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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

LEIRIANE TEIXEIRA CORRÊA

DESENVOLVIMENTO DO TEATRO MUSICAL BRASILEIRO


À LUZ DA NOTORIEDADE MIDIÁTICA DAS ADAPTAÇÕES E DOS
ARTISTAS

São Bernardo do Campo, 2016


LEIRIANE TEIXEIRA CORRÊA

DESENVOLVIMENTO DO TEATRO MUSICAL BRASILEIRO


À LUZ DA NOTORIEDADE MIDIÁTICA DAS ADAPTAÇÕES E DOS ARTISTAS

Dissertação apresentada em cumprimento às


exigências do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Universidade Metodista de
São Paulo – UMESP, para obtenção do grau de
Mestre.

Orientador: Profº. Dr. José Salvador Faro

São Bernardo do Campo, 2016.


FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação de mestrado sob o título "DESENVOLVIMENTO DO TEATRO MUSICAL


BRASILEIRO À LUZ DA NOTORIEDADE MIDIÁTICA DAS ADAPTAÇÕES E
ARTISTAS", elaborada por LEIRIANE TEIXEIRA CORRÊA foi apresentada e aprovada em
04 de abril de 2016, perante banca examinadora composta pelos PROFESSORES DR. JOSÉ
SALVADOR FARO, DR. KLEBER CARRILHO E DR. EDUARDO RAZUK.

__________________________________________
Professor Doutor José Salvador Faro
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________
Professora Doutora Marli dos Santos
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social


Linha de Pesquisa: Comunicação Midiática das Interações Sociais
4

Aos meus pais, que fizeram tudo o que foi possível para
que eu me tornasse o que sou hoje: uma pessoa feliz.
5
“A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu,
mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre
aquilo que todo mundo vê.”

(Arthur Schopenhauer)
AGRADECIMENTOS

Considero que o desenvolvimento desta dissertação de mestrado foi uma fase de


extremo aprendizado, não somente pelas questões de conhecimento adquirido ao longo das
disciplinas, com os textos lidos e a pesquisa em si, mas sim no que tange o autoconhecimento.

Com os compromissos travados com este trabalho percebi minha maneira de lidar com
diversas situações, conheci meus limites, fraquezas, dificuldades, manias e defeitos. Mas
durante o percurso para lidar com tudo isso, percebi que em meio a tanta coisa não linear em
mim, havia uma sobrevivente.

Nada heroico a ponto de ser noticiado, nada tão extremo a ponto de valer mais do que
essas poucas linhas, mas grande o suficiente para me mudar, para me fazer perceber que
mesmo fora de certos padrões, não deixo de produzir, de criar. E percebo que, em meio ao
caos, muitas coisas fluem, por vezes transbordam.

A Deus que me ama desde o início de minha existência até a eternidade, que foi força,
alento e constância, sempre, e que sonhou esse momento para mim.

Ao mestre que tem minha admiração, José Salvador Faro, por tentar, de maneira
ímpar, trazer foco ao meu olhar distraído, por suas ideias e entusiasmo. Este trabalho só é uma
realidade por ele ter se interessado por minhas divagações e acreditou que eu buscaria
respostas.

Ao Professor Laan Mendes de Barros que me ajudou a criar a base para esta pesquisa e
que muito me apoiou no tempo em que foi meu orientador. A ele devo minha aceitação no
programa de pós-graduação da Metodista.

À minha mãe Lourdes e ao meu pai Vagner, por terem me criado da melhor maneira
possível, pautados no que sabiam e haviam recebido. Por terem tirado de si para me dar, por
acreditarem em mim quando nem mesmo eu podia ter esta proeza.

Ao meu noivo que teve paciência comigo, mesmo ao me ver escrevendo faltando
poucos dias para o nosso casamento, e eu não havia ainda escolhido o topo do bolo, as
músicas da cerimônia e nem comprado muitos dos móveis que comporiam o nosso lar.
À minha eterna companheira de vida, minha irmã, que mesmo sem estar a par de meus
assuntos, do tema deste trabalho e sobre o que eu realmente fazia, me ajudou enquanto
tomávamos um café por aí, com conversas sobre a vida, sobre a morte. Nestas ocasiões ela foi
a ponta que me puxava para o lazer, para a sanidade. Uma rajada de ar fresco quando tudo
ficava quente demais.

À Solange que sempre lia meus textos e me corrigia. Tão prestativa! À Cínthia e ao
Nilton, que também me incentivavam a prosseguir.

Aos amigos, que sorriram quando eu falei que escrevia sobre musicais; agradeço
também àqueles que não entenderam meu tema; às vezes nem eu mesma entendia.

Às queridas ex-vedetes Íris Bruzzi, Berta Loran e Brigite Blair, que me encantaram
com suas histórias vibrantes e cheias de muita arte.

Ao Rio de Janeiro, que deixou minha missão de entrevistar as ex-vedetes mais


prazerosa; sempre exuberante.

À dona Francisca, que nos hospedou em sua casa que ficava em frente à praia de
Copacabana; virou uma amiga.

Aos profissionais dos musicais modernos e não tão modernos assim: Roberto Lage,
Saulo Vasconcelos, Jô Santana e Paulo Goulart Filho. Obrigada por cada partilha e por
dividirem um pouco de suas trajetórias tão peculiares.

Aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social


que foram companheiros, uns à frente a ministrar conhecimento e outros sentados ao meu
lado, juntos, aprendendo. Em especial às professoras Cicilia Peruzzo e Magali Cunha.

Aos funcionários da Universidade Metodista de São Paulo pela atenção e


profissionalismo, destacando-se Kátia Bizan França, Vanete Viegas e Andrea Catto.

À Capes, pela valiosa bolsa de pesquisa e pela oportunidade de estudar um tema tão
valoroso.

A todos os profissionais envolvidos nos espetáculos musicais aos quais fui assistir,
principalmente as produções Nine, Um Musical Felliniano, Gato Malhado e a Andorinha
Sinhá, Crazy for you, Billy Elliot, o Musical, A Madrinha Embriagada, O Homem de La
9

Mancha, A Família Addams – musical e Mudança de Hábito. Vocês me proporcionaram


momentos incríveis e bases para meu estudo.

Aos grupos amadores e aos ministérios de teatro e música, aos quais eu participei ao
longo da vida e me deram a possibilidade de extravasar o meu lado artístico. Aos amigos
“arteiros” que me fizeram companhia nesse extravasar.

A todos que não tiveram seus nomes citados, se os mencionasse a lista seria enorme,
mas que, de maneira direta ou indiretamente, me ajudaram a desenvolver a minha dissertação.

Meu sincero muito obrigada!


RESUMO

O trabalho tem a proposta de analisar os desdobramentos do teatro musical brasileiro


desde a primeira encenação em território nacional de adaptações de espetáculos do Teatro de
Revista, gênero originário da França, até as superproduções musicais realizadas nos últimos
16 anos de adaptações de espetáculos americanos. O panorama histórico e analítico será
estudado, com ênfase no teatro musical que se utiliza de elementos midiatizados para estar
inserido em uma sociedade em que a produção cultural é vista como internacionalizada e
mercantilizada. Como forma de marketing, os produtores utilizam-se da notoriedade midiática
presente em formatos estrangeiros já consagrados, adaptações renomadas e bem aceitas pelo
público, além da fama de celebridades que são escaladas para os musicais. Tudo para a
conquista de um patrocinador que, por sua vez, acaba fazendo exigências que interferem de
maneira decisiva na montagem dos espetáculos. Em meio a um processo onde são tantos os
direcionamentos pré-estabelecidos por patrocinadores, onde se encontra o genuíno teatro
musical brasileiro? A pesquisa abrange o ineditismo da presença de temáticas nacionais em
formatos estrangeiros e agrega o conjunto de fatores que possibilitam que um roteiro de
musical saia do papel e adentre os palcos, tais como as políticas públicas de incentivos fiscais;
a ligação de empresas patrocinadoras e suas marcas a musicais; o fato de que, mesmo as
produções sendo pagas por dinheiro público, possuírem ingressos que não são a preços
populares. Para auxiliar nas conjecturas a serem formadas, será utilizada uma metodologia
histórico-descritiva com foco na relação do tema com elementos notórios na mídia, como os
artistas e obras a serem adaptadas no palco.

Palavras Chaves: Teatro. Espetáculo. Musicais. Adaptação. Midiático.


ABSTRACT

This paper intends to analyze Brazilian musical theater’s development from the first
national staging of vaudeville’s – a French genre – adaptations to musical blockbusters of
American spectacles produced in the last sixteen years. Both historical and analytical
overviews will be studied with emphasis on musical theater as media phenomena that make
use of elements to be inserted within a society which perceives cultural productions as
internationalized and Commodified. Producers utilize media notoriety of renowned,
consecrated and well accepted international formats as well as the reputation of the actors
designated to the musicals as a marketing strategy in order to attract sponsors. On the other
hand, those sponsors end up making demands that interfere decisively on the spectacles’
assemblage. So where can the true Brazilian musical theater be found amidst a procedure full
of demands and sponsors’ pre-established guidelines? The research embraces the originality
of Brazilian themes being adapted to international formats and aggregates the sum of factors
that enables a musical’s screenplay to actually get to the stages – such as tax incentive public
policies, the musicals’ bondage with sponsor companies and their brands, and productions
presenting non-popular box-office prices even though being funded with public money.
Historical-descriptive methodologies focused on relations between the theme and notorious
media elements – such as artists and titles to be adapted on stage – will be used in order to
assist the formation of conjectures.

Key Words: Theatre. Show. Musical. Adaptation. Media.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Distribuição da Cultura Por Região e Principais Áreas de Cultura Por Região
(2013) ..................................................................................................................................... 166

Figura 2: Consumo de Áreas de Cultura ............................................................................... 167


LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Da esquerda para a direita, Oscarito, Walter Pinto, Alexandre Aamoreim, Freire
Jr. e Sílvia Fernanda com o Presidente Getúlio Vargas ........................................................... 53

Imagem 2: Foto da Vedete Mara Rúbia: sucesso, simpatia e beleza. ..................................... 60

Imagem 3: Foto de Virgínia Lane pela Câmera de Halfeld. .................................................... 61

Imagem 4: Luz Del Fuego com uma Cobra e Imagem 5: Elvira Pagã e sua nudez................62

Imagem 6: Íris Bruzzi na Peça O Diabo Que A Carregue Lá Pra Casa, em 1962. ................ 64

Imagem 7: Walter Pinto (terceiro, da esq. à dir.) recepciona, no aeroporto, artistas para a
revista É Xique-Xique no Pixoxó, 1960. ................................................................................... 66

Imagem 8: Dercy Gonçalves no filme A Grande Vedete, produzido em 1957. ...................... 68

Imagem 9: Foto de Berta Loran nos tempos de vedete. .......................................................... 70

Imagem 10: Foto de Oscarito e Grande Otelo - Cena do Filme Carnaval no Fogo, de Watson
Macedo, 1959. .......................................................................................................................... 72

Imagem 11: Foto de Brigitte Blair quando vedete................................................................... 74

Imagem 12: Foto de greve realizada pelas atrizes Íris Bruzzi, Eva Wilma, Odete Lara, Norma
Benguel e Ruth Escobar, 1968. ................................................................................................ 76

Imagem 13: Foto de uma das cenas de Roda Viva, de Chico Buarque de Hollanda ............... 79

Imagem 14: Foto de cena do espetáculo Dr. Getúlio e Sua Glória, 1968. .............................. 83

Imagem 15: Cena de Oklahoma!, momento em que a música de Farmer and the Cowman é
apresentada. .............................................................................................................................. 94

Imagem 16: Cena final de Oklahoma! - A Partida dos Recém-Casados Curly e Laurey. ....... 94

Imagem 17: A dupla Rodgers e Hammerstein. ........................................................................ 97

Imagem 18: Foto de Charles Möeller e Cláudio Botelho. ..................................................... 105

Imagem 19: Cena de Ópera do Malandro, 1978. Em cena, da esq. para a dir., Ary Fontoura
(Duran), Elba Ramalho (Lúcia) e Otávio Augusto (Max Overseas). ..................................... 108
14

Imagem 20: Cena de Ópera do Malando, montagem de 2003, com direção de Charles Möller
e Cláudio Botelho. .................................................................................................................. 109

Imagem 21: Cena de Ópera do Malando, montagem de 2014 com direção de João Falcão. 109

Imagem 22: Cena de Rock in Rio - O Musical, 2012. ........................................................... 112

Imagem 23: Cena de Elis - A Musical, com a atriz Laila Garin.. .......................................... 114

Imagem 24: Elenco da peça Dia de Luta, Dias de Glória. .................................................... 116

Imagem 25: Cláudia Raia e Marcelo Médici em cena de Sweet Charity. ............................. 120

Imagem 26: Musical Sassaricando - E o Rio Inventou a Marchinha.................................... 121

Imagem 27: Cartaz de divulgação do musical Mudança de Hábito. ..................................... 156

Imagem 28: O ator Murilo Rosa divulgando Zorro, O Musical ............................................ 158

Imagem 29: Cena em que Truman (Jim Carrey) se mostra desconfiado dos acontecimentos de
sua vida, que é transmitida ao vivo para todo o mundo. ........................................................ 187

Imagem 30: O Programa de Eu Quero é me Badalar para apresentações em São Paulo.... 1966

Imagem 31: Cartaz do espetáculo Eu Quero Sassaricá, produzido por Walter Pinto ........... 196

Imagem 32: Cartaz do musical Roda Viva. ........................................................................... 201

Imagem 33: Elenco principal de O Fantasma da Ópera (2005) ........................................... 219

Imagem 34: Elenco de Nine - Um Musical Felliniano - Elenco Principal Composto por 8
artistas, dos quais 6 possuíam experiência na televisão. ........................................................ 219
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 177


CAPÍTULO I - TEATRO MUSICAL BRASILEIRO: ORIGEM E DESENVOLVIMENTO .. 277
1.1. História Mundial do Teatro ............................................................................................... 27
1.1.1. A França entra em cena .................................................................................................. 30
1.1.2. Origem do teatro musical americano ............................................................................ 322
1.1.3. A Broadway e suas casas de shows .............................................................................. 355
1.1.4. A comédia musical ......................................................................................................... 38
1.1.5. Broadway, uma tendência mundial ................................................................................ 39
1.2.Trajetória do Teatro Brasileiro ......................................................................................... 411
1.2.1. Um Brasil revisteiro ....................................................................................................... 45
1.2.2. A revista sofre duras críticas, mas cresce em público .................................................... 48
1.2.3. A renovação da revista ................................................................................................... 49
1.2.4. Censura na era Vargas .................................................................................................... 52
1.2.5. São Paulo se rende aos musicais..................................................................................... 55
1.3. As Notórias Vedetes .......................................................................................................... 57
1.3.1. A primeira-dama do Teatro Recreio ............................................................................... 63
1.3.2. A vedete cômica ............................................................................................................. 67
1.3.3. A última grande vedete ................................................................................................... 73
1.4.Ditadura Militar Tenta Calar o Musical ............................................................................. 76
1.4.1. Teatro cada vez mais nacional ........................................................................................ 80
1.4.2. Movimentos teatrais ....................................................................................................... 84
CAPÍTULO II - MUSICAIS DA BROADWAY NO BRASIL........................................................ 89
2.1. Broadway X eixo Rio - São Paulo ..................................................................................... 89
2.1.1. Oklahoma! entra para a história do teatro....................................................................... 93
2.1.2. Fidelizando público de musicais..................................................................................... 98
2.1.3. West End e The Phantom of the Opera ........................................................................ 100
2.1.4. Bastidores de um musical ............................................................................................. 102
2.2. A Broadway É Aqui? ....................................................................................................... 104
2.2.1. Ópera do Malandro ....................................................................................................... 107
2.2.2 A temática brasileira ...................................................................................................... 111
2.2.3. Parcerias fomentam o Teatro Musical no Brasil .......................................................... 118
CAPÍTULO III - A MIDIATIZAÇãO ENVOLTA ÀS ADAPTAÇõES MUSICAIS ................. 123
3.1. Reprodução, Tradução e Adaptação ................................................................................ 123
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3.1.1. A tradução no Brasil ..................................................................................................... 130


3.1.2. Produtos culturais importados ...................................................................................... 133
3.1.3. A indústria cultural e a aura da obra de arte ................................................................. 135
3.1.4. A sociedade do espetáculo ............................................................................................ 137
3.1.5. Hibridismo cultural na globalização ............................................................................. 140
3.1.6. O desenvolvimento da cultura brasileira ...................................................................... 143
3.2. Entre Palco e Tela ............................................................................................................ 145
3.2.1. Sistemas semióticos no teatro e cinema ....................................................................... 148
3.2.2. O nascimento do cinema............................................................................................... 148
3.2.3. A morte do teatro .......................................................................................................... 150
3.2.4. Processo midiático de um musical baseado em filme ................................................. 154
CAPÍTULO IV – TEATRO COMO MERCADORIA .................................................................. 160
4.1. Musicais Movimentam a Economia ................................................................................ 160
4.1.1. A Lei Rouanet ............................................................................................................... 165
4.1.2. Marketing cultural no teatro musical ............................................................................ 173
4.1.3. A mídia no contexto de patrocínio de musicais ............................................................ 175
CAPITULO V - A NOTORIEDADE MIDIÁTICA DO ATOR DE MUSICAL ......................... 181
5.1. O Ator Midiatizado.......................................................................................................... 181
5.1.1. Culto às celebridades .................................................................................................... 183
5.1.2. Familiaridade com o artista famoso ............................................................................. 194
5.1.3. Musicais com estrelas ................................................................................................... 204
5.1.4. Competências do ator de musical ................................................................................. 207
5.1.5. O ator como marca ....................................................................................................... 214
5.1.6. Entre os musicais e as novelas ...................................................................................... 220
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 223
APÊNDICES ...................................................................................................................................... 231
APÊNDICE A - ENTREVISTA REALIZADA COM BERTA LORAN ..................................... 232
APÊNDICE B - ENTREVISTA REALIZADA COM BRIGITTE BLAIR ................................. 240
APÊNDICE C - ENTREVISTA REALIZADA COM ÍRIS BRUZZI .......................................... 250
APÊNDICE D - ENTREVISTA REALIZADA COM JÔ SANTANA ......................................... 260
APÊNDICE E - ENTREVISTA COM PAULO GOULART FILHO .......................................... 268
APÊNDICE F - ENTREVISTA COM ROBERTO LAGE ........................................................... 276
APÊNDICE G - ENTREVISTA COM SAULO VASCONCELOS .............................................. 285
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 290
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INTRODUÇÃO

Estamos fadados a classificar elementos que fazem parte de uma cultura,


enquadrando-os em listas, denominações pré-estabelecidas ou até mesmo medindo
importâncias históricas, como se isso fosse possível pontuar em escalas. Nada pode ficar ao
léu, boiando vivo, pulsante através do tempo e espaço, sem, contudo, ser antes categorizado,
seja como um gênero, um estilo, um formato. Eis que o Teatro Musical foi pego por essa
tendência, assim como quase tudo o que conhecemos.

Há cerca de duas décadas, no Brasil, se falássemos sobre Teatro Musical, grande parte
das pessoas faria relação aos musicais americanos característicos de teatros da Broadway ou
até mesmo associariam a alguns filmes musicais famosos, tão amplamente divulgados pela
indústria cultural norte americana ao redor do mundo. Poderia ocorrer também a lembrança de
espetáculos do Teatro Musical na época da Ditadura, que traziam mensagem de esperança e
inconformidade, sendo censurados pelos militares. Além disso, há o Teatro de Revista, gênero
teatral que reinou em meados da década de 1930, com as belas vedetes, a política e a
comicidade como pano de fundo.

Mesmo diante desse histórico que alimenta a memória das pessoas, nos últimos
dezesseis anos, o Teatro Musical brasileiro acumulou novas produções, possibilitando
referências mais atuais com relação ao gênero teatral. Muitos profissionais da área chamam
essa nova leva de musicais adaptados do formato americano da Broadway de boom. As
adaptações foram chegando aos poucos e ganhando espaço até que, quando menos se espera,
os teatros estão repletos de novos espetáculos que passam a dar nova vida, principalmente
para a noite cultural paulistana, seguida da carioca.

Musical, de forma simples, é utilizado para denominar a união da música com o teatro,
o que pode nos levar a confundir o gênero com cabaré e ópera, pois as linhas que delimitam
esses gêneros são tênues e difíceis de definir. Para esclarecer e especificar a análise proposta,
o Teatro Musical no Brasil será dividido em três períodos; o primeiro está relacionado ao que
compete ao Teatro de Revista, em seguida o que abrange o fim do Teatro de Revista desde a
década de 1960 até o ano 2000 e, por fim, a partir do início desse século até os dias atuais.

Apesar desses três momentos do teatro musical brasileiro possuírem características


similares, seus formatos estéticos apresentam tantas diferenças que cada um poderia
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facilmente receber uma terminologia diferente e cada um ser encaixado como um gênero
específico, diferente do musical. Mesmo com as diversidades estruturais dos espetáculos
desses três períodos, eles acabam sendo “encaixados” no teatro musical por possuírem uma
estética pautada no canto, na atuação e, muitas vezes, na dança.

Os estilos podem ser analisados separadamente, sem necessariamente dispor de uma


relação intensa com a existência um do outro. Mas, neste trabalho, o intuito é justamente o
contrário, é analisar esses três períodos como uma evolução do teatro musical brasileiro, não
como uma tendência constante e unida, formada por esses períodos, e sim como três
tendências diferenciadas que, apesar de não serem uma linha constante quanto à frequência e
similar quanto à estética, seguem uma mesma direção, para frente, formando um traçado que
podemos chamar de nacional, concebendo um teatro musical brasileiro, apesar de suas origens
estrangeiras.

Este tema carece de uma bibliografia mais no tocante à atualidade, por ser uma
realidade mutante, ainda sem um fim. Justamente por esse motivo é que surgiu o interesse em
estudar o gênero teatral, pois se torna perceptível um desenvolvimento que acrescenta,
gradativamente, características tipicamente brasileiras a um formato estrangeiro e que ainda
não foi muito abordado academicamente.

O envolvimento com o teatro amador, música e dança e o encanto pelos espetáculos


musicais foi a motivação inicial para o desenvolvimento dessa dissertação. Devido ao
interesse sobre as origens do filme My Fair Lady (1964) surgiram as primeiras pesquisas,
momento da descoberta de que o filme foi baseado em uma peça da Broadway, notório reduto
de teatros de Nova York, Estados Unidos da América. O espetáculo estreou no ano de 1956,
no Mark Hellinger Theatre e teve diversas montagens ao longo dos anos. E, a partir daí a
ansiedade e oportunidade de conhecer a história contada nos palcos fez nascer este estudo.

A pesquisa procura analisar como a mídia é corresponsável pela divulgação de


produções e artistas de um meio cultural, a ponto de, a popularidade já conquistada ser
ingrediente para que determinada produção receba uma nova roupagem ou um artista seja
primordial para alavancar o interesse do público em um espetáculo. Este assunto será
abordado com exemplos de musicais e artistas que participaram dessa dinâmica. Portanto,
para melhor compreender este processo será feito um traçado do caminho percorrido pelo
19

musical brasileiro, desde sua origem até os dias atuais, utilizando bibliografias específicas
sobre o tema e entrevistas de pessoas que vivenciaram momentos do gênero no Brasil.

