, lembrai-vos de quem sois
e de quem vindes, senhora); Manuel de Sousa Coutinho é cavaleiro de Malta, uma ordem religiosa unicamente para nobres; D.
João de Portugal pertence à família de Vimioso e Maria, a dona bela, tem sangue dos Vilhenas e dos Sousas.
O espaço social é também delimitado pela crítica que o autor dirige à opressão social causada pelo domínio filipino e ao preconceito
que recai sobre a ilegitimidade (problema que afetou a própria filha de Garrett).

Tempo

Tempo histórico – conjunto de referências a acontecimentos reais que conferem cor epocal ao texto e que permitem a sua
inserção numa determinada época.
Levantamento de referências históricas presentes no texto a partir da referência a:
• Batalha de Alcácer Quibir, 4 de Agosto de 1578 (fala de D. Madalena, cena I).
• Reforma”… o homem é herege, desta seita nova de Alem
• anha ou de Inglaterra” – meados do séc. XVI (fala de Telmo, Ato I, cena II).
• “… os governadores de Portugal por D. Filipe de Castela, que deus guarde…”(fala de Frei Jorge, Ato I, cena II)- Filipe II
de Espanha, I de Portugal, aclamado rei em 1580.
• Didascália inicial “Câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância portuguesa dos princípios do séc. XVII”.
(A ação reporta-se ao final do século XVI, embora a descrição do cenário do Ato I se refira à "elegância" portuguesa dos
princípios do século XVII).

Tempo representado - tempo que medeia o início e o fim da ação representada .


• 2ª fala de Maria, Ato II, cena I – “... Há oito dias que aqui estamos nesta casa” – Atos I e II separados por oito dias.
• 13ª e 14ª falas de Frei Jorge, Ato III, cena I – “… mas isto ainda é cedo”, “ Quatro, quatro e meia (…) São cinco horas,
pelo alvor da manhã” – entre os Atos II e III apenas decorrem algumas horas.
(Sendo assim o tempo representado é de oito dias).

Tempo da diegese dramática – tempo global referido no texto dramático..


Este tempo será definido a partir da Batalha de Alcácer Quibir ( 4 de agosto de 1578), referida por Madalena na cena X do Ato II.:
• “ D. João ficou naquela batalha… como durante sete anos… o fiz procurar” (1578+7 =1585).
• “…a que se apega esta vossa credulidade de sete … e hoje mais catorze … vinte e um anos” (1585 + 14 = 1599).
• “ Vivemos seguros, em paz e felizes … há catorze anos”
Referência de Telmo a Maria : “ Então! Tem treze anos feitos, é quase uma senhora” e as palavras do Romeiro “… porque jurei…
quando me libertaram … vivi lá vinte e um anos”
O tempo da diegese dramática é de cerca de vinte e um anos.
Nota: Há ainda referências anteriores a estes vinte e um anos, pois sabemos que Madalena se casara com D. João pouco antes
da batalha e que se apaixonara por Manuel já casada: “… porque eu amei-o assim que o vi… e quando o vi, hoje, hoje … foi em
tal dia como hoje! – D. João de Portugal ainda era vivo!”.

Conclusão: não há respeito pela unidade de tempo da tragédia clássica, mas verifica-se uma concentração temporal progressiva
que constitui um dos elementos fundamentais para a criação da tensão dramática.

21 anos > 14 anos > 7 anos > 8 dias > 1 dia > 5 horas da madrugada
Há um afunilamento temporal que reduz as hipóteses de saída para as personagens que ficam presas numa espécie
de rede da qual a única fuga possível é a morte.
Tempo da ação Tempo simbólico
Ato I • Visão de Manuel de Sousa Coutinho pela primeira vez, à sexta-feira

28/07/1599 • Alcácer-Quibir
04/08/1578
Sexta-feira Sexta-feira

Fim da tarde • Casamento com Manuel de Sousa Coutinho: 7 anos depois da batalha
Sexta-feira
Noite
Ato II • Regresso de D. João de Portugal no 21º aniversário da batalha
04/08/1599
04/08/1599 Sexta-feira

Sexta-feira
Sexta – feira – dia considerado aziago e fatal para Madalena: “ … ai que é
Tarde sexta- feira” (Ato II, cena V) e “É um dia fatal para mim” (Ato II, cena X).
Ato III Ambiente crepuscular e/ou noturno, caracteristicamente romântico: “ É no
fim da tarde” ( locus horrendus dos românticos) – símbolo da morte que se
04/08/1599 abaterá sobre a família.
A referência ao número 7: 7 anos de procura de D. João; 14 anos de
Sexta-feira casamento com D. Manuel ( 7+7); 21 anos desde o desaparecimento de D.
João ( 3x7) – o número 7 simboliza a totalidade: 7 dias da criação do mundo, 7
Alta noite são os pecados mortais e as virtudes que se lhe opõem, 7 são os dias da
semana, 7 as cores do arco-íris…

Marcas clássicas na obra

• Existência de um número reduzido de personagens;


• Vislumbre do coro da tragédia clássica em Frei Jorge e Telmo Pais, o coro atua como um travão ao ímpeto
libertário do individuo, aconselhando a moderação, o comedimento.;
• Reduzido número de espaços;
• Ação sintética (número reduzido de ações);
• Existência de presságios (elementos, situações ou ditos das personagens que vão aumentando a tragédia): fogo
(destrói a família e destrói o retrato), leituras (Os Lusíadas e Menina e Moça);
• As personagens agem sobre um fatalismo que as empurra para a desgraça;
• Presença de elementos da tragédia clássica como:

Hybris (desafio): Presente essencialmente no casamento de D. Madalena com Manuel de Sousa Coutinho, sem a confirmação
da morte do seu primeiro marido, e no incêndio do palácio do Manuel de Sousa Coutinho pelo próprio.

