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FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
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Professor Doutor José Salvador Faro
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
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Professora Doutora Marli dos Santos
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
Aos meus pais, que fizeram tudo o que foi possível para
que eu me tornasse o que sou hoje: uma pessoa feliz.
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“A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu,
mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre
aquilo que todo mundo vê.”
(Arthur Schopenhauer)
AGRADECIMENTOS
Com os compromissos travados com este trabalho percebi minha maneira de lidar com
diversas situações, conheci meus limites, fraquezas, dificuldades, manias e defeitos. Mas
durante o percurso para lidar com tudo isso, percebi que em meio a tanta coisa não linear em
mim, havia uma sobrevivente.
Nada heroico a ponto de ser noticiado, nada tão extremo a ponto de valer mais do que
essas poucas linhas, mas grande o suficiente para me mudar, para me fazer perceber que
mesmo fora de certos padrões, não deixo de produzir, de criar. E percebo que, em meio ao
caos, muitas coisas fluem, por vezes transbordam.
A Deus que me ama desde o início de minha existência até a eternidade, que foi força,
alento e constância, sempre, e que sonhou esse momento para mim.
Ao mestre que tem minha admiração, José Salvador Faro, por tentar, de maneira
ímpar, trazer foco ao meu olhar distraído, por suas ideias e entusiasmo. Este trabalho só é uma
realidade por ele ter se interessado por minhas divagações e acreditou que eu buscaria
respostas.
Ao Professor Laan Mendes de Barros que me ajudou a criar a base para esta pesquisa e
que muito me apoiou no tempo em que foi meu orientador. A ele devo minha aceitação no
programa de pós-graduação da Metodista.
À minha mãe Lourdes e ao meu pai Vagner, por terem me criado da melhor maneira
possível, pautados no que sabiam e haviam recebido. Por terem tirado de si para me dar, por
acreditarem em mim quando nem mesmo eu podia ter esta proeza.
Ao meu noivo que teve paciência comigo, mesmo ao me ver escrevendo faltando
poucos dias para o nosso casamento, e eu não havia ainda escolhido o topo do bolo, as
músicas da cerimônia e nem comprado muitos dos móveis que comporiam o nosso lar.
À minha eterna companheira de vida, minha irmã, que mesmo sem estar a par de meus
assuntos, do tema deste trabalho e sobre o que eu realmente fazia, me ajudou enquanto
tomávamos um café por aí, com conversas sobre a vida, sobre a morte. Nestas ocasiões ela foi
a ponta que me puxava para o lazer, para a sanidade. Uma rajada de ar fresco quando tudo
ficava quente demais.
À Solange que sempre lia meus textos e me corrigia. Tão prestativa! À Cínthia e ao
Nilton, que também me incentivavam a prosseguir.
Aos amigos, que sorriram quando eu falei que escrevia sobre musicais; agradeço
também àqueles que não entenderam meu tema; às vezes nem eu mesma entendia.
Às queridas ex-vedetes Íris Bruzzi, Berta Loran e Brigite Blair, que me encantaram
com suas histórias vibrantes e cheias de muita arte.
À dona Francisca, que nos hospedou em sua casa que ficava em frente à praia de
Copacabana; virou uma amiga.
Aos profissionais dos musicais modernos e não tão modernos assim: Roberto Lage,
Saulo Vasconcelos, Jô Santana e Paulo Goulart Filho. Obrigada por cada partilha e por
dividirem um pouco de suas trajetórias tão peculiares.
À Capes, pela valiosa bolsa de pesquisa e pela oportunidade de estudar um tema tão
valoroso.
A todos os profissionais envolvidos nos espetáculos musicais aos quais fui assistir,
principalmente as produções Nine, Um Musical Felliniano, Gato Malhado e a Andorinha
Sinhá, Crazy for you, Billy Elliot, o Musical, A Madrinha Embriagada, O Homem de La
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Aos grupos amadores e aos ministérios de teatro e música, aos quais eu participei ao
longo da vida e me deram a possibilidade de extravasar o meu lado artístico. Aos amigos
“arteiros” que me fizeram companhia nesse extravasar.
A todos que não tiveram seus nomes citados, se os mencionasse a lista seria enorme,
mas que, de maneira direta ou indiretamente, me ajudaram a desenvolver a minha dissertação.
This paper intends to analyze Brazilian musical theater’s development from the first
national staging of vaudeville’s – a French genre – adaptations to musical blockbusters of
American spectacles produced in the last sixteen years. Both historical and analytical
overviews will be studied with emphasis on musical theater as media phenomena that make
use of elements to be inserted within a society which perceives cultural productions as
internationalized and Commodified. Producers utilize media notoriety of renowned,
consecrated and well accepted international formats as well as the reputation of the actors
designated to the musicals as a marketing strategy in order to attract sponsors. On the other
hand, those sponsors end up making demands that interfere decisively on the spectacles’
assemblage. So where can the true Brazilian musical theater be found amidst a procedure full
of demands and sponsors’ pre-established guidelines? The research embraces the originality
of Brazilian themes being adapted to international formats and aggregates the sum of factors
that enables a musical’s screenplay to actually get to the stages – such as tax incentive public
policies, the musicals’ bondage with sponsor companies and their brands, and productions
presenting non-popular box-office prices even though being funded with public money.
Historical-descriptive methodologies focused on relations between the theme and notorious
media elements – such as artists and titles to be adapted on stage – will be used in order to
assist the formation of conjectures.
Figura 1: Distribuição da Cultura Por Região e Principais Áreas de Cultura Por Região
(2013) ..................................................................................................................................... 166
Imagem 1: Da esquerda para a direita, Oscarito, Walter Pinto, Alexandre Aamoreim, Freire
Jr. e Sílvia Fernanda com o Presidente Getúlio Vargas ........................................................... 53
Imagem 4: Luz Del Fuego com uma Cobra e Imagem 5: Elvira Pagã e sua nudez................62
Imagem 6: Íris Bruzzi na Peça O Diabo Que A Carregue Lá Pra Casa, em 1962. ................ 64
Imagem 7: Walter Pinto (terceiro, da esq. à dir.) recepciona, no aeroporto, artistas para a
revista É Xique-Xique no Pixoxó, 1960. ................................................................................... 66
Imagem 10: Foto de Oscarito e Grande Otelo - Cena do Filme Carnaval no Fogo, de Watson
Macedo, 1959. .......................................................................................................................... 72
Imagem 12: Foto de greve realizada pelas atrizes Íris Bruzzi, Eva Wilma, Odete Lara, Norma
Benguel e Ruth Escobar, 1968. ................................................................................................ 76
Imagem 13: Foto de uma das cenas de Roda Viva, de Chico Buarque de Hollanda ............... 79
Imagem 14: Foto de cena do espetáculo Dr. Getúlio e Sua Glória, 1968. .............................. 83
Imagem 15: Cena de Oklahoma!, momento em que a música de Farmer and the Cowman é
apresentada. .............................................................................................................................. 94
Imagem 16: Cena final de Oklahoma! - A Partida dos Recém-Casados Curly e Laurey. ....... 94
Imagem 19: Cena de Ópera do Malandro, 1978. Em cena, da esq. para a dir., Ary Fontoura
(Duran), Elba Ramalho (Lúcia) e Otávio Augusto (Max Overseas). ..................................... 108
14
Imagem 20: Cena de Ópera do Malando, montagem de 2003, com direção de Charles Möller
e Cláudio Botelho. .................................................................................................................. 109
Imagem 21: Cena de Ópera do Malando, montagem de 2014 com direção de João Falcão. 109
Imagem 23: Cena de Elis - A Musical, com a atriz Laila Garin.. .......................................... 114
Imagem 24: Elenco da peça Dia de Luta, Dias de Glória. .................................................... 116
Imagem 25: Cláudia Raia e Marcelo Médici em cena de Sweet Charity. ............................. 120
Imagem 28: O ator Murilo Rosa divulgando Zorro, O Musical ............................................ 158
Imagem 29: Cena em que Truman (Jim Carrey) se mostra desconfiado dos acontecimentos de
sua vida, que é transmitida ao vivo para todo o mundo. ........................................................ 187
Imagem 30: O Programa de Eu Quero é me Badalar para apresentações em São Paulo.... 1966
Imagem 31: Cartaz do espetáculo Eu Quero Sassaricá, produzido por Walter Pinto ........... 196
Imagem 34: Elenco de Nine - Um Musical Felliniano - Elenco Principal Composto por 8
artistas, dos quais 6 possuíam experiência na televisão. ........................................................ 219
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Há cerca de duas décadas, no Brasil, se falássemos sobre Teatro Musical, grande parte
das pessoas faria relação aos musicais americanos característicos de teatros da Broadway ou
até mesmo associariam a alguns filmes musicais famosos, tão amplamente divulgados pela
indústria cultural norte americana ao redor do mundo. Poderia ocorrer também a lembrança de
espetáculos do Teatro Musical na época da Ditadura, que traziam mensagem de esperança e
inconformidade, sendo censurados pelos militares. Além disso, há o Teatro de Revista, gênero
teatral que reinou em meados da década de 1930, com as belas vedetes, a política e a
comicidade como pano de fundo.
Mesmo diante desse histórico que alimenta a memória das pessoas, nos últimos
dezesseis anos, o Teatro Musical brasileiro acumulou novas produções, possibilitando
referências mais atuais com relação ao gênero teatral. Muitos profissionais da área chamam
essa nova leva de musicais adaptados do formato americano da Broadway de boom. As
adaptações foram chegando aos poucos e ganhando espaço até que, quando menos se espera,
os teatros estão repletos de novos espetáculos que passam a dar nova vida, principalmente
para a noite cultural paulistana, seguida da carioca.
Musical, de forma simples, é utilizado para denominar a união da música com o teatro,
o que pode nos levar a confundir o gênero com cabaré e ópera, pois as linhas que delimitam
esses gêneros são tênues e difíceis de definir. Para esclarecer e especificar a análise proposta,
o Teatro Musical no Brasil será dividido em três períodos; o primeiro está relacionado ao que
compete ao Teatro de Revista, em seguida o que abrange o fim do Teatro de Revista desde a
década de 1960 até o ano 2000 e, por fim, a partir do início desse século até os dias atuais.
facilmente receber uma terminologia diferente e cada um ser encaixado como um gênero
específico, diferente do musical. Mesmo com as diversidades estruturais dos espetáculos
desses três períodos, eles acabam sendo “encaixados” no teatro musical por possuírem uma
estética pautada no canto, na atuação e, muitas vezes, na dança.
Este tema carece de uma bibliografia mais no tocante à atualidade, por ser uma
realidade mutante, ainda sem um fim. Justamente por esse motivo é que surgiu o interesse em
estudar o gênero teatral, pois se torna perceptível um desenvolvimento que acrescenta,
gradativamente, características tipicamente brasileiras a um formato estrangeiro e que ainda
não foi muito abordado academicamente.
musical brasileiro, desde sua origem até os dias atuais, utilizando bibliografias específicas
sobre o tema e entrevistas de pessoas que vivenciaram momentos do gênero no Brasil.
Este trabalho irá considerar o hibridismo como uma interação de culturas e não como
uma sobreposição, explicando, assim, a formação do teatro musical brasileiro que apresenta,
ao longo de sua história, influências estrangeiras. Caberá, igualmente, observar como essas
culturas presentes no teatro musical se fundem em um processo de hibridação sob o ponto de
vista de criação de um novo estilo teatral, e que influências esse novo produto cultural
influencia na cultura brasileira. No decorrer desta pesquisa, percebe-se um teatro musical
nacional que é fruto de formatos estrangeiros, mas que com o passar dos anos incorporou
características brasileiras sem descartar os aspectos de sua origem; ou seja, não predominou
nem uma ou outra cultura, porém a sua mescla de influências resultou em um novo formato,
que é denominado ‘brasileiro’.
um novo formato teatral, que passa a ser considerado americano, que é a comédia musical e,
de importador de formatos passa a exportador.
O Brasil, por sua vez, teve a presença das mesmas manifestações artísticas, sendo uma
de origem francesa e, posteriormente, uma de influência americana, sem o desenvolvimento
da revista à comédia musical, como aconteceu em solo americano. Não há como afirmar que,
caso o Teatro de Revista não tivesse acabado, a comédia musical teria sido a consequência de
uma nacionalização do gênero no Brasil; afinal, o país passou por diversas situações que são
corresponsáveis por determinados direcionamentos da cultura de uma forma geral, no Brasil,
como por exemplo, a censura da Ditadura Militar.
Apesar de o Brasil não apresentar um desenvolvimento tão linear como nos Estados
Unidos, o país não deixa de demostrar um avanço do Teatro Musical.
Para melhor exemplificar esses momentos do teatro musical brasileiro faltam registros
e cronologias completas, um inventário de peças é algo a se trabalhar. Muitos textos,
documentos e datas de momentos dos musicais, no Brasil, estão perdidos, alguns existem
apenas nas memórias e arquivos pessoais de artistas que fizeram parte das produções. No que
tange às peças da atualidade, nem os próprios atores e diretores possuem listagem completas e
não há alguma entidade ou associação que faça esse controle. O que mais perto temos de
catalogações estão com as principais produtoras de musicais, pois fazem uma listagem
própria. Mas, se sairmos das listagens dos musicais milionários, ainda assim haverá lacunas.
Este trabalho fará o exercício conclusivo pautado na busca por respostas de como se
chegou ao cenário atual do musical brasileiro com um público fidelizado e produções
lucrativas e aclamadas pela mídia, assim como os processos de influências de formatos de
musicais estrangeiros em solo brasileiro. Primeiramente, este trabalho sugere colocar em
evidência novos elementos que instiguem a discussão do teatro musical brasileiro. Apesar de
haver muitos componentes já conhecidos, há fatos novos que possibilitam discussões e
indagações ainda em estágios embrionários, tais como:
Muitos dos atores escalados para musicais milionários trazem consigo, “embutidos”,
uma carga midiática, são reconhecidos e despertam a curiosidade do púbico que, por vezes,
vai assistir a um musical, não necessariamente pelo enredo, mas para ver as celebridades da
TV. Nem sempre o grande nome do espetáculo é de algum ator já conhecido na mídia, mas
sim o próprio espetáculo, uma história que já conhecida, que já foi adaptada para o cinema ou
trata da vida de algum famoso, nesse caso a carga midiática fica por conta do biografado que
terá sua história contada nos palcos.
A mídia presente por trás desses enredos pode ser vista, em muitos casos, como uma
garantia maior de que a produção trará público e que o lucro será certo. Mas o lucro nem
sempre vem em forma de dinheiro, através da venda dos ingressos ou de patrocínios; muitas
marcas querem investir em suas imagens, atrelar seus nomes às produções e atores de sucesso
e que aparentam ter os mesmos “valores” que a empresa pretende “ter/aparentar”.
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Para auxiliar no resgate dessa história, o capítulo I traz o percurso do teatro mundial e
brasileiro com ênfase para o Teatro de Revista e relatos de vedetes que tiveram extrema
notoriedade midiática. Foram entrevistadas as atrizes Íris Bruzzi, Berta Loran e Brigitte Blair,
que revelaram ter sido natural e espontânea a ida de artistas do teatro para a televisão e
cinema, a partir do fato de que muitos já eram conhecidos do grande público. As atrizes
contam como ocorreram essas transições e como foi atuar em um momento tão importante
para o teatro brasileiro, proporcionado pelo Teatro de Revista. Este capítulo também
contextualiza o fim da revista e a censura no teatro musical por parte da Ditadura Militar.
Driblando a censura, as apresentações faziam sucesso e as canções das peças iam além dos
palcos, tornando-se hinos de resistência a um governo opressor.
Já o Capítulo III revela a carga midiática presente em diversos elementos dos musicais
com destaque para as adaptações de obras renomadas, já apresentadas posteriormente em
palcos e até mesmo em outros formatos, como filmes e seriados. Trazemos ainda neste
Capítulo a midiática envolta de obras já conhecidas do grande público e que foram expostas e
que, posteriormente na mídia, acabam se tornando um atrativo para os produtores e
patrocinadores que buscam atrair público para suas produções.
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A mesma notoriedade midiática é analisada no Capítulo IV, só que desta vez com foco
nos artistas escalados para atuarem nos musicais. Também é abordada a notoriedade midiática
por trás de artistas que possuem suas biografias contadas nos palcos de musicais e, neste caso,
os biografados geralmente são pessoas lendárias, tidas como heróis/heroínas. A fama e a
curiosidade em torno dessas celebridades alimentadas pela mídia são fatores que acabam
influenciando nas decisões finais de produtores e patrocinadores no ato da contratação dos
artistas a serem escalados para a formação do elenco do evento.
Para compor com Veneziano, serão utilizadas as referências de Delson Antunes (2002
e 1996), presentes nas obras Um Panorama do Teatro de Revista no Brasil e O homem do tró-
ló-ló: Jardel Jércolis e o Teatro de Revista Brasileiro (1925-1944) que, além de seu conteúdo
teórico contribui, fundamentalmente, com as fotografias presentes em suas obras, onde texto e
figuras se unem na demonstração de uma nacionalização do gênero. Com relação ao contexto
dos espetáculos apresentados e seus desdobramentos na sociedade, encontramos respaldo em
Salvyano Cavalcanti de Paiva (1991), nas impressões de Décio de Almeida Prado (2002)
sobre o progresso do teatro nacional brasileiro entre os anos 1955 e 1964, além dos roteiros de
musicais com temática política presentes na Coleção Dias Gomes – volume 4 (1992).
Ademais, os bastidores dos grandes musicais da atualidade, apresentados através das
experiências relatadas na obra de Leslie Pierce (2013).
americano por John Kenrick (2012) e dos resgates históricos do gênero teatral de Stanley
Green (2014), Ken Bloom e Frank Vlastnik (2008). Sobre a história do teatro mundial, foram
utilizados obras de Margot Berthold (2014) e Léon Moussinac (1957). As referências da ação
midiática presente nas adaptações que resultam em filmes e musicais, tiveram contribuição
dos estudos de Ismail Xavier, que se debruça sobre o cinema brasileiro e de Luiz Roberto
Alves com relação às manifestações eruditas e populares e seus desdobramentos sociais em
textos presentes na obra Comunicações e Artes em tempos de mudança: Brasil, 1966-1991
(1991).
Enfim, estes são alguns dos autores pesquisados, mas vale ressaltar que muitos outros
foram consultados e auxiliaram na evolução desta pesquisa.
Dentre os temas das manifestações artísticas teatrais primitivas, em sua maioria, são
pautadas a realidade que envolve o artista, suas concepções, principalmente as religiosas.
Elementos da natureza são personificados como personagens com vontades e poderes
sobrenaturais. Tais elementos rivalizam-se entre si ou se unem para beneficiar ou punir o
homem.
Na Grécia antiga essas artes foram incluídas nas tragédias e comédias por volta do
século V a.C. Nesse período os dramaturgos Aeschylus e Sophocles passaram a realizar suas
próprias músicas e coreografias em suas produções. No III século a.C as obras de Plautus,
considerado o maior comediógrafo da Roma antiga, mostravam música e dança
acompanhadas por instrumentos diversos
A Ópera1, por sua vez, é um gênero teatral encenado através do canto e da música
instrumental, sem necessariamente ter a presença de falas. Outra característica típica da ópera
é a participação de uma orquestra sinfônica completa ou, ao menos, de um grupo musical que
acompanhe os cantores. Além disso, a sua apresentação possui elementos típicos do teatro,
como cenografia e figurinos utilizando o canto erudito.
Nas palavras de Filipe Salles (2012), a ópera surgiu dos trabalhos “de alguns poetas e
músicos de Florença no ideal da tragédia, espelhada na poética aristotélica de estrutura, mas
essencialmente modificada para satisfazer necessidades musicais e dramáticas do pré-
barroco” (SALLES, 2012).
É fato que os gregos, naquilo que chamavam arte poética (que englobava a poesia e
o teatro), empregaram recursos sonoros bastante sofisticados [...] Mas a música até
o cinquecento não tinha elementos para mesclar ambas as artes, uma vez que o estilo
vigente era essencialmente contrapontístico (que se deve à descoberta e expansão da
polifonia, antes amarrada pela ditadura eclesiástica do cantochão). Ficaria muito
complicado distribuir papéis a cantores quando a onda da música era trabalhar com
várias melodias ao mesmo tempo (o contraponto). Assim, apenas no fim dos anos
1500 é que a idéia de uma Obra que unisse poesia, dramaturgia e música pôde tomar
forma. (SALLES, 2012).
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Originária do termo latim “opus”, que significa “obra”.
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A cidade de Roma foi a responsável pelo aperfeiçoado dos coros da ópera, dando
ênfase a um coro uníssono considerado como um personagem da peça, ajudando a contar uma
história. Já em Nápoles o destaque ficou para a melhoria nas técnicas vocais, a arte de cantar
como um todo; e, Veneza, apostou na qualidade dos instrumentistas.
Desde a origem da ópera até os dias atuais são mais de 400 anos de história, período
em que a ópera se desenvolveu até se tornar o que vemos hoje nos tradicionais teatros
italianos, com espetáculos que trazem orquestras sinfônicas completas, cantores de
reconhecimento internacional, além de altos investimentos nas produções. A ópera
influenciou diversas expressões artísticas, é a base para a origem e desenvolvimento de
diversos gêneros teatrais.
O Teatro Musical possui uma relação com a ópera teatral, porém distingue-se por ter
um maior enfoque no diálogo falado e na dança, pois, no musical, a atuação é habilidade
fundamental seguida pelo canto e a dança.
O húngaro Franz Lehár2, por sua vez, é responsável pelas composições da obra mais
notória do gênero, Die Iustige Witwe (A Viúva Alegre), que estreou no dia 30 de dezembro de
1905, em Viena, com Mizzi Günther e Louis Treumann nos papéis principais. A história
aborda o receio que o governo de um país fictício, Pontevedra, tinha de que a viúva de um
rico banqueiro gaste todo o seu dinheiro na França, comprometendo a economia da nação; e,
para que o dinheiro continue no país, um plano é elaborado, a viúva deve se casar com um
pontevedriano, o conde Danilo, um conquistador nato.
O texto 1860s: The Black Crook, escrito por John Kenrick (1996) 3, foi um grande
sucesso e excursionou por diversas cidades americanas; recebeu 15 novas montagens
diferentes ao longo dos anos. Apesar de alguns escritores não considerarem The Black Croock
um musical por não possuir uma conexão essencial entre as músicas e as cenas, em diversos
O produtor de The Black Crook também aceitou que o cenário, agora sem espaço para
ser guardado, ficasse alojado nas dependências do teatro em troca de que ele fosse utilizado
em sua peça. O arranjo deu mais certo do que eles poderiam imaginar. Um acaso acabou por
conceder a The Black Crook elementos novos e, na noite de abertura, a cenografia incrível e
100 dançarinas contribuíram para tornar o espetáculo um grande sucesso.
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Outras montagens foram realizadas de The Black Crook, cada vez mais elaboradas,
como a produção realizada pelos irmãos Kiralfy que apostaram em um bailado aéreo, onde as
personagens eram alçadas por fios ao inferno.
Muitas são as vezes que o corpo de baile entrava com apresentações e delongava mais
que o necessário o tempo do espetáculo. Como todo final feliz, o casal se reúne através dos
poderes mágicos concedidos pela fada, Rodolphe derrota Hertzog e Wolfenstein, o Black
Crook é levado para o inferno, e Rodolphe e Amina, enfim, se unem. Robert Rusie (s/d)
afirma:
Pela primeira vez na história, o público viu um drama; foram entretidos por uma
orquestra, e viram uma centena de ciganos pulando em cima dos saltos. Quando as
cortinas se abriram, foi um choque, o público americano estava indignado e
totalmente satisfeito, e uma nova forma de arte totalmente americana, a Broadway
Musical, tinha sido criada. Black Crook teve uma temporada de 16 meses, e
arrecadou mais de 1 milhão de dólares. (RUSIE, s/d).
A produção teatral The Black Crook foi a primeira da história do teatro mundial a ficar
em cartaz por mais de um ano. As músicas recebiam novas adaptações, os números de danças
eram modificados para atrair, além dos novos expectadores, despertar o interesse daqueles
que já haviam prestigiado o espetáculo. Ainda não era tão comum os espetáculos
excursionarem por várias cidades, o que mostra que todo esse primeiro ano do espetáculo
resumiu-se em apresentações para nova-iorquinos, sedentos por um novo e chamativo gênero
teatral.
Guerra Civil americana, e embarcaram em uma experiência - a de fazer um novo estilo teatral
conhecido em toda a América, e com isso ter um retorno lucrativo. De acordo com Kenrick:
A produção física era a verdadeira estrela, e isto ficou claro em teatros em todo o
país. Os lucros eram surpreendentes, e o Teatro Musical Americano foi subitamente
visto como uma indústria com grande potencial econômico. (KENRICK, 2012, p.
68, tradução nossa).
O espetáculo que deu início ao teatro musical americano foi testemunhado pelo garoto
Charles Frohman, que vendia entradas de ingressos ao público de The Black Crook. Anos
mais tarde, precisamente em 1892, iniciaria uma carreira sucedida no teatro como produtor.
Montou seu primeiro teatro em 1892 e tinha talento nato para descobrir estrelas. O produtor
também fez parcerias com dramaturgos e produtores ingleses, como o produtor Seymour
Hicks, com quem, antes de 1910, produziu uma série de apresentações em Londres. Muitos de
seus sucessos de Londres foram apresentados e bem aceitos em Nova York. Ao todo, foram
cerca de 700 espetáculos produzidos por Frohman que, no auge de sua carreira, morreu no
naufrágio do RMS Lusitania em 1915.
O primeiro teatro da Broadway foi o The Star Theatre, localizado na Rua 13. Sua
estreia ocorreu em 1900 com a peça A Great White Diamond. Esta fase ficou conhecida como
a “Era dos Bons Sentimentos”, formada pela boa relação entre o público e os atores dos
espetáculos. A plateia se sentia à vontade para interagir com os atores, até mesmo durante os
espetáculos; os artistas eram reconhecidos e cumprimentados de forma efusiva após as
apresentações.
Esse período contou com algumas peças, com destaque para as apresentadas nos
teatros localizados na altura da Rua 45: The Man in the Moon, Junior e Broadway to Tokyo e
da Academia de Música na Rua 14, Way Down East. Há, particularmente, dois espetáculos
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que chamaram mais atenção nesse período: Ben Hur, apresentado na altura da Rua 41, e na
Rua 24, no Madison Square Theater, Coralie Compahia e Dressmakers, tendo esse último
sido considerado escandaloso por mostrar o relacionamento sexual entre um homem branco e
uma mulher negra, sem, contudo, ser o intuito do espetáculo se aprofundar em questões
sociais.
Para John Kenrick (2012, p. 61-62), somente a partir da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), de fato, algumas produções passaram a tratar de assuntos pautados na realidade
social americana. Mesmo não tendo a política como tema principal, diversos espetáculos eram
realizados para distrair a população da dura realidade de uma guerra. As temáticas das
apresentações eram alegres e tinham o intuito de entreter e passar mensagens de otimismo e
esperança. A constância nos enredos dos espetáculos foi quebrada com uma peça intitulada
Moloch, de autoria de Beaulah Marie Dix, produzida por George Tyler, em 1915. O texto
continha as aflições da população. Por sua vez, a arrecadação da produção Yip Yip, Yaphank,
apresentada no Teatro Century, foi destinada para os serviços de guerra.
Em 1810 havia, na Broadway, o The Beautiful Park Theater, localizado em Park Row.
Um segundo teatro, o The Bowery, só foi inaugurado em 1821. No século XIX, o teatro, na
região, passou a se desenvolver, criando e fortalecendo o "Syndicate", composto por ricos
donos de teatros regionais que, apesar de concordarem com a busca pelo lucro, divergiam
com relação à moralidade puritana que estava presente na nação americana, o que facilitou a
explicação das incorporações de atores europeus nos espetáculos. Outro fator que ajuda a
explicar a presença de profissionais estrangeiros nas produções americanas é o fato de a
América ser uma terra de imigrantes recém-chegados, uma vez que o teatro na Europa já tinha
uma tradição forte e a América passava a ser "a terra das oportunidades". Muitos artistas
europeus, alguns já consagrados profissionalmente em seus países, passaram a se aventurar
nos palcos americanos.
Quando Georgina Drew, irmã do renomado ator John Drew, conheceu e casou-se com o
também ator Maurice Barrymore, mais uma família “aristocrata da Broadway” foi
estabelecida.
Essas “famílias” seguiram investindo nos musicais. Ao longo dos anos, companhias
teatrais foram passando de pais para filhos que as vendiam ou até mesmo abriam falência.
Mas, apesar desses intempéries, um fato que se mantém até hoje são os crescentes
investimentos nas produções, assim como a compreensão do fator de risco que há no
investimento teatral que se baseia no público alcançado, visto que um espetáculo pode ou não
ter boa aceitação do público.
Investir na Broadway tem sido uma subcultura secreta por décadas (o que é irônico,
considerando o seu risco - você acha que nós vamos querer que ninguém disposto e
capaz salte para a nossa briga). Mas ao longo dos últimos anos, graças às várias
informações que você pode encontrar na internet e em certas histórias pessoais [...]
cada vez mais investidores de todo o mundo tem dito: "Ei, eu gostaria de investir na
Broadway. Posso jogar?”. (DAVENPORT, s/d)
Para assistir a um espetáculo musical estilo Broadway, não é mais necessário viajar
para Nova York. Por trás da propagação do teatro musical norte-americano está a The
Broadway League4, associação comercial nacional para a indústria da Broadway. Com mais
de 700 membros entre proprietários de cinema e operadores, apresentadores, produtores e
fornecedores de bens e serviços da indústria do teatro, a associação leva, anualmente, os
espetáculos para mais de 30 milhões de pessoas em 200 cidades diferentes nos Estados
Unidos e Canadá, segundo a entidade.
4
The Broadway League é uma associação da indústria dos teatros da Broadway. Site oficial: <
https://www.Broadwayleague.com/>. Acessado em 20. set. 15.
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The Black Crook pode ter instigado o público a querer novos espetáculos similares,
mesmo surgindo de forma tão surpreendente, também não obteve sucessor. O que podemos
afirmar é que surgiu uma variação de apresentações do vaudeville. O formato desses
espetáculos era baseado no Teatro de Revista e mostravam cenas diversas sem,
necessariamente, contarem uma história conectadas entre si. Quando havia algum enredo ele
era simplista e nada aprofundado, sendo leve e descompromissado.
Mesmo depois do início de um novo século ainda era muito difícil aparecer uma
produção que possuísse um enredo pré-concebido, com uma narrativa coerente, em virtude do
foco ainda ser o artista e a exposição de seus talentos. A maior preocupação para garantir o
sucesso da produção era apostar em uma “estrela” no show ao invés do conteúdo que esse
artista iria desenvolver em cena. Apesar de manterem uma determinada fórmula que
garantisse a apresentação de diversos números, era possível ser surpreendido com canções que
destacaram alguns compositores, como Jerome Kern, Richard Rodgers e Irving Berling, entre
outros.
Muitas vezes denominamos diversos espetáculos como Teatro Musical, mas que
também acabam sendo encaixados em outras categorias; porém, em alguns casos, por uma ou
39
O enredo percorre o período compreendido entre meados da década de 1880 até o final
de 1927, apresentava uma mistura de romance, questões raciais, assunto do qual era evitado à
época e, a nostalgia de glórias americanas. Visto que as pessoas ainda vivenciavam um clima
de pós-guerra, o espetáculo conquistou um lugar na lista das atrações mais assistidas durante
12 semanas. A peça, ao longo do século XX, recebeu quatro novas adaptações, a última em
1983, no Houston Grand Opera. A história também inspirou três filmes, todos rodados após a
estreia de Show Boat nos palcos da Broadway.
A Comédia Musical se caracterizava por seguir um rumo onde eram intercaladas cenas
humorísticas e números diversos garantindo o escapismo de um mundo envolto em decisões e
responsabilidades. Por vezes o espectador fugia de uma dura realidade para adentrar em um
mundo em que o riso era possível, ao passo que personagens se apresentavam de maneira leve
e bem humorada da situação.
Uma caminhada em uma das ruas mais longas e conhecidas do mundo, situada em
Nova York, Estados Unidos da América, revela mais do que arranha-céus, turistas e letreiros
luminosos e chamativos. A Broadway, via larga, em inglês, foi berço de manifestações
culturais diversas, com destaque para a área teatral. A rua cruza o condado de Manhattan e do
5
Site oficial da dupla Oscar Hammerstein II e Jerome Kern: < http://www.rnh.com/>. Acessado em: 05. set. 15.
40
Bronx e reúne 40 teatros, cada um com capacidade para cerca de 500 pessoas. As
apresentações teatrais nesses espaços originaram a definição teatro da Broadway, a mais
prestigiada forma de teatro profissional nos Estados Unidos.
Mesclando música, dança e atuação, espetaculosas montagens são as que mais atraem
público no país e, consequentemente, as mais lucrativas para os investidores, artistas e equipe
técnica. A maioria dos espectadores são turistas, vindos de diversos países e outras cidades
americanas, fato este que, possibilita a permanência da mesma encenação por anos, sem
comprometer a média de público, como é o caso do "Fantasma da Ópera", que ocupa o topo
da lista dos espetáculos que estão há mais tempo em cartaz, 26 anos.
Na Rua 41, em Nova Iorque, começa o Theater District, a área da Broadway que é
retratada nos filmes e seriados de televisão; o trecho se finda na Rua 53. Apenas quatro teatros
estão, de fato, localizados na avenida, todos os demais espaços que recebem as apresentações
estão ao leste e ao oeste desse trecho representando o competitivo e diversificado mundo
teatral americano. Lá, são encontrados quiosques da TKTS6, empresa que oferece ingressos
com descontos de até 50% nas entradas.
No texto The history of the great White way, de autoria de Robert Rusie (s.d) 7, as
décadas da história do teatro musical americano são destrinchadas, contam que mesmo antes
do início dos musicais, o teatro era o único entretenimento que alcançava a massa.
6
Site da TKTS: < http://www.broadticket.com/?gclid=CL69hZu8_MoCFRaBkQodV2YOKw>. Acessado em:
04. dez. 15.
7
Disponível em: < https://www.talkinBroadway.com/bway101/1.html>. Acessado em: 23. out. 15.
41
Para tratar a história do teatro de forma mais detalhada seria primordial destrinchar a
pesquisa, possivelmente por civilizações, divisões regionais antigas ou mesmo as atuais
continentais, além de períodos como a Idade Média, Renascença, Barroco e era da cidadania
burguesa. Porém, um estudo dessa natureza se afasta do tema proposto nesse trabalho, e por
essa razão não nos aprofundaremos nele, mas torna-se importante reafirmar que existe a
presença do teatro primitivo em praticamente todos os lugares em que há teatro.
O início da prática teatral ocorreu de forma semelhante no Egito e Antigo Oriente, nas
civilizações Islâmicas e Indo-Pacíficas, na China, no Japão, Grécia e Roma. Todos esses
proêmios tiveram por base a necessidade de expressão do ser humano; isso inclui a América e
os países pertencentes a ela, assim como o Brasil.
Muitos índios tiveram contato com o cristianismo através de peças teatrais; muitos
viam possibilidades de crenças antes nem imaginadas. Provavelmente alguns indígenas, em
contato com novos conhecimentos, fortificaram suas crenças antigas, muitas vezes atacando
ou excluindo os jesuítas; há diversos relatos de confrontos motivados pela catequização.
Tanto no enredo de uma peça como na letra de uma música, o recurso utilizado é a
linguagem. Ao mesmo tempo em que são distintas, quando há o intuito de uni-las, as artes se
completam de maneira exemplar; as canções completam o enredo, ajudam a contar a história
sendo tão importante quanto as falas.
Com o novo movimento que surgia no Brasil, após a abdicação de D. Pedro I, seguido
do período regencial e a maioridade de Pedro II, os intelectuais concentraram-se em compor
obras que enaltecessem o país. Já o Romantismo, em sua primeira geração, possui como
característica a luta para criar uma identidade nacional e diferenciar-se da literatura de origem
europeia com enredos que enalteciam a terra e os índios, diferentemente do que ocorria com a
literatura portuguesa em que os lusitanos eram os protagonistas e heróis de suas histórias.
No dia 13 de março de 1838 nasce o teatro nacional com a estreia da peça intitulada
Antônio José ou O poeta e a Inquisição, de autoria de Gonçalves Magalhães. O espetáculo
teve como ator principal João Caetano e mereceu destaque na avaliação de diversos
historiadores da época.
Com o evento deste espetáculo, que fez muito sucesso, nasce o teatro nacional,
como sugere a avaliação de José Veríssimo: “atores brasileiros ou abrasileirados,
num teatro brasileiro, representavam diante de uma plateia brasileira entusiasmada e
comovida o autor brasileiro de uma peça cujo protagonista era também brasileiro e
que explícita e implicitamente lhe falava do Brasil” (MATE; SCHWARZ, apud
VERÍSSIMO, 2012, p. 07-08).
Nesse período, os escritores que se comprometiam a criar, em sua maioria, optavam pelos
melodramas e tragédias, evitando o gênero cômico, que não era visto pelos intelectuais, como
genuína e superior manifestação teatral. Apesar das tentativas de emplacar melodramas, o
escritor Martins Pena seguiu contra essa corrente ao insistir na escrita de textos cômicos. Com
isso, entre os anos de 1844 e 1847, consolidou uma carreira memorável no teatro nacional
contando com a apresentação de 15 espetáculos.
Mesmo com o sucesso, não faltaram críticas ao seu trabalho, inclusive de escritores
renomados como José de Alencar e Machado de Assis. Pena acabou sendo considerado por
muitos como aquele que defendia, em primeiro lugar, a comicidade, e deixava de lado o senso
crítico de situações sociais que fugia da alta comédia e limitava-se à farsa, à baixa comédia,
ao burlesco, gêneros esses considerados inferiores.
Martins Pena faleceu aos 33 anos de idade deixando como legado cerca de 30
espetáculos entre comédia, sátiras, dramas e farsas, dentre eles destacam-se: O Judas em
sábado de Aleluia (1844), Os irmãos das almas (1844), Os dois ou O inglês maquinista
(1845), O diletante (1845) e As desgraças de uma criança (1845). Muito da comicidade dos
espetáculos de Martins Pena não está propriamente explícito nos diálogos, pois é comum em
seus textos encontrarmos direcionamentos entre parênteses que detalham melhor as ações do
ator para que determinada cena se torne engraçada com a união de falas e expressões cômicas.
Como escritor de comédia de costumes, muitas das situações dos roteiros são
inspiradas na realidade brasileira, com suas crenças e hábitos. As descrições das personagens
da peça O Judas em sábado de Aleluia8 revelam cargos conhecidos e características presentes
em pessoas que eram facilmente encontradas na rotina da população carioca. O espetáculo
8
Peça disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000142.pdf.> Acesso em: 11. nov.
15.
44
Outro nome de destaque no teatro da época é o de José de Alencar que, em 1857, aos
30 anos, escreveu O Rio de Janeiro (Verso e Reverso). O espetáculo foi apresentado no Teatro
Ginásio Dramático. Segundo Veneziano, o escritor se revela um precursor da revista, quando
diz: [...] ao pintar o Rio de Janeiro com cores mais fortes e precisas, mas repletas de bom
humor, do que até então já se havia feito, com seus mendigos, seus artistas, seu clima, seu
crescimento populacional absurdo e até seus trapaceiros.(VENEZIANO, 1991, p. 26).
Possivelmente, a comédia de costumes foi fundamental para propiciar ao público o gosto pelo
teatro como forma de entretenimento, de crítica social e fonte de cultura. Finalmente o teatro
falava do Brasil, da sua realidade.
No ano de 1859, o Rio de Janeiro, que era a sede do império, recebeu a peça As
surpresas do Sr. José da Piedade, escrita por Justiniano de Figueiredo Novaes e estrelada por
um dos atores mais conhecidos da época, Correa Vasques. A peça, apesar de ter sido liberada
pela censura, teve suas apresentações interrompidas pela polícia no terceiro dia em cartaz. Foi
alegado que o espetáculo atentava contra a moral. A polêmica que permeou o início do Teatro
de Revista no Brasil acompanhou todo o desenvolvimento do gênero teatral ao longo dos
anos.
Ainda no mesmo ano, foi inaugurado, na atual Rua Uruguaiana, antiga Rua da Vala, o
café Alcazar Lyrique. Com atrações trazidas da França, o local encantou muitos brasileiros
com suas apresentações exóticas, nas quais as mulheres bonitas dividiam o palco com
9
Biografia de Artur de Azevedo. Disponível em: http://www.academia.org.br/academicos/artur-
azevedo/biografia. Acessado em: 14. mar. 15.
46
números de humor. A vida noturna carioca adentrava no gênero ligeiro. Após sete anos o café
passou a se especializar em operetas, decisão tomada por nova gerencia do local.
10
Vaudeville foi um gênero de entretenimento de variedades predominante nos Estados Unidos e Canadá do
início dos anos 1880 ao início dos anos 1930. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Vaudeville>.
47
Males e malas, eu, a Política, a primeira e a mais velha dentre vós, a calamidade
absoluta, diante da qual todos vós deveis curvar a cabeça, convoquei a presente
assembleia para o fim de procedermos a solene recepção de um ilustre estrangeiro
que deseja travar conhecimento conosco e nos será apresentado pelo ínclito e
benemérito barão de Caiapó. (ANTUNES, 2004, p. 21)
Ao mesmo tempo em que era o Brasil que recebia e se revelava ao chinês, o público
tinha acesso a realidades de um imigrante. Mesmo que o comportamento e as falas possam ter
sido criados pelo autor com base em materiais de pesquisa sobre a China e o fato de o chinês
ter em sua marca a comicidade, muito da cultura chinesa estava presente em Tchi-tchan-fó,
sendo que o público absorveu muito da cultura imigrante.
Essa mesma dinâmica ocorreu com os espetáculos do Teatro de Revista, mesmo não
citando culturas estrangeiras de forma direta, como no caso de O Mandarim, que, ao
apresentar um formato baseado em um estilo teatral de outro país, no caso, a França, o
processo de hibridação encontra espaço.
O espetáculo, geralmente, era apresentado por uma dupla, chamada de Compéres (ou
Compadres). Eles se envolviam em alguma aventura que os levava a locais e ao encontro de
personagens significativos para o público. O enredo era de certa maneira ingênuo, elaborado o
suficiente para ligar uma história à outra, sem pretensões maiores. O coro das apresentações
era acompanhado por uma orquestra de cordas. A encenação era deixada em segundo plano,
enquanto o texto recebia atenção especial.
Para revista no final do século XIX “[...] o que se viu foi a possibilidade de, em lugar
da política, colocar-se em primeiro plano a malícia” (VENEZIANO, 1991, p. 37). Tal
mudança pode ser justificada por diversos fatores, inclusive a concorrência saudável entre
companhias teatrais, fazendo com que novas características fossem inseridas ou a mudança da
temática. O crescimento do número de espetáculos proporcionou novas possibilidades de
inovações. O aumento da quantidade de peças fez nascer uma demanda por mais artistas,
fazendo com que o Rio de Janeiro, entre todas as cidades da América do Sul, se tornasse o
sítio dos artistas que buscavam espaço para mostrar seus talentos. A qualidade do elenco
estrangeiro e nacional era considerada altíssima.
Inclusive no Rio de Janeiro, as críticas à revista eram igualmente duras, mas tinham
teor mais forte em cidades provincianas e conservadoras, como era o caso de Florianópolis, na
década de 1920.
Contudo, a partir da segunda década do século XX, muitos textos passaram a deixar de
lado os temas da atualidade e investiram em novas propostas, mesclando a crítica política com
outras temáticas.
A revista teve sua primeira grande perda com o falecimento de Moreira Sampaio, no
dia 4 de agosto de 1901, e no gênero teatral com a morte de Arthur Azevedo em 22 de
50
Outubro de 1908. Após os falecimentos de Sampaio e Azevedo nenhum outro autor teve
grande destaque no teatro nacional. Devido à falta de uma inovação, nenhum outro autor
brilhou tanto quanto a dupla. Em consequência da carência de novos espetáculos o resultado
foi a excessiva remontagem de peças ou de textos que não conquistavam o público a ponto de
serem considerados grandes sucessos.
A partir do final da década de 30, o gênero passa a ser representado por diversas
companhias, sendo a mais conhecida a de Walter Pinto, que assume os negócios de seu pai
Manoel Pinto, em 1938. Os espetáculos recebem maiores investimentos, possibilitando o
aumento no número de artistas no elenco, e o luxo se faz presente nos figurinos e cenários. No
final dos anos 50 as apresentações se tornam cada vez mais apelativas no que se relaciona à
nudez e às paródias, perdendo uma das suas principais característica, que era a temática
política. Cada vez mais as apresentações se tornam grandes shows, pautados mais na estética
do que propriamente no conteúdo.
Uma vertente que influenciou o cinema brasileiro resultando nas chanchadas, passa
aos programas humorísticos da TV. A outra vertente, a da malícia, no âmbito
popular se descaracteriza na pornografia e nos shows tipo exportação. O teatro de
51
Revista perde assim o seu caráter otimista e ingênuo, deixando de ser revista para
cair na explicitação e no descuido (KUTCHMA, 1999, p. 57).
Para o presente trabalho não nos aprofundaremos nas questões que culminaram no fim
da revista, mas utilizaremos algumas informações para compreender o processo de mudanças
do gênero. Percebemos que a sátira às figuras públicas da época foi perdendo espaço para os
novos aparatos tecnológicos. A suntuosidade dos cenários, dos figurinos e da iluminação,
assim como a ênfase na escala de artistas já consagrados estão à frente de características
anteriormente fortes no Teatro de Revista, como o cunho político.
Neyde Veneziano (1991), por sua vez, divide o Teatro de Revista em três tipos: A
Revista de ano – que mostrava os acontecimentos sociais e políticos brasileiros do ano
anterior; A Revista carnavalesca – tipo que privilegia o samba, marchinhas de carnaval e
maxixe; e a Revista feérica com seus espetáculos luxuosos e de grande produção.
Caso uma apresentação na língua francesa e com temas reais da França fosse
apresentada no Brasil, não teria uma identificação imediata com o público; própria língua,
através de palavras e terminologias, proporcionou ao espectador um conteúdo que fazia
sentido para ele. Portanto, é possível dizer que a primeira grande mudança dos espetáculos do
52
No período em que Getúlio Vargas ficou no poder (1930 a 1945 e 1951 a 1954), havia
uma “política intervencionista, nacionalista e centralizadora, baseada também no
corporativismo e na criação e regularização das organizações trabalhistas” (COSTA, 2010, p.
98). Seu início ocorreu em 1937, quando Getúlio Vargas iniciou o Estado Novo no Brasil,
alegando estratégia de defesa contra uma revolução comunista. Sobre essa época de censura,
Cristina Costa afirma que:
Getúlio Vargas de ‘o maior trapaceiro de todos’, por ele ter usado ‘sua malícia’ para
convencer os industriais a se comportarem melhor com os trabalhadores, além de ter
encontrado outros meios de protegê-los com sua esperteza. (LEVINE, 2001, p.94).
Os autores Freire Junior e Luís Iglesias, da revista Rumo ao Catete (1937), mostrava
como certa a permanência de Vargas no poder, e tida como necessária para dar continuidade a
diversas realizações do populista. No elenco estavam Aracy Cortes, Eva Todor e Oscarito.
Imagem 1: Da esquerda para a direita, Oscarito, Walter Pinto, Alexandre Amorim, Freire Jr. e
Sílvia Fernanda com o Presidente Getúlio Vargas
11
Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-
oscarito/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
54
um Brasil de progresso e paz. Na revista Maravilhosa, de 1936 que, inclusive teve Grande
Otelo no elenco, há um samba cantado que exemplifica essa ideia da música ser conivente
com a propaganda ideológica do governo Vargas. O trecho é citado por Delson Antunes
(1996, p. 235):
De acordo com Maria Cristina Castilho Costa, desde 1920 já havia processos de
censura teatral paulista, mas foi a partir do Estado Novo que foram arquivados de maneira
mais ordeira, possibilitando que hoje pudéssemos ter acesso à história da censura assim como
a do teatro paulista. (COSTA, 2010, p.100). O acervo com esses documentos é denominado
Arquivo Miroel Silveira, em homenagem ao autor, diretor, poeta, dançarino, que em 1980,
pouco tempo antes de morrer, resgatou mais de seis mil processos do Serviço de Censura do
Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo. Documentos que datavam de
1926 a 1968, sendo um resgate histórico artístico de inestimável valor.
55
Na censura das peças teatrais a polícia não entrará na apreciação do valor artístico da
obra; terá por fim, exclusivamente, impedir ofensas à moral e aos bons costumes, às
instituições nacionais ou de países estrangeiros, seus representantes ou agentes,
alusões deprimentes ou agressivas a determinadas pessoas e a corporação que exerça
autoridade pública ou a qualquer de seus agentes ou depositários; ultraje, vilipendio
ou desacato a qualquer confissão religiosa, a ato ou objeto de seu culto e aos seus
símbolos; a representação de peças que, por sugestão ou ensinamento, possam
induzir alguém [a] prática de crimes ou contenham apologia destes, procurem criar
antagonismos violentos entre raças ou diversões classes da sociedade, ou propaguem
ideias subversivas da sociedade atual.
São Paulo, assim como em outras cidades, igualmente se tornou um marco importante
para o teatro revisteiro. O espetáculo precursor do gênero teatral foi O Boato, de autoria de
Arlindo Leal, de 1899, e realizada pela Companhia Sampaio e Faria. O resumo dos
acontecimentos entre os anos de 1897 à 1898 era contado por uma família da cidade de
Araras, em São Paulo, sendo a peça semelhante à estrutura utilizada por Arthur Azevedo na
12
BRASIL. Decreto nº 14.529, de 9 de Dezembro de 1920 – Republicação. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-14529-9-dezembro-1920-503076-republicacao-
93791-pe.html.> Acesso em: 07 jul. 2015.
56
produção A Capital Federal. Leal contribuiu, ainda, com o teatro musicado, com as peças
Cenas da Roça e Flor do Sertão, ambas de 1917.13
13
MORAES, José Geraldo Vinci; FONSECA, Denise Sella. A música em cena na Belle Époque paulistana. Ver.
Inst. Estud. Bras. No.54. São Paulo, mar. 2012.
57
Com relação aos espaços destinados ao teatro, São Paulo estava longe de ser a
potência que é hoje, enquanto que, de acordo com Magaldi e Vargas” [...] o Rio de Janeiro, no
ano de 1946, possuía dez casas de espetáculos, São Paulo tinha apenas O Boa Vista, o
Santana e o Municipal”. (2001, p.187).
Assim como Íris Bruzzi, outras vedetes reinaram nos palcos. Começavam como
coristas e bailarinas, passando para soubrette quando a artista possuía um destaque maior no
espetáculo. No início da carreira mostravam as belas pernas em passos de danças ousados e
suas vozes se misturavam às demais. As vedetes que se destacavam pela beleza, talento e
carisma atingiam um status de notoriedade e, estrelavam cenas tendo a voz solo em músicas
58
de sucesso e, por vezes, tornando-se o grande nome nos musicais, garantindo um público
cativo que compareciam para vê-las.
De qualquer modo, vedetta em italiano arcaico quer dizer: pessoa colocada em posto
de observação, encarregada da segurança do campo. Seria uma espécie de vigia, que fica
num ponto mais alto. Sua função era vedere (ver). Assim, dessa forma, passou para a França e
virou vedette, que continuava a ser sentinela. Logo em seguida os franceses inventaram
vedette d’honneur (o vigia de honra) que era o cara que ficava no alto, vigiando uma
celebridade da nobreza ou da riqueza. E, como os franceses são muito criativos, passaram usar
o termo para designar aquele que fica no posto mais alto para chamar a atenção. Assim,
rapidamente, no mundo do espetáculo, quando falavam mettre en vedette significava colocar o
nome do ator ou da atriz no alto, acima dos outros, em destaque. Era desse jeito que deveria
aparecer no cartaz à porta do teatro. Não demorou muito para que as belas cantoras-
dançarinas, estrelas do show, fossem chamadas de vedettes.
A mídia, por sua vez, atuava como meio de exposição da imagem dessas atrizes a
divulgá-las em fotos e textos os acontecimentos sobre suas vidas, fazendo-as cada vez mais
conhecidas do grande público. Muitas vedetes tinham a vontade de despontar na carreira, para
isso apostavam em um impulso, serem citadas como uma das "Certinhas do Lalau". As moças
que apareciam na famosa lista eram aquelas que haviam conquistado destaque nos palcos e na
televisão.
ano". A partir de uma expressão utilizada pelo pai do jornalista surgiu a inspiração do nome
para a sua lista, passando a serem chamadas de Certinhas do Lalau.
Ao todo foram 14 anos de "Certinhas do Lalau", 142 eleitas cuja maioria era do Teatro
de Revista.
Fiz do meu teatro uma oficina de trabalho onde era exigido o maior respeito.
Qualquer transgressão à moral era punida com suspensão ou com expulsão imediata
do elenco. Antes, as mulheres andavam às vezes despidas por onde estavam os
carpinteiros, eletricistas, maquinistas, etc. [...] Meu teatro em relação ao que vejo
hoje era um convento. Inclusive eram proibidas as visitas de camarim para camarim,
fofoquinhas e palavrões. Aquilo era um santuário, respeito era ali dentro [...] Aliás,
eu tinha também na minha companhia muita moça virgem, parece absurdo. Tinha
mais virgem na Companhia do que hoje em Copacabana.14
Walter Pinto tornou-se responsável por revelar as maiores vedetes brasileiras, entre
elas Mara Rúbia, nascida em Marajó, no Pará, mãe solteira de três filhos que havia se mudado
para o Rio de Janeiro em busca de melhoria de vida. Íris Bruzzi, em entrevista concedida para
essa dissertação, conta que no dia do teste de elenco de Mara Rúbia, Walter Pinto pediu a ela
para levantar a saia para que pudesse ver suas pernas. Indignada disse que, caso quisesse ver
suas pernas que desse dinheiro para ela comprar um maiô apropriado; e foi o que o produtor
fez. Ela passou no teste e Walter Pinto investiu em sua carreira apostando que ela seria uma
grande estrela; contratou professor de canto e dança para que ela aprimorasse seus talentos.
Em virtude do seu aprimoramento com os estudos, a artista manteve, por anos, o título de
rainha das vedetes.
14
Entrevista disponível em: http: <//www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/serie-
depoimentos/walter-pinto-relembra-os-anos-de-gloria-no-teatro-recreio/>. Acesso em: 14. nov. 15.