Compreender o surgimento de um novo estilo de musical, abranger a estética de um


formato estrangeiro, mas que também apresenta características nacionais, nos faz perceber a
necessidade de analisar o desenvolvimento do Teatro Musical Brasileiro como um híbrido.
Define-se o hibridismo cultural como um fenômeno histórico-social presente desde os
primeiros deslocamentos humanos, possibilitando o contato permanente de indivíduos com
pessoas que vivenciaram diferentes realidades, próprias de suas regiões de origem e de outros
lugares por onde passaram.

Este trabalho irá considerar o hibridismo como uma interação de culturas e não como
uma sobreposição, explicando, assim, a formação do teatro musical brasileiro que apresenta,
ao longo de sua história, influências estrangeiras. Caberá, igualmente, observar como essas
culturas presentes no teatro musical se fundem em um processo de hibridação sob o ponto de
vista de criação de um novo estilo teatral, e que influências esse novo produto cultural
influencia na cultura brasileira. No decorrer desta pesquisa, percebe-se um teatro musical
nacional que é fruto de formatos estrangeiros, mas que com o passar dos anos incorporou
características brasileiras sem descartar os aspectos de sua origem; ou seja, não predominou
nem uma ou outra cultura, porém a sua mescla de influências resultou em um novo formato,
que é denominado ‘brasileiro’.

Ademais, contrapor os momentos do Teatro Musical nacional é necessário para


perceber como ocorrem as mudanças de um gênero importado até ele chegar a ser
considerado nacional.

Se fôssemos pensar em momentos de grande destaque do musical brasileiro o


dividiríamos apenas em dois momentos, o Teatro de Revista e o Teatro Musical, este último
presente nos dias de hoje. Esses dois momentos possuem algumas características marcantes
que os destacam e podemos citar uma delas para exemplificar, que é a constância das
apresentações e das produções ocorridas em uma sequência de meses a anos, o que deixou de
acontecer entre os anos do fim do Teatro de Revista até o início do século XXI. Mas não há
como deixar de citar esse período, pois, diferentemente do que muitos pesquisadores afirmam,
não marca uma hibernação do gênero no Brasil.
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As apresentações musicais desse período, em determinados momentos, tiveram os seus


ápices de glória, porém não obtiveram sequência, impedindo que uma tendência se formasse.
Entretanto, merecem destaques por seus ricos enredos, muitos com temas políticos, e seus
artistas emblemáticos, como Bibi Ferreira, Marília Pera, além de compositores como Chico
Buarque de Hollanda e dramaturgos, como Dias Gomes. O que podemos afirmar é que o
musical nunca saiu de cena no Brasil. Mesmo tímido e esporádico, estava lá, encantando o
público, independentemente de seu número de espectadores ou de sua censura.

Teatro Musical na pós-modernidade

Mesmo diante da aceitação e propagação de um estilo teatral francês ou americano,


por exemplo, o público brasileiro passa a decodificar, a comparar o que é visto nos
espetáculos com o que ele vive. As semelhanças são assimiladas, as diferenças passam a
tentar ser compreendidas. E, apesar da realidade de um formato estrangeiro do gênero teatral,
a temática tende a ser brasileira. Com a aceitação cada vez maior ao estilo, ocorreu que, o que
era proposto e oferecido antes, deixou de ser tão requisitado e foi perdendo espaço. Então, O
que antes era tido como imutável para um indivíduo com o contato com outras realidades,
passou a ser questionado e o que antes era supervalorizado, no Brasil, passa ser comparado
com outras vivências e pode ter um significado menor ou maior. E assim, de alguma maneira,
participar desse novo vivido rotineiramente por outra nação, pode levar a uma diluição de
lealdades nacionais antes fortes e duradouras.

A história do Teatro Musical Brasileiro diverge se comparada a outros países, como os


Estados Unidos, por exemplo, onde o teatro burlesco foi seguido pela comédia musical como
uma linha constante de desenvolvimento, sendo o primeiro influenciando o segundo
(KENRICK, 2012). O Brasil teve a presença desses mesmos movimentos culturais, porém, o
seu percurso ocorre de maneira diferente, a saber: primeiro veio a influência francesa
inspirando o Teatro de Revista; depois da extinção desse gênero, o Teatro Musical Brasileiro
passou anos com baixa frequência de espetáculos e também apresentavam estéticas diferentes.
Esse cenário reverteu-se no início do século XXI com a popularização de produções das
adaptações da comédia musical da Broadway.

Tanto o Brasil como os Estados Unidos apresentam duas manifestações artísticas do


teatro musical: o Teatro de Revista e a comédia musical, entretanto, os Estados Unidos, apesar
da importação de um formato francês, acaba por nacionalizar o gênero de modo a estabelecer
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um novo formato teatral, que passa a ser considerado americano, que é a comédia musical e,
de importador de formatos passa a exportador.

O Brasil, por sua vez, teve a presença das mesmas manifestações artísticas, sendo uma
de origem francesa e, posteriormente, uma de influência americana, sem o desenvolvimento
da revista à comédia musical, como aconteceu em solo americano. Não há como afirmar que,
caso o Teatro de Revista não tivesse acabado, a comédia musical teria sido a consequência de
uma nacionalização do gênero no Brasil; afinal, o país passou por diversas situações que são
corresponsáveis por determinados direcionamentos da cultura de uma forma geral, no Brasil,
como por exemplo, a censura da Ditadura Militar.

Apesar de o Brasil não apresentar um desenvolvimento tão linear como nos Estados
Unidos, o país não deixa de demostrar um avanço do Teatro Musical.

Escritores, artistas e público brasileiros contribuíram e ainda contribuem na


nacionalização do gênero no Brasil, transformando formatos estrangeiros em brasileiros. E é
sobre essa dinâmica, esse desenvolvimento, essa trajetória, que o presente trabalho irá se
debruçar. Para tanto, precisamos lançar luz ao passado, pois há uma memória pouco
propagada de casos e ‘causos’ de histórias que contam um pouco sobre a política, a cultura, os
costumes, a sociedade de uma época, que nos afeta até hoje.

Nada na história simplesmente termina, nenhum projeto jamais é concluído e


descartado. Fronteiras nítidas entre épocas não passam de projeções da nossa ânsia
inexorável de separar o inseparável e ordenar o fluxo. A modernidade ainda está
conosco [...]”. (BAUMAN, 1999, p. 397).

Renegar o papel do Teatro de Revista na sociedade, isolando-o sem um propósito,


causa uma lacuna no cenário contemporâneo do Teatro Musical. O seu desenvolvimento
inicial passou pela incorporação da denominada Revista de Ano, seguida pela Revista
Clássica ou Carnavalesca. O mesmo se aplica ao período que contou com espetáculos
censurados com o Golpe Militar de 1964, que acarretou em diversos artistas exilados e longe
dos palcos. Com o fim do período ditatorial, surgiram novas manifestações artísticas fazendo
com que as futuras gerações preservassem a essência do teatro musical em novos formatos
(COSTA, 2010).
22

Para melhor exemplificar esses momentos do teatro musical brasileiro faltam registros
e cronologias completas, um inventário de peças é algo a se trabalhar. Muitos textos,
documentos e datas de momentos dos musicais, no Brasil, estão perdidos, alguns existem
apenas nas memórias e arquivos pessoais de artistas que fizeram parte das produções. No que
tange às peças da atualidade, nem os próprios atores e diretores possuem listagem completas e
não há alguma entidade ou associação que faça esse controle. O que mais perto temos de
catalogações estão com as principais produtoras de musicais, pois fazem uma listagem
própria. Mas, se sairmos das listagens dos musicais milionários, ainda assim haverá lacunas.

Independentemente das inclinações apaixonadas pelo teatro musical, o tema desse


trabalho será investigado sob a luz da notoriedade midiática de obras e artistas envolvidos nas
produções que, por sua vez, geram um cenário que que se traduza um senso crítico sobre o
teatro musical como um produto comercial, gerador de lucro, envolto em patrocínios e
marcas, que nos leva, atualmente, a musicais realizados no Brasil por grandes produtoras
como a Time For Fun (T4F), Aventura Entretenimento, Möeller&Botelho, Takla Produções
Artísticas e Chaim Produções, todos associados aos também produtores e atores Miguel
Falabella e Cláudia Raia.

Para auxiliar na compreensão dos bastidores da montagem de um musical, nos âmbitos


artístico e comercial, foram entrevistados o diretor Roberto Lage, o ator-cantor Saulo
Vasconcelos, o produtor, ator, cenógrafo e diretor, Jô Santana e o ator-cantor Paulo Goulart
Filho.

Este trabalho fará o exercício conclusivo pautado na busca por respostas de como se
chegou ao cenário atual do musical brasileiro com um público fidelizado e produções
lucrativas e aclamadas pela mídia, assim como os processos de influências de formatos de
musicais estrangeiros em solo brasileiro. Primeiramente, este trabalho sugere colocar em
evidência novos elementos que instiguem a discussão do teatro musical brasileiro. Apesar de
haver muitos componentes já conhecidos, há fatos novos que possibilitam discussões e
indagações ainda em estágios embrionários, tais como:

 Qual a trajetória percorrida pelo teatro musical brasileiro?


 Como se deu o processo de influência dos formatos estrangeiros no teatro
musical brasileiro?
23

 No meio dessas influências estrangeiras, onde se encontram as produções


genuinamente nacionais?
 Que formatos, estratégias de marketing e financiamentos são utilizados nas
produções musicais milionárias no Brasil?
 Quais as expectativas dos produtores ao escalarem artistas notórios na mídia
para os musicais como forma de “agregar valor ao produto”?
 Como as adaptações conhecidas do grande público são vistas pelos produtores
e patrocinadores?
 O que esperar do teatro musical brasileiro?

Sintetizando todos esses questionamentos, surge a seguinte questão: Como se


desenvolveram as influências estrangeiras e a presença notória de elementos midiatizados na
formação do teatro musical brasileiro? Para auxiliar nas conjecturas a serem formadas, será
utilizada uma metodologia histórico-descritiva com foco na relação do tema com elementos
notórios na mídia, como os artistas e obras a serem adaptadas no palco.

No decorrer do desenvolvimento do teatro musical brasileiro, a mídia esteve presente


de diversas maneiras, não somente na forma de divulgação tradicional como nas propagandas
dos musicais nos veículos de comunicação, mas nas entrelinhas, a partir das escolhas de
roteiros e artistas para compor um musical.

Muitos dos atores escalados para musicais milionários trazem consigo, “embutidos”,
uma carga midiática, são reconhecidos e despertam a curiosidade do púbico que, por vezes,
vai assistir a um musical, não necessariamente pelo enredo, mas para ver as celebridades da
TV. Nem sempre o grande nome do espetáculo é de algum ator já conhecido na mídia, mas
sim o próprio espetáculo, uma história que já conhecida, que já foi adaptada para o cinema ou
trata da vida de algum famoso, nesse caso a carga midiática fica por conta do biografado que
terá sua história contada nos palcos.

A mídia presente por trás desses enredos pode ser vista, em muitos casos, como uma
garantia maior de que a produção trará público e que o lucro será certo. Mas o lucro nem
sempre vem em forma de dinheiro, através da venda dos ingressos ou de patrocínios; muitas
marcas querem investir em suas imagens, atrelar seus nomes às produções e atores de sucesso
e que aparentam ter os mesmos “valores” que a empresa pretende “ter/aparentar”.
24

Em meio à procura por visibilidade, público e lucro, há todo um atual processo de


incentivos fiscais por parte do governo brasileiro. Polêmicos, os incentivos possibilitam um
novo cenário ainda em desenvolvimento que não está em seu capítulo final, mas que assim
como em uma história em andamento, geram especulações.

Para auxiliar no resgate dessa história, o capítulo I traz o percurso do teatro mundial e
brasileiro com ênfase para o Teatro de Revista e relatos de vedetes que tiveram extrema
notoriedade midiática. Foram entrevistadas as atrizes Íris Bruzzi, Berta Loran e Brigitte Blair,
que revelaram ter sido natural e espontânea a ida de artistas do teatro para a televisão e
cinema, a partir do fato de que muitos já eram conhecidos do grande público. As atrizes
contam como ocorreram essas transições e como foi atuar em um momento tão importante
para o teatro brasileiro, proporcionado pelo Teatro de Revista. Este capítulo também
contextualiza o fim da revista e a censura no teatro musical por parte da Ditadura Militar.
Driblando a censura, as apresentações faziam sucesso e as canções das peças iam além dos
palcos, tornando-se hinos de resistência a um governo opressor.

O Capítulo II aborda a influência do teatro musical norte-americano e londrino no


cenário atual brasileiro, assim como a trajetória deste gênero teatral. Com a presença de
apresentações adaptadas da Broadway, surge no Brasil uma dinâmica de patrocínio que se
difere das que já haviam sendo praticadas, justamente pelos altos valores disponibilizados
para a montagem das produções em face de um novo público que se mostrou disposto a
desembolsar altos valores para assistir a musicais renomados ao redor do mundo. O texto
ainda expõe parcerias entre produtores e patrocinadores que viabilizam os serviços, assim
como o surgimento de temáticas brasileiras nos musicais com produções pautadas em
formatos estrangeiros.

Já o Capítulo III revela a carga midiática presente em diversos elementos dos musicais
com destaque para as adaptações de obras renomadas, já apresentadas posteriormente em
palcos e até mesmo em outros formatos, como filmes e seriados. Trazemos ainda neste
Capítulo a midiática envolta de obras já conhecidas do grande público e que foram expostas e
que, posteriormente na mídia, acabam se tornando um atrativo para os produtores e
patrocinadores que buscam atrair público para suas produções.
25

A mesma notoriedade midiática é analisada no Capítulo IV, só que desta vez com foco
nos artistas escalados para atuarem nos musicais. Também é abordada a notoriedade midiática
por trás de artistas que possuem suas biografias contadas nos palcos de musicais e, neste caso,
os biografados geralmente são pessoas lendárias, tidas como heróis/heroínas. A fama e a
curiosidade em torno dessas celebridades alimentadas pela mídia são fatores que acabam
influenciando nas decisões finais de produtores e patrocinadores no ato da contratação dos
artistas a serem escalados para a formação do elenco do evento.

As considerações finais deste trabalho revelam prováveis caminhos a serem trilhados


pelo teatro musical brasileiro com base nas entrevistas com profissionais da área de musicais
produzidos no Brasil, assim como as leituras sobre o tema. Pretendemos ainda discorrer neste
último Capítulo conjecturar sobre as possíveis respostas para os questionamentos expostos
nesta introdução.

São poucas as obras bibliográficas e documentais encontradas tratando sobre o teatro


musical brasileiro, principalmente no que tange à atualidade. Mas, ao garimpar diversos
materiais, deparamo-nos com algumas obras envolventes e ricas em detalhes. O estudo sobre
o Teatro de Revista está atrelado às obras de Neyde Veneziano que, com sua teoria sobre o
desenvolvimento do palco revisteiro, nos oferece uma intensa carga histórica, instituindo
memória a um gênero que é pouco estudado no meio acadêmico.

Para compor com Veneziano, serão utilizadas as referências de Delson Antunes (2002
e 1996), presentes nas obras Um Panorama do Teatro de Revista no Brasil e O homem do tró-
ló-ló: Jardel Jércolis e o Teatro de Revista Brasileiro (1925-1944) que, além de seu conteúdo
teórico contribui, fundamentalmente, com as fotografias presentes em suas obras, onde texto e
figuras se unem na demonstração de uma nacionalização do gênero. Com relação ao contexto
dos espetáculos apresentados e seus desdobramentos na sociedade, encontramos respaldo em
Salvyano Cavalcanti de Paiva (1991), nas impressões de Décio de Almeida Prado (2002)
sobre o progresso do teatro nacional brasileiro entre os anos 1955 e 1964, além dos roteiros de
musicais com temática política presentes na Coleção Dias Gomes – volume 4 (1992).
Ademais, os bastidores dos grandes musicais da atualidade, apresentados através das
experiências relatadas na obra de Leslie Pierce (2013).

Para compreender as raízes históricas dos formatos teatrais estrangeiros que


influenciaram o Teatro Musical Brasileiro, foram relevantes as análises do teatro musical
26

americano por John Kenrick (2012) e dos resgates históricos do gênero teatral de Stanley
Green (2014), Ken Bloom e Frank Vlastnik (2008). Sobre a história do teatro mundial, foram
utilizados obras de Margot Berthold (2014) e Léon Moussinac (1957). As referências da ação
midiática presente nas adaptações que resultam em filmes e musicais, tiveram contribuição
dos estudos de Ismail Xavier, que se debruça sobre o cinema brasileiro e de Luiz Roberto
Alves com relação às manifestações eruditas e populares e seus desdobramentos sociais em
textos presentes na obra Comunicações e Artes em tempos de mudança: Brasil, 1966-1991
(1991).

Ainda no auxílio da compreensão das conjecturas da história cultural e problemáticas


da modernidade, foram pautados neste trabalhos pensamentos de Bauman (1999), presentes
no livro Modernidade e Ambivalência e de Hall (2006) na obra A identidade cultural na pós-
modernidade.

Com relação ao hibridismo cultural, presente no desenvolvimento do teatro musical


brasileiro nos apoiaremos nos pensamentos presentes nas obras de Canclini (2003). Já no
auxílio do que compete à compreensão dos musicais como produtos vendáveis, utilizaremos
textos de Benjamim (2011) e de Adorno e Horkheimer (1997).

Enfim, estes são alguns dos autores pesquisados, mas vale ressaltar que muitos outros
foram consultados e auxiliaram na evolução desta pesquisa.

Muitas vezes destrinchamos as apresentações teatrais em blocos como se não tivessem


inspirações umas nas outras, sem nos atentarmos para as tendências culturais. Essas
tendências estão presentes em produções do mesmo segmento cultural, como igualmente são
percebidas quando um gênero teatral, por exemplo, tem suas raízes fixadas, como se
sobrevivessem diante da passagem do tempo e da vinda de novas manifestações culturais,
tornando-se inspirações, como é o caso de filmes que viraram musicais, assim como o
caminho inverso. Trataremos desse processo no Brasil de forma a contemplar a ação midiática
presente em “elementos midiáticos”.
27

CAPÍTULO I - TEATRO MUSICAL BRASILEIRO: ORIGEM E


DESENVOLVIMENTO

1.1.História Mundial do Teatro

Avaliar o que envolve o Teatro Musical vai além de um aprofundamento específico do


tema. É necessário compreender, ao menos, um pouco das origens do teatro, não só do
brasileiro, mas, do mundial. Entender como surgiu o Teatro Musical e seus rumos nos permite
analisar até onde o teatro chegou com seus gêneros diversos, entre eles, o musical.

Ao tratar do surgimento do teatro existe a dificuldade de definir o seu surgimento e


local de origem. De acordo com Margot Berthold: “transformação numa outra pessoa é uma
das formas arquetípicas da expressão humana. O raio de ação do teatro, portanto, inclui a
pantomima de caça dos povos da idade do gelo e as categorias dramáticas diferenciadas dos
tempos modernos”. (BERTHOLD, 2014, p. 01).

Essa necessidade de expressão se converte em “teatro” quando o artista tem uma


elevação de sua arte acima do que rege o seu cotidiano, ou seja, quando o ato de se expressar
somente na sua rotina não é o suficiente, e assim surge a vontade de algo maior. Um segundo
ponto é a presença de espectadores, o que antes era a forma de se expressar para o outro passa
a ter, por finalidade, um público alvo, indivíduos estes que devem receber a mensagem
passada pelo artista.

Dentre os temas das manifestações artísticas teatrais primitivas, em sua maioria, são
pautadas a realidade que envolve o artista, suas concepções, principalmente as religiosas.
Elementos da natureza são personificados como personagens com vontades e poderes
sobrenaturais. Tais elementos rivalizam-se entre si ou se unem para beneficiar ou punir o
homem.

Sobre o teatro primitivo Berthold afirma que:

Podemos aprender sobre o teatro primitivo pesquisando três fontes: as tribos


aborígenes, que têm pouco contato com o resto do mundo e cujo estilo de vida e
pantominas mágicas devem, portanto ser próximos daquilo que nós presumimos ser
o estágio primordial da humanidade; as pinturas das cavernas pré-históricas e
entalhes em rochas e ossos; e a inesgotável riqueza de danças mímicas e costumes
populares que sobreviveram pelo mundo afora. (BERTHOLD, 2014, p.02).
28

Ainda segundo Berthold (2014), diversos festivais revelam a presença de inspirações


do teatro primitivo com suas mensagens e representações. Nesses eventos a dança e a música
também eram muito utilizadas; um exemplo dessa multilinguagem artística é um ritual
alegórico-mágico realizado por caçadores que, antes de cada caçada, buscavam “sorte”
através de uma representação da morte de um urso, além de usarem máscaras que
representavam esse animal. Atualmente, há tribos indígenas que ainda realizam
representações semelhantes, mostrando que o conteúdo das apresentações possui uma ligação
ao ambiente em que o artista vive.

O xamanismo está igualmente atrelado ao teatro primitivo. Quando em transe, o xamã


utiliza, no ritual, várias representações artísticas que o aproxima de um contato com o
sobrenatural, sejam deuses ou demônios. Muitas religiões da atualidade preservam algumas
características desse ritual primitivo; entretanto, muitos elementos utilizados passam a ser
adaptados com base no que a modernidade oferece sem, contudo, perder a essência ancestral.

Na Grécia antiga essas artes foram incluídas nas tragédias e comédias por volta do
século V a.C. Nesse período os dramaturgos Aeschylus e Sophocles passaram a realizar suas
próprias músicas e coreografias em suas produções. No III século a.C as obras de Plautus,
considerado o maior comediógrafo da Roma antiga, mostravam música e dança
acompanhadas por instrumentos diversos

Na Idade Média, o teatro europeu caracterizava-se por apresentações de menestréis e


pequenos grupos que ofereciam comédias do tipo pastelão, peças de poucos recursos que
buscavam o riso fácil através de cenas escrachadas e, por vezes, exageradas. As igrejas cristãs
também foram responsáveis por apresentações de histórias bíblicas e intercalavam falas com
cânticos religiosos.

Em 1728, na Inglaterra, surgiu o espetáculo The Beggar’s Opera (Ópera dos


Mendigos), de autoria de John Gay. Apresentada em três atos, a peça foi uma das poucas do
período reconhecida a ponto de, ainda, ser lembrada nos dias de hoje; recebeu diversas
montagens com o passar dos anos. Na época, a obra foi classificada como ópera balada, pois
era diferente em diversos pontos da tradicional, dado que a intenção do autor era justamente
satirizar a ópera tradicional italiana. A apresentação traz fortes críticas sociais e políticas.
29

A Ópera1, por sua vez, é um gênero teatral encenado através do canto e da música
instrumental, sem necessariamente ter a presença de falas. Outra característica típica da ópera
é a participação de uma orquestra sinfônica completa ou, ao menos, de um grupo musical que
acompanhe os cantores. Além disso, a sua apresentação possui elementos típicos do teatro,
como cenografia e figurinos utilizando o canto erudito.

Despontava na sociedade europeia, no período Renascentista, a necessidade de


retomar características da antiguidade clássica, principalmente no que se refere a Roma e
Grécia, e também de resgatar os seus conhecimentos científicos, filosóficos e estéticos para
inseri-los na realidade do século XVI. Dificilmente encontra-se uma definição exata do
surgimento da Ópera, mas, o que se especula é que Dafne seja o espetáculo mais antigo
classificado. Acredita-se que a obra foi apresentada no Palazzo Corsi em Florença, nos anos
de 1587 ou 1597, e sua inspiração originava-se da tragédia grega. O enredo narra a paixão de
Apolo, uma das divindades da mitologia greco-romana pela ninfa Dafne. O espetáculo
resultou em um novo formato de entretenimento que, posteriormente, sofreria intenso
desenvolvimento.