Anaké (destino): responsável pela ausência e cativeiro de D. João de Portugal durante vinte e um anos e pela mudança da
família de Manuel de Sousa Coutinho para o palácio de D. João de Portugal.

Peripetia (peripécia): Mudança de situações, por exemplo: o incêndio de Palácio de Manuel de Sousa, originando a mudança
para o Paço que fora de D. João de Portugal, assume particular interesse para o agudizar do clímax. (“Ilumino a minha casa
para receber […] / Meu Deus, meu Deus!... Ai, o retrato de meu marido!... Salvem-me aquele retrato!”).

Catástrophe (catástrofe): O suicídio clássico em plena cena é aqui, substituído, por um lado, pela morte melodramática de
Maria, e, por outro, pela morte “simbólica” para o mundo, dois cônjuges que decidem tomar hábito religioso. (“Para mim aqui
está esta mortalha: morri hoje”…; “deixastes tudo até vos deixar a vós mesmos […]”).

Anagnórise (reconhecimento): A cena fulcral da peça, o reconhecimento de D. João de Portugal, na figura de Romeiro,
apressa o desenlace fatal. (“Romeiro, romeiro, quem és tu? _ Ninguém!”).

Clímax (auge do sofrimento): final do segundo ato com o reconhecimento do romeiro.

Cathársis (purificação): renúncia ao prazer mundano pelo casal, que se refugia num convento, e ascensão de Maria ao espaço
celeste, devido à sua inocência.
Agon (conflito): resulta da hybris, manifesta-se a nível psicológico nos conflitos interiores e dilemas vividos por Telmo e por
Madalena. Intensifica-se ao longo da ação.

Pathos (sofrimento crescente) : A aflição do herói é notória aqui, quer nos temores de D. Madalena, quer no fatalismo
sofredor de Maria. (“…este medo, estes contínuos terrores [… ]”; […] Que felicidade … que desgraça a minha” ; “dei decerto
que vou ser infeliz […]”).

Marcas românticas na obra

• A crença no Sebastianismo.
• O patriotismo e o nacionalismo – tais sentimentos estão bem patentes no comportamento de Manuel de Sousa Coutinho
e no idealismo de Maria.
• As crenças – agoiros, superstições, as visões e os sonhos, bem evidentes em Madalena, Telmo e Maria
• A religiosidade – a permanente referência ao cristianismo e ao culto.
• O individualismo.
• O tema da morte.
• A presença da mulher-anjo: Maria e da mulher- demónio: Madalena.
• As características formais: o uso da prosa; a divisão em três atos e o estilo novo: caráter oralizante e coloquial da
linguagem: sintaxe afetiva, interrogações, exclamações, frases entrecortadas), vocabulário corrente, adequado ao
estatuto das personagens.

Drama ou Tragédia (segundo Almeida Garrett)?

Almeida Garrett diz na Memória ao Conservatório Real, texto por meio do qual faz a apresentação da sua peça: "Contento-me
para a minha obra com o título de drama; só peço que a não julguem pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição
de forma e índole nova; porque a minha, se na forma desmerece da categoria, pela índole há-de ficar pertencendo sempre ao
antigo género trágico.” O conteúdo do Frei Luís de Sousa tem todas as características de uma tragédia. No entanto, chama-
lhe drama, por não obedecer à estrutura formal da tragédia.

Linguagem e estilo

Nesta peça, encontramos as marcas fundamentais do modo de expressão que constitui o diálogo, pelo que as estruturas discursiva
e frásica apresentam as características próprias da coloquialidade e da oralidade.
Aspetos que estruturam a linguagem e o estilo da obra :
• ao nível lexical
É de relevar as repetições e a carga emotiva que encerram determinados vocábulos (por exemplo, "desgraça", "escárnio",
"amor"; é de reter igualmente a utilização de classes de palavras como a interjeição e as locuções interjetivas ("Ah", "Meu
Deus") como tradutoras da ansiedade e da angústia das personagens e a repetição do advérbio de tempo "hoje", que torna mais
denso o ambiente trágico; por vezes, uma palavra substitui uma frase, dado que concentra, de forma expressiva, a trama de
sentimentos que invade uma personagem, numa determinada situação - é o caso do pronome indefinido "Ninguém", que fecha o
segundo ato, proferido pelo Romeiro.
• ao nível sintático
Predominam as frases inacabadas, que traduzem as hesitações ou a intensidade das emoções das personagens.
• registo de língua
Coexistem os registos familiar e cuidado.
• prosódia ( é a parte da linguística que estuda a entonação, o ritmo, o acento (intensidade, altura, duração) da
linguagem falada)
- A entoação é, essencialmente, traduzida através dos diferentes tipos de frase; é de salientar a recorrência dos tipos de
frase exclamativo e interrogativo como forma de expressão dos sentimentos que dominam as personagens e da entoação conferida
às subunidades discursivas.
- As pausas evidenciam os constrangimentos das personagens, a sua dor e as suas hesitações.
- O ritmo frásico e discursivo liga-se claramente ao estado de espírito do sujeito de enunciação.
• pontuação
É de considerar a ocorrência das reticências e dos pontos de exclamação como sugestão da tensão emocional e dramática.
Prof. Paula Mota

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