60
Mara Rúbia foi a única vedete que saiu dos palcos da Praça Tiradentes para o Teatro
Municipal. Trabalhou como atriz em diversas peças teatrais que não pertenciam ao Teatro de
Revista.
Além de Mara Rúbia, a vedete Virgínia Lane recebeu grande destaque na época; ficou
conhecida como “A Vedete do Brasil”. Considerada uma vedete mais brejeira e coquete,
Virgínia Lane provinha de uma carreira no rádio e, pouco tempo depois de sua estreia nos
palcos revisteiros, já havia conquistado o público que se encantava com suas expressões
maliciosas. Virgínia Lane percorreu, com sua própria companhia teatral, várias cidades
brasileiras.
15
Disponível em: <http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-
544136/fotos/detalhe/?cmediafile=20456027>. Acesso em 15 jun. 2015.
61
Fonte: Cedoc/Funart16.
Virginia também obteve notoriedade por ter se tornado amante do presidente Getúlio
Vargas, casado e pai de cinco filhos; inclusive, sendo ele o responsável por seu título de
“vedete do Brasil”, designação que a acompanhou ao longo de sua vida e perdura até hoje.
Segundo Neyde Veneziano:
A Vedete do Brasil era baixinha, com pouco mais de 1,50 m. Então inventou
sandálias com altas plataformas. Um jornal disse que suas pernas eram espirituais de
tão perfeitas. Então, quis aumentá-las. Intentou maiôs bem cavados. Era também
meio dentuça. Fosse hoje, um protético teria desmontado seu lindo sorriso de
coelhinha marota. Pois usou tudo isso a seu favor. Aumentou-os, escondeu os
defeitos com enormes chapéus, com mais lantejoulas, mais plumas, mais diamantes,
mais malícia e mais alegria. E se tornou um ícone da revista nacional.
(VENEZIANO, 2010, p. 97).
Embora soubesse como usar seus atributos, assim como seus defeitos a favor, a artista
não era bem quista pelos profissionais com quem trabalhava, pois era tida como exigente e
16
Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/imagens/imagens.../page/83/>. Acesso em:
15 jun. 2015.
62
Entre as vedetes mais conhecidas, duas artistas divergiam das demais, eram elas Elvira
Pagã e Luz Del Fuego. Ambas conquistaram seu espaço na mídia e no imaginário popular por
aparecerem em seus shows, nuas, diferente da nudez estática proposta no início da década de
1920 por companhias estrangeiras, apresentavam-se repletas de movimentos.
As fotos de poses ousadas nos espetáculos ocuparam, por muito tempo, os jornais e
revistas. A primeira a se destacar foi Luz Del Fuego e sua dança com uma cobra. Depois foi a
vez de Elvira Pagã. Apesar da rivalidade existente entre elas, tiveram seu espaço cativo no
teatro de revista.
Imagem 4: Luz Del Fuego Com uma Cobra Imagem 5: Elvira Pagã e sua Nudez
17
Disponível em: <http://moscanasopa.musicblog.com/534927/E-SHOW-Rita-Lee-de-Pagu-a-Luz-Del-Fuego-a-
historia-da-mulher-na-musica-da-rockeira/>. Acesso em 20.jun.2015.
18
Disponível em: <http://obucaneiroprateado.blogspot.com.br/2013/09/o-mito-erotico-elvira-paga.html>.Acesso
em 15.jun.2015.
63
Assim como Arthur de Azevedo foi o grande nome por trás do primeiro momento do
Teatro de Revista no Brasil, Walter Pinto foi o responsável pela maioria dos musicais
apresentados no período da Revista Feérica.
Realizamos viagem ao Rio de Janeiro para entrevistar a vedete Íris Bruzzi19, conhecida
como a primeira-dama do Teatro Recreio, justamente por ter sido casada com Walter Pinto
que era o responsável pela programação do local. Essa entrevista traz as lembranças de sua
trajetória como artista, e segundo ela, percepção do pouco valor que o brasileiro dá para seu
passado cultural e, principalmente, pela falta de reconhecimento do “grande gênio Walter
Pinto”.
Íris Bruzzi conta que o Teatro Musical foi a base de tudo o que é hoje e que, apesar de
muitas pessoas chamarem o gênero de ‘teatro rebolado’ de forma a desmerecer o gênero, ela
diz que os artistas eram muito profissionais e levavam o trabalho muito a sério. Sua estreia no
palco não foi premeditada, tudo aconteceu por acaso. No Rio de Janeiro, começou a trabalhar
em uma grande loja na sessão de perfumaria, mas se atrapalhava toda vez que precisava fazer
cálculos. Posteriormente, tentou a carreira de comissária de bordo, mas quando questionada se
tinha medo de voar, respondeu que sim, perdendo as chances de conseguir o emprego.
Um dia, tomando banho de mar em uma das praias carioca, sua beleza lhe valeu um
convite para teste como corista no Teatro Follies. A partir desse momento não parou mais,
exceto por um período de, aproximadamente 6 anos, após seu casamento com o produtor e
autor Walter Pinto, responsável por inovações que reformularam o Teatro de Revista entre os
anos de 1940 a 1950. “Santo de casa não faz milagre, ele nunca me chamou para trabalhar.
Quando eu fui trabalhar com ele eu já tinha filhos crescidos com mais de seis anos”, disse.
No palco ministrado por Walter havia uma variedade de elementos, desde orquestra
com cerca de 70 músicos, coros numerosos, coristas argentinas, russas e francesas, até mesmo
suntuosas escadas que tomavam quase todo o espaço. Em suas peças vários artistas
conhecidos e de renome compunham o seu elenco, tais como Oscarito, Grande Otelo, Valter
19
Entrevista completa com Íris Bruzzi se encontra em Apêndices, a partir da página 254 deste trabalho.
64
D’Ávila, Dercy Gonçalves e Virginia Lane; estes são apenas alguns dos artistas que
estrelavam as peças de Walter Pinto.
Íris Bruzzi conta que, por orgulho, não pedia ao marido que a chamasse para participar
de suas produções. Passou então, a atuar em shows de Carlos Machado no Hotel Serrador,
sendo ele, junto com Walter Pinto, um dos mais renomados produtores teatrais da época.
Como esposa de Walter Pinto, ela acompanhava todos os ensaios e sabia bem os números dos
espetáculos, inclusive quando uma artista anunciou que estava grávida, o maestro sugeriu a
contratação de Íris que já sabia de cor as cenas e falas. “Aí o Walter muito a contragosto me
contratou. E eu muito metida não quis assinar o contrato com ele, assinei com seus
secretários”, disse.
Imagem 6: Íris Bruzzi na Peça "O Diabo Que A Carregue Lá Pra Casa, em 1962.
A vedete finalmente estrelou apenas uma peça do ex-marido – O diabo que a carregue
lá pra casa (1961), justamente a última produção de Walter Pinto no Rio de Janeiro. O
espetáculo resumia os 22 anos de carreira do produtor trazendo as principais cenas dos
espetáculos apresentados ao longo dos anos. Íris excursionou o Brasil com o espetáculo e
20
Disponível em: <http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-sensualidade-de-iris-bruzzi>. Acesso em: 05. jun.
2015.
65
ficou nacionalmente conhecida; até hoje é aclamada como uma das principais vedetes
brasileiras.
O Walter era um cara tão sensacional que com uma peça que eu fiz dele, e eu já
estou com 80 anos, as pessoas me procuram e falam a vedete Íris Bruzzi. Porque ele
me deu um nome, ele me fortaleceu, me fez existir. [...] Eu tenho um carinho muito
grande por ele. Eu brincava que o Walter era o pior marido que uma mulher pode
ter, mas o melhor ex-marido que uma mulher pode ter. (Trecho da entrevista feita
com a ex-vedete Íris Bruzzi).
Para Íris Bruzzi o gênero falava de assuntos políticos através da comicidade: “Havia
muita crítica política, o teatro de revista era um teatro inteligente. Ele não se limitava a ficar
mostrando mulher bonita de perna de fora. O Getúlio Vargas (presidente do Brasil) ia assistir
e ele adorava ver o ator vestido de Getúlio”. Ela acredita que pelo humor e pela graça pode-se
fazer diversas críticas que, de outra maneira, dificilmente seriam aceitas pelos políticos.
Freire Júnior, Saint-Clair Senna, Fernando Costa e Walter Pinto; Comendo as Claras (1943),
de Paulo Orlando e Walter Pinto; Eu quero sassaricá (1951).
Imagem 7: Walter Pinto (terceiro, da esq. à dir.) recepciona, no aeroporto, artistas para a revista É
Xique-Xique no Pixoxó, 1960.
O Carnaval era constantemente lembrado nas revistas de Walter Pinto e que atingiam
fama até mesmo na Argentina, inclusive seu elenco chegou a fazer temporada em Buenos
Aires. A arte do produtor era por vezes enaltecida e por outra desmerecida. Ao comentar
sobre o espetáculo Trem da Central o cronista Carlos Machado (1957) diz: "Nunca imaginei
que no Brasil houvesse um produtor de tal força para extasiar o público. O que acabo de ver
em Trem da Central é digno de ser mostrado em qualquer parte do mundo, sem receio de ser
superado".22
Outras impressões sobre o seu trabalho não se mostravam muito elogiosas; alguns
críticos da época comparavam os espetáculos de Walter Pinto a cópias de musicais da
21
Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/walter-pinto/bastidores-do-teatro-
de-revista/>. Acesso em 07 jun. 2015.
22
PINTO, Walter. Entrevista concedida ao Serviço Nacional de Teatro (SNT), 27 ago. 1975.
67
Broadway, porém, Íris afirma que a principal influência do ex-marido era o teatro francês e
narra, em entrevista que nos foi concedida o seguinte:
Maravilhoso! Chatíssimo né, porque ele era um gênio. Olha, ele nunca foi à
Broadway e fazia aquelas coisas maravilhosas, que a Broadway não tem. Eu
morei 9 anos, quase 10 em Nova Iorque, e nunca vi na Broadway, por exemplo,
em meio segundo o palco se encher d’água numa lagoa e subir os elevadores com os
duendes, com aquelas mulheres maravilhosas que vinham do fundo da lagoa, e daí
em meio segundo aquilo sumia e já tinha um número musical; aí os engenheiros não
conseguiam fazer, ele passou noites em claro, aí ele bolou um poço artesiano do lado
do teatro, que tinha um terreno muito grande, fizeram o tal poço artesiano, e em
segundos aquela lagoa enchia... Muito bom! Ele tinha uma cascata de fogos, você
vê, por muito menos já pegou fogo aí nesse boate no Sul que foi um horror, 300
mortos, foi uma tragédia; o Walter tinha uma cascata de fogos a vida inteira e
maravilhosa, mas com todos os requisitos né. O Walter era um gênio, e como todo
gênio, era chato, ele era muito chato...rsrsr...
Questionada sobre os recentes musicais que são apresentados no Brasil, Íris Bruzzi
diz: “Esse teatro musical que vemos hoje, eu gosto lá na Broadway, eu não gosto aqui não.
Me perdoem os colegas brasileiros, mas show é com os americanos, é outra coisa. Mas é
completamente diferente do Teatro de Revista”.
Os palcos revisteiros não viviam somente de vedetes com o estilo de Mara Rúbia e
Virginia Lane, havia as que chamavam mais atenção pelo seu humor feroz do que pela beleza.
Um desses exemplos foi Dercy Gonçalves, que se tornou uma atriz popular pela sua
comicidade, com sua voz marcante e estridente, divertia o público com chistes sobre as de
oscilações político-econômicas do Brasil e demais dificuldades nacionais que faziam refletir
sobre as realidades absurdas presentes na sociedade.
Dercy era o tipo de voz que poderia representar uma ameaça pela temática de suas
falas; contudo, apesar das tentativas, a censura ditatorial não obteve sucesso em calar a artista.
Nascida na cidade de Santa Maria Madalena, no Estado do Rio de Janeiro, no dia 23 de junho
de 1907, foi a vedete que mais se destacou na carreira televisiva, seu humor era a sua marca
mais efusiva.23 Suas roupas não revelavam tanto o corpo quanto as tradicionais vedetes, mas
23
JUNQUEIRA, Christine. Biografia de Dercy Gonçalves. Funart, 2006. Disponível em:
<http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-dercy-goncalves/>.
Acessado em 25. out. 15.
68
eram cheias de brilho, de plumas e muito luxo. Possuía status de estrela, sendo a atração
principal de vários espetáculos.
Outra vedete que seguiu a carreira cômica foi Berta Loran, que concedeu entrevista
para esta dissertação em sua casa, na cidade do Rio de Janeiro.25 Judia nascida na cidade de
Varsóvia, Polônia em 23 de março de 1926, veio com sua família para o Brasil aos 11 anos de
idade, fugindo da perseguição aos judeus na Segunda Guerra Mundial. Instalou-se em uma
residência na Praça Tiradentes, local que, anos mais tarde, receberia diversos espetáculos da
atriz. Seu pai, José Ais, era alfaiate e ator dramático.
24
Disponível em: <http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL1434780-9798,00-
FAFY+SIQUEIRA+PEDIU+AJUDA+ESPIRITUAL+A+DERCY+GONCALVES+PARA+INTERPRETAR+P
AP.html>. Acesso em: 20 jun. 15.
25
Entrevista completa com Berta Loran se encontra em Apêndices, a partir da página 235 deste trabalho.
69
Decidida a seguir os passos do pai, aos 14 anos participou de uma peça de drama do
grupo de teatro dirigida por ele. A colocaram para fazer o papel de uma avó e, quando estava
em cena, o salto de seu sapato quebrou fazendo-a mancar, causando risos na plateia; enquanto
isso, seu pai, nas coxias, gritava enlouquecido para ela sair de cena. Foi então que percebeu
sua preferência em fazer as pessoas rirem ao invés de chorarem.
Aos 19 anos, Berta Loran casou-se com o ator, também judeu, Suchar Handfuss, na
esperança que a ajudasse a despontar como atriz, auxílio esse que nunca obteve, além de estar
casada com uma pessoa viciada em jogos de azar. Levou 11 anos para decidir se separar de
seu esposo, e já contava com uma carreira consolidada por seus próprios méritos. Sua estreia
na televisão ocorreu no programa Espetáculos Tonelux, e dividiu as cenas com a vedete
Virgínia Lane, na TV Tupi.
Fez uma temporada de seis meses em Portugal, em 1957, com a peça Fogo no
Pandeiro. Em virtude de seu grande sucesso entrou para uma companhia de teatro portuguesa
e morou durante seis anos no país. Berta Loran afirma que "tem gente hoje em dia, jovens de
15 anos, 30 anos, que não gostam de teatro e que nunca foram. Isso é errado. Lá (Portugal) é
maravilhoso. Lá você não precisa ser bonita, você tem que ter talento". Ao regressar ao Brasil,
a vedete foi contratada pela TV Record e depois pela Rede Globo, empresa pela qual é
aposentada, focando principalmente na programação televisiva.
Apesar de anos longe do teatro, para esse trabalho foi realizada uma entrevista com
Berta Loran em seu apartamento que, com orgulho, diz ter comprado com o trabalho de um de
seus mais queridos espetáculos o Divirta-se com Berta Loran (1980), que contava com seus
números de dança, canções e, principalmente, seu jeito peculiar de contar piadas. Durante a
entrevista ela discorre sobre a vinda ao Brasil e os percalços vividos por uma aspirante a atriz
até a sua consagração.
A artista conta que vivia esbarrando com vedetes do Teatro de Revista e que tentou
adentrar nesse mundo, mas lhe faltavam os padrões de beleza, quesito essencial. Então,
resolveu apostar em seu diferencial que era fazer as pessoas rirem. Seu primeiro papel nos
palcos revisteiros foi em 1952, aos 26 anos, no Teatro Carlos Gomes. O convite partiu do
maestro Armando Ângelo que já conhecia seu trabalho.
70
O pai de Berta Loran nunca aceitou muito bem a escolha da filha pela comicidade,
mas isso não foi empecilho para ela continuar a fazer humor. Apesar de algumas atrizes
cômicas aceitarem colocar roupas engraçadas para chamar mais atenção, a atriz preferiu
inovar ao fazer humor vestida com elegância:
Quando precisava fazer uma cena de opereta eu sempre fiz em bonito, bem vestida.
Não no estilo do Zorra Total. Fazer rir é comigo porque eu via muitos filmes
americanos, os astros americanos trabalhavam sempre com a beleza. Essa era a
minha maneira, uma maneira nova de fazer o Teatro de Revista.
26
Disponível em: <http://salalatinadecinema.blogspot.com.br/2011/09/berta-loran.html>. Acesso em: 20 jun.
2015.
71
[...] Eram revistas muito bonitas porque tinham assim, 15 bailarinos, 15 bailarinas,
mágico... Sempre tinha uma cômica, não chamava comediante, era o cômico, o ator
cômico. E o povo tava habituado ao Teatro de Revista. Não é da minha época, mas
diziam que o Getúlio Vargas ia assistir as revistas. E nós tínhamos grandes vedetes,
Virgínia Lane, Mara Rúbia, Nélia Paula. Tinham muitas.
27
JUNQUEIRA, Christine. Biografia de Oscarito. Funart, 2006. Disponível em: <
http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-oscarito/>. Acessado em
25. out. 15.
72
Começou a despontar no teatro com a peça Calma, Gegê (1932), de Djalma Nunes,
Alfredo Breda e Amador Cisneiros, realizada no Teatro Recreio. Apesar de sua origem
espanhola, vivia fazendo personagens que representavam estereótipos brasileiros, e dizia
“Sou, ou não sou o ‘malandro carioca’?”. Faleceu aos 64 anos de idade, em 1970.
Imagem 10: Foto de Oscarito e Grande Otelo - Cena do Filme Carnaval no Fogo, de Watson
Macedo, 1959.
28
Disponível em: <http://advivo.com.br/comentario/re-vocalistas-tropicais-revisitado-em-homenagem-a-
danubio-1>. Acesso em: 05 jul. 2015.
29
SILVA, Camila Delfino da. Grande Otelo: um pícaro na cena brasileira. Dissertação (Mestrado)-Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012.
73
Em 1932 entrou para a Companhia Jardel Jércolis, uma das pioneiras das
apresentações do Teatro de Revista. Logo, recebeu o apelido de Grande Otelo, uma forma de
brincarem com sua baixa estatura. Sua trajetória artística dá-se nos palcos, na televisão e no
cinema; morreu de um ataque do coração a caminho de Paris, onde receberia uma homenagem
no Festival de Nantes.
Em Outubro de 2004, o ator foi lembrado na peça Grande Otelo – Êta Moleque
Bamba, com estreia no Teatro Sesi, no Rio de Janeiro. A peça excursionou em outras cidades
recebendo grande público e tornou-se um exemplo de musical moderno que faz memória a
outro momento musical brasileiro, com o enredo que mostrava a vida de Grande Otelo e os
demais artistas revisteiros.
A vedete nasceu em Araguari, Minas Gerais, no dia 1º de abril de 1942. Com apenas
16 anos mudou-se para o Rio de Janeiro com o sonho de ser atriz. Depois do seu ofício de
balconista de loja, começou a trabalhar na noite carioca em shows de strip-tease na Boate
Pigalle até ser contratada como girl para a revista Te Futuco... num Futuca, em 1959, por
Fernando D’Ávilla. Logo, entrou para na lista das Certinhas do Lalau, fato que impulsionou a
sua fama.
30
Entrevista completa com Brigitte Blair se encontra em Apêndices, a partir da página 244 deste trabalho.
74
Fonte: Fotolog. 31
Para essa dissertação foi feita uma entrevista com Brigitte Blair, no Rio de Janeiro, no
teatro que homenageou a artista dando o seu nome ao espaço. A ex-vedete falou sobre a sua
vida e, principalmente, dos tempos áureos de seus espetáculos. Questionada sobre o que era
exigido de uma artista para fazer sucesso no Teatro de Revista, Brigitte Blair diz:
[...] as produções muito caras e no Teatro de Revista você depende de gente jovem,
você depende de beleza, você depende de talento, porque não é um teatro que
qualquer pessoa faz, ele dança, canta, representa. [...]O marido da Íris mesmo, o
Walter Pinto, contratava as bailarinas todas argentinas, na época, vinham as
bailarinas argentinas. O Carlos Machado, por exemplo, trabalhei nos shows do
31
Disponível em: <http://www.fotolog.com/anos70/16853868/>. Acesso em: 15 jun. 2015
75
Carlos Machado, que a Íris também trabalhou, que era o grande homem da noite, as
bailarinas dele ele trazia tudo dos Estados Unidos; trazia as bailarinas dos Estados
Unidos, trazia as atrações; quer dizer, o teatro de revista é um show de atrações,
você apresenta um quadro agora, depois você apresenta um monólogo, depois
alguém canta, aí alguém representa, faz um drama, é um ping-pong; mas você
precisa de gente pra fazer isso tudo, precisa de técnica.
Aí o meu primeiro espetáculo que eu produzi, foi em 1965, no Teatro Serrador, que
é um teatro maravilhoso que tem ali no centro, na Senador Dantas, que hoje é de
minha propriedade, esse teatro é meu, hoje. Em 1965 eu fui ao meu teatro, fiz a
minha produção, minha primeira produção, montei uma comédia musical, é uma
comédia musical, não foi nem revista, peguei um texto e transformei em música ao
vivo, era música ao vivo, não era transmissão da Excelsior, a primeira produção,
estou devendo até hoje.
Não podemos deixar de citar neste trabalho o produtor, Miguel Lemos, dono de
teatro, que passou a produzir peças que remetiam às revistas, espetáculos mais simples em
relação aos de Walter Pinto, mas que traziam a essência do gênero. Passou também a investir
em shows musicais como os de Elza Soares, Maria Bethânia, além de espetáculos de travestis,
tendo o show Mimosas...Até certo ponto, em cartaz por mais de uma década.
Com o advento da televisão no Brasil em 1950 com a fundação da TV Tupi por Assis
Chateaubriand, muitas vedetes passaram a almejar o espaço televisivo devido o alcance cada
vez maior da inovação. Contudo, havia aquelas que preferiam os palcos, como foi o caso de
Brigitte Blair que, apesar de ter trabalhado em programas de humor ao vivo com Ronald
Golias e Roberto da Nobrega na extinta TV Tupi, sempre preferiu o teatro.
[...] eu nunca deixei o teatro. Aí quando eles foram fundar a Globo, o Walter Clark
que comandava a TV Rio, foi fazer a Globo, foi ele que fundou aqui, o Walter Clark.
Aí eu falei: “não, eu não quero ir pra TV Globo”, porque eu não gosto de trabalhar
em televisão, eu odeio. Eu fazia filmes também... Fazia filmes, fazia pontinhas nos
filmes; a gente tinha que trabalhar em vários lugares pra poder sobreviver. Aí eu
falei: “não, eu vou fazer o seguinte, eu não vou pra TV Globo.
Depois de abandonar a televisão e optar pelo teatro, Brigitte Blair escreveu, dirigiu e
produziu diversas peças, ademais ainda dirige espetáculos infantis apresentados no teatro que
leva seu nome, e conta com a ajuda da filha na produção dos mesmos. Em 1984 comprou o
seu segundo teatro, o Serrador, que atualmente está arrendado pela prefeitura do Rio de
Janeiro.
76
O teatro nacional passou pelos períodos mais difíceis de censura, principalmente entre
os anos de 1964 a 1985. Apesar da existência de relatórios de atividades teatrais realizadas
durante e nos anos posteriores ao Regime Militar, não há um acompanhamento completo de
todas as peças que foram vetadas. A quantidade de espetáculos censurados pode ser maior do
que é apontado nos relatórios, em virtude da descentralização do órgão central da censura
teatralter passado, em 1975, para os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo a
responsabilidade da análise teatral. Três anos depois outros estados seguiram a mesma
decisão.
De acordo com Miliandre Garcia (2008), a falta de um relatório que contemple todo o
universo da censura teatral é evidente quando comparado o número de peças analisadas no
ano de 1978 – 2.648 textos, com os dos anos seguintes, como o de 1980 que registra apenas
969 textos. Os números não apontam, necessariamente, a queda da produção de espetáculos,
mas a falta de uma sistematização eficaz no controle de peças analisadas.
Imagem 12: Foto de greve realizada pelas atrizes Íris Bruzzi, Wva Wilma, Odete Lara, Norma
Benguel e Ruth Escobar, 1968.
32
Disponível em: <http://www.passapalavra.info/2009/11/14529>. Acesso em: 05 jul. 2015.
77
Mesmo após o fim do regime ditatorial, a censura perdurou até o ano de 1988, quando
foi extinta pela Constituição. Por certo tempo o processo da censura seguia alguns
direcionamentos, sendo o primeiro realizado pelo produtor da peça, que tinha que formalizar o
espetáculo em seu estado de origem para conhecimento da censura regional, em seguida era
enviada para a matriz, em Brasília, onde o órgão central determinava o texto em três
categorias: a liberação, a vedação de maneira irrevogável ou o embargo do texto até que o
produtor da peça realizasse mudanças de trechos do respectivo texto apontados pelos técnicos
de censura. Nos dois últimos casos, não era expedido portaria, o que dificultava o controle do
que fora analisado (GARCIA, 2008).
Roda Viva é um marco do teatro brasileiro, com direção de José Celso Martinez
Correa. Estreou em 15 de janeiro de 1968, no teatro Princesa Isabel, no Rio de Janeiro, e
dispunha como protagonistas Marieta Severo, Heleno Prestes e Antônio Pedro. O texto era
forte e dinâmico, com os dilemas de um ídolo popular refém da Indústria de entretenimento e
da manutenção de uma imagem comercial. Para isso, ele decide mudar seu nome para agradar seu
público, de Benedito Silva para Ben Silver. Para ilustrar o ego da personagem principal e a perda
de sua essência, segue trecho do primeiro ato do espetáculo:33
BENEDITO
(Voltando para a câmera, empostando a voz, perdendo a naturalidade.)
33
Texto da peça Roda Viva. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/68709095/Chico-Buarque-Roda-Viva-
Teatro#scribd>.
78
A cortina já está aberta quando você chega: enormes rosas à esquerda, enorme
garrafa de Coca-Cola à direita, enorme tela de TV no fundo, uma passarela branca
avançando até a metade da platéia. (...) A campainha toca três vezes, a platéia faz
silêncio, ruídos estranhos saem dos alto-falantes, na tela de TV aparece uma frase:
“Estamos à toa na vida”. (...) Entra o coro, com longas túnicas vermelhas e
mantilhas pretas. Canta um triste Aleluia, rodeia Benedito. Aparece o Anjo da
Guarda (Antônio Pedro), o empresário de TV, com asas negras, cassetete de policial
na cintura, maquiagem de palhaço de circo: “Benedito não serve, nós precisamos de
um ídolo! Você será Ben Silver!” E o Coro joga para trás as túnicas e mantilhas, é
agora um grupo de jovens do iê-iê-iê que canta: “Aleluia, temos feijão na cuia!” (...).
Embora o sucesso obtido pela primeira montagem da peça, a censura demorou a tomar
consciência do espetáculo. Somente na segunda montagem, quando estrelaram os atores
Marília Pêra, André Valli e Rodrigo Santiago, substituindo o elenco original, a encenação foi
considerada uma forma de confronto à repressão da Ditadura Militar. Sobre o isso, o diretor
José Celso Martinez Correa, em entrevista presente no livro Censura, repressão e resistência
no teatro brasileiro (2008), diz:
A censura a proibiu (Roda Viva), mas isso não impediu que ela fosse um milagre
cultural! Em 1968 havia uma revolução cultural em que cabia o renascimento do
paganismo, do xamanismo... Um grande movimento que depois foi fragmentado em
outros: ecologia, feminismo, sexo livre. Ele mexeu no corpo, no sistema nervoso da
época. Em 1968 não se suportava mais os impulsos de restauraçao, queria-se tudo
novo. Eu não conseguia mais fazer teatro dentro de um palco-platéia. Foi ai que
comecou a ficar mais claro para nos do Oficina (grupo de teatro) o que o Oswald de
Andrade queria dizer com a proposta da Antropofagia, que foi seguida pelo
Tropicalismo. É a partir dessa fissura cultural que comeca a surgir realmente a visao
de autonomia que a peça Roda Viva propõe.(COSTA, 2008, p. 89).
O sucesso da peça surpreendeu ao próprio Chico Buarque que a classifica como ruim
e não autoriza novas encenacões do texto. A opinião do autor é a mesma de muitos teóricos de
teatro. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, o historiador Gustavo
79
Alonso opina que Roda Viva é supervalorizada e afirma: “Não é um texto político, é uma
crítica à jovem guarda”. Apesar das divergentes impressões sobre a obra, é preciso considerar
que se tornou uma das peças mais conhecidas da época que compete à Ditadura Militar.
Imagem 13: Foto de Uma das Cenas de Roda Viva, de Chico Buarque de Hollanda.
A repressão contra a peça alcançou o seu auge em 18 de julho de 1968, quando, após
uma noite de apresentação, cerca de 20 homens encapuzados adentraram na sala O Galpão, no
Teatro Ruth Escobar, armados de cassetetes e soco inglês sob as luvas. O jornal Folha de São
Paulo do dia 19 de julho de 1968, informou que os invasores “espancaram os artistas,
sobretudo as atrizes, depredaram todo o teatro, desde bancos, refletores, instrumentos e
equipamentos elétricos até os camarins, onde as atrizes foram violentamente agredidas e
seviciadas”35.
34
Disponível em: <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/03/como-sindicatos-de-artistas-mantiveram-uma-
relacao-ambigua-com-bcensura-na-ditadurab.html>. Acesso em: 06 jul. 2015.
35
Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_19jul1968.htm>. Acessado em: 26. nov. 15.
80
Mesmo com a identificação dos carros que serviram de fuga e da captura de três
homens no dia do ataque, ninguém foi considerado culpado, tão pouco punido pelo
acontecimento. Apesar da baixa de alguns artistas, a peça recebeu atores substitutos e chegou
a se apresentar no Teatro Leopoldina, em Porto Alegre em 30 de outubro de 1968, E
novamente ocorreram ataques, com sequestro de atores e a fachada do teatro pichada por
forças de direita.
Vale ressaltar que o teatro tradicional tinha a sua importância e era lembrado, porém, o
conceito de um espetáculo que refletisse essa realidade conturbada mexeu com o público
nesse período de censura, despertando a necessidade de propagar a mensagem dessas peças.
Dessa forma, a força das canções dessa apresentação atingiram pessoas que nunca
assistiram o espetáculo, ou seja, as músicas atuavam como uma continuidade da essência de
uma ideia. O fato de ter sido uma peça censurada cria, para a música, uma simbologia na luta
pela liberdade, ganhando bares, colégios, rodas de amigos e praças.
Para Arnaldo Daraya Contier (1998), no texto Edu Lobo e Carlos Lyra: O nacional e o
popular na Canção de Protesto (Os Anos 60), “o surgimento de novos mitos da música
popular, presos a uma explicitação mais política de suas linguagens -poética e musical -,
favoreceu a ampliação de um mercado consumidor desse imaginário”.
Ainda segundo o autor, a canção que passava a ser considerada de protesto “escrita por
dezenas de compositores durante os anos 60, num primeiro momento, representava uma
possível intervenção política do artista na realidade social do país, contribuindo assim para a
transformação desta numa sociedade mais justa”.37
Com estreia no dia 10 de agosto de 1968, em Porte Alegre, no Teatro Leopoldina, Dr.
Getúlio, sua vida e sua glória, voltou a ser encenado somente em 3 de Outubro de 1983 no Rio
de Janeiro, no Teatro João Caetano. O texto aborda a vida do ex-presidente Getúlio Vargas
(1883-1954), contada e representada pelo povo com duas histórias paralelas, uma que
mostrava a luta para se manter no poder do político, e outra que mostrava a maneira como a
sua consciência processava esses acontecimentos. O espetáculo não se trata de um resgate
histórico da trajetória de Vargas, tão pouco a representação dos traços perceptíveis de seu
temperamento, entretanto, o intuito do espetáculo era revelar os pormenores daquele momento
histórico e relacioná-lo com a realidade do Brasil.
36
CONTIER, Arnaldo Daraya. Edu Lobo e Carlos Lyra: O nacional e o popular na Canção de Protesto (Os
Anos 60). Rev. bras. Hist. vol. 18 n. 35. São Paulo, 1998. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881998000100002>. Acessado em: 14. out.15
82
No espetáculo, marchinhas são cantadas pelo pequeno coro que representava algumas
personagens, entre elas o povo, que igualmente ajudava a narrar a história. Segue letra da
marchinha Retrato do Velho de Haroldo Lobo e Marino Pinto, que revela a presença do coro
como uma personagem, lembrando a política trabalhista e nacionalista do governo Vargas. O
trecho aparece no início da peça e representa a resposta do Povo à fala de Lacerda, rival de
Getúlio (DIAS GOMES, 1992, p. 59):
POVO
(Canta e dança)
Possivelmente, esse espetáculo revela uma situação em que o teatro musical foi vítima
e talvez, por isso, demorou a voltar a ser frequente nos palcos brasileiros. Essa peça foi uma
das últimas apresentadas antes da promulgação do Ato Institucional nº 5, ou AI-5, que foi
83
Imagem 14: Foto de Cena do Espetáculo Dr. Getúlio e Sua Glória, 1968.
Dr. Getúlio sua vida e sua Glória voltou aos palcos depois da queda do regime militar,
porém intitulada Vargas. Os tempos mudaram, mas o musical sobreviveu tornando-se um
espelho de outrora, revelando tudo o que uma nação havia perdido e, principalmente, tudo o
que ainda poderia ser.
38
O Ato Institucional nº 5 garantiu poder aos governantes para punir arbitrariamente os que se colocassem
contra o regime militar. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm>. Acesso em:
26/25/2015.
39
Disponível em: <http://teatrojornal.com.br/2014/03/teatro-respondeu-a-ditadura-com-musicais/>. Acesso em:
06 jul. 2015.
84
Assim como Vargas, outros musicais foram resgatados e novos textos surgiram ao
longo dos anos. Contudo, as características dessas peças se afastaram das do Teatro de
Revista, sem os altos investimentos em figurinos, orquestras, cenários e atores. As cenas de
dança com diversos bailarinos foram praticamente excluídas, mas a encenação e a música
permaneceram.
Os espetáculos musicais que surgiram, principalmente, nos anos 1960, revelavam uma
contradição comparada ao que muitos críticos e pesquisadores teatrais defendem, que o teatro
no Brasil obedece somente a produções culturais importadas. Podemos considerar o Teatro
Arena um dos grupos responsáveis pela nacionalização do teatro brasileiro, tendo em sua lista
de produções musicais que ultilzavam estilos de música como o samba, além de temas
pautados em uma realidade brasileira, contribuindo para uma formação de opinião crítica
sobre os rumos que o país tomava naquela época.
Fundado em 1953 na cidade de São Paulo, o Teatro Arena surgiu com a proposta de
seus fundadores de realizar produções de baixo custo, mas que também agradassem ao
público, ideia essa que contrariava a praticada pela TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) que
apostava em um repertório internacional e altos investimentos, além do distanciamento do
cenário nacional, segundo Sílvia Fernandes (2000).
Além disso, vale ressaltar a categoria teatral inspirada na comédia musical norte-
americana, mas que utilizava características nacionais e temas políticos. Por exemplo, os
finais de alguns espetáculos utilizavam a apoteose 40 , recurso tipicamente utilizado em
musicais da Broadway. Peças como Ópera do malandro (1978) de Chico Buarque e O rei de
Ramos (1978), de Dias Gomes receberam a influência do formato estrangeiro, contudo,
conservaram as singulares qualidades das obras nacionais. Embora diante de provável
interferência, nem sempre as medidas tomadas nos espetáculos são admitidamente assimiladas
à arte europeia.
40
No teatro, a apoteose é a cena final, formada por diversos artifícios para acrescentar dinamismo e diferenciar a
cena das demais da peça.
86
41
Disponível em: < http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/2008/04/15/musicais_no_brasil.jhtm>. Acessado 16.
out. 15.
87
A censura e os produtores concordaram que os atores apareceriam nus uma única vez
durante a apresentação e por apenas um minuto, além de se manterem imóveis. Quarenta anos
depois uma nova montagem do musical foi lançada em 2010 no Rio de Janeiro, e outra, dois
anos depois, em São Paulo.
Depois dessa bem sucedida leva de musicais, a cena brasileira passou por anos
inexpressivos de investimento em espetáculos; somente em 1999, com a peça Rent, no Teatro
Ópera em São Paulo, foi retomada essa tendência de apresentações de musicais adaptados da
Broadway, influenciando uma nova corrente de musicais biográficos de brasileiros
reconhecidos pelo grande público e demais temáticas nacionais.
Rent foi trazida pela Time for Fun 42aos palcos brasileiros com direção de Billy Bond e
direção musical de Oswaldo Sperandio. A história se passa nos anos 80 e mostra a
convivência de jovens nova-iorquinos que passam por problemas diversos como o
desemprego, amores e decepções, além da abordagem de temas como a homossexualidade,
violência e a descoberta da AIDS.
Muitos consideraram que Rent conquistaria o público, assim como aconteceu com My
Fair Lady, mas que não seria frequentemente seguida de novos espetáculos do gênero. Porém,
em 2000, foi montado o musical O Beijo da Mulher Aranha, no Teatro Jardel Filho, em São
Paulo. A peça é adaptação de Kiss of the Spider Woman (1993) e contou com o elenco
Cláudia Raia, Miguel Falabella e Tuca Andrada, além da direção de Wolf Maia.
42
A Time for Fun é líder no mercado de entretenimento ao vivo na América do Sul, responsável pela maioria das
montagens de musicais da Broadway no Brasil.
88
Após esses dois musicais, o Brasil passou a receber cada vez mais adaptações de
musicais americanos, além da frequência das apresentações os investimentos também
aumentaram. O Brasil passou a carecer de mais profissionais que dominassem o canto, a
dança e a atuação, para isso, escolas abriram cursos específicos para artistas que querem
seguir carreira nos musicais brasileiros.
A produção foi protagonizada por Cláudia Raia, Miguel Falabella e Tuca Andrada.
Esses artistas tinham em comum, além de serem conhecidos do grande público através de
trabalhos realizados na televisão, o fato de dominarem de forma satisfatória as áreas de canto,
dança e atuação, requisitos primordiais para protagonizarem a peça que deu maior visibilidade
ao estilo dos grandes espetáculos da Broadway.
mesmo porque, na maioria das vezes, vem da Lei Federal de Incentivo à Cultura43 e, portanto,
são públicos.
O estilo Broadway, como ficou conhecido o gênero, foi ganhando espaço nos palcos
paulista e, em seguida, nos cariocas. Apesar de os valores dos ingressos serem mais altos, a
novidade de um grande espetáculo ao molde norte-americano, foi ganhando e fidelizando
público. Diversos espetáculos que estavam em cartaz há anos, na Broadway, ganharam os
palcos brasileiros.
Segundo a empresa T4F, o espetáculo Fantasma da Ópera foi assistido no Brasil por
cerca de 1 milhão de pessoas e teve investimento de US$ 26 milhões. Até este momento, o
musical apresentado no Brasil mais caro foi o Rei Leão, com investimentos de produção de
R$ 50 milhões.
Acredito que esse espetáculo tenha sido o primeiro de uma leva de musicais baseados
em roteiros brasileiros. Ele foi a prova que faltava para os patrocinadores, de que um
espetáculo musical para conquistar o público não precisa, necessariamente, ser uma adaptação
da Broadway e do West End. Os investidores passaram, então, a apostar em roteiros nacionais.
43
A Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991) prevê política de incentivos
fiscais, que possibilita pessoas jurídicas e físicas aplicarem uma parte do Imposto de Renda em ações culturais.
44
The Broadway League é uma associação da indústria dos teatros da Broadway.
91
Essa realidade ainda é recente e pouco analisada, mas o número de espetáculos dessa linha
não para de crescer.
Há uma realidade que pode contribuir para explicar a presença de espetáculos musicais
com dramaturgia brasileira: a diminuição do número de espetáculos da Broadway que ainda
não foram apresentados no Brasil. Como os patrocinadores investem altos valores nas
produções, buscam investir em espetáculos que podem ter mais chances de angariar público,
como as adaptações da Broadway que estão anos em cartaz e têm seus nomes conhecidos por
muitos brasileiros.
Com o passar dos anos, o gênero teatral foi criando nomes de artistas conhecidos,
fidelização de patrocinadores no estilo e público, porém, o Brasil não é a Broadway e não tem
necessidade de sê-lo, são histórias diferentes; Vale mencionar que a Broadway é um dos
pontos turísticos mais visitados da cidade de Nova York; a maioria das peças ali apresentadas
é assistida por turistas e não somente pelos moradores da cidade, o que possibilita manter a
mesma peça em cartaz durante anos, ainda mais sendo Nova York uma das cidades mais
visitadas do mundo.
Não é somente essa possibilidade que deu início ao recente fenômeno de musicais com
dramaturgia nacional, uma vez que assim como há críticos da influência da cultura norte-
americana no Brasil, no cinema, séries e afins, há também críticos que preferem que um
enredo tipicamente brasileiro seja apresentado no lugar de uma adaptação de peça americana.
92
Se há espaço, em solo brasileiro, para um musical sobre a vida da líder política argentina Eva
Peron, no espetáculo Evita, que recebeu duas produções brasileiras, sendo a última em 2011,
porque não haveria espaço para contar a história de Tim Maia, Elis Regina, Chacrinha, Cássia
Eller, entre outros artistas nacionais?
Até o momento não houve grandes produções musicais que tratassem com destaque
momentos históricos brasileiros ou histórias não biográficas que têm o Brasil como pano de
fundo. As iniciativas se limitam a biografias de artistas conhecidos do grande público. Mas é
sabido que esse cenário tende a se alargar em 2015 com a obra “Capitães da Areia”, de Jorge
Amado, escrita em 1937 que ganhará uma adaptação musical no Rio de Janeiro, tornando-se
exemplo de adaptação de obras literárias nacionais e que poderá desencadear uma nova leva
de espetáculos. Também ocorreu uma adaptação para o teatro do filme brasileiro Os
Saltimbancos Trapalhões – O Musical, a peça, que ficou em cartaz no Rio de Janeiro, no ano
de 2014. O humorista brasileiro Renato Aragão é a estrela do musical, tem do sido também o
protagonista do filme realizado no ano de 1988.
Outro filme brasileiro que virou musical em São Paulo no ano de 2014, foi o
espetáculo Se Eu Fosse Você – O Musical, inspirado no filme homônimo de Daniel Filho, que
assume a supervisão artística da peça. Todos esses roteiros brasileiros, provenientes de
adaptações de obras literárias ou de filmes, apresentam um teatro musical em constante
transformação. Elementos nacionais são agregados em um padrão estrangeiro, formando um
gênero que os caracteriza como nacional. Estamos diante dessa transformação que não está
finalizada, como ocorreu com o Teatro de Revista, gênero teatral musical que fez sucesso em
meados do século XX.
O debutar desses espetáculos não ocupou, por sua vez, o espaço das adaptações de
produções americanas que continuam sendo montados. Além do aumento de profissionais que
buscam cursos específicos para teatro musical, o que antes não havia nas escolas de artes,
houve um aumento significativo de novos produtores e diretores do gênero no Brasil.
93
com Laurey em uma carruagem repleta de enfeites no teto. Toda a história é ambientada na
Oklahoma do começo da década de 1900.
Imagem 15: Cena de Oklahoma! Momento em que a música de Farmer and the Cowman é
apresentada.
Imagem 16: Cena Final de Oklahoma! A Partida dos Recém-Casados Curly e Laurey.
45
Disponível em: <http://www.rnh.com/photos.html?gallery=154>. Acesso em: 05 ago. 2015.
46
Disponível em: <http://www.rnh.com/photos.html?gallery=154>. Acesso em 05 ago. 2015.
95
São muitas as possíveis razões para o musical ter alcançado sucesso de público, talvez
o que mais justifique o encantamento dos espectadores são os detalhes, como por exemplo, a
mudança do nome do musical47 e a música Oklahoma que inspirou o novo nome. A atenção a
essas adaptações bastou para gerar um espetáculo muito diferente do que era conhecido.
No início da peça eram esperadas bailarinas com trajes minúsculos e uma música
vibrante e contagiante, elas apareciam somente após 20 minutos de apresentação e, para
decepção de muitos, estavam cobertas com saias longas e sapatos pesados; as meias finas e
elegantes foram substituídas por outras, grossas, de acordo com a moda rural do início do
século XX. Quando as cortinas se abriam, no lugar de belas bailarinas, uma senhora, em
primeiro plano, batia manteiga em um cenário de uma pradaria com montanhas ao fundo e ao
som de um caubói que cantava Oh, What a Beautiful Morning.
A estranheza foi uma reação típica daquilo que era novo para o público e, Oklahoma!,
definitivamente, foi revolucionário. Essas conclusões precipitadas dos espectadores
resultaram em um curioso fato sobre a peça. Um dos investidores do show havia mandado um
representante em uma apresentação em New Haven querendo saber sua opinião sobre o
espetáculo que, para ele, era uma esperança de lucro.
47
Originalmente o musical chamava-se Away We Go! (Lá Vamos Nós!).
96
Hammerstein II, nascido em 1895, descendia de uma família envolvida com teatro.
Seu pai, Wiliiam, trabalhou por muitos anos como diretor do teatro de vaudeville, além de um
produtor de sucesso da Broadway, assim como seu tio Arthur. Já o avô, Oscar, foi um
talentoso empresário da Ópera. Durante os estudos de Direito, Hammerstein II escrevia
músicas para apresentações musicais na Columbia University.
48
Disponível em: <http://www.rnh.com/about_us.html>. Acesso em 05 ago. 2015.
98
elemento narrativo, deixando de ser apenas pausas de um enredo. Agora, o musical era
considerado completo.
Todavia, com o passar dos anos, muitos musicais conseguiram cativar o público, como
Oklahoma!. Novas histórias foram surgindo e lotando as plateias de teatros da Broadway, que
não se limitou aos espectadores nova-iorquinos, atraía admiradores ao redor do mundo. O
sucesso garantia a um musical manter-se anos em cartaz, fortalecendo a Broadway como a
área teatral mais rentável do mundo.
Outro serviço realizado pela The Broadway League é a supervisão das relações
governamentais nas produções, assim como bancos de dados, relacionados ao alcance de
público dos musicais. De acordo com um levantamento divulgado pela liga, em novembro de
2014, contemplando a temporada que compreende de junho de 2013 a junho de 2014, houve
público recorde de 8,52 milhões de admissões por turistas nos teatros da Broadway que
representam 70% de todos os bilhetes.
O estudo aponta que os turistas domésticos compraram 49% de todos os bilhetes para
a Broadway e os turistas internacionais, 21%. O sexo feminino representou 68% do público,
sendo a idade média da Theatregoer Broadway de 44 anos. Os preços dos espetáculos não
mantêm o padrão de preços populares, eles sofrem variações, às vezes, abruptas. Ainda
segundo o levantamento, a renda média familiar anual do público era de $ 201,500. Dos
espectadores com mais de 25 anos de idade, 78% têm nível superior completo e 39% tinham
cursado pós-graduação.
Um dos intuitos do The Broadway League é fidelizar público. Os dados mostram que a
média da frequência dos espectadores é de quatro apresentações no período de um ano. O
99
grupo de fãs mais devotos chegam a assistir 15 ou mais produções e representam, apenas, 5%
da audiência, porém corresponde a 35% da venda de todos os ingressos.
O espetáculo que está há mais tempo em cartaz na Broadway, The Phantom of the
Opera (em português: O Fantasma da Opera), teve sua estreia no teatro Majestic, no dia 26
de janeiro de 1988. Mais de um quarto de século depois, a produção já arrecadou cerca de U$
990 milhões, alcançou um público de mais de 16 milhões. Foram diversas as montagens do
espetáculo que, ao longo dos anos, foi ganhando cenários suntuosos e figurinos cada vez mais
100
elaborados e caros, além de novidades não presentes na primeira adaptação sem, contudo, se
afastar do roteiro composto por Andrew Lloyde Webber, que também compôs a maioria das
músicas do espetáculo. A versão do musical denominada Phantom – The Las Vegas
Spectacular, montada especialmente para ser apresentada no teatro Venetian Resort Hotel, em
2005, foi a mais cara da história com a marca de U$ 75 milhões.
O musical foi baseado no romance homônimo de Gaston Leroux e narra a história que
se passa no século XIX, na Ópera Gamier em Paris, de uma jovem soprano, Christine Daaé,
que passa a ser objeto da obsessão de um artista atormentado que vive no subsolo do
tradicional teatro. Como ninguém sabe quem é o talentoso músico, visto raramente nos cantos
escuros do teatro portando uma máscara no rosto, ele passa a ser conhecido como o Fantasma
da Ópera. Por sua vez, a jovem se vê dividida entre o amor do Visconde Raoul e da
fascinação crescente pelo misterioso “fantasma”.
Apesar de The Phantom of the Opera ser a produção que há mais tempo é apresentada
na Broadway, a primeira apresentação do musical ocorreu no Teatro de Sua Majestade, em
Londres, na Inglaterra, no dia 9 de outubro de 1986, dirigido por Hal Prince, além de contar
com design de Maria Bjornson, iluminação de Andrew Bridge e coreografia de Gillian Lynne.
Atualmente, quase 30 anos depois, o musical está em cartaz no mesmo teatro londrino de
estreia com a marca de mais de 11 mil performances.
De acordo com informações do site oficial do musical The Phantom of the Opera49,
estima-se que a peça tenha sido assistida por mais de 140 milhões de pessoas, e o total bruto
mundial alcançou o valor de mais de $ 6 bilhões; as últimas informações são do ano de 2012.
O show ganhou mais de 70 prêmios importantes do teatro, incluindo três Prémios Laurence
Olivier Awards, apresentado anualmente pela Society of London Theatre, para reconhecer a
excelência no teatro profissional.
O livro que baseou o musical, também teve uma versão cinematográfica que contou,
em sua divulgação, com a ajuda da popularidade da produção teatral. O diretor Joel
Schumacher assumiu a filmagem, cujo lançamento se deu em todo o mundo no final de 2004,
estrelado por Gerard Butler, como The Phantom, Emmy Rossum como Christine e Patrick
Wilson como Raoul.
49
Disponível em: http: <//www.thephantomoftheopera.com/>. Acesso em: 13. Out.15
102
lustre do teatro despencar, cena que, devido à tecnologia e investimentos na produção, deixa o
espectador assombrado com a semelhança com a realidade.
Mas a impressão de queda, ao vivo, custa valores que somente uma grande produção
teatral pode arcar. Com base nos espetáculos comerciais rentáveis, são exigidos da produção
níveis extremos de profissionalismo em diversos setores, desde a busca por investidores, às
maquiagens elaboradas; tanto trabalho para manter um padrão de musical “digno da
Broadway” e se manter em cartaz durante anos.
As produções que têm padrões Broadway e West End exigem uma demanda de
profissionais específicos para musicais, que chegam a ter, como no caso de The Phantom of
the Opera, mais de 100 pessoas no elenco. Há toda uma logística por trás dos bastidores para
conduzir ensaios e manter a qualidade dos atores, sonoplastia, cenografia, figurino e,
obviamente, as surpresas marcantes do espetáculo, como a rebuscada queda de um lustre de
três metros.
Pierce (2013, p. 12) defende que todos que fazem parte do trabalho teatral são artistas.
“Não importa a função, a profissão, todos contam com uma sensibilidade especial para
executar o seu trabalho. Todos estão em harmonia com a ‘pulsação’ do espetáculo para fazer a
magia acontecer”. Não existe, ainda, em português, uma definição precisa de Stage Manager,
mas Pierce define a função como um “Coordenador do Espetáculo”.
Os diretores ficam 100% com o Elenco na sala de ensaios, assim como a Equipe
Técnica fica 100% no palco. Precisava de uma pessoa que pudesse conferir e
assegurar-se que tanto a parte técnica quanto a artística estivessem correspondendo.
Surgiu, então, o Stage Manager, como o informador, organizador, coordenador e
conciliador entre o artístico e o técnico, e como a pessoa responsável pelo
103
Para manter esses artistas já consagrados, a produção precisa fazer do que realizar
contratos vantajosos para ambas as partes, garantir o conforto e a tranquilidade nos ensaios e
nas apresentações; muitas vezes, exige dela, produção, muito jogo de cintura para essa
adequação. Ao enumerar funções do Stage Maneger, Pierce cita que “uma função muito
importante é a de agradar as pessoas com quem trabalha”.
As decisões de escalar estrelas do cinema nos musicais teve maior evidência no ano de
2013, quando Scarlett Johansson aceitou o convite para estrelar o musical Cat on a Hot Tin
Roof. O papel de Johansson já foi vivido por Elizabeth Taylor no filme de Ricahrd Brooks, de
1958. O astro Tom Hanks atuou, também em 2013, no espetáculo Lucky Guy, como o
repórter e colunista Mike McAlary. Por sua vez, o ator Al Pacino nunca escondeu sua
devoção pelos palcos, chegou a ser indicado aos Tonys e ao Drama Desk por seu desempenho
como Shylock no musical O Mercador de Veneza.
Charles Möeller nasceu em Santos, em 1967, criado em São Vicente, ambas cidades
do litoral do Estado de São Paulo, começou sua carreira como ator, mas trabalhou como
cenógrafo e figurinista para conseguir se manter estudando teatro em São Paulo; com o
tempo, passou a aceitar trabalhos como diretor e autor teatral, além de escrever e dirigir
produções para a televisão. A sua versatilidade o levou a trilhar diversos caminhos, quando
não conseguia algum trabalho como ator tentava como figurinista ou cenógrafo. E assim ele
perseguia o sonho que, muitas vezes, lhe parecia estar distante diante de tantas dificuldades do
meio artístico.
Möeller e Botelho formaram uma dupla de forma oficial, em 1997. A união dos
talentos viria a contribuir de maneira significativa para o cenário do teatro musical no Brasil.
O Rio Jazz Club, no Rio de Janeiro, foi o local que recebeu a primeira produção em que
trabalharam, Sondheim Tonight, baseado nas produções teatrais e cinematográficas com
músicas compostas por Stephen Sondheim. O primeiro espetáculo musical da dupla foi As
Malvadas, com texto e direção de Möeller, que escreveu todo o roteiro em apenas quatro dias,
a direção musical ficou por conta de Botelho. Assinaram separados os trabalhos sem a
consciência que funcionariam melhor como dupla, como marca.
50
Disponível em: <http://www.moellerbotelho.com.br/index.php/mb/a-dupla>. Acesso em: 07 ago. 2015.