Nas palavras de Filipe Salles (2012), a ópera surgiu dos trabalhos “de alguns poetas e
músicos de Florença no ideal da tragédia, espelhada na poética aristotélica de estrutura, mas
essencialmente modificada para satisfazer necessidades musicais e dramáticas do pré-
barroco” (SALLES, 2012).

A absorção estética de conceitos da antiguidade impulsionou uma expansão cultural


renovadora, sendo a música uma das artes atingidas por essa revolução.

É fato que os gregos, naquilo que chamavam arte poética (que englobava a poesia e
o teatro), empregaram recursos sonoros bastante sofisticados [...] Mas a música até
o cinquecento não tinha elementos para mesclar ambas as artes, uma vez que o estilo
vigente era essencialmente contrapontístico (que se deve à descoberta e expansão da
polifonia, antes amarrada pela ditadura eclesiástica do cantochão). Ficaria muito
complicado distribuir papéis a cantores quando a onda da música era trabalhar com
várias melodias ao mesmo tempo (o contraponto). Assim, apenas no fim dos anos
1500 é que a idéia de uma Obra que unisse poesia, dramaturgia e música pôde tomar
forma. (SALLES, 2012).

1
Originária do termo latim “opus”, que significa “obra”.
30

A cidade de Roma foi a responsável pelo aperfeiçoado dos coros da ópera, dando
ênfase a um coro uníssono considerado como um personagem da peça, ajudando a contar uma
história. Já em Nápoles o destaque ficou para a melhoria nas técnicas vocais, a arte de cantar
como um todo; e, Veneza, apostou na qualidade dos instrumentistas.

Desde a origem da ópera até os dias atuais são mais de 400 anos de história, período
em que a ópera se desenvolveu até se tornar o que vemos hoje nos tradicionais teatros
italianos, com espetáculos que trazem orquestras sinfônicas completas, cantores de
reconhecimento internacional, além de altos investimentos nas produções. A ópera
influenciou diversas expressões artísticas, é a base para a origem e desenvolvimento de
diversos gêneros teatrais.

O Teatro Musical possui uma relação com a ópera teatral, porém distingue-se por ter
um maior enfoque no diálogo falado e na dança, pois, no musical, a atuação é habilidade
fundamental seguida pelo canto e a dança.

Na ópera, a exigência principal do artista é o canto e, em segundo, a atuação, mas não


necessariamente exige a dança. Carolyn Abbate e Roger Parker (2012), na obra Uma história
da ópera - Os últimos quatrocentos anos, define a ópera como:

[...] um tipo de teatro no qual a maioria ou todos os personagens cantam durante a


maior parte do tempo ou o tempo todo. Nesse sentido, é muito óbvio que ela não
seja realística, e com frequência, no decorrer de seus mais de quatrocentos anos de
história, tem sido considerada exótica e estranha. Além disso, é quase sempre
bastante cara de se encenar e de se assistir.

Muitas óperas são executadas na língua de origem da obra, independente do lugar


onde se apresenta. Isso raramente ocorre com o teatro musical, que é apresentado na língua do
público, onde músicas e texto sofrem frequentes adaptações e traduções.

1.1.1. A França entra em cena

São diversos os estilos decorrentes da ópera, sendo considerada uma grande


influenciadora de produções culturais ao redor do mundo. A França encantou-se com a ópera
e as tradições italianas trazidas por esses espetáculos e, aos poucos, características francesas
foram incorporadas nas apresentações, até resultar na criação de peças tipicamente Galícias.
31

Em 1653, no período da corte de Luís XIV, o italiano Jean-Baptiste Lully, bailarino,


coreógrafo e compositor, assume a direção da Academie Royale de Musique. Foi somente em
1669, que Lully criou a Ópera Francesa, um ano após a inauguração da Ópera Nacional de
Paris. A partir do momento que as óperas italianas e francesas passaram a disputar o público,
iniciou-se uma rivalidade entre essas produções.

A Ópera Francesa conquistou popularidade ao passo que obras de diversos


compositores agradavam ao público, foi o caso de óperas como Orfeo ed Euridice (1762), de
Christoph Willibald Gluck (1714-1787), As Bodas de Fígaro (1786) e A Flauta Mágica
(1791), de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e Tristão e Isolda (1859), de autoria de
Richard Wagner (1813-1883), entre outros. Com a ópera francesa novas formas específicas
foram surgindo, tais como a Ópera Cômica, Ópera de Pequim, Ópera-balada e a Opereta,
sendo essa última de grande influência no Teatro Musical Brasileiro.

A diferença entre a definição de ópera, opereta e musical, é tênue. O que podemos


perceber é que a ópera sobrevive em sua forma clássica, e seus compositores mais conhecidos
fizeram parte de uma época passada. Já a opereta manteve-se presente em um determinado
período e, atualmente, é somente relembrada. O que é encontrado nos dias atuais são os
musicais originários da opereta, designados como Ópera-balada, a Ópera Cômica e o
Vaudeville francês.

Nos formatos franceses predominavam os diálogos narrados em comparação às óperas


italianas em que as falas são todas cantadas. Outra grande diferença dos formatos é a
temática; a opereta abordava assuntos, por vezes, considerados frívolos, rotineiros e
informais. Apesar das distinções entre os gêneros, os cantores de ambas as manifestações
culturais utilizam o canto lírico.

Um dos nomes mais conhecidos da Opereta é o de Jacques Offenbach, à frente de


diversas obras que traziam, de forma humorística, a vida parisiense. Offenbach compôs as
músicas de cerca de 90 operetas, tornando-se um dos grandes propagadores do Can-Can a
nível mundial.
32

O húngaro Franz Lehár2, por sua vez, é responsável pelas composições da obra mais
notória do gênero, Die Iustige Witwe (A Viúva Alegre), que estreou no dia 30 de dezembro de
1905, em Viena, com Mizzi Günther e Louis Treumann nos papéis principais. A história
aborda o receio que o governo de um país fictício, Pontevedra, tinha de que a viúva de um
rico banqueiro gaste todo o seu dinheiro na França, comprometendo a economia da nação; e,
para que o dinheiro continue no país, um plano é elaborado, a viúva deve se casar com um
pontevedriano, o conde Danilo, um conquistador nato.

A estreia da peça foi praticamente um fracasso, tanto que os ingressos foram


distribuídos, o que aumentou o público. Em pouco tempo a produção tornou-se um sucesso;
sofreu adaptações em diversos países o que contribuiu para a consolidação de Franz Lehár
como um dos compositores austríacos mais reconhecidos e aclamados. Die Iustige Witwe
ainda recebe montagens, e foi tema de, no mínimo, três filmes.

1.1.2. Origem do teatro musical americano

Em 12 de setembro de 1866, a produção The Black Crook (“O Vigarista Negro”), de


autoria de Charles M. Barras estreou no Niblo`s Garden, na Prince Street. O show, com
duração de cinco horas e meia, é considerado uma comédia musical. Apresentava
características diferentes dos tradicionais espetáculos da época e possuía padrões que,
atualmente, são conhecidos nos Broadway musicals, que basicamente são canções, a dança e
um roteiro, ou seja, The Black Crook é o primeiro musical aos moldes modernos a que se tem
conhecimento. As músicas do espetáculo são, em sua grande maioria, adaptações, com
exceção das You Naughty, Naughty Men e March of the Amazons, feitas especialmente para
esta produção.

O texto 1860s: The Black Crook, escrito por John Kenrick (1996) 3, foi um grande
sucesso e excursionou por diversas cidades americanas; recebeu 15 novas montagens
diferentes ao longo dos anos. Apesar de alguns escritores não considerarem The Black Croock
um musical por não possuir uma conexão essencial entre as músicas e as cenas, em diversos

2 Bibliothèque nationale de France. Disponível em: <http://data.bnf.fr/13896501/franz_lehar/#allmanifs>.


Acessado em 12. out. 15.
3
Disponível em: < http://www.musicals101.com/1860to79.htm>. Acessado em: 19. set. 15.
33

textos e livros, o espetáculo é considerado como o primeiro musical da Broadway, como é o


caso de Stanley Green, autor do livro Broadway Musicals – Show By Show (2014) que mostra
os números atualizados de todos os musicais que já foram apresentados, e aponta The Black
Crook como o primeiro genuíno teatro da Broadway.

Embora a montagem do musical fosse parcialmente composta de números populares, a


principal atração era inquestionavelmente as belas dançarinas estrangeiras que estrelavam
papéis de demônios e espíritos em que aconselhavam, para o bem e para o mal, os demais
personagens. O formato desse espetáculo revelava diálogos difíceis, bem aceitos naquela
época, porém as músicas não davam continuidade à história, elas mais cortavam a narração do
que a complementavam.

A ideia inicial de Charles M. Barras era mostrar ao público americano um drama


baseado na Alemanha de 1600, com a presença de elementos de textos clássicos como Fausto,
de Johann Wolfgang Von Goethe e Der Freischütz, de Weber. A intenção era louvável, mas o
resultado não cumpriu com as expectativas, muito por conta da inclusão de cenários
suntuosos, uma companhia completa de ballet e canções populares, bem distantes das
eruditas. Mesmo sem a resposta inicial esperada, o espetáculo marcou o começo de um gênero
teatral aclamado até hoje.

Há rumores de que o sucesso foi um golpe de sorte pautado em um desastre. O teatro


da Academia de Música de New York sofreu um incêndio e uma das consequências do
acidente foi a de que mais de 100 bailarinas de uma companhia francesa ficassem sem local
para suas apresentações, fato que preocupou os gestores da academia, Henry C. Jarrett e
Henry Palmer. Mas eles não eram os únicos preocupados, o gerente do teatro Niblo, William
Wheatley, ainda não estava totalmente convencido que o espetáculo The Black Crook
agradaria ao público. Foi então que, ambos os profissionais resolveram se ajudar mutuamente,
as bailarinas desempregadas passariam a participar do espetáculo The Black Crook em troca
de salários baixíssimos.

O produtor de The Black Crook também aceitou que o cenário, agora sem espaço para
ser guardado, ficasse alojado nas dependências do teatro em troca de que ele fosse utilizado
em sua peça. O arranjo deu mais certo do que eles poderiam imaginar. Um acaso acabou por
conceder a The Black Crook elementos novos e, na noite de abertura, a cenografia incrível e
100 dançarinas contribuíram para tornar o espetáculo um grande sucesso.
34

Outras montagens foram realizadas de The Black Crook, cada vez mais elaboradas,
como a produção realizada pelos irmãos Kiralfy que apostaram em um bailado aéreo, onde as
personagens eram alçadas por fios ao inferno.

De acordo com Stanley Green (2014, p. 03), a história se desenvolve basicamente em


torno de um casal, afastado por forças malignas. Os amantes Rodolphe e Amina são separados
quando o demônio Count Wolfenstein reivindica Amina como sua noiva e entrega Rodolphe
para outro, Hertzog, o Black Crook. Rodolphe é enviado a uma missão fatal, a de recuperar
um tesouro, mas, no meio do caminho, o herói salva uma pomba que estava prestes a ser
engolida por uma serpente; a pomba revela-se, então, como rainha das fadas, Stalacta, e leva
Rodolphe para seu esconderijo submarino.

Muitas são as vezes que o corpo de baile entrava com apresentações e delongava mais
que o necessário o tempo do espetáculo. Como todo final feliz, o casal se reúne através dos
poderes mágicos concedidos pela fada, Rodolphe derrota Hertzog e Wolfenstein, o Black
Crook é levado para o inferno, e Rodolphe e Amina, enfim, se unem. Robert Rusie (s/d)
afirma:

Pela primeira vez na história, o público viu um drama; foram entretidos por uma
orquestra, e viram uma centena de ciganos pulando em cima dos saltos. Quando as
cortinas se abriram, foi um choque, o público americano estava indignado e
totalmente satisfeito, e uma nova forma de arte totalmente americana, a Broadway
Musical, tinha sido criada. Black Crook teve uma temporada de 16 meses, e
arrecadou mais de 1 milhão de dólares. (RUSIE, s/d).

A produção teatral The Black Crook foi a primeira da história do teatro mundial a ficar
em cartaz por mais de um ano. As músicas recebiam novas adaptações, os números de danças
eram modificados para atrair, além dos novos expectadores, despertar o interesse daqueles
que já haviam prestigiado o espetáculo. Ainda não era tão comum os espetáculos
excursionarem por várias cidades, o que mostra que todo esse primeiro ano do espetáculo
resumiu-se em apresentações para nova-iorquinos, sedentos por um novo e chamativo gênero
teatral.

Animados pelo lucro crescente, os produtores do espetáculo, juntamente com atores,


cantores, bailarinas, cenários, tudo que formava o The Black Crook, aproveitaram as grandes
modernizações no sistema ferroviário com maior segurança, rapidez e acessibilidade após a
35

Guerra Civil americana, e embarcaram em uma experiência - a de fazer um novo estilo teatral
conhecido em toda a América, e com isso ter um retorno lucrativo. De acordo com Kenrick:

A produção física era a verdadeira estrela, e isto ficou claro em teatros em todo o
país. Os lucros eram surpreendentes, e o Teatro Musical Americano foi subitamente
visto como uma indústria com grande potencial econômico. (KENRICK, 2012, p.
68, tradução nossa).

O espetáculo que deu início ao teatro musical americano foi testemunhado pelo garoto
Charles Frohman, que vendia entradas de ingressos ao público de The Black Crook. Anos
mais tarde, precisamente em 1892, iniciaria uma carreira sucedida no teatro como produtor.
Montou seu primeiro teatro em 1892 e tinha talento nato para descobrir estrelas. O produtor
também fez parcerias com dramaturgos e produtores ingleses, como o produtor Seymour
Hicks, com quem, antes de 1910, produziu uma série de apresentações em Londres. Muitos de
seus sucessos de Londres foram apresentados e bem aceitos em Nova York. Ao todo, foram
cerca de 700 espetáculos produzidos por Frohman que, no auge de sua carreira, morreu no
naufrágio do RMS Lusitania em 1915.

Como esta apresentação diferenciada do espetáculo The Black Crook novos


espetáculos com formato similar demoraram a aparecer. A Broadway ainda era conservadora
e, somente na virada do século, a Avenida começou a se tornar um centro cultural. A classe
média passou a frequentar mais o teatro, que apresentavam valores modestos à época, com
entradas que custavam $ 2,00.

1.1.3. A Broadway e suas casas de shows

O primeiro teatro da Broadway foi o The Star Theatre, localizado na Rua 13. Sua
estreia ocorreu em 1900 com a peça A Great White Diamond. Esta fase ficou conhecida como
a “Era dos Bons Sentimentos”, formada pela boa relação entre o público e os atores dos
espetáculos. A plateia se sentia à vontade para interagir com os atores, até mesmo durante os
espetáculos; os artistas eram reconhecidos e cumprimentados de forma efusiva após as
apresentações.

Esse período contou com algumas peças, com destaque para as apresentadas nos
teatros localizados na altura da Rua 45: The Man in the Moon, Junior e Broadway to Tokyo e
da Academia de Música na Rua 14, Way Down East. Há, particularmente, dois espetáculos
36

que chamaram mais atenção nesse período: Ben Hur, apresentado na altura da Rua 41, e na
Rua 24, no Madison Square Theater, Coralie Compahia e Dressmakers, tendo esse último
sido considerado escandaloso por mostrar o relacionamento sexual entre um homem branco e
uma mulher negra, sem, contudo, ser o intuito do espetáculo se aprofundar em questões
sociais.

Para John Kenrick (2012, p. 61-62), somente a partir da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), de fato, algumas produções passaram a tratar de assuntos pautados na realidade
social americana. Mesmo não tendo a política como tema principal, diversos espetáculos eram
realizados para distrair a população da dura realidade de uma guerra. As temáticas das
apresentações eram alegres e tinham o intuito de entreter e passar mensagens de otimismo e
esperança. A constância nos enredos dos espetáculos foi quebrada com uma peça intitulada
Moloch, de autoria de Beaulah Marie Dix, produzida por George Tyler, em 1915. O texto
continha as aflições da população. Por sua vez, a arrecadação da produção Yip Yip, Yaphank,
apresentada no Teatro Century, foi destinada para os serviços de guerra.

A visão de burocracia e tédio que a população tinha do exército, nesse período,


começou a ser modificada a partir do espetáculo de Irving Berlin, que mostrava um coro de
garotas acompanhado de soldados, lançando um novo olhar bem humorado sobre o exército.

Em 1810 havia, na Broadway, o The Beautiful Park Theater, localizado em Park Row.
Um segundo teatro, o The Bowery, só foi inaugurado em 1821. No século XIX, o teatro, na
região, passou a se desenvolver, criando e fortalecendo o "Syndicate", composto por ricos
donos de teatros regionais que, apesar de concordarem com a busca pelo lucro, divergiam
com relação à moralidade puritana que estava presente na nação americana, o que facilitou a
explicação das incorporações de atores europeus nos espetáculos. Outro fator que ajuda a
explicar a presença de profissionais estrangeiros nas produções americanas é o fato de a
América ser uma terra de imigrantes recém-chegados, uma vez que o teatro na Europa já tinha
uma tradição forte e a América passava a ser "a terra das oportunidades". Muitos artistas
europeus, alguns já consagrados profissionalmente em seus países, passaram a se aventurar
nos palcos americanos.

Com o tempo, as companhias teatrais foram fortalecendo seus negócios. Em 1821,


Junius Brutus Booth à frente do teatro Drury Lane estabeleceu com seus filhos Junius Jr.,
Edwin e John Wilkes, a primeira das grandes famílias de atuação do teatro americano.
37

Quando Georgina Drew, irmã do renomado ator John Drew, conheceu e casou-se com o
também ator Maurice Barrymore, mais uma família “aristocrata da Broadway” foi
estabelecida.

Essas “famílias” seguiram investindo nos musicais. Ao longo dos anos, companhias
teatrais foram passando de pais para filhos que as vendiam ou até mesmo abriam falência.
Mas, apesar desses intempéries, um fato que se mantém até hoje são os crescentes
investimentos nas produções, assim como a compreensão do fator de risco que há no
investimento teatral que se baseia no público alcançado, visto que um espetáculo pode ou não
ter boa aceitação do público.

Investir na Broadway tem sido uma subcultura secreta por décadas (o que é irônico,
considerando o seu risco - você acha que nós vamos querer que ninguém disposto e
capaz salte para a nossa briga). Mas ao longo dos últimos anos, graças às várias
informações que você pode encontrar na internet e em certas histórias pessoais [...]
cada vez mais investidores de todo o mundo tem dito: "Ei, eu gostaria de investir na
Broadway. Posso jogar?”. (DAVENPORT, s/d)

Para assistir a um espetáculo musical estilo Broadway, não é mais necessário viajar
para Nova York. Por trás da propagação do teatro musical norte-americano está a The
Broadway League4, associação comercial nacional para a indústria da Broadway. Com mais
de 700 membros entre proprietários de cinema e operadores, apresentadores, produtores e
fornecedores de bens e serviços da indústria do teatro, a associação leva, anualmente, os
espetáculos para mais de 30 milhões de pessoas em 200 cidades diferentes nos Estados
Unidos e Canadá, segundo a entidade.

A entidade foi fundada em 1930, ocasião em que trabalhadores de diversos setores do


teatro comercial na Broadway se reuniram para negociar acordos que beneficiassem a todos,
com parcerias e, paralelamente, buscavam apoio dos sindicatos. Ainda na primeira década, a
liga expandiu seu alcance territorial e de serviços abrangendo toda a América do Norte e
iniciando o trabalho com shows de turismo diversos. Atualmente, a The Broadway League é
destinada a apoiar produções teatrais rentáveis, assim como divulgar as produções da

4
The Broadway League é uma associação da indústria dos teatros da Broadway. Site oficial: <
https://www.Broadwayleague.com/>. Acessado em 20. set. 15.
38

Broadway para outras localidades fortalecendo, através de programas e eventos, o estilo


teatral como o mais conhecido entretenimento ao vivo.

1.1.4. A comédia musical

The Black Crook pode ter instigado o público a querer novos espetáculos similares,
mesmo surgindo de forma tão surpreendente, também não obteve sucessor. O que podemos
afirmar é que surgiu uma variação de apresentações do vaudeville. O formato desses
espetáculos era baseado no Teatro de Revista e mostravam cenas diversas sem,
necessariamente, contarem uma história conectadas entre si. Quando havia algum enredo ele
era simplista e nada aprofundado, sendo leve e descompromissado.

Se pudéssemos elencar as principais características entre essas apresentações o The


Black Crook seria a presença das mulheres. No geral, as diferenças eram muitas. Apesar de
não se classificarem como espetáculos familiares, ainda assim, o teatro musical era de alguma
forma representado nesse período nos Estados Unidos, pois foram espetáculos que marcaram
épocas e inspiraram artistas a criarem novos conceitos.

Mesmo depois do início de um novo século ainda era muito difícil aparecer uma
produção que possuísse um enredo pré-concebido, com uma narrativa coerente, em virtude do
foco ainda ser o artista e a exposição de seus talentos. A maior preocupação para garantir o
sucesso da produção era apostar em uma “estrela” no show ao invés do conteúdo que esse
artista iria desenvolver em cena. Apesar de manterem uma determinada fórmula que
garantisse a apresentação de diversos números, era possível ser surpreendido com canções que
destacaram alguns compositores, como Jerome Kern, Richard Rodgers e Irving Berling, entre
outros.

Foram raros os espetáculos que entraram em cartaz apostando na ousadia em


proporcionar novas experiências ao público, resultando na falta do seguimento de produções
similares e a formação de uma tendência. Entretanto, já vislumbravam uma época que cada
vez mais se aproximava do surgimento de um novo que remeteria ao antigo The Black Crook.

Muitas vezes denominamos diversos espetáculos como Teatro Musical, mas que
também acabam sendo encaixados em outras categorias; porém, em alguns casos, por uma ou
39

outra característica destoante, cria-se um novo gênero. Quando abordamos a Comédia


Musical tratamos de um gênero que, aos poucos, foi conquistando e fidelizando público
similar ao que temos atualmente no âmbito da comicidade musical.

O gênero passou a ser mais conhecido em 1927 devido à popularidade do espetáculo


Show Boat (1927), de autoria de Oscar Hammerstein II e Jerome Kern,5 ambos partilhavam da
mesma opinião relacionada ao teatro musical da Broadway, achavam que precisava haver
novos elementos de renovação e novidades; decidiram, desta feita, se basear na história escrita
por Edna Felbers que contava a trajetória de três gerações de artistas que ficavam a bordo de
um teatro flutuante enquanto navegavam nas margens do Rio Mississipi.

O enredo percorre o período compreendido entre meados da década de 1880 até o final
de 1927, apresentava uma mistura de romance, questões raciais, assunto do qual era evitado à
época e, a nostalgia de glórias americanas. Visto que as pessoas ainda vivenciavam um clima
de pós-guerra, o espetáculo conquistou um lugar na lista das atrações mais assistidas durante
12 semanas. A peça, ao longo do século XX, recebeu quatro novas adaptações, a última em
1983, no Houston Grand Opera. A história também inspirou três filmes, todos rodados após a
estreia de Show Boat nos palcos da Broadway.

A Comédia Musical se caracterizava por seguir um rumo onde eram intercaladas cenas
humorísticas e números diversos garantindo o escapismo de um mundo envolto em decisões e
responsabilidades. Por vezes o espectador fugia de uma dura realidade para adentrar em um
mundo em que o riso era possível, ao passo que personagens se apresentavam de maneira leve
e bem humorada da situação.

1.1.5. Broadway, uma tendência mundial

Uma caminhada em uma das ruas mais longas e conhecidas do mundo, situada em
Nova York, Estados Unidos da América, revela mais do que arranha-céus, turistas e letreiros
luminosos e chamativos. A Broadway, via larga, em inglês, foi berço de manifestações
culturais diversas, com destaque para a área teatral. A rua cruza o condado de Manhattan e do

5
Site oficial da dupla Oscar Hammerstein II e Jerome Kern: < http://www.rnh.com/>. Acessado em: 05. set. 15.
40

Bronx e reúne 40 teatros, cada um com capacidade para cerca de 500 pessoas. As
apresentações teatrais nesses espaços originaram a definição teatro da Broadway, a mais
prestigiada forma de teatro profissional nos Estados Unidos.

Mesclando música, dança e atuação, espetaculosas montagens são as que mais atraem
público no país e, consequentemente, as mais lucrativas para os investidores, artistas e equipe
técnica. A maioria dos espectadores são turistas, vindos de diversos países e outras cidades
americanas, fato este que, possibilita a permanência da mesma encenação por anos, sem
comprometer a média de público, como é o caso do "Fantasma da Ópera", que ocupa o topo
da lista dos espetáculos que estão há mais tempo em cartaz, 26 anos.

Rumo ao norte, fica a estátua de bronze de um touro que simboliza a prosperidade


financeira. A obra é de autoria do escultor ítalo-americano Arturo di Mocida, feita em 1989 e
tem cinco metros de comprimento e três metros e meio de largura. Não são apenas as fachadas
suntuosas dos teatros que impressionam, há diversos prédios ricos em valor arquitetônico,
como a construção Cunard Building, inspirado no Renascimento italiano e a Trinity Church,
que tem um cemitério do século XVII em seu jardim. A área da Broadway passa pela Lower
Manhattan, ao sul da ilha, é o coração financeiro da cidade.

Na Rua 41, em Nova Iorque, começa o Theater District, a área da Broadway que é
retratada nos filmes e seriados de televisão; o trecho se finda na Rua 53. Apenas quatro teatros
estão, de fato, localizados na avenida, todos os demais espaços que recebem as apresentações
estão ao leste e ao oeste desse trecho representando o competitivo e diversificado mundo
teatral americano. Lá, são encontrados quiosques da TKTS6, empresa que oferece ingressos
com descontos de até 50% nas entradas.

No texto The history of the great White way, de autoria de Robert Rusie (s.d) 7, as
décadas da história do teatro musical americano são destrinchadas, contam que mesmo antes
do início dos musicais, o teatro era o único entretenimento que alcançava a massa.

Ainda segundo Rusie, há séculos atrás, precisamente no dia 21 de setembro de 1776, a


Broadway foi um dos pontos da cidade atingida pelo fogo na devastadora ocorrência

6
Site da TKTS: < http://www.broadticket.com/?gclid=CL69hZu8_MoCFRaBkQodV2YOKw>. Acessado em:
04. dez. 15.
7
Disponível em: < https://www.talkinBroadway.com/bway101/1.html>. Acessado em: 23. out. 15.
41

denominada Grande Incêndio de Nova York. A estimativa é de que o incidente tenha


destruído até 25% da estrutura da cidade. Perto da Beaver Street, o fogo, que teve início em
uma taberna com estruturas de madeira, cruzou a Broadway; incêndio este que perdurou por
todo um dia, antes de ser contido pela população, destruindo prédios comerciais e moradias
em seu entorno, contudo, aos poucos, foi ganhando novos prédios e restaurações. De lá para
cá, muitas foram as mudanças ocorridas na área, tornando-se palco de diversas manifestações
políticas, culturais e sociais ao longo dos anos.

Apesar da extensa e relevante história da Broadway em vários aspectos, que contamos


acima, iremos focar essa pesquisa na sua contribuição ao cenário do teatro mundial, oferecida
a partir das apresentações teatrais concentradas no já citado trecho da Broadway, Theater
District.

1.2.Trajetória do Teatro Brasileiro

Para tratar a história do teatro de forma mais detalhada seria primordial destrinchar a
pesquisa, possivelmente por civilizações, divisões regionais antigas ou mesmo as atuais
continentais, além de períodos como a Idade Média, Renascença, Barroco e era da cidadania
burguesa. Porém, um estudo dessa natureza se afasta do tema proposto nesse trabalho, e por
essa razão não nos aprofundaremos nele, mas torna-se importante reafirmar que existe a
presença do teatro primitivo em praticamente todos os lugares em que há teatro.

O início da prática teatral ocorreu de forma semelhante no Egito e Antigo Oriente, nas
civilizações Islâmicas e Indo-Pacíficas, na China, no Japão, Grécia e Roma. Todos esses
proêmios tiveram por base a necessidade de expressão do ser humano; isso inclui a América e
os países pertencentes a ela, assim como o Brasil.

José de Anchieta, juntamente com Fernão Cardim (1549-1625) e Manuel da Nóbrega


(1517-1570), deixaram legados na arte do período quinhentista. Para Ruckstadter e Toledo
(2005, p.07), além de poemas, hinos e canções, José de Anchieta escrevia autos que atestaram
uma retomada das criações de Gil Vicente (1465-1537), que é considerado o primeiro grande
dramaturgo português. Suas obras fizeram parte da manifestação cultural da Idade Média e
amparado pelo formato teatral propagado pelo dramaturgo português, José de Anchieta seguiu
com sua evangelização.
42

Muitos índios tiveram contato com o cristianismo através de peças teatrais; muitos
viam possibilidades de crenças antes nem imaginadas. Provavelmente alguns indígenas, em
contato com novos conhecimentos, fortificaram suas crenças antigas, muitas vezes atacando
ou excluindo os jesuítas; há diversos relatos de confrontos motivados pela catequização.

Tanto no enredo de uma peça como na letra de uma música, o recurso utilizado é a
linguagem. Ao mesmo tempo em que são distintas, quando há o intuito de uni-las, as artes se
completam de maneira exemplar; as canções completam o enredo, ajudam a contar a história
sendo tão importante quanto as falas.

O teatro brasileiro, enquanto um sistema integrado por artistas, escritores, obras


dramáticas, e público, formou-se somente no período que compete ao Romantismo no Brasil.
Com gana de uma literatura própria e por deixar de estar atrelada à literatura portuguesa, os
escritores nacionalistas, romancistas e poetas avançaram para uma escrita pautada na
realidade brasileira e, embora conservassem traços da escrita europeia, a inspiração principal
era o Brasil.

Com o novo movimento que surgia no Brasil, após a abdicação de D. Pedro I, seguido
do período regencial e a maioridade de Pedro II, os intelectuais concentraram-se em compor
obras que enaltecessem o país. Já o Romantismo, em sua primeira geração, possui como
característica a luta para criar uma identidade nacional e diferenciar-se da literatura de origem
europeia com enredos que enalteciam a terra e os índios, diferentemente do que ocorria com a
literatura portuguesa em que os lusitanos eram os protagonistas e heróis de suas histórias.

No dia 13 de março de 1838 nasce o teatro nacional com a estreia da peça intitulada
Antônio José ou O poeta e a Inquisição, de autoria de Gonçalves Magalhães. O espetáculo
teve como ator principal João Caetano e mereceu destaque na avaliação de diversos
historiadores da época.

Com o evento deste espetáculo, que fez muito sucesso, nasce o teatro nacional,
como sugere a avaliação de José Veríssimo: “atores brasileiros ou abrasileirados,
num teatro brasileiro, representavam diante de uma plateia brasileira entusiasmada e
comovida o autor brasileiro de uma peça cujo protagonista era também brasileiro e
que explícita e implicitamente lhe falava do Brasil” (MATE; SCHWARZ, apud
VERÍSSIMO, 2012, p. 07-08).

Entretanto, alguns dos espetáculos posteriores à peça de Gonçalves Magalhães não


alcançaram o sucesso de público, muitos tiveram poucas apresentações e críticas negativas.
43

Nesse período, os escritores que se comprometiam a criar, em sua maioria, optavam pelos
melodramas e tragédias, evitando o gênero cômico, que não era visto pelos intelectuais, como
genuína e superior manifestação teatral. Apesar das tentativas de emplacar melodramas, o
escritor Martins Pena seguiu contra essa corrente ao insistir na escrita de textos cômicos. Com
isso, entre os anos de 1844 e 1847, consolidou uma carreira memorável no teatro nacional
contando com a apresentação de 15 espetáculos.

Mesmo com o sucesso, não faltaram críticas ao seu trabalho, inclusive de escritores
renomados como José de Alencar e Machado de Assis. Pena acabou sendo considerado por
muitos como aquele que defendia, em primeiro lugar, a comicidade, e deixava de lado o senso
crítico de situações sociais que fugia da alta comédia e limitava-se à farsa, à baixa comédia,
ao burlesco, gêneros esses considerados inferiores.

O reconhecimento do trabalho de Martins Pena ocorreu apenas no século seguinte,


sendo considerado o criador da comédia brasileira.

Se deixarmos de lado critérios menos dogmáticos, podemos compreender a obra do


autor destacando principalmente dois aspectos que a tornam digna de atenção ainda
hoje: o que diz respeito à observação, descrição e crítica dos costumes e o que se
refere à carpintaria teatral propriamente dita. (MATE; SCHWARTZ, 2012, p. 10).

Martins Pena faleceu aos 33 anos de idade deixando como legado cerca de 30
espetáculos entre comédia, sátiras, dramas e farsas, dentre eles destacam-se: O Judas em
sábado de Aleluia (1844), Os irmãos das almas (1844), Os dois ou O inglês maquinista
(1845), O diletante (1845) e As desgraças de uma criança (1845). Muito da comicidade dos
espetáculos de Martins Pena não está propriamente explícito nos diálogos, pois é comum em
seus textos encontrarmos direcionamentos entre parênteses que detalham melhor as ações do
ator para que determinada cena se torne engraçada com a união de falas e expressões cômicas.

Como escritor de comédia de costumes, muitas das situações dos roteiros são
inspiradas na realidade brasileira, com suas crenças e hábitos. As descrições das personagens
da peça O Judas em sábado de Aleluia8 revelam cargos conhecidos e características presentes
em pessoas que eram facilmente encontradas na rotina da população carioca. O espetáculo

8
Peça disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000142.pdf.> Acesso em: 11. nov.
15.
44

trazia as seguintes personagens: Imenta, cabo‐de‐esquadra da Guarda Nacional; suas filhas


Chiquinha e Maricota; seu filho peralta de 10 anos chamado Lulu; Faustino, empregado
público; Ambrósio, capitão da Guarda Nacional; Antônio Domingos, um velho negociante de
meninos e moleques. A história passa-se no ano de 1844, na cidade do Rio de Janeiro. Na
primeira cena da peça, crianças montam um boneco de Judas para realizar a malhação. A
lembrança da malhação do Judas remete-nos ao costume brasileiro de, no Sábado de Aleluia,
malhar um boneco que representa o discípulo Judas, que traiu Jesus com um beijo a troco de
30 moedas de prata; tradição essa que ainda ocorre em algumas regiões brasileiras.

Após a montagem do boneco de Judas, as personagens Chiquinha e Maricota são


apresentadas em cena conversando sobre paqueras e namoros. Em seguida, o jovem Faustino
entra na casa para ver Maricota, mas se depara com a chegada repentina de outro pretendente.
Para não ser visto, Faustino se esconde dentro do boneco e presencia diversas conversas
secretas, inclusive juras de amor de sua amada a outro.

Aos poucos, os espetáculos cômicos que mostravam a realidade brasileira foram


ganhando espaço entre o público. Martins Pena havia iniciado uma constância de espetáculos
alimentada por outros escritores, tais como Joaquim Manoel de Macedo que, antes de se
aventurar na comédia, havia escrito A Moreninha, em 1844. Com a peça O fantasma branco,
de 1851, passou a levar a comédia aos palcos cariocas, tendo classificado a peça como “ópera
em três atos”. Embora apresente diversas músicas, “[...] dado o predomínio dos diálogos, o
mais adequado seria classificá-la como ‘comédia-vaudeville’, associando-a ao modo criado
por Scribe na primeira metade do século XIX” (MATE; SCHWARTZ, 2012, p.15).

Outro nome de destaque no teatro da época é o de José de Alencar que, em 1857, aos
30 anos, escreveu O Rio de Janeiro (Verso e Reverso). O espetáculo foi apresentado no Teatro
Ginásio Dramático. Segundo Veneziano, o escritor se revela um precursor da revista, quando
diz: [...] ao pintar o Rio de Janeiro com cores mais fortes e precisas, mas repletas de bom
humor, do que até então já se havia feito, com seus mendigos, seus artistas, seu clima, seu
crescimento populacional absurdo e até seus trapaceiros.(VENEZIANO, 1991, p. 26).

Apesar do cunho popular da comédia de costumes e da presença de canções em


algumas das peças, os espetáculos não chegaram a ser classificados como pertencentes à
revista, uma vez que o gênero seria instalado no Brasil anos depois, justamente por faltarem
elementos pontuais que caracterizassem o gênero teatral proveniente da França.
45

Possivelmente, a comédia de costumes foi fundamental para propiciar ao público o gosto pelo
teatro como forma de entretenimento, de crítica social e fonte de cultura. Finalmente o teatro
falava do Brasil, da sua realidade.

1.2.1. Um Brasil revisteiro

O Teatro de Revista é um subgênero do Teatro Musicado que compreende, também,


mágicas, cançonetas, burletas, café-concerto, cabaré, operetas, vaudevilles, operetas, teatro de
variedades, sainetes, fantasia, farsas, entre outros. Todas essas formas pertencem a um
conjunto de gêneros do teatro popular provenientes de cidades europeias como Paris e
Londres. O Teatro de Revista é de origem francesa. A Revista-de-anosurgiu nas feiras de
Saint-Germain e Saint-Laurent, em Paris, França, no século XVIII. Lesage, o criador da
revista, não esperava a repercussão positiva que a iniciativa causaria, não somente na França,
mas em demais países. Após cinco anos de sua inauguração a revista surgiu no Brasil, e foi
entusiasticamente traduzida por Arthur Azevedo 9 . Os fatos que marcavam o ano eram
resumidos e retratados na Revista-de-Ano de forma teatralizada, com muita música e humor.

No ano de 1859, o Rio de Janeiro, que era a sede do império, recebeu a peça As
surpresas do Sr. José da Piedade, escrita por Justiniano de Figueiredo Novaes e estrelada por
um dos atores mais conhecidos da época, Correa Vasques. A peça, apesar de ter sido liberada
pela censura, teve suas apresentações interrompidas pela polícia no terceiro dia em cartaz. Foi
alegado que o espetáculo atentava contra a moral. A polêmica que permeou o início do Teatro
de Revista no Brasil acompanhou todo o desenvolvimento do gênero teatral ao longo dos
anos.

Ainda no mesmo ano, foi inaugurado, na atual Rua Uruguaiana, antiga Rua da Vala, o
café Alcazar Lyrique. Com atrações trazidas da França, o local encantou muitos brasileiros
com suas apresentações exóticas, nas quais as mulheres bonitas dividiam o palco com

9
Biografia de Artur de Azevedo. Disponível em: http://www.academia.org.br/academicos/artur-
azevedo/biografia. Acessado em: 14. mar. 15.
46

números de humor. A vida noturna carioca adentrava no gênero ligeiro. Após sete anos o café
passou a se especializar em operetas, decisão tomada por nova gerencia do local.

Antunes (2004) cita que novas apresentações do Teatro de Revista só ocorreram em


1875, mais de 15 anos depois de “As surpresas do Sr. José da Piedade”. Os espetáculos
Revista de Ano de 1874 e Rei Morto, Rei Posto, do jornalista, cronista e escritor Joaquim
Serra, foram apresentados no Teatro Vaudeville 10 . Ambas as peças não obtiveram o
desempenho esperado por seus produtores. O Teatro de Revista somente obteve repercussão
depois que o autor Artur Azevedo, que desfrutava de reconhecimento pelo seu trabalho como
dramaturgo, passou a defender a valorização do teatro nacional. Ele já havia realizado
paródias de operetas francesas, tendo obtido grande êxito; depois se aventurou com Revista de
Ano de 1877 e Tal Qual Como Lá, Revista de Ano de 1879. A primeira não caiu nas graças do
público e a segunda nem chegou a ser apresentada, devido à falta de interesse dos empresários
em patrocinar o espetáculo.

A consagração do gênero teatral só foi possível graças à insistência de Artur Azevedo


que, mesmo depois de duas tentativas fracassadas produziu, em 1884, em parceria com
Moreira Sampaio, O Mandarim. Essa peça foi montada após o dramaturgo ter viajado à
Europa e assistido espetáculos teatrais na França, Espanha e Portugal.

O interessante desse espetáculo é que, além de marcar o início da popularização do


Teatro de Revista, curiosamente, aborda o encontro de culturas diferentes. O enredo da peça
traz cenas que tratam do choque cultural da personagem do chinês Tchi-tchan-fó, que
desembarca no Brasil para verificar se o país tem condições de abrigar imigrantes chineses.
Ele é recebido por uma comitiva de mazelas diversas que expõem a situação do Brasil para o
estrangeiro. Entre os participantes da comitiva estão a Política, o Mendigo, o Cortiço, o
Engraxate, o Vagabundo, entre outros.

A edição nº 368 da Revista Ilustrada, de 12 de janeiro de 1884, mostra crítica ao


espetáculo: “As scenas do Mandarim, como de resto assim deve ser, são apresentadas pelo seu
lado comico e burlesco, e os typos quase todos um tanto carregados. E tudo está muito bem”.

10
Vaudeville foi um gênero de entretenimento de variedades predominante nos Estados Unidos e Canadá do
início dos anos 1880 ao início dos anos 1930. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Vaudeville>.
47

Antunes (2004) apresenta trecho do espetáculo, no qual a Política se coloca como


anunciante da chegada do chinês, ao dizer:

Males e malas, eu, a Política, a primeira e a mais velha dentre vós, a calamidade
absoluta, diante da qual todos vós deveis curvar a cabeça, convoquei a presente
assembleia para o fim de procedermos a solene recepção de um ilustre estrangeiro
que deseja travar conhecimento conosco e nos será apresentado pelo ínclito e
benemérito barão de Caiapó. (ANTUNES, 2004, p. 21)

Ao mesmo tempo em que era o Brasil que recebia e se revelava ao chinês, o público
tinha acesso a realidades de um imigrante. Mesmo que o comportamento e as falas possam ter
sido criados pelo autor com base em materiais de pesquisa sobre a China e o fato de o chinês
ter em sua marca a comicidade, muito da cultura chinesa estava presente em Tchi-tchan-fó,
sendo que o público absorveu muito da cultura imigrante.

Essa mesma dinâmica ocorreu com os espetáculos do Teatro de Revista, mesmo não
citando culturas estrangeiras de forma direta, como no caso de O Mandarim, que, ao
apresentar um formato baseado em um estilo teatral de outro país, no caso, a França, o
processo de hibridação encontra espaço.

Ainda na peça O Mandarim, podemos exemplificar melhor essa influência estrangeira;


o ator Xisto Baia realizou a caricatura de João José Fagundes de Rezende e Silva,
personalidade conhecida na época que se sentiu ofendido com a situação, a ponto de
denunciar a peça para a polícia, a fim de que ela saísse de cartaz. O ocorrido só aumentou
ainda mais a popularidade do espetáculo. A partir de então, as peças revisteiras
constantemente satirizavam casos e pessoas reais no palco.

As temáticas eram brasileiras, mas o formato de utilizar de fatos conhecidos


nacionalmente e de figuras públicas, já ocorria há tempos na França; uma rotina normal dos
palcos franceses de ridicularizar personagens públicos passou a ser realizada no Brasil,
tornando-se um claro exemplo de hibridação cultural.

O êxito com O Mandarim estimulou a produção de outras peças do gênero teatral:


Cocota (1885), O Bilontra (1886), O Carioca (1887), Mercúrio (1887) e O Homem (1888).
Esses espetáculos foram o alicerce do Teatro de Revista no Brasil, e traziam por uma facécia
cômica, cenas da rotina do brasileiro.
48

O espetáculo, geralmente, era apresentado por uma dupla, chamada de Compéres (ou
Compadres). Eles se envolviam em alguma aventura que os levava a locais e ao encontro de
personagens significativos para o público. O enredo era de certa maneira ingênuo, elaborado o
suficiente para ligar uma história à outra, sem pretensões maiores. O coro das apresentações
era acompanhado por uma orquestra de cordas. A encenação era deixada em segundo plano,
enquanto o texto recebia atenção especial.

Apesar do rompimento da composição em conjunto, Arthur Azevedo e Moreira


Sampaio continuaram a produzir peças que eram recebidas com entusiasmo pelo público que,
com o passar do tempo, tornavam-se cada vez mais fiel ao gênero. Nos primeiros anos da
República, a comicidade na retratação de figuras políticas tornou-se uma constante nas
apresentações, destacando-se em relação às cenas com muitas fantasias. O panorama de um
Rio de Janeiro moderno e em crescimento era representado por cenários autênticos à
realidade.

Para revista no final do século XIX “[...] o que se viu foi a possibilidade de, em lugar
da política, colocar-se em primeiro plano a malícia” (VENEZIANO, 1991, p. 37). Tal
mudança pode ser justificada por diversos fatores, inclusive a concorrência saudável entre
companhias teatrais, fazendo com que novas características fossem inseridas ou a mudança da
temática. O crescimento do número de espetáculos proporcionou novas possibilidades de
inovações. O aumento da quantidade de peças fez nascer uma demanda por mais artistas,
fazendo com que o Rio de Janeiro, entre todas as cidades da América do Sul, se tornasse o
sítio dos artistas que buscavam espaço para mostrar seus talentos. A qualidade do elenco
estrangeiro e nacional era considerada altíssima.

1.2.2. A revista sofre duras críticas, mas cresce em público

Em contrapartida, não podemos deixar de citar as constantes críticas de intelectuais


aos rumos do teatro nacional, que incluíam os formatos estrangeiros, além da França, os de
outros países, como Portugal e Itália. Para muitos desses críticos o papel do teatro era de
educar com valores morais, ou seja, a revista e as operetas não alcançavam o intuito do teatro,
já que o principal objetivo era o de fazer rir, colocando-as como causadoras da "decadência do
teatro nacional".
49

Segundo Maira Mariano (2008), a imprensa responsabilizou não somente o


crescimento do teatro musicado por essa decadência, mas também a frequente presença de
"[...] companhias estrangeiras em solo brasileiro, a falta de companhias e de autores nacionais,
os números de variedades, o cinematógrafo, e até a prosódia portuguesa". (MARIANO, 2008,
p. 14).

Ironicamente, a cada nova crítica e desprezo pelas obras revisteiras, o gênero


angariava público, e os artistas, cada vez mais prestigiados, conquistaram status de
celebridades. Em cada cidade brasileira que a revista chegava, eram acrescentadas às
apresentações algumas características regionais.