106
Botelho, como é o caso de Kiara Sasso, que mudou o nome para Kiara Kasso, considerada,
atualmente, uma das grandes estrelas dos musicais brasileiros.
Um tiro no escuro: a gente inventou que podia fazer uma peça, ele escreveu, eu fiz
as letras, aquilo entrou em cartaz e assim nasceu uma dupla, de maneira quase
irresponsável. O que levou a isso, foi apenas a vontade de fazer teatro e fazer
musical, nada além disso. E deu certo. Naquele momento nós dissemos: somos
autores, somos uma dupla, vamos fazer musical. Ganhamos o prêmio Sharp de
melhor musical naquele ano e isso foi um enorme incentivo. Pena que o dinheiro do
prêmio foi – digamos – reivindicado pelo produtor que se achou com mais direito a
ele do que nós. (CARVALHO, apud Möeller, 2009, p. 78).
parte do musical: Ada Chaseliov, Alessandra Maestrini, Gottsha, Inez Viana, Ivana
Domenico, Stella Maria Rodrigues, Stella Rabello, Cláudio Bottelho e Kiara Sasso.
Aos poucos a dupla foi crescendo e descobrindo que o público era receptivo aos seus
musicais. E, embora sem uma frequência de apresentações, a crítica estava aceitando as
produções por eles realizadas. Empolgados com a receptividade conquistada pela última peça,
partiram, então, para a primeira adaptação de um espetáculo originário da Broadway,
inclusive adquirindo os direitos autorais do texto. Company, um musical clássico da década
de 1970 foi o escolhido. A ideia inicial era que o espetáculo fosse dirigido por Jorge Takla,
contudo, por divergências relacionadas aos ensaios com Botelho que faria o papel de Boby, o
diretor abandonou a peça e os direitos autorais permaneceram com a dupla que aproveitou a
oportunidade para trazer ao Brasil, pela primeira vez em um espetáculo, as composições de
Stephen Sondheim. E, para engrandecer o momento de Möeller e Botelho, o próprio
compositor veio ao Brasil para assistir ao espetáculo. “Suas palavras [as de Stephen
Sondheim] eram um misto de elogio e de surpresa por encontrar um elenco tão preparado no
Brasil, país que não tem (ou não tinha) nenhuma inscrição no mapa de produção de musicais
pelo mundo” (CARVALHO apud Möeller, 2009, p. 88).
de Luís Antônio Martinez Corrêa. O texto mostra uma década de 1940 com legalidade da
prostituição, jogo e contrabando. Muitas personagens do enredo são prostitutas e malandros.
Vale ressaltar que esse espetáculo é exemplo de um musical que estreou em uma
época de extrema censura ditatorial. Quanto ao seu conteúdo cultural, os dramaturgos
utilizavam técnicas na composição de roteiros para que a mensagem transmitida
permanecesse nas entrelinhas para, assim, despertar a capacidade de reflexão do público sobre
a condição em que viviam. Dessa forma, sem uma fala explícita, o texto poderia facilmente
receber a aprovação da censura.
Charles Möeller e Cláudio Botelho são os responsáveis por trazerem, em 2003, uma
nova releitura da peça. A sonorização, cenário e figurino mostraram grande evolução diante
da primeira montagem do espetáculo, mas a mensagem do texto foi conservada e se revelando
atual.
51
Disponível em: <http://lyricalbrazil.com/2014/12/22/homenagem-ao-malandro-homenagem-a-velha-guarda/>.
Acesso em: 07 ago. 2015.
109
Imagem 20: Cena de Ópera do Malando, montagem de 2003, com direção de Charles Möller e
Cláudio Botelho.
Imagem 216: Cena de Ópera do Malando, montagem de 2014 com direção de João Falcão.
52
Disponível em: <http://www.axion.com.br/em_concerto.htm>. Acesso em: 07 ago. 2015.
53
Disponível em: <http://redeglobo.globo.com/globoteatro/reportagens/noticia/2014/08/apos-sessoes-
no-municipal-opera-do-malandro-estreia-no-net-rio.html>. Acesso em: 07 ago. 2015.
110
Situado nos anos 40, período do Casino da Urca, a história mostra a legalidade do jogo
e o contrabando no Rio de Janeiro; realidades ainda presentes, como a prostituição no
calçadão de Copacabana, o contrabando de mídias piratas e aparelhos comprados no Paraguai.
O “jeitinho brasileiro” está presente nas cenas da peça e revelam uma malandragem na
solução de diversos problemas, onde tirar vantagem é quase lei.
As montagens do espetáculo mostram que um mesmo enredo pode fazer parte de dois
diferentes momentos do Teatro Musical Brasileiro, indo contra o pensamento de que o atual
momento do musical no Brasil traz apenas formatos estrangeiros. Embora no início deste
século textos estrangeiros fossem predominantes, os enredos brasileiros também estavam
presentes e aos poucos foram ganhando seu espaço, pois a mescla de formatos também
proporcionou a implantação de recursos de cena inspirados em formatos estrangeiros.
111
Estamos em um processo. Ainda é cedo para dizer que o Teatro Musical Brasileiro
possui, em sua maioria, textos nacionais. Também é precipitado afirmar que as adaptações
fiéis aos textos estrangeiros irão se extinguir; elas ainda agradam e possuem público. Mas o
que percebemos é que os textos brasileiros também tem seu espaço, cada vez mais
conquistando, fidelizando público, e evoluindo.
54
JUNIOR, Dirceu Alves. Claudio Botelho, um “Nine” rodriguiano e o musical brasileiro: “precisamos de
compositores. O resto já temos”. Disponível em: http://vejasp.abril.com.br/blogs/dirceu-alves-jr/2015 maio
15/claudio-botelho-nine-musical-felliniano-charles-moeller-teatro/. Acesso em: 05 dez. 15.
112
Cláudio Botelho, por exemplo, foram produzidos pela Aventura Entretenimento55. A parceria
foi rompida há algum tempo e a empresa deixou de se concentrar nas montagens de
adaptações da Broadway para apostar em obras ligadas à cultura brasileira. A primeira
tentativa foi Rock in Rio – O Musical, de 2012, que traz uma história lúdica sobre as
sensações diversas causadas pela música; apresentou cerca de 50 canções que marcaram
diversas edições do festival Rock in Rio, que acontece desde 1985, sendo considerado um
evento de repercussão mundial.
55
Produtora de musicais do mercado brasileiro, criada em 2008. Possui mais de 2.400 apresentações de
espetáculos culturais.
56
Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/blogs/dirceu-alves-jr/2013/07/12/rock-in-rio-o-musical-surpreende-
pela-dramaturgia/>. Acesso em: 15 ago. 2015.
113
brasileira. Foi, então, montada a produção Elis – A Musical, com grande repercussão na
mídia, e críticas que divergiam opiniões. Segue um trecho da crítica de Nelson de Sá
publicada no jornal A Folha de São Paulo, do dia 19 de março de 2014.
Vale ressaltar que Jesus Cristo Superstar é um musical de 1970 como uma ópera-rock.
Após um ano, devido ao seu sucesso, foi para a Broadway e ganhou adaptações em diversos
países.
57
Matéria do Jornal Correio Braziliense Disponível em:
<http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-
arte/2014/11/04/interna_diversao_arte,455840/musicais-brasileiros-buscam-cada-vez-mais-inspiracao-em-
biografias.shtml>.
114
mais de 200 mil. O biográfico ganha popularidade devido à identificação do público com as
músicas e a trajetória dos artistas, o que difere de um musical totalmente original, pois sofre
maior resistência do público.
Elis – A musical, tem direção feita por Dennis Carvalho, conhecido como diretor de
televisão, fez sua estreia no teatro. O Texto foi escrito por Nelson Motta (que foi produtor e
amigo pessoal de Elis) e Patrícia Andrade, e as músicas são do repertório da própria Elis. O
espetáculo contou com uma grande produção, assim como as adaptações da Broadway no
Brasil. Foram mais de 3 mil inscritos para as audições, 200 atrizes disputaram o papel de Elis
Regina, sendo escolhida Laila Garin e Lílian Menezes. A banda é formada por nove músicos,
o palco contou com 19 atores em cena e a produção por mais de 250 pessoas. Todo esse
trabalho demandou um custo de R$ 10 milhões.
Imagem 23: Cena de Elis - A Musical, com a atriz Laila Garin. Caio Gallucci.
58
Disponível em: <http://blog.usereserva.com/post/106240742579/qual-%C3%A9-a-boa>. Acesso em: 15 ago.
2015.
115
Elis – A Musical é um dos diversos musicais biográficos dos últimos anos no cenário
teatral brasileiro. Tiveram suas canções relembradas e suas vidas encenadas ou ao menos
partes delas, os artistas brasileiros Cazuza, Clara Nunes, Lamartine Babo, Clementina de
Jesus e Adoniran Barbosa, Tim Maia, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Renato Russo,
Cauby Peixoto, as cantoras do rádio Emilinha Borba e Marlene, Luiz Gonzaga, Milton
Nascimento, Cartola, Elizeth Cardoso, Candeia, Ary Barroso, Rita Lee, Cássia Eller, Chacrinha,
Cláudia Raia, Wilson Simonal, entre outros.
Há musicais que também abordam a vida e/ou obra de artistas vivos que são grandes
nomes da música brasileira, como os já citados Milton Nascimento e Cauby Peixoto, além do
musical sobre a vida e a carreira da atriz Cláudia Raia que, inclusive, estrela a peça. A música
brasileira moderna também foi tema teatral com o espetáculo sobre a banda Charlie Brown
Jr., formada em Santos no ano de 1992. O grupo misturou em suas músicas diversos ritmos
como o reggae, skate punk, rock e hardcore e possuía grande destaque na mídia. O musical
foi realizado somente após o término da banda, fato ocorrido devido a mortes trágicas de dois
integrantes, conhecidos como Chorão e Champignon. Os dois artistas faleceram no ano de
2013, com diferença de meses. Já o musical Dias de Luta, Dias de Glória, em que o título
baseia-se em uma das músicas do grupo, teve estreia no ano de 2015.
De acordo com François Dosse (2009), a biografia está entre a vontade de reproduzir
um passado real de alguém e a imaginação do biógrafo, que deve refazer uma trajetória
passada com intuição e criatividade.
59
Disponível em: <http://www.guiadasemana.com.br/artes-e-teatro/noticia/tudo-sobre-o-musical-dias-de-luta-
dias-de-gloria>. Acesso em: 20 ago. 2015.
117
No caso de Elis – A Musical, o texto foi escrito por um amigo da cantora, que teve um
contato intenso com a atriz, e acabou passando para o palco suas impressões e sentimentos. O
resultado final de um musical é a forma da criatividade do dramaturgo. No caso do musical
Dias de Lutas, Dias de Glórias, a falta de aprovação do texto do espetáculo por parte dos
familiares do biografado, é o resultado da falta do conhecerem a trajetória dos integrantes da
banda. E, para driblar a falta de autorizaçao de imagm por parte da ex-esposa de Chorão, por
exemplo, o dramaturgo criou uma personagem com outro nome que representava todas as
mulheres que passaram pela vida do cantor e, inclusive, representa a ex-mulher do artista.
Em suma, uma das principais diferenças em uma biografia adaptada para o teatro com
relação ao livro biográfico é a maneira de contar a história, pois ela deve ser mostrada através
de recursos diversos que estarão presentes em uma cena e, no livro, a imaginação fica por
conta do leitor.
O diretor Roberto Lage, acredita que muitos espetáculos biográficos não são fiéis aos
acontecimentos da vida dos biografados e que devemos “pegar os valores brasileiros da nossa
cultura e construir espetáculos musicais que não necessariamente sejam biográficos, porque
esses espetáculos biográficos acabam sendo mentirosos com relação ao biografado”. Ele
exemplifica com o musical Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz, o Musical (2014), que, segundo
118
ele, Lucinha, mãe do cantor Cazuza, não permitiu colocar algumas cenas que poderiam
denegrir a imagem do artista. Lage complementa:
[...] acho que resgatar nossa cultura nossos compositores nosso valores essa coisa
toda é significativo então acho que é um momento ainda de transição, não de
consolidação, é um momento de transição no mundo do teatro musical no Brasil em
que o número de musicais com conteúdo nacional de cultura brasileira ou de pessoas
ligadas à cultura brasileira está em maior número do que os musicais importados.
O diretor João Fonseca, responsável pelos musicais Tim Maia - Vale Tudo, Cazuza –
Pro Dia Nascer e Cássia Eller – O Musical, antes de dirigir musicais biográficos afirma que:
Eu falava mal pra caramba de musicais biográficos. Achava sem graça, oportunista,
tudo o que falam sobre meus espetáculos hoje em dia [...] Eles conseguem romper
com a resistência de quem odeia musicais. As pessoas vão porque são fãs das
músicas ou do artista e podem se encantar pelo teatro musical. (Fonseca, apud
TORRES, 2014).
Questionado sobre o futuro dos musicais no Brasil, o ator Paulo Goulart Filho (2015),
acredita que as influências dos espetáculos estrangeiros foram benéficas para o musical
brasileiro:
Está no caminho, pegar o que tem de bom dos americanos, de Londres, aprender
com eles, saber que eles têm um know how incrível e absorver isso, a tropofagia,
voltar lá pra trás pegar tudo e misturar, e vomitar do nosso jeito. Porque a gente tem
muita história boa para contar aqui, nós somos um povo altamente rítmico, musical,
dançante. Agora está aí, então usar isso como força, acho que deve continuar os
musicais lá de fora sim, tem que trazer de tudo, quem não tem possibilidade de ir lá
fora, porque não trazer os musicais pra cá.
Ele também defende a ideia que musicais biográficos ajudaram a aumentar o número
de espectadores no teatro. A Peça sobre a vida e carreira de Tim Maia, por exemplo, teve mais
de 400 mil espectadores desde sua estreia em 2011 e passou por mais de uma dezena de
cidades brasileiras.
Charles Möeller e Cláudio Botelho passaram a trabalhar com mais recursos a partir da
parceria com a empresa CIE-Brasil, permitindo que tivessem mais tempo e energia para
criarem o que realmente tinham paixão por fazer. Sweet Charity foi o musical da Broadway
escolhido e traduzido para o português por Botelho. A versão brasileira contou com a
119
participação da estrela Cláudia Raia, conhecida pelo público brasileiro por suas atuações em
novelas da TV e musicais de teatro.
O espetáculo Sweet Charity é assinado por Bob Fosse, responsável também por
Chicago. No Brasil a produção estreou em 13 de setembro de 2006, no Credicard Hall. Além
da adaptação brasileira de Cláudio Botelho, contou com a direção de Charles Möeller, e
direção musical de Miguel Briamonte. A história conta a trajetória da dançarina de cabaré
Charity Hope Valentine, representada pela atriz Cláudia Raia que, após diversas decepções
amorosas, se encontra com Oscar Lindquist, interpretado por Marcelo Médice. Os dois se
apaixonam e Charity é pedida em casamento, porém, sem ter contado sua verdadeira profissão
para o namorado.
O elenco foi composto por 27 atores-bailarinos; ao todo, o espetáculo contou com 200
profissionais entre elenco e produção. Só de figurinos o número chegou a 120. Cláudia Raia
saiu por dois meses do Rio de Janeiro para ensaiar a peça em São Paulo. Sobre a rotina de
ensaios, a atriz disse em entrevista à Folha On-line (2006): “Estou acostumada a trabalho
intenso, mas montar um musical é completamente diferente, é três vezes mais trabalhoso que
qualquer outra coisa, tem interpretação, vocal e dança, tudo ao mesmo tempo. É dedicação
integral”.
Os cenários, que antes eram definidos de forma mais simplória, passaram por uma
melhoria de elaboração e até um elevador foi comprado para a cena em que Charity se
encontra pela primeira vez com seu futuro namorado, Oscar; cena essa que é o início do
romance entre as personagens. Porém, na noite de estreia, o elevador não funcionou,
resultando em um dia memorável para a dupla. A partir desse problema, perceberam que
grandes cenários, estilo Broadway, precisam ser pensados milimetricamente e
cronologicamente para os momentos de entradas, permanências e saídas no palco. “Não
cometeria os mesmo erros. Na verdade aprendi fazendo. Entendi, por exemplo, que precisava
estar muito mais próximo do cenógrafo. Eu pensava que ele poderia resolver qualquer
problema” (CARVALHO apud Möeller, 2009, p. 132).
120
Muitas pessoas envolvidas no teatro classificavam a dupla como aqueles que tinham
interesse somente na Broadway, dando pouca importância para a produção nacional. Mas a
trajetória revela um início com textos e músicas da dupla enaltecendo as canções brasileiras,
como Sassaricando – E o Rio inventou a Marchinha de 2007, que apresenta diversas
marchinhas de Carnaval divididas em dois atos.
Vale lembrar que muitas marchinhas carnavalescas são oriundas dos palcos do Teatro
de Revista, pois é a matéria prima de outro período de destaque do Teatro Musical Brasileiro.
O espetáculo traz cerca de 100 canções e volta aos palcos cariocas sempre nos meses que
antecedem o Carnaval.
60
Disponível em: <http://www.moellerbotelho.com.br/index.php/sweet-charity>. Acesso em: 23 ago. 2015.
121
Outro musical, considerado por Möeller e Botelho um dos mais queridos, justamente
por ser o primeiro completamente autoral, contendo todas as falas, letras e melodia inéditas,
foi 7 – O Musical. Para Botelho, os demais espetáculos os prepararam para vivenciar
profundamente a construção e execução do musical. Com músicas de Ed Mota, a produção
estreou em 2007 no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, e trazia histórias inspiradas em
contos dos Irmãos Grimm, principalmente o drama da Branca de Neve, vítima de inveja por
sua beleza. O espetáculo recebeu o Prêmio Shell em 2007 nas categorias de melhor direção,
figurino e iluminação. Além disso, outros musicais da dupla receberam destaque pela temática
brasileira, são eles: Os Saltimbancos Trapalhões – O Musical, Todos os Musicais de Chico
Buarque em 90 minutos, Milton Nascimento – Nada será como Antes – O Musical,
Suburbano Coração, entre outros.
61
Disponível em: <http://www.moellerbotelho.com.br/index.php/sassaricando>. Acesso em: 30 ago. 2015.
122
Kiss me Kate – O Beijo da Megera, apresentado pela primeira vez no mês de outubro, no Rio
de Janeiro.
Ao longo de quase duas décadas a dupla esteve à frente de, contando com o espetáculo
que ainda está em produção e será lançado em 2016, no Rio de Janeiro, Se Meu Apartamento
Falasse (Promises, Promises), 37 espetáculos, entre adaptações de textos e músicas de autores
estrangeiros e de autores brasileiros, assim como de textos próprios.
Entretanto, os musicais não foram realizados somente por Möeller e Botelho. Outras
empresas igualmente buscaram direitos autorais e patrocínios de diversos espetáculos teatrais,
como a empresa Time For Fun que, com apoio de empresas privadas e do Ministério da
Cultura, trouxe diversos espetáculos aos palcos brasileiros. Algumas produções ainda trazem
em suas produções nomes como o de Miguel Falabella que, em parceria com a Chaim
Produções, esteve à frente de várias montagens. A atriz Cláudia Raia, acostumada a estrelar
musicais, também se tornou responsável pela produção. Ambos os artistas são contratados da
Rede Globo e conhecidos do grande público, principalmente por seus trabalhos na televisão.
Todavia, são igualmente reconhecidos por atuarem e produzirem espetáculos musicais; no
caso de Falabella, até mesmo pela realização de roteiros, traduções e direções de espetáculos.
123
O grande público, mesmo sendo a favor da “arte superior”, apresenta geralmente uma
apreciação natural por formas artísticas menos complexas. Ainda segundo Hauser, o público
opta assistir certa obra a partir do grau de envolvimento que esta irá lhe proporcionar. Apesar
de a maioria das adaptações para o cinema ocorrer pelas transposições de obras literárias,
Hauser (2003) afirma que “uma teorização mais ampla parece justificada em face da
variedade e ubiquidade dos fenômenos”, e termina sua linha de pensamento sobre o tema com
o seguinte questionamento: “Adaptações parecem tão comuns, tão ‘naturais’, tão obvias – mas
elas são?” (HAUSER, 2003, p. 970).
124
Devido ao grande número de adaptação na mídia hoje, muitos artistas parecem ter
escolhido assumir dupla responsabilidade: adaptar um outro trabalho e fazer com
isto seja uma criação autônoma. Giacomo Puccini e seus libretistas foram rápidos
em fazer isso em suas óperas; Marius Petipa foi elogiado por fazê-lo em seus balés.
Mas quando cineastas e seus roteiristas adaptam obras literárias, em particular,
temos visto uma profunda retórica moralista com frequentes cuprimentos de seus
empreendimentos.
Essa “retórica moralista” das adaptações de histórias para o cinema não se limita
apenas às grandes telas; temos o caso das adaptações dos espetáculos musicais da Broadway.
Geralmente, quando uma empresa brasileira consegue a licença para trazer um musical para o
Brasil, uma das diversas exigências é a de que a história seja contada de maneira tal e qual a
original. O musical Fantasma da Ópera (2005) apresentado no Brasil, de acordo com o ator
Saulo Vasconcelos (2015)62, que interpretou o personagem Erik, o fantasma que dá título à
peça, só ocorreu após todas as exigências dos produtores americanos serem cumpridas. Eles
indicaram que o musical no Brasil fosse fiel ao original; os timbres de vozes dos cantores, as
características físicas dos atores, o cenário e até mesmo a iluminação eram idênticos aos da
produção original.
Quando observada grosseiramente, essa situação pode parecer mais uma reprodução
do que propriamente uma adaptação. As linhas entre os conceitos do que são reprodução,
adaptação e tradução são tênues. Há diretores e atores que defendem que os musicais
apresentados no Brasil provenientes da Broadway são adaptações, já outros defendem que são
reproduções. O fato de o musical O Fantasma da Ópera exigir uma fiel reprodução ao
espetáculo americano, não elimina uma questão primordial, a tradução do texto para o
português, fato que por si só não permite que a peça apresentada no Brasil seja exatamente
igual à apresentada nos teatros da Broadway e West End.
62
Entrevista concedida no ano de 2015 exclusivamente para esta dissertação.
125
adaptações e não de reproduções, mediante o fato de possuírem uma tradução, o que não nos
impede de registrarmos que o que é buscado pela maioria das empresas teatrais americanas e
inglesas é uma reprodução de seus musicais nos palcos brasileiros e que não haja espaço para
acréscimos de “criações nacionais”.
Neste trabalho, por diversas vezes, aparece a expressão adaptação para denominar
textos importados que são apresentados no Brasil quando envolve o processo de tradução, que
por si só possui a dinâmica adaptativa, mesmo que discreta. Porém, para Lage, não se pode
chamar de adaptações os musicais da Broadway e West End que foram apresentados no país.
Segundo o diretor, as produções são reproduções, pois não permitem que o diretor interfira,
acrescente ou crie nada diferente do original. Foi justamente esse fato que fez Lage abandonar
a produção de A Chorus Line.
[...] o “Chorus Line” no Brasil foi tradução do Millôr Fernandes; o Millôr, claro nem
precisamos falar mais do Millôr, o Millôr adaptou a linguagem, adaptou o
vocabulário e o Roy Smith que era o americano responsável por fiscalizar o meu
trabalho aqui, ele não falava português e ele ficava indignado e falava: “Não, mas
em inglês essa frase é muito maior, porque ele está falando menos?”. ele brigava
comigo e com o Millôr porque a fala tinha que ter o mesmo número de palavras
mesmo traduzida, tinha que ter a mesma melodia, e eu acabei abandonando essa
direção a partir da estreia porque briguei feio com ele (Roy); o Millôr foi embora pra
casa, virou pra mim e falou assim: “Olha, eu já recebi o meu, se vira aí!”. E ele
(Roy), não admitia; ele queria que os atores em português falassem e flexionassem a
fala da mesma forma como era flexionada em inglês; eu falava “É outro idioma, é
outra cultura, não é assim!”, até que a gente brigou e brigou feio [...] Aí eu falei
“Nunca mais dirijo musical importado da Broadway!”. Foi o primeiro e último
musical que eu fiz assim.
O autor ainda questiona o papel do tradutor a partir de uma visão de que a tradução se
limita a ser uma reprodução, sem, contudo, agregar características diferentes da obra original.
Não podemos classificar todos os tradutores em um só grupo partindo do princípio que cada
profissional possui vivências e estilos próprios de trabalho.
Na linha desse raciocínio, Umberto Eco (2007, p. 394-395) afirma que há sempre
uma posição crítica presente no processo de adaptação, “mesmo que devida a uma imperícia e
não a uma escolha interpretativa consciente”.
Fica difícil precisar quem tem mais destaque entre os dois profissionais, já que tanto as
falas quanto as músicas se unem para contar uma história não sendo artes que desmembram
um espetáculo, muito pelo contrário, se unem para, juntas, contarem uma história. As
complexidades das artes que estão envoltas a um musical ou ópera estão tão presentes no
processo criatório que o musical acaba sendo um processo coletivo, a não ser que a mesma
pessoa que escreveu uma obra também seja letrista e musicista, ou domine, de forma
satisfatória, essas áreas e opte por não precisar de opiniões de demais profissionais.
Muitas vezes, por falta de talento ou compreensão do ator, um personagem pode não
evoluir no palco, ou no caso contrário, devido ao ator, o personagem acaba ganhando mais
destaque e cativando o público muito mais do que o esperado. Essas realidades podem levar a
cortes ou acréscimos de falas de personagens no decorrer da temporada do espetáculo.
128
Quantas vezes, em um momento de descontração ou até mesmo por esquecer uma fala, um
ator de teatro não improvisou? Essa improvisação pode gerar uma reação positiva no público,
passando, inclusive, a fazer parte do enredo oficial após concordância do diretor e/ou autor.
No teatro, o ator tem uma liberdade muito maior de improvisação, fazendo com que
ele acabe se tornando parte do grupo de “criadores da peça”. Além da criação coletiva, há
muitas instâncias envolvidas em uma adaptação que podem contribuir para que o adaptador
fique em segundo plano ou, muitas vezes, sem o reconhecimento devido. Se a produção, por
exemplo, tiver um bom capital para investir, pode ocorrer que se contratem grandes diretores
e atores, que possuem cachês altíssimos. No final das contas, em meio a tantos nomes, o do
dramaturgo, roteirista, adaptador, letrista, acaba sendo “ofuscado”.
Outra questão que pode explicar a falta de estudo da adaptação, segundo Lauro Maia
Amorim (2005):
[...] seria uma certa marginalidade com que a adaptação tende a ser concebida em
comparação à prática tradutória”, não pensando a adaptação como objeto de estudo
voltado para a intersemiótica, mas como para “designar as chamadas ‘histórias
recontadas’, reescrituras de obras clássicas das literaturas estrangeira e nacional,
direcionadas a um público específico (AMORIM, 2005, p. 15-16).
129
A noção de adaptação pode soar, para muitos escritores e tradutores, como uma forma
de empobrecer e simplificar o texto original. A obra, de certa maneira, defende que esse
campo de estudo possa ter uma demarcação acadêmica, pois basicamente apresentava
elaborações realizadas pelas histórias religiosa e literária. Nesses estudos, considera-se o
público que tem contato com as traduções, receptores e “agentes da mudança naquela
cultura”, de acordo com a obra A tradução cultural nos primórdios da Europa Moderna, de
Peter Burke e Po-chia Hsia (2009).
Um texto pode ser adaptado simplesmente e pode ser interessante “ou graças a sua
relevância para uma situação política em particular, ou em razão de uma significância mais
geral. Um texto podia ser traduzido por lucro” (BURKE e HSIA, 2009, p. 119). A adaptação
nem sempre foi algo tão descomplicado como atualmente entre as culturas:
Quando a censura era comum e a autoria podia ser perigosa, traduzir uma obra que
de algum modo criticasse aqueles no poder também podia ser extremamente
arriscado. Estar do lado errado de uma divisa confessional podia levar alguém a ser
queimado em uma estaca. Por isso é importante considerar o que podia ser traduzido
de uma cultura para outra, e como o que era traduzido podia ser adaptado e moldado
de maneira a se adequar a seu novo contexto, pois isso podia mudar a natureza e o
significado do texto (BURKE; HSIA, 2009, p. 117-118).
As respostas para esses questionamentos podem ajudar a evitar uma tradução que será
mal sucedida ou instigar uma que será considerada um grande sucesso de público e crítica.
Muitas vezes uma história é propícia a uma adaptação, mas dependendo da região do mundo
130
que será apresentada não encontrará uma recepção tão boa, pois a temática central pode ir
contra aos aceites políticos predominantes do local ou à cultura regional; a temática e o
formato podem envolver vivências sociais, econômicas, políticas, entre outras.
Por vezes, muitos dos motivos que estão presentes na decisão de traduzir uma obra
estão atrelados à aceitação da obra original pelo público ao qual foi submetida; se a obra
original foi marcada por muitas críticas negativas, dificilmente será adaptada para outra
cultura, ainda mais quando a produção da adaptação envolve investimentos financeiros,
patrocinadores e busca lucros.
A tradução também pode ser vista como uma “fase em que se prolonga e continua a
vida” de uma obra. Ainda sobre a traduzibilidade, Walter Benjamim diz:
O fato da traduzibilidade ser própria de certas obras não significa que a sua tradução
lhes seja necessária e essencial mas sim que um determinado significado, existente
na essência do original, se expressa através da sua traduzibilidade. É evidente que
uma tradução, por muito boa que seja, nunca consegue afetar ou mesmo ter um
significado positivo para o original.15 Ela mantém, no entanto, com o original uma
estreita conexão através da traduzibilidade. E esta conexão é tanto mais estreita e
íntima por não afetar o original, podendo ser denominada como conexão natural, ou
mesmo, num sentido mais rigoroso, como relação vital (BENJAMIM, 2008, p. 27).
Paulo Goulart Filho, experiente em coreografar e atuar em musicais, acredita que, com
as traduções de textos, as músicas acabam perdendo a qualidade:
[...] o compositor criou e pensou naquela língua, então aquela palavra encaixa
direitinho e vai te remeter ao que ele quer falar, é muito difícil você fazer isso
quando você muda de língua”. O artista ainda complementa dizendo que as
composições compostas no Brasil possibilitam que o público se envolva mais no
espetáculo: história: “[...] acho que os musicais compostos aqui (no Brasil) vão
conseguir fazer com que a gente entre mais na história.
O Brasil traduz obras de diversas línguas que com suas comercializações movimentam
milhões de reais no mercado editorial brasileiro. De acordo com o produtor editorial Filipe
131
Larêdo (2014)63, no texto Decifrando as listas de livros mais vendidos no Brasil, é difícil
encontrar um título de ficção nacional na lista dos livros mais vendidos das principais livrarias
do Brasil. Para Larêdo, esses dados revelam que o brasileiro prefere os livros estrangeiros aos
brasileiros, em termos de ficção, fato que “não aponta, de modo algum, para a baixa qualidade
de nossa literatura ficcional”.
Ele ainda diz que há “ótimos autores escrevendo histórias fabulosas, mas que ainda
não conseguiram alcançar seus públicos de modo eficaz”. Sobre as obras de ficção
estrangeira, Larêdo acredita que, a publicidade envolta em determinados livros e suas
adaptações para o cinema contribuem para a divulgação dos mesmos.
Acontece que, muitas vezes, os livros estrangeiros ganham adaptações para filmes
de Hollywood e recebem uma carga potente de divulgação mundial, ou que possuem
campanhas de marketing mais poderosas que as brasileiras. Outro ponto, dessa vez
polêmico, pode ser encontrado numa provável falta de sintonia entre o público e os
escritores de livros. Salvas algumas exceções, os autores brasileiros, nas últimas
décadas, vêm se afastando dos leitores por diversos motivos, que giram em torno de
uma academização da literatura e de uma demasiada poetização da prosa. Já os
norte-americanos, campeões e fazer livros best-sellers, são especialistas em
literaturas bem conectadas com o público (LORÊDO, 2014).
Quando tratamos sobre a seção de não ficção, o produtor editorial destaca que o Brasil
vai bem nas vendas de livros, justamente porque, geralmente, os textos de não ficção
apresentam temáticas regionais e abrangem assuntos já conhecidos dos brasileiros.
Foi somente no fim do século XVIII que, principalmente entre poetas do arcadismo
mineiro, a tradução foi ocupando o espaço literário brasileiro, repleto de lacunas. De lá para
cá, muitos avanços da tradução ocorreram, mas, de certa forma, ainda há pouco registro e
63
LARÊDO, Filipe. Decifrando as listas de livros mais vendidos no Brasil. Disponível em:
<http://papodehomem.com.br/decifrando-as-listas-de-livros-mais-vendidos-no-brasil/>. Acesso em: 09 nov.
2015.
132
preocupação com o inventário das obras já traduzidas para o português. Paes (1990), acredita
que a historiografia brasileira dá pouco destaque aos trabalhos dos tradutores; para ele,
somente com o texto História da inteligência brasileira, de Wilson Martins, é que encontra-
se, no Brasil, frequência de referências à tradução, principalmente no que tange às décadas de
1940 e 1950. Com relação à influência das traduções, Paes (1990, p. 10) conclui:
O que chama a atenção no livreto impresso é que não constava o nome do autor, essa
prática era comum naquela época. Antes mesmo de o ensaio ser impresso, o texto havia sido
publicado em português e de forma seriada pela revista carioca A Marmota64, também sem
citar o autor. Isso revela a carência de textos em português existentes no período e a falta de
crédito devida aos autores, prática que só veio a ser frequente já na segunda metade do século
XIX.
Ocorre que o fato não teria tido tanta repercussão entre os críticos brasileiros caso
Machado de Assis, anos mais tarde, não tivesse se tornado o autor de obras como Helena
(1876), Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro
(1899), entre outros textos. A polêmica foi instaurada após a morte de Machado de Assis e,
segundo Silva (2008, p. 08), em seu artigo Texto original, tradução, adaptação ou imitação?
64
Revista de variedades de Paula Brito, que foi impressa em diferentes fases no Rio de Janeiro, entre 1849 e
1864.
133
Aa tradução Queda que as mulheres têm para os tolos norteou questões como a originalidade
e imitação na literatura.
Ainda de acordo com a autora (2008, p. 08), “os críticos de Machado de Assis
assumiram sucessivamente uma atitude defensiva ao considerarem Queda obra original,
adaptação, ou imitação, e não tradução”. A polêmica foi mais alimentada diante da
dificuldade de acessar a obra original para comprovar a tradução e perceber que não houve
imitação e, também, por haver, por parte dos críticos, um julgamento de que a criação literária
é uma ação superior em comparação à tradução, sem, contudo, ser analisada a questão de que
são artes distintas.
A descoberta de que Queda não era autoria de Machado de Assis não muda o fato de a
obra ter desempenhado papel significativo na ação criadora do escritor brasileiro. Silva (2008,
p. 08) comenta que críticos da época apontaram no suposto ensaio “ideias que seriam
posteriormente desenvolvidas pelo escritor em seus romances”.
Do período em que o tradutor nem tinha o direito de ter crédito pelo seu trabalho até
os dias de hoje muitas foram as obras traduzidas para o português que influenciaram os
escritores brasileiros, com destaque para as europeias, principalmente as lusitanas, francesas e
italianas na época do Brasil Colônia e as de língua inglesa nos dias de hoje.
O que antes era tido como imutável para um indivíduo, com o contato com outras
realidades, pode passar a ser questionado; o que antes era supervalorizado no Brasil pode ser
comparado com outras vivências e passar a ter um significado menor ou maior, dependendo
das circunstâncias. De alguma maneira, participar desse novo vivido rotineiramente por outra
nação, pode levar a uma diluição de lealdades nacionais, antes fortes e duradouras.
No Brasil, desde a época colonial até o início do teatro musical, a música e o teatro,
como também a dança, quando estrangeiras, eram tidas, de forma isolada, como
manifestações culturais híbridas. É claro que havia espetáculos teatrais que utilizavam a
música, mas não de forma tão intensa a modo de completar o enredo, como acontece teatro
musical. Estamos tratando de um gênero que une três artes, já que não podemos esquecer a
dança; essas artes juntas despertam no espectador emoções distintas de um espetáculo
considerado tradicional, não por serem mais importante, mas simplesmente porque expõem o
resultado da união de três formas artísticas ao contar uma história.
A união dessas artes possibilita um novo gênero que pode tanto agradar e despertar
emoções mais intensas em indivíduos, como não agradar e ser alvo de críticas. Podemos
assistir a um espetáculo e formarmos uma opinião sobre ele baseando-nos, apenas, na
experiência por nós vivida. No entanto, ao conversarmos com alguém que também teve
acesso à peça, podemos ter nossa percepção expandida, e o que antes havia sido apreciado
passa, com base na visão de outra pessoa, a ser percebido de outra maneira. Essa análise nos
leva ao fato de a hibridação não se pautar somente no contato direto de um sujeito com uma
cultura diferente, mas de estar interligado com a vivência social, que pode interferir no modo
como o novo conhecimento é assimilado; ou seja, a hibridação cultural, para se concretizar,
pode sofrer interferências externas.
135
O homem moderno se depara com conteúdos gerados de diversas formas, sejam eles
pela história da arte, pela literatura e pelo conhecimento científico como também pela
antropologia, pelo folclore, pelos populismos políticos que, ao reivindicar ações tradicionais,
constroem o que compete ao popular. Evidencia-se, portanto, que as produções da indústria
cultural contribuem para a geração de um sistema de mensagens massivas, que são a base da
análise de comunicólogos e semiólogos.
Antes do que vemos hoje, da clara mistura de todos esses conhecimentos provenientes
de origens distintas, houve a tentativa de construção de objetos puros por parte dos
tradicionalistas e modernizadores. Os tradicionalistas buscaram evitar a influência estrangeira,
a industrialização e a massificação urbana, objetivando culturas nacionais e populares
“imaculadas” e “autênticas”; Já os modernizadores percorreram o caminho inverso sem se
136
O filósofo Walter Benjamin (1994, p. 170), em seu texto A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica, diz que a obra sempre foi passível de reprodução, que ao longo dos
anos foi sofrendo desenvolvimentos. A xilografia, por exemplo, tornou o desenho
reprodutível tecnicamente, mesmo antes do surgimento de impressos jornalísticos. Para
Benjamin, mesmo que ocorra uma perfeita reprodução, faltará “o aqui e agora da obra de arte,
sua existência única, no lugar em que ela se encontra”. Ele defende que com a
reprodutibilidade técnica a aura da obra de arte é destruída. Segue a definição de aura pelo
filósofo:
Adorno (1997) defende que o “antídoto” para a manipulação velada promovida pela
indústria cultural é a própria arte e a limitação, a regulação da indústria cultural, e que, com a
arte, o homem é liberto das amarras do sistema e torna-se um ser autônomo, transformando-o
num objeto de consumo e de trabalho. Os pensamentos de Benjamin e Adorno (1997)
nortearam o século passado sobre a massificação da arte, hoje dividem atenção com
pensamentos mais flexíveis. Para Canclini (2003), o século XXI apresenta uma visão mais
abrangente sobre os cruzamentos entre a tradição e a modernidade, inclusive com relação à
137
cultura. Ele defende que a industrialização dos bens simbólicos não apaga o culto tradicional;
com relação ao popular, acredita que nunca houve tantos artesãos e músicos populares que
têm seus trabalhos reconhecidos, que os bens folclóricos atraem turistas que compram e
admiram referências distintas das oferecidas pelas indústrias, ou seja, os bens folclóricos
oferecem signos de distinção.
O que se desvanece não são tantos os bens antes conhecidos como cultos ou
populares, quanto à pretensão de uns e outros de configurar universos
autossuficientes, e de que as obras produzidas em cada campo sejam unicamente
“expressão” de seus criadores (CANCLINI, 2003, p. 22).
A arte não é compreendida somente com a questão estética, mas envolve uma
dinâmica do que é pensado e produzido por diversos profissionais como museólogos,
jornalistas, historiadores, colecionadores etc. O popular também não é definido somente pela
estética, conta com estratégias diversas e maneiras de como a cultura popular é levada para os
museus e afins. Inclusive, de acordo com Renato Cohen (2002, p. 34), na obra Performance
como linguagem, há um movimento de ruptura denominado live art que objetiva
“dessacralizar a arte, tirando-a de sua função meramente estética, elitista”, tirando as obras
de’espaços mortos’, como museus, galerias, teatros, e colocando-a numa posição ‘viva’,
modificadora”.
Houve um tempo em que o indivíduo até podia debater alguns assuntos sem fazer
conexões profundas entre mídia, cultura e consumo. Porém, hoje, essas esferas estão
intrinsecamente ligadas, principalmente nas últimas décadas, nas quais a indústria cultural tem
possibilitado a realização de inúmeros espetáculos através da inauguração de novos espaços e
criações.
Além dessa “troca de informações”, surgiram novas multimídias que sintetizam tudo o
que é divulgado em diversos veículos de comunicação e ações de entretenimento e, de forma
objetiva, ajudam a intensificar a forma-espetáculos da cultura da mídia. O número de meios
de comunicação impressos comercializados no Brasil é muito inferior em comparação aos de
sites de informação; isso revela o crescimento bombástico do ciberespaço, que tomou uma
dimensão comunicacional elevada
O saber do qual trata Lévy não está associado ao saber científico, mas o saber de
informações relacionadas ao dia a dia de um indivíduo, seus afazeres, relações humanas e
informações recebidas e transmitidas. Para ele, o saber é a base principal da inteligência
coletiva, que é “[...] distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em
tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências” (2003, p. 28). As
habilidades dos indivíduos são reconhecidas e coordenadas com o uso das tecnologias da
informação e comunicação, a fim de serem utilizadas em prol da coletividade.
O francês Guy Debord (1997, p. 13), em sua primeira tese da obra A sociedade do
espetáculo, revela que o que antes era vivenciado pelas pessoas passou a ser representado. Ele
também é contra a propagação de imagens na sociedade, pois acredita que elas estimulam a
passividade e a aceitação do capitalismo.
Debord acredita que por meio do espetáculo ocorre a construção das necessidades de
consumo na sociedade. Na lógica do autor, quando um novo produto da indústria cultural é
lançado, a publicidade se encarrega de estimular a necessidade de consumo, fato que leva à
alienação do público, que se revela acrítico e passivo. É justamente essa publicidade que pode
contribuir com a obtenção de lucro por parte dos organizadores dos produtos culturais,
Debord (1997, p. 34) diz:
As mídias sociais não acabaram com a escolha e com a promoção da mescla cultural.
Não ocorreu uma ditatória imposição das produções culturais, mas estamos cientes do que
escolhemos como produtos, como defendido por Cevasco (2006). Acredita-se que ainda é
muito cedo para medir, se é que se pode medir as mudanças nessa percepção frente ao poder
das redes sociais; todavia, é claramente perceptível que a união de pessoas, em uma rede com
a mesma opinião pode modificar cenários políticos e sociais.
Esse processo que leva ao sentido de pertença ocorreu e ocorre na história do teatro
musical brasileiro com relação ao público. Primeiro temos, na época que tange ao Teatro de
Revista, um formato francês, que aos poucos vai chamando atenção, ganhando público;
gradativamente, elementos nacionais são inseridos no formato ao ponto de se tornar um
gênero diferenciado.
O mesmo acontece com o teatro musical brasileiro na atualidade; vemos, nos palcos,
histórias passadas em outros países, não são os brasileiros que estão sendo retratados nos
palcos, geralmente são histórias ocorridas nos Estados Unidos da América ou em países
europeus. O fato de o público ir ao teatro e não se ver retratado pode gerar incômodo para
alguns e, para outros, curiosidade em face à oportunidade de ter contato com uma cultura
143
A independência é a única dinâmica social que busca entender a literatura crítica sobre
a arte e a cultura ao que competem os anos 60 e o começo da década de 70. As conquistas que
vinham sendo realizadas, há décadas, no campo da cultura, foram desvalorizadas em face de
outros movimentos. Nos dias de hoje, percebe-se um avanço na comunicação da cultura,
muito mais valorizado e com seu espaço garantido a partir da solidificação das produções
culturais e da organização que garantem benefícios econômicos para empresas, revelando
uma nova relação entre o público e o privado.
medida em que as pessoas se identificam com a iniciativa cultural e aceitam pagar para terem
acesso a ela.
vozes e expressões que são, cansativamente, passadas e repassadas para não serem esquecidas
na apresentação ao vivo e comprometer o espetáculo. Caso o ator erre a fala, ele pode refazer
a cena; no teatro, se o ator errar, ele tem que improvisar.
O cinema falado causou certa ruptura na história do teatro pois, o que durante anos,
era realizado ao vivo pelos atores, passa a estar presente em uma tela gigante nos grandes
centros das cidades. Posteriormente, telas menores entraram na dinâmica, a partir das
transmissões de filmes pela televisão. Hoje em dia a tela está menor ainda com os tablets e
celulares. A qualquer momento ou lugar – dependendo se há conexão com a internet, um
indivíduo pode baixar, fazer download ou apenas assistir on-line um filme.
147
Já para ir ao teatro há toda uma preparação: procurar uma companhia, escolher a peça,
checar valores, optar por fazer a compra do ingresso pela internet ou na bilheteria, pegar a
condução certa ou estacionar o carro, chegar no horário e torcer para que a peça agrade.
Enfim, assistir ao teatro demanda muito mais tempo e energia do que simplesmente apertar o
play de alguma tela.
65
FREIRE-FILHO, Aderbal. O teatro morreu, viva o teatro. Revista de Teatro SBAT, 2010. Disponível em:
<lhttps://issuu.com/mauriciosantos-dg/docs/revistateatrosbat_n522>. Acesso em: 13. nov. 15.
148
O cinema utiliza cenários mais parecidos com a realidade do que o teatro por ter um
espaço limitado; as cenas cinematográficas, por sua vez, podem ser realizadas em locais reais;
o jogo da câmera e a edição de imagens podem proporcionar montagens, ângulos, perspectiva
e enquadramentos diversos, daí as técnicas específicas do cinema se revelarem diferentes das
do teatro.
Transpor um musical para vídeo pode acarretar em perdas e ganhos. Do ponto de vista
metodológico, o vídeo possibilita uma análise mais profunda do espetáculo e auxilia no
registro da peça para diversos fins, incluindo a remontagem e ensaio, assim como a
comercialização e divulgação do material. Patrice Pavis (2005), no texto A análise dos
espetáculos: teatro, mímica, dança-teatro, cinema, discorre sobre a importância da gravação
de apresentações teatrais para a análise teatral:
cinema. Outro fato que contribuiu para a propagação do cinema norte-americano foi a própria
originalidade vista nos filmes, e essa originalidade, no início, estava presente na improvisação
e, depois, através da serialização massificada.
No Brasil a primeira sala fixa de cinema foi inaugurada em 31 de julho de 1897 e era
conhecida como o “Salão de Novidades Paris”, de Paschoal Segreto, no Rio de Janeiro. O
primeiro filme falado nacional foi a comédia Acabaram-se os Otários (1929), de autoria e
direção de Luiz Barros e realização da Companhia Sincrocinex. A obra estreou no dia 02 de
setembro de 1929, no cinema Santa Helena, em São Paulo, e conta a história de dois caipiras e
um colono italiano que acabara de chegar a São Paulo. Eles imaginam que haviam comprado
um bonde, mas foram vítimas de “malandros da cidade grande”; sem dinheiro, eles tiveram
que ir morar no interior paulista. As informações constam na obra de Rafael de Luna Freire
Correio (2013), no texto Acabaram-se os otários: compreendendo o primeiro longa-
metragem sonoro brasileiro.
O filme de Luiz de Barros teve sua origem e produção inspiradas nos espetáculos que
eram apresentados nos teatros paulistas que traziam o tema caipira, como diz Correio:
A conexão entre o teatro e o cinema não se limita, apenas, nas temáticas e aos espaços
de encenação, mas na utilização dos mesmos atores nas produções. Luiz de Barros utiliza no
filme dois dos artistas que haviam participado de diversos espetáculos que ele próprio vinha
encenando no Moulin Bleu, localizado na Praça da Sé, que trazia os atores Tom Bill, Genésio
Arruda e Vicente Caiafa (ou Vicenzo Caiaffa). Mesmo após a estreia do filme, os atores
“permaneceram apresentando espetáculos de variedades em sessões contínuas, com ingressos
populares, na mesma rua do cinema em que ele (o filme Acabaram-se os Otários) estava
sendo exibido” (CORREIO, 2013, p. 111).
Esse fato mostra que desde o primeiro filme falado, no Brasil, havia o aproveitamento
do mesmo ator em obras distintas, ou seja, os mesmos profissionais que atuaram no filme
estrelavam peças nos teatros que ficavam na mesma rua do cinema. Este fato nos remete aos
atores que estão em evidência na televisão e são chamados para participarem de espetáculos
teatrais. A notoriedade de um artista sendo percebida como um elemento a mais na garantia
de público e credibilidade sempre ocorreu na história do teatro, mesmo quando alguma trupe
escalava um ator bem quisto e popular na região em que determinada peça seria apresentada
com o fim de atrair mais espectadores.
Apesar do estrondoso sucesso do filme Acabaram-se os otários, não era dado como
certo que, no futuro, as pessoas iriam deixar de ir ao teatro para irem ao cinema, tanto que,
como comentado no capítulo I deste trabalho, o teatro reinou nas décadas de 40 e 50 de forma
intensa, revelando a importância e predileção pelo teatro, mesmo diante da crescente onda de
filmes nos cinemas.
O cinema possibilitava que a realidade fosse retratada de maneira que o teatro não
conseguia; pretendemos, neste trabalho, deixar mais clara essa afirmação com um exemplo,
dado que, por mais que um cenário teatral seja detalhadamente bem realizado, ele não é mais
verossímil do que um parque real, ou do que a fachada de um prédio. O cinema traz cenas
gravadas em espaços reais, expondo a ludicidade dos cenários teatrais de forma mais intensa.
151
Com as imagens cinematográficas o espectador tem a sensação de que determinada cena foi
gravada perto de sua casa, talvez em uma rua do centro ou no parque em que ele passeou
determinada vez. A aproximação com a realidade que o filme proporciona, por sua vez,
passou a ser ponto negativo para o teatro que, para muitas pessoas que se rebelam contra o
lúdico, acaba soando falso, uma imitação da realidade.
De acordo com Gutiérrez Alea (1984, p. 48-49), a imagem fictícia das telas dos
cinemas que se revelam tão reais, faz com que o público possa melhor compreender a
realidade:
Mesmo diante dos agouros sobre o teatro e sua eminente morte, o que se viu foi um
sobrevivente se ajustando aqui, inovando ali. Novos textos foram surgindo, novos formatos,
os clássicos que já eram encenados há séculos deram espaço para obras inéditas e temporais.
Digamos que o cinema está para a fotografia, assim como teatro para a pintura figurativa. Ter
uma foto sua, na época do início da popularização da fotografia, se tornou mais fascinante do
que ter um retrato, a novidade encantava.
Ter uma foto tornou-se comum nos dias de hoje; quem antes tinha que desembolsar
altos valores com fotógrafos, compra de câmeras, revelações de filmes, pode, enfim, tirar
quantas fotos quiser e puder. A grande maioria dos brasileiros possui, no mínimo, uma
câmera fotográfica que, geralmente, está no celular. Vivenciamos a era da selfie, onde muitas
pessoas registram momentos de seus dias, não somente em situações como festas, shows e
viagens; os registros estão no seu dia-a-dia ao acordar, ao almoçar, ao ir para o trabalho,
quando se está chateado, feliz, trabalhando, caminhando, comendo, bebendo, dirigindo e
prestes a dormir.
Se analisarmos essa realidade nos dias de hoje, podemos nos aproximar do fato que ter
uma pintura figurativa é algo caro, além de ser difícil encontrar artistas que realizam esse
trabalho. Ter seu retrato pintado virou algo até mesmo desejado e, para muitos, inacessível. A
partir de uma análise até mesmo simplória, percebemos inversões de valores, o retrato
152
figurativo antes tido como a segunda opção diante da novidade fotográfica, passa a ser um
diferencial para muitos, e estão abarrotados de fotos digitais. O antigo álbum de fotos
tradicional e físico perde cada vez mais espaço para álbuns de fotos digitais.
Lembro-me de que queria ir assistir um musical que estava em cartaz em uma cidade
que não é a de minha residência; a ideia era me programar para ir em um sábado,
porém não tinha companhia; liguei para amigos e parentes e ninguém queria
desembolsar o valor, nem sabiam que a peça estava em cartaz. Desiludida, resolvi ir
ao cinema, era relativamente perto, poderia ir de carro ou condução coletiva e, de
quebra, não voltaria tão tarde. Rapidamente encontrei um trio de pessoas dispostas a
me fazer companhia, a maior complicação foi a de todos entrarem em um acordo
sobre o que assistir. Ou seja, se programar para assistir a uma peça teatral exige um
processo um pouco mais complicado do que ir ao cinema. [grifo do autor].
O frankfurtiano Walter Benjamim (1994), em seu ensaio A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade técnica, traz conceitos sobre a aura da obra de arte, que é tida como “uma
figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa
153
distante por mais perto que ela esteja” (BENJAMIM, 1994, p. 03). O distanciamento traz
certa sensação de inatingibilidade, fortalecendo a “valorização” de determinada obra. O
próprio ser humano é assim em alguns casos, o sonho com o emprego que está fora de seu
alcance, o amor platônico, impossível. Faz parte das vivências humanas valorizar ou
“enaltecer” aquilo que lhe é mais difícil possuir, conviver, apreciar. Cremos que essa
“tendência humana” se estenda em diversas áreas, inclusive na apreciação da arte.
Ao mesmo tempo em que o teatro foi perdendo espaço para o cinema, ele não chegou
a desaparecer, a ser extinto. Aos trancos ele seguiu, inconstante em número e qualidade de
apresentações, testando formatos aqui, reinventado ali. Ao invés de sua extinção percebemos
um teatro que inovou. A “aura” que ele já possuía devido à sua tradição, a possibilidade de
ver pessoalmente o ator em cena e a adaptação de clássicos da literatura mundial foi
intensificada, digamos, ao mesmo tempo em que ocorriam as mudanças dos hábitos culturais
dos brasileiros.
Uma simples ida ao teatro, que no início do século passado poderia ser mensal, se
limita a uma única vez por semestre, ou uma vez a cada ano, isso quando não se passam anos
sem que se tenha assistido as um espetáculo teatral. Não é raro encontrarmos pessoas idosas
ou mesmo jovens que nunca foram ao teatro e até mesmo ao cinema.