Críticas semelhantes a essa eram feitas constantemente nos periódicos da época e


representavam a opinião da elite intelectual de Florianópolis, que não chegava a rejeitar o
gênero, mas impunham objeções a algumas características das apresentações cariocas,
adaptando as peças de uma maneira que excluíssem a tendência à obscenidade e a qualquer
cena que deixasse o público constrangido.

Inclusive no Rio de Janeiro, as críticas à revista eram igualmente duras, mas tinham
teor mais forte em cidades provincianas e conservadoras, como era o caso de Florianópolis, na
década de 1920.

Outro ponto de críticas ao gênero, segundo os intelectuais, principalmente quando este


era mais fiel ao formato francês e com cenas que revisavam os principais eventos do ano
anterior no Brasil, era o fato de a revista se limitar a tratar de temas atuais, colocando-a em
posição inferior quando comparada a obras eternizadas por escritores, que seriam bem aceitas
em diversas épocas (MARIANO, 2008, p. 34).

Contudo, a partir da segunda década do século XX, muitos textos passaram a deixar de
lado os temas da atualidade e investiram em novas propostas, mesclando a crítica política com
outras temáticas.

1.2.3. A renovação da revista

A revista teve sua primeira grande perda com o falecimento de Moreira Sampaio, no
dia 4 de agosto de 1901, e no gênero teatral com a morte de Arthur Azevedo em 22 de
50

Outubro de 1908. Após os falecimentos de Sampaio e Azevedo nenhum outro autor teve
grande destaque no teatro nacional. Devido à falta de uma inovação, nenhum outro autor
brilhou tanto quanto a dupla. Em consequência da carência de novos espetáculos o resultado
foi a excessiva remontagem de peças ou de textos que não conquistavam o público a ponto de
serem considerados grandes sucessos.

A partir das décadas de 20 e 30 a revista passa a ter destaque novamente. A companhia


francesa Ba-ta-clan, de Madame Rasimi, chegou ao Brasil em 1922, seguida, no ano seguinte,
pela Companhia Velasco, de origem espanhola. Os shows das duas companhias trouxeram o
corpo da mulher desnudo, mostrando que em outros países isso era uma realidade. As
mulheres ganharam mais destaque e a nudez foi fazendo parte das apresentações das
companhias brasileiras.

Entre as novidades importadas, adotou-se a suspensão das meias grossas que


cobriam as pernas das coristas, abrindo caminho para o “nu artístico”. O apelo
erótico mais explícito ganhou força nos espetáculos. A nudez de seios e braços das
francesas empolgou as plateias e logo foi copiado pelas artistas locais. (ANTUNES,
2004, p.54).

Além da nudez, ocorreram novas mudanças no cenário revisteiro, a banda de jazz


assume o posto da orquestra de corda, as paródias, e a encenação recebe a mesma atenção.
Nesse período, Manoel Pinto é o maior nome da área empresarial teatral.

A partir do final da década de 30, o gênero passa a ser representado por diversas
companhias, sendo a mais conhecida a de Walter Pinto, que assume os negócios de seu pai
Manoel Pinto, em 1938. Os espetáculos recebem maiores investimentos, possibilitando o
aumento no número de artistas no elenco, e o luxo se faz presente nos figurinos e cenários. No
final dos anos 50 as apresentações se tornam cada vez mais apelativas no que se relaciona à
nudez e às paródias, perdendo uma das suas principais característica, que era a temática
política. Cada vez mais as apresentações se tornam grandes shows, pautados mais na estética
do que propriamente no conteúdo.

O Teatro de Revista gradativamente sofreu trânsitos estético-artísticos ao longo dos


anos, tornando-se em:

Uma vertente que influenciou o cinema brasileiro resultando nas chanchadas, passa
aos programas humorísticos da TV. A outra vertente, a da malícia, no âmbito
popular se descaracteriza na pornografia e nos shows tipo exportação. O teatro de
51

Revista perde assim o seu caráter otimista e ingênuo, deixando de ser revista para
cair na explicitação e no descuido (KUTCHMA, 1999, p. 57).

Para o presente trabalho não nos aprofundaremos nas questões que culminaram no fim
da revista, mas utilizaremos algumas informações para compreender o processo de mudanças
do gênero. Percebemos que a sátira às figuras públicas da época foi perdendo espaço para os
novos aparatos tecnológicos. A suntuosidade dos cenários, dos figurinos e da iluminação,
assim como a ênfase na escala de artistas já consagrados estão à frente de características
anteriormente fortes no Teatro de Revista, como o cunho político.

Para a pesquisadora, Tânia Brandão (2008), o Teatro de Revista é dividido em quatro


fases: A Revista de ano, que compreende o período entre 1859 a 1906, com ênfase para as
obras de Arthur de Azevedo e a revista com um resumo dos acontecimentos do ano anterior;
A Revista de enredo (1906 a 1922) que não se limita aos fatos ocorridos no ano anterior, mas
aposta em novas histórias por meio de enredos; A Revista feérica e/ou musical (1922 a 1940),
em que os elementos fantásticos têm mais enfoque do que o texto alcançando no apogeu com
as obras de Walter Pinto com altos valores em cenários e figurinos; por fim, temos A Revista
espetacular presente entre os anos de 1940 a 1961, com apresentações de Carlos Machado
que destaca também a relação da formação das escolas de samba cariocas.

Neyde Veneziano (1991), por sua vez, divide o Teatro de Revista em três tipos: A
Revista de ano – que mostrava os acontecimentos sociais e políticos brasileiros do ano
anterior; A Revista carnavalesca – tipo que privilegia o samba, marchinhas de carnaval e
maxixe; e a Revista feérica com seus espetáculos luxuosos e de grande produção.

Ao longo desses três principais momentos do Teatro de Revista, percebemos que,


apesar dos padrões originários do francês, a hibridação estava presente desde o começo. O
formato de revisão do ano se mantém, assim como a orquestra de cordas, a maneira de
apresentação e a ênfase para o texto. Mas as histórias tratadas passam a receber temáticas e
rotinas tipicamente brasileiras.

Caso uma apresentação na língua francesa e com temas reais da França fosse
apresentada no Brasil, não teria uma identificação imediata com o público; própria língua,
através de palavras e terminologias, proporcionou ao espectador um conteúdo que fazia
sentido para ele. Portanto, é possível dizer que a primeira grande mudança dos espetáculos do
52

Teatro de Revista, apresentado na França e no Brasil, é a língua. A língua portuguesa


possibilitou maior entendimento dos espetáculos pelo público brasileiro.

1.2.4. Censura na era Vargas

Mesmo com a frequência do presidente Getúlio Vargas nas apresentações do Teatro de


Revista onde divertia-se com atores que o representavam, a censura igualmente instava-se em
seu governo. Quando falamos de censura automaticamente pensamos na Ditadura Militar, que
foi o período mais crítico no Brasil. Entretanto, durante toda a história do teatro nacional
ocorreram repressões artísticas. Nos tempos atuais, de forma velada, ocorrem certas ações de
censura, porém, bem mais esporádicas e discretas do que outrora.

No período em que Getúlio Vargas ficou no poder (1930 a 1945 e 1951 a 1954), havia
uma “política intervencionista, nacionalista e centralizadora, baseada também no
corporativismo e na criação e regularização das organizações trabalhistas” (COSTA, 2010, p.
98). Seu início ocorreu em 1937, quando Getúlio Vargas iniciou o Estado Novo no Brasil,
alegando estratégia de defesa contra uma revolução comunista. Sobre essa época de censura,
Cristina Costa afirma que:

A burocracia de controle e fomento dos meios de comunicação e das manifestações


artísticas chegou ao seu auge. Para isso, em 1939, foi criado o Departamento de
Imprensa e Propaganda – DIP -, um mega órgão que, como o SNI (Secretariado
Nacional de Informação) de Salazar, acumulava funções de propaganda,
publicidade, informação, documentação e pesquisa, publicações, promoção da
cultura em escolas e quartéis, controle e fiscalização de espetáculos, censura prévia
de jornais e diversões públicas, regulamentação de contratos de trabalhos por
empresa culturais, produção e distribuição de filmes, defesa do idioma, incremento
do turismo no país e muitos outros assuntos, como a difusão de boletins
meteorológicos. (COSTA, 2010, p.98).

A figura escrachada e populista de Vargas no início de seu governo atuou na difusão


de sua imagem. O malandro acabou sendo um dos personagens muito divulgado pela revista,
presente na maioria das peças. De acordo com Eliza Bachega Casadei, os espetáculos
mostravam Getúlio Vargas com certo grau de malandragem como “elemento integrante da
simpatia que era atribuída ao ex-presidente” (CASADEI, 2008, p.15). Retratar o presidente
dessa maneira era uma forma de estratégia, segundo explica Levine:

Os propagandistas do Estado Novo higienizaram a imagem dessas personagens [os


malandros], até mesmo, como pode se ver num material de propaganda, chamando
53

Getúlio Vargas de ‘o maior trapaceiro de todos’, por ele ter usado ‘sua malícia’ para
convencer os industriais a se comportarem melhor com os trabalhadores, além de ter
encontrado outros meios de protegê-los com sua esperteza. (LEVINE, 2001, p.94).

Os autores Freire Junior e Luís Iglesias, da revista Rumo ao Catete (1937), mostrava
como certa a permanência de Vargas no poder, e tida como necessária para dar continuidade a
diversas realizações do populista. No elenco estavam Aracy Cortes, Eva Todor e Oscarito.

A escritora de diversas obras teatrais e televisivas Renata Pallotti, em entrevista para o


livro Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro defende que “era praticamente
obrigatório que a uma certa altura das peças surgisse a representação de Getúlio Vargas em
cena. Havia até alguns atores especializados em fazer o papel do presidente” (PALLOTTI,
2008, p.43). Entre esses atores que imitavam os trejeitos de Getúlio Vargas estava Oscar
Lourenço Jacinto da Imaculada Conceição da Teresa Dias, o Oscarito.

Imagem 1: Da esquerda para a direita, Oscarito, Walter Pinto, Alexandre Amorim, Freire Jr. e
Sílvia Fernanda com o Presidente Getúlio Vargas

Fonte da Foto: Cedoc-Funarte.11


Nessa mesma época o samba e as marchinhas carnavalescas obtinham,
gradativamente, o alcance nacional através do rádio; muitas canções foram criadas justamente
nos palcos revisteiros. Diversas letras representavam uma apologia nacionalista e revelavam

11
Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-
oscarito/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
54

um Brasil de progresso e paz. Na revista Maravilhosa, de 1936 que, inclusive teve Grande
Otelo no elenco, há um samba cantado que exemplifica essa ideia da música ser conivente
com a propaganda ideológica do governo Vargas. O trecho é citado por Delson Antunes
(1996, p. 235):

Tudo vai bem,


Vai mesmo uma beleza
Tudo está bem,
Bem de verdade.
Aqui não há crise, luta, nem pobreza.
Aqui só há prosperidade!
Terra gigante,
Por natureza,
Neste Brasil
Só há grandeza!
Pois, realmente, aqui é um mar de rosas
Tudo vai bem
Vai mesmo bem!

Ao longo do governo Vargas, o ex-presidente passou, apesar da existência da censura,


a ser retratado com muita “benevolência”, como um “malandro a ser respeitado”. Não foram
poucas as peças que conseguiram passar uma impressão ironizada do político, mas nenhuma
como a revista de autoria de Bibi Ferreira e Hélio Ribeiro da Silva, de 1950, Sombra e água
fresca. A malandragem de Vargas neste espetáculo não estava vinculada a uma ação que
beneficiaria o povo, como representavam nas demais peças. Sombra e água fresca
proporcionava uma “espécie de malandragem advinda da sabedoria das regras políticas. Ele
encarna o velho político, o matuto, o matreiro que, por conhecer o sistema, sabe manipulá-lo
astuciosamente” (CASADEI, 2008, p. 16).

De acordo com Maria Cristina Castilho Costa, desde 1920 já havia processos de
censura teatral paulista, mas foi a partir do Estado Novo que foram arquivados de maneira
mais ordeira, possibilitando que hoje pudéssemos ter acesso à história da censura assim como
a do teatro paulista. (COSTA, 2010, p.100). O acervo com esses documentos é denominado
Arquivo Miroel Silveira, em homenagem ao autor, diretor, poeta, dançarino, que em 1980,
pouco tempo antes de morrer, resgatou mais de seis mil processos do Serviço de Censura do
Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo. Documentos que datavam de
1926 a 1968, sendo um resgate histórico artístico de inestimável valor.
55

Com a era Vargas iniciou-se a Revolução de 1930 com a expulsão da oligarquia


cafeeira do poder; tem-se, então, 10 anos de censura catalogada que, conforme Decreto nº
14.529, de nove de dezembro de 192012, determina que qualquer peça teatral precisaria de
censura prévia, realizada pelo 2º delegado auxiliar da Polícia, para ser autorizada a sua
apresentação. Segue trecho do Art. 39 do Decreto:

Na censura das peças teatrais a polícia não entrará na apreciação do valor artístico da
obra; terá por fim, exclusivamente, impedir ofensas à moral e aos bons costumes, às
instituições nacionais ou de países estrangeiros, seus representantes ou agentes,
alusões deprimentes ou agressivas a determinadas pessoas e a corporação que exerça
autoridade pública ou a qualquer de seus agentes ou depositários; ultraje, vilipendio
ou desacato a qualquer confissão religiosa, a ato ou objeto de seu culto e aos seus
símbolos; a representação de peças que, por sugestão ou ensinamento, possam
induzir alguém [a] prática de crimes ou contenham apologia destes, procurem criar
antagonismos violentos entre raças ou diversões classes da sociedade, ou propaguem
ideias subversivas da sociedade atual.

A censura, portanto, tinha como objetivo assegurar a ordem e a moralidade à


população, além de velar pela proteção da imagem do governo perante as relações
internacionais e ao povo, pois a censura acreditava na defesa dos valores tradicionais e, por
essa razão, os teatros eram constantemente vigiados por policias. Na era Vargas, o teatro, de
forma geral, vivenciou uma pequena, porém significativa experiência das restrições dos
espetáculos que, posteriormente, se intensificariam com a Ditadura Militar.

1.2.5. São Paulo se rende aos musicais

São Paulo, assim como em outras cidades, igualmente se tornou um marco importante
para o teatro revisteiro. O espetáculo precursor do gênero teatral foi O Boato, de autoria de
Arlindo Leal, de 1899, e realizada pela Companhia Sampaio e Faria. O resumo dos
acontecimentos entre os anos de 1897 à 1898 era contado por uma família da cidade de
Araras, em São Paulo, sendo a peça semelhante à estrutura utilizada por Arthur Azevedo na

12
BRASIL. Decreto nº 14.529, de 9 de Dezembro de 1920 – Republicação. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-14529-9-dezembro-1920-503076-republicacao-
93791-pe.html.> Acesso em: 07 jul. 2015.
56

produção A Capital Federal. Leal contribuiu, ainda, com o teatro musicado, com as peças
Cenas da Roça e Flor do Sertão, ambas de 1917.13

Com exceção de grupos amadores paulistas e dos filodramáticos, as apresentações em


São Paulo eram importadas principalmente da Itália, França e Portugal. Artur Azevedo passou
a ser mais conhecido do público paulista em 1905, com seu espetáculo O mambembe,
apresentado no Politeama. A peça mostrava os percalços de uma companhia ambulante de
teatro que, mesmo diante das dificuldades não deixava de demonstrar a magia dos palcos.

Claramente há diferenças pontuais presentes nos enredos, afinal são regiões de


culturas distintas. Essa variação nos palcos pode ser percebida, por exemplo, um personagem
rural do Rio de Janeiro não mostrava de forma clara o seu lugar de origem. Por outro lado, o
de São Paulo apresentava-se de maneira definida, podendo ser de alguma cidade do interior
paulista, mineiro ou nordestino.

Entre os autores de revista de São Paulo, destacam-se Danton Vampré e Alexandre


Ribeiro Marcondes, que utilizava o pseudônimo de Juó Bananère.

Assim como o carioca, o paulista se mostrou um povo musical; os teatros, as ruas, os


clubes, eram palcos de músicas. Diferente do Rio de Janeiro, que adquiriu uma influência
musical francesa, São Paulo recebeu uma interferência italiana. Os imigrantes italianos
trouxeram as óperas de Verdi e Puccini e artistas italianos ávidos por um palco. A imigração
italiana ocorreu de maneira mais pungente entre os anos de 1880 e 1930, sobretudo no estado
de São Paulo. Segundo Veneziano,

O autêntico teatro paulistano era impulsionado, principalmente, pelos


filodrammatici, grupos amadores oriundos das diversas sociedades italianas, de um
dos quais surgiu a mais importante atriz trágica brasileira Itália Fausta. Os
filodramáticos tinham um repertório variado que ia de La Morte Civile, de Paolo
Giacometti às comédias de Goldoni. Divas e divos italianos, ao apresentarem-se em
São Paulo, eram ovacionados e ditavam normas estéticas. (VENEZIANO, 1991, p.
47).

13
MORAES, José Geraldo Vinci; FONSECA, Denise Sella. A música em cena na Belle Époque paulistana. Ver.
Inst. Estud. Bras. No.54. São Paulo, mar. 2012.
57

Com a predominância de operetas italianas, a revista somente ganhou notoriedade na


primeira década do século XX, principalmente com o espetáculo O Maxixe (1906), de Batista
Coelho, conhecido como João Phoca, e Bastos Tigre. A produção foi apresentada no
Politeama. Ao contrário do Rio de Janeiro, a revista paulista tinha apresentações nas quais as
crianças eram bem vindas; além disso, as personagens eram, em sua maioria, imigrantes e
caboclos, tendo por cenários a reprodução de lugares paulistas conhecidos, como Largo do
Arouche e a Rua Direita.

Com relação aos espaços destinados ao teatro, São Paulo estava longe de ser a
potência que é hoje, enquanto que, de acordo com Magaldi e Vargas” [...] o Rio de Janeiro, no
ano de 1946, possuía dez casas de espetáculos, São Paulo tinha apenas O Boa Vista, o
Santana e o Municipal”. (2001, p.187).

Nessa mesma época o amadorismo dá um grande salto de qualidade, aumentando as


exigências do teatro profissional:

O desejo de renovação já atingira a revista, como se observou em Sonho carioca,


dirigida por Chianca de Garcia. Diferentemente das montagens suntuosas e de mau
gosto, reinantes na praça Tiradentes do Rio, esse encenador português trouxe um
toque de modernidade, visível nos cenários e figurinos. (MAGALDI e VARGAS,
2001, p. 188).

Ainda nessa época diversos participantes da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais,


assim como artistas de teatro e de circo, reivindicaram investimentos no setor. Os
manifestantes empunhavam cartazes com dizeres como "Para cada cinema derrubam dois
teatros", "Há cem cinemas em São Paulo e um só teatro!" e "São Paulo quer terrenos para
serem instados circos!".

1.3. As Notórias Vedetes

Assim como Íris Bruzzi, outras vedetes reinaram nos palcos. Começavam como
coristas e bailarinas, passando para soubrette quando a artista possuía um destaque maior no
espetáculo. No início da carreira mostravam as belas pernas em passos de danças ousados e
suas vozes se misturavam às demais. As vedetes que se destacavam pela beleza, talento e
carisma atingiam um status de notoriedade e, estrelavam cenas tendo a voz solo em músicas
58

de sucesso e, por vezes, tornando-se o grande nome nos musicais, garantindo um público
cativo que compareciam para vê-las.

De acordo com Neyde Veneziano (2010, p.17) há controvérsias sobre a origem da


palavra vedete.

De qualquer modo, vedetta em italiano arcaico quer dizer: pessoa colocada em posto
de observação, encarregada da segurança do campo. Seria uma espécie de vigia, que fica
num ponto mais alto. Sua função era vedere (ver). Assim, dessa forma, passou para a França e
virou vedette, que continuava a ser sentinela. Logo em seguida os franceses inventaram
vedette d’honneur (o vigia de honra) que era o cara que ficava no alto, vigiando uma
celebridade da nobreza ou da riqueza. E, como os franceses são muito criativos, passaram usar
o termo para designar aquele que fica no posto mais alto para chamar a atenção. Assim,
rapidamente, no mundo do espetáculo, quando falavam mettre en vedette significava colocar o
nome do ator ou da atriz no alto, acima dos outros, em destaque. Era desse jeito que deveria
aparecer no cartaz à porta do teatro. Não demorou muito para que as belas cantoras-
dançarinas, estrelas do show, fossem chamadas de vedettes.

Com a difusão de seus espetáculos, as vedetes tornaram-se influentes no modo de vida


dos brasileiros de maneira que ditavam as tendências de moda, despertavam a atenção
masculina, e nutriam nas mulheres impressões conflituosas; por um lado, as artistas eram
repudiadas por representarem um padrão estético que atraía os olhares dos homens, por outro
eram igualmente admiradas por romperem com os padrões sociais.

A mídia, por sua vez, atuava como meio de exposição da imagem dessas atrizes a
divulgá-las em fotos e textos os acontecimentos sobre suas vidas, fazendo-as cada vez mais
conhecidas do grande público. Muitas vedetes tinham a vontade de despontar na carreira, para
isso apostavam em um impulso, serem citadas como uma das "Certinhas do Lalau". As moças
que apareciam na famosa lista eram aquelas que haviam conquistado destaque nos palcos e na
televisão.

No ano de 1954, o jornalista Jacinto de Thormes publicou na revista Manchete, uma


relação intitulada "mulheres mais bem vestidas do ano". Em contra partida, o jornalista Sérgio
Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que também escrevia para a mesma a revista, porém sobre
teatro-rebolado, passou a publicar uma listagem com as "mulheres mais bem despidas do
59

ano". A partir de uma expressão utilizada pelo pai do jornalista surgiu a inspiração do nome
para a sua lista, passando a serem chamadas de Certinhas do Lalau.

Ao todo foram 14 anos de "Certinhas do Lalau", 142 eleitas cuja maioria era do Teatro
de Revista.

Nesse período, a inspiração feminina transitava basicamente em dois estilos, as que


demonstravam elegância e ingenuidade, inspiradas por muitas atrizes de Hollywood, como
Audrey Hepburn, e as artistas consideradas símbolos sexuais chamadas de bombshell
(granada explosiva), como Marilyn Monroe. Podemos dizer que as vedetes seguiam mais a
inclinação de bombshell do que para ares de ingenuidade. Apesar do estereótipo de mulheres
fatais, em entrevista realizada em 1975 ao Serviço Nacional de Teatro (SNT), Walter Pinto
afirmou:

Fiz do meu teatro uma oficina de trabalho onde era exigido o maior respeito.
Qualquer transgressão à moral era punida com suspensão ou com expulsão imediata
do elenco. Antes, as mulheres andavam às vezes despidas por onde estavam os
carpinteiros, eletricistas, maquinistas, etc. [...] Meu teatro em relação ao que vejo
hoje era um convento. Inclusive eram proibidas as visitas de camarim para camarim,
fofoquinhas e palavrões. Aquilo era um santuário, respeito era ali dentro [...] Aliás,
eu tinha também na minha companhia muita moça virgem, parece absurdo. Tinha
mais virgem na Companhia do que hoje em Copacabana.14

Walter Pinto tornou-se responsável por revelar as maiores vedetes brasileiras, entre
elas Mara Rúbia, nascida em Marajó, no Pará, mãe solteira de três filhos que havia se mudado
para o Rio de Janeiro em busca de melhoria de vida. Íris Bruzzi, em entrevista concedida para
essa dissertação, conta que no dia do teste de elenco de Mara Rúbia, Walter Pinto pediu a ela
para levantar a saia para que pudesse ver suas pernas. Indignada disse que, caso quisesse ver
suas pernas que desse dinheiro para ela comprar um maiô apropriado; e foi o que o produtor
fez. Ela passou no teste e Walter Pinto investiu em sua carreira apostando que ela seria uma
grande estrela; contratou professor de canto e dança para que ela aprimorasse seus talentos.
Em virtude do seu aprimoramento com os estudos, a artista manteve, por anos, o título de
rainha das vedetes.

14
Entrevista disponível em: http: <//www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/serie-
depoimentos/walter-pinto-relembra-os-anos-de-gloria-no-teatro-recreio/>. Acesso em: 14. nov. 15.
60

Mara Rúbia foi a única vedete que saiu dos palcos da Praça Tiradentes para o Teatro
Municipal. Trabalhou como atriz em diversas peças teatrais que não pertenciam ao Teatro de
Revista.

Imagem 2: Foto da Vedete Mara Rúbia: sucesso, simpatia e beleza.

Fonte extraída do site Adoro Cinema. 15

Além de Mara Rúbia, a vedete Virgínia Lane recebeu grande destaque na época; ficou
conhecida como “A Vedete do Brasil”. Considerada uma vedete mais brejeira e coquete,
Virgínia Lane provinha de uma carreira no rádio e, pouco tempo depois de sua estreia nos
palcos revisteiros, já havia conquistado o público que se encantava com suas expressões
maliciosas. Virgínia Lane percorreu, com sua própria companhia teatral, várias cidades
brasileiras.

15
Disponível em: <http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-
544136/fotos/detalhe/?cmediafile=20456027>. Acesso em 15 jun. 2015.
61

Imagem 3: Foto de Virgínia Lane pela Câmera de Halfeld.

Fonte: Cedoc/Funart16.

Virginia também obteve notoriedade por ter se tornado amante do presidente Getúlio
Vargas, casado e pai de cinco filhos; inclusive, sendo ele o responsável por seu título de
“vedete do Brasil”, designação que a acompanhou ao longo de sua vida e perdura até hoje.
Segundo Neyde Veneziano:

A Vedete do Brasil era baixinha, com pouco mais de 1,50 m. Então inventou
sandálias com altas plataformas. Um jornal disse que suas pernas eram espirituais de
tão perfeitas. Então, quis aumentá-las. Intentou maiôs bem cavados. Era também
meio dentuça. Fosse hoje, um protético teria desmontado seu lindo sorriso de
coelhinha marota. Pois usou tudo isso a seu favor. Aumentou-os, escondeu os
defeitos com enormes chapéus, com mais lantejoulas, mais plumas, mais diamantes,
mais malícia e mais alegria. E se tornou um ícone da revista nacional.
(VENEZIANO, 2010, p. 97).

Embora soubesse como usar seus atributos, assim como seus defeitos a favor, a artista
não era bem quista pelos profissionais com quem trabalhava, pois era tida como exigente e

16
Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/imagens/imagens.../page/83/>. Acesso em:
15 jun. 2015.
62

extremamente implicante. Temia que as bailarinas ofuscassem o seu espetáculo, determinava


que elas ficassem no fundo do palco enquanto ela brilhava no centro.

Entre as vedetes mais conhecidas, duas artistas divergiam das demais, eram elas Elvira
Pagã e Luz Del Fuego. Ambas conquistaram seu espaço na mídia e no imaginário popular por
aparecerem em seus shows, nuas, diferente da nudez estática proposta no início da década de
1920 por companhias estrangeiras, apresentavam-se repletas de movimentos.

As fotos de poses ousadas nos espetáculos ocuparam, por muito tempo, os jornais e
revistas. A primeira a se destacar foi Luz Del Fuego e sua dança com uma cobra. Depois foi a
vez de Elvira Pagã. Apesar da rivalidade existente entre elas, tiveram seu espaço cativo no
teatro de revista.

Imagem 4: Luz Del Fuego Com uma Cobra Imagem 5: Elvira Pagã e sua Nudez

Fonte: Blog Mosca na Sopa17 Fonte: Blog O Bucaneiro Prateado18

17
Disponível em: <http://moscanasopa.musicblog.com/534927/E-SHOW-Rita-Lee-de-Pagu-a-Luz-Del-Fuego-a-
historia-da-mulher-na-musica-da-rockeira/>. Acesso em 20.jun.2015.

18
Disponível em: <http://obucaneiroprateado.blogspot.com.br/2013/09/o-mito-erotico-elvira-paga.html>.Acesso
em 15.jun.2015.
63

1.3.1. A primeira-dama do Teatro Recreio

Assim como Arthur de Azevedo foi o grande nome por trás do primeiro momento do
Teatro de Revista no Brasil, Walter Pinto foi o responsável pela maioria dos musicais
apresentados no período da Revista Feérica.

Realizamos viagem ao Rio de Janeiro para entrevistar a vedete Íris Bruzzi19, conhecida
como a primeira-dama do Teatro Recreio, justamente por ter sido casada com Walter Pinto
que era o responsável pela programação do local. Essa entrevista traz as lembranças de sua
trajetória como artista, e segundo ela, percepção do pouco valor que o brasileiro dá para seu
passado cultural e, principalmente, pela falta de reconhecimento do “grande gênio Walter
Pinto”.

Íris Bruzzi conta que o Teatro Musical foi a base de tudo o que é hoje e que, apesar de
muitas pessoas chamarem o gênero de ‘teatro rebolado’ de forma a desmerecer o gênero, ela
diz que os artistas eram muito profissionais e levavam o trabalho muito a sério. Sua estreia no
palco não foi premeditada, tudo aconteceu por acaso. No Rio de Janeiro, começou a trabalhar
em uma grande loja na sessão de perfumaria, mas se atrapalhava toda vez que precisava fazer
cálculos. Posteriormente, tentou a carreira de comissária de bordo, mas quando questionada se
tinha medo de voar, respondeu que sim, perdendo as chances de conseguir o emprego.

Um dia, tomando banho de mar em uma das praias carioca, sua beleza lhe valeu um
convite para teste como corista no Teatro Follies. A partir desse momento não parou mais,
exceto por um período de, aproximadamente 6 anos, após seu casamento com o produtor e
autor Walter Pinto, responsável por inovações que reformularam o Teatro de Revista entre os
anos de 1940 a 1950. “Santo de casa não faz milagre, ele nunca me chamou para trabalhar.
Quando eu fui trabalhar com ele eu já tinha filhos crescidos com mais de seis anos”, disse.

No palco ministrado por Walter havia uma variedade de elementos, desde orquestra
com cerca de 70 músicos, coros numerosos, coristas argentinas, russas e francesas, até mesmo
suntuosas escadas que tomavam quase todo o espaço. Em suas peças vários artistas
conhecidos e de renome compunham o seu elenco, tais como Oscarito, Grande Otelo, Valter

19
Entrevista completa com Íris Bruzzi se encontra em Apêndices, a partir da página 254 deste trabalho.
64

D’Ávila, Dercy Gonçalves e Virginia Lane; estes são apenas alguns dos artistas que
estrelavam as peças de Walter Pinto.

Íris Bruzzi conta que, por orgulho, não pedia ao marido que a chamasse para participar
de suas produções. Passou então, a atuar em shows de Carlos Machado no Hotel Serrador,
sendo ele, junto com Walter Pinto, um dos mais renomados produtores teatrais da época.
Como esposa de Walter Pinto, ela acompanhava todos os ensaios e sabia bem os números dos
espetáculos, inclusive quando uma artista anunciou que estava grávida, o maestro sugeriu a
contratação de Íris que já sabia de cor as cenas e falas. “Aí o Walter muito a contragosto me
contratou. E eu muito metida não quis assinar o contrato com ele, assinei com seus
secretários”, disse.

Imagem 6: Íris Bruzzi na Peça "O Diabo Que A Carregue Lá Pra Casa, em 1962.

Fonte Jornal GGN Foto: Jornal GGN.20

A vedete finalmente estrelou apenas uma peça do ex-marido – O diabo que a carregue
lá pra casa (1961), justamente a última produção de Walter Pinto no Rio de Janeiro. O
espetáculo resumia os 22 anos de carreira do produtor trazendo as principais cenas dos
espetáculos apresentados ao longo dos anos. Íris excursionou o Brasil com o espetáculo e

20
Disponível em: <http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-sensualidade-de-iris-bruzzi>. Acesso em: 05. jun.
2015.
65

ficou nacionalmente conhecida; até hoje é aclamada como uma das principais vedetes
brasileiras.

O Walter era um cara tão sensacional que com uma peça que eu fiz dele, e eu já
estou com 80 anos, as pessoas me procuram e falam a vedete Íris Bruzzi. Porque ele
me deu um nome, ele me fortaleceu, me fez existir. [...] Eu tenho um carinho muito
grande por ele. Eu brincava que o Walter era o pior marido que uma mulher pode
ter, mas o melhor ex-marido que uma mulher pode ter. (Trecho da entrevista feita
com a ex-vedete Íris Bruzzi).

Para Íris Bruzzi o gênero falava de assuntos políticos através da comicidade: “Havia
muita crítica política, o teatro de revista era um teatro inteligente. Ele não se limitava a ficar
mostrando mulher bonita de perna de fora. O Getúlio Vargas (presidente do Brasil) ia assistir
e ele adorava ver o ator vestido de Getúlio”. Ela acredita que pelo humor e pela graça pode-se
fazer diversas críticas que, de outra maneira, dificilmente seriam aceitas pelos políticos.

Questionada sobre o fim do Teatro de Revista, a vedete é enfática em dizer que o


mesmo se deu em razão de Walter Pinto ter deixado de produzir seus espetáculos musicais.
Ele foi obrigado a entregar a direção do Teatro Recreio que pertencia a uma empresa privada,
após anos à frente do local. Íris afirma que ele entrou em profunda tristeza por ter que afastar-
se dos palcos, nunca mais voltando a esbanjar vitalidade como quando trabalhava com teatro.
A artista acredita que o autor foi injustiçado: “O brasileiro não reconhece os artistas do Teatro
de Revista. O Walter que foi um gênio, se você falar com um menino de 18 anos agora quem
foi o Walter ele não sabe. Eu fico muito triste, pois nós não temos nenhuma memória”. Em
entrevista concedida ao Serviço Nacional de Teatro (SNT), no dia 15 de janeiro de 1975,
Walter Pinto fala sobre ó fim de sua carreira:

Eu estava enriquecendo os cofres do então Distrito Federal porque pagava 20 por


cento de imposto. Fui colocado para fora do Recreio como se fosse um moleque. Em
24 horas, intimado. Numa segunda-feira, o Senhor Cotrim Neto, diretor não sei do
quê, botou caminhões na porta do Teatro Recreio desapropriado e começou a
desmontar tudo aquilo que era patrimônio de 30 anos de uma empresa. Foi esse o
prêmio que a cidade do Rio de Janeiro deu a Walter Pinto.

Os títulos dos espetáculos de Walter Pinto se revelavam jocosos e por vezes


maliciosos, assim como as peças de demais produtores do Teatro de Revista. Entre as obras
que receberam sua produção estão: A Cabrocha Não É Sopa (1941), de Freire Júnior, Tico-
Tico no Fubá (1944), de Alfredo Breda e Walter Pinto, Quê que Há com Teu Piru? (1946), de
66

Freire Júnior, Saint-Clair Senna, Fernando Costa e Walter Pinto; Comendo as Claras (1943),
de Paulo Orlando e Walter Pinto; Eu quero sassaricá (1951).

Imagem 7: Walter Pinto (terceiro, da esq. à dir.) recepciona, no aeroporto, artistas para a revista É
Xique-Xique no Pixoxó, 1960.

Fonte da Foto: Cedoc/Funarte.21

O Carnaval era constantemente lembrado nas revistas de Walter Pinto e que atingiam
fama até mesmo na Argentina, inclusive seu elenco chegou a fazer temporada em Buenos
Aires. A arte do produtor era por vezes enaltecida e por outra desmerecida. Ao comentar
sobre o espetáculo Trem da Central o cronista Carlos Machado (1957) diz: "Nunca imaginei
que no Brasil houvesse um produtor de tal força para extasiar o público. O que acabo de ver
em Trem da Central é digno de ser mostrado em qualquer parte do mundo, sem receio de ser
superado".22

Outras impressões sobre o seu trabalho não se mostravam muito elogiosas; alguns
críticos da época comparavam os espetáculos de Walter Pinto a cópias de musicais da

21
Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/walter-pinto/bastidores-do-teatro-
de-revista/>. Acesso em 07 jun. 2015.

22
PINTO, Walter. Entrevista concedida ao Serviço Nacional de Teatro (SNT), 27 ago. 1975.
67

Broadway, porém, Íris afirma que a principal influência do ex-marido era o teatro francês e
narra, em entrevista que nos foi concedida o seguinte:

Maravilhoso! Chatíssimo né, porque ele era um gênio. Olha, ele nunca foi à
Broadway e fazia aquelas coisas maravilhosas, que a Broadway não tem. Eu
morei 9 anos, quase 10 em Nova Iorque, e nunca vi na Broadway, por exemplo,
em meio segundo o palco se encher d’água numa lagoa e subir os elevadores com os
duendes, com aquelas mulheres maravilhosas que vinham do fundo da lagoa, e daí
em meio segundo aquilo sumia e já tinha um número musical; aí os engenheiros não
conseguiam fazer, ele passou noites em claro, aí ele bolou um poço artesiano do lado
do teatro, que tinha um terreno muito grande, fizeram o tal poço artesiano, e em
segundos aquela lagoa enchia... Muito bom! Ele tinha uma cascata de fogos, você
vê, por muito menos já pegou fogo aí nesse boate no Sul que foi um horror, 300
mortos, foi uma tragédia; o Walter tinha uma cascata de fogos a vida inteira e
maravilhosa, mas com todos os requisitos né. O Walter era um gênio, e como todo
gênio, era chato, ele era muito chato...rsrsr...

Questionada sobre os recentes musicais que são apresentados no Brasil, Íris Bruzzi
diz: “Esse teatro musical que vemos hoje, eu gosto lá na Broadway, eu não gosto aqui não.
Me perdoem os colegas brasileiros, mas show é com os americanos, é outra coisa. Mas é
completamente diferente do Teatro de Revista”.

1.3.2. A vedete cômica

Os palcos revisteiros não viviam somente de vedetes com o estilo de Mara Rúbia e
Virginia Lane, havia as que chamavam mais atenção pelo seu humor feroz do que pela beleza.
Um desses exemplos foi Dercy Gonçalves, que se tornou uma atriz popular pela sua
comicidade, com sua voz marcante e estridente, divertia o público com chistes sobre as de
oscilações político-econômicas do Brasil e demais dificuldades nacionais que faziam refletir
sobre as realidades absurdas presentes na sociedade.

Dercy era o tipo de voz que poderia representar uma ameaça pela temática de suas
falas; contudo, apesar das tentativas, a censura ditatorial não obteve sucesso em calar a artista.
Nascida na cidade de Santa Maria Madalena, no Estado do Rio de Janeiro, no dia 23 de junho
de 1907, foi a vedete que mais se destacou na carreira televisiva, seu humor era a sua marca
mais efusiva.23 Suas roupas não revelavam tanto o corpo quanto as tradicionais vedetes, mas

23
JUNQUEIRA, Christine. Biografia de Dercy Gonçalves. Funart, 2006. Disponível em:
<http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-dercy-goncalves/>.
Acessado em 25. out. 15.
68

eram cheias de brilho, de plumas e muito luxo. Possuía status de estrela, sendo a atração
principal de vários espetáculos.

Imagem 8: Dercy Gonçalves no filme A Grande Vedete, produzido em 1957.

Fonte: Site Ego 24

Outra vedete que seguiu a carreira cômica foi Berta Loran, que concedeu entrevista
para esta dissertação em sua casa, na cidade do Rio de Janeiro.25 Judia nascida na cidade de
Varsóvia, Polônia em 23 de março de 1926, veio com sua família para o Brasil aos 11 anos de
idade, fugindo da perseguição aos judeus na Segunda Guerra Mundial. Instalou-se em uma
residência na Praça Tiradentes, local que, anos mais tarde, receberia diversos espetáculos da
atriz. Seu pai, José Ais, era alfaiate e ator dramático.

24
Disponível em: <http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL1434780-9798,00-
FAFY+SIQUEIRA+PEDIU+AJUDA+ESPIRITUAL+A+DERCY+GONCALVES+PARA+INTERPRETAR+P
AP.html>. Acesso em: 20 jun. 15.

25
Entrevista completa com Berta Loran se encontra em Apêndices, a partir da página 235 deste trabalho.
69

Decidida a seguir os passos do pai, aos 14 anos participou de uma peça de drama do
grupo de teatro dirigida por ele. A colocaram para fazer o papel de uma avó e, quando estava
em cena, o salto de seu sapato quebrou fazendo-a mancar, causando risos na plateia; enquanto
isso, seu pai, nas coxias, gritava enlouquecido para ela sair de cena. Foi então que percebeu
sua preferência em fazer as pessoas rirem ao invés de chorarem.

Aos 19 anos, Berta Loran casou-se com o ator, também judeu, Suchar Handfuss, na
esperança que a ajudasse a despontar como atriz, auxílio esse que nunca obteve, além de estar
casada com uma pessoa viciada em jogos de azar. Levou 11 anos para decidir se separar de
seu esposo, e já contava com uma carreira consolidada por seus próprios méritos. Sua estreia
na televisão ocorreu no programa Espetáculos Tonelux, e dividiu as cenas com a vedete
Virgínia Lane, na TV Tupi.

Fez uma temporada de seis meses em Portugal, em 1957, com a peça Fogo no
Pandeiro. Em virtude de seu grande sucesso entrou para uma companhia de teatro portuguesa
e morou durante seis anos no país. Berta Loran afirma que "tem gente hoje em dia, jovens de
15 anos, 30 anos, que não gostam de teatro e que nunca foram. Isso é errado. Lá (Portugal) é
maravilhoso. Lá você não precisa ser bonita, você tem que ter talento". Ao regressar ao Brasil,
a vedete foi contratada pela TV Record e depois pela Rede Globo, empresa pela qual é
aposentada, focando principalmente na programação televisiva.

Apesar de anos longe do teatro, para esse trabalho foi realizada uma entrevista com
Berta Loran em seu apartamento que, com orgulho, diz ter comprado com o trabalho de um de
seus mais queridos espetáculos o Divirta-se com Berta Loran (1980), que contava com seus
números de dança, canções e, principalmente, seu jeito peculiar de contar piadas. Durante a
entrevista ela discorre sobre a vinda ao Brasil e os percalços vividos por uma aspirante a atriz
até a sua consagração.

A artista conta que vivia esbarrando com vedetes do Teatro de Revista e que tentou
adentrar nesse mundo, mas lhe faltavam os padrões de beleza, quesito essencial. Então,
resolveu apostar em seu diferencial que era fazer as pessoas rirem. Seu primeiro papel nos
palcos revisteiros foi em 1952, aos 26 anos, no Teatro Carlos Gomes. O convite partiu do
maestro Armando Ângelo que já conhecia seu trabalho.
70

Imagem 9: Foto de Berta Loran nos tempos de vedete.

Fonte: Blog Sala Latina de Cinema.26

O pai de Berta Loran nunca aceitou muito bem a escolha da filha pela comicidade,
mas isso não foi empecilho para ela continuar a fazer humor. Apesar de algumas atrizes
cômicas aceitarem colocar roupas engraçadas para chamar mais atenção, a atriz preferiu
inovar ao fazer humor vestida com elegância:

Quando precisava fazer uma cena de opereta eu sempre fiz em bonito, bem vestida.
Não no estilo do Zorra Total. Fazer rir é comigo porque eu via muitos filmes
americanos, os astros americanos trabalhavam sempre com a beleza. Essa era a
minha maneira, uma maneira nova de fazer o Teatro de Revista.

Para a artista, o Teatro de Revista estava repleto de pessoas talentosas, e tinha a


necessidade de ter diversos talentos, ela mesma teve de aprender a sapatear e aprimorar o
canto. Destacava-se quem tentava mostrar algum diferencial, e era raro encontrar mulheres
que conseguissem entreter o público através do cômico E este era seu diferencial que,
segundo ela, a fez vencer na concorrida carreira artística.

26
Disponível em: <http://salalatinadecinema.blogspot.com.br/2011/09/berta-loran.html>. Acesso em: 20 jun.
2015.
71

Para a humorista, o Teatro de Revista fazia parte da realidade carioca, estava


impregnado na sociedade:

[...] Eram revistas muito bonitas porque tinham assim, 15 bailarinos, 15 bailarinas,
mágico... Sempre tinha uma cômica, não chamava comediante, era o cômico, o ator
cômico. E o povo tava habituado ao Teatro de Revista. Não é da minha época, mas
diziam que o Getúlio Vargas ia assistir as revistas. E nós tínhamos grandes vedetes,
Virgínia Lane, Mara Rúbia, Nélia Paula. Tinham muitas.

Berta Loran não acredita em uma retomada do Teatro de Revista, em razão de


atualmente existirem outros formatos de musicais como as comédias e dramas musicais e
afirma que "Os espetáculos que vêm da América, eles (produtores) exigem que sejam como
lá. Tem que ser igual. O teatro não perde com isso, porque depois veio musicais de Tim Maia
e Elis Regina, que foram muito bons". Para a artista, é positiva a presença de formatos teatrais
estrangeiros, pois de alguma maneira influencia produções brasileiras, e admite acreditar que
os musicais com temas nacionais são frutos da presença de adaptações de musicais
americanos no Brasil.

Diferentemente das vedetes, os homens pouco se destacavam nas revistas. Quando


tratamos de comicidade no Teatro de Revista, torna-se necessário lembrar o legado da dupla
Oscarito e Grande Otelo, consolidada a partir de 1945, com a peça Não Adianta Chorar,
dirigida por Watson Macedo. A parceria nos palcos se estendeu para o cinema, onde
estrelaram diversas chanchadas.

Oscarito nasceu em Málaga na Espanha, em 16 de agosto de 1906. 27 Com pais


circenses, contratados pelo Circo Spinelli, veio para o Rio de Janeiro aos dois anos de idade.
Estrelou inúmeras peças de teatro, chegando a montar a Companhia de Comédias Oscarito &
Família. Sua última peça de teatro foi realizada ao lado de Dercy Gonçalves em Cocó, my
Darling... (1966), de autoria de Marcel Mithois. Trabalhou em televisão e estrelou diversos
filmes de chanchada.

27
JUNQUEIRA, Christine. Biografia de Oscarito. Funart, 2006. Disponível em: <
http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-oscarito/>. Acessado em
25. out. 15.
72

Começou a despontar no teatro com a peça Calma, Gegê (1932), de Djalma Nunes,
Alfredo Breda e Amador Cisneiros, realizada no Teatro Recreio. Apesar de sua origem
espanhola, vivia fazendo personagens que representavam estereótipos brasileiros, e dizia
“Sou, ou não sou o ‘malandro carioca’?”. Faleceu aos 64 anos de idade, em 1970.

Imagem 10: Foto de Oscarito e Grande Otelo - Cena do Filme Carnaval no Fogo, de Watson
Macedo, 1959.

Fonte: Site Brasilianas.28

Grande Otelo é o pseudônimo de Sebastião Bernardes de Souza Prata, nascido em


Uberlândia em 18 de outubro de 1915.29 Teve uma infância sofrida; após a morte de seu pai e
com uma mãe alcoólatra, foi adotado pela administradora de um circo. Com a companhia
viajou para São Paulo, de onde fugiu; teve várias passagens pelo Juizado de Menores, até ser
adotado novamente.