Pensamos que, como se tornou mais difícil para o indivíduo moderno ter tempo,
disposição e até condição financeira para ir assistir uma peça, o teatro acaba se tornando uma
arte mais distanciada do que outras, e esse distanciamento acaba tomando a ida ao teatro um
evento, algo que foge do ordinário de nossas vidas.
Assim como as salas de cinema, os teatros estão migrando para complexos comerciais.
São poucas as salas de cinema que sobrevivem fora de shoppings; essas salas possuem, por
vezes, poucas telas e um espaço grande para o público. Mas, a produção de filmes cresceu
tanto ao longo dos anos que permite que diversos filmes sejam lançados simultaneamente. Os
cinemas localizados em shoppings foram feitos de maneira a terem mais telas, possibilitando
154
uma lista maior de escolhas de filmes. Com isso, os cinemas independentes com suas opções
de filmes mais limitadas, mediante a pequena quantidade de salas, foram recebendo cada vez
menos interessados.
Com os teatros em shoppings essa máxima de que o motivo está atrelado às opções de
títulos não ocorre, justamente pelo teatro ser ao vivo. Mas cremos que as facilidades já citadas
anteriormente se encaixem nessa dinâmica; o estacionamento do teatro é compartilhado, além
de assistir a uma peça o indivíduo pode realizar outras tantas atividades. Nas grandes cidades
são raros os espaços centrais disponíveis para a construção de um empreendimento de
proporções medianas, como o caso de um teatro, muito menos para um com proporções
maiores como os shoppings; utilizar uma mesma área para agregar diversas opções para os
moradores da cidade acaba se tornado uma alternativa comercialmente atrativa, à medida que
atrai mais consumidores.
Com relação aos espetáculos musicais apresentados a partir do início do século XXI,
no Brasil, é notório que são de longe as produções teatrais mais midiatizadas no momento. As
reproduções e adaptações da Broadway possuem apelo midiático, não é necessário um
indivíduo ter ido a Broadway para saber que os musicais de lá são considerados famosos e
possuem um formato próprio, foram rotulados e conhecido como formato “Broadway”.
O cartaz evoca outro tipo de “marca” que não a Broadway, a “marca” Disney sempre
evidente acima do título. Não é necessário escrever que o musical é baseado na animação da
Disney, sendo que só o fato de a marca constar no cartaz, o indivíduo, provavelmente, o
associará à animação cinematográfica conhecida mundialmente. Para Arthur Luiz Cavalcante
de Macêdo (2011), na obra Uma análise do filme O Rei Leão: o direcionamento a múltiplos
espectadores, o estúdio Walt Disney possui sucesso evidente:
155
É muito mais “confortável” e “seguro” para uma empresa patrocinar uma produção
que tem grandes chances de ter um bom aceite de público, que teve seu enredo não somente
nos palcos da Broadway e West End, mas, em alguns casos, até mesmo nas telas de cinema. O
musical O Rei Leão não traz embutido na produção apenas o produto em si, ele traz uma
notoriedade proporcionada pelo nome da Disney.
Trazer o musical O Rei Leão para o Brasil implica em contar com o prestígio da
Disney, com o impacto que a divulgação do filme teve na época de seu lançamento, no ano de
1994, e ao longo dos anos. São mais de 20 anos em que as pessoas têm, em diversos
momentos, se lembrado do nome do filme, comprado DVDs, assistido matérias sobre a
produção. Posteriormente ao filme, foi a vez da Broadway, em 1997, estrear a história com
uma roupagem diferente, e dessa vez os infortúnios e a redenção do pequeno leão Simba eram
contados em forma de musical. São quase duas décadas de turistas do mundo todo tendo
informações sobre ou até mesmo assistindo a produção. Simba e outros personagens da
história, os mesmos vistos na tela do cinema, na televisão e nos palcos da Broadway, estariam
em um palco brasileiro. Essa informação pode ter atiçado a curiosidade não só de crianças,
mas de adolescentes e até de adultos que tiveram em algum momento de suas vidas, contato
com a história.
Mais do que a promessa de um bom texto, de um bom diretor, o musical trazia o que
chamaremos de “uma promessa velada de qualidade e popularidade”, quando associado ao
filme e ao musical importado.
O cartaz também traz ligação com a Broadway, com a da frase: “A divina Comédia
Musical da Broadway”. Todas essas estratégias são para aproveitar a carga midiática que
outrora foi espalhada pela história, que foi contada de diversas maneiras, através de produções
que passaram por divulgação midiática.
De acordo com Saulo Vasconcelos (2015), artista de musicais, o Brasil deve ter
cuidado ao trazer musicais adaptados da Broadway que são baseados em filmes que tiveram
grande bilheteria “Agora a gente tem uma tendência perigosa lá fora, que está se criando um
musical muito superficial, com uma história muito mais pobre, como a história do Homem
Aranha, Legalmente Loira. Estão pegando esses filmes que foram sucesso comercial e
tentando transformar em musical”. Ele receia que, em nome do lucro, roteiros fracos tomem o
lugar de textos que tragam personagens mais complexos. Na opinião de Saulo Vasconcelos,
os musicais da Broadway Spider-man: turn off the dark (2011) e Legally Blonde (2007),
baseados nos filmes Homem-Aranha 3 (2007) e Legalmente Loira (2001), respectivamente,
não devem chegar ao Brasil:
[...] Imagina O Homem Aranha cantando, sendo pendurado na teia dele? Esquisito.
Eu acho que a gente passa por um momento de mediocrizarão do musical do ponto
66
Disponível em: <http://aBroadwayeaqui.com.br/2014/11/10/pre-venda-de-ingressos-para-o-musical-
mudanca-de-habito-comeca-hoje/>. Acesso em: 15 nov. 15.
157
de vista internacional. Então, a gente tem que tomar muito cuidado em trazer essas
coisas pra cá e depor contra o gênero, trazendo peças tão superficiais e vazias.
Não é de hoje que a Broadway realiza adaptações de filmes para os palcos, mas em
nome da “inovação”, alguns casos acabam dando prejuízos milionários, mostrando que nem
sempre um sucesso de cinema funciona bem nos palcos. Em matéria de Sara Krulwich (2014),
publicada no The New York Times, a última apresentação do musical Spider-man: Turn off
the dark, na Broadway, encerrou a temporada com prejuízo de cerca de US$ 60 milhões. A
temporada foi até “considerada saudável para os padrões Broadway, mas não chegou nem
perto de pagar os US$ 75 milhões investidos em sua produção”67.
67
SARA, Krulwich. Spider-man encerra temporada desastrosa na Broadway. New York Times, 06 jan. 2014.
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/spider-man-encerra-temporada-desastrosa-na-broadway-
11223930>. Acesso em: 04 dez. 15.
158
Ao mesmo tempo em que um nome de personagem não pode sozinho garantir sucesso,
temos um exemplo dado pelo diretor Roberto Lage (2015), de que ele ajudou a salvar uma
produção brasileira. Lage conta que quando ficou responsável por dirigir o musical Zorro
(2010), o ator escalado para o papel do herói mascarado foi Murilo Rosa. O artista participou
de coletivas de imprensa, pousou ao lado de marcas de patrocinadores, como na foto abaixo,
em que as empresas Porto Seguro e Cacau Show, têm seus nomes envoltos na divulgação do
espetáculo.
Imagem 28: O ator Murilo Rosa quando abandonou a produção 15 dias antes da estreia.
O diretor conta que Murilo Rosa, contratado da Rede Globo, havia comunicado que
não poderia gravar em determinados períodos devido à sua participação no musical. Porém, a
emissora antecipou as gravações das cenas de uma novela que exigiria a participação do ator.
Para não ter problemas contratuais, Murilo teve que abandonar o espetáculo quinze dias antes
da estreia. Na época, Lage havia chamado Jarbas Homem de Melo para trabalhar ao seu lado
na direção, porque a peça exigia a dança flamenca e Melo, além de cantor e ator, também era
coreógrafo de flamenco. No desespero de não adiar a estreia, Lage escalou Melo para
interpretar Zorro.
68
Disponível em: <https://zorromusical.wordpress.com/>. Acesso em: 04 dez. 15
159
sair o Murilo Rosa e entrar o Jarbas? Nada! A peça lotou direto, porque o nome era
Zorro.
Lage comenta que a troca do ator famoso da produção dias antes da estreia por Jarbas
Homem de Melo, não tão conhecido do grande público, à época, não comprometeu a venda de
bilheteria do espetáculo, que acabou sendo um sucesso. Isso ocorreu, segundo ele, porque
mais conhecido do que o nome de Murilo Rosa estava o nome de Zorro, um personagem
heroico conhecido mundialmente que, inclusive, teve sua história contada diversas vezes no
cinema.
160
De acordo com Beatriz Maria Vianna Rosa (2014, p. 27), em Da Arte à Mercadoria: a
transfiguração do teatro pelo sistema capitalista, novas companhias de artistas que rodavam
as cidades que acolhiam os nobres e riquezas surgiram no século XVI em busca de público
que pudesse pagar pelos ingressos e assim manter os gastos dos grupos.
Nas cidades, os antigos artistas da cena perceberam que podiam sobreviver de sua arte
também através da organização em corporações de ofício criando contratos, transformando o
trabalho em um mecanismo organizado para a competição de mercado. Nasce, então, o teatro
profissional.
Com a nova estrutura da cena teatral foram surgindo novas funções, além do roteirista
e do ator há os donos das companhias, negociadores de arte, os donos dos espaços onde as
peças serão apresentadas e as autoridades das cidades que precisarão dar autorização para a
69
A farsa geralmente se associa a um cômico; era concebida como aquilo que apimentava e completava o
alimento cultural e sério da alta literatura. Seus diálogos eram improvisados e irreverentes, retirados e inspirados
na própria relação social da época; sua eficiência depende da auto-ironia, da astúcia verbal, da vontade de
representar em qualquer lugar e da habilidade de seus atores, sapientes atemporais, que usavam máscaras
grotescas (BERTHOLD, 2000; PAVIS, 1999).
161
ação dos grupos na região. É nesse contexto que muitas companhias passam a deixar de lado
suas próprias ideologias e vontades em nome de uma estabilidade nas apresentações que
dependem da venda da produção, ou seja, as companhias precisam agrupar elementos nas
apresentações que as tornem mais atrativas.
Se nos primórdios do teatro, a arte era realizada de forma despretensiosa no que tange
ao lucro, sem nenhuma obrigação, a não ser divertir e passar sua mensagem, o cenário atual
apresenta diferenças grandiosas onde, muitas vezes, é viável e até possível colocar uma peça
em cartaz sem investimentos financeiros. O que antes era tido como instrumento que poderia
aproximar as relações humanas e não envolvia uma preocupação demasiada com a escolha da
temática da apresentação, se revela, hoje, como um teatro comercial, que além de agradar ao
público, precisa primeiro “conquistar” o patrocinador.
Quanto mais o cinema e a televisão com suas novelas supriam a “ânsia por uma
história”, o teatro passou a ter que se reinventar, não somente nos formatos e gêneros, mas
com um olhar bem mais “comercial” que outrora, novas técnicas de som, investimentos em
figurinos, modernizações diversas.
Com o fim do Teatro de Revista, o teatro brasileiro passou a não mais conseguir se
manter com os valores das bilheterias, por isso se viu obrigado a agregar seus valores a outras
atividades e produtos mercadológicos. Para poder arcar com as despesas de um espetáculo,
produtores tiveram que sair das coxias e ir ao encontro de empresas que se interessassem em
ter vínculos com uma atividade cultural com o objetivo de divulgar sua marca.
Uma empresa que tem 90% de seu trabalho desenvolvido em São Paulo dificilmente
irá apoiar um espetáculo que ficará em cartaz na cidade do Rio de Janeiro, a não ser que a
empresa deseje propagar sua marca nesta cidade. Digamos que uma empresa quer melhorar
sua imagem junto ao público após um escândalo corporativo, talvez a instituição não queira
patrocinar um espetáculo que traga no elenco um ator envolto em problemas judiciais por
algum motivo, que repercuta sua imagem veiculada na mídia de forma negativa. Tudo são
fatores que nos leva a questão de que até mesmo a escalação dos atores sofre influência dos
patrocinadores, tema que será aprofundado no capítulo seguinte desse trabalho.
163
A montagem de um musical da Broadway está cada vez mais caro, beirando cerca de
US $ 10 milhões, sendo que cada semana de apresentações pode custar em torno de US $ 500
mil. Esses valores não são muito diferentes no Brasil que, como adaptam muitas peças da
Broadway, precisam manter a qualidade e suntuosidade das apresentações americanas. De
acordo com o dramaturgo americano Mac Rogers, no artigo From screen to stage: how to
turn a movie into a musical, de 2006, a montagem de um musical demanda um investimento
alto, os produtores para não terem prejuízo financeiro, precisam ficar com o espetáculo em
cartaz pelo maior tempo possível. Para tanto, são necessárias certas estratégias que
diferenciem determinado espetáculo de outros que estarão em cartaz no mesmo período e, na
maioria das vezes, isto custa muito dinheiro.
Essas estratégias podem ser desde um cenário muito elaborado com características
nunca antes vista até mesmo trazer para os palcos um espetáculo que já é conhecido pelo
público, que possuiu um nome midiático, garantindo que os fãs daquela história se interessem
pela versão musical; Ou seja, além de contar com a publicidade que será realizada no musical,
os produtores apostam em uma publicidade já existente que envolve a história escolhida. Esse
conhecimento prévio da história por parte do público pode ter ocorrido através de produções
cinematográficas, televisivas e editorias.
Para garantir que o espetáculo Cats obtivesse qualidade deixasse não ficasse em um
patamar inferior à versão americana, a versão brasileira foi assinada por Charles Möeller e
Cláudio Botelho, dupla que despontava à frente de grandes musicais realizados no Brasil.
Cats conta a história de gatos que se reúnem uma vez por ano para que o líder do grupo
escolha um gato que poderá ir para um lugar melhor.
O espetáculo foi estrelado por Saulo Vasconcelos, Gianna Pagano e Séfora Araújo,
além da cantora Paula Lima e teve estreia no dia 4 de março, no Teatro Abril, em São Paulo.
Vale ressaltar que a cidade também recebeu o espetáculo em 2006, no Credicard Hall. A
apresentação foi com elenco americano que excursiona o mundo com a produção após o fim
70
JUNIOR, Dirceu Alves. Musicais como “Hairspray”, “O Rei e Eu” têm gastos surpreendentes. Veja São
Paulo, 26 fev. 2010. Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/materia/musicais-como-hairspray-o-rei-
eu-entram-em-cartaz-na-cidade/>. Acesso em: 14 nov. 2015.
165
A produção americana veio a pedido do grupo CIE que teve que desembolsar US$ 1
milhão de dólares; trazer todos os artistas, produção, figurinos e cenários ficou mais barato do
que produzir um musical em solo nacional. Depois que produtores perceberam que o Brasil
conseguia público para musicais e até mesmo havia recebido produções na língua inglesa, o
receio de um investimento de alto risco foi ficando para trás, fazendo com que cada
espetáculo crescesse em ousadia com cenários cada vez mais elaborados; por outro lado, os
artistas passaram a se preparar mais para as audições frequentando cursos próprios para
musicais.
Cats teve sua produção original gravada em vídeo para ser comercializada. A única
diferença entre este vídeo e alguns outros de musicais que se tornaram filmes, é que o estilo
da gravação não foi pensado para ser líder de bilheteria nos cinemas, foi lançado para VHS e,
um tempo depois, em DVD e Blu-ray. O filme foi passado em diversos canais de televisão e
não fazia questão de apagar a memória do musical, muito pelo contrário, a equipe de
produção se preocupou em fazer com que o espectador se sentisse em uma plateia ao vivo,
utilizando-se de close-ups e gravando as cenas no teatro Adelphi, em Londres. O filme serviu
mais para popularizar o musical do que propriamente ser visto como uma produção
desvinculada do teatro que fosse lembrada por sua produção, sem necessariamente, remeter a
um musical.
Figura 1: Distribuição da Cultura Por Região e Princcipais Áreas de Cultura Por Região
(2013)
71
Informações disponíveis em: <http://sniic.cultura.gov.br/wp-content/uploads/2015 nov. cultura-
economia-fgv-2015.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2015.
167
Em relação ao ano de 2003 e de 2009, não ocorreram muitas mudanças no que tange a
áreas de Artes Cênicas e Música; a marca do consumo dos dois anos manteve o valor superior
a US$ 1 bilhão.
Com relação às políticas culturais, segundo Marilena Chauí (2006), em sua obra
Cidadania Cultural – o direito à cultura, destacam-se a cultura oficial produzida pelo Estado,
a cultura populista, produzida e administrada pelas camadas sociais mais populares e a cultura
neoliberal, sendo essa última a que mais tem ligação com o patrocínio que possibilita as
apresentações de grandes produções de musicais no Brasil.
168
A posição neoliberal, que começa a deitar raízes desde meados dos anos 1980,
minimiza o papel do Estado no plano da cultura: enfatiza apenas o encargo estatal
como patrimônio histórico enquanto monumentalidade oficial celebrativa do próprio
Estado e coloca órgãos públicos de cultura a serviços de conteúdo e padrões
definidos pela indústria cultural e seu mercado (CHAUÍ, 2006, p. 68).
72
Informações disponíveis em: <http://www.cultura.gov.br/artigos/-
/asset_publisher/WDHIazzLKg57/content/lei-rouanet-%E2%80%93-20-anos-depois-496670/10883>. Acesso
em: 13 nov. 2015.
169
A atriz Marieta Severo é um nome da lista de artista que já criticou a Lei Rouanet. A
atriz, que fez parte do elenco de Roda Viva, um dos musicais brasileiros mais conhecidos, em
entrevista para o Jornal O Globo, opina sobre a leva de musicais beneficiados por renúncia
fiscal:
Hoje, 90% dos patrocínios da Rouanet destinados ao teatro vão para musicais. Isso
não é correto. Não é saudável. Não sou contra o entretenimento. Mesmo. Mas tem
que haver uma forma de incentivar outras áreas, de pesquisa, criação. Se não, vamos
ficar nos caminhos já percorridos. Esses musicais usam uma fórmula estabelecida na
década de 1950.75
73
In: A força do teatro musical no Brasil apud.< http://musicaisbrasil.multiply.com/journal/item/199/199>.
74
SOUZA, Murilo. Ministro critica Lei Rouanet e destaca importância da cultura para o País. Agência Câmara
Notícias, 24 set. 2015. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/EDUCACAO-E-
CULTURA/496897-MINISTRO-CRITICA-LEI-ROUANET-E-DESTACA-IMPORTANCIA-DA-CULTURA-
PARA-O-PAIS.html>. Acesso em: 18 nov. 2015.
75
GHIVELDER, Debora. Marieta Severo diz que país vive um retrocesso que nunca imaginou. Site O
Globo, 19. mai. 15. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/marieta-severo-diz-que-pais-vive-um-
retrocesso-que-nunca-imaginou-16195083>. Acessado em: 19. nov. 15.
170
Seu projeto foi aprovado na Lei Rouanet. Isso não quer dizer que você vá conseguir
uma captação. As empresas têm que estar disposta. Ah, esse dinheiro ia ter que ser
gasto em impostos mesmo, mas não sei por que muitas empresas preferem pagar
aquele dinheiro em forma de imposto do que dar em um projeto que pode não dar
em nada. Eu não posso fazer nada... só posso chegar lá e apresentar o melhor projeto
que eu tenho e esperar que as pessoas se interessem por ele.
A diferença entre esses espetáculos com os demais musicais importados é que não
foram montados com o incentivo da Lei Rouanet e sim com recursos próprios da Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); o edifício da entidade hospeda o Serviço
Social da Indústria de São Paulo (SESI-SP) que, por sua vez, é a entidade responsável pelo
Projeto Educacional SESI-SP para o teatro musical. Além das produções de musicais, o
programa prevê oficinas e cursos de formação para atores-cantores-dançarinos que querem
seguir carreira em musicais.
Mesmo diante do fato dos ingressos serem gratuitos, ainda há críticas relacionadas aos
valores altos da produção do musical A Madrinha Embriagada, segundo matéria jornalística
custou “R$ 12 dos R$ 14 milhões disponibilizados para o projeto”, enquanto que para os
76
VASCONCELOS, Paulo. Os donos da cultura. Observatório de Imprensa, 31 dez. 15. Disponível em:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/interesse-publico/_ed779_os_donos_da_cultura/>. Acesso em: 19 nov.
15.
171
cursos em teatro musical foram destinados R$ 1,2 milhão77. A publicação traz falas do diretor
da Fiesp, Carlos Cavalcanti, que alega que o projeto não foi realizado com a “captação de
incentivos à cultura fornecidos pelo governo; o valor gasto com a montagem seria para obter
os direitos de apresentação da peça por 11 meses, além dos custos da produção”.
O diretor teatral Roberto Lage, em entrevista concedida em 2015, diz que o projeto
que engloba musicais no Sesi é “bacana até a página 10”. De acordo com Lage, o Sesi possuía
desde os anos 1960 projetos de investimentos culturais, com a política de contratar diretores,
atores e montar espetáculos que tratassem de um resgate cultural brasileiro, até a instituição
decidir investir no teatro musical estilo Broadway, só que sem visar o lucro, apenas
produzindo o musical e não cobrando a entrada.
Lage acredita que a decisão da gratuidade da peça está envolta em intenções políticas
do presidente das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf, que, nas eleições de 2014, se
candidatou a prefeito de São Paulo, porém não foi eleito.
77
NOGUEIRA, Amanda. Miguel Falabella estreia temporada gratuita de peça da Broadway. Época, 14 ago. 13.
Disponível em: <http://epoca.globo.com/regional/sp/cultura/noticia/2013 ago. miguel-falabella-estreia-
temporada-gratuita-de-bpeca-da-Broadwayb.html>. Acesso em: 19 nov. 15.
172
Lage apresenta uma opinião de que a notoriedade do teatro musical está tão bem mais
trabalhada na mídia que, a produção gratuita de um musical pode ser utilizada como forma de
ajudar na construção da imagem de um candidato a algum cargo político. Diante dos altos
valores dos musicais, oferecer uma grande produção gratuita é algo notório e que agrada não
somente quem nunca pode assistir a um musical pago como também a quem frequentemente
assiste, mas terá a chance de ir sem desembolsar valor algum.
Lage argumenta que o custo dos musicais realizados pelo Sesi teve certa economia
ao passo que as obras não tinham muito valor de mercado para revenda, o que
possibilitou que Miguel Falabella tivesse mais liberdade para “mexer” no texto.
Segundo ele, há espetáculos que “não têm mais valor de mercado para revenda,
então os americanos vendem com liberdade de recriação, quando baixa o valor de
revenda desse musical, ninguém mais quer comprar, aí eu te vendo e você pode
mexer porque já é lixo”.
Um dos tipos de ação de marketing que está sendo realizado por empresas no que
envolve teatro, é a mudança de nome dos empreendimentos. O Teatro Paramount ou Teatro
Brigadeiro, situado à Avenida Brigadeiro Luís Antônio, SP, passou a se chamar Teatro Abril
e agora tem o nome Renault, devido à parceria firmada com a empresa de automóveis e a de
78
MAGALDI, Sábato. Tendências contemporâneas do teatro brasileiro. Conferência do Mês do IEA-USP, no
auditório da Escola de Arte Dramática da USP, 09 abr. 96. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141996000300012>. Acesso em: 24 nov. 15.
173
entretenimento Time 4 Fun. O contrato foi assinado em setembro de 2012 e tem duração de
cinco anos e é renovável por mais cinco a cada ano.
Ter a nossa marca associada a uma das casas de espetáculos mais tradicionais do
país, uma referência nacional em termos de cultura e principal palco da cidade de
São Paulo destinado às montagens da Broadway, sem dúvida, é uma oportunidade
que nos deixa muito honrados. (PINHEIRO, 2013, p. 38).
A matéria ainda cita que, no Brasil, ações de marketing “envolvendo ‘Direitos sobre
nome’ (Naming rights) no universo do entretenimento começou no início da década de 1990,
quando Adhemar Oliveira [...] associou as suas salas de cinema ao Banco Nacional”
(PINHEIRO, 2013, p. 38). Oliveira era diretor de programação de um complexo de cinema.
De lá para cá, muitos outros empreendimentos culturais passaram a receber nomes de marcas,
mas essa tendência foi alcançar o teatro de forma mais intensa na última década, sendo que a
maioria dessas marcas que intitulam essas casas é também patrocinadora de musicais.
Além do Teatro Renault, a cidade de São Paulo tem outros casos de naming rights,
como o Teatro Bradesco, Centro Cultural Banco do Brasil, Net São Paulo e Teatro Porto
Seguro.
79
PINHEIRO, Amilton. Direitos sobre o nome. Revista Negócios da Comunicação. Edição 69, ano X, 2013.
Disponível em: <http://pt.calameo.com/read/000059048749ebb34e7f8>. Acesso em: 23 nov. 15.
174
a serem utilizados na divulgação do espetáculo, assim como a forma que a obra será
divulgada pela mídia.
O marketing não deixa de ser um processo social devido à obtenção por parte do
indivíduo de algo que deseja ou necessita através da criação, oferta e troca de produtos. A
pretensão principal do marketing é que uma relação resulte em uma transação de venda, que
seja satisfatória para ambas as partes. Na obra Marketing & comunicação, funções, conceitos
e aplicações, organizada por Mitsuru Higuchi Yanaze (2005), o marketing é tratado como
área que depende da comunicação para existir:
A expressão marketing cultural ganhou força apenas nas últimas décadas para
classificar a ação de patrocínio de empresas brasileiras à produção artístico-cultural como
forma de promoção institucional. Ainda segundo Neto, o apoio, muitas vezes, é realizado pelo
interesse da entidade em “beneficiar-se do prestígio do artista ou daquela produção
específica” (NETO, 2006, p. 08).
Quando analisamos essa afirmação de Neto com relação ao benefício do prestígio dos
artistas, podemos melhor compreender o patrocínio em shows de cantores diversos; já com
relação ao benefício relacionado à produção específica podemos citar festivais renomados
como o Rock in Rio. Para uma empresa, estar atrelada a um festival tradicional e midiático é
175
ter mais garantias de que sua marca será vista e associada como uma entidade incentivadora
de um evento que proporciona que artistas nacionais e internacionais se apresentem em um
mesmo espaço.
A marca busca ser vista não somente pelos participantes do evento, mas por aqueles
que se informam sobre o festival, inclusive pelos fãs de todos os artistas que se farão
presentes. Até mesmo o nome das empresas acaba sendo utilizado para compor o nome do
evento, como nos casos de Heineken Concerts, TIM Festival e Vivo Rio.
Para Costa (2004, p. 11), existe um número cada vez maior de empresas
patrocinadoras de atividades culturais no Brasil e no mundo e, dentro desse cenário, “o
marketing cultural começa a figurar como importante ferramenta de marketing, muitas vezes
representando a principal estratégia de comunicação da empresa”. O patrocínio de atividades
culturais por empresas cujo produto ou serviço último não é um produto cultural “apresenta-se
como uma alternativa para atingir os objetivos de comunicação corporativa e construção de
marca, e é uma estratégia já utilizada com sucesso por muitas empresas, inclusive no Brasil”.
A partir do momento em que uma empresa resolve patrocinar um musical, ela tem o
papel de analisar projetos e preterir um em meio a tantos. O que, de fato, faz com que um
projeto seja preterido ao outro? Investir em teatro não é o mesmo que investir em um negócio
que já possui retorno calculado e certo. Estimativas de público e arrecadação são realizadas,
mas o resultado de uma peça de teatro é imprevisível, ou seja, a decisão de patrocinar um
espetáculo envolve diversos outros fatores que, ao menos, indiquem para a empresa que ela
está atrelando a sua marca a um projeto que tem grandes chances de ser um sucesso.
Não dá para prever diversas situações com relação ao futuro de um musical, mas as
empresas se cercam de cuidados para que a marca possa, com determinado patrocínio, ter seu
nome propagado da maneira mais positiva possível. Os empresários querem, ao menos, ter a
sensação de estarem tomando a decisão certa e, para tanto, apostam em modelos que já
mostraram, em algum momento, que “deram certo”.
O ator, cantor e dançarino, Paulo Goulart (2015), que assinou a coreografia de Bixiga:
um Musical na Contra Mão (2010) e atuou em Chaplin – O Musical (2015) acredita que, “
independentemente de a produção ser de formato estrangeiro ou não, o que importa é se
possui qualidade”. Sobre o formato americanizado de musical ele diz:
Lógico que você não pode falar, não quero isso, eu gosto de um bom teatro, de
qualidade, evidente que eles têm uma formula de sucesso, e eles sabem que aquilo
funciona. Então por isso que vem igualzinho, eles não querem arriscar, o pessoal lá
de fora, os americanos, é uma formula, como no cinema, em Hollywood, eles sabem
como fazer isso. Quando esses produtores vão lá e compram esse espetáculo
fechado, eles querem prezar pela qualidade que eles têm lá fora e por isso é tudo
igualzinho aqui. Esse é um tipo de teatro, que é muito legal, bacana, funciona, mas
para mim, enquanto ator, é muito mais interessante você participar de um processo
criativo, onde você vai colaborando, dando seus pitacos, é muito mais instigante
para o ator.
Ainda segundo o produtor, o mercado está propício para receber diversos estilos de
espetáculos musicais: “[...] nós estamos com mercado incrível, e eu acho legal também ter o
americano (teatro musical), ter o nosso, tem que misturar tudo, acho que isso que é o barato”.
Caso o espetáculo a ser produzido não possua diversas características que geralmente
grandes sucessos têm, o projeto pode não emplacar, não adianta ser um musical da Broadway.
Exemplificamos com o caso citado em matéria jornalística que revela que o renomado
produtor de musicais Cláudio Botelho abandonou a ideia de trazer para o Brasil, no ano de
2015, o musical Sweeney Todd (1979), original de Stephen Sondheim. Para Botelho: “O que
vende bem hoje são comédias musicais que tenham um grande nome como atração. Eu não
me arriscaria a fazer um show diferente. Com certeza não faria um show triste neste
momento”.
Essa fala do produtor vem revelar que não adianta o espetáculo ter sido um grande
sucesso da Broadway e ter ganho diversos prêmios, como é o caso de Sweeney Todd, se no
momento atual a palavra “crise” assombra as relações econômicas brasileiras, desde uma ida
ao mercado a uma transação milionária da bolsa de valores. Para Botelho, o ano de 2015 não é
o momento para “um show triste”, além de que o que vende atualmente “são comédias
musicais que tenham um grande nome como atração”.
Esse “grande nome como atração” está atrelado a alguém ou algo presente na mídia
que possa, por si só, trazer público, independente do teor do espetáculo. Trataremos, em
primeiro momento, da suposição de que esse nome seja do próprio espetáculo. Um espetáculo
importado tem muito mais chance de ser apresentado no Brasil quando, em algum outro lugar
ele foi bem aceito, ganhou prêmios e encantou multidões, isso pode significar que a produção
possui elementos que chamaram atenção e/ou agradaram grande número de pessoas.
Um produtor que teve seu projeto aceito pela Lei Rouanet e a partir disso tem
autorização para captar recursos, terá de enfrentar uma concorrência, sua proposta terá que ser
mais atrativa que as demais. Uma produção já consagrada pode ser o fator decisivo na decisão
final de qual produção receberá o patrocínio e a marca se associará. Ao utilizarmos a
expressão consagrada, referimo-nos a uma produção que possui uma carga midiática que, de
alguma maneira, contribuirá na divulgação do musical. A ideia básica é que quanto mais
conhecida a produção, mais público terá; quanto mais público, mais a marca do patrocinador
será divulgada.
178
Segundo Ana Maria Balogh e Cristina Mungioli (2009), o remake pode ser visto como
uma solução em um momento de falta de criatividade dos autores ou mesmo uma saída
plausível em termos de garantia de audiência. A produção do remake “exige um updating, não
trata de apresentar o mesmo do mesmo, mas sim de atualizar e tornar mais palatável o produto
dentro do gosto da contemporaneidade” (BALOGH; MUNGIOLI, 2009, p. 343).
Nessa linha de pensamento, nos deparamos com uma sociedade pós-moderna, também
conhecida como modernidade líquida, apresenta um indivíduo fragmentado. Nessa sociedade
líquida, segundo Stuart Hall (2006, p. 48), encontra-se a identidade nacional que “não são
coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da
representação. A nação é [...] um sistema de representação cultural”.
Maurice Halbwachs (2006, p. 100) propõe em sua obra A memória Coletiva, uma
distinção entre história e memória coletiva. Para ele, a existência da memória estaria
condicionada à sensação de que ela faz parte de lembranças de um momento que não foi
interrompido, que continua contínuo, como uma ponte que liga o passado ao presente. Porém,
somente a memória coletiva poderia fazer essa “ponte” realmente existir, justamente por não
tomar “do passado senão o que ainda está vivo ou é incapaz de viver na consciência do grupo
que o mantém” (HALBWACHS, 2006, p. 102). Ou seja, na memória, o presente e o passado
179
não estão desconectados como dois períodos históricos diferentes, eles possuem uma
continuidade.
Quando uma história já foi vista em um filme e é anunciado que ela será contada
através de um musical, não necessariamente o indivíduo irá pensar: “Não vou ao teatro, já
assisti”. Obviamente que haverá pessoas que pensarão dessa maneira, mas grande parte pode
fazer memória das experiências que teve ao assistir a mesma história proposta pelo
espetáculo, só que contada através das técnicas cinematográficas. Se as lembranças evocadas
forem positivas, podem estimular o indivíduo a assistir a mesma história em busca de reavivar
e/ou de criar novas experiências. O fato de despertar novas experiências mostra que não é o
mesmo produto, até porque o indivíduo não é o mesmo.
Como estamos tratando o teatro musical como um produto comercial e não somente
cultural, ele se aplica a essas questões apontadas por Zanone, que preserva que “recriar fatos
pela memória também ajuda na pré-seleção de um produto ou serviço”, e que as empresas
podem estimular o cliente para “que eles associem boas recordações aos seus produtos”
(ZANONE, 2007, p. 108). Uma marca patrocinadora não busca atrelar seu nome à
recordações ruins do público de um musical, para tanto, ela acaba interferindo no processo de
desenvolvimento da produção, mesmo não possuindo um olhar artístico a empresa reivindica
tomadas de decisões com base em sua experiência comercial.
Uma dessas decisões pode ser apostada em um espetáculo que já foi “testado” e que,
aparentemente, trouxe “boas experiências” ao consumidor. Isso pode ser analisado pela
180
empresa através do espaço que a produção original teve na mídia, as críticas, os números de
ingressos vendidos, o lucro obtido pela produtora, a propagação da marca patrocinadora.
De acordo com Kotler (2000, p. 202), o consumidor percebe o produto a ser adquirido
como um “conjunto de atributos com capacidades variadas de entrega de benefícios para
satisfazer a necessidade”. Se falarmos de um voo, podemos considerar um “atributo” como o
conforto das poltronas, o bom atendimento das aeromoças, um preço de voo atrativo,
pontualidade, o não extravio de malas, além de uma refeição de qualidade. Quando o atributo
é vinculado a um espetáculo, o espectador pode considerar atributos à fácil localização do
teatro, ingressos promocionais, um diretor de renome ou mesmo a presença de uma
celebridade no elenco. O que é atributo ou não varia de pessoa para pessoa, mas a grande
maioria dos indivíduos, como já foi citado, possui curiosidade acerca da vida dos famosos.
Para os patrocinadores, trazer um ator famoso para a produção pode garantir mais
público, notoriedade midiática que envolve esse artista se torna “um elemento a mais” em um
projeto que precisa de patrocinador. Apesar das leis de incentivo, muitos profissionais do
meio artístico receiam que a crise atrapalhe o investimento em musicais, como é o caso do
ator Paulo Goulart Filho (2015), que ao participar do espetáculo Chaplin - O Musical (2015),
percebeu que a crise econômica pode afetar qualquer musical, independentemente de ter boa
qualidade ou não:
[...] sem patrocínio você não faz nada, fica inviável. São espetáculos caros e só
bilheteria não paga. Por exemplo, o Chaplin, foi um sucesso, lotado todo dia e
tivemos que parar porque não dava para pagar tudo, só ali tinha mais de 60 pessoas
envolvidas, contando com elenco, músicos, técnico, produção, é muita gente, teatro,
mídia, é um absurdo, cada anuncio, é uma coisa absurda e essa política cultural
também ajudou a inflacionar esse mercado todo, os teatros hoje estão caríssimos.
Então fica inviável, você começa a montar peça de um ator, dois atores, três atores,
para poder fazer, porque quando você entra num esquema deste de musical, elenco
20 atores, 15 músicos, o que se gasta de figurino, de cenário, é uma cacetada, é
muita grana.
181
De acordo com o ator, diretor e produtor teatral, Jô Santana, muitas espetáculos só são
possíveis por que há as leis de incentivos fiscais, mas que se o produtor não possui um bom
projeto fica muito difícil conseguir um patrocinador.
Olha, não tem uma política cultural muito forte no Brasil mas têm as leis que ajudam
muito; ajuda, por exemplo, se você tem um bom projeto, você põe na lei, você põe
debaixo do braço pra correr atrás do patrocínio; é você com você mesmo, entendeu?
Tudo é muito doído, não é fácil, o mercado artístico não é brinquedo e, às vezes, o
pequeno produtor não consegue ali uma lei porque ele não tem um nome, porque a
coisa não foi aprovada, porque não é só ser aprovado, é bater na porta do cara: “olha,
compra o meu projeto”; é você por você mesmo [...].
Ainda segundo o produtor, falta uma maior divulgação da Lei Rouanet para as
empresas, pois muitas ficam receosas em se utilizar da renúncia de incentivos fiscais para
apoiar espetáculos.
Quando o ator é desconhecido do público, o indivíduo pode ter uma conexão diferente
com ele por não possuir conhecimento prévio de questões relacionadas ao profissional, mas
nada impede que uma ligação passe a ser construída a partir do primeiro contato. Há diversos
182
De acordo, ainda, com a matéria de D’Alama (2015), quando Karin Hils ficou gripada,
não pôde participar da peça em meados de abril deste ano e ficou a cargo de Josi Lopes dar
vida à falsa freira. O fato foi avisado por áudio ao público, antes do início da peça. Josi Lopes
relata que os espectadores mostraram certa decepção com um sonoro “Aaaaaaaaaaah”. Ela
confessa que apesar da surpresa pela reação do público, entende o ocorrido, afinal, ela já
esteve na plateia quando foi assistir a um musical e a atriz principal teve de ser substituída.
Caso parecido ocorreu com o ator substituto de Tiago Abravanel em Tim Maia (2012),
Danilo de Moura. O ator conta que passou por situações constrangedoras: “A galera
reclamava muito [da ausência de Abravanel, falava alto: ‘Paguei a maior grana’, não para me
80
Seriado da Rede Globo. Informações e vídeos disponível em: <http://globotv.globo.com/rede-globo/sexo-e-as-
negas/>. Acesso em: 14 nov. 2015.
183
atingir, claro. Uma vez minha sogra quase discutiu com um cara da plateia que disse: ‘Quem é
esse bosta aí?’”81.
81
Entrevista concedida para a jornalista Luna D’Alama. Disponível em:
<http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2015 abr. 20/em-caso-de-gripe-ou-novela-artistas-
substituem-protagonistas-em-musicais.htm>. Acesso em: 22 nov. 2015.
82
Subcelebridade é um neologismo frequentemente utilizado pelos meios de comunicações para designar
pessoas que tentam de tudo para aparecer na mídia e terem seus momentos de fama.
184
ser um território bem demarcado e passou a delinear um espaço social transitório”, e também
ainda nesse cenário, a identidade e a memória “vêm se evidenciando como construções
sociais – produzidas na interação com o outro, a partir de convenções, no jogo social” Neste
contexto, é próprio da sociedade contemporânea conter diversas “visões de mundo” e “estilo
de vida” (HERSCHMANN; PEREIRA, 2005, p. 52).
Para Ernest Fischer (1987, p. 51), na obra A necessidade da arte, “[...] o artista
continua sendo o porta voz da sociedade”; atualmente esse papel ainda é o mesmo, as
temáticas mudaram, os contextos sociais, mas o artista ainda possui uma função social de
relatar através de sua obra a realidade social de seu tempo. Fisher diz que a tarefa do ator “é
expor ao seu público a significação profunda dos acontecimentos, fazendo-o compreender
claramente a necessidade e as relações essenciais entre o homem e a natureza e entre o
homem e a sociedade” (1987, p. 51-52).
A biografia exerce certo fascínio nas pessoas, não somente pelo fato de expor
acontecimentos da vida de alguém conhecido da grande mídia, mas até mesmo de
desconhecidos, o que ajuda a explicar a onda de reality shows, a vida de não famosos sendo
revelada e gerando identificações ou percepções de diferenças diversas para quem assiste aos
programas. Há apelo midiático na biografia, a mídia encontra espaço entre sua programação
para divulgar fatos biográficos.
Herschmann e Pereira (2005) defendem que a ligação que temos com a biografia está
relacionada a ideias de projetos pessoais, tão presente nas sociedades modernas:
No artigo Como nasce um ídolo: o mito e suas narrativas, de Daniele Bomfim (2015,
p. 67), publicado na revista Opinião Filosófica, os mitos são classificados como “realidades
psicológicas que vivem em nosso inconsciente coletivo e precisam ser transmitidos para que
permaneçam vivos”. Hoje em dia os mitos têm a possibilidade de estamparem capas de
revista, terem suas vozes e imagens reproduzidas através de diversos meios de comunicação,
tornando-se conhecidos de maneira rápida. Mas nem sempre foi assim, as tribos antigas
utilizavam a oralidade para contar feitos reais ou imaginários de pessoas e deuses. Geralmente
eram anciãos que narravam essas histórias que apresentavam heróis com valores e
características como coragem, renúncia, beleza, força, inteligência, brandura, etc.
Os mitos remontam à época em que ainda não havia registro escrito na Grécia e, por
essa razão, eram difundidos por meio da palavra falada. O vocabulário grego mýthos, do qual
se origina o termo português “mito”, compartilha o mesmo radical do verbo grego mýtheomai,
cujo significado é “dizer”. Assim, mito significa, em sua acepção mais primitiva, “palavra
falada”, “o que foi dito”. Os grandes representantes desse tipo de narrativa, os poetas Homero
83
Pertencente ou relativo ao Olimpo. Habitante do Olimpo. Dicionário Michaelis. Disponível em: <
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=olimpiano>.
Acesso em: 04 jan. 2016.
186
e Hesíodo, viveram no período em que a escrita foi redescoberta pela cultura grega e permitiu,
assim, o registro das antigas narrativas. As principais obras desses autores – “Ilíada” e
“Odisseia”, no caso de Homero, e “Teogonia” e “Os Trabalhos e os Dias”, no caso de
Hesíodo – fornecem-nos o mais remoto testemunho da antiga cultura helênica (BOMFIM,
2015, p. 66).
Não foram poucos os casos de traições de famosos que foram descobertos pelos
fotógrafos e foram amplamente divulgados pela mídia, assim como muitos fãs ficaram
sabendo de novos romances, antes mesmo dos familiares dos envolvidos. Para muitas
celebridades não é uma questão de opção ter sua vida exposta ou não. Inerente ao seu querer,
sua imagem e suas ações serão divulgadas como se a mídia tivesse “vida própria”, não
precisando da aprovação de ninguém para divulgar suas imagens e falas, inclusive indo contra
as leis; não são raros os processos de celebridades que se sentiram prejudicadas com as
publicações da mídia.
84
O trailer original do filme está disponível em: <http://origin.paramount.com/movies/truman-show>.
Acesso em: [INSERIR DATA]
187
interpretado pelo ator Jim Carrey. Ações simples como acordar, comprar um jornal e sentar-se
à mesa de trabalho eram assistidas em tempo real por milhões de pessoas do mundo todo.
Mesmo Truman tendo uma vida considerada pacata, sem grandes eventos, o programa com
sua vida movimentava muito dinheiro, vindo de propagandas que eram inseridas nas cenas
corriqueiras do reality show.
Imagem 29: Cena em que Truman (Jim Carrey) se mostra desconfiado dos acontecimentos de
sua vida, que é transmitida ao vivo para todo o mundo.
Ainda sobre o filme O show de Truman: o show da vida, Sodré acredita que: “A
cidade imaginária de Truman é, de fato, uma metáfora do quarto bios, um arremedo da forma
social midiática” (SODRÉ, 2002, p. 26). E é justamente essa “forma social midiática” que faz
a intermediação entre a ligação do ator e seus personagens para “próximo” da vida daqueles
que não são celebridades midiáticas.
O ator pode interpretar diversos personagens ao longo de sua vida; por determinado
período o seu rosto e o seu corpo “dá vida” a “uma pessoa” que pode ser virtuosa e corajosa;
em outro trabalho o papel pode exigir que o ator demonstre agressividade, maldade. Um
85
Disponível em: <O Mundo Em Cenas: O Show de Truman - O Show da Vida (Truman Show, The, 1998)>.
188
mesmo rosto está associado a personagens com personalidades diferentes. Quando uma
pessoa se identifica com a forma de atuar de um ator ela passa a se basear não mais nas
características dos personagens, caso contrário, em um mês, ela amaria e no outro odiaria,
dependendo do personagem que o ator representasse.
Exemplificamos essa questão expondo o caso ocorrido com o ator Jackson Antunes,
na época em que interpretava o personagem Leonardo que agredia a mulher na novela A
Favorita (2008), escrita por João Emanuel Carneiro. Ele estava em uma banca de jornal, na
cidade do Rio de Janeiro, com o filho, então com nove anos, quando um homem questionou o
exemplo que ele dava a seu filho com seu personagem e, enfurecido, o empurrou. Jackson
Antunes que, com 13 anos teve trombose e chegou até a usar muletas, se recuperava de um
sangramento venoso e foi parar no hospital para tratar de uma nova trombose, iniciada após a
agressão86.
Caso parecido ocorreu com a atriz Regiane Alves que em diversas entrevistas
comentou que era abordada constantemente na rua para levar “bronca” das pessoas pelo
comportamento demonstrado pela sua personagem Dóris, na novela Mulheres Apaixonadas
(2003), de autoria do dramaturgo Manoel Carlos.
86
CORRÊA, Helena. Na própria pele. Revista Quem, 29 jul. 2008. Disponível em:
<http://revistaquem.globo.com/Revista/Quem/0,,EMI9186-8192,00.html>. Acesso em: 09 dez. 2015.
189
apelo emocional. Czizewski (2012, p. 170) diz que informações acerca do Estatuto do Idoso
foram inseridas no contexto da novela, e que esse fato pode ser “uma forma de reforçar a ideia
de realidade, contemporaneidade e vínculo com o real, características da obra do dramaturgo
Manoel Carlos como um todo”.
Nesse deslocamento, a relação direta entre o ator e aqueles que acorreram para
assisti-lo frequentemente passa ao primeiro plano da estruturação do espetáculo; não
só a concretização do evento exige a inclusão do espectador como o espaço cênico
passa a ser pensado e estruturado em função dessa relação, focando o
compartilhamento de uma experiência ou a possibilidade de contato (inclusive
físico) e/ou convívio (SILVA, 2013, p. 150 e 151).
O ator da atualidade tem mais acesso às repercussões que suas atitudes geram entre
seus fãs, mais do que nunca, agora, com as mídias sociais, que possibilitam uma conexão
maior entre o artista e as pessoas que o admiram. Discussões em público, mesmo quando o
artista imagina que não está sendo observado, geram notícias em diversos meios de
comunicação. Algumas notícias veiculadas podem repercutir negativamente para o ídolo e,
em pouco tempo, de adorado pela maioria ela passa a ser odiado, para depois de uma notícia
positiva, voltar a ser amado. É comum, atualmente, ouvir falar que um artista contratou um
gerenciador de crise87. Afinal, a imagem que o público tem do artista pode influenciar no
87
Gerenciador de crise é um profissional que busca, através de diversas ações, minimizar ou, caso possível,
eliminar os impactos causados por adversidades vividas principalmente por empresas e pessoas públicas, para
que os contratantes tenham o menor prejuízo reputacional e financeiro possível.
190
resultado final da escalação de uma peça ou algum outro trabalho artístico e até mesmo na
escolha do artista que estrelará a campanha de uma marca.
Nem sempre no Brasil e em outros países, o ator possuía a glória que possui hoje, ser
ator podia significar não possuir um cargo aceitável e admirável socialmente. No palco ele era
aplaudido, entretanto na vida, era desmerecido. As mulheres que eram atrizes não eram
consideradas como mulheres “direitas para casar”. Foram necessários muitos anos para que
esse quadro fosse modificado.
Diversos artigos foram publicados no ano de 1918, na Revista de Theatro & Sport, que
tratavam do papel do artista. Em um desses artigos, intitulado Os Artistas e que fazia parte da
coluna Causas da decadência do teatro nacional, o autor Marques Pinheiro diz:
O teatro, entre nós, não é coisa honesta, não é um trabalho onde a virtude possa
procurar o pão de cada dia, muito ao contrário; para as artistas, é muito mais fácil
191
88
Revista de Theatro & Sport, n. 172, s/p, 09 fev. 1918.
89
Revista de Theatro & Sport, s/p, 01 jan. 1918. Sem indicação de número, capa rasgada.
192
de ator. A mídia, ao estampar o rosto de uma atriz, evidência sua importância social, o fato de
ela ser reconhecida pelo grande público, revelando sua vida de glamour, sucesso e
reconhecimento. A indústria cultural promoveu a propagação de produções que saíram do
bairro, foi lançada no âmbito nacional e mundial, como acontece com os filmes
cinematográficos. E, consequentemente, os atores dessas produções ganharam notoriedade
midiática e, consequentemente, legiões de fãs no mundo todo.
Em uma propaganda de margarina, por exemplo, que tem a proposta de passar uma
mensagem de que o produto é o ideal em um café da manhã familiar, antes de cada membro
sair de casa, dificilmente a marca irá convidar, para estrelar o comercial, um casal de famosos
que vivem brigando em público e que já se separaram e reataram diversas vezes. Apesar de
estarmos em uma época em que ser famoso consiste em ter determinado reconhecimento,
diferentemente dos artistas no início do século XX, eles ainda estão expostos aos julgamentos
morais.
Todo este processo que discorremos aqui, neste trabalho, possui exceções; muitos
artistas se destacaram no teatro e a partir daí são chamados para outros trabalhos em demais
produções culturais. Porém, os maiores salários de atores nos Estados Unidos são pagos pelo
cinema e, no Brasil, pela televisão, justamente por serem essas indústrias que arrecadam mais
investimentos e são os canais que mais dão visibilidade aos artistas nesses países.
Estão conectados nas redes sociais 92% dos internautas, sendo que muitas sessões de
sites e até mesmo nas redes sociais, muitas coisas relacionadas à televisão são noticiadas. Ao
invés de ser um concorrente direto da televisão, a internet acaba sendo um meio de divulgar a
própria programação televisiva, e também os artistas envolvidos nelas. Ainda segundo a
pesquisa, presume-se que há na televisão um “componente social e aglutinador”, que instiga
conversas entre as pessoas; essas conversas não ocorrem apenas pessoalmente, mas
virtualmente também.
90
Pesquisa disponível em: <http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-
qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf>. Acesso em: 13 nov. 15.
194
Temos até mesmo aqueles admiradores mais afoitos que enfrentam barreiras de
segurança para ter um momento ao lado da celebridade, mesmo que depois tenham de ser
retirados e por vezes até arrastados por seguranças. Também têm os fãs, e aqueles não tão fãs
assim, que acabam, por acaso, esbarrando com alguma celebridade, afinal de contas eles
também fazem viagens, vão ao shopping, ao cabeleireiro, a festas.
Mas para a maior parcela da população, caberá apenas observar e acompanhar a vida
da celebridades através de uma tela. Todavia, há um intermédio entre o acaso e o
conformismo, entre o encontro espontâneo com a conformidade que a celebridade nunca será
vista pessoalmente. E esse “nível intermediário” alcança os encontros premeditados e, em
alguns casos, até forçados. Ainda há, também, a possibilidade de ver o famoso, mesmo sem
conversar com ele; não seria bem um encontro, mas diversas curiosidades seriam, no mínimo,
supridas. Essa possibilidade se encontra no teatro.
muita maquiagem, se realmente tem um olhar simpático, se supre as expectativas que foram
criadas, enfim, é uma maneira de ver aquele que se admira tanto ou que não se admira, mas a
curiosidade existe. E essa questão do ao vivo no teatro não é de agora; desde que existe o
teatro, há aqueles que se destacam e são vítimas de admirações, mesmo antes de o mesmo
saber que ele era um artista.
Na época do Teatro de Revista, os homens faziam fila para ver vedetes famosas, tanto
que em muitos espetáculos podia faltar de tudo, até mesmo um enredo bom, mas que não
faltasse uma música que era dançada e cantada por uma bela e famosa vedete. Em entrevista
para este trabalho, Brigite Blair (2015) confirma a “garantia de público” com a presença de
uma famosa vedete em um espetáculo: “Trabalhando como atriz, já tinha conquistado o meu
público, quando a peça era comigo, eu já sabia que o público já estava certo”.
Fonte: Funarte.91
Imagem 31: Cartaz do Espetáculo Eu Quero Sassaricá, produzido Por Walter Pinto
91
Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/imagens/imagens-documentos/page/11/>.
Acesso em: 15 nov. 15.
197
Apesar de Walter Pinto ser uma pessoa, ele havia se transformado em uma marca,
assim como a Broadway. O nome Broadway vem de uma avenida que concentra teatros que
realizam musicais, peças que não são do gênero musical, basicamente, não existem naquela
área. Assistir uma peça da Broadway significa ir assistir a uma comédia musical, onde há um
formato próprio, com produções que fogem um pouco desse formato, assim, acaba não
havendo espaços para teatros e acabam sendo classificados como Off-Broadway. Geralmente
os turistas não se interessam em ir para um musical da Off-Broadway mas sim nos da
Broadway, marca mais conhecida.
No caso da peça Eu Quero Sassaricá, o cartaz divulga o nome dos artistas, mas
também o de Walter Pinto. Neste caso, a produção possui um apelo midiático maior pois,
provavelmente, foi divulgada nos meios de comunicação por ser o mais novo espetáculo de
Walter Pinto, mas também por ser um espetáculo estrelado por Virgínia Lane, Oscarito e
Mara Rúbia, famosos artistas das revistas.
Para exemplificar que o nome da peça acaba envolto às notícias da vida privada do
artista, segue texto da edição 144, da Revista do Rádio, de 10 de junho de 195293. O pequeno
texto é acompanhado de uma foto de Virgínia Lane portando um tipo de “biquíni” formado
por peixes cenográficos.
Virgínia Lane jamais poderia temer o “maiô”. E tanto isto é verdade que a estreia do
“Sassaricando” inventou um “bikini” ainda mais sintético que os comuns,
92
Disponível em: <http://recordacoescenicas.blogspot.com.br/2014/02/virginia-lane.html>. Acesso em:
15 nov. 15.
93 Revista do Rádio. Edição nº 144, 10 jun. 52. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=144428&PagFis=66&Pesq=Walter%20Pinto>. Acesso
em: 30 nov. 15.
198
Na mesma edição, só que na página 48, a peça é citada novamente, porém desta vez
atrelada à Mara Rúbia, outra estrela do espetáculo. A nota foi escrita por Henrique Campos:
A maldade humana não tem limites. Mara Rúbia adoeceu, ficou muito magra e isto
foi o suficiente para que os membros do “Clube dos Gozadores da Desgraça Alheia”
espalhassem que ela estava “bombardeada” dos pulmões e outras “cositas”. Mara
não lhes deu ouvidos e fez com brilhantismo toda a temporada de Walter Pinto, em
São Paulo onde brilhou na revista “Eu quero sassaricá”. Agora a querida estrela dos
cabelos platinados está novamente entre nós e estudando várias propostas de
“boites”, teatros e cinema (CAMPOS, 1952, p. 48).
Em ambas as citações a peça é lembrada, mas não é o tema principal, que fica por
conta das curvas expostas de Virgínia Lane em uma espécie de “biquíni” e de rumores
“maldosos” sobre a saúde de Mara Rúbia. Dificilmente, se os protagonistas do espetáculo não
fossem conhecidos do grande público, teriam destaque nas publicações.
É como que, ao escolher uma celebridade para o musical, o produtor esperasse que o
nome de sua peça tivesse uma visibilidade “extra”, das já previstas pela programação da
divulgação do espetáculo. Toda vez que ligassem a peça a um famoso, seria uma publicidade
“a mais”. De certa maneira, essa publicidade, já “embutida” na contratação da celebridade,
também tem seu custo. Pois os salários pagos para um ator famoso são bem superiores aos
pagos para artistas que não possuem visibilidade na mídia.
Apesar de citar Walter Pinto como “uma marca”, ele é uma pessoa, diferentemente da
Broadway. Sua vida pessoal, assim como suas ações, podem não interessar tanto quanto as de
suas estrelas, mas também interessava à mídia. Na Revista do Rádio, edição nº 14, de abril de
1949, na página 34, há uma foto legenda de Walter Pinto: “Correu a notícia de que Walter
Pinto comprara uma estação de rádio, mas nada se confirmou; mais uma onda publicitária em
torno do popular empresário”94.
Como diz o texto, ele era considerado “popular empresário” e havia uma “onda
publicitária” acerca de sua pessoa, o que o colocava também como um nome midiático, não
94
Revista do Rádio. Edição nº 14, 04/49. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/pdf/144428/per144428_1949_00014.pdf>. Acesso em: 30 nov. 15.
199
somente pela fama de suas produções, mas pela curiosidade que exercia no público a partir de
sua vida “glamorosa” de empresário, sempre cercado pelas belas atrizes que estrelavam os
seus shows e que povoam o imaginário popular.
Adriano de Paula Rabelo (1988), no trabalho O teatro de Chico Buarque, traz análises
dos espetáculos do cantor, autor e compositor Chico Buarque. Sobre o musical Roda Viva95,
que teve estreia em 1968, no Rio de Janeiro. Rabelo diz que este musical ficou como marco
do ano de 1968, tronando-se um “retrato de seu tempo”:
Diria que o que foi e representou o ano de 1968 no Brasil pode ser compreendido a
partir do texto, do espetáculo, da repercussão e dos acontecimentos em torno da
peça. Roda-viva transformou-se num verdadeiro símbolo de 1968. Trinta anos
passados, entretanto, aos olhos deste final da década de 90, não deixa de ser
espantoso como um texto e um espetáculo sob certo ponto de vista tão ingênuo,
puderam causar tamanha celeuma, “movimento incessante”, “barafunda”. Naquele
ano tão extraordinário pelos muitos eventos que marcaram a história do país, uma
peça teatral ficou como significativo retrato de seu tempo, seja por suas qualidades e
defeitos estéticos, seja por seu radicalismo político-ideológico, seja pelas paixões
exacerbadas com que mexeu (RABELO, 1988, p. 49).
De acordo com João Lucas Rulff da Costa (2010), em A censura musical no Brasil e
Roda Viva: uma análise histórica e musical, antes de Chico Buarque escrever musicais, ele já
possuía certa notoriedade midiática: “Com seu nome se tornando famoso no meio artístico-
musical, Chico Buarque se consagra, definitivamente, como um grande compositor brasileiro
com ‘A banda’” (COSTA, 2010, p. 30). A canção fez tanto sucesso que dividiu o primeiro
lugar do segundo Festival da Música Popular Brasileira com Disparada, de autoria de Théo
95
Mais informações sobre os musicais da época da Ditadura Militar podem ser conferidas neste trabalho a partir
da página 45.
200
de Barros e Geraldo Vandré. O sucesso iminente da música colaborou para que o primeiro LP
de Chico, de título Chico Buarque de Hollanda96, vendesse mais de cem mil cópias.
Ainda segundo Costa, em 1967, Chico Buarque, juntamente com Nara Leão, passa a
gravar o programa musical Pra ver a banda passar, transmitido pela TV Record.
Enriquecemos esta dissertação, com essas informações a análise do apelo midiático que já
havia em Chico Buarque antes mesmo do estrondoso sucesso que o musical Roda Viva se
tornou. De maneira alguma creditamos o sucesso da produção à notoriedade do artista, ainda
mais quando o musical possui uma gama de peculiaridades que o torna tão atrativo, inclusive
aos olhos dos estudiosos, destarte o tema é abordado de forma constante no meio acadêmico
até os dias de hoje. Mas, diante dos fatos, revelamos a trajetória do teatro musical brasileiro à
luz da notoriedade midiática e não há como deixar de citar que a fama de Chico Buarque
colaborou na propagação de um produto cultural que, diante de um momento político crítico
no Brasil, através de sua mensagem e de suas canções, principalmente a canção Roda Viva,
foi estímulo para a população que se encontrava “sem voz”. A música da peça ultrapassou as
apresentações teatrais que foram covardemente findadas pelo regime, e ganhou as ruas.
Assim como o nome de Walter Pinto dava credibilidade a uma produção do Teatro de
Revista, o nome de Chico Buarque nos cartazes de divulgação de Roda Viva foi um dos
pontos que ajudou a propagar a peça. Não queremos, e nem podemos medir importâncias
históricas, valores motivacionais que levaram as produções da peça, nem momentos históricos
e políticos que envolviam esses acontecimentos distintos do teatro musical. Não vamos nos
embrenhar na importância histórica que os musicais tiveram no combate à repressão de um
regime militar, tampouco analisaremos a profundidade dos textos e letras de músicas, Mas
vale discorrer sobre um nome de uma celebridade por trás, ou melhor, à frente de uma
produção.
96
Segundo Costa, “O sobrenome do pai de Chico Buarque, em algumas fontes pesquisadas, é escrito como
Sérgio Buarque de Holanda, com uma letra ‘L’ Apesar do nome de seu pai ser escrito com apenas uma letra ‘L’,
Chico Buarque em seu primeiros discos botava seu sobrenome como tendo duas consoantes, escrevendo como
título de seu primeiro disco ‘Chico Buarque de Hollanda’” (2010, p. 30).
201
Para exemplificar que a notoriedade midiática de Chico Buarque foi um elemento que
contribuiu na propagação da peça. Para Jacques Elias de Carvalho (2004), no trabalho Roda
Viva (1968) de Chico Buarque: A dramaturgia e a cena teatral sob a ótica da crítica
especializada, o musical é tido por muitos intelectuais e artistas como uma peça de roteiro
simples e que se valeu do “reconhecimento” não somente de Chico Buarque, mas do diretor
José Celso Martinez Correa, que era tido como “o diretor mais badalado daquele momento”98:
Vale ressaltar que o diretor do musical Roda Viva era conhecido por sua atuação de
liderança junto ao Teatro Oficina de São Paulo, que era tido como um grupo teatral com
97
Disponível em: <https://culturalivresp.wordpress.com/2015 ago. 26/o-artista-como-performer/>. Acesso em:
15 nov. 15.
98
O parecer de Jacques Elias de Carvalho tem aporte em: COSTA, I. C. A Hora do Teatro Épico no Brasil.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
202
espetáculos que dialogavam com a realidade brasileira da época. Para Fernando Peixoto
(1982, p. 07), José Celso era “um novo autor que logo em seguida encerraria sua promissora
carreira como dramaturgo para transformar-se no mais criativo e corajoso encenador do teatro
brasileiro contemporâneo (com a peça Roda Viva)”.
O Teatro Oficina também possuía certa notoriedade na mídia, com montagens que
recebiam divulgação nos meios de comunicação, como a estreia da peça que, segundo Iná
Camargo Costa (1996), foi beneficiada pela “imagem de marca do Oficina”:
Roda Viva, quando estreia em janeiro de 1968, acabou por se beneficiar da imagem
de marca do Oficina – elemento de apoio nem um pouco desprezível, sobretudo
numa estratégia de propaganda cujo target group é o grande público. A alquimia de
Orlando Miranda deve ser reconhecida no mínimo como ousada: lançamento um
dramaturgo já conhecido como compositor de sucesso na área da MPB, seção
‘protesto’, com a assinatura do festejado diretor de maior sucesso de São Paulo no
ano de 1967 e, por extensão, com a grife “Oficina” [...] (COSTA, 1996, p. 176).
Yan Michalski (1968), não deixa de analisar o contexto midiático acerca da figura de
Chico Buarque em matéria do Jornal do Brasil quando, inclusive, cita a presença das fãs do
cantor e escritor na estreia de Roda Viva: 99
Dentro deste quadro de pesadelo, o teatro faz o que pode. E o faz com uma raiva que
as circunstância justificam e que talvez se reforçada pelos ecos que anunciam a
radicalização dos movimentos da juventude em vários países (...) A expressão mais
99
MICHALSKI, Yan. Roda-Viva. Jornal do Brasil, p. 10, 18 jan.68.
203
incisiva dessa raiva é o espetáculo mais polêmico do ano, Roda Viva, de Chico
Buarque, cuja estreia no Rio, logo no início de janeiro, desencadeia uma tempestade
de protesto e de adesões entusiásticas (MICHALSKI, 1989, p. 35).
A notoriedade das peças que eram consideradas ofensivas ao Regime Militar acabou
por respingar em muitos artistas envolvidos nas produções que, posteriormente, foram parar
na televisão e se tornaram mais do que artistas famosos, tornaram-se símbolos de uma luta
nacional, heróis com rostos. Sabemos que a Ditadura Militar foi a causadora de diversas
mortes e torturas, pessoas que foram fortemente marcadas por defenderem seu ideias e ideais.
São muitos heróis desconhecidos nacionalmente, alguns rostos são lembrados entre os
familiares, outros entre classes operárias, outros “civis” até nacionalmente, pela história de
vida e também de sua morte.
A comicidade do Teatro de Revista provavelmente não teria sido recebida com tanto
entusiasmo após a Ditadura Militar, assim como os musicais de Chico não teriam surtido tanta
comoção na Era Vargas. Cada formato teve sua repercussão e contexto histórico, mas ambos
foram norteados por ações midiáticas.
204
As identificações dos indivíduos não se limitam aos personagens que os atores fazem,
mas também se estendem ao próprio artista. Com isso, é comum que admiradores de um
artista passem a acompanhar seus trabalhos e até mesmo sua vida pessoal. Essas
identificações podem, realmente, ser um “elemento” a mais no meio de tantos outros no
processo de uma produção cultural.
Assim, como determinado, o artista é escolhido em uma novela ou filme por ser
conhecido do grande público e o mesmo ocorre no teatro, inclusive, o musical.
Nos últimos espetáculos que fui assistir me deparei com um número crescente de
atores conhecidos através de filmes, telenovelas e seriados de TV. Achei interessante
perceber esse aumento de celebridades nos musicais. Antes eu encontrava muitos
artistas que eram exclusivamente do teatro musical, famosos, porém entre as pessoas
que frequentemente assistem a musicais. [grifo do autor].
Desde o início da nova leva de musicais adaptados no Brasil surgiu uma “geração” de
atores; eram praticamente os mesmos a estrelarem diversas produções, com a adesão do
público a esse gênero, foram surgindo novos nomes, ainda do teatro. Um ou outro ator de
televisão já conhecido por ter experiência com canto se aventurava a cantar, atuar e dançar,
tudo ao vivo, nos palcos. Com o tempo, grandes estrelas da televisão passaram a participar do
elenco dos musicais, até mesmo o ponto dessa participação mais ativa ser alvo de críticas de
alguns atores e, até mesmo diretores que trabalham exclusivamente com teatro. A oposição a
essa “imigração artística”, não chega a ser nas proporções da que ocorreu nos Estados Unidos,
mas é significativa a ponto de não poder ser ignorada.
Susy Evans cita que para tentar combater o “efeito Hollywood”, o ator de teatro
Hunter Foster iniciou um grupo no Facebook intitulado Give the Tonys Back to Broadway!
(Devolva os Tonys à Broadway!). À época, a página chegou a ter cerca de 10 mil membros.
Procuramos a página no site do Facebook, mas encontramos apenas um grupo com esse título
com 22 membros, cujo administrador da página é Hunter Foster, e indica que ele abriu o
grupo há apenas um ano. O que, provavelmente, significa que o primeiro grupo foi extinto e
foi criada uma nova página.
Joseph C. Lin (2014) realizou, no site da revista americana Time, uma matéria
intitulada 19 Hollywood Stars Who Took to Broadway, cuja a publicação é do dia 23 de abril
de 2014 e traz nomes de artistas que são conhecidos por seus papéis nos cinemas, mas que
aceitaram convites para estrelarem musicais. Entre os atores estão Emma Stone, que
substituiu no ano passado a também celebridade Michelle Williams, no musical Cabaret
(1966).
Bradley Cooper e Julia Roberts estrelaram a peça Three Days of Rain de 2006. Um
ano depois, em 2007, o palco foi dividido entre os intérpretes dos personagens
cinematográficos Wolverine e 007, Hugh Jackman e Daniel Craig, respectivamente. A lista
segue com nomes como Jude Law, que debutou na Broadway em 1995, na peça Indiscretions,
que também teve estreia no mesmo ano. O debutar de Scarlett Johansson ocorreu em 2010,
com o espetáculo A View From The Bridge. Já o intérprete do bruxo Harry Potter, Daniel
Radcliffe, se lançou no palco, em 2008, com a peça Equus (1973). Até mesmo Al Pacino
atuou em musicais, deu sua versão do personagem Shylock em The Merchant of Venice, em
2010. Esses são alguns dos muitos nomes dos atores de cinema que deram vida a personagens
teatrais, alguns participaram de diversas obras e, por consequência, conquistaram espaços
cativo nos musicais, como Hugh Jackman, que já participou dos musicais Oklahoma! (1998),
206
de West End e The Boy from Oz (2003), A Steady Rain (2009), Hugh Jackman: Back on
Broadway e The River (2014), todos da Broadway.
Mas há também aqueles atores que não agradaram a ponto de receber novos convites.
Isso ocorre porque, independente da fama da pessoa, o musical é um gênero exigente no
quesito talento. Um ator pode até mesmo não ter um desempenho fantástico, mas pelo carisma
e notoriedade agrada mesmo assim. O problema ocorre quando o atuar, o cantar e, em alguns
casos, o dançar do ator, é muito inferior aos dos colegas de elenco.
Eles (patrocinadores) sugerem o ator que eles gostariam que estivesse na ficha
técnica. Vou te dar um exemplo disso, eu gosto de denunciar essas coisas porque eu
acho um absurdo; o Enlace, por exemplo, que é o musical que o Jô produziu e que
eu dirigi, na temporada de São Paulo foi patrocinado pelo Bradesco, e essa
temporada foi feita com dois atores, os principais [...] A “Franço”, ela tem uma
preparação, a formação dela de canto é lírica [...] mas ela nunca desafinou, nunca
atravessou, nunca fez nada dessa coisa, porém, a imprensa na avaliação do
espetáculo, fez alguns comentários com relação a ela como cantora. Terminamos a
temporada em São Paulo e já estava prevista a temporada no Rio de Janeiro, o que
implicava num novo aporte de recursos do Bradesco para esta temporada no Rio que
seria durante a Jornada da Juventude católica lá. O Bradesco condicionou o
patrocínio no Rio de Janeiro à saída da Françoise.
Lage complementa sua explanação, citando os motivos que ele acredita que
contribuíram com a saída da atriz do elenco principal da peça:
Por duas razões: primeiro porque ela não era Globo e sim Record, então ela tinha um
apelo de mídia menor; e segundo porque a crítica fez algumas observações como ela
aqui e condicionou a saída dela, e lá no Rio então, entrou a Cláudia Ohana que fez
muito bem, canta muito melhor para o registro popular que o espetáculo tinha de
canções, mas foi uma observação do Bradesco para apoiar o espetáculo no Rio de
Janeiro. Então essa coisa do ator midiático no teatro musical, se deve sim por um
lado à questão de você ter uma abertura maior de mídia e uma abrangência de
conquista de espectadores maior, mas se deve também muitas vezes, a
condicionamento de patrocinadores que não estão colocando dinheiro do próprio
bolso, mas estão usando renúncia fiscal de imposto a pagar para aplicação em
cultura, e se acham “agentes” do que deve acontecer no palco.
Não é raro percebemos que muitos artistas de novelas que são convidados para
musicais, não possuírem a potência vocal da maioria dos atores que fazem carreira nos
musicais e mesmo assim, acabam, em muitos casos, recebendo papéis secundários para
“cederem” espaço aos famosos. Para compreender melhor devemos primeiro analisar os
espetáculos que são apresentados no Brasil; basicamente podemos dividir as peças atuais nas
adaptações da Broadway e West End e nas produções com enredos brasileiros. O primeiro
estilo citado está atrelado às exigências previstas, até mesmo em contrato, de fazer a peça ser
o mais parecida possível com a original. Nesse caso, não há muita abertura para ousar e
encaixar pessoas que não possuem o perfil para determinadas características que o
personagem apresenta; que há casos em que o ator escolhido necessita ter a mesma
classificação vocal e timbre parecido com o que foi pensado para o personagem. Outra
questão é a exigência de que o ator seja parecido fisicamente com o personagem idealizado e
nem sempre há algum artista já conhecido do público que possa ser escalado. É nesse
contexto que os musicais dão chance para novos talentos despontarem.
A maioria dos papéis televisivos e do cinema não exige do ator o canto, com exceção
de papéis específicos de cantores; e, para ilustrar, citamos um episódio do seriado humorístico
da Rede Globo, Pé na Cova (2013), escrito por Miguel Falabella, em que todos os atores
tinham que cantar, fazendo do capítulo um musical. O que se via não eram cantores, mas sim
atores que cantavam, via-se que alguns se esforçavam para não desafinar. O resultado final foi
um capítulo diferenciado. No capítulo seguinte o seriado voltou ao seu formato original. Foi
um capítulo ousado, é ficou nítida a influência de Falabella nele, já que ele é ator, autor e
tradutor de espetáculos musicais.
208
Apesar de serem capazes de cantar e bem projetar a voz, a grande maioria dos atores
desse seriado não seria escalado para musicais, justamente por possuírem estilos de canto
diferentes do que é “esperado” num musical. Para ficar mais claro essa “definição” de canto
para musical, que acaba, de certa maneira, sendo subjetiva, citamos o pensamento de Lívio
Tragtenberg (1991) presente no livro Artigos Musicais
Não basta apenas ter potência vocal, há muitos atores que possuem um timbre
diferente, uma voz capaz de agradar jurados de uma audição para espetáculos de musicais,
mas não sabem utilizar a voz de acordo com o que pleiteia um musical, ela pode sair
anasalada, fora do tom da música, ou seja, o artista pode não saber utilizar a sua potência
vocal Para suprir a necessidade do evento. Dificilmente a produção de um espetáculo terá
tempo para preparar musicalmente o artista para fazer o papel; ele terá de ter vir pronto, afinal
leva-se cerca de dois meses para a montagem de um musical de grande porte.
Há também o fator psicológico; muitas pessoas vão fazer o teste de elenco e dominam
as artes de cantar, dançar e atuar satisfatoriamente, porém, devido ao descontrole emocional
acabam deixando que o nervosismo ponha tudo a perder. Os produtores dificilmente
arriscariam colocar no palco um artista talentoso, mas que, a qualquer momento pode ficar em
choque diante de uma plateia; contudo, o inverso também é verdadeiro, há pessoas que
mesmo sem ter experiência profissional conseguem mostrar tranquilidade, uma música bem
executada e uma cena bem ensaiada, além de se enquadrarem no perfil do personagem. É o
caso de Tacy Campos que interpretou a cantora brasileira Cássia Eller, na produção Cássia
Eller – O Musical (2014).
209
Isto é coisa de gente que viu no teatro musical uma maneira de fazer dinheiro fácil.
Nenhum destes musicais (biográficos) foi idealizado por artistas, todos são frutos da
cabeça de empresários, gente que nunca leu nem um Nelson Rodrigues e que se
sente na condição de criar “máximas” sobre como devem ou não devem ser os
espetáculos do teatro brasileiro. O único musical biográfico que vi e que era de
primeira linha até hoje se chama “Somos Irmãs”, sobre a vida da Linda e da
Dircinha Batista, com direção do Ney Matogrosso e protagonizado por Nicette
Bruno e Suely Franco. Ali havia dramaturgia, teatro e música de verdade. Esse lixão
que anda por ai contando vida de artista e botando nome de teatro musical é aquilo
que, no meu tempo, se chamava de caça-níquel. Daqui uns três anos acabarão os
artistas “biografáveis” e aí vão tentar inventar outro factoide. Também não acredito
no suposto talento de gente que “faz o fulano igualzinho”, “você jura que é ele”.
Adoro imitadores, mas gosto de vê-los no programa do Raul Gil. Lá, é divertido e
não usa dinheiro de patrocínio, nem finge que é sério 102.
Mesmo diante das duras críticas de Botelho, fato é que os musicais biográficos têm
trazido um novo teatro musical para os palcos brasileiros. De acordo com o diretor Roberto
100
A matéria na íntegra está disponível em: <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/08/semelhanca-com-
cassia-eller-emociona-em-selecao-para-musical.html>. Acesso em: 20 dez. 2015.
101
Cover é uma pessoa que imita um artista.
102
JUNIOR, Dirceu Alves. Claudio Botelho, um “Nine” rodriguiano e o musical brasileiro: “precisamos de
compositores. O resto já temos”. Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/blogs/dirceu-alves-jr/2015 maio
15/Cláudio-botelho-nine-musical-felliniano-charles-moeller-teatro/>. Acesso em: 05 dez. 15.
210
Lage, em entrevista concedida em 2015, a vinda do teatro da Broadway foi benéfica para o
Brasil, mas o momento atual é a da fase do musical biográfico:
A maioria dos musicais autobiográficos pesquisados para este trabalho não trazem
celebridades como protagonistas, acredito que isso ocorra justamente por um biografado ser
ou ter sido uma figura pública, uma celebridade. O chamariz, no caso, fica por conta da
notoriedade que a mídia concedeu ou concede para o biografado e não necessariamente para o
ator que irá interpretar o papel. Dando espaço para que além de tentar “encaixar” um famoso
em um papel, os produtores possam encontrar alguém que apresente elementos que coincidam
com a celebridade a ser retratada.
Há casos em que uma produção tem de lidar com a fama do ator e do retratado; não
encontramos entre os musicais brasileiros autobiográficos algum que demande grande
produção. Mas alguns filmes apostaram em contratar celebridades para interpretar outra
celebridade, como aconteceu no filme Cazuza – O Tempo não Para (2004), que traz o famoso
ator de novelas Daniel Oliveira interpretando Cazuza.
Ele começou a cantar. Eu achei incrível, me emocionou. E ele já imediatamente mostrou uma
capacidade tanto atuar quanto de carisma enorme”.
Abravanel foi o primeiro ator da leva de musicais biográficos, que se seguiu após Tim
Maia – O Musical, ganhar notoriedade na mídia. Quanto mais notícias sobre a produção e o
ator principal eram dadas, mais ele ficava conhecido. Porém, apesar de conhecerem o artista,
quem não havia assistido a nenhum espetáculo realizado por ele, não conhecia sua atuação,
fato que mudou após Tiago Abravanel ter atuado nas novelas Salve Jorge (2012), Joia Rara
(2013) e na série Chapa Quente (2015), todas da Rede Globo. O ator chegou a participar da
novela Amor e Revolução (2011) produzida pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), mas
a novela não possuía muita audiência.
Mais do que ter as características de personagens dos musicais, passar em uma audição
pode significar possuir técnica e autocontrole, afinal cantar para três a quatro jurados é uma
coisa, cantar para uma plateia é outra.
Outrossim, não é somente quem quer participar de musicais que precisa aprender a
cantar; o texto de Tiago Elias Mundim (2014): Contextualização do Teatro Musical na
contemporaneidade: conceitos, treinamento do ator e inteligências múltiplas, mostra que é
própria da formação do cantor saber projetar adequadamente a voz, até mesmo porque quem
faz teatro precisa ter um bom uso da voz para ser escutado pelo público.
No mesmo curso há também a opção de outra disciplina para o ator, a de Canto. Ela é
mais específica para o ator que se sente inclinado a participar de cenas em que é exigido
sequências de canto mais elaboradas. O programa só foi implantado em 2012, quando a
103
O programa resumido da disciplina Canto Para o Ator, ativado desde o ano de 2008 está disponível em:
<http://www3.eca.usp.br/cac/disciplinas>. Acesso em: 24 nov. 15.
212
procura de cursos em que o canto tivesse mais foco passou a ser maior. Segue o objetivo104 da
disciplina:
Enquanto o curso de Canto Para o Ator trata de matérias mais básicas da utilização da
voz, como “praticar uma higiene vocal adequada”, o curso Canto apresenta uma formação
mais intensa da arte de cantar. Se os cursos considerados “tradicionais” de teatro apresentam
disciplinas relacionadas ao canto, há, também, no Brasil, a presença de escolas com cursos
específicos para o Teatro Musical. Há, inclusive, em São Paulo, a escola Teen Broadway,
especializada em aulas para atores que querem enveredar suas carreiras para o Teatro
Musical.
De acordo com a criadora e diretora do grupo, Maiza Tempesta 105 , em 1996, ela
percebeu que o mercado carecia de profissionais preparados para participar de musicais que
cantassem, interpretassem e dançassem; foi dessas necessidades que nasceu a escola, que
atualmente possui diversos ex-alunos brilhando nos palcos brasileiros, um deles, inclusive, o
ator Tiago Abravanel, intérprete de Tim Maia, no espetáculo Tim Maia – Vale Tudo, O
Musical.
104
O programa resumido da disciplina Canto, ativado desde o ano de 2012 está disponível em:
<http://www3.eca.usp.br/cac/disciplinas>. Acesso em: 24 nov. 15.
105
As informações foram coletadas no site oficial da Escola Teen Broadway:
<http://www.teenBroadway.com.br/>. Acesso em: 14. Out. 15.
213
que representar, dançar, tem que ser completo, que eu acho isso incrível, não é só ser bonito,
tem que ser completo”.
Todo ator que se preparar vai fazer (musical), agora se você pega um ator que não
tem estudo de canto, de dança, vai ser mais difícil, porque na hora de cantar você
tem que dar conta do recado. Não adianta você falar um texto maravilhoso, e na hora
que for dançar, se o teu personagem tem que dançar, você tem que fazer aquilo bem,
então o ator tem que estar preparado, por isso que estar pronto é tudo [...] Se o ator
quer fazer musical ele tem que se preparar sim, tem que fazer aula de canto, aula de
dança, interpretação, porque vai exigir dele.
E, para Saulo Vasconcelos se o artista não tem talento para estar em um musical, o
próprio “mercado se encarrega” de excluí-lo.
Eu acho que o próprio mercado se encarrega de nunca mais querer essas pessoas que
não tem talento e querem fazer teatro musical quando não deveriam, o próprio
mercado se encarrega de eliminar essas pessoas e impedir que elas voltem ao palco,
fazendo uma coisa que não é da alçada delas. Então, é assim com relação a isso é
quase espontânea, natural, se a pessoa não faz parte dali, não adianta. Ela pode ter
um grande nome, mas não faz parte desse meio e não vai fazer parte nunca. Se a
pessoa for boa, pode ser global não tem problema nenhum, e até bom, vende os
ingressos e é boa. Então está perfeito.
Na matéria do site Uol, escrita por Miguel Arcanjo Prado, intitulada Atores investem
até R$ 6.000 do próprio bolso para estar em um musical106, há relatos de artistas que chegam
a gastar altos valores “para estar com tudo em cima” quando a chance de entrar para o elenco
de uma megaprodução musical aparecer. Prado (2015) comenta que os salários dos atores de
musicais são cobiçados pelos artistas.
Se no começo dos anos 2000 eram raros os atores preparados para musicais, hoje
centenas deles disputam cada papel; todos de olho nos bons salários num país em que teatro,
muitas vezes, é feito por "amor à arte". Grandes musicais pagam acima dos R$ 4.000 para
quem é do coro; um protagonista pode embolsar mais de R$ 30 mil.
106
PRADO, Miguel Arcanjo. Atores investem até R$ 6.000 do próprio bolso para estar em um musical. Site Uol,
28 ago. 2015. Disponível em: <http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/entretenimento/2015 ago. 28/do-
proprio-bolso-atores-gastam-ate-r-6000-para-estar-em-um-musical.htm>. Acesso em: 24 nov. 15.
214
Segundo Paulo Goulart (2015), para se manter nos musicais não basta apenas ter fama,
é preciso ter qualidade na performance: “[...] o ator tem que se preparar sim, porque se achar
que é só chegar com a carinha bonitinha e nome, sem preparo, achando que vai dar conta...
não rola, é uma exposição, e cada ator tem que saber onde amarrar o seu burro”.
Em matéria para a Revista Exame, escrita por Guilherme Dearo (2015), é relatada a
crescente prática do personal branding, que significa ações por parte de artistas, atletas e
personalidades que ajudem a “construir uma marca forte em torno de sua persona”.
Ao gerenciar e pensar todos os aspectos de suas vidas – aparência, dia a dia, vida
profissional, vida pessoal, relações com empresas e suas marcas, vida e presença on-
line -, essas personalidades querem construir o seu "eu como marca" da forma mais
sólida possível. A partir de um nome e imagem fortes, os caminhos para novos
negócios, parcerias e participação em novas campanhas publicitárias estão abertos. E
com isso, claro, lucros polpudos (DEARO, 2015).
A matéria cita um relatório da JWT Intelligence dos EUA, divulgado em 2015, que
listou as 100 tendências no mundo das marcas, consumo, tecnologia, política e estilo de vida.
O documento aponta o personal branding, como tendência para o ano de 2015. Para Dearo,
há famosos que “estão deixando de ser apenas consumidores para se desenvolverem, eles
mesmos, como marcas – fazendo curadoria de sua imagem on-line, se monetizando via mídias
215
sociais e produzindo conteúdos”. Isso não ocorre somente com os famosos, mas também com
anônimos que sonham com a fama, prova disso são os blogueiros que viram celebridades a
partir da divulgação de suas imagens e pensamentos on-line.
Muitos blogueiros acabam sendo chamados até mesmo para propagandas na televisão.
Há alguns anos, a pessoa só conseguia se tornar uma celebridade a partir do momento em que
sua imagem era transmitida pela televisão; atualmente há diversos famosos que começam suas
carreiras através da internet.
Quando os artistas que fizeram as audições descobriram que o papel já havia sido
preenchido não se agradaram por não terem sido informados que as audições seriam apenas
para alternantes.
eles tinham que ter um substituto; caso eu fique doente. Então essa pessoa se sente
lesada. Mas isso é benéfico pra mim que já fui vítima.
Em outro momento de sua carreira, Saulo conta que aconteceu o inverso, o ator
Herson Capri, conhecido por seus papéis na televisão, foi preterido para ser um dos
protagonistas do musical A Noviça Rebelde (2008), sendo que Saulo Vasconcelos ficou como
seu substituto:
Eu, por exemplo, já passei uma situação onde originalmente com A Noviça Rebelde,
eu perdi a possibilidade de começar a fazer o papel porque foi o Herson Capri que
fez, ele era global e mais interessante para o espetáculo, apesar de eu ter mais
condições técnicas de fazer o papel que ele. Ele é um bom ator, mas não cantava
nada, mas ele foi chamado mesmo assim porque ele tinha um apelo midiático. Isso
tem uma conotação negativa, mas positiva pra produção. Depende do ponto de vista.
Do ponto de vista do ator negativa, mas positiva para a produção.
Já Jô Santana (2015) diz que trazer um nome midiático pode atrair um público maior,
além de investidores. “Se o ator que faz novela, canta bem, não existe problema nenhum, acho
que a gente não pode ter preconceito com nada, e ter um ator conhecido da televisão, do
grande público, ajuda a trazer público, ajuda a trazer patrocínio”.
Para exemplificar a mesclagem atual dos elencos dos musicais entre artistas
experientes em musicais e famosos que se arriscam nos palcos, analisamos o elenco do
espetáculo Nine – Um Musical Felliniano (2015), da dupla Cláudio Botelho e Charles
Möeller. O musical foi um dos que mais concentrou no elenco principal nomes de famosos;
essa assertiva baseia-se em uma pesquisa realizada para este trabalho referente a musicais que
mais concentraram famosos.
Não se pretende e nem se pode, aqui, classificar que artista possui mais destaque ou
não, porém até mesmo na televisão existem aqueles artistas que são escalados para papéis de
protagonistas e recebem melhores salários.
Há aqueles que são contratados das emissoras e ficam disponíveis para qualquer
produção da rede e têm aqueles que possuem contrato para determinado trabalho, não tendo
mais vínculo com a emissora após o término das gravações do trabalho em que foi inserido
Apesar de valores pagos entre trabalhos na televisão e teatro serem diferentes, dificilmente
algum ator contratado da Rede Globo e que, constantemente faz papéis de destaque, ganhará,
no teatro, menos do que os artistas que não possuem contratos.
Ultimamente é raro ver um musical, ao menos das principais produtoras, que trazem
uma grande adaptação da Broadway sem, contudo, trazer no elenco alguma celebridade, o que
difere muito dos espetáculos apresentados no início da atual leva de musicais no Brasil. Com
exceção de Miguel Falabella, Cláudia Raia e Marília Pera, poucos eram os artistas com
grande notoriedade midiática que se aventuravam e se interessavam em participar de
musicais. O ator Jarbas Homem de Melo afirma, em entrevista presente na obra A Broadway
não é aqui – Teatro Musical no Brasil e do Brasil: Uma diferença a se estudar, de Gerson da
Silva Esteves (2014), que havia um período em que o ator famoso não queria participar de
musicais.
Essa geração citada por Jarbas Homem de Melo é composta por profissionais que já
possuíam alto domínio de canto, interpretação e dança, antes mesmo de terem escolas
voltados para o teatro musical. Eles formavam um grupo que era constantemente escalado
pelas produtoras, justamente devido à dificuldade de, nas audições, serem encontrados
profissionais preparados para participarem de musicais. Na foto a seguir estão os
protagonistas do musical O Fantasma da Ópera (2015), e todos fazem parte dessa geração, e
até hoje são escalados para protagonizarem musicais ou mesmo participarem do elenco de
apoio. Eles deram espaço também para novos artistas que despontam como a nova geração do
teatro musical brasileiro.
Imagem 30: Elenco de Nine - Um Musical Felliniano - Elenco Principal Composto Por 8
artistas, dos quais 6 possuíam experiência na televisão.
Fonte: O Sul.108
107
Disponível em: <https://abtmblog.wordpress.com/category/fantasma-da-opera/>. Acesso em: 05 dez.
15.
220
Paulo Goulart Filho (2015), confirma a predileção das empresas por projetos que
propõem a participação de artistas conhecidos da grande mídia:
Essa política cultural do nosso País é bem difícil, para você conseguir patrocínio
você vai numa empresa e a empresa vai patrocinar qual projeto? Projeto que tem
ator conhecido, global, que vai chamar mídia, um projeto grande ou um projeto que
não tem ninguém. Começa daí, a conseguir grana, então é fundamental. E o público
também, o público, com certeza, vai no teatro para ver aquele ator e isso é
complicado, porque as vezes tem espetáculos belíssimos, com qualidade incrível.
Primeiro não tem grana para montar, depois não tem público, complicado, mas faz
parte do mercado, é assim, qualquer coisa. A gente está falando de um produto.
108
Disponível em: <http://www.osul.com.br/luzes-em-sao-paulo/>. Acesso em: 05 dez. 15.
221
O sucesso das peças foi tão grande que, após alguns anos, a Rede Globo transformou
as produções em musicais televisivos e, logicamente, Cláudia continuou como estrela do
show. O jornalista Nelson de Sá, na matéria Cláudia Raia exibe altivez das grandes vedetes,
diz que a produção Nas Raias da Loucura está mais para um show do que propriamente para
um musical, justamente “porque não tem trama”. Sobre o musical, Sá comenta:
Claudia Raia é basicamente o que toda a empresa deseja para um musical que apoiará,
uma artista que canta, dança, interpreta e é uma celebridade. Em um momento em que
musicais bibliográficos de artistas já falecidos são frequentes no Brasil, Cláudia Raia foi a
única, até o momento, que ousou encenar sua própria história valendo-se do formato de
musical. Ela já havia feito algo parecido anteriormente com musicais, mas não nos moldes
deste último, intitulado Raia 30, o Musical (2015), que é uma grande produção em
comemoração aos seus 30 anos de carreira artística. Cláudia encena ela mesma e relembra os
personagens que já viveu ao longo de sua trajetória.
Na crítica de Nelson de Sá, para a Folha de São Paulo, o que salvou o espetáculo Raia
30, o Musical, foram os quadros bem elaborados:
109
SÁ, Nelson de. Cláudia Raia exibe altivez das grandes vedetes. Folha de São Paulo, 21 maio 94. Disponível
em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/5/21/ilustrada/14.html>. Acesso em: 24 nov. 15.
222
Produzir esse musical só foi possível pela notoriedade que Cláudia Raia possui na
mídia e, assim como o título do musical indica, já ter 30 anos de carreira com trabalhos
diversos a serem relembrados, inclusive musicais. Cláudia é um dos poucos artistas que
participaram de musicais antes e depois das adaptações da Broadway se tornarem uma
tendência no Brasil.
Olha, vou te dar alguns exemplos, Totia Meireles, Marisa Orth, Daniel Boa Ventura
e a própria Claudia Raia que são pessoas que já tem uma trajetória muito legal no
teatro musical [...] eu não sabia, mas a Marisa Orth cantava a vida inteira e agora
está fazendo shows no Teatro Porto Seguro. Há pessoas que podem falar assim: “A
Marisa Orth é global o que ela está fazendo no palco de um teatro musical?”. Olha,
ela canta e é atriz, então tem todos os requisitos e o direito de estar ali. Lógico que
existe todo um apelo comercial com nomes como Marisa Orth, Daniel Boaventura, a
Totia e etc., que chamam um certo público.
110
SÁ, Nelson de. Quadros primorosos salvam “Raia 30” de autoexaltação. Folha de São Paulo. Disponível em:
< http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/229059-quadros-primorosos-salvam-raia-30-de-
autoexaltacao.shtml>. Acesso em: 27 nov. 15.
223
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho que faz alusão a um enredo de teatro, tem apenas o “poder” de sondar
capítulos de uma “história”, ouvir opiniões, apontar tendências, analisar fatos e, com base em
tudo isso, pensar em um provável final, que pode ser definitivo ou provisório. Mas muito do
que ocorre com o teatro musical brasileiro na atualidade, de certa maneira, aconteceu em
outros momentos da história do musical brasileiro, de formas diferentes, em contextos
distintos, mas sua essência permaneceu a mesma, ou seja, um desenvolvimento com a
presença da mídia. Em resumo, são várias histórias que acabam juntas contando apenas uma:
a do teatro musical brasileiro, uma história que passa por um momento de ápice, de
reviravolta, muito longe, ainda, do fim.
224
O caminho trilhado pelo teatro musical brasileiro apresenta três momentos de grande
destaque, intervalados e mudanças de formatos expressivos: Teatro de Revista, musicais da
época da Ditadura Militar e adaptações de musicais da Broadway. Vale ressaltar que estamos
em um momento de transição entre as adaptações da Broadway e as temáticas brasileiras.
Todos esses momentos do teatro musical brasileiro contaram com correntes midiáticas
que, muitas vezes, passaram e ainda passam despercebidas e que direta ou indiretamente
contribuem, mesmo que inconscientemente, para que uma produção cultural já aclamada pela
crítica receba uma versão em outro segmento, sendo mais bem aceita por já ser um produto
consagrado.
com base no que se via nas ruas das cidades brasileiras, sejam elas metrópoles agitadas ou
áreas rurais silenciosas.
Esse hibridismo pode ser conferido a olhos nus a cada espetáculo musical
contemporâneo apresentado em palcos brasileiros. E isto tudo pode ser confrontado quando
checamos os nomes dos musicais apresentados ao longo de um ano no início desta década
com os previstos para este ano. Percebe-se a temática brasileira nos títulos, percebe-se nos
palcos, nos figurinos, até nos tons das músicas, por sua vez tons baixos, diferentes dos
comuns tons altos escolhidos pelas produções americanas.
a ter enredos atemporais, personagens brasileiros; com o tempo, a revista era outra e poderia
ser facilmente exportada como outro gênero teatral, que é realmente o que acabou se
tornando.
As marcas não querem estar ligadas a um musical fadado ao fracasso ou que não traga
grande número de “indícios” de que será um sucesso. O teatro é imprevisível, não há
“garantias” de que tudo ocorrerá da maneira sonhada pelos produtores, como em um enredo
de contos de fadas onde tudo acaba bem. Para tanto, os patrocinadores acabam por se
cercarem de elementos presentes, geralmente, em musicais considerados de sucesso, enredos
e formatos já conhecidos mundialmente é um destes elementos.
Desde a época do Teatro de Revista é percebida a ligação que a mídia acaba fazendo
entre um ator e seus trabalhos, quando um artista é citado em uma revista, por exemplo, para
tratar de um assunto qualquer, acaba, por instinto, por divulgar seus trabalhos recentes e
futuros. E é nesse momento que um musical pode ter uma publicidade “extra”; caso o ator não
tenha visibilidade na mídia, dificilmente terá esse espaço para falar sobre seus trabalhos. A
escalação de um ator famoso em um musical não deixa de ser uma estratégia de marketing e
com seu custo, afinal, os salários de uma celebridade são de longe mais altos do que um ator
sem visibilidade midiática.
Trazer grandes nomes para as produções não é algo que surgiu nos musicais
modernos; no Teatro de Revista, os nomes das grandes vedetes que estampavam as capas de
revistas em um cartaz de divulgação, às vezes, eram maiores que o próprio nome dos musicais
e até mesmo nos espetáculos da época da Ditadura Militar, tiveram sua cota de celebridades,
principalmente com Chico Buarque de Hollanda encabeçando a autoria de textos e músicas.
Durante esta pesquisa, resgatamos matérias da época onde há relatos comprobatórios de que
nomes famosos em atuação auxiliavam muito na divulgação da peça.
228
Os artistas de hoje, por sua vez, estão conscientes de que os patrocinadores procuram
atrelar seus nomes não somente ao das produções, mas, também, ao nome dos artistas, ou
seja, determinada empresa deseja passar a imagem de compromisso e confiabilidade não irá
gostar de atrelar sua marca a de um artista que acabou de se envolver em ações fraudulentas
ou de quebra de contrato, por exemplo. Tanto que os artistas estão contratando profissionais
conhecidos como personal branding, que os auxiliam a pensarem em ações que os ajudem a
criar uma “marca forte” em torno de sua pessoa, destarte, é evidente que, uma marca
patrocinadora vai querer se ligar a uma “boa marca/imagem de um artista”.
Exemplifique-se com o musical Spider-man: turn off the dark, 111 espetáculo que
apareceu diversas vezes na mídia de forma negativa por ter acarretado acidentes de atores ao
longo de suas apresentações, sem se falar nos altos custos de produção com uma arrecadação
que deixou muito a desejar foi Na verdade ele não deu lucro, apenas prejuízo. Apesar de o
musical ter diversos elementos inovadores no que se relaciona à cenários e evolução no palco,
sua “marca” está atrelada a diversos fatores que farão os produtores pensar duas vezes antes
de assinarem algum contrato para adaptar essa produção. A divulgação da mídia por trás de
cada enredo é amplamente analisada por parte, primeiramente, dos produtores, que sabem que
quanto menos conhecido do público o espetáculo ou elementos deste, menos serão as chances
de conseguir verba e, em segundo, pelos patrocinadores, que preferirão ter sua marca
111
Musical citado na página 147 deste trabalho.
229
vinculada a musicais com carga midiática positiva do que com carga negativa ou sem carga
nenhuma.
De tempos em tempos pipocam musicais com textos novos, produções mais modestas,
elenco não tão numeroso. E assim, segue o teatro musical brasileiro hoje, experimentando
112
GENTIL, Afonso. Crítica: Vigoroso musical da Barra Funda faz a Bela Vista tremer. Site Aplauso Brasil.
Disponível em: <http://www.aplausobrasil.com.br/2015/05/20/critica-vigoroso-musical-da-barra-funda-faz-a-
bela-vista-tremer/>. Acesso em: 15 jan. 2016.
230
fugir da totalidade dos formatos já consagrados, mas utilizando-se de diversos elementos dos
mesmos. Canções inéditas, realizadas para musicais ainda são raras, mas os profissionais com
quem tivemos oportunidade de conversar em entrevista para este trabalho, em sua maioria,
acredita que é questão de tempo para novos talentos surgirem.
As exigências dos patrocinadores estão cada vez maiores, por isso muitas produtoras
deixam de tentar trazer adaptações conhecidas, bem como grandes nomes da televisão,
contudo, apostam em musicais mais modestos, com patrocinadores de médio porte. Se não há
verba para orquestra, alguns instrumentos e um clima mais intimista resolve a questão
instrumental da produção. Aqui e ali vão surgindo a brasilidade nas decisões e mudanças
adaptativas. Afinal, uma das palavras mais utilizadas neste trabalho foi adaptação, e é
justamente ela que melhor define o que acontece com o teatro musical brasileiro, está se
adaptando as realidades do cenário cultural brasileiro, aprendendo a não menosprezar as
influências, mas também a não subestimar suas próprias capacidades.
231
APÊNDICES
Leiriane: A entrevista agora é com a Berta Loran, ex-vedete, atriz de teatro, cinema, TV.
Muito obrigada pela entrevista.
Berta Loran: Imagina!
Leiriane: E a pauta é Teatro de Revista. O que é o Teatro de Revista pra você?
Berta Loran: O que foi né, porque hoje em dia há muitos anos que eu não faço teatro de
revista. O teatro de revista, na época em que existia, havia um grande empresário, Walter
Pinto, tinha um mais que se chamava Zezinho, e eram revistas muito bonitas, porque tinham...
assim, eram 15 bailarinos, 15 bailarinas, cantores, mágico também tinha, e sempre tinha uma
cômica, não chamava comediante, cômica mesmo né, e o cômico, o ator cômico, e o povo
estava habituado a ver teatro de revista, tanto é que... Não é de minha época o Getúlio Vargas,
mas diziam que o Getúlio Vargas ia assistir as revistas. E tínhamos grandes vedetes, a
Virgínia Lane, Mara Rúbia, Nélia Paula, tinham muitas. Naquela época eu fui pro teatro de
revista por que... eu trabalhava no teatro israelita, eu sou judia, eu vim pra cá salva pelo meu
pai, lá da Varsóvia, porque, antes da 2ª Guerra Mundial. Meu pai era alfaiate e era ator.
Leiriane: Olha só, é de família, então?
Berta Loran: É de família; ele era alfaiate o dia inteiro, à noite ele ia ensaiar no teatro e fazia
teatro. Com 7 anos, quando eu fiz 7 anos, ele me levou pro teatro pra assistir um ensaio geral,
uma... um musical, chamava Bar Kochba, um musical judeu, claro, em ídiche, me sentou na
plateia e eu sozinha, ali, pra eu ver o que ele fazia no teatro, e ele tinha uma voz muito bonita,
de barítono.
Leiriane: Nossa!
Berta Loran: E musical, você sabe que musical a gente sempre...
Leiriane: É o encantamento né?
Berta Loran: É o encantamento, como hoje, então eu fiquei encantada. Quando terminou e
saímos pra rua ele disse: “e aí, você gostou?” Digo: “olha, pai, eu gostei tanto que eu vou ser
a mesma coisa que o senhor”; com 7 anos.
Leiriane: E ele gostou da ideia?
Berta Loran: Ele... Não sei não, porque a gente ganha muito mal e passa fome. Mas a
verdade é que, quando Hitler subiu ao poder, e o idioma judeu, que é o ídiche, porque o judeu
é tão complicado que hoje em dia tem dois idiomas, o hebraico, que foi ressuscitado, e quando
nós estávamos espalhados pelo mundo todo né, e não havia ainda Israel, evidentemente, o
hebraico era só para as rezas nas Sinagogas, nas festividades, a gente sabia pouco hebraico,
papai sabia melhor, né, mamãe. Mas depois que surgiu Israel, o ídiche, o idioma judaico,9 é
derivado do alemão, tanto é que o alemão e o judeu se entendem, que é parecido o idioma.
Então, meu pai, em 1933, ouvia o rádio e ouviu o Hitler, o louco do Hitler gritar: (frase em
alemão), que quer dizer: “eu vou matar todos os judeus”.
Leiriane: Nossa, pelo rádio seu pai ouviu?
Berta Loran: É. E em judeu é [frase em judeu], quer dizer, é quase a mesma coisa né. Aí ele
dizia: “aqui eu não posso ficar”, e imigrou pro Brasil.
Leiriane: Porque o Brasil?
Berta Loran: Porque já tinha estado em... Ele veio em 1933, mas em 1922, é uma história
muito engraçada, ele já tinha estado no Brasil pelo seguinte: toda família, que nós éramos,
mais ou menos, umas 300 pessoas, e a maioria era gente pobre, nós tínhamos um tio rico em
Buenos Aires, que escrevia pra nós que ele trabalhava com coisas vivas; coisas vivas a gente
pensava que era gado, mas não, ele tinha era um bordel e, Buenos Aires...rsrsr... Meu pai se
correspondia com ele porque qualquer sobrinho que casasse ele mandava “x” dólares pro
233
sobrinho de presente. Então quando o Hitler, quer dizer, não, na época ainda não era o Hitler,
1922 ainda não havia essas coisas, mas papai já tinha 5 filhos, eu não tinha nascido ainda, eu
fui a sexta. Então... E vivia na miséria né, num quarto só, com uma cozinha, e era muita gente,
eram 10 pessoas, mais ou menos, todos filhos e mais a irmã do avô e uma tia, uma zorra, né,
total. Então, em 1922, como ele tinha o endereço do meu tio de Buenos Aires porque eles se
correspondiam em ídiche, o que ele fez? Vendeu... Ele tinha 4 máquinas sempre de costura,
vendeu duas, pegou uma passagem e foi num daqueles navios igual ao Titanic, 3ª classe,
última classe.
Leiriane: Nossa!
Berta Loran: É. Chegou em Buenos Aires, foi lá, bateu na porta.
Leiriane: Descobriu que ele não tinha gado nenhum...
Berta Loran: Não, que nada, ele não entendia com o que que ele trabalhava. Mas ele sabia
que ele era riquíssimo, pois ele mandava dinheiro pra todos os sobrinhos; no que ele subiu,
um 1º andar luxuosíssimo, entrou num salão imenso com cortinas vermelhas, tapetes no chão,
e tinha umas 20 moças de robe andando pra lá e pra cá, e meu pai disse: “nossa, quantas
empregadas ele tem”. É que a gente era muito ingênua antes, sabe? Era papai, mamãe, os
filhos e a vida dura né. Então, quando o meu tio viu o meu pai, meu pai chamava-se José, em
português, é claro: “José, o que você está fazendo aqui?” “Ah, tio, eu vim porque nós estamos
na miséria, e como o senhor manda sempre dinheiro, por favor, o senhor podia arranjar pra
mim aqui, eu pra trabalhar como alfaiate ou como ator que eu sou ator também”. E o tio com
vergonha que ele viesse a saber o que ele fazia, ele disse: “não, eu não posso, você não pode
ficar aqui”, e ele disse: “é, eu estou vendo que o senhor é muito ocupado, tem tantas
empregadas”. Aí meu tio botou ele num navio imediatamente, deu mil dólares, na época era
uma fortuna, e deu endereço de um amigo dele no Brasil, no Rio de Janeiro, um alfaiate, um
judeu alfaiate.
Leiriane: Ou seja, ele nem ficou sabendo o quê que acontecia lá?
Berta Loran: Claro, porque os pobres sempre eram ou sapateiro ou alfaiate. Meu pai veio pro
Rio de Janeiro, ficou encantado, e foi morar até na casa desse alfaiate e conseguiu trazer a
família toda através de uma agência judaica, que eles ajudavam no Rio de Janeiro. Aí a minha
mãe veio com 5 filhos, eu não tinha nascido ainda, mas ela saiu de lá com 30 graus abaixo de
zero, veio pra cá, 42 graus de calor, naquela época no Rio Janeiro, ficou imediatamente
doentíssima, a ponto de o médico dizer: “ela vai morrer, ela não vai aguentar”. Aí ele foi na
agência judaica e: “pelo amor de Deus, me mande de volta com a minha mulher e meus
filhos”; e voltaram.
Leiriane: Aí todo mundo voltou...
Berta Loran: Voltou todo mundo; mas o Rio de Janeiro ficou na cabeça do meu pai; por isso
que em 1933 quando Hitler disse que ia matar todos os judeus, meu pai disse: “Ih, esse filho
da puta vai matar todo mundo”... rsrsr... “Eu vou pro Brasil”. De novo vendeu duas máquinas
e veio pro Brasil.
Leiriane: Aí tinha 4, da primeira vez vendeu duas...
Berta Loran: Não, ah não, depois readquiriu, não se esqueça que é de 1922 a 1933, claro,
comprou outras duas, sempre máquinas usadas, mas costuravam.