28
Disponível em: <http://advivo.com.br/comentario/re-vocalistas-tropicais-revisitado-em-homenagem-a-
danubio-1>. Acesso em: 05 jul. 2015.
29
SILVA, Camila Delfino da. Grande Otelo: um pícaro na cena brasileira. Dissertação (Mestrado)-Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012.
73

Em 1932 entrou para a Companhia Jardel Jércolis, uma das pioneiras das
apresentações do Teatro de Revista. Logo, recebeu o apelido de Grande Otelo, uma forma de
brincarem com sua baixa estatura. Sua trajetória artística dá-se nos palcos, na televisão e no
cinema; morreu de um ataque do coração a caminho de Paris, onde receberia uma homenagem
no Festival de Nantes.

Em Outubro de 2004, o ator foi lembrado na peça Grande Otelo – Êta Moleque
Bamba, com estreia no Teatro Sesi, no Rio de Janeiro. A peça excursionou em outras cidades
recebendo grande público e tornou-se um exemplo de musical moderno que faz memória a
outro momento musical brasileiro, com o enredo que mostrava a vida de Grande Otelo e os
demais artistas revisteiros.

1.3.3. A última grande vedete

Além de Virgínia Lane, outras vedetes igualmente preocupavam-se em gerenciar a


própria fama e assim transformá-la em um império, entre elas estava Brigitte Blair,
considerada a última das vedetes. A artista e empresária concedeu entrevista para este
trabalho no teatro Brigitte Blair, que é de sua propriedade, na cidade do Rio de Janeiro.30
Após seu nome ter despontado como famosa vedete, nenhuma outra conquistou grande
destaque em consequência da diminuição de espetáculos revisteiros que antecedeu o fim do
gênero no Brasil.

A vedete nasceu em Araguari, Minas Gerais, no dia 1º de abril de 1942. Com apenas
16 anos mudou-se para o Rio de Janeiro com o sonho de ser atriz. Depois do seu ofício de
balconista de loja, começou a trabalhar na noite carioca em shows de strip-tease na Boate
Pigalle até ser contratada como girl para a revista Te Futuco... num Futuca, em 1959, por
Fernando D’Ávilla. Logo, entrou para na lista das Certinhas do Lalau, fato que impulsionou a
sua fama.

30
Entrevista completa com Brigitte Blair se encontra em Apêndices, a partir da página 244 deste trabalho.
74

Imagem 11: Foto de Brigitte Blair quando vedete.

Fonte: Fotolog. 31

A artista participou de diversos espetáculos revisteiros, entre eles Rio, Amor e


Fantasia e Quem é Esse Cara?, ambos de 1960; Rei Momo em Travesti (1961); Vive les
Femmes (1961), espetáculo de Carlos Machado; O Diabo que a Carregue lá pra Casa!
(1961), de Walter Pinto e Roberto Ruiz; e Quanto Mais Nua, Melhor (1965), de Walter
Pinto, Gomes Leal e José Sampaio.

Para essa dissertação foi feita uma entrevista com Brigitte Blair, no Rio de Janeiro, no
teatro que homenageou a artista dando o seu nome ao espaço. A ex-vedete falou sobre a sua
vida e, principalmente, dos tempos áureos de seus espetáculos. Questionada sobre o que era
exigido de uma artista para fazer sucesso no Teatro de Revista, Brigitte Blair diz:

[...] as produções muito caras e no Teatro de Revista você depende de gente jovem,
você depende de beleza, você depende de talento, porque não é um teatro que
qualquer pessoa faz, ele dança, canta, representa. [...]O marido da Íris mesmo, o
Walter Pinto, contratava as bailarinas todas argentinas, na época, vinham as
bailarinas argentinas. O Carlos Machado, por exemplo, trabalhei nos shows do

31
Disponível em: <http://www.fotolog.com/anos70/16853868/>. Acesso em: 15 jun. 2015
75

Carlos Machado, que a Íris também trabalhou, que era o grande homem da noite, as
bailarinas dele ele trazia tudo dos Estados Unidos; trazia as bailarinas dos Estados
Unidos, trazia as atrações; quer dizer, o teatro de revista é um show de atrações,
você apresenta um quadro agora, depois você apresenta um monólogo, depois
alguém canta, aí alguém representa, faz um drama, é um ping-pong; mas você
precisa de gente pra fazer isso tudo, precisa de técnica.

Aos 23 anos, a vedete decidiu virar produtora de diversos espetáculos, ela se


interessava não somente por estar no palco, mas, também, em seus bastidores.

Aí o meu primeiro espetáculo que eu produzi, foi em 1965, no Teatro Serrador, que
é um teatro maravilhoso que tem ali no centro, na Senador Dantas, que hoje é de
minha propriedade, esse teatro é meu, hoje. Em 1965 eu fui ao meu teatro, fiz a
minha produção, minha primeira produção, montei uma comédia musical, é uma
comédia musical, não foi nem revista, peguei um texto e transformei em música ao
vivo, era música ao vivo, não era transmissão da Excelsior, a primeira produção,
estou devendo até hoje.

Não podemos deixar de citar neste trabalho o produtor, Miguel Lemos, dono de
teatro, que passou a produzir peças que remetiam às revistas, espetáculos mais simples em
relação aos de Walter Pinto, mas que traziam a essência do gênero. Passou também a investir
em shows musicais como os de Elza Soares, Maria Bethânia, além de espetáculos de travestis,
tendo o show Mimosas...Até certo ponto, em cartaz por mais de uma década.

Com o advento da televisão no Brasil em 1950 com a fundação da TV Tupi por Assis
Chateaubriand, muitas vedetes passaram a almejar o espaço televisivo devido o alcance cada
vez maior da inovação. Contudo, havia aquelas que preferiam os palcos, como foi o caso de
Brigitte Blair que, apesar de ter trabalhado em programas de humor ao vivo com Ronald
Golias e Roberto da Nobrega na extinta TV Tupi, sempre preferiu o teatro.

[...] eu nunca deixei o teatro. Aí quando eles foram fundar a Globo, o Walter Clark
que comandava a TV Rio, foi fazer a Globo, foi ele que fundou aqui, o Walter Clark.
Aí eu falei: “não, eu não quero ir pra TV Globo”, porque eu não gosto de trabalhar
em televisão, eu odeio. Eu fazia filmes também... Fazia filmes, fazia pontinhas nos
filmes; a gente tinha que trabalhar em vários lugares pra poder sobreviver. Aí eu
falei: “não, eu vou fazer o seguinte, eu não vou pra TV Globo.

Depois de abandonar a televisão e optar pelo teatro, Brigitte Blair escreveu, dirigiu e
produziu diversas peças, ademais ainda dirige espetáculos infantis apresentados no teatro que
leva seu nome, e conta com a ajuda da filha na produção dos mesmos. Em 1984 comprou o
seu segundo teatro, o Serrador, que atualmente está arrendado pela prefeitura do Rio de
Janeiro.
76

1.4. Ditadura Militar Tenta Calar o Musical

O teatro nacional passou pelos períodos mais difíceis de censura, principalmente entre
os anos de 1964 a 1985. Apesar da existência de relatórios de atividades teatrais realizadas
durante e nos anos posteriores ao Regime Militar, não há um acompanhamento completo de
todas as peças que foram vetadas. A quantidade de espetáculos censurados pode ser maior do
que é apontado nos relatórios, em virtude da descentralização do órgão central da censura
teatralter passado, em 1975, para os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo a
responsabilidade da análise teatral. Três anos depois outros estados seguiram a mesma
decisão.

De acordo com Miliandre Garcia (2008), a falta de um relatório que contemple todo o
universo da censura teatral é evidente quando comparado o número de peças analisadas no
ano de 1978 – 2.648 textos, com os dos anos seguintes, como o de 1980 que registra apenas
969 textos. Os números não apontam, necessariamente, a queda da produção de espetáculos,
mas a falta de uma sistematização eficaz no controle de peças analisadas.

Imagem 12: Foto de greve realizada pelas atrizes Íris Bruzzi, Wva Wilma, Odete Lara, Norma
Benguel e Ruth Escobar, 1968.

Fonte: Site Passa Palavra32

32
Disponível em: <http://www.passapalavra.info/2009/11/14529>. Acesso em: 05 jul. 2015.
77

Mesmo após o fim do regime ditatorial, a censura perdurou até o ano de 1988, quando
foi extinta pela Constituição. Por certo tempo o processo da censura seguia alguns
direcionamentos, sendo o primeiro realizado pelo produtor da peça, que tinha que formalizar o
espetáculo em seu estado de origem para conhecimento da censura regional, em seguida era
enviada para a matriz, em Brasília, onde o órgão central determinava o texto em três
categorias: a liberação, a vedação de maneira irrevogável ou o embargo do texto até que o
produtor da peça realizasse mudanças de trechos do respectivo texto apontados pelos técnicos
de censura. Nos dois últimos casos, não era expedido portaria, o que dificultava o controle do
que fora analisado (GARCIA, 2008).

Todavia, a divisão de censura de diversões públicas (DCDP), entre o período de 1962


a 1988, possuía um controle mais eficaz, registrou cerca de 22 mil textos teatrais dos quais
decidiu censurar 700. Porém, estima-se que o número real de censuras seja maior pelo fato de
diversos espetáculos censurados, em diferentes anos, não estarem na relação, como é o caso
de Roda Viva de Chico Buarque de Hollanda, censurado em 1968, e não constava na lista do
DCDP.

Roda Viva é um marco do teatro brasileiro, com direção de José Celso Martinez
Correa. Estreou em 15 de janeiro de 1968, no teatro Princesa Isabel, no Rio de Janeiro, e
dispunha como protagonistas Marieta Severo, Heleno Prestes e Antônio Pedro. O texto era
forte e dinâmico, com os dilemas de um ídolo popular refém da Indústria de entretenimento e
da manutenção de uma imagem comercial. Para isso, ele decide mudar seu nome para agradar seu
público, de Benedito Silva para Ben Silver. Para ilustrar o ego da personagem principal e a perda
de sua essência, segue trecho do primeiro ato do espetáculo:33

BENEDITO
(Voltando para a câmera, empostando a voz, perdendo a naturalidade.)

Aos caros e ilustres telespectadores


Esta comédia onde sou ídolo e rei

33
Texto da peça Roda Viva. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/68709095/Chico-Buarque-Roda-Viva-
Teatro#scribd>.
78

Eu sou Benedito, artista absoluto


Cantor magnífico e ator principal
Mas peço licença só por um minuto
Que aí vem um simpático comercial

O roteiro do espetáculo não trazia referências diretas à forma de governar dos


militares, mas mostrava a manipulação sofrida pela personagem principal, que de maneira
fácil poderia ser comparada ao tratamento que os governantes davam aos brasileiros. O crítico
Marco Antônio de Menezes, do Jornal da Tarde, em 2 de fevereiro de 1968, descreveu a
produção:

A cortina já está aberta quando você chega: enormes rosas à esquerda, enorme
garrafa de Coca-Cola à direita, enorme tela de TV no fundo, uma passarela branca
avançando até a metade da platéia. (...) A campainha toca três vezes, a platéia faz
silêncio, ruídos estranhos saem dos alto-falantes, na tela de TV aparece uma frase:
“Estamos à toa na vida”. (...) Entra o coro, com longas túnicas vermelhas e
mantilhas pretas. Canta um triste Aleluia, rodeia Benedito. Aparece o Anjo da
Guarda (Antônio Pedro), o empresário de TV, com asas negras, cassetete de policial
na cintura, maquiagem de palhaço de circo: “Benedito não serve, nós precisamos de
um ídolo! Você será Ben Silver!” E o Coro joga para trás as túnicas e mantilhas, é
agora um grupo de jovens do iê-iê-iê que canta: “Aleluia, temos feijão na cuia!” (...).

Embora o sucesso obtido pela primeira montagem da peça, a censura demorou a tomar
consciência do espetáculo. Somente na segunda montagem, quando estrelaram os atores
Marília Pêra, André Valli e Rodrigo Santiago, substituindo o elenco original, a encenação foi
considerada uma forma de confronto à repressão da Ditadura Militar. Sobre o isso, o diretor
José Celso Martinez Correa, em entrevista presente no livro Censura, repressão e resistência
no teatro brasileiro (2008), diz:

A censura a proibiu (Roda Viva), mas isso não impediu que ela fosse um milagre
cultural! Em 1968 havia uma revolução cultural em que cabia o renascimento do
paganismo, do xamanismo... Um grande movimento que depois foi fragmentado em
outros: ecologia, feminismo, sexo livre. Ele mexeu no corpo, no sistema nervoso da
época. Em 1968 não se suportava mais os impulsos de restauraçao, queria-se tudo
novo. Eu não conseguia mais fazer teatro dentro de um palco-platéia. Foi ai que
comecou a ficar mais claro para nos do Oficina (grupo de teatro) o que o Oswald de
Andrade queria dizer com a proposta da Antropofagia, que foi seguida pelo
Tropicalismo. É a partir dessa fissura cultural que comeca a surgir realmente a visao
de autonomia que a peça Roda Viva propõe.(COSTA, 2008, p. 89).

O sucesso da peça surpreendeu ao próprio Chico Buarque que a classifica como ruim
e não autoriza novas encenacões do texto. A opinião do autor é a mesma de muitos teóricos de
teatro. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, o historiador Gustavo
79

Alonso opina que Roda Viva é supervalorizada e afirma: “Não é um texto político, é uma
crítica à jovem guarda”. Apesar das divergentes impressões sobre a obra, é preciso considerar
que se tornou uma das peças mais conhecidas da época que compete à Ditadura Militar.

Imagem 13: Foto de Uma das Cenas de Roda Viva, de Chico Buarque de Hollanda.

Fonte: Arquivo Estadão Conteúdo.34

A repressão contra a peça alcançou o seu auge em 18 de julho de 1968, quando, após
uma noite de apresentação, cerca de 20 homens encapuzados adentraram na sala O Galpão, no
Teatro Ruth Escobar, armados de cassetetes e soco inglês sob as luvas. O jornal Folha de São
Paulo do dia 19 de julho de 1968, informou que os invasores “espancaram os artistas,
sobretudo as atrizes, depredaram todo o teatro, desde bancos, refletores, instrumentos e
equipamentos elétricos até os camarins, onde as atrizes foram violentamente agredidas e
seviciadas”35.

34
Disponível em: <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/03/como-sindicatos-de-artistas-mantiveram-uma-
relacao-ambigua-com-bcensura-na-ditadurab.html>. Acesso em: 06 jul. 2015.

35
Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_19jul1968.htm>. Acessado em: 26. nov. 15.
80

Mesmo com a identificação dos carros que serviram de fuga e da captura de três
homens no dia do ataque, ninguém foi considerado culpado, tão pouco punido pelo
acontecimento. Apesar da baixa de alguns artistas, a peça recebeu atores substitutos e chegou
a se apresentar no Teatro Leopoldina, em Porto Alegre em 30 de outubro de 1968, E
novamente ocorreram ataques, com sequestro de atores e a fachada do teatro pichada por
forças de direita.

O ato colaborou para propagar extensivamente a mensagem trazida na letra da canção


homônima à peça. Roda viva foi gravada pelo grupo MPB4 e tornou-se considerada um dos
hinos da resistência à opressao vivida pelo povo à época. No ano de 2004, Chico Buarque a
regravou ao lado da cantora Fernanda Porto, proporcionando uma versão moderna ao clássico.

Ao estudar a repercusão na sociedade dos musicais que foram censurados, é


perceptível uma tendência da canção tema e demais músicas do espetáculo, que continuavam
a repercurtir, mesmo diante da censura e do encerramento das apresentações.

Vale ressaltar que o teatro tradicional tinha a sua importância e era lembrado, porém, o
conceito de um espetáculo que refletisse essa realidade conturbada mexeu com o público
nesse período de censura, despertando a necessidade de propagar a mensagem dessas peças.

Dessa forma, a força das canções dessa apresentação atingiram pessoas que nunca
assistiram o espetáculo, ou seja, as músicas atuavam como uma continuidade da essência de
uma ideia. O fato de ter sido uma peça censurada cria, para a música, uma simbologia na luta
pela liberdade, ganhando bares, colégios, rodas de amigos e praças.

1.4.1. Teatro cada vez mais nacional

Os artistas de palco foram um dos primeiros a reagirem de forma coletiva ao regime


autoritário, pois as repressões afetavam de forma direta a arte que, juntamente com a
imposição da censura, colocou em risco o desenvolvimento de um teatro nacional, que tanto
havia sido adiado com as influências de formatos teatrais estrangeiros. Além de Roda Viva
outros musicais tiveram suas cancões propagadas, mesmo com o término das apresentações
teatrais, é o caso de Upa, negrinho, melodia de Edu Lobo presente na peça Arena conta
81

Zumbi (1965), de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. 36 A canção ficou conhecida na


voz de Elis Regina. A música Opinião, de Zé Keti, da peça homônima escrita por Oduvaldo
Vianna Filho, que estreou em 11 de dezembro de 1964, trata de uma crítica às ameaças de retirada
das famílias cariocas que construíam suas casas nos morros do Rio de Janeiro. Opinião foi
eternizada na voz da cantora Nara Leão e virou um artifício contra os militares. O show tinha
poucos elementos teatrais, mas serviu de inspiração para o nome do Grupo Opinião,
responsável por diversas representações com o mesmo gênero, tais como Se correr o bicho
pega, se ficar o bicho come (1966), escrita por Ferreira Gullar e Oduvaldo Vianna, e Dr.
Getúlio, sua vida e sua glória (1968), de Dias Gomes.

Para Arnaldo Daraya Contier (1998), no texto Edu Lobo e Carlos Lyra: O nacional e o
popular na Canção de Protesto (Os Anos 60), “o surgimento de novos mitos da música
popular, presos a uma explicitação mais política de suas linguagens -poética e musical -,
favoreceu a ampliação de um mercado consumidor desse imaginário”.

Ainda segundo o autor, a canção que passava a ser considerada de protesto “escrita por
dezenas de compositores durante os anos 60, num primeiro momento, representava uma
possível intervenção política do artista na realidade social do país, contribuindo assim para a
transformação desta numa sociedade mais justa”.37

Com estreia no dia 10 de agosto de 1968, em Porte Alegre, no Teatro Leopoldina, Dr.
Getúlio, sua vida e sua glória, voltou a ser encenado somente em 3 de Outubro de 1983 no Rio
de Janeiro, no Teatro João Caetano. O texto aborda a vida do ex-presidente Getúlio Vargas
(1883-1954), contada e representada pelo povo com duas histórias paralelas, uma que
mostrava a luta para se manter no poder do político, e outra que mostrava a maneira como a
sua consciência processava esses acontecimentos. O espetáculo não se trata de um resgate
histórico da trajetória de Vargas, tão pouco a representação dos traços perceptíveis de seu
temperamento, entretanto, o intuito do espetáculo era revelar os pormenores daquele momento
histórico e relacioná-lo com a realidade do Brasil.

36
CONTIER, Arnaldo Daraya. Edu Lobo e Carlos Lyra: O nacional e o popular na Canção de Protesto (Os
Anos 60). Rev. bras. Hist. vol. 18 n. 35. São Paulo, 1998. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881998000100002>. Acessado em: 14. out.15
82

Todas as cenas do espetáculo passam-se na quadra de uma Escola de Samba e formam


uma espécie de enredo carnavalesco onde a história de Getúlio é contada, paralelamente, com
a de Simpatia, presidente da escola que, inclusive, interpretou Getúlio Vargas Já o antagonista
é Tucão, um bicheiro rico que presidiu por dez anos a escola de samba que também faz o
papel do jornalista Carlos Lacerda, o maior inimigo de Vargas.

A encarnação de Getúlio em Simpatia e o esforço de Simpatia para representar


Getúlio dão uma dignidade inesperada à morte de Simpatia e uma espécie de
religiosidade popular à morte de Getúlio. E as duas paixões-e-morte, urdidas na
mesma trama carnavalesca e sangrenta, resultam na tapeçaria fabulosa da realidade
brasileira. Entre ópera séria e ópera-bufa, entre auto medieval e espetáculo musical
moderno, Dr. Getúlio é uma História do Brasil contemporâneo para todas as idades e
todas as camadas da população. Só uma inspirada estravaganza como a de Dias
Gomes e Ferreira Gullar poderia captar, em termos de arte dramática, a
extravagância que somos. (DIAS GOMES, 1992, p. 25).

No espetáculo, marchinhas são cantadas pelo pequeno coro que representava algumas
personagens, entre elas o povo, que igualmente ajudava a narrar a história. Segue letra da
marchinha Retrato do Velho de Haroldo Lobo e Marino Pinto, que revela a presença do coro
como uma personagem, lembrando a política trabalhista e nacionalista do governo Vargas. O
trecho aparece no início da peça e representa a resposta do Povo à fala de Lacerda, rival de
Getúlio (DIAS GOMES, 1992, p. 59):

POVO
(Canta e dança)

Bota o retrato do velho outra vez


Bota no mesmo lugar
O sorriso do velhinho
Faz a gente trabalhar
Eu já botei o meu e tu? não vai botar?
Eu já enfeitei o meu e tu? não vai enfeitar?
O sorriso do velhinho

Possivelmente, esse espetáculo revela uma situação em que o teatro musical foi vítima
e talvez, por isso, demorou a voltar a ser frequente nos palcos brasileiros. Essa peça foi uma
das últimas apresentadas antes da promulgação do Ato Institucional nº 5, ou AI-5, que foi
83

emitido pelo regime militar brasileiro e sobrepunha-se à Constituição de 24 de janeiro de


1967 e às constituições estaduais38. O presidente da República passava a ter uma influência
abusiva de poder que respingou nas artes e na mídia, e as consequências foram o
engessamento do teatro, da música, do cinema e da imprensa.

Imagem 14: Foto de Cena do Espetáculo Dr. Getúlio e Sua Glória, 1968.

Fonte: Valmir Santos. 39

Dr. Getúlio sua vida e sua Glória voltou aos palcos depois da queda do regime militar,
porém intitulada Vargas. Os tempos mudaram, mas o musical sobreviveu tornando-se um
espelho de outrora, revelando tudo o que uma nação havia perdido e, principalmente, tudo o
que ainda poderia ser.

38
O Ato Institucional nº 5 garantiu poder aos governantes para punir arbitrariamente os que se colocassem
contra o regime militar. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm>. Acesso em:
26/25/2015.

39
Disponível em: <http://teatrojornal.com.br/2014/03/teatro-respondeu-a-ditadura-com-musicais/>. Acesso em:
06 jul. 2015.
84

1.4.2. Movimentos teatrais

Assim como Vargas, outros musicais foram resgatados e novos textos surgiram ao
longo dos anos. Contudo, as características dessas peças se afastaram das do Teatro de
Revista, sem os altos investimentos em figurinos, orquestras, cenários e atores. As cenas de
dança com diversos bailarinos foram praticamente excluídas, mas a encenação e a música
permaneceram.

A resposta da classe artística ao regime autoritário manifestava-se de várias maneiras,


entre elas o Teatro Musical. Por vezes, as produções revelavam um combate velado à
repressão, caso fossem explícitos nunca chegariam a ser apresentados, pois os textos dos
espetáculos que contavam com as letras das músicas a serem executadas nos palcos seriam
vetados pela censura. A inteligência de dramaturgos e compositores foi responsável por uma
poesia com duplo sentido, cenas e estrofes que maquiavam o verdadeiro sentido .