Leiriane: E dessa vez você veio?...
Berta Loran: É. Aí eu... Não, eu já tinha nascido, mas o papai veio primeiro com um dos
filhos mais velho, não o mais velho, o antes do mais velho, porque era solteiro, o mais velho
já estava casado e já tinha duas crianças pequenas. Aí meu pai veio e conseguiu, primeiro,
trazer, em mil e novecentos... nós viemos em 1936 e meio, a minha mãe, eu e uma irmã, uma
irmã menor que eu, que era a última, eu tinha dez e ela tinha dois anos e meio, e viemos pro
Brasil. Então, em 1937 já vinha o último navio pra cá, ele conseguiu, ainda, trazer mais 3
filhos; então ele conseguiu salvar 6 filhos, entendeu? O mais velho não quis vir porque já era
234
casado e mandou de volta a passagem e uma carta dizendo: “eu não vou deixar minha mulher,
estamos às portas da guerra”, e ficou lá, e a gente não sabe nem como morreu.
Leiriane: Não sabem o que aconteceu?
Berta Loran: Nós perdemos um só irmão, o mais velho, o avô, pai da minha mãe, uma tia,
uma porção de primos, éramos uma família de umas 300 pessoas, não sobrou ninguém pra
contar história.
Leiriane: E não sabe o que realmente aconteceu com essas pessoas, um registro...?
Berta Loran: Não, não sabemos, não sabemos.
Leiriane: É, é complicado.
Berta Loran: Acho que morreram todos em campos de concentração né? Bom, e eu vim pra
cá e fomos morar, quando viemos pra cá, fomos morar na Praça Tiradentes, 49 e, anos depois,
eu fui fazer teatro de revista na esquina, no Teatro Carlos Gomes.
Leiriane: E como foi esse contato com o teatro de revista, isso veio de algum convite?
Berta Loran: Não, primeiro o meu pai reuniu alguns atores judeus que conseguiram se salvar
e formou um grupo, um grupo de atores aqui e fazia teatro judeu, e é claro, em todos os
ensaios eu estava lá. Com 14 anos, eu disse: “papai, eu já posso ser atriz, eu vejo tanto e eu
sei, eu quero ser atriz”. Bom, aí o que ele fez? Tinha uma peça... Meu pai era um ator
dramático, e eu tinha uma irmã mais velha que eu, 4 anos mais velha, também era uma atriz
dramática, já estava fazendo teatro com meu pai. Aí ele pegou numa peça dramática, a
história chamava-se “O Dibuk”, Dibuk é espírito em judeu, o espírito... tinha um noivo que
morreu antes de casar com a noiva e o espírito entrou na noiva e ela então falava com a voz
dele; era um drama terrível, e ela tinha avó; o que meu pai faz? Me bota de avó.
Leiriane: Nossa, com 14 anos? É pra testar mesmo, pra testar.
Berta Loran: Botou uma peruca branca em cima de mim, e eu ainda era baixinha, ainda não
tinha crescido bastante, aí eu botei um salto da minha mãe, o sapato dela, ela usava salto alto,
8, mas eu não sabia andar de salto alto, então tem uma cena que eu ando com ela, eu
consolando ela: “você vai vê, um dia você vai se encontrar com seu noivo, não sei que, não
sei que”, quebrei o salto e comecei a mancar. Ora, num drama desse, mancando...
Leiriane: Aí virou uma comédia né?
Berta Loran: O povo só ri né. Aí meu pai gritava: “sai de cena, você é maluca, você não sabe
é nada, você não é atriz, você é merda, sai daqui”... rsrsr... Eu sei te dizer que meu pai nunca
gostou de mim. Onde é que nós estávamos agora? Estou perdida.
Leiriane: Vamos lá! Você estava contando que você estava mancando no palco e o seu pai
ficou super bravo com você.
Berta Loran: Ah pois é, meu pai ficou bravíssimo comigo, saí de cena e aí ele disse pra mim
“você não ter talento, você não vai ser atriz, você não vai ser nada; Bela sim”; era a minha
irmã.
Leiriane: Sua irmão mais velha.
Berta Loran: Faleceu faz 3 meses, 4 meses.
Leiriane: Sinto muito!
Berta Loran: Maravilhosa, com 93 anos ela faleceu.
Leiriane: 93? Viveu bem né?
Berta Loran: Viveu bem, viveu. Mas aí ele disse: “Bela sim, Bela maravilhosa, dramática”.
E depois, aí aconteceu o seguinte: depois da guerra, quando a guerra acabou, ninguém queria
mais ver drama, e eu sempre fui aquela que... sapeca, sabe?
Leiriane: Comédia.
Berta Loran: Eu queria cantar, dançar, contar piadas, entendeu? Aí chegou a minha vez, mas
ele continuava dizendo: “hummm...”. Meu pai não gostava de me ver. Anos depois, quando
ele foi me ver numa comédia maravilhosa, francesa, chamava-se O Peru, de George Feydeau,
aí ele veio na coxia e disse: “bom, agora você está melhor”.
235
Educativa, na Gomes Freire, Av. Gomes Freire, então, ele vendo o sucesso que eu fazia, eu
aprendi a sapatear com eles, eu já tinha voz pra cantar; então, às vezes, vinha um só e eu era a
“Line in Lady”, quer dizer, eu trabalhava com ele, “a dama”, a namorada dele, entendeu?
Leiriane: Entendi. Aí começou a partir do musical?
Berta Loran: É, a partir do musical e não me deixavam sair de cena, eu repetia, repetia, duas
vezes, três vezes. Quando terminava a temporada, eu morava naquele época, não se já era
casada, em pensão, pensão de 40 pessoas; ah, eu já era casada; então fui morar com meu
marido em pensão, porque não tinha pra pagar outra coisa, mal ganhava pra isso. Aí quando
terminou a temporada de 2 meses o maestro Armando Ângelo veio pra mim e disse: “Berta,
você fala português como eu, você fala o ídiche, você canta em ídiche, claro, tudo bem, mas
você, eu vejo teu sucesso, porque você não vem pro teatro brasileiro, você vai trabalhar o ano
todo? Não vai, depois, ter que implorar num clube pra fazer um showzinho pra ganhar um
dinheiro pra comer”; eu disse: “o senhor acha que eu posso ir pro teatro de revista?” E ele
disse: “tenho certeza, você vai fazer muito sucesso. Quanto você ganha?” Sei lá, vamos dizer
que eu ganhasse R$ 1.000,00, vamos dizer... “Eu vou arranjar pra você R$ 4.000,00”; e
arranjou.
Leiriane: Olha só; então ele te ajudou nessa empreitada, apostou em você?
Berta Loran: Claro, me botou, é, numa revista chamada Pudim de Ouro, que na época Eros
Volúsia, era uma bailarina, uma grande bailarina, e ela era a estrela, era muito bonita, e eu fui
lá fazer números cômicos, e o povo me adorou, simplesmente; contanto piadas, sempre pro
humor.
Leiriane: Sempre por esse lado?
Berta Loran: É. E quando precisava fazer uma cena, assim, de opereta, eu também podia
fazer, porque eu tinha mérito de soprano, podia cantar. Aí se vê que os meus shows, você viu
as roupas, eu sempre fiz shows em bonito...
Leiriane: Elegante...
Berta Loran: É, não no estilo, por exemplo, do Zorra Total, que o rapaz faz aquelas
rodelinhas e cabelo horroroso, fazer rir, fazer rir, em bonito; por quê? Como eu entendo muito
bem inglês, porque eu falo muito bem inglês, eu aprendi, eu via os filmes americanos, eu via
os astros americanos, eram sempre na beleza, né?
Leiriane: Aí você se inspirou?
Berta Loran: Fred Astaire, Ginger Rogers, sempre da melhor maneira, e fazer rir. Então era a
minha maneira, uma maneira nova de fazer no teatro de revista, naquela época né. Ah bom,
então, ele me levou pro Teatro de Revista e fiquei.
Leiriane: Gostou?
Berta Loran: É. Eu já era casada e o meu marido só fazia teatro em judeu, porque ele, ele era
argentino, eu casei com ele porque ele veio da Argentina com uma Companhia pra fazer
teatro ídiche, e ele tinha 51 anos, mas ele era um grande ator, e eu tinha 20, e ele disse pra
mim: “casa comigo, eu sou viúvo, você é maravilhosa, você vai ver, você vai fazer muito
sucesso”. Você ligava pra Buenos Aires, e Buenos Aires naquela época, nos anos 50, havia 3
teatros funcionando todas as noites.
Leiriane: E aqui, não?
Berta Loran: Não, aqui não, aqui era... Porque aqui não tem tanto judeu. Lá, naquela época,
tinha quase um milhão de judeus em Buenos Aires; então, eram 3 teatros funcionando todas
as noites. Ai eu disse: “Você me leva pra Buenos Aires, pra trabalhar lá?” Ele disse: levo”.
Disse: “Então eu caso”. Eu casei por isso, não gostava dele coisa nenhuma, eu com 20 anos e
ele 51, era deste tamanho, 1,50m... rsrsr... Mas era um grande ator também.
Leiriane: Bom ator...
Berta Loran: Tragicômico. E eu pensava: “ele vai me ensinar, quem sabe?” Não ensinou
nada, ele era viciado no jogo.
237
pensando: ‘o que que essa mulher sabe fazer?” Ele disse: “Ai... a senhora é bruta”; digo: “é
isso aí”. “E outra coisa, eu soube que o Spina, que é o primeiro ator”... e ele era brasileiro...
“está ganhando 15.000 escudos, e eu vim por 12.000, agora, eu mereço ganhar a mesma coisa
que o 1º ator, porque eu sou ótima, eu trouxe o meu repertório”. Estava escrito até no
contrato, fiz contrato com a secretária.
Leiriane: Ah, você levou o seu repertório?
Berta Loran: Claro, porque era tudo sucesso já, feito, testado. Aí ele disse: “Não, 12.000”;
digo: “tá bom, 12.000, vamos ver”. Aí estreei. Minha filha...
Leiriane: Sucesso absoluto...
Berta Loran: Eu acabei com todos eles, todos eles, você não pode calcular o sucesso que eu
fiz. E o Giuseppe Bastos: “Sra. Berta, Sra. Berta Lóran, [...?] tu és maravilhosa, ai como tu me
fazes rir; não te deixaram sair do palco, vistes? Olha, 15.000 o salário”... “Está bem”. Na
mesma hora; eu sou danada.
Leiriane: Foi bacana... Você ficou, quanto, 6 anos lá?
Berta Loran: É, mas o contrato era de 6 meses... Comprei 3 apartamentos. Eu falei... Meu
Deus! Cada empresário que me chamava, me dobrava o meu ordenado.
Leiriane: E porque que você resolveu voltar pro Brasil?
Berta Loran: Porque eu não aguentava mais, 6 anos em Portugal... Até as pedras me
conheciam. Os guardas na rua... Porque lá é Europa, milha filha, é Europa. Eu, com 7 anos na
Europa eu ia ao teatro e eu ia ao cinema, porque o colégio leva, os professores levam. Europa,
a gente come pão com teatro, no cinema. Não é como aqui, as crianças crescem sem saber
nada. Tem gente hoje em dia, jovens de 20 anos, de 30 anos, que nem gostam de teatro, nunca
foram.
Leiriane: Não que não gostam, mas muitas vezes não tiveram nem a oportunidade de
conhecer né?
Berta Loran: Não sabem nem o que é; isso é errado. E lá era uma maravilha, por isso que eu
digo, quando eu cheguei em Portugal eu fiz tanto sucesso... Porque você não precisa ser
bonita, você tem que ter talento. E aqui é uma cara... Bom, até na televisão, você vê uma
carinha bonitinha... Já tá feito, já tem comerciais, já tem isso e aquilo.
Leiriane: É verdade. E, pra você, qual foi a importância do Teatro de Revista na política, na
cultura brasileira? Como você comentou, no Brasil não tem esse incentivo ao teatro, mas o
que representou o Teatro de Revista pra sociedade daquela época?
Berta Loran: Representou o que o povo gostava muito de ver; não se esqueça que não havia
televisão, e o teatro era posto em cena, o Teatro de Revista, com muita categoria; bailarinos,
bailarinas, o mágico era sempre um mágico que vinha da Europa, grande; o Walter Pinto,
então? O Walter Pinto trazia até bailarinas, as meninas, elas vinham de Buenos Aires, não
eram nem brasileiras. Ele trouxe uma vez um trasvesti, chamado Ivaná, que era um rapazinho
insignificante, mas quando ele vinha de mulher em cena... Ele era a mulher mais linda
mundo...
Berta Loran: Hein?
Leiriane: Inclusive ele causou muito ciúmes na Virgínia Lane né?
Berta Loran: É... É verdade.
Leiriane: Eles disputavam né?
Berta Loran: É. A Virgínia era uma graça de menina, era perfeita, o corpinho e as pernas...
Nossa Senhora! A única coisa eram os dentinhos que ela tinha, ela era dentuça, mas era
perfeita em cena, e muito maliciosa... De biquíni, sabe, descia, falava com os homens...
Filhinha, a maioria dos homens vinha de chapéu, botava o chapéu aqui que é para não verem
que o negócio estava levantado.
Leiriane: Nossa! Ela era a vedete do Brasil né, ela tem sido uma...
Berta Loran: É, ela e a Mara Rúbia, a Mara era linda a Mara.
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Interlocutora Não Identificada: Na época do teatro né, que vocês estavam falando sobre a
Ivaná que era a transexual da época; foi um dos primeiros, assim, a surgir aqui no Brasil no
teatro, não havia transexuais na época né?
Berta Loran: Foi, foi; não, não havia travesti... É, e depois acho que veio até a Rogéria, mas
acho que o primeiro acho que foi a Ivaná né? Foi a Ivaná; Ivaná fantástica! A Rogéria, quando
veio, ela foi trabalhar, fazer um show com o Agildo Ribeiro no Teatro... Aqui perto, em
Copacabana mesmo, eu fui vê-los, os dois, ela estava maravilhosa, ela vinha da França né,
veio da França, e tinha uma voz muito linda, a Rogéria. Hoje, bom, já está com quase 70,
também né, mas é uma atriz de muita categoria, ela sabe brincar com o público, ela tem muita
graça. Mas eu tenho uma amiga que cuida do meu cabelo, inclusive, eu uso hena, não sei se
vocês conhecem, Henna indú...
Leiriane: Sim.
Berta Loran: Que pega muito bem os brancos né... É uma cantora, ela tem uma voz
lindíssima, chama-se Jane Di Castro.
Berta Loran: É. Então, eu dirigi um show: As Divinas Divas, durou dez anos. Viajava o
Brasil e fazia 3 anos seguidos, todas as terças- feiras no Teatro Rival, é lá na cidade né? Muito
sucesso! Eram 6 travestis, mas ela era a principal, mas a Rogéria também estava com ela, e
era um ciúme, milha filha, muito ciúme uma da outra. Hoje a Jane Di Castro, agora, está
sendo dirigida pelo Ney Latorraca, em... como é que se chama mesmo? Não sei o que
Batom...Esqueci o nome, que ela vai fazer aqui no Baden Powel, vai estrear aqui 3 semanas
seguidas, sexta, sábado e domingo, sozinha; ela é muito boa, muito boa, e muito minha amiga,
maravilhosa!
Leiriane: E, aproveitando que você falou dessa questão dos bastidores, da inveja mesmo,
como era essa questão dos bastidores, as audições, as produções?
Berta Loran: Olha, querida, pra ensaiar, era uma coisa muito séria, muito séria.
Leiriane: Profissionalismo?
Berta Loran: Muito profissionais, porque os empresários gastavam muito dinheiro pra
estrear uma revista. Você vê, os ensaios, naquela época, também se pagavam os ensaios, sabe,
mas as roupas eram maravilhosas, sabe, sapatos, roupas, e teatro você tem que pagar pra
ensaiar. Hoje em dia, quando o... Hoje tem muito esse show de uma pessoa só ou dois.
Leiriane: O Stand Up...
Berta Loran: E quando ensaiam, eles ensaiam numa casa de alguém, uma casa de alguém ou
alugam ou na casa deles mesmo, só vão dois dias antes pro teatro porque o teatro cobra uma
fortuna.
Leiriane: Até pra ensaio?
Berta Loran: Até pra ensaio, não querem saber.
Leiriane: Você chegou a trabalhar com Walter Pinto?
Berta Loran: Não.
Leiriane: Não?
Berta Loran: Não. Mas ele me chamou, ele me chamou pra trabalhar, mas aí eu ensaiei dois
dias com um ator, um dueto, mas aí, depois, ele chamou a Nélia Paula pra me substituir,
porque a Nélia era muito bonita, e eu nunca fui bonita, mas era bem feitinha, de corpo, de
corpo você vê ali.
Leiriane: Mas isso te incomodava de alguma maneira, isso que aconteceu da substituição?
Berta Loran: Eu sofri muito! porque ele me chamou, conversou comigo, acertamos o
ordenado, e tudo, e saí em dois dias; era um dueto com um ator, até muito bom; no 3º dia,
quando eu chego lá, um dos assessores dele já não me deixou nem entrar.
Leiriane: Nossa!
Berta Loran: E me deu as fotos que eu tinha levado, de volta, ele tinha um book e me disse:
“desculpe, tá”, ele se chamava Marzur, já morreu, coitado: “desculpe, tá, Berta, mas é que...
240
acontece que o seu Walter Pinto achou melhor chamar a Nélia Paula e ela vai fazer o dueto,
viu, não se aborreça e tal”. As minhas lágrimas corriam que eu não sei como não fui
atropelada pra atravessar a rua, ali no Teatro Recreio, fui abaixo; então eu não cheguei a
trabalhar com ele. Mas mesmo os outros, o tal José Ferreira da Silva, que era Zezinho, a gente
chamava de Zezinho, era o segundo, depois do Walter Pinto, também era muito bom, muito
bom...
Leiriane: Você trabalhou muito com ele?
Berta Loran: Os bailarinos, as bailarinas, e tinha sempre o Carlos Gomes, o João [...?],
trabalhei no João Caetano também, eram os 3 teatros, tudo teatro de revista.
Leiriane: E pra você, qual foi o motivo do fim do Teatro de Revista?
Berta Loran: Pra mim não teve fim, porque eu fiz 11 revistas em Portugal.
Leiriane: Acabou aqui no Brasil, mas você continuou?
Berta Loran: Aquele estilo; Não, no Brasil, porque eu fiz 11 revistas; como eu te disse, eu
ganhei bastante dinheiro, e quando resolvei voltar, como a Bibi esteve lá também 3 anos, ela
ficou minha amiga, nos tornamos duas brasileiras né, nos tornamos muito amigas, e ela veio
pro Brasil e a gente se correspondia, e como o 3º apartamento eu ainda não tinha pago, aí eu
pedi pra Bibi, eu disse: “Bibi, eu estou voltando pro Brasil, por favor, arranje um trabalho pra
mim.
como... tudo que fala que é musical, desde os filmes, eu sou apaixonada. Eu trabalho com o
teatro [...?] há muitos anos, e eu tinha que escolher um tema pra minha pesquisa, e eu
pretendo futuramente fazer um livro sobre o teatro musical no Brasil, então por isso que eu já
estou começando essas entrevistas pra falar sobre o teatro musical. Então, não só o pessoal do
teatro de revista, mas esses musicais novo de agora.
Brigitte Blair: Eu adoro o teatro de revista.
Leiriane: É Cláudio Botelho, pessoas que produzem, eu também estou entrevistando esse
pessoal pra trazer porque, na verdade, tem o teatro de revista, o pessoal: “ah, esse teatro
musical agora é da Broadway”, mas tem o teatro de revista, então pode dizer que começou
agora, não foi, muito pelo contrário.
Brigitte Blair: Não... Esse livro que eu estou te falando, o livro “Viva O Rebolado”, vocês
comprem porque vocês vão ter muita matéria. Ele começou em 1936 contando... Dá o nome
das peças, dá o cenário, dá o figurino, os produtores.
Leiriane: Eu estou pesquisando...
Brigitte Blair: O “Viva o Rebolado”. E depois você lembra aquela peça, aquela novela, “As
Belíssimas”?
Leiriane: Foi a Íris e a Carmem.
Brigitte Blair: Eu estava. Não, sabe quantras estiveram ali?
Leiriane: É, eu lembro de você.
Brigitte Blair: Tivemos no... Tem um livro também sobre aquilo e a gente está no livro
também. Eles conseguiram reunir no dia do fechamento da novela 22 vedetes, até a Heloína
veio de Porto Alegre, veio assim, veio de Porto Alegre, veio não sei de onde, todas as vedetes
estavam naquele fechamento. Não lembra de mim não? Eu estava.
Leiriane: Eu lembro, aparece o seu nome, Brigitte Blair.
Brigitte Blair: É uma que existia a... Estava a Iris...
Interlocutora Não Identificada: Aliás eu vi esses dias o de todos.
Brigitte Blair: A Carmem Verônica, vocês falaram com a Carmem Verônica?
Leiriane: Nós ligamos pra ela, mas ela está gravando um seriado da Globo, então a gente
nunca encontrou ela na casa dela. Até no aniversário dela que foi acho que há dois dias, ele
trabalhou até de madrugada, aí acabou que não deu certo.
Brigitte Blair: Estava a Carmem Verônica. Mas tinha... Olha, a Virgínia Lane morreu há
pouco né?
Interlocutora Não Identificada: A Virgínia Lane foi colocada lá no centro né, da...
Brigitte Blair: A Virgínia Lane estava nessa [...?]
Interlocutora Não Identificada: Estava.
Brigitte Blair: Reuniram 22 vedetes.
Interlocutora Não Identificada: Até a Marly Marley estava lá né?
Brigitte Blair: Marly Marley maravilhosa, estava lá.
Leiriane: Ela era de São Paulo né?
242
Brigitte Blair: Marly Marley morreu, muito minha amiga, maravilhosa! O meu primeiro
marido foi o Augusto Cesar Vanucci, quer dizer, era um dos grandes da Globo que... Aí
depois que ele foi pra Globo ele já era do teatro há muitos anos; é, foi meu primeiro marido, e
a Marly Marley era muito amiga dele, já trabalhava com ele naquela época, ele, a Marly e o
Agildo Ribeiro. Agora, vocês falaram com a Berta Loran, falaram com a Íris Bruzzi...
Leiriane: A gente tentou também a Janete... Bezerra?
Brigitte Blair: Não, Janete Bezerra não, a Janete Jane, não é Janete Jane?
Leiriane: Não, não; essa não deram o contato pra gente.
Brigitte Blair: A Janete Bezerra morreu aí.
Leiriane: Então, passaram o contato dela né, a gente ligou. O Agildo Ribeiro...
Brigitte Blair: Não, a Janete Bezerra morreu. Ela morava em Nova York.
Interlocutora Não Identificada: Eu acho que não era Janete Bezerra não.
Leiriane: Era um outro nome.
Brigitte Blair: Não era Janete Bezerra não. A Janete Bezerra morreu há pouco tempo, mas
ela sempre morou nos Estados Unidos, sempre morou, ela estava morando na Flórida, em
Miami. Eu morei em Miami 12 anos, eu estava sempre com ela lá; ela faleceu. Vocês
poderiam, talvez, que mora perto de Copacabana...
Leiriane: Podia até conseguir um contato né, porque às vezes conversa com assessores,
assim, então você não consegue achar o [...?]
Brigitte Blair: Pôxa, vocês deviam ter me falado, eu tenho tudo em casa, eu tenho todos os
contatos delas.
Leiriane: Quem me passou o seu contato foi a Íris.
Brigitte Blair: Vocês devem estar procurando a Janete Jane.
Interlocutora Não Identificada: É, Janete Jane.
Brigitte Blair: Inclusive ela mora aqui perto.
Interlocutora Não Identificada: Exatamente, é a Janete Jane.
Brigitte Blair: Ela mora aqui em Copacabana, aqui perto; é uma pessoa maravilhosa a Janete
Jane.
Leiriane: Então, você pode, a gente ligou pra Janete, ela não está no Rio agora, ela está em
outra cidade aqui do Rio de Janeiro.
Interlocutora Não Identificada: Não, quem está em Teresópolis é a Lia Mara.
Leiriane: Outra também que é do... Ah, vocês sabem que a Lia Mara é outra que eu ia falar
agora, ela mora aqui.
Interlocutora Não Identificada: É.
Leiriane: Só que a gente ligou. O Agildo Ribeiro também tentei contato, porque é um homem
né, tentei contato...
Brigitte Blair: A Lia Mara está aonde?
Interlocutora Não Identificada: Está em Teresópolis.
Brigitte Blair: Morando?
243
Leiriane: Então, Brigitte, fazer a primeira pergunta aqui: conta um pouquinho sobre a sua
trajetória artística, principalmente, nós já estávamos conversando, sobre o teatro de revista;
como foi que você entrou nesse meio artístico?
Brigitte Blair: Ah, é impressionante! Eu, com 16 anos, eu não sou daqui do Rio, eu sou de
Minas Gerais, sou do Triângulo Mineiro, Araguari, eu com 16 anos eu vim tentar a vida no
Rio de Janeiro. Cheguei aqui no Rio, comecei a trabalhar numa boate fazendo show à noite.
Depois, um empresário me viu, me chamou pra eu fazer um teste pro teatro de revista, foi
quando eu cheguei lá pra fazer no teatro um teste e eu passei logo no primeiro dia, foi quando
eu conheci Augusto Cesar Vanucci que foi meu primeiro marido; aprendi muito com ele
porque ele já era famoso.
Leiriane: Já era do teatro?
Brigitte Blair: Já, já era famoso. Ele já era ator, diretor, produtor, ator, cantor, ele era tudo.
Aí dali... E isso foi em 1960. Depois eu entrei na revista e não saí mais. Trabalhei contratada
com esses empresários todos até uns 18 anos, de 16 pra 18; depois eu trabalhava na televisão,
na TV Rio, que era aqui no Posto 6. A TV Rio foi antes de fundar a Globo, não tinha ainda...
Leiriane: Então do teatro, depois de anos, você já passou pra televisão?
Brigitte Blair: Não, fazia teatro e fazia televisão, porque a televisão fazia programa de humor
ao vivo, ao vivo, então eu trabalhava nos programas de humor ao vivo, trabalhava com o
Golias, trabalhava com esse... Roberto de Nóbrega...
Leiriane: É verdade... A Praça é Nossa...
Brigitte Blair: A Praça é Nossa. Ele trabalhava... Ele vinha de São Paulo, ele, no começo pra
fazer o programa. Então eu trabalhei com o Golias, com esse Roberto de Nóbrega, era um
programa de humor na televisão, a gente terminava de fazer a televisão e voltava pro teatro
pra fazer a peça; eu nunca deixei o teatro. Aí quando eles foram fundar a Globo, o Walter
Clark que comandava a TV Rio, foi fazer a Globo, foi ele que fundou aqui, o Walter Clark. Aí
eu falei: “não, eu não quero ir pra TV Globo”, porque eu não gosto de trabalhar em televisão,
eu odeio. Eu fazia filmes também... Fazia filmes, fazia pontinhas nos filmes; a gente tinha que
trabalhar em vários lugares pra poder sobreviver. Aí eu falei: “não, eu vou fazer o seguinte, eu
não vou pra TV Globo...”. Ele levou todo mundo da TV Rio, levou todo mundo pra Globo,
inclusive está até hoje até, está lá trabalhando na Globo, está todo mundo lá até hoje na
Globo, a Globo tem aposentadoria lá pros atores, ficam lá e eles pagam não sei quanto. Então,
eu falei: “não, eu não quero, eu vou ser produtora, vou produzir meus espetáculos”. Aí o meu
primeiro espetáculo que eu produzi, foi em 1965, no Teatro Serrador, que é um teatro
maravilhoso que tem ali no centro, na Senador Dantas, que hoje é de minha propriedade, esse
teatro é meu, hoje. Em 1965 eu fui ao meu teatro, fiz a minha produção, minha primeira
produção, montei uma comédia musical, é uma comédia musical, não foi nem revista, peguei
um texto e transformei em música ao vivo, era música ao vivo, não era transmissão da
Excelsior, a primeira produção, estou devendo até hoje. Mas você sabe... Aí terminou meu
contrato lá no Teatro Serrador, que o Teatro Serrador fica ali na Rua Senador Dantas,
Cinelândia, e eu vim pra Copacabana, não com a peça que estava lá, porque lá eu tinha uma
peça de 20 ou 30 pessoas, não lembro; aí eu montei uma comédia, que o meu musical não deu
certo porque eu tinha muita despesa, minha primeira produção eu não tinha experiência e não
deu certo. Aí o que eu fiz? Falei: “bem, eu tenho que sair dessa”. Aí montei uma comédia
onde o Paulo Silvino era o autor, ele trabalhava como ator, o Jorge Dória era ator, trabalhava
como diretor, a Henriqueta Brieba era atriz, então trabalhava eu, a Henriqueta Brieba, o Paulo
Silvino e o Jorge Dória, que também foi meu grande professor o Jorge Dória, que era um
excelente ator. Aí eu fiz essa comédia de 5 pessoas, foi quando eu vim pra cá, pra esse teatro.
246
Quando eu cheguei aqui nesse teatro, eles me alugaram um horário alternativo, disseram
assim: “ó, se você quiser, nós temos o horário de onze e meia da noite, horário alternativo”; aí
eu falei: “não, vamos fazer sim”. Eu comecei a filipetar em Copacabana, eu é que inventei
esse negócio da filipeta de mão em mão, eu que inventei isso.
Leiriane: Que inventou isso?
Brigitte Blair: É, essa invenção é minha. Eu rodava Copacabana inteira, o dia inteiro
filipetando, conseguia lotar o teatro quando era onze e meia da noite.
Leiriane: Horário complicado né?
Brigitte Blair: Não, horário que não existia, não existia onze e meia da noite; porque a peça
que estava em cartaz às nove horas terminava esse horário pra eu poder entrar. Quando eu ia
entrar com a minha comédia a frente do teatro já estava completamente lotada. Passaram-se
uns dois, três meses os arrendatários do teatro, assim: “você não gostaria de arrendar esse
teatro? Porque o que você faz é inacreditável. Você consegue lotar esse teatro todos os dias as
onze e meia da noite; isso é inacreditável!” Aí eu fiz um contrato de arrendamento.
Leiriane: Quantos anos você tinha?
Brigitte Blair: Eu tinha uns 19, 18 pra 19.
Leiriane: Você sempre foi empreendedora né?
Brigitte Blair: Sempre fui, eu trabalho desde os 8 anos de idade, sempre fui, sempre fui
empreendedora; me aposentei com 42 anos. Eu com 12 anos era caixa de farmácia, já
trabalhava, sempre fui empreendedora. Então, quando eu cheguei aqui que eles falaram: “você
vai arrendar esse teatro porque você consegue fazer um trabalho, consegue colocar público,
que é dificílimo?” Naquela época era difícil também. Eu arrendei o teatro. Aí quando eu
arrendei o teatro, eu comecei a montar o teatro de revista, que é o meu gênero; eu faço
comédia também, eu faço qualquer tipo...
Leiriane: Drama...rsrs
Brigitte Blair: Faço comédia, tragédia, eu faço qualquer tipo mesmo. Eu comecei a montar
teatro de revista, teatro infantil, e o teatro infantil ele já tinha peça infantil, eu permaneci,
falei: “não, vou continuar com teatro infantil”, fazia o meu teatro de revista e montava show à
meia-noite com transformista.
Leiriane: Outra novidade né?
Brigitte Blair: É, uma novidade, primeira novidade que tinha na praça foi eu que montei, o
teatro de transformista; eu tinha um espetáculo de transformista que ficou dez anos em cartaz,
dez anos! Tudo que é transformista que tem por aí surgiu comigo nesse teatro; todas as
famosas, a Roberta Close...
Leiriane: Rogéria?
Brigitte Blair: Não, a Rogéria não, a Rogéria é a única que não passou por mim, assim, nessa
época entrar, ela já estava já. Então eu fazia show à meia-noite, fazia minha revista em dois
horários, 8 e 10, comecei a montar revista, uma atrás da outra, contratava assim, gente de
nome, Colé, Costinha, Sônia Mamede, esse pessoal todo já tinha nome no teatro de revista, eu
contratava eles e botava na peça, aí lotava, lotava, lotava. Um ano depois eu comprei o teatro,
comprei esse teatro.
Leiriane: E que está com você né, até hoje.
247
Brigitte Blair: 50 anos está comigo. Então esse teatro, ele tem uma história. Quando eu
comprei esse teatro eu comecei a montar revista, depois eu fazia todo tipo, assim: montava
comédia, montava Nelson Rodrigues, montava e fiz uma linha de show; por exemplo, a Maria
Bethânia nasceu aqui dentro, quase, fez muitos shows comigo, quando esse teatro já não dava
mais pra ela, ela foi pro teatro da praia porque já tinha muito público. Aí eu fiz muito show de
cantor; show de cantor... Eu jogava em todos os lados pra ver se... se ficava de pé né. Em mil
novecentos e... em oitenta, o Teatro Serrador estava à venda, eu comprei o Teatro Serrador. O
Teatro Serrador vocês precisam ver que teatro lindo! São 4 andares, tem 400 lugares, o teatro
é lindo, ali no centro, na Cinelândia, na Cinelândia onde fica a Lapa, a Cinelândia, fica na
esquina. Aí comecei produzir lá e aqui. Tinha época que tinham 7 espetáculos em cartaz, tinha
lá e tinha aqui.
Leiriane: E você com tanto trabalho, assim, também era atriz?
Brigitte Blair: Trabalhando como atriz. Aí quando... Trabalhando como atriz, já tinha
conquistado o meu público, quando a peça era comigo, eu já sabia que o público já estava
certo. Quando eu comprei o Teatro Serrador eu não pude mais continuar trabalhando como
atriz porque não deu, você administrar e ao mesmo tempo você entrar em cena... Você não dá
tempo nem de se produzir pra entrar em cena, então o negócio ficou bom ainda. Eu aí saí de
trabalhar como atriz e comecei a ser só produtora, produzia aqui e produzia no teatro do...
Botava dois teatros infantis lá, botava dois espetáculos lá, botava 3 teatros infantis aqui,
botava um teatro de nove horas aqui, botava um show à meia-noite. Então eu tinha um
rodízio... Só eu mesma pra aguentar. Aí em oitenta eu comprei o teatro Serrador. Quando foi
em... Tinha espetáculo aqui e tinha espetáculo no Serrador. Quando foi em mil novecentos e...
Quando foi em oitenta e sete, eu fui montar meus espetáculos, apresentar meus espetáculos
em Miami. Aí eu mudei, fui pra Miami. Mas aqui continuou funcionando, meus funcionários;
aqui ficou funcionando, o Serrador ficou funcionando; aí eu fui pra Miami montar esse tipo de
espetáculo que é o teatro de revista, só que a gente chama de “show pra gringo”. Quando a
gente fala show pra gringo é só coisas musicais de Brasil, é roda de samba, é desfile de
fantasia, é outro tipo de espetáculo que a gente tem que fazer. Porque o teatro de revista
depende muito de mulheres lindas... Quer dizer, a beleza, a comicidade, a riqueza, é uma
coisa assim. Então, quando eu fui pra Miami eu levei o elenco daqui, o pessoal que trabalhava
comigo aqui, eu levei 12 pessoas, fiquei em Miami fazendo meus espetáculos; a gente chama,
quando vai fazer espetáculo pra gringo, espetáculo pra gringo é “oba-oba”. Aí botava as
garotas dançando, os garotos dançando, capoeira, aqueles negócios que aqui a gente não faz
muito, e no final eu fechava com desfile de fantasias de luxo, essas fantasias de carnaval luxo,
maravilhosas. Aí cada uma vinha desfilando aquelas fantasias e eles ficavam enlouquecidos,
porque as fantasias eram lindíssimas. Eu fiquei em Miami de... Eu fiquei em Miami...
Cheguei em Miami foi em 1988, 1990, mais ou menos, eu fiquei 12 anos em Miami, lá e aqui,
lá e aqui. Aí chegou um ponto que eu não podia ficar nem lá e nem aqui, porque os meus
negócios aqui começaram a não caminhar como...
Leiriane: Você estava lá...
Brigitte Blair: Eu estava ausente. Você sabe que quando o dono não está não acontece nada.
Aí eu vinha pra cá. Aí o meu lá começava a não funcionar também porque eu não estava lá.
Aí o que eu tive que fazer?
Leiriane: Escolher, né?
Brigitte Blair: Tive que escolher... Tive duas casas lindas lá em Miami... Vendi a minha casa
e vim embora pra cá. Eu cheguei aqui em 2002 que eu voltei, me arrependo muito de ter
voltado porque eu ia comprar um teatro lá, ia fazer... Esse teatro que eu trabalhava era um
teatro lindo, tinha 600 lugares, eu ia comprar esse teatro pra fazer “O Recanto do Brasil”.
248
Neste teatro eu poderia fazer teatro de revista, podia fazer comédia em espanhol, em Miami só
se fala espanhol, fazia minhas comédias todas em espanhol, fazia meu teatro infantil em
espanhol e fazia show de cantores; por exemplo, eu poderia chamar...
Leiriane: Cantores brasileiros...
Brigitte Blair: Eu queria fazer um “Recanto Brasileiro”; por exemplo, eu levaria cantores,
poderia fazer musicais, poderia fazer, simplesmente, as comédias, no caso, que eles adoram
teatro de comédia lá, seria em espanhol. Aí eu tinha um ator argentino que foi contratado,
porque meu pessoal não fala nem espanhol nem inglês, então o que apresentava o show e
fazia comicidade e tudo eu contratei um ator argentino famoso, ele que fazia essa linha. Aí
quando eu tive que escolher, quando eu vim embora, vendi a minha casa, desfiz tudo e vim
embora... Foi a maior paixão né? Pôxa, porque eu não sabia que quando eu chegasse aqui eu
ia encontrar o Brasil como nós estamos atravessando hoje, hoje né, nós nunca tivemos no
Brasil o que nós estamos passando hoje; vocês são jovens, vocês não conheceram.
Leiriane: Incentivo à cultura, então...?
Brigitte Blair: Não, não se pode nem falar essa palavra porque você vai presa. Se você falar
nesse governo agora, cultura? Você vai presa; eles não sabem nem o que é isso, tudo
mentiroso, é só mentira. Nós estamos em cima de uma mentira, isso vai dar tanto... Esse
resultado dessa mentira vai ser uma ladeira que as pessoas vão descer... Não sei se a gente vai
ter volta.
Leiriane: Então, pra você, essa questão do teatro, esse é o momento mais difícil que você já
passou?
Brigitte Blair: Não. Enquanto eu existo nesse país... Eu acompanhei esse país passo a passo;
passo a passo eu acompanhei esse país. Eu, nunca na minha vida esperava que um dia a gente
ia chegar no que se está se vendo hoje; o brasileiro não merece isso, esse país é maravilhoso,
não tem nada mais maravilhoso do que o Brasil, mas, realmente, a nossa política... Todos,
sem exceção, eu odeio político, seja ele qual for, odeio, qualquer um. Esse esquema não
interessa, não interessa. A gente trabalha, paga nossos impostos e não sobra nada, e a gente
tem que engolir mentira e nós estamos num beco sem saída; a cultura acabou, o teatro acabou,
tudo acabou, tudo acabou. Nesse país só vai sobreviver a pessoa que estiver fora da linha, se
estiver na linha não vai sobreviver, e eu tenho tentado. Eu tenho pena dos jovens, o que ele
vai encontrar amanhã; eu não, porque eu já encontrei tudo, já fiz tudo o que eu tinha que
fazer, eu não tenho problema, mas eu não quero continuar aqui.
Leiriane: Você pretende voltar?
Brigitte Blair: Pretendo, não é nada impossível. Eu quero voltar, quero sair daqui.
Leiriane: Você quer ir pra Miami ou outro lugar?
Brigitte Blair: Não, eu vou pra Miami, e nem é por minha causa, é por causa da minha filha,
nessa idade. Eu acho que o jovem não tem que viver nesse país. Qual é o seu amanhã aqui?
Nenhum. Eu vou por causa da minha filha, eu quero morar fora do Brasil.
Interlocutora Não Identificada: E nesse caso, como fica o teatro, Brigitte?
Brigitte Blair: Olha, o Teatro Serrador, no momento, agora, nesse exato momento, eu
arrendei pra Prefeitura; então a Prefeitura vai botar ele pra funcionar, normal, como teatro,
fazer peças, fazer espetáculo, fazer tudo, mas, um arrendamento; esse aqui eu pretendo
arrendar ele também.
Interlocutora Não Identificada: Entendi.
249
Brigitte Blair: Pra Prefeitura também. Se a Prefeitura me aluga o teatro e coloca o teatro na
rede, eu vou ter um aluguel...
Leiriane: Vai poder tocar os seus outros negócios...
Brigitte Blair: E vou poder tocar meu trabalho ou não trabalhar, se eu não quiser, porque eu
não preciso trabalhar mais, graças a Deus, mas eu pretendo sair do país, não por mim, porque
eu, por exemplo, já fiz tudo o que tinha que fazer na vida, vou fazer o que mais? Não vou
fazer mais nada; se eu tivesse que montar uma grande produção hoje, podia me dar o dinheiro
que quisesse, aqui agora, que eu não ia montar, não montaria.
Interlocutora Não Identificada: Então, lá fora, você também não pretende seguir com a
questão do teatro.
Brigitte Blair: Não sei; talvez; é outra coisa.
Interlocutora Não Identificada: Talvez!
Brigitte Blair: Você no primeiro mundo, a diferença é tão grande, tudo é tão fácil pra você
que você até, vamos dizer assim: “não, eu não quero; mas, não, não, eu vou querer sim, espera
aí”, porque é tudo muito fácil; aqui é tudo muito difícil.
Interlocutora Não Identificada: Verdade, isso é verdade.
Brigitte Blair: A morte aqui no Rio de Janeiro acontece na rua, não é dizer que está fácil. Eu
moro na Barra da Tijuca há 40 anos, eu moro no Jardim Oceânico, que é o melhor lugar da
Barra, há 40 anos, por isso que eu ainda estou aqui no Rio, porque é um lugar onde é afastado,
onde não chegou ainda, por exemplo... Rio de Janeiro, você sai de casa e você não sabe se vai
voltar, quando você volta você diz: “gente, eu voltei, estou entrando aqui na min há casa?”
Leiriane: Tem sorte...
Brigitte Blair: E outra coisa, não é só o Rio de Janeiro, o Brasil inteiro está assim. Tem um
tempo aí atrás eu andei fazendo pesquisa pra saber qual é o lugar que estava bom, porque eu
ia mudar pra lá, Curitiba, Florianópolis, São Paulo, Minas, porque eu sou de Minas, mas eu
estou vendo que lá está igual aqui; a pobreza, a fome, o assalto, a falta de... o trânsito parado,
você não anda, você não faz nada, em todo lugar está assim. O Brasil virou assim...
Deteriorou, ele acabou de uma hora pra outra; de uma hora pra outra não, tem 12 anos que
esse pessoal está aí né.
Leiriane: Gradativamente.
Brigitte Blair: São 12 anos de sofrimento nesse país. Então, eu, não por mim, porque eu
posso entrar na minha casa, eu moro numa casa maravilhosa, tenho minha vida já
determinada, sempre determinei a minha vida pra hoje, pra amanhã e pra depois, eu sou
assim, organizadíssima: hoje eu tenho isso, amanhã eu tenho aquilo, depois eu tenho aquilo;
eu sou muito organizada. Eu não precisava fazer mais nada, não preciso trabalhar, poderei
viver de aluguel, eu tenho um patrimônio, eu não tenho que ter mais nada, eu, patrimônio que
eu ganhei há 30 anos atrás, hoje eu não ganho mais nada. Então, pelo contrário, hoje você está
perdendo aquilo que você ganhou, porque se você bobear você volta a zero e vai ficar
morrendo de fome.
Leiriane: E, pra você, como você define o tempo do teatro de revista? Você acredita que essa
parte é questão econômica porque as produções eram muitos caras?
Brigitte Blair: Eram; as produções eram muito caras e, outra coisa, as produções muito caras
e no teatro de revista você depende de gente jovem, você depende de beleza, você depende de
talento, porque não é um teatro que qualquer pessoa faz, ele dança, canta, representa.
250
Íris Bruzzi: Então, porque você não faz pra você uma também? Ela vai com tudo, porque ela
dá assim esculhambada ou dá com uma roupa preta, uma coisa de renda.
Íris Bruzzi: Ontem eu fui ver a Waleska, a cantora, a Waleska de antigamente, da fossa, tá-
tá-tá... Ela fez uma homenagem linda pra mim, foi muito bonito, até chorei, foi bonita.
Leiriane: Então, vamos?
Íris Bruzzi: Vamos.
Leiriane: Podemos começar?
Íris Bruzzi: Olá! Estou aqui com a ex-vedete, atriz, Íris Bruzzi, muito obrigada pela sua
entrevista, e a pauta de hoje é sobre o Teatro Musical Brasileiro. Íris, conta um pouquinho
sobre a sua experiência com o Teatro Musical Brasileiro.
Íris Bruzzi: Olha, minha experiência foi linda e foi a base de tudo na minha vida. Eu sou,
assim, chego na hora, sempre tudo decorado, sempre maquiada como tem que ser, porque o
Teatro de Revista, apesar de chamarem de Teatro de Rebolado, ele de rebolado não tinha
nada, ele era um teatro muito sério, e a gente levava muito a sério, então, toda a minha
seriedade no meu trabalho veio do Teatro de Revista. Eu estreei em 1953, eu estava acabando
de fazer 18 aninhos, eu era feliz e não sabia...rsrsr...
Leiriane: Mas desde criança você sempre quis ser atriz ou como é que aconteceu a sua
entrada?
Íris Bruzzi: Não, não, eu não tenho essa entrada. Eu vejo as atrizes contando que pegavam
lençol, se embrulhavam, botavam salto, eu nunca tive isso. Eu fui fazer Teatro de Revista
porque eu não conseguia trabalho, tudo que eu ia fazer não dava certo, entendeu. Eu fui
trabalhar na Sloper, que era uma loja muito bonita que tinha aqui no Rio, e eu achava lindo,
fui com a minha avó, e aí a gerente falou: “ah, ela é tão bonita, ela vai ficar na seção da
perfumaria”; aí ficou um bocadinho lá comigo e falou pra minha avó: “infelizmente não
podemos ficar com ela”. Porque naquele tempo não tinha máquina de calcular, e eu sou
péssima de cálculo, não sei fazer conta, mal sei somar, então tinha né, 5%, 3% e eu não sabia.
Aí depois eu quis ser comissária, as comissárias eram lindas naquela época, eram lindas, e aí:
“ah, eu quero ir”. Aí meu pai falou: “minha filha, pra ir vamos começar por cima, eu vou
falar com o Brigadeiro meu amigo, você vai”. Aí eu fui fazer uma entrevista ele, ele
perguntou pra mim: “O Irizinha, me diz uma coisa, você gosta de andar de avião?”. E eu falei:
“ah, eu tenho pavor, tenho muito medo!” “E como é que você se sai no avião?” “Ah, eu
vomito muito”. Aí ele ligou pro meu pai e falou: “olha, ela tinha tudo pra ser uma comissária,
251
mas ela vomita sem parar, tem horror”. Aí eu resolvi ficar na praia tomando banho de mar,
minha avó morava aqui no Posto 6, e aí a Nélia Paula e o Colé me convidaram pra fazer um
teste no Teatrinho Follies, que era a coqueluche do momento, era o teatro de bolso do Rio de
Janeiro, e eu fui. Aí eu falei pra minha avó: “olha, eles me chamaram pra fazer um teste”... Eu
pensei que era de matemática...rsrsrs...
Leiriane: E você aceitou mesmo assim?
Íris Bruzzi: Aí eu falei assim: “mas eu quero trabalhar, seja no que for, eu vou”. Eu nunca
tinha ido num teatro, tinha saído do internato; aí eu fui. O teste era eu botá um biquininho, eu
era corista, ficava lá atrás de mãozinha para cima, atrás das vedetes, das cantoras, e aí eu
lembro que o Zilco Ribeiro, empresário, perguntou pro Norberto, o empresário: “e aí?” Ele
falou: “200%”. Eu falei assim: “ih, tô ferrada, vai ver que eu não passei”. E aí daí pra frente
eu vi que era aquilo que eu gostava, e aprendi a fazer e tudo bem. O povo está me engolindo
aí tem mais de 60 anos, eu estreei em 1953.
Leiriane: E como foi essa passagem do teatro pra TV?
Íris Bruzzi: Ah, isso demorou um pouquinho porque, do Teatrinho Follies eu fui pro Carlos
Machado, que era o grande homem de show, e ele tinha um olheiro que ia ver as caras novas,
corpinho novo e me contratou. E aí depois, então, eu comecei a fazer TV. Eu comecei a fazer
TV, aí logo depois eu me casei com Walter Pinto, que era o maior empresário do Brasil. Mas
Santo de casa não faz milagre e ele nunca me convidou pra trabalhar. Quando eu fui trabalhar
com ele, eu já tinha até filhos grandes de 5, 6 anos de idade, e aí eu fui fazer o Teatrinho
Troll, que era um teatro infantil lindo que tinha na Tupi, aí o Walter permitiu e aí eu comecei,
depois o Câmera Um pro Jacy Campos, que era um teatro muito importante, e aí foi indo né,
aí eu fui aos poucos né.
Leiriane: Íris, pra você, o que é um genuíno teatro musical, como você classifica o teatro
musical?
Íris Bruzzi: Bom, eu adoro. Atualmente não existe mais, atualmente que eu digo de 20, 30
anos pra cá. Depois que o Walter parou de fazer Teatro de Revista, isso que eles chamam de
Teatro de Revista não é, é um arremedo, é uma coisa muito pobre; o Teatro de Revista era
muito rico. A orquestra do Walter tinha 70 músicos, entendeu, campanários, violinos. O
Walter todo ano ele trazia, ele ia a Buenos Aires e ele trazia 6 bailarinas clássicas do
Colombo, 6 bailarinas de Paris, 6 bailarinas de Londres, entende? Os grandes comediantes,
numa peça só você tinha Mesquitinha, Grande Otelo, Oscarito, Walter D’Ávila, Zeloni, sabe,
era uma coisa muito rica, mulheres lindas, então era uma coisa muito rica que, hoje em dia,
não há dinheiro mais pra fazer, e naquele tempo não havia patrocínio, eram outros tempos.
Leiriane: O que você acha desse teatro musical agora estilo Broadway em São Paulo, no Rio
também?
Íris Bruzzi: Ah não, isso é outra coisa, isso não é Teatro de Revista, isso é outra coisa, esse
tipo Broadway.
Leiriane: Não, sim, eu sei, mas você gosta?
Íris Bruzzi: Não, eu gosto lá na Broadway, eu não gosto aqui não, eu não... Confesso que...
Me perdoem os colegas brasileiros, mas eu acho que show é com o americano né, eles são
imbatíveis. Agora, o Teatro de Revista era completamente diferente, é outra coisa, entendeu?
Leiriane: E o Teatro de Revista tem origem francesa, como foi essa transformação de um
formato estrangeiro, mas aí coloca... coisas tipicamente brasileiras e, de repente, se transforma
num teatro brasileiro, nacional.
252
Íris Bruzzi: É, porque havia muita crítica política, que lá havia e aqui também, o Teatro de
Revista era um teatro inteligente, ele não se limitava a mostrar mulher bonita de perna de fora,
ele tinha uma crítica política muito grande, Getúlio ia ao teatro do meu ex-marido Walter
Pinto, assistir, e ele adorava ver o ator caracterizado de Getúlio, fazendo Getúlio e fazendo
altas críticas, porque era ditadura né, então... pelo humor, pela graça você pode fazer muitas
acusações que às vezes seriamente você não pode, entendeu; então o Teatro de Revista tinha
uma importância muito grande.
Leiriane: Pra você, qual foi o motivo do fim do Teatro de Revista?
Íris Bruzzi: Foi o Walter parar né; porque o Teatro Recreio era o melhor teatro do Brasil, ele
nunca foi do Walter, ele era da Beneficência Portuguesa, e havia um contrato com o pai dele,
seu Manoel Pinto, que eu não conheci, que foi um grande empresário, e que enquanto
existisse a empresa Pinto Ltda., seria deles; aí o Walter ficou uns 3 anos sem fazer peça e
alugava pra companhias, assim, de 5ª categoria e tudo, aí a Beneficência pediu o teatro, e aí,
na ocasião o Carlos Lacerda era o governador e ele entrou com um pedido alegando que ali
passaria um grande viaduto e que teriam coisas, e é mentira, porque agora aquilo tem um
terreno baldio a vida inteira, e o Rio de Janeiro perdeu um teatro maravilhoso. Então, pra você
ter uma ideia, quando os navios chagavam aqui eles já sabiam do Teatro de Revista, as
pessoas já tinham no roteiro o teatro entre... entendeu, já iam pra lá, era muito lindo, era muito
importante.
Leiriane: E você comentou do Walter, quando...
Íris Bruzzi: Não, eu não comecei, eu comecei no Zilco Ribeiro, depois fui pro Carlos
Machado, depois eu fui pra televisão fazer o Teatrinho Troll, fazer o Jacy Campos que era um
teatro; aí o Walter, ele não me convidava pra fazer a peça dele, e eu também orgulhosa, eu
não pedi, não me convida né, tudo bem, e eu estava estrelando um show do Carlos Machado,
Vive Le Femme, já era, nessa ocasião, lá no Hotel Serrador, e acontece que tem uma vedete,
que é a estrelona mesmo de Portugal, e ela estava grávida, aí não podia ficar, porque estava de
um, dois meses, aí o maestro, que era o grande maestro Vicente Paiva, ele disse: “porque não
a Íris Bruzzi estrela o show do Carlos Machado que sabe todos os números?” Eu ia todos os
dias lá, eu via os ensaios todos, eu sabia todos os números. Aí o Walter, muito a contragosto,
me contratou, e eu muito, muito bobinha, metida, falei: “tenho as minhas exigências”. E aí
não quis assinar o contrato com ele, ele era muito vaidoso, eu quis assinar com os irmãos
Marzullo, que eram secretários ele. Aí assinei o contrato e disse: “tenho mais uma” “qual é?”
“quero receber os 6 meses adiantados”, aí comprei meu primeiro carrinho, era um fusquinha,
que todo mundo tinha na época né, e aí eu fiz uma peça dele. Agora, o Walter era um cara tão
sensacional que, uma peça dele que eu fiz, eu estou com 80 anos e até hoje as pessoas me
procuram dizendo: “a vedete Íris Bruzzi”, por quê? Porque ele me deu um nome, o meu nome
é Bruzzi mesmo, meu nome é Ísis Maria Bruzzi Medeiros, mas ele me fortaleceu, ele me fez
existir, entendeu, porque ele era muito forte, e aí eu fiz essa peça dele, chamava: O Diabo Que
A Carregue Lá Pra Casa, era linda, foi a última peça dele no Rio de Janeiro, e no ano seguinte
ele juntou 22 anos que ele tinha de teatro, as coisas mais bonitas dele e fez duas peças levando
o nome de peças antigas, que eram Tem Bububu no Bobobó e Eu Quero Sassaricá, e eu fiz
todos os números importantes, estrelando, dele. Então, na verdade, num ano, eu fiz 22 anos de
teatro da vida dele.
Leiriane: Ele estava esperando te chamar porque queria que você fizesse todo esse resumo
né?
Íris Bruzzi: É, é, vamos ser boazinhas e dizer que sim... rsrsr... Mas foi muito bom, eu tenho
um carinho muito grande pelo Walter, eu acho que ele foi tudo pra mim. Eu mexia muito com
ele quando eu dava entrevista que eu dizia assim: “o Walter foi o pior marido que uma mulher
253
pode ter, mas em compensação ele é o melhor ex-marido que uma mulher pode ter”. E é
muito difícil, porque quando está bem, apaixonado, é legal ser legal, é fácil; mas ser um ex-
marido muito bom e muito presente é muito difícil, e ele tudo que eu fazia era maravilhoso,
qualquer coisa, qualquer coisa.
Leiriane: Como era o Walter Pinto produtor?
Íris Bruzzi: Maravilhoso! Chatíssimo né, porque ele era um gênio. Olha, ele nunca foi à
Broadway e fazia aquelas coisas maravilhosas, que a Broadway não tem. Eu morei 9 anos,
quase 10 em Nova Iorque, e nunca vi na Broadway, por exemplo, em meio segundo o palco se
encher d’água numa lagoa e subir os elevadores com os duendes, com aquelas mulheres
maravilhosas que vinham do fundo da lagoa, e daí em meio segundo aquilo sumia e já tinha
um número musical; aí os engenheiros não conseguiam fazer, ele passou noites em claro, aí
ele bolou um poço artesiano do lado do teatro, que tinha um terreno muito grande, fizeram o
tal poço artesiano, e em segundos aquela lagoa enchia... Muito bom! Ele tinha uma cascata de
fogos, você vê, por muito menos já pegou fogo aí nesse boate no Sul que foi um horror, 300
mortos, foi uma tragédia; o Walter tinha uma cascata de fogos a vida inteira e maravilhosa,
mas com todos os requisitos né. O Walter era um gênio, e como todo gênio, era chato, ele era
muito chato...rsrsr...
Leiriane: Íris, na sua opinião, o Teatro de Revista, o que representou pro Brasil na questão
política, cultural?
Íris Bruzzi: Uma coisa muito grande, como eu te falei né, os presidentes se viam
representados aqui. O Walter uma vez fez uma peça que se chamava Fogo na Jaca, em que
havia... O cruzeiro estava muito mal, quer dizer, continua igual né, só mudou o nome, então
aparecia o dólar e era uma mulher linda, aparecia aquilo tudo, aquelas mulheres, aquele
aparato todo, aí de repente o cara anunciava: “o cruzeiro, o famigerado cruzeiro”, e entrava o
Mesquitinha, que era um ator que pesava uns 45 kg com aquela cara de pobre, todo
esfarrapado; quando ele entrava que falava: “o Cruzeiro, eu sou o Cruzeiro”, aquilo vinha
abaixo, entendeu, porque era uma crítica terrível, entendeu. Então, o Teatro de Revista foi
muito importante, muito importante... Getúlio não perdia, ele adorava o Walter; ele, uma vez,
passou o 31 lá com o Walter, tinha uma foto dele, os dois brindando no camarote, tomando
champagne né.
Leiriane: E não tinha essa questão da censura: “ah, não fala sobre isso”?
Íris Bruzzi: É, a censura era terrível, mas havia sempre um meio de driblar, porque eles eram
terríveis, mas eles não eram inteligentes, entendeu? Tanto que passava muito, você vê que a
música do Chico Buarque: “Cálice, afasta de mim este cálice”, eles achavam que era um
cálice de beber vinho e eram um “cale-se”, de calar a boca; então a falta de Inteligência deles
ajudou um pouco.
Leiriane: E a criatividade por outro lado também né?
Íris Bruzzi: É, muito, muito.
Leiriane: Você acha que tem espaço hoje em dia pra volta do Teatro de Revista?
Íris Bruzzi: Não, não por espaço, espaço tem, ator tem, mas não tem dinheiro. Você vê que
hoje em dia o teatro de comédia tem duas, três pessoas, nunca mais se viu uma peça com 15
pessoas, 10 pessoas, é impossível. E o Walter bancava tudo, o Walter nunca teve patrocínio,
não existia patrocínio.
Leiriane: Você acredita que foi esse o motivo dessa... de outras peças, de outros espetáculos?
254
Íris Bruzzi: Não, depois que ele parou, ele já parou porque as coisas estavam ficando muito
difíceis, e aí tomaram o teatro dele, era impossível, e hoje em dia não há dinheiro né, não há
dinheiro pra se fazer. Hoje em dia a peça, você vê, é com uma pessoa, duas pessoas.
Leiriane: E muitas pessoas, pesquisadores, alguns falam que o fim do Teatro de Revista foi a
questão, também, da ditadura militar, dessa censura, e outros que mudou a estética, no caso,
nós falamos muito sobre política e com o tempo era a questão que você comentou das
dificuldades, o cenário...
Íris Bruzzi: É, mas no tempo da ditadura havia Teatro de Revista né, havia, não foi a ditadura
que acabou porque na ditadura havia, o que não há agora é dinheiro pra patrocínio; e outra
coisa agora tem o evento da televisão, agora se você contratar um ator, primeiro comediante...
Você não faz um Teatro de Revista com um, antigamente tinha 10, tinha 11, todos... O
Oscarito e Grande Otelo, não precisa dizer mais nada e atrás ainda vinham Walter D’Ávila,
Zeloni, era um atrás do outro, Ema D’Ávila, era... Violeta Ferreira... Muita cosia boa.
Leiriane: Me conta um pouquinho como eram os bastidores do Teatro de Revista, as
audições....
Íris Bruzzi: Não, era assim, se contar ninguém acredita, tinha tabela né, tabela e o
contrarregra botava. Eu lembro que uma vez um ator falou “merda” e aí ficou suspenso,
porque não podia; agora fica suspenso se não falar, porque agora tudo é vírgula né, qualquer
palavrão agora é vírgula. E outra coisa, por exemplo, se você entrasse num quadro em que
todo mundo estava de sapato vermelho e você trocou de sapato, ia pra tabela; ia para tabela a
primeira vez, a segunda tinha uma multa, a terceira era suspenso, era muito sério. No teatro do
Walter, por exemplo, quando você assinava contrato, você assinava que você não podia ir à
praia, você não podia ir à pra; por quê? Porque é muito feio as pessoas de maiô e tinha
aquelas francesas que faziam o nu, de repente vinham lindas com aqueles candelabros na
cabeça com o peito branco e o resto preto; entendeu?
Leiriane: Não podia?
Íris Bruzzi: Não, não podia, era muito rígido, era muito sério.
Leiriane: E, apesar até mesmo da nudez, no palco, então pelo que você conta, era muito
organizado... um monte coisas?
Íris Bruzzi: Muito, era muito sério. O Walter, ele odiava [...?], o povo falava que era teatro
rebolado, ele ficava furioso, ele não se com formava, entendeu, porque era uma cosia
completamente séria.
Leiriane: Eu vi uma entrevista dele que eu vi que ele comentou que no teatro dele tinha mais
virgens do que todo [...?] no Brasil.
Íris Bruzzi: É, dele ficava... porque, geralmente, essas moças que vinham de fora vinham
com as mães, era muito engraçado. A Mara Rúbia quando foi trabalhar com o Walter, que era
nossa grande amiga, mas assim, feito irmã, ela veio de Marajó, e quando ela chegou com os
filhos pequenos e tudo, ela viu no jornal um teste pra ela, e foi lá também ver o quê que era
né, ela nem sabia o que era teatro, e aí o Walter, foi até no escritório dela e falou: “levanta a
saia”, pra ver a perna dela, porque afinal era Teatro de Revista, e ela disse: “não, o senhor está
brincando comigo, o senhor quer ver minhas pernas, o senhor me dê dinheiro pra comprar um
maiô e eu ponho o maiô pro senhor ver; como levanta a saia pra eu ver?” Aí o Walter achou
aquilo fantástico. Aí o Walter deu o dinheiro, ela foi comprou um maiô ali pertinho, voltou e
botou o maiô... rsrs...
Leiriane: E foi aprovada?
255
eu vejo gente que passa a vida inteira aí e agora está famoso, conhecido, não fala com as
pessoas, a pessoa vai falar: “pô, que saco, ah”; sabe, bota óculos escuro; pô, lutou tanto pra
ser conhecido agora bota óculos escuro? Não, né? Eu gosto, eu adoro, e agora tira muita foto,
ontem eu tirei mais de 100 fotos lá, eu adoro!
Leiriane: Ainda mais com as redes sociais, as mídias sociais né?
Íris Bruzzi: É, eu acho muito legal, eu gosto.
Leiriane: E qual é a principal diferença, lógico, tem a questão da Elvira Pagã, Luz Del Fuego,
essa questão mesmo do nudismo, as vedetes que faziam o nu no teatro?
Íris Bruzzi: Bom, a Luz Del Fuego e Elvira Pagã elas não eram vedetes, elas eram as
personalidades, feito tem agora, agora também não tem? Umas pessoas que saem do BBB que
não nada, mas são né? Não são nada, mas são. Por exemplo, a Luz Del Fuego é de uma
família importantíssima do Espírito Santo, a família Vivacqua, ela foi colega de classe da
minha mãe, e as duas famílias mais conhecidas de lá do Cachoeiro e Marataízes era a
Vivacqua e a minha, família Bruzzi, então as primeiras casas, as duas primeiras casas de
Marataízes; então, era assim uma personalidade, Luz Del Fuego não sabia fazer nada, mas ela
se rebolava com aquela cobra, aquilo era uma coisa tão estranha né, Luz Del Fuego. A Elvira
Pagã também era uma mulher... Eu cheguei a ver a Elvira Pagã no teatro [...?] é aqui,
chamava... Como chamava, Francisca, esse teatrinho aqui em Nossa Senhora Copacabana?
Era o Forte...
Francisca: Jardel
Íris Bruzzi: Jardel, Teatrinho Jardel. Então, [fala com voz infantil] “ela tinha uma vozinha
assim, parecia uma menininha”, mas uma menininha pelada, entendeu? Era uma coisa muito
estranha né, mas aí, falar vedete? Aquilo não é vedete, vedete é outra coisa; as vedetes
cantavam, dançavam e sobretudo encantavam, tinham um charme, entendeu, tinha um charme
na passarela.
Leiriane: Pra você que conheceu as demais vedetes, na sua opinião, quais foram as vedetes
completas, tanto no carisma..?
Íris Bruzzi: Olha, eu acho assim, a grande vedete foi a Virgínia Lane, ela era deste
tamanhozinho, dentucinha, mas ela tinha uma malícia, ela tinha uma graça fora do comum, e
ela amava aquela profissão, ela passava por cima de qualquer coisa, de qualquer pessoa pra
aquilo, tanto que ela não era querida, principalmente pelos colegas, dos bailarinos que
trabalhavam, porque ela era insuportável, por exemplo, ela media, tinha que ter tantos metros
de distância dela os bailarinos, porque ela achava que iam ofuscá-la, ela não queria as
mulheres bonitas. Quando eu fui trabalhar, eu além de ser muito bonita, muito nova e mulher
do empresário, ela... as meninas ficaram assustadas: “será que ela também é assim?” Mas eu
queria o contrário, eu queria quanto mais gente bonita tivesse perto de você mais realça você,
é uma moldura, e aí elas me adoravam, e eu assim, eu tinha muito medo de ir na passarela e
cair, ficar tonta e cair, então eu falava pro coreógrafo: “bota as meninas lá e eu fico pra cá”;
elas adoravam, era tudo que elas queriam, mas a Virgínia, pra mim, era a mais completa.
Agora, maravilhosa também era a Mara Rúbia; a Mara Rúbia não sabia fazer nada, mas ela
era uma loura, assim, bombástica, platine blonde e que dava umas gargalhadas no palco e
aquilo comprava a plateia, as pessoas adoravam a Mara. A Mara era minha amiga íntima, eu
gostava muito dela, era muito boa, e tem outras, Angelita Martinez, era muito bonita. Eu era
muito querida, eles achavam que eu era uma boneca, que eu tinha uma cara muito bonita e era
uma vedete muito familiar, eu não fazia aqueles nus que a Virgínia fazia, os números da
Virgínia eram muito picantes, era o número do amendoim, eram umas coisas muito picantes e
eu não fazia aquelas coisas, mas tinha pra todo gosto.
257
respeitado, vivia lotado, e o Walter, ele era tão inteligente que ele... porque é assim... naquele
tempo, isso antes de eu conhecer o Walter, a peça de teatro ficava uma semana só, ficava uma
semana em cartaz porque o que valia era a primeira figura, então era peça de Conchita e não
sei o que, peça de Dulcina Moraes, peça não sei o que; aí qualquer coisa que acontecia ou
aquela atriz ia embora, acabava a peça, era uma semana, aí o Walter, baseado na lâmina
gillette, porque a gillette não chama gillette, gillette é uma lâmina, gillette é o nome daquele
cara que botava a cara dele na lâmina gillette, baseado naquilo o Walter punha o retrato dele,
Walter Pinto, grande, enorme, no escrito com a produção Walter Pinto, aí ele lançou isso;
quer dizer, o cara já entendia de marketing naquele tempo, entendeu?
Leiriane: É verdade, ele cola a figura né, o fundo preto com o rosto dele.
Íris Bruzzi: O Walter é um cara que tinha que ser muito respeitado, muito respeitado e,
infelizmente é esquecido. Não, eu fico injuriada sabia? Fico injuriada com isso. Então ele
bolou isso, e aí quando a pessoa percebe: uma produção, se é Walter Pinto é bom, a partir de:
gillette, se é gillette é bom, porque têm outras lâminas, mas todo mundo compra a gillette,
porque é a boa. Então ele não dependia mais de fulano, fulano, fulano, a produção dele é que
era importante.
Leiriane: Como foi quando ele não conseguiu mais atuar no teatro, assim, pessoalmente?
Íris Bruzzi: Não foi péssimo, ele não quis mais, entendeu? Ele ficou triste com as coisas que
estavam acontecendo no país, aí também ele já não podia mais bancar aquilo, e aí na mesma
hora tomaram o Teatro Recreio e aí era impossível, mesmo porque os outros teatros não
podem fazer o que o Recreio faz, Carlos Gomes, João Caetano, por exemplo, o Teatro Recreio
se você botasse um elefante na coxia pra entrar em cena podia, o urgimento tinha 10, 20
metros pra poder subir aqueles cenários, ele tinha um quarteirão de terreno, aí ele fazia poço
artesiano e tudo pra poder fazer aquelas lagoas, e os outros teatros não têm isso, tem só o
teatro né, então ele ficou muito desgostoso e, na verdade, ele teve uma grande depressão, é
que a gente não sabia o que era depressão, a gente achava que: “ah, tá chateado, não quer”, a
gente não tinha noção ainda que ele, na verdade, ele entrou numa grande depressão, de ver
tanta coisa linda que ele fez jogada.
Leiriane: E não houve reconhecimento.
Íris Bruzzi: Não, e aí ele não trabalhou mais, não, ele não trabalhou mais; mas ele foi uma
grande figura, grande, grande, grande. Eu me lembro que uma vez, ele estava vivo ainda, e aí
O Globo deu uma nota dizendo não sei que sobre o teatro, dizendo: “o falecido Walter Pinto”.
Como? Aí eu liguei pra lá e aí falaram com o Dr. Roberto Marinho, o Dr. Roberto Marinho
foi assim, um gentleman, ele mandou botar uma ressalva grande no Globo: “como falecido?”
As pessoas não pesquisam nada pra fazer, eles vão falando, vão falando. Tanta gente que
escreve no jornal: Íris Bruzzi casada com Carlos Machado”; eu nunca fui casada com Carlos
Machado, gente! Mas eles confundem Carlos Machado que fazia show com Walter Pinto que
fazia teatro. É uma loucura!! Por isso que quando eu vejo alguém interessado em Teatro de
Revista eu tenho o maior respeito, sabia? Que é tão pouca gente. Uma vez, uma dessas
revistas famosas aí, há muitos anos atrás, aí me convidou pra fazer um nu, aí eu falei: “faço,
se vocês me pagarem ‘x’”, era muito dinheiro, nunca ninguém tinha pedido aquilo: “ah, mas
isso nunca ninguém pediu”, eu disse: “mas olha, a vedete é feito a foca, está acabando”. O
óculo veio, então [...?], hoje em dia tem... acho que tem eu e sei lá quem mais, conhecida
mesmo tem eu, não vejo mais ninguém, conhecida e trabalhando, porque Mara morreu,
Virgínia morreu, morreu todo mundo né, aí: “ah não, é muito dinheiro”, eu disse: “então, nada
feito”. Mas... é isso.
Leiriane: Tá ótimo.
260
eu acho incrível isso, acho que você tem que ter essa liberdade artística de fazer tudo, porque
não? Não pode ser uma coisa só, o americano faz tudo e faz tudo bem e a gente tem que fazer
isso senão não sobrevive nessa profissão, só uma... De repente eu estou atuando, aqui eu estou
atuando e estou produzindo, lá no Cartola eu vou só produzir, e aí você vai fazendo coisas e aí
chama os amigos para fazer, chama um figurinista, é um grupo onde a gente trabalha todo
mundo junto, não é uma companhia, é um grupo de pessoas talentosas que se reuniram para
trabalhar em cima disso.
Leiriane: Bacana. Você falou até a questão dos americanos, e um dos temas que eu estou
trabalhando é essa adaptação, você adaptou O Reizinho Mandão de um livro da Ruth Rocha, e
os musicais que nós vemos aqui no Brasil são adaptações dos musicais americanos....
Jô Santana: São reproduções, é idêntico, por exemplo, eles não... Por exemplo, O Enlace a
gente criou a trilha, nós criamos as músicas, tudo foi criado para o espetáculo. O formato
americano você já traz pronto, a música é aquela, só vai passar para o português, o perfil do
personagem é aquele, você só reproduz, o que é maravilhoso.
Leiriane: Já A Loja do Ourives foi diferente, as músicas brasileiras?
Jô Santana: Foi uma criação, um espetáculo de uma brasilidade, mesmo falando da Polônia,
mas o respeito aos brasileiros, com uma composição, com um texto, isso foi muito bacana,
essa brasilidade e o Cartola é um pouco isso, é a nossa história, a nossa identidade.
Leiriane: Você acha que essas reproduções, o que você chama de reprodução, americana,
atrapalha o teatro brasileiro ou ajuda?
Jô Santana: Não, não acho não! É um mercado, é importantíssimo. Foi a partir do musical
americano aqui no Brasil que abriu esse leque, né, para se falar de Elis e falar de outros, aqui
em Santos que começou o mercado, o mundo do teatro musical. Aí surgiram outros, o Tim
Maia, Elis, o que mais foi feito? Agora, Nuvem de Lágrimas, uma composição sertaneja; eu
acho que tem que ter todo...
Leiriane: Chacrinha...
Jô Santana: Chacrinha, que também é nosso, e a partir daí houve também... Foram feitos
muitos musicais. Chegou uma hora que assim, o Brasil falou: “tenho que fazer agora pra falar
da minha história, falar da nossa brasilidade”.
Leiriane: Quando você acha que o pessoal de teatro percebeu isso? Tá, se tem espaço para a
história americana, porque não para a história brasileira?
Jô Santana: Eu acho que sempre houve o teatro musical brasileiro, desde os anos 20, os anos
50 como era o teatro de revista, tudo era muito ligado à política, a política caiu nos anos 50
com Getúlio, então tudo foi... Iris Bruzzi que você entrevistou era dessa época, era de Revista,
mas o teatro musical sempre existiu, não existiu agora há 15 anos atrás.
Leiriane: É que antes, talvez, não existisse uma frequência...
Jô Santana: É, ele teve uma queda, agora com toda força, têm grandes espetáculos
brasileiros, tem o Urinal, tem o Nuvem de Lágrimas, agora o Cartola, tem o Elis que é um
sucesso, tem O Beijo no Asfalto que é transformado agora para musical; então nós estamos
com mercado incrível, e eu acho legal também ter o americano, ter o nosso, tem que misturar
tudo, acho que isso que é o barato.
Leiriane: Como você vê esse mercado do teatro musical daqui há 10 anos, como você
imagina?
262
Jô Santana: Já fixou o mercado, hoje faz parte; tem tudo, tem o teatro musical, o teatro
musicado como o nosso, têm os grandes musicais, têm os musicais pequenos que é um mais
ou menos sucesso, montaram A Ópera do Malandro, quer dizer, isso que é bacana; montaram
Noventa Minutos do Chico Buarque, que foi os 70 anos do Chico, acho que isso que é bacana.
Leiriane: Queria que você explicasse um pouquinho sobre essa questão do ator e ator de
musical. No começo até o Saulo Vasconcelos comentou que na época que ele iniciou não
tinham muitas pessoas, e hoje em dia tem escolas só para musicais?
Jô Santana: Escolas só pra musicais. É legal, porque o cara canta, dança e representa, está
preparadíssimo para qualquer coisa. Eu acho importante, as escolas se abriram e os jovens
hoje estão procurando, estão estudando, que é bacana isso. Para você cantar no teatro musical
você tem que cantar muito, você tem que representar, você tem que dançar, tem que ser
completo, que eu acho isso incrível, não é só ser bonito, tem que ter talento.
Leiriane: E até essa questão do talento; um outro assunto do meu mestrado é essa questão,
por exemplo, adaptação, a Ruth Rocha já tem um nome, então você está trazendo algo que
vem com o nome dela.
Jô Santana: Isso.
Leiriane: Querendo ou não, o teatro está no mercado, ele é um produto da indústria cultural,
ele é uma venda também.
Jô Santana: Tudo que você põe na bilheteria é venda.
Leiriane: Então, como que é essa questão de trazer um nome já conhecido, como a mídia do
nome da Ruth Rocha, do Papa João Paulo II, isso ajuda?
Jô Santana: A Ruth é muito conceituada, é o nosso Monteiro Lobato de calças, eu venho
com a Ruth porque eu trabalho muito com a Ruth há 20 anos, eu fiz Marcelo Marmelo,
Martelo, eu fiz Iguais e Livres, Atrás da Porta, eu fiz muita coisa dela. Estou procurando um
filme que a Neyde dirigiu; assim, eu venho com a Ruth há 20 anos que eu trabalho com ela,
eu amo a obra dela, ela, a Maria Clara Machado, a Tatiana Belinky que já não está mais
conosco; são grandes escritoras e a Ruth é fenomenal, ela é muito atual, isso foi feito nos anos
70 e continua muito atual esse texto, isso que é um barato, e manda uma mensagem através da
criança, que está formando esse público, um espetáculo bacana, bem produzido, belo cenário,
mas uma história muito legal, uma tirania, pode ser essa criança tirana, que pode ser os nossos
governantes.
Leiriane: Eu já assisti essa peça, acho que há uns 10 anos atrás, eu não lembro... Mas eu já
assisti essa peça.
Jô Santana: É incrível! Os pais...Você não faz só a peça para a criança, faz para os pais
também, o pai fica sentado com a criança, então tem que ser uma coisa bacana que ele
também curta, e Ruth é o máximo, tudo o que ela faz é incrível, mais de 200 obras lançadas
no mundo inteiro, 17 países, eu adoro a obra dela, então eu sou suspeito, eu adoro, vou fazer
agora o Romeu e Julieta, a trilogia, os Dois Idiotas que já está no Sesc Ipiranga, O Reizinho
Mandão e Romeu e Julieta, que ela adaptou para o teatro.
Leiriane: Bacana. E essa questão mesmo do nome dela e do Papa João Paulo II, você acha
que traz um... é um chamariz, como você classifica isso?
Jô Santana: Olha, vou falar o seguinte, isso é uma coisa que eu vou falar pra você, e você
não coloca isso. Eu achava que por ser o Papa João Paulo II, o católico fosse assistir, mas o
católico não tem o hábito de ir ao teatro, é diferente do evangélico, eles vão, eles pagam. Eu
fiquei muito triste, você não coloca nada disso que é uma coisa muito...
263
Leiriane: E essa questão do nome: Elis, Tim Maia, uma pessoa já conhecida...?
Jô Santana: Ajuda muito, ajuda porque todo mundo já conhece as músicas, quem tem
saudade daquele artista vai lá ver.
Leiriane: É uma questão de identificação?
Jô Santana: Identificação, e tem essa brasilidade; por exemplo, se eu tenho o Tim Maia, eu
sempre gostei do Tim Maia, eu sei que vou ver as músicas do Tim Maia, vou me recordar.
Leiriane: Você não vai ter uma surpresa desagradável, assim?
Jô Santana: É, não vai ter. Você já sabe o que vai encontrar, e chega lá é uma grande
surpresa. Elis eu chorei muito. Lembra da Laila Garin, aquela atria? Ela fez a Elis.
Leiriane: Eu vi ela, tentei contato com ela também.
Jô Santana: É, ela está no Rio. Então, ela fez e foi brilhante o Elis, lotado, ela fazia
brilhantemente, foi muito bacana, a Elis tinha o público dela e ela virou a personificação da
Elis, você olhava era a Elis Regina cantando, coisa de louco, eles faziam uma coisa
saudosista. Eu lembro que um dia, na estreia, as pessoas choravam, tinha gente lá que
trabalhou com a Elis, foi jornalista, foi muito bacana essa experiência. Eu acho que não tem...
quem faz arte não tem certezas se vai fazer sucesso ou não, você faz uma obra beta, o público
que vai dizer se gosta ou não.
Leiriane: E essa questão dos globais, até... não sei, entre os artistas têm, muitas vezes, aquela
questão até preconceituosa: ator de teatro musical... Nos Estados Unidos, inclusive, eu dei
uma estudada, tem até um livro que fala pro pessoal: “devolvam os prêmios para o ator do
teatro musical”, porque o pessoal de Holywood que estava levando os prêmios, Scarlett
Johansson e tem, às vezes, esse conflito; você percebe isso aqui no Brasil com a questão dos
atores que fazem novela?
Jô Santana: Se o ator que faz novela e ele canta bem, não existe problema nenhum. Acho que
a gente não pode deixar ter preconceito com nada, e ter um ator conhecido da televisão, do
grande público, ajuda para trazer público, ajuda para conseguir patrocínio.
Leiriane: Então, isso que eu gostaria de saber, ajuda?
Jô Santana: Ajuda.
Leiriane: Como, o que você acha?
Jô Santana: Ajuda na produção. Se você tem um nome pesado, contratar o cara que fez a
novela, falando de uma Fernandona, de uma Nathalia Timberg, falando dessas grandes ícones,
e você coloca esses nomes que fazem uma novelinha ou outra, vamos lá; aí vai lá o seu nome
está há 30 anos na carreira, 40 anos, você sabe que agrega valor.
Leiriane: Então o patrocinador se sente mais confortável?
Jô Santana: Ele se sente porque a marca dele vai chegar, por exemplo, você tem um Miguel
Falabella, sabe que vai chegar no grande público, mas também tem grandes espetáculos que
não tem nome de globais e tem grande sucesso, pela qualidade artística. Eu acho que não pode
é fechar, eu sou a favor do não preconceito à nada, tem que ter um global, tem que ter uma
global, tem que ser ator. Aqui a gente não tem global, a gente tem uma obra da Ruth e um
elenco incrível, que vai contar uma história e você vê a casa lotada, foi isso.
Leiriane: E até em A Loja do Ourives tinha muitos nomes de pessoas que fizeram novelas,
seriados, mas, você acha que no final das contas isso ajuda, ajuda, mas, como diretor é mais
fácil lidar com artistas de teatro, os que só fazem teatro ou às vezes é complicado?
265
Jô Santana: Não, porque assim, Sonaira D’Ávila é um ator incrível, os conhecidos que não
cantam, o Rafael Almeida que fez uma novela, tem uma galera bacana, não foi só... por isso
que a peça deu certo, é uma galera muito unida, Cláudio Lins é um querido; então não teve
problema nenhum, em nada, pelo contrário, foi uma delícia, o elenco era muito unido, tanto
que se via, era uma grande festa quando terminava o espetáculo, era uma celebração à vida,
me deu muito prazer nesse sentido.
Leiriane: Quando mudou, na questão, pro Rio de Janeiro, alguns atores mudaram né, fica
aquela...?
Jô Santana: É engraçado, eu digo de experiência, eu não faria mais... Se um elenco estreou a
peça eu não quero mais substituir, ou eu faço com o elenco inteiro, ou um ou outro, mas não
mudar todo elenco, porque eles não tinham estrutura, não tinham hotel, não tinham nada, a
gente foi fazer na raça, eu tinha que usar elenco do Rio, só que o elenco que estava lá não
tinha o envolvimento do daqui que ficou 2, 3 meses ensaiando, criando pra peça, e isso tem
envolvimento emocional, isso vai pra cena né, essa é a questão.
Leiriane: Estou acabando, tá.
Jô Santana: Acho que era o meu, tipo...
Leiriane: Essa questão dos teatros biográficos; muitas vezes, vamos supor, têm lugares que
cabem uma pessoa famosa, uma celebridade, mas o biográfico você precisa não só
caracterizar fisicamente, muitas vezes trazer alguém de fora, alguém conhecido, pode
atrapalhar, uma pessoa conhecida pra fazer Elis.
Jô Santana: Não, não dá certo. A Laila, ela não imitou, ela deu a personalidade dela...
Leiriane: É isso que eu estou falando... A diferença de imitar pra...
Jô Santana: Não, ela não é imitar, ela viu muito os gestos, depois ela imprimiu a marca dela
como atriz, a energia dela, da atriz, e foi ficando parecido; olha que louco, cabelo, com tudo, o
jeito de cantar da Elis, no final é a Laila fazendo a Elis, tanto que ficávamos surpresos. O lá,
com Tim Maia...
Leiriane: O Tim Maia, você já foi assistir?
Jô Santana: Já, é incrível também; era muito parecido, ele caracterizada a voz, foi incrível.
Gente, têm coisas incríveis que foram feitas já aqui, já no teatro brasileiro. Gente, Ópera do
Malandro, coisa maravilhosa que eu assisti, João Falcão, agora O Circo Mágico do Edu Lobo
e Chico Buarque, a coisa mais linda; então, têm coisas maravilhosas, como também a
Mudança de Hábito que eu assisti, amei.
Leiriane: Ah, eu assisti também.
Jô Santana: Amei!
Leiriane: Eu não estava esperando muita coisa, assim, foi mais...
Jô Santana: Tinha a referência do filme, que era incrível.
Leiriane: Essa questão de adaptação do filme, também tem essa questão da mídia? Porque o
filme já é conhecido, muita gente sabe: “ah, eu vou porque eu já assisti o filme”.
Jô Santana: Já sabe.
Leiriane: E você acha que isso ajuda também?
Jô Santana: Isso ajuda bastante, claro, as pessoas conhecem a história.
Leiriane: Isso sim que é engraçado, você já conhece a história, você vai ver ela de novo?
266
Jô Santana: Mas agora com uma outra energia, com outra roupagem, com elenco brasileiro;
você viu mas na tela do cinema, aqui é uma coisa que é real, é você sentada vendo aquele
espetáculo. Gente, e O Rei Leão? Eu assisti 3 vezes, eu assisti fora e aqui, chorava do mesmo
jeito que eu chorei... Emocionante! O que eles fizeram? O que é O Rei Leão? É a Shadowland
de Hamlet; é, o tio assume o trono, ele vai mandado né, escondido pra... mandado embora e
volta já homem, que é a história do Hamlet, que eles pegaram, eu me lembro bem, e fizeram
Shadowland na África; é maravilhoso, aquelas músicas, eu chorava igual uma criança, choro,
fui ver isso aqui em São Paulo de novo e chorei, os meus sobrinhos; é muito emocionante.
Então tem muita coisa bacana, você não pode é fechar a cabeça, pra nada na vida,
preconceito, no geral, é muito chato, pra tudo, não pode fechar.
Leiriane: Até a questão do Saltimbancos Trapalhões que eu achei interessante que era o
filme, virou musical, e agora do musical querem fazer um filme.
Jô Santana: É.
Leiriane: Eu pensando: não vai fazer um filme do outro filme, como acontece, eles estão
fazendo um filme do musical, que é adaptação, inclusive.
Jô Santana: Adaptação, exatamente.
Leiriane: E até mesmo... Que nem, Chicago, é um musical que virou filme.
Jô Santana: Filme.
Leiriane: Não só o inverso, como O Rei Leão, e o que você acha dessa Jingle, inclusive?
Jô Santana: Eu acho, depende do sucesso, depende do momento, depende de um produtor
maluco que quer fazer, sempre tem que ter um louco que quer fazer aquilo e acreditar, porque
se você não acreditar no sonho, nada é feito. Por exemplo, eu peguei O Reizinho, eu queria
muito fazer O Reizinho, muito fazer... Atores com síndrome de down, com deficiência
intelectual. O que eu queria ver...
Leiriane: Você encontrou barreiras, assim: “ah não vai funcionar”?
Jô Santana: Muita barreira, muita, claro, preconceito; no final está aí, eles arrasam, eu tenho
mães que choram que têm filhos com down; é possível sonhar. Antes eles viviam escondidos,
hoje não, eles saem pra rua, é isso que é bacana, é se misturar, eles arrasam.
Leiriane: Então ficou fantástico né? Muito engraçado isso.
Jô Santana: Tanto é legal essa mistura que você nem percebe quem é down e quem não é
down, são atores fazendo o espetáculo, você esquece que eles são down.
Leiriane: É verdade. E pra finalizar, eu queria que você falasse um pouquinho sobre a Lei de
Incentivo, você acha que esse boom, também, de musicais, é possível? Como era antes disso,
como é agora, você que já está há muitos anos?
Jô Santana: Olha, não tem uma política cultural muito forte no Brasil mas têm as leis que
ajudam muito; ajuda, por exemplo, se você tem um bom projeto, você põe na lei, você põe
debaixo do braço pra correr atrás do patrocínio; é você com você mesmo, entendeu? Tudo é
muito doído, não é fácil, o mercado artístico não é brinquedo e, às vezes, o pequeno produtor
não consegue ali uma lei porque ele não tem um nome, porque a coisa não foi aprovada,
porque não é só ser aprovado, é bater na porta do cara: “olha, compra o meu projeto”; é você
por você mesmo, tanto que eu fiz isso com o próprio O Reizinho que o Itaú patrocinou, eu
cheguei, marquei um a reunião e vendi a ideia, eles compraram a ideia; é isso. Então, tem que
ter um bom projeto, independente do cronograma se tem um bom projeto, um bom plano de
267
mídia e vender o projeto, alguém compra, é chegar nesses caras, agora, chegar é que é o
difícil.
Leiriane: E, assim, um projeto que é um texto que nunca foi apresentado, novo, não tem
nenhum nome, assim, conhecido, você acha que tem essa barreira pra consegui, textos novos,
inéditos?
Jô Santana: Eu acho que tudo tem barreira, eu acho que o povo do marketing devia estar
mais preparado pra esse mercado pra dialogar com o artista, porque por exemplo, eles
procuram, geralmente, um projeto mais fácil, que tem um nome famoso, que vai dar mídia
rápida. Mas, de repente, tem um trabalho desse conceitual que pode dar uma puta mídia, gerar
uma puta mídia bacana em função disso.
Leiriane: Você acha que o próprio mercado acaba, não expulsando, as pessoas que não são de
musicais mas querem ser?
Jô Santana: Eu dou um conselho, estudem!
Leiriane: Até assim, eu não vou comentar, mas tem aquela... Não sei se você já viu, Fama,
com a Paloma Bernardi.
Jô Santana: Ah, mas aí ela não estava preparada, expôs um...Eu acho que ela...
Leiriane: Eu achei uma situação...
Jô Santana: Muito... Ela se expôs, ela não está preparada, ela não canta...
Leiriane: E o pessoal também fez uma exposição dela...
Jô Santana: Dela... Então acho ingenuidade de ambas as partes. Se não tiver talento no
mundo, não é só ser famoso, tem que ter talento.
Leiriane: Não ter né...
Jô Santana: Tem uma fala que é o seguinte, da Marieta: “muitos são chamados, eu quero ver
é aguentar o tranco”. É, tem que aguentar o tranco, por exemplo, uma coisa é você ter talento
e outra coisa é vocação. Vocação é você acreditar naquilo, é perseverar o teu sonho, é fazer
sua carreira com trabalho sério, com bons projetos é a vocação. Outros têm talento mas não
aguentam, porque é muito tranco, a gente trabalha a semana inteira pra ter público,
divulgando, põe no facebook, ligando pras entidades, vendendo a pizza barata; é isso, trabalho
duro, mas tem que acreditar e tem que ralar.
Leiriane: Bom, muito obrigada; 30 minutos está ótimo.
Jô Santana: Então, aí você fala com o Lage e fala: “Lage, eu queria falar alguma coisa no
meu mestrado, e aí a questão é que eu queria fazer uma entrevista com você sobre o teatro
musical.
Leiriane: Ele é aqui de São Paulo?
Jô Santana: É de São Paulo, mora aqui no Centro. Ele estava aqui hoje.
Leiriane: Ah, não sabia. É que às vezes a gente vai tentar... Está uma loucura, agora até te
falei que era final, é muita coisa...
Jô Santana: em que entregar quando o projeto?
Leiriane: Seria novembro, eu não vou conseguir, vou jogar pra janeiro, porque eu tenho bolsa
do governo pra esse estudo.
Jô Santana: Você está fazendo onde?
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Leiriane: Paulo, gostaria que você começasse a falar sobre sua trajetória:
Paulo Goulart Filho: Minha trajetória é um pouco longa. Na verdade eu comecei ainda
criança; a primeira experiência que tive como ator foi na extinta TV Tupi, nos anos 70, tinha
uma novela lá que chamava Papai Coração e estava a família toda. Eu era criança e foi minha
primeira experiência como ator, mas sempre vivi neste meio convivendo com atores,
diretores, a família toda né, ninguém é normal.
Leiriane: Você nunca pensou assim: Ah, não quero ser ator.
Paulo Goulart Filho: Sim. Eu comecei com essa historinha, depois fiz minha primeira peça
de teatro, essa novela eu tinha acho que uns 11 anos, por aí, foi na Tupi. Depois fiz uma outra
participação em uma outra novela, mas criança, sem aquele objetivo, aquela coisa. Estreei em
teatro com 15 anos, com direção do Abujamra, que era o Dona Rosita Solteira, e na época eu
também fazia ginástica olímpica, esporte, gostava muito de esporte e daí eu falei: ah, não,
acho que não quero brincar disso não, acho que minha história não é essa não, aí foi para o
esporte. Me dediquei, fui ginasta, fiz faculdade de educação física, e nesse período me afastei
um pouco do teatro e das artes. Na faculdade, você vê como são as coisas, tem uma matéria
chamada rítmica, o professor era o Edson Claro, inclusive faleceu há pouco tempo, e ele
justamente usava a dança dentro da educação física e colocava todo mundo para dançar:
atleta, jogador de basquete, judoca, todo mundo para dançar para desenvolver mais essa
habilidade física. E através da dança ele montou um grupo de dança na faculdade e aí que foi
meu primeiro contato com dança.
Leiriane: Você nem imaginava isso?
Paulo Goulart Filho: Não, eu tinha uns 18/19 anos, meu negócio era esporte, eu gostava. E
aí comecei a descobrir a dança e aí me identifiquei com aquilo e senti que eu tinha jeito para a
coisa e comecei realmente a estudar, fazer aula. Então comecei essa vida mais profissional
mesmo consciente com a dança, isso lá para os meus 19/20 anos. Juntamente com isso eu
sempre fui desenvolvendo meu trabalho como ator. Então, com a dança, acabaram surgindo
algumas possibilidades de peças de teatro, então eu sempre ia juntando as duas áreas, focando
mais na dança mesmo. Então eu fiquei bem focado nessa área, com shows, estreei; meu
primeiro show foi na casa... chamava Paladium, era no Shopping Eldorado, onde hoje é o
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Teatro das Artes, era uma casa de show, chamava Paladium, com direção do Abelardo
Figueiredo, foi um grande homem da noite nos anos 70/80. E ali foi realmente minha estreia
como bailarino profissional. Isso foi nos anos 85, por aí. Eu comecei a focar realmente na
dança, mas sempre tive uma visão um pouco... o ator nunca saiu de mim. Mesmo dançando eu
tinha uma visão um pouco diferenciada em termos de interpretação, ou seja, não apenas o
movimento, mas o que eu queria dizer, passar com aquilo. Então sempre tive uma visão um
pouco diferente dos outros bailarinos, e desenvolvendo meu trabalho como ator em paralelo.
Isso foi bastante tempo, até os meus trinta e poucos anos. Fui para o Balé da Cidade e depois
de um tempo você começa a querer buscar outras coisas também né.
Leiriane: A Dança era Ballet?
Paulo Goulart Filho: É, dança contemporânea e shows, eventos, musicais; fiz a primeira
montagem do Cabaret, com direção do Jorge Takla, que era Bete, minha irmã, que fazia a
Jelly Roll, isso foi no começo dos anos 90, foi uma das primeiras montagens dos grandes
musicais.
Leiriane: E o que você achou naquela época, você imaginou que ia ter uma continuidade ou
não, uma peça isolada e acabou?
Paulo Goulart Filho: Então, tinha uma diferença muito grande em termos técnicos, de tudo,
seja cenário, figurino, canto, dança, profissionais especializados, aquela época não tinha, a
gente ia meio na raça, aprendendo a fazer, errando, e hoje em dia já tá bem diferente, o
mercado vai pedindo e as pessoas vão ficando prontas, vão se preparando para aquilo e a
qualidade vai aumentando. Daí eu comecei a partir para outras histórias, para dança, teatro e
comecei a focar mais na minha carreira como ator. Depois teve um musical interessante que
eu fiz chamado Bexiga, que é sobre a história do bairro do Bexiga. Era o Mário Masetti que
dirigiu, chamava Bexiga mesmo, que era o nome do bairro, isso foi em 2010. Foi um musical
muito bacana, porque era isso, contando a história do bairro, um musical bem brasileiro, bem
regional, tanto que o povo do bairro adorava. A gente contava desde quando vieram os
negros, escravos, italianos; bem interessante, um resgate mesmo cultural e da história e foi um
sucesso incrível. A gente fez no teatro Sérgio Cardoso, que tem uma sala grande, quase mil
lugares e lotava, uma temporada popular. Foi um projeto bacana e bem diferente. Como eles
fizeram esse projeto, eles começaram a dar oficinas para todas as áreas, então atores,
cenógrafos, figurinistas, maquinistas, camareiros, uma formação de pessoas que hoje em dia
não tem mais, então você perdeu essa formação. Então, eles começavam a formar
profissionais, era através da APAA que, inclusive, é quem cuida do Sérgio Cardoso hoje. Eles
fizeram essa série de oficinas e daí tiraram o pessoal todo para fazer o esquema do musical;
então, tanto elenco quanto músicos, camareiros, técnicos, vieram tudo dessas oficinas, e foi
escrito, composto, tudo para contar essa história. Então ele é um musical bem brasileiro, bem
paulistano, contando a história do bairro. Ele era bem focado aqui para a região.
Leiriane: Para você, qual a diferença desse teatro adaptado da Broadway, esse estilo
americano, que você tem que fazer igualzinho? Reprodução, até o Saulo, quando conversei
com ele, ele comentou que até ponto de iluminação tinha que ser igual. Você acha que o teatro
brasileiro perde com isso ou abre portas para a questão do musical brasileiro?
Paulo Goulart Filho: Eu acho que tudo vale. Lógico que você não pode falar, não quero
isso, eu gosto de um bom teatro, de qualidade. Evidente que eles têm uma fórmula de sucesso,
e eles sabem que aquilo funciona. Então por isso que vem igualzinho, eles não querem
arriscar, o pessoal lá de fora, os americanos, é uma fórmula, como no cinema, em Hollywood,
eles sabem como fazer isso. Quando esses produtores vão lá e compram esse espetáculo
fechado, eles querem prezar pela qualidade que eles têm lá fora e por isso é tudo igualzinho
aqui. Esse é um tipo de teatro, que é muito legal, bacana, funciona, mas para mim, enquanto
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ator, é muito mais interessante você participar de um processo criativo, onde você vai
colaborando, dando seus pitacos; é muito mais instigante para o ator.
Leiriane: E aonde você conseguiu viver isso?
Paulo Goulart Filho: Em todos os teatros. Porque quando não vem lá de fora,
principalmente, quando não é musical, o teatro existe só no texto, no papel. Então é muito
interessante no processo você ver como aquilo sai do papel e vai levantando, que nem a gente
fala: “vamos levantar a peça”, aí que realmente começa a tomar vida e ter todo esse processo
criativo, é muito gostoso, ainda mais quando você tem um diretor que é um diretor que te dá
possibilidade de criar junto, que você tem uma sintonia, afinidade. Mas eu gosto muito de
trabalhar dessa maneira, de colaboração, onde realmente você vai descobrindo. Porque
surgem muitas coisas durante o processo que você nem imaginava, então quando você
começa a sair do papel e experimentar essas coisas em cena, jogando com o colega, vai
surgindo uma série de coisas que você não tinha como prever antes. Isso que é incrível, essa
parte da criação é muito legal, e o bom diretor vai te direcionando. Se ele tem um ator que é
inteligente, esperto, que sabe como é a melhor maneira de dizer o que está escrito, nossa, aí
surgem coisas incríveis.
Leiriane: Você tem muita experiência nessa questão do teatro dramático. Para você, qual a
grande diferença entre o musical e um teatro considerado tradicional?
Paulo Goulart Filho: É bastante diferente, porque a gente está falando de várias linguagens.
O teatro só de prosa ou verso a gente se limita ao texto, a contar aquela história, Já o teatro
musical não, você tem que se preocupar com o texto, com a música, o canto, a dança, a
coreografia, é uma gama de coisas que realmente o ator tem que se desdobrar, porque não é só
falar o texto.
Leiriane: Então não é todo ator que consegue fazer um teatro musical?
Paulo Goulart Filho: Não, você tem que se preparar para aquilo. Todo ator que se preparar
vai fazer, agora, se você pega um ator que não tem estudo de canto, de dança, vai ser mais
difícil, porque na hora de cantar você tem que dar conta do recado. Não adianta você falar um
texto maravilhoso, e na hora que for dançar, se o teu personagem tem que dançar, você tem
que fazer aquilo bem, então o ator tem que estar preparado, por isso que estar pronto é tudo, já
dizia o nosso Shakespeare, “o ator tem que estar pronto para tudo”, por isso essa formação é
imprescindível. Se o ator quer fazer musical, ele tem que se preparar sim, tem que fazer aula
de canto, aula de dança, interpretação, porque vai exigir dele.
Leiriane: Hoje em dia até tem cursos específicos para musicais, que não tinha né, então novas
escolas. Muitas vezes o artista nem sabia que não sabe que canta, agora não. você consegue
fazer....
Paulo Goulart Filho: Porque o mercado está pedindo isso. Hoje em dia as grandes produções
do teatro são musicais, então o ator, se ele quer viver disso, ele vai correr atrás. Você vê
quantas audições de musical está entrando agora, quantos testes para outros tipos de teatro. O
musical está numa fase de alta aqui no Brasil. O ator tem que se preparar para isso, a não ser
que ele realmente não queira fazer; tem ator que fala: “não, não quero fazer musical porque
não gosto, não é a minha praia, acho que não vou fazer isso direito”. Mas ai é uma opção do
ator e ele se limita dentro do mercado, como tem atores de musical, também, que não gostam
de fazer peça dramática. Aí depende de cada um. Eu acho que o ator tem que estar pronto para
tudo. Evidentemente que a gente sabe: “poxa, eu gosto mais de comédia, drama, tragédia,
musical”. Você pode ter a sua escolha pessoal, mas, às vezes, surgem possibilidade de um
personagem incrível, que você poderia fazer muito bem no musical e, às vezes, o ator não faz
porque não tem esse preparo.
271
Leiriane: E como é essa questão da concorrência, das audições, de buscar um papel, é muito
difícil nessa área do teatro?
Paulo Goulart Filho: É bem complicado, porque a competição está bem grande, e é legal
porque você começa a ver pessoas muito boas né. Então a gente está com nível de artistas
muito legal para musical, todos cantando muito bem, dançando, eu acho que a parte de
atuação ainda deixa a desejar um pouquinho. Às vezes a pessoa se dedica tanto “preciso
cantar”, canta super bem e na hora de contracenar, de dar um texto, às vezes poderia ser
melhor explorado. Mas faz parte do processo, quer dizer, acho que tem que se preparar
mesmo, uma hora a atuação ficará no mesmo nível do canto e da dança. Geralmente os
musicais são abordados de uma maneira mais superficial, normalmente os conflitos não são
muito pesados, o musical, a linguagem do musical te leva para uma coisa mais
entretenimento, porque você tem que usar todas essas linguagens que eu te falei, você tem que
usar o canto, a dança o texto e chega uma hora onde... “porque que entra a música?” Porque
chegou aquela hora que o personagem não tem mais como se expressar, então ele se expressa
através do canto, ou através da dança, são as linguagens que vão se complementando. Ele é
escrito dessa maneira, de uma maneira tal que naquele momento chega num ponto onde a
música tem que entrar para fechar aquela ideia, fechar aquele conflito ou abrir uma nova
possibilidade de uma coisa que vai acontecer lá no final da peça. Então, essa carpintaria
teatral, como a gente chama, ela é muito bem pensada, por isso que os americanos são muito
bons, eles sabem direitinho como fazer isso. Como preparar para entrar uma música, como
preparar para entrar uma dança; e eu acho que a gente, aqui no Brasil, eu acredito que a gente
vai descobrir o nosso jeitão de fazer musical.
Paulo Goulart Filho: Isso é uma coisa que me incomoda um pouco nos musicais. Às vezes,
eu, enquanto expectador, me distancio um pouco da história. Isso muito por causa das
versões, porque é muito difícil você fazer uma versão, pegar uma música americana,
composta na língua inglesa, com aquelas palavras, e ter o mesmo efeito no português, para
mim isso é um grande desafio, porque às vezes...
Leiriane: Mas você acha que cai a qualidade?
Paulo Goulart Filho: Ah cai, porque não tem como; o compositor... ele criou e pensou
naquela língua, então aquela palavra encaixa direitinho e vai te remeter ao que ele quer falar,
é muito difícil você fazer isso quando você muda de língua, por isso eu acho que os musicais
compostos aqui vão conseguir fazer com que a gente entre mais na história. Às vezes quando
entra uma música, uma dança, você acaba distanciando da história, daquela emoção que
estava te pegando ou não.
Paulo Goulart Filho: O Chaplin, que eu fiz agora, tinha esse diferencial, porque acho que o
grande barato do espetáculo era a história do Chaplin, e ele acabava pegando as pessoas pela
história, então elas iam acompanhando. O cara era um gênio e você acompanhar a história
dele desde criancinha, a trajetória dele, e as músicas entravam muito bem, faziam com que as
pessoas se emocionassem, rissem.
Leiriane: Mas esse musical Chaplin foi reproduzido de outro país?
Paulo Goulart Filho: Foi, ele é da Broadway, teve uma versão da Broadway, mas acho que o
compositor não ficou muito satisfeito. Quando veio para o Brasil, foi uma versão
completamente nova, não foi uma reprodução de lá, foi uma concepção daqui, teve os direitos
comprados, mas não aquela versão, aquela montagem. Tanto que ele escreveu cinco músicas
novas pra cá, a encenação foi toda criada aqui, não foi nada copiado de lá, tanto que ele veio
assistir, adorou, e agora a nossa versão, aqui, que ficou oficial para viajar pelo mundo.
272
Leiriane: As pessoas comentam que o Brasil, muitas vezes, tem algumas produções que
superam as da Broadway, tem pessoas que comentam isso?
Paulo Goulart Filho: Ah, depende do gosto, tem a língua também, é que lá fora eles têm um
know-how muito grande, eles sabem como realizar.
Leiriane: Tem também a questão do investimento no ator, desde criança, aquela formação,
que aqui às vezes na cultura falta.
Paulo Goulart Filho: Falta. A gente começa, agora, a chegar num nível bem bacana de
atuação do teatro musical. Como eu estava te falando, há 15/20 anos atrás era completamente
diferente, eram poucos atores que cantavam, dançavam. Mesmo a parte de cenário,
iluminação, hoje em dia a qualidade está bem parecida com a de lá de fora.
Leiriane: O que eu acho engraçado é que no começo você não via muitas pessoas que faziam
sucesso na TV participar de musicais, só que eu estou sentindo que de uns anos pra cá está
vindo. Não sou entendida do assunto, não que um tem mais talento que o outro, mas eu quero
saber se na questão midiática, isso ajuda a vender mais ingressos, ganhar público, essa parte
de marketing?
Paulo Goulart Filho: Com certeza, primeiro o patrocínio. Essa política cultural do nosso País
é bem difícil, para você conseguir patrocínio você vai numa empresa e a empresa vai
patrocinar qual projeto? Projeto que tem ator conhecido, global, que vai chamar mídia, um
projeto grande ou um projeto que não tem ninguém. Começa daí, a conseguir grana, então é
fundamental. E o público também, o público, com certeza, vai no teatro para ver aquele ator e
isso é complicado, porque as vezes tem espetáculos belíssimos, com qualidade incrível.
Primeiro não tem grana para montar, depois não tem público, complicado, mas faz parte do
mercado, é assim, qualquer coisa, a gente está falando de um produto.
Leiriane: Até a questão mesmo, não falando do ator que está na mídia, mas o Chaplin, por
exemplo, ele esteve, é uma figura conhecida, então trazer a história de alguém conhecido é
uma forma de marketing também.
Paulo Goulart Filho: Com certeza, eu tenho um projeto agora que eu devo fazer um musical
nosso brasileiro, sobre o lampião. É um musical que estamos batalhando, ainda nesse
processo de pré-produção, de levantar grana, mas é isso, é um projeto que a gente quer fazer,
ele vai ser todo criado aqui, processe de pesquisa, história, e a gente vai focar nesse mito do
lampião, do cangaceiro, que é o que a gente acha que, realmente, vai chamar as pessoas. Tem
coisas que são fortes por si sói, evidentemente, você tendo um nome forte tudo ajuda, soma,
você ter um elenco de peso não só de nome, mas de qualidade, de talento, aí teu produto fica
lá em cima, mas é difícil juntar tudo isso.
Leiriane: Tem um caso de uma pessoa global que começou a participar de um musical e foi
trocada, porque na estreia não teve um bom desempenho, você acha que a pessoa só consegue
permanecer se ela for desse meio, o artista tem que ter cuidado nessa transição?
Paulo Goulart Filho: O que eu te falei, tem que se preparar, não adianta chegar lá e falar não
eu faço, porque não faz, na hora que tiver que pegar uma coreografia complicada, difícil
tecnicamente, se a pessoa não estiver preparada ela não vai fazer. Na hora que tiver que cantar
uma música difícil, se ela não saber não rola, não dá para enganar, então o ator tem que se
preparar sim, porque se achar que chegar lá só com a carinha bonitinha e nome, sem preparo,
achando que vai dar conta, não rola, é uma exposição e cada ator tem que saber onde amarrar
o seu burro. Um dos grandes segredos do sucesso é a escalação, você escolher os atores certos
para os personagens certos, isso é muito difícil, às vezes a gente se engana também,
principalmente em audição, audição é muito complicado, você não consegue conhecer o
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artista. Eu, particularmente, não gosto, porque eu acho que é um momento onde a gente é
testado, fica vulnerável, muitas vezes a gente não consegue dar o nosso melhor;
evidentemente; que você abre portas para novas pessoas que você não conhece, eu acho
interessante. Eu, enquanto produtor, se eu for montar um espetáculo, eu vou procurar chamar
pessoas que eu conheço, com quem eu já trabalhei, com quem eu tenho uma sintonia, não só
artística, como pessoal, pois a coxia é muito importante além do palco. Então, se você
conhece os atores, as pessoas, fala: “pô, eu quero aquele cara para fazer esse personagem que
eu sei que ele vai fazer bem”, aí você abre teste para outros personagens que você não tem –
alguém que você gostaria.
Leiriane: Eu achei interessante que você comentou do Lampião, porque eu acredito que vai
ser uma nova tendência, porque os musicais da Broadway, a maioria, já foi apresentado aqui.
Agora vem “Legalmente Loira”. O que você acha dessa questão de filme, “Homem Aranha”?
É complicado você pensar “Fantasma da Ópera”, aí vem “Homem Aranha”, “Legalmente
Loira”, traz o filme comercial para os palcos. Tem que tomar um pouquinho de cuidado, até
para não perder na qualidade dos enredos?
Paulo Goulart Filho: É o que eu falei, tem que fazer bem feito, eu acho que tudo é válido,
tudo é possível se fazer, basta saber como fazer, tem o segredo. Acho que quem escreve...
tudo começa no texto e nas músicas, no caso do musical; então o grande segredo está aí, se
você tem um bom autor e um bom compositor, você está com meio caminho andado, e a partir
daí você pode criar o que você quiser; se ele sabe escrever bem, tem boas músicas, a
qualidade começa aí. Agora, você pode ter um tema maravilhoso e um péssimo texto para
contar aquela história, aí não adianta nada. O texto é a base de tudo no teatro.
Leiriane: O que você acha desses musicais biográficos, Elis Regina, Tim Maia, Cássia Eller?
Paulo Goulart Filho: Eu gosto de tudo que é bom, eu não tenho preconceito com nada, sendo
bom está ótimo. Agora, é difícil você querer segmentar, isso é bom, aquilo é ruim, tudo pode
ser bom e tudo pode ser ruim. O que eu vi eu gostei muito, Elis Regina era lindo, todos, o Tim
Maia, Chacrinha – me diverti muito com Chacrinha, o Gonzaga – Gonzagão, Cássia Eller,
todos, e de uma maneira mais nossa, sabe, o nosso teatro começou por aí, nessa coisa
biográfica. Tanto que o Lampião não vai deixar de ser isso também.
Leiriane: Sabe onde eu sinto a diferença, Tim Maia, as músicas dos musicais são de Tim
Maia, Elias Regina, e o Lampião, novas composições....
Paulo Goulart Filho: É uma composição realmente para aquilo, você pensando nesse
formato de teatro musical. Então a gente vai fazer com o Briamonte que é um parceiraço,
grande compositor, Miguel Briamonte, que já fez nossos grandes musicais daqui.
Leiriane: Já tem previsão?
Paulo Goulart Filho: Nós estamos captando ainda. Tudo depende de grana, se a gente
conseguir captar no ano que vem, vamos ver, talvez, final do ano que vem, porque o País está
numa situação tão difícil.
Leiriane: Você acha que essa situação está dificultando?
Paulo Goulart Filho: Bastante, porque sem patrocínio você não faz nada, fica inviável. São
espetáculos caros e só bilheteria não paga. Por exemplo, o Chaplin, foi um sucesso, lotado
todo dia e tivemos que parar porque não dava para pagar tudo, só ali tinha mais de 60 pessoas
envolvidas, contando com elenco, músicos, técnico, produção; é muita gente, teatro, mídia, é
um absurdo, cada anúncio é uma coisa absurda e essa política cultural também ajudou a
inflacionar esse mercado todo, os teatros, hoje, estão caríssimos. Então fica inviável, você
começa a montar peça de um ator, dois atores, três atores, para poder fazer, porque quando
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você entra num esquema deste de musical, elenco de 20 atores, 15 músicos, o que se gasta de
figurino, de cenário, é uma cacetada, é muita grana.
Leiriane: Não cair qualidade, mas você acha que, talvez, o teatro musical vai ter que ter
algumas adaptações, se adequar à realidade, até mesmo financeira?
Paulo Goulart Filho: Tem alguns espetáculos muito bacanas, tem um agora, até do Charles
Möeller e Cláudio Botelho, que são produtores do Rio, eu vi no rio até, que são músicas dos
Beatles, acho que... Céu de Diamantes, muito bonito, era um elenco não muito grande, sem
cenário, e as músicas, também, Chico Buarque, são opções que a gente consegue montar,
produzir, sem tanta grana, e fazer uma coisa de qualidade, a gente tem que dançar conforme a
música, literalmente, mas tem que ir atrás, não pode desistir não.
Leiriane: Queria saber um pouquinho sobre o seu personagem, do Chaplin?
Paulo Goulart Filho: Era muito legal, era o Mack Sennett, foi o cara que viu o Chaplin no
Teatro e chamou ele para o cinema, foi quem trouxe o Chaplin para o cinema, porque o
Chaplin começou no teatro, teatro do Vaudeville, essas coisas que era a Revista da época lá
em Londres, ele fazia os quadros, e tal. E o Mack Sennett era um grande produtor e diretor de
cinema da época, anos 20, e daí viu o Chaplin e falou “pô esse cara é engraçado”, e contratou
ele para fazer dois filmes. Só que o Chaplin nunca tinha feito cinema, e é aquela coisa das
linguagens, a linguagem de teatro é uma, a de cinema é completamente diferente. Quando
chegou na hora, ele ficou completamente perdido, ele não sabia o que fazer, porque no
cinema, naquela época, era tudo improviso, não tinha roteiro, não tinha ensaio, não tinha
nada, o diretor colocava as coisas ali e começava a rodar e o diretor ia falando na hora: “você
levanta, dá um tapa nele”, tudo na hora, porque não tinha som, e os atores iam improvisando e
dali que iam surgindo as gueguês, as coisas todas de improviso e o Chaplin ficou
completamente perdido, não sabia o que fazer. Então o Sennett chamou ele e falou “não está
funcionando não, tem que ser engraçado, se você não for engraçado está despedido”. Aí o
Chaplin quebrou a cabeça e criou o Carlitos, que é um personagem que todo mundo conhece,
que é esse vagabundo, esse meio lunático, e foi devido ao Sennett que ele criou esse
personagem, e aí ele estourou. Então foi o cara que trouxe o Chaplin para o cinema e deu a
primeira oportunidade a ele, depois ele seguiu o caminho dele. Mas era um personagem
engraçado, tinha um lado mais de humor, uma coisa mais leve, tinham cenas mais agitadas. O
espetáculo, ele, tem as ondas, tem que dar uma acalmada; meu personagem é um personagem
que mexia um pouco nesse primeiro ato, dava uma dinâmica, umas cenas bem gostosas,
gostava muito de fazer.
Leiriane: Para você, a principal diferença, a questão da TV, do cinema, a diferença do ator do
teatro para o cinema e TV?
Paulo Goulart Filho: São linguagens diferentes, acho que não existe o ator do teatro, existe
ator, como te falei, precisa se preparar, tem que saber trabalhar em teatro, televisão, cinema,
ele tem que saber que são formas diferentes de atuar. No teatro, quando você está em cena,
você está sendo visto o tempo inteiro, corpo inteiro por todo mundo, então você tem que saber
como estar em cena, como atuar, os gestos, a voz, o trabalho muitas vezes sem microfone,
você tem que saber que o cara da última plateia precisa escutar e sem perder as nuances, então
são técnicas, maneiras diferentes. O teatro, geralmente, ele é um pouco maior, você faz gestos
mais expansivos. Na televisão você tem que, além do jogo com o seu colega, você tem o jogo
com a câmera, e isso eu gosto muito também, é muito interessante você saber como a câmera
está te catando. Então é uma técnica que você aprende também, você contracena com o
colega, mas eu sei o que a câmera está pegando, então se você está num close, praticamente
você não se mexe. Com os microfones você pode sussurrar, falar baixo é uma interpretação
muito mais contida, muito mais interiorizada que no teatro. Não estou falando que na
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televisão também não tem, tem também, às vezes você faz um personagem que é super
expansivo, mas tem momentos onde você tem que trazer tudo aqui para dentro, e olho.
Leiriane: Você tem um lugar preferido para trabalhar?
Paulo Goulart Filho: Não, o que eu mais fiz foi teatro, onde eu mais desenvolvi a minha
história, mas eu gosto muito de televisão também, cinema eu fiz muito pouco, mas eu gosto,
me cativa essa coisa da câmera, o que ela está pegando, como eu consigo transmitir um
elemento a mais, como jogar com essa tecnologia, eu gosto muito de falar com os olhos, o
olho na televisão, no cinema, principalmente, fala muito, às vezes você não precisa falar nada,
com o olhar você já passou tudo, isso me fascina.
Leiriane: Qual você acha que é o futuro do teatro musical no Brasil?
Paulo Goulart Filho: Eu acho que está crescendo cada vez mais, eu vejo esse mercado cada
vez maior e melhor, com pessoas mais preparadas. Eu espero que a gente desenvolva o nosso
musical, a nossa maneira, pegando tudo o que tem de bom.
Leiriane: Você acha que não chegou aonde tem que chegar?
Paulo Goulart Filho: Está no caminho, pegar o que tem de bom dos americanos, de
Londres, aprender com eles, saber que eles têm um know how incrível e absorver isso, a
tropofagia, voltar lá pra trás pegar tudo e misturar, e vomitar do nosso jeito. Porque a gente
tem muita história boa para contar aqui, nós somos um povo altamente rítmico, musical,
dançante. Agora está aí, então usar isso como força, acho que deve continuar os musicais lá de
fora sim, tem que trazer de tudo, quem não tem possibilidade de ir lá fora, porque não trazer
os musicais pra cá? Poxa, agora vão fazer Wicked, que é um musical lá de fora, para o ano que
vem eles vão fazer, e é esse o esquema, tudo certinho, igual de lá; então tem que ter sim, tem
que ter de tudo e fazer o nosso jeitão também.
Leiriane: E a questão do preço do ingresso do teatro, na verdade como você falou é caro, mas
não é um preço popular né?
Paulo Goulart Filho: Eu gostaria que fosse tudo de graça, mas alguém tem que pagar a
conta, você vai lá fora e quanto você paga para assistir um espetáculo lá 200 dólares, 150
dólares e não reclamam lá fora, então porque que vão reclamar aqui? Quanto que o pessoal
gasta para ir numa balada? A molecada, 200/300 reais por noite, fácil. Têm espetáculos que
não têm como ser mais barato, mas tem muita coisa boa barato, se a pessoa quiser e ir atrás,
todo esse circuito Sesc, Sesi, Senac, tem vários espetáculos incríveis, populares, acessíveis;
quem quer vai atrás e acha. Lógico que você quer comprar uma Ferrari, você não vai comprar
barato, você vai pagar pela Ferrari, você quer ver um espetáculo do Circo de Soleil, quanto
você vai pagar? É aquilo que te falei do produto, cada produto tem o seu valor. Sinceramente,
eu não acho caro não, gostaria que tivesse uma política cultural mais acessível para as
pessoas, que desse condição de levar o povão, porque a gente tem que construir esse público
que a gente está perdendo há muito tempo.
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um desconforto, que ocasionou o que a gente vai fazer nesse próximo ano com o Jô que é o
“Cartola”, inclusive ele deve ter comentado com você, quando a gente estava ensaiando o
Enlace no Rio de Janeiro, num dos intervalos do ensaio, o elenco (grande parte do elenco no
Rio de Janeiro era bastante jovem) estava conversando, e um ator falou “Pô! Que legal né,
que o musical chegou no Brasil, porque antes não tinha teatro musical no Brasil, só a
Broadway vim pra cá...”; eu fiquei muito indignado com essa observação de um dos atores
que estava lá na nossa conversa. Eu falei “Não, teatro musical no Brasil existe desde o século
XIX querido.” E ele disse: “É mesmo? Não sabia!” e então eu falei assim: “É verdade!”. Nós
temos uma tradição muito grande de teatro musical no Brasil desde o século XIX com as
revistas do ano do Artur Azevedo; Chiquinha Gonzaga fazia músicas para teatro musical
brasileiro. O teatro musical não só brasileiro com herança do século XIX da zarzuela
espanhola, da folie francesa dessa coisa toda, ela foi muito significativa, muito forte, com
grande apelo de público, nós chamávamos de ‘arte revista’. O Artur de Azevedo começou
com as revistas do ano e depois isso se popularizou mais no final dos anos 40, anos 50 através
do Walter Pinto, e de outro produtor de musicais que era bem importante e que agora não
recordo o nome (bom, enfim, a minha memória é um caos), o que foi bastante significativo. E
nós tivemos o regime ditatorial do Getúlio Vargas. Assim como no Brasil o teatro musical era
muito significativo, assim também era na Espanha e assim também era em Portugal, falando
de países muito próximos da gente; tanto o Franco, como o Salazar e como o Getúlio Vargas,
estrategicamente se divertiam e apoiavam quando eles eram criticados no teatro de revista. O
Getúlio nosso aqui, foi amante de Virgínia Lane e frequentava direto o teatro de revista, e
achava muito engraçado as caricaturas que faziam dele no teatro. Com a queda destas
ditaduras dos três países, o teatro musical foi identificado como regime ditatorial e caíram em
desgraça na Espanha e acabou em Portugal também, praticamente acabou, e em 10 ou 15 anos
retomou o teatro musical de origem portuguesa e aqui também chegou ao fim, e foi então que
começaram a fazer espetáculos que não eram mais o teatro musical brasileiro, e sim pocket
shows que aconteciam em boates. Então parece que o teatro musical não existe no Brasil
porque ele foi rejeitado a partir da identificação dele com regimes ditatoriais; essa
identificação do teatro musical com regimes ditatoriais contaminou a visão do teatro musical,
então, a partir disso, fazer musical era uma atitude reacionária, era uma atitude que,
politicamente, parecia não correta, e isso afastou muitos artistas do teatro musical; isso foi até
os anos 60. Nos anos 60, nós tivemos um grande produtor musical no Brasil (em São Paulo e
no Rio de Janeiro) que era o Oscar Ornstein que produziu grandes musicais como “My Fair
Lady” com Bibi Ferreira e Paulo Autran, “Como Vencer na Vida sem Fazer Força”, “Pipin”,
uma série de musicais foram produzidos nessa época, montagens muito custosas, muito caras,
num período em que a alta burguesia consumia esses espetáculos e a receita de bilheteria
mantinha esses espetáculos em cartaz.
Leiriane: Ou seja, não existia esse apoio, era bilheteria?
Roberto Lage: Não existia esse apoio, era na bilheteria que o teatro acontecia. Com o passar
dos anos, o empobrecimento do país, a dificuldade, a necessidade de baixar custo de ingresso
em função de conseguir plateias maiores, começou a inviabilizar a produção de musicais que
eram muito caros e houve um vácuo nisso. O teatro musical deste porte voltou, e aí a gente
tinha espetáculos musicais pequenos aqui, pequenos do ponto de vista de produção, não de
qualidade e nem de conteúdo.
Leiriane: Cenário e figurino não tão custosos...
Roberto Lage: Número de atores, número de figurinos, todas essas coisas. Mas Marília Pêra,
Ney Latorraca nos anos 70 fizeram pequenos musicais; tinha um musical que a Marília fez
que foi “A Vida Escrachada de Joana Martini e Baby Stompanatto” que é da década de 70 e
que foi muito bem sucedido, mas isso acabou se esvaecendo no tempo em função de um
preconceito e em função de uma dificuldade de produção mesmo, e depois nós entramos num
279
regime militar aqui, onde o teatro se dedicou na sua maior parte a fazer uma oposição a um
governo militar ditatorial que tínhamos; então, fazer um musical que era esvaziado de
conteúdo de discussão de cidadania, de política, de antagonismo ao regime ditatorial, passou a
ser um comportamento reacionário. Morreu de novo, ele estava começando a renascer e
morreu de novo.
Leiriane: Mas você acredita que morreu porque é mais ideológico?
Roberto Lage: Não; artístico não se discute, mas de conteúdo ideológico, entendeu; quer
dizer, esses musicais que eram mais voltados para o entretenimento, acabaram sendo
considerados espetáculos a favor de um regime militar e contra uma discussão política, nesse
sentido. Veio aí uma vertente muito importante para a retomada do teatro musical brasileiro
via Paulo Pontes e Chico Buarque de Hollanda, onde nós tivemos o “Gota D’água” que era
teatro musical de excelente qualidade, e de conteúdo politicamente adequado para uma atitude
contrária ao regime militar, e tivemos casos horrorosos como o caso do “Calabar” do Chico e
do Paulo Pontes que, no ensaio geral, a polícia proibiu e a Fernanda Montenegro, o Maurício
Segall e o Fernando Torres, na época, arcaram com um prejuízo milionário; então começou a
ser perigoso investir dinheiro em teatro musical, que o custo é muito maior de um drama, ou
de uma comédia, ou de uma tragédia com a possibilidade de você ser interditado pelo regime,
pela polícia e você perder todo o dinheiro, como aconteceu com a Fernanda, o Fernando e o
Maurício Segall, que eram sócios naquela produção, isso novamente, abafou.
Leiriane: Até tivemos uma discussão em sala de aula com relação à isso e as pessoas não
entenderam o meu ponto de vista. Eu tento buscar a parte midiática de momentos do teatro
musical brasileiro, até mesmo na época da ditadura militar. E Chico Buarque é como um herói
da ditadura e tudo mais; não estou dizendo que ele não é, mas quando ele escreveu “Roda
Viva”, ele já havia ganhado festivais, ele tinha um programa na Record, se não me engano
com a Nara Leão, ele já era conhecido, tinha vendido 100.000 cópias de seu trabalho; o meu
comentário foi que não é que “Roda Viva” não tenha um texto bom, mas muitos críticos
comentaram que é um texto mediano, não é um exemplar. Naquele momento político as
pessoas precisavam de uma resposta, de uma voz e tudo o mais. Então, muitas vezes, o “Roda
Viva” se tornou um musical muito conhecido por um contexto com vários elementos, eu só
estava me referido que a figura do Chico Buarque... tanto que no cartaz do Roda Viva, está
escrito bem grande “Musical de Chico Buarque”, quase do tamanho do título da peça, e nós
sabemos que, muitas vezes, não é assim com o diretor, com o autor, que o nome fica lá
embaixo, e o que eu quis dizer é que também houve essa questão midiática, dele.
Roberto Lage: A gente pode até conversar sobre isso, mas você chamou o Chico aqui e fez
uma observação que me remeteu a uma falha; por exemplo, o Chico já tinha se consagrado
como compositor para teatro quando ele musicou o “Morte e Vida Severina” e daí pra frente
ele “foi embora”. Eu adoro o Chico, é meu amigo, jogamos bola juntos, de moleque, então
nada contra ele, aliás, eu acho ele além de um grande músico, um grande poeta. No “Roda
Viva”, ele pegou um texto poético de João Cabral de Melo Neto, musicou e isso se
transformou num musical de grande sucesso no Teatro da Universidade Católica; depois disso
os textos musicais que ele escreveu foram em parceria com o Paulo Pontes. Chico, um grande
letrista, uma pessoa inteligentíssima, grande músico, um dos maiores que nós temos no país,
não bom dramaturgo. Você pega as músicas do Roda Viva, elas são maravilhosas, a
dramaturgia é ruim (risos). Porque ele não é um bom dramaturgo, ele é um bom romancista,
um bom letrista e é um bom compositor de músicas, agora, dramaturgo ele não é bom.
Quando essa parceria não aconteceu mais entre ele e o Paulo Pontes a qualidade dramatúrgica
do texto dele caiu, e aí esse é o resultado do Roda Viva: o texto muito bom, boas músicas,
belíssimas letras, mas a estrutura narrativa, ou seja, a dramaturgia que suporta essas
composições de letra música, é muito frágil, não é boa, tanto que se perdeu, alguém fala em
montar Roda Viva?
280
Roberto Lage: Já chamaram várias vezes e não faço, não faço. Porque se eu tiver aqui de
palhaço pra reproduzir alguma coisa feita literalmente... ou chama o diretor de lá ou faz como,
por exemplo, o Fernando Alterio faz aqui no Teatro Renault hoje em dia, traz o repositor de lá
que é um assistente de direção ou um dos assistentes de direção do diretor original e reproduz
o espetáculo aqui; mas isso também é uma mudança que foi benéfica via movimento de
artistas, e de produtores, e de sindicatos, porque antes era obrigado ter um diretor brasileiro
via sindicato, agora não é mais, custa mais caro, paga mais imposto pro sindicato, mas pode
ter um diretor de fora, o que é bom, porque acaba com essa palhaçada toda. Eu vim a dirigir
um musical importado há uns 4 ou 5 anos atrás que foi Zorro; O Zorro; bom, O Zorro é um
personagem da minha infância, da minha adolescência, então eu falei: “Ah! Eu quero fazer O
Zorro, eu quero dirigir!”, meu lado moleque veio à tona (risos), mas quando me convidaram
pra dirigir, eu perguntei: “Como é o contrato de vocês? Tem que reproduzir igual?”, porque O
Zorro não era Broadway, era Times Square, era inglês, um musical inglês; “Não, não, não,
você pode fazer o espetáculo que você quiser. Tem que respeitar o texto e as músicas”; ah!
Isso é fácil! Aí ok, aí eu voltei a fazer.
Leiriane: E no caso da Madrinha Embriagada, por exemplo, que é uma adaptação?
Roberto Lage: Aí a Madrinha Embriagada já é uma adaptação, porque há alguns musicais,
mesmo musicais de Broadway, musicais norte-americanos que eles não têm mais valor de
mercado para revenda, então os americanos vendem com liberdade de recriação quando baixa
o valor de revenda desse musical, ninguém mais quer comprar, aí eu te vendo e você pode
mexer porque já é lixo.
Leiriane: Não sabia disso, até imaginei que fosse “estou conseguindo colocar essa questão do
nacional ali no espetáculo”, mas também é válido nessa questão de você tornar esse
espetáculo um pouquinho mais brasileiro.
Roberto Lage: Claro que é válido! Você pega um texto que não tem mais valor comercial
para eles, porque Broadway é comércio, não tem valor comercial para eles, e eles te vendem
por um valor muito mais baixo e te autorizam a mexer no texto. O texto é legal? Tem
conteúdo? Dá pra mexer? Vamos comprar e vamos adaptar pro Brasil! Eu acho muito
inteligente isso do lado do Falabella (Miguel), acho muito inteligente! Não sou contra, eu
adoro o Falabella, acho ele um ‘puta’ cara no mundo musical, e ele é esperto o suficiente pra
isso, então ele adapta. O Dom Quixote foi a mesma coisa, eu nem gosto muito do espetáculo,
mas tinha sido feito no Brasil na época dos grandes musicais que é o que a gente estava
falando com Paulo Autran e Bibi Ferreira e o Grande Otelo, que eram os três que fizeram na
época, e aí isso sumiu, a Broadway não se interessou mais, não teve mais valor de venda,
comprou pro Sesi e ele readaptou o texto. É que eu não gosto da adaptação que ele fez, enfim,
mas já é uma possibilidade de uma adaptação, porém você só consegue mexer nos musicais
norte-americanos, esse que ele está fazendo agora aí, ou que já fez que é do Gershwin, as
músicas do Gershwin e tal, também é um musical que já tem pouco valor de revenda lá fora,
por exemplo, um dos melhores musicais que eu já vi na vida, não sei se você foi ver, foi o
“Urinal”.
Leiriane: Não fui assistir, mas todos comentam mesmo.
Roberto Lage: É maravilhoso, muito bom. É um texto americano que não foi pra Broadway;
foi um musical que aconteceu em “Off-Broadway” porque o conteúdo dele é extremamente
polêmico e politicamente incorreto, então o Zé Henrique comprou com direito a fazer a
encenação que ele quisesse, é o melhor que está em cartaz, pra mim, agora, o melhor musical,
é o que vai ganhar todos os prêmios porque é muito bom, muito bom!
Leiriane: Sendo a Madrinha Embriagada gratuita para o público, em uma parceria do Sesi
Senai, já foge um pouquinho da Lei Rouanet, correto?
Roberto Lage: Foge totalmente, porque o Sesi não escreve renúncia fiscal, quer dizer, é o
Serviço Social da Indústria que produz esse espetáculo, não é nem quem patrocina; ele
282
produz, é produção do Sesi, não visa lucro. O Sesi tem uma tradição muito, muito antiga que
vem desde o começo dos anos 60, de incluir nas atividades oferecidas aos industriários a
cultura, isso é mérito de um cara chamado Osmar Rodrigues Cruz, um diretor de teatro já
falecido que conseguiu seduzir o Sesi a criar um programa de cultura para os operários,
vamos chamar assim, e isso se consolidou dentro da instituição; então, desde lá, o Sesi tem
um compromisso de oferecer cultura ao operário (eu estou chamando de operário, mas o mais
legal seria o industriário) então, isso é uma política do Sesi. É bacana até a página 10, porque
o Sesi tinha antes uma política de contratar diretor e atores e produzir espetáculos com resgate
cultural brasileiro, musicais (estou falando não só de teatro musical) tivemos então, Chiquinha
Gonzaga, nós tivemos musical de Plínio Marcos, Maria Adelaide Amaral, uma série de
espetáculos nesse sentido. Quando o Sesi começa a produzir ou apoiar a produção (o termo
correto é esse, a produzir), pagar integralmente o custo de um espetáculo pra ser feito lá com
os musicais Broadway? Quando o Scaff começou a se interessar por uma dissensão política.
Então, midiaticamente, ele abriu mão de um teatro de conteúdo mais significativo do ponto de
vista de reflexão do trabalhador sobre uma série de coisas, para abrir espaço maior na mídia
trazendo Falabella, maior mérito a ele como encenador, como ator, como tudo que ele é, mas
o objetivo dele era se consolidar na mídia. Porque agora não tem? Porque ele perdeu a
eleição. O Falabella tinha outro já acertado com ele; quando ele perdeu a eleição, acabou o
musical no Sesi.
Leiriane: Ou seja, essa questão midiática não é a empresa que precisa do nome do famoso; o
produtor precisa do nome do musical com o famoso para abrir o nome dele.
Roberto Lage: É política. Pega o programa do Sesi hoje, são coisas pequenas porque ele
gastou fortunas, gastou orçamentos muito maiores do que o Sesi tinha para aplicação em
teatro, então agora você tem lá no mezanino dois espetáculos, um com dois atores, outro com
quatro atores, uma programação lá embaixo, por exemplo, La Mínima, agora vai lá embaixo
fazer uma temporada de um espetáculo já feito, que eles estão comprando a apresentação, eles
não estão produzindo porque eles não têm grana, porque gastaram a grana toda lá pra tentar
projetar o Scaff na mídia durante as eleições.
Leiriane: E qual o futuro do teatro musical brasileiro? Você vê mais reproduções da
Broadway, mais adaptações, o que você consegue vislumbrar?
Roberto Lage: Eu acho que essa pecha de conservadorismo de reacionarismo em cima do
gênero teatro musical acabou. A vinda... a retomada de teatro musical no Brasil e preparar o
gosto da plateia para desfrutar de um espetáculo musical, que é diferente de outro estilo
musical, a vinda do teatro musical norte-americano para o Brasil foi muito benéfica. Acho
que, agora, passado isso, nós estamos tendo em cartaz um número muito grande de musicais
brasileiros; brasileiros não na sua estética, não na sua forma de construção dramatúrgica, mas
brasileiro na sua temática. Então, agora, nós estamos atravessando a fase das biografias,
vamos chamar assim, dos espetáculos biográficos, então nós tivemos Elis Regina, Tim Maia,
Cazuza, Cássia Eller, vem agora Mamonas Assassinas, Chacrinha, eu vou fazer o ano que
vem Cartola; mas, eu, já quando surgiu a ideia de a gente fazer o musical em cima do
Cartola, eu queria retomar o teatro de revista, eu falei “eu quero fazer um espetáculo de teatro
de revista com o Cartola”, eu e o Jô, duas horas da manhã, tomando cachaça na Ilha da Jiboia
na Barra da Tijuca (risos), foi assim que surgiu o papo dessa ideia, boteco é ótimo pra essas
coisas; mas aí amadurecendo depois, sobriamente, no desenvolvimento da coisa, percebemos
que o repertório do Cartola não era adequado para o teatro de revista; o repertório do
Cartola... ele é mais nostálgico, mais romântico e o teatro de revista tem que ser uma coisa
mais festiva; já teve-se Lamartine Babo, Chiquinha Gonzaga, uma série de outros
compositores, então abrimos mão disso pra fazer um espetáculo, um musical mesmo, sem
estar preso ao gênero do teatro de revista, mas a minha condição foi ‘não quero um espetáculo
biográfico, eu quero um espetáculo que conte uma história com as músicas do Cartola’, então
283
o que a gente tá pretendendo fazer é isso. Não é a história do Cartola, pode até passar por
histórias vividas pelo Cartola, mas não é a história do Cartola que é por onde eu acho que a
gente deve ir; então pegar os valores brasileiros da nossa cultura e construir espetáculos
musicais que não necessariamente sejam biográficos, porque esses espetáculos biográficos
acabam sendo mentirosos com relação ao biografado, você pega o Cazuza o espetáculo, a
Lucinha não deixou colocar metade do que os caras queriam botar porque ia denegrir a
imagem do Cazuza, o drogado o maluco, o cara que dava a bunda na Praça da República. E,
então acho que resgatar nossa cultura, nossos compositores, nosso valores, essa coisa toda, é
significativo; então, acho que é um momento ainda de transição, não de consolidação, é um
momento de transição no mundo do teatro musical no Brasil em que o número de musicais
com conteúdo nacional de cultura brasileira ou de pessoas ligadas à cultura brasileira está em
maior número do que os musicais importados.
Leiriane: E tem muita diferença de valores nessa questão mesmo da produção?
Roberto Lage: De custo. Não nenhum! É tão caro quanto! Bom, aí tem uma coisa que
quando você desligar, depois eu te conto! (risos)
Leiriane: Mas aí também tem a questão midiática né, quando é biográfico a pessoa já tem
uma imagem, como o Lula, por exemplo, você já tem uma imagem do Lula, aí você vai ter
que procurar um ator famoso que se encaixe no papel; é muito mais fácil encontrar uma
pessoa “não famosa”, mas, ao mesmo tempo, você tem a questão da mídia no nome do
biografado, porque ele já teve a sua exposição.
Roberto Lage: Exatamente! Mas eu acho que aí é que se substitui, quer dizer, a necessidade
do ator midiático pela figura a ser bordada no espetáculo, que é muito mais midiática que o
ator sazonal, que está com fama. Quer um exemplo claro disso? Zorro! Que eu dirigi, que eu
estava te contando. O ator que ia fazer O Zorro, por condicionamento do patrocinador, era o
Murilo Rosa, e o Jarbas Homem de Mello era meu assistente de direção; eu gosto muito do
Jarbas, a gente se conhece há muitos anos e como era um espetáculo que tinha flamenco,
porque o Zorro vai lá pra Espanha e tinha as ciganas, as flamencas, e além de bom ator, além
de excelente cantor, o Jarbas é coreógrafo de flamenco; ele é formado nisso, sapateado, o
Jarbas é um homem de mil instrumentos, eu chamei ele pra ser meu assistente de direção
porque eu não dava conta do flamenco, eu precisava de alguém que dominasse isso. Quinze
dias antes da estreia, a Globo tirou o Murilo do espetáculo; quinze dias antes da estreia,
porque ele tinha um contrato com a Globo, contrato de residência na casa, e ele tinha acertado
com a Globo que naquele período até a estreia do espetáculo ele não estava disponível para
novela, e depois ele poderia entrar em novela, desde que ele não gravasse quinta, sexta,
sábado e domingo. Era uma novela que foi gravada no Tocantins, eu não me lembro que
novela era na época, mas era uma novela que começava no meio rural. A Globo mudou os
planos, antecipou a gravação fora de São Paulo no Tocantins, requisitou ele, ele não podia ir
contra a Globo porque era contratado e ele teve que sair do espetáculo.
Leiriane: Nossa que situação! São os riscos de chamar um famoso!
Roberto Lage: Perdemos o Murilo Rosa, que era o protagonista e o grande nome do
espetáculo. Não podíamos suspender, não podíamos parar, a produção ia quebrar, eu falei
“Jarbinhas, você entra!”, porque o Jarbas era bom ator, era meu assistente, já conhecia o
espetáculo inteiro, e aí o Jarbas entrou. Mudou alguma coisa na bilheteria sair o Murilo Rosa
e entrar o Jarbas? Nada! A peça lotou direto, porque o nome era Zorro. Então, quando vem
nesses casos, por exemplo, Cássia Eller; a menina que fez a Cássia... você assistiu Cássia
Eller?
Leiriane: Eu vi no Fantástico uma reportagem que ela chegou tímida, cantava na noite, não
era atriz...
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Roberto Lage: É, não era nada, não era atriz, não era coisa nenhuma, mas ela é a
reencarnação da Cássia Eller; Cássia Eller baixou nela, porque ela é a Cássia Eller, mulher
maravilhosa, maravilhosa! Recife? Três mil pessoas por sessão no espetáculo!
Leiriane: Na verdade, um ator midiático, às vezes, até atrapalha!
Roberto Lage: Exatamente!
Leiriane: Eu assisti a um filme com a Nicole Kidman em que ela faz a Grace Kelly, ela é
ótima atriz e tudo mais, mas eu acho que se tivesse um rosto desconhecido, talvez visse mais a
Grace Kelly, porque se vê a Nicole.
Roberto Lage: Exatamente, e agora está acontecendo isso; o Tiago, quem conhecia o Tiago
Abravanel além de nós no meio?... Eu já dirigi o Tiago também em musical lá no Teatro
Imprensa, ‘A Flauta Mágica’ do Mozart, ele fez comigo, quer dizer, já tinha feito uma série de
coisas, mas ninguém sabia quem era o Thiago. O Tiago fazia ponta lá nas montagens dos
musicais do Fernando Altério no hoje Teatro Renault que era Teatro Abril na época, ele foi
chamado pela competência dele pra fazer o ‘Tim Maia’.
Leiriane: E não é nem tão parecido fisicamente com ele não é?
Roberto Lage: Exatamente, porque era um ‘puta’ ator, mas quem chamava público? Era o
Tim Maia! O público ia para ver o Tim Maia, via o Tiago fazendo aquele belíssimo trabalho,
e o Tiago virou a estrela que é hoje em dia.
Leiriane: Os musicais biográficos, geralmente, são de celebridades da música nacional e,
consequentemente, as canções utilizadas no musical são canções já gravadas, conhecidas do
grande público. Você vislumbra que canções feitas especialmente para um roteiro, ocorrerão?
Roberto Lage: Sim, como é o caso da ‘Loja do Ourives’. Algumas letras são do Elísio, outras
letras são do Thiago Gimenes que foi o compositor das músicas, regente da orquestra e letrista
de várias músicas ali.
Leiriane: E o que você acha dos valores considerados caros dos musicais? Se ainda tem a lei,
que é um dinheiro público para cobrir, e o valor do ingresso às vezes é R$100,00 ou
R$200,00.
Roberto Lage: É uma distorção muito grande já, é um equívoco de produções em geral. Se
você está com a conta paga, cobrar um ingresso com um valor acima do poder aquisitivo
médio da população é ganância. Dá para baixar ingresso; se você está com a conta inteira
paga via patrocínio, o ingresso pode ser a preço popular; essa é uma das distorções da Lei
Rouanet, porque eu acho que ela deveria obrigar o ingresso popular. Não, a Lei Rouanet não
te obriga a fazer um ingresso, no geral, de acessibilidade ao poder aquisitivo médio, nem
estou fazendo baixo poder aquisitivo, estou falando o poder aquisitivo médio, mas ela não te
dá isso, ela te obriga a oferecer um determinado número de ingressos gratuitos para quem não
pode pagar, e eu acho equivocado, porque assim, às vezes, a gente entra com um orçamento
na Lei Rouanet, vamos supor de um milhão, mas você consegue captar seiscentos. Dá para
fazer com seiscentos? Dá para fazer com seiscentos! Porém, eu tenho que completar com a
bilheteria e, então, o ingresso tem que ser mais caro; agora, pedi um milhão, ganhei um
milhão, eu posso fazer de graça se eu quiser! Está paga a conta, o meu salário já tá pago,
atores, mídia, teatro, tá tudo pago, então se eu quiser, posso fazer até de graça. Eu sou contra
teatro de graça porque eu acho... não é uma questão de desprestigiar, mas tem um vínculo aí
de você remunerar aquilo que você está recebendo. Por exemplo, no Banco do Brasil tem fila
de espera, por quê? Porque o ingresso custa R$ 5,00 e você compra pela internet. No mínimo,
todo espetáculo tem 15% que comprou e não vai, ‘Ah, tá chovendo hoje, eu não vou! R$ 5,00
não fazem diferença na minha conta’, por isso que a gente faz lista de espera, porque quando
dá o segundo sinal e tem 15 lugares sobrando, colocamos as pessoas pra dentro e nem
cobramos por isso, porque já está pago! Comprou e não veio e a gente não vende de novo.
285
brasileiro. É que ela não teve a divulgação e o reconhecimento, mas ela, se você for analisar,
tem uma música altamente rebuscada, um roteiro muito bem feito e personagens muito
complexos. O musical é da dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, com músicas de Ed
Mota.
Leiriane: E com relação aos musicais baseados em filmes, como os Saltimbancos
Trapalhões?
Saulo Vasconcelos: Os Saltimbancos foi uma influência pra mim, quem não lembra: “Nós
gatos já nascemos pobres, porém, já nascemos livres...”. Nós sempre tivemos musicais em
momentos pontuais da nossa história. No final do século retrasado e do início do século XX,
com Artur de Azevedo, com o teatro de revista, depois a Chiquinha Gonzaga também foi uma
grande compositora de musicais também, da revista, inclusive; depois nós tivemos momentos
entre os anos 50, 60 e 70 com Bibi Ferreira, fazendo My Fair Lady, teve O Homem de La
Mancha, depois nos anos 70 teve Jesus Cristo Super Star com Ney Latorraca; nos anos 80
nós tivemos Cláudia Raia com Chorus Line e teve também outra Cláudia fazendo Evita, e ela
é reconhecidamente uma das vozes mais bonitas do mundo fazendo essa personagem, fazendo
Eva Peron e, finalmente, nos final dos anos 90 tivemos esse boom dos musicais, que agora
perdura, dura mais de 16 anos, intensos. De 99 até 2000 e pouco, a gente tinha uma média de
um musical por ano, hoje em dia a gente tem cinco, seis, sete musicais em cartaz.
Leiriane: Tudo isso foi mais intenso no eixo Rio – São Paulo...
Saulo Vasconcelos: Fora os polos que a gente não conhece né? Florianópolis, Brasília,
também, e outras cidades que não fazem parte do meiscream, mas tem um polo de musicais
ali acontecendo, pessoas se formando e fazendo teatro musical e esse movimento é muito
mais importante do que a gente imagina; é que a gente não sabe deles, mas formam grandes
profissionais; foi assim que eu me formei. Eu venho de Brasília que tinha uma coisa muito
informal, não tinha musicais na época, mas eu tava preparado para o mercado porque eu tinha
uma boa formação em música. Eu não tenho graduação formal em música, mas fiz aula de
cantos.
Leiriane: O que você acha dos musicais que surgiram na época da Ditadura Militar e
acabaram se tornando uma espécie de “luta velada” contra a opressão por parte dos militares?
Saulo Vasconcelos: Toda forma de protesto contra um sistema tão repressor e massacrante
como era o Governo militar é importante, então, se o teatro musical teve um lugar ao sol e
teve a oportunidade de servir como forma de protesto, que seja bem vinda; protestar é
saudável e deveria ser permitido sempre. Inclusive eu cheguei a ver algumas produções
estudantis que não vingaram, que falava da Ditadura Militar em forma de musical. Conheci
alunos que compuserem música e construíram um enredo com pano de fundo na ditadura, e
foi muito bacana, muito legal. Então assim, toda forma de protesto é válida, o teatro tá aí pra
fazer a gente pensar, né? É, o teatro musical tá aí pra fazer a gente pensar... A gente pensa
muito naqueles musicais famosos, comerciais, mas tem muita coisa por aí com grande valor
artístico. Eu acho que foi muito importante essa participação do teatro musical, até mesmo
para ele se firmar como uma proposta séria, né? Porque, originalmente, era a Revista, e era
muito sátira, fazia uma graça, tinha mulheres bonitas dançando e cantando, muito no humor,
com um pouquinho de irreverência na sociedade. A Revista já era assim, e aí, finalmente o
teatro musical evoluiu pra fazer essa crítica ao sistema da Ditadura Militar. Isso prova que o
teatro e o teatro musical evoluem de mãos dadas com a situação histórica de nosso país ou do
país de onde venha.
Leiriane: E quando acabar os musicais americanos para serem adaptados?
Saulo Vasconcelos: Eu acho que a gente fala de sucessos que já duram trinta anos. E depois
veio O Rei Leão, pra mim é tão recente O Rei Leão, mas se você for ver, ele já está muito
tempo em cartaz, também. E eu acho que está há mais de 10 anos em cartaz. E tem Wicked,
Mary Poppins que ainda não veio e quando vierem ficarão um bom tempo em cartaz. E já vão
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surgir novos clássicos. É uma situação que vai tendo uma renovação. Agora a gente tem uma
tendência perigosa lá fora, que está se criando um musical muito superficial, com uma história
muito mais pobre, como a história do Homem Aranha, Legalmente Loira. Estão pegando
esses filmes que foram sucesso comercial e tentando transformar em musical. O título mesmo
se vende. Homem Aranha, nossa, eu quero ver O Homem Aranha, eu quero ver ele voando
porque eu vi o filme e adorei. Mas eles não têm essa identidade para o teatro musical. Imagina
O Homem Aranha cantando, sendo pendurado na teia dele? Esquisito. Eu acho que a gente
passa por um momento de mediocrizarão do musical do ponto de vista internacional. Então, a
gente tem que tomar muito cuidado em trazer essas coisas pra cá e depor contra o gênero,
trazendo peças tão superficiais e vazias.
Leiriane: Como você percebe a dinâmica das adaptações envolvendo o teatro musical? Têm
filmes que inspiraram musicais e musicais que inspiraram musicais. Tem, por exemplo, o
musical Chicago que acabou virando filme.
Saulo Vasconcelos: E inclusive ganhou o Oscar por melhor filme e melhor diretor.
Leiriane – E tem o oposto, também, como O Rei Leão que era filme e depois foi adaptado
para o musical. Assim como você comentou que o título mesmo se vende. Devemos ter
cuidado com essa tendência de adaptações de filmes? Você acredita que essa dinâmica é
recente?
Saulo Vasconcelos: Não é recente não. Tem Legalmente Loira, O homem Aranha, A Família
Addams... A Família Adams é até um bom espetáculo, mas as pessoas lembram do seriado e
do filme. Mudança de Hábito, eu achei divertidíssimo, mas é puro entretenimento. Tem o
Mamma Mia!, já existia antes, mas o Mamma Mia! tem uma história com mais conflitos, é
quase uma Sessão da Tarde de Luxo. Não estou criticando o espetáculo que eu já fiz, mas a
gente tem que dar uma paradinha e olhar a qualidade artística desses musicais. Não adianta
pegar um monte de música do ABBA e colocar uma historinha ali, de uma mãe com a filha
que não sabe quem é o pai e tudo se resolve no final. Tá, mas cadê a densidade dos
personagens? Até mesmo o diretor do Mamma Mia! falou: “Eu não quero nada superficial, eu
quero personagens que tenham uma relação forte entre eles pra salvar a história, pra não ficar
tudo muito nesse clima de Sessão da Tarde, de comédia romântica. Eu quero personagens
reais, que passam por sofrimentos e conflitos reais”. E isso foi muito legal, o trabalho do
diretor para não deixar o Mamma Mia! em um plano bobo.
Leiriane: Você acredita que um diretor pode fazer que com uma produção fraca, através de
um olhar atento, possa se transformar em um bom musical?
Saulo Vasconcelos: O diretor não faz milagre, mas ele pode fazer uma peça ser muito mais
interessante, como também o oposto, pode destruir. Um negócio que está muito bem feito, ele
vai lá e bota uma visão dele, que não é adequada e prejudica o espetáculo.
Leiriane: Têm muitas artistas que são conhecidos por seus papéis na TV e vão para o teatro
musical. Você acredita que isso está ocorrendo mais nos últimos anos? Lógico que tem as
exceções, como a Cláudia Raia que sempre transitou entre musicais e a televisão, mas têm
aqueles artistas que são da televisão e que se aventuram em participar de musicais. O que
você acha desse intercâmbio?
Saulo Vasconcelos: Olha, vou te dar alguns exemplos, Totia Meireles, Marisa Orth, Daniel
Boa Ventura e a própria Cláudia Raia que são pessoas que já têm uma trajetória muito legal
no teatro musical ou se não, em teatro musical eu não sabia, mas a Marisa Orth cantava a vida
inteira e agora está fazendo shows no Teatro Porto Seguro. Há pessoas que podem falar
assim: “A Marisa Orth é global, o que ela está fazendo no palco de um teatro musical?”. Olha,
ela canta e é atriz, então tem todos os requisitos e o direito de estar ali. Lógico que existe todo
um apelo comercial com nomes como Marisa Orth, Daniel Boaventura, a Totia e etc., que
chamam um certo público. Miguel Falabella, ele faz musical a vida inteira, ele é um grande
diretor e, às vezes, as pessoas podem ter um olhar preconceituoso de que ele é global e o que
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ele não está fazendo ali. Tudo isso é bobagem. Eu acho que o próprio mercado se encarrega
de nunca mais querer essas pessoas que não tem talento e querem fazer teatro musical quando
não deveriam, o próprio mercado se encarrega de eliminar essas pessoas e impedir que elas
voltem ao palco, fazendo uma coisa que não é da alçada delas. Então é assim, com relação a
isso, é quase espontâneo, natural, se a pessoa não faz parte dali, não adianta. Ela pode ter um
grande nome, mas não faz parte desse meio e não vai fazer parte nunca. Se a pessoa for boa,
pode ser global, não tem problema nenhum, e até bom, vende os ingressos e é uma boa. Então
está perfeito.
Leiriane: O que você acha do caminho inverso? O artista de musical que com a visibilidade
que as novas produções estão recebendo acabam sendo convidados para a TV. O Tiago
Abravanel é um exemplo disso, que se destacou no teatro e foi para a TV.
Saulo Vasconcelos: A gente tem o caso do Tiago Abravanel, da Simone Gutierres, que foi a
protagonista do Hairspray e foi absorvida pela Globo, tinha um espaço para um perfil como o
dela para ela fazer parte do elenco de novelas e de repente a carreira dela deslanchou. Tem a
Alessandra Maestrini, também aconteceu isso com ela; e têm vários projetos e coisas legais
acontecendo para essas pessoas que vieram do teatro musical. Mas, às vezes também não
acontece isso.
Leiriane: Você acredita que a crise econômica que o Brasil atravessa pode comprometer as
produções de musicais?
Saulo Vasconcelos: A crise... quando a gente tem uma crise econômica, a primeira coisa que
se corta é a cultura e o entretenimento. Se eu vou para o cinema, você gasta mais de 100 para
quatro pessoa. Aí você pensa: “Vou ficar em casa, alugar um DVD. As coisas vão sendo
afetadas... Eu vejo um futuro de certo problema, de certa dificuldade. Mas, como tudo na
vida, isso e efêmero, isso vai passar. E vai ter uma nova tendência, um novo rumo depois de
passar essa crise. Mas, por enquanto, o horizonte é um pouco cinza.
Leiriane: Tenho percebido que alguns musicais com temáticas brasileiras possuem cenários e
figurinos mais modestos. Você acha que esse estilo é uma tendência, com base na crise
econômica?
Saulo Vasconcelos: É uma possibilidade. Como você cria aqui, você cria em real, então é
mais modesto. Você consegue fazer uma produção com certa dignidade, mas gastando menos
do que trazer um espetáculo desses (estrangeiros) com o dólar tão caro como está. Com muita
inteligência e criatividade é possível fazer coisas legais. O musical sobre Tim Maia, com
Thiago Abravanel, tinha uma cenografia muito simples, o figurino não tinha nada demais, a
iluminação nada demais, a orquestra você via em cena, inclusive, mas funcionou, foi o
sucesso que foi porque a história foi muito bem construída. As músicas do Tim Maia foram
muito bem encaixadas; e fora que tem um apelo comercial, porque ele era um grande
personagem da música brasileira e era a oportunidade de ver a história daquele cara, que era
tão irreverente e que teve um final trágico. Então a gente quer ver a história de um cara
irreverente que teve um final trágico, que se mete com drogas, tem problemas com bebida e
com o peso e, finalmente, morre de forma precoce. A gente quer ver essa tragédia, é quase
uma tragicomédia; eu vi dessa forma. E é muito fácil de levantar isso porque é a música
brasileira, é procurar os detentores dos direito autorais das canções dele, acertar lá e fazer um
enredo bacana e divertido... Não é fácil, mas é viável economicamente. Então, essa crise, com
a alta do dólar, talvez seja o momento exato da gente ter produções mais nacionais.
Leiriane: O musical sobre o Tim Maia traz músicas do Tim Maia, o mesmo acontece com os
musicais de Elis Regina, Cazuza... Você acha que há espaço para musicais com canções
próprias?
Saulo Vasconcelos: A gente tem alguns exemplos de musicais mais modestos que não
tiveram uma grande projeção, nós tivemos o Comunità, que foi um musical brasileiro falando
da comunidade italiana no Brasil, muito legal. Tem o Constellation, que fala sobre a história
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da Varig, que eu suponho com músicas originais. A gente teve exemplos de coisas bem legais,
que talvez poderiam ter tido mais sucesso.
Leiriane: Você fez parte de um projeto do Sesi relacionado a um curso profissionalizante de
teatro musical. Como foi a experiência?
Saulo Vasconcelos: Acabamos o contrato agora com O Homem Dela Mancha. Foram dois
espetáculos: A Madrinha (Embriagada) e O Homem de La Mancha, e o curso inédito de teatro
musical reconhecido pelo Mec. Eu fiz parte dos dois projetos, sou coordenador do
departamento de canto desse curso de teatro musical. E é legal também, pois é um curso
gratuito para quem não tem condições de pagar; se ela comprovar que ela não tem renda, ela
pode fazer o curso de três anos, que são cinco dias por semana, cinco horas por dia; é um
curso formal e inédito.
Leiriane: E a Lei Rouanet?
Saulo Vasconcelos: Seu projeto foi aprovado na Lei Rouanet. Isso não quer dizer que você vá
conseguir uma captação. As empresas têm que estar disposta: “Ah, esse dinheiro ia ter que ser
gasto em impostos mesmo”; mas não sei por que muitas empresas preferem pagar aquele
dinheiro em forma de imposto do que dar em um projeto que pode não dar em nada. Eu não
posso fazer nada... só posso chegar lá e apresentar o melhor projeto que eu tenho e esperar
que as pessoas se interessem por ele.
Leiriane: E a relação entre atores famosos na televisão com os demais artistas do elenco?
Saulo Vasconcelos: Tem o lado positivo e o lado negativo. Eu, por exemplo, já passei uma
situação onde, originalmente com A Noviça Rebelde, eu perdi a possibilidade de começar a
fazer o papel porque foi o Herson Capri que fez, ele era global e mais interessante para o
espetáculo, apesar de eu ter mais condições técnicas de fazer o papel que ele. Ele é um bom
ator, mas não cantava nada, mas ele foi chamado mesmo assim porque ele tinha um apelo
midiático. Isso tem uma conotação negativa, mas positiva pra produção. Depende do ponto de
vista. Do ponto de vista do ator negativa, mas positiva para a produção. Da mesma forma
aconteceu comigo quando veio O Fantasma da Ópera daqui, ninguém questionou quem ia ser
eu. Claro, eu já tinha feito no México, quem melhor do que eu iria fazer o espetáculo? Então
porque fizeram a audição para o Fantasma se já estava escolhido o Fantasma? Mas eles
abriram as audições mesmo assim porque eles tinham que ter um substituto caso eu ficasse
doente. Então essa pessoa se sente lesada. Mas isso é benéfico pra mim que já fui vítima. Uma
coisa assim... É sempre muito interessante ter a mídia do nosso lado porque, sem divulgação,
o espetáculo não acontece, tem que ter divulgação, você tem que pegar uma parte do
orçamento, uma parte massiva, e dedicar à divulgação, pegar um bom naco de dinheiro e
direcionar para a divulgação daquele espetáculo, se não, você não vai conseguir fazer com
que as pessoas queiram sair de casa na hora do trânsito pra ver teatro. Por isso tem que ter
muito apelo de mídia pra falar: “nossa preciso ver isso aí porque é muito legal”.
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