Os espetáculos musicais que surgiram, principalmente, nos anos 1960, revelavam uma
contradição comparada ao que muitos críticos e pesquisadores teatrais defendem, que o teatro
no Brasil obedece somente a produções culturais importadas. Podemos considerar o Teatro
Arena um dos grupos responsáveis pela nacionalização do teatro brasileiro, tendo em sua lista
de produções musicais que ultilzavam estilos de música como o samba, além de temas
pautados em uma realidade brasileira, contribuindo para uma formação de opinião crítica
sobre os rumos que o país tomava naquela época.

Fundado em 1953 na cidade de São Paulo, o Teatro Arena surgiu com a proposta de
seus fundadores de realizar produções de baixo custo, mas que também agradassem ao
público, ideia essa que contrariava a praticada pela TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) que
apostava em um repertório internacional e altos investimentos, além do distanciamento do
cenário nacional, segundo Sílvia Fernandes (2000).

As personagens afetadas e exageradas deram espaço a outras mais próximas à


realidade brasileira, como operários e moradores das periferias. Dessa forma, o Teatro Arena
tornou-se um espaço de luta pela liberdade de expressão e da nacionalização do teatro. O
trajeto do Arena foi interrompido pela Ditadura no ano de 1972, sendo a peça Teatro Jornal
uma das últimas do grupo (FERNANDES, 2000).
85

Apesar de musicais, os espetáculos dessa época diferenciavam-se em estética e


estruturas literárias. Sobre isso, Fernando Marques diz:

Classificamos as peças, a partir das diferentes maneiras como se organizam, em


quatro categorias ou famílias estéticas. São elas: o texto-colagem, em forma de show
ou de recital, como Opinião ou Liberdade, liberdade (de Millôr Fernandes e Flávio
Rangel, com estreia em 1965), elaborado à base de canções, narrativas e cenas
curtas; o texto diretamente inspirado em fontes populares, como a farsa de
ambientação nordestina Se correr o bicho pega… ou o drama Dr. Getúlio, que
baseia a sua estrutura nos enredos das escolas de samba; o texto épico de matriz
brechtiana (inspirado não só em Bertolt Brecht, mas também em Erwin Piscator e
em fontes brasileiras), com fortes elementos narrativos, caso de Arena conta
Zumbi e Arena conta Tiradentes (este, de 1967), ambos de Boal e Guarnieri.
(MARQUES, 2014).

Além disso, vale ressaltar a categoria teatral inspirada na comédia musical norte-
americana, mas que utilizava características nacionais e temas políticos. Por exemplo, os
finais de alguns espetáculos utilizavam a apoteose 40 , recurso tipicamente utilizado em
musicais da Broadway. Peças como Ópera do malandro (1978) de Chico Buarque e O rei de
Ramos (1978), de Dias Gomes receberam a influência do formato estrangeiro, contudo,
conservaram as singulares qualidades das obras nacionais. Embora diante de provável
interferência, nem sempre as medidas tomadas nos espetáculos são admitidamente assimiladas
à arte europeia.

As diferenças entre o teatro europeu e o brasileiro:

[...] ganharam dimensão e significado no período em pauta, a ponto de permitir e


mesmo exigir que se elabore uma teoria de matriz local (mas de vocação universal) do épico e
do dramático nas suas mesclas com o épico (MARQUES, 2014).

Além da inspiração americana, O rei de Ramos também apostava em práticas do


Teatro de Revista, e, de certa maneira, Dias Gomes “reatava o fio da meada com Arthur
Azevedo e com os espetáculos cantados de outras épocas, acrescentando-lhes verve política
mais ácida” (MARQUES, 2014).

40
No teatro, a apoteose é a cena final, formada por diversos artifícios para acrescentar dinamismo e diferenciar a
cena das demais da peça.
86

Nas décadas de 1980 e 1990, espetáculos independentes obtiveram destaque, como a


Chorus Line (1983), que foi apresentado em São Paulo e contou com a presença de Cláudia
Raia com apenas 16 anos de idade. Muitos são os motivos para que esses musicais não se
tornassem uma tendência na época. De acordo com o diretor do musical Cabaret (1989),
Jorge Takla, existia uma dificuldade maior naquela época em produzir um musical do que
hoje em dia e, afirma que "Não tínhamos lei de incentivo, nem elenco preparado, nem lugares
que comportassem o espetáculo" (Takla, apud MARTINS, 2008).

As duas últimas décadas do século XX foram marcadas pela falta de frequência de


espetáculos musicais, tanto em São Paulo como também no Rio de Janeiro. Na década de
1990 alguns espetáculos já indicavam uma tendência futura, a de musicais biográficos, a partir
da apresentação de O Samba Valente de Assis (1995), baseado na vida do compositor
brasileiro Valente Assis. A década também contou com os musicais O Abre-Alas (1998),
inspirado nas composições de Chiquinha Gonzaga e Somos Irmãs (1999), sobre a vida das
irmãs e cantoras de rádio Dircinha e Linda Batista.

Equivoca-se quem acredita que as adaptações da Broadway no Brasil tiveram início


nos anos 2000. De acordo com matéria de Gustavo Martins (2008) Do teatro de revista às
adaptações da Broadway, musicais se tornara milionário no Brasil, publicado no site Uol41, a
primeira ocorreu em São Paulo no ano de 1962 com o espetáculo Minha Querida Lady,
adaptação de My Fair Lady, estrelada por Paulo Autran, Bibi Ferreira e Jayme Costa. A peça
atingiu sucesso de público e contava com uma equipe de mais de 150 pessoas entre artistas,
produtores, costureiros, eletricistas, cenaristas, maquiadores, cabeleireiros, cantores, e outros
profissionais. My Fair Lady teve um alcance de público tão satisfatório que em 1966 Bibi
Ferreira foi novamente a protagonista de outro sucesso hollywoodiano, Hello Dolly!
conhecido no Brasil como Alô, Dolly!, sendo encenado no Teatro João Caetano no Rio de
Janeiro.

Hair foi a segunda adaptação de um musical americano em solo brasileiro. Estreou em


1969, ficando em cartaz durante três anos no Teatro Bela Vista. Integravam o elenco nomes
como Ney Latorraca, Antonio Fagundes e Sonia Braga. A peça foi vítima da censura cultural

41
Disponível em: < http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/2008/04/15/musicais_no_brasil.jhtm>. Acessado 16.
out. 15.
87

durante o período da Ditadura Militar, sofrendo modificações da montagem original, em que


trazia diversas cenas com atores nus.

A censura e os produtores concordaram que os atores apareceriam nus uma única vez
durante a apresentação e por apenas um minuto, além de se manterem imóveis. Quarenta anos
depois uma nova montagem do musical foi lançada em 2010 no Rio de Janeiro, e outra, dois
anos depois, em São Paulo.

Em 1983 o palco paulistano estreou o espetáculo Chorus Line, com a tradução de


Millor Fernandes e produção de Walter Clark. A peça marca o início da carreira de Cláudia
Raia, então com 16 anos, que depois despontaria como estrela de diversos musicais. No ano
de 1972 o Brasil recebeu Jesus Cristo Superstar, com tradução de Vinícius de Moraes e, em
1983, Evita. Ambos os roteiros receberam novas montagens depois da entrada do século XXI.

Depois dessa bem sucedida leva de musicais, a cena brasileira passou por anos
inexpressivos de investimento em espetáculos; somente em 1999, com a peça Rent, no Teatro
Ópera em São Paulo, foi retomada essa tendência de apresentações de musicais adaptados da
Broadway, influenciando uma nova corrente de musicais biográficos de brasileiros
reconhecidos pelo grande público e demais temáticas nacionais.

Rent foi trazida pela Time for Fun 42aos palcos brasileiros com direção de Billy Bond e
direção musical de Oswaldo Sperandio. A história se passa nos anos 80 e mostra a
convivência de jovens nova-iorquinos que passam por problemas diversos como o
desemprego, amores e decepções, além da abordagem de temas como a homossexualidade,
violência e a descoberta da AIDS.

Muitos consideraram que Rent conquistaria o público, assim como aconteceu com My
Fair Lady, mas que não seria frequentemente seguida de novos espetáculos do gênero. Porém,
em 2000, foi montado o musical O Beijo da Mulher Aranha, no Teatro Jardel Filho, em São
Paulo. A peça é adaptação de Kiss of the Spider Woman (1993) e contou com o elenco
Cláudia Raia, Miguel Falabella e Tuca Andrada, além da direção de Wolf Maia.

42
A Time for Fun é líder no mercado de entretenimento ao vivo na América do Sul, responsável pela maioria das
montagens de musicais da Broadway no Brasil.
88

Em entrevista sobre o musical, Cláudia Raia, que interpretou a personagem Aurora,


afirma que o brasileiro sentiu falta dos musicais: “O Brasil é um país musical, que gosta de
dança, de ritmos. Cada Estado tem seu folclore, sua cultura, suas batidas musicais. O público
estava sem ver musicais ou revistas desde os anos 50, tem saudades" (Raia, apud SANTOS,
2000). O Beijo da Mulher Aranha foi assistido por mais de 120 mil pessoas.

Após esses dois musicais, o Brasil passou a receber cada vez mais adaptações de
musicais americanos, além da frequência das apresentações os investimentos também
aumentaram. O Brasil passou a carecer de mais profissionais que dominassem o canto, a
dança e a atuação, para isso, escolas abriram cursos específicos para artistas que querem
seguir carreira nos musicais brasileiros.

A valorização dessas apresentações tornou-se o incentivo necessário para que o Brasil


pudesse investir na produção desses espetáculos que, atualmente, segue em uma crescente.
89

CAPÍTULO II - MUSICAIS DA BROADWAY NO BRASIL

2.1. Broadway X Eixo Rio - São Paulo

Quando tratamos de apresentações teatrais no século XX, não encontramos a


influência dos EUA de forma dominante nos espetáculos realizados no Brasil; muito pelo
contrário, a maioria das peças teatrais apresentaram dramaturgia brasileira ou adaptações de
clássicos mundiais, como os escritos pelo poeta e dramaturgo William Shakespeare, além de
obras de escritores brasileiros como Machado de Assis, textos que até hoje recebem
adaptações.

A influência norte-americana encontrou maior espaço no Brasil, no que tange o teatro


musical. Vê-se claramente isto quando, no início de outubro do ano 2001, na primeira
apresentação, no Teatro Jardel Filho, em São Paulo, o espetáculo musical O Beijo da Mulher
Aranha; com investimento na ordem de R$ 1 milhão.

A produção foi protagonizada por Cláudia Raia, Miguel Falabella e Tuca Andrada.
Esses artistas tinham em comum, além de serem conhecidos do grande público através de
trabalhos realizados na televisão, o fato de dominarem de forma satisfatória as áreas de canto,
dança e atuação, requisitos primordiais para protagonizarem a peça que deu maior visibilidade
ao estilo dos grandes espetáculos da Broadway.

O Brasil tem recebido diversas produções de musicais e é atualmente, segundo


profissionais do meio teatral, o terceiro país que mais se destaca na qualidade e número de
espetáculos montados, atrás somente do teatro musical dos Estados Unidos e da Inglaterra.
Esse dado, porém, não é oficial, de acordo com a Associação de Produtores de Espetáculos
Teatrais do Estado de São Paulo - APETESP, não há pesquisas ou balanços sobre o número
de espetáculos musicais apresentados no Estado de São Paulo, assim como uma média da
arrecadação dos musicais. O que se prevê é que o lucro das produções chega a 20% do
investimento. Os dados que mais são disponibilizados são os valores dos investimentos, até
90

mesmo porque, na maioria das vezes, vem da Lei Federal de Incentivo à Cultura43 e, portanto,
são públicos.

O estilo Broadway, como ficou conhecido o gênero, foi ganhando espaço nos palcos
paulista e, em seguida, nos cariocas. Apesar de os valores dos ingressos serem mais altos, a
novidade de um grande espetáculo ao molde norte-americano, foi ganhando e fidelizando
público. Diversos espetáculos que estavam em cartaz há anos, na Broadway, ganharam os
palcos brasileiros.

Segundo a empresa T4F, o espetáculo Fantasma da Ópera foi assistido no Brasil por
cerca de 1 milhão de pessoas e teve investimento de US$ 26 milhões. Até este momento, o
musical apresentado no Brasil mais caro foi o Rei Leão, com investimentos de produção de
R$ 50 milhões.

De acordo com a The Broadway League44 em novembro de 2014, contemplando a


temporada que compreende de junho de 2013 a junho de 2014, houve público recorde de 8,52
milhões de admissões por turistas nos teatros da Broadway, representativos de 70% de todos
os bilhetes.

Apesar de os roteiros originais serem americanos, com as adaptações dos textos,


percebe-se em diversos espetáculos linguajares tipicamente brasileiro, assim como menções a
situações ocorridas no Brasil. Desde meados de 2011 quando estreou o musical Tim Maia -
Vale Tudo, O Musical, no Rio de Janeiro, o Brasil passou a produzir cada vez mais musicais
com temáticas brasileiras e não somente se limitar a adaptar roteiros. O espetáculo foi o que
mais se destacou na mídia e na venda de ingressos daqueles com temática brasileira, que
contava uma história que ocorre em solo brasileiro e não mais no estrangeiro.

Acredito que esse espetáculo tenha sido o primeiro de uma leva de musicais baseados
em roteiros brasileiros. Ele foi a prova que faltava para os patrocinadores, de que um
espetáculo musical para conquistar o público não precisa, necessariamente, ser uma adaptação
da Broadway e do West End. Os investidores passaram, então, a apostar em roteiros nacionais.

43
A Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991) prevê política de incentivos
fiscais, que possibilita pessoas jurídicas e físicas aplicarem uma parte do Imposto de Renda em ações culturais.
44
The Broadway League é uma associação da indústria dos teatros da Broadway.
91

Essa realidade ainda é recente e pouco analisada, mas o número de espetáculos dessa linha
não para de crescer.

Há uma realidade que pode contribuir para explicar a presença de espetáculos musicais
com dramaturgia brasileira: a diminuição do número de espetáculos da Broadway que ainda
não foram apresentados no Brasil. Como os patrocinadores investem altos valores nas
produções, buscam investir em espetáculos que podem ter mais chances de angariar público,
como as adaptações da Broadway que estão anos em cartaz e têm seus nomes conhecidos por
muitos brasileiros.

Com o passar dos anos, o gênero teatral foi criando nomes de artistas conhecidos,
fidelização de patrocinadores no estilo e público, porém, o Brasil não é a Broadway e não tem
necessidade de sê-lo, são histórias diferentes; Vale mencionar que a Broadway é um dos
pontos turísticos mais visitados da cidade de Nova York; a maioria das peças ali apresentadas
é assistida por turistas e não somente pelos moradores da cidade, o que possibilita manter a
mesma peça em cartaz durante anos, ainda mais sendo Nova York uma das cidades mais
visitadas do mundo.

Quando o espetáculo é adaptado, no Brasil, o público é composto, naturalmente, por


maioria de brasileiros, fazendo com que o espetáculo fique em cartaz em um mesmo teatro
por meses e não anos. Não há, no eixo Rio-São Paulo ou em outros estados, um fluxo de
turistas interessados nos musicais brasileiros, mesmo porque os teatros são localizados em
diferentes lugares e não concentrados em uma mesma região como ocorre com a Broadway e
West End.

Com meses em cartaz, os espetáculos adaptados, principalmente os da Broadway,


possuem um fluxo mais rápido no Brasil do que o que acontece efetivamente nos EUA.
Podemos dizer que a grande maioria das peças originária da Broadway – EUA, já foram
adaptadas para o Brasil e que poucas ainda não passaram por esse processo, por isso, talvez,
isso possa explicar o aumento de musicais com dramaturgia brasileira. O formato do teatro
musical americano conquistou seu espaço no Brasil e continua a interessar o patrocinador.

Não é somente essa possibilidade que deu início ao recente fenômeno de musicais com
dramaturgia nacional, uma vez que assim como há críticos da influência da cultura norte-
americana no Brasil, no cinema, séries e afins, há também críticos que preferem que um
enredo tipicamente brasileiro seja apresentado no lugar de uma adaptação de peça americana.
92

Se há espaço, em solo brasileiro, para um musical sobre a vida da líder política argentina Eva
Peron, no espetáculo Evita, que recebeu duas produções brasileiras, sendo a última em 2011,
porque não haveria espaço para contar a história de Tim Maia, Elis Regina, Chacrinha, Cássia
Eller, entre outros artistas nacionais?

Até o momento não houve grandes produções musicais que tratassem com destaque
momentos históricos brasileiros ou histórias não biográficas que têm o Brasil como pano de
fundo. As iniciativas se limitam a biografias de artistas conhecidos do grande público. Mas é
sabido que esse cenário tende a se alargar em 2015 com a obra “Capitães da Areia”, de Jorge
Amado, escrita em 1937 que ganhará uma adaptação musical no Rio de Janeiro, tornando-se
exemplo de adaptação de obras literárias nacionais e que poderá desencadear uma nova leva
de espetáculos. Também ocorreu uma adaptação para o teatro do filme brasileiro Os
Saltimbancos Trapalhões – O Musical, a peça, que ficou em cartaz no Rio de Janeiro, no ano
de 2014. O humorista brasileiro Renato Aragão é a estrela do musical, tem do sido também o
protagonista do filme realizado no ano de 1988.

Outro filme brasileiro que virou musical em São Paulo no ano de 2014, foi o
espetáculo Se Eu Fosse Você – O Musical, inspirado no filme homônimo de Daniel Filho, que
assume a supervisão artística da peça. Todos esses roteiros brasileiros, provenientes de
adaptações de obras literárias ou de filmes, apresentam um teatro musical em constante
transformação. Elementos nacionais são agregados em um padrão estrangeiro, formando um
gênero que os caracteriza como nacional. Estamos diante dessa transformação que não está
finalizada, como ocorreu com o Teatro de Revista, gênero teatral musical que fez sucesso em
meados do século XX.

As inserções de características brasileiras nas produções ocorrem desde maneiras


discretas às gritantes acada dia, a cada ensaio, a cada roteirização e a cada apresentação.
Estamos diante do desenvolvimento do teatro musical brasileiro do século XXI.

O debutar desses espetáculos não ocupou, por sua vez, o espaço das adaptações de
produções americanas que continuam sendo montados. Além do aumento de profissionais que
buscam cursos específicos para teatro musical, o que antes não havia nas escolas de artes,
houve um aumento significativo de novos produtores e diretores do gênero no Brasil.
93

2.1.1.Oklahoma! entra para a história do teatro

Em 1943, Hammerstein, desta vez com Richard Rodgers, apresentou ao público o


renomado musical Oklahoma!. O espetáculo marca “a reognized landmark in the evolution of
the American musical theatre […] the productions not only fused story, songs, and dances,
but introduced the dream ballet to reveal hidden fears and desires of the principal characters”
(GREEN, 2014, p. 119).

Tudo começou quando Theresa Helburn, co-fundadora do Theatre Guild defendeu a


ideia que a adaptação do texto Green Grow the Lilacs, de Lyan Riggs para o gênero musical
salvaria o teatro da falência, depois de ter estrelado consecutivamente cinco espetáculos
fracassados. Enquanto buscava apoio financeiro para a produção, Helburn tentou alistar
Richard Rodgers para compor as músicas, mas o parceiro do compositor, Lorenz
Hartescrever, além de seu alcoolismo, não confiou na ideia. Rodgers, então, procurou alguém
para escrever as letras das músicas e a adaptação do texto, foi quando surgiu o nome de
Hammerstein II, que igualmente não havia conseguido convencer seu parceiro de escrita de
que o musical tinha futuro.

O grupo composto por Rodgers, Hammerstein, Helburn e também o diretor Rouben


Mamoulian, construíram e lideraram um espetáculo que é um verdadeiro divisor de águas na
história do teatro musical, dando início à “Era de Ouro” da Broadway. Sobre Helburn,
Hammerstein disse:

A producer is a rare, paradoxical genius—hard-headed, soft-hearted, cautious,


reckless, a hopeful innocent in fair weather, a stern pilot in stormy weather, a
mathematician who prefers to ignore the laws of mathematics and trust intuition, a
realist, a practical dreamer, a sophisticated gambler, a stage-struck child. That’s a
producer. (HAMMERSTEIN, apud, OSTROW, 2006, p.16).

O musical Oklahoma! contou com 2.212 apresentações e o desempenho mais longo


da história da Broadway, superado apenas por My Fair Lady, que quebrou o recorde em 1961.
Ao todo, a primeira montagem do espetáculo vendeu mais de 15 milhões de entradas. O
enredo conta a história de amor entre Curly McLain (Alfred Drake) e Laurey Williams (Joan
Roberts). Ele um rancheiro alegre, ela a filha de um renomado fazendeiro. O romance é
impedido com a chegada do ameaçador Jud Fry (Howard Da Silva) que irá disputar o amor de
Laurey. No final, em uma luta com Curly, Jud morre acidentalmente. Absolvido, Curly parte
94

com Laurey em uma carruagem repleta de enfeites no teto. Toda a história é ambientada na
Oklahoma do começo da década de 1900.

Imagem 15: Cena de Oklahoma! Momento em que a música de Farmer and the Cowman é
apresentada.

Fonte: Rodgers and Hammerstein Organization.45

Imagem 16: Cena Final de Oklahoma! A Partida dos Recém-Casados Curly e Laurey.

Fonte: Rodgers and Hammerstein Organization. 46

45
Disponível em: <http://www.rnh.com/photos.html?gallery=154>. Acesso em: 05 ago. 2015.
46
Disponível em: <http://www.rnh.com/photos.html?gallery=154>. Acesso em 05 ago. 2015.
95

A parceria entre Hammerstein II e Rodgers inspirou novos escritores a ousarem mais


nos espetáculos conduzindo o teatro musical para abordagens antes nunca exploradas,
principalmente, em temas sociais. Juntos, deram forma a musicais que marcaram tendências e
conquistaram legiões de admiradores, tais como as produções Carousel, The King and I,
South Pacific, Me and Juliet, Flower Drum Sond.

São muitas as possíveis razões para o musical ter alcançado sucesso de público, talvez
o que mais justifique o encantamento dos espectadores são os detalhes, como por exemplo, a
mudança do nome do musical47 e a música Oklahoma que inspirou o novo nome. A atenção a
essas adaptações bastou para gerar um espetáculo muito diferente do que era conhecido.

No início da peça eram esperadas bailarinas com trajes minúsculos e uma música
vibrante e contagiante, elas apareciam somente após 20 minutos de apresentação e, para
decepção de muitos, estavam cobertas com saias longas e sapatos pesados; as meias finas e
elegantes foram substituídas por outras, grossas, de acordo com a moda rural do início do
século XX. Quando as cortinas se abriam, no lugar de belas bailarinas, uma senhora, em
primeiro plano, batia manteiga em um cenário de uma pradaria com montanhas ao fundo e ao
som de um caubói que cantava Oh, What a Beautiful Morning.

A estranheza foi uma reação típica daquilo que era novo para o público e, Oklahoma!,
definitivamente, foi revolucionário. Essas conclusões precipitadas dos espectadores
resultaram em um curioso fato sobre a peça. Um dos investidores do show havia mandado um
representante em uma apresentação em New Haven querendo saber sua opinião sobre o
espetáculo que, para ele, era uma esperança de lucro.

No final do primeiro ato, o representante enviou um telegrama para o investidor


dizendo “No legs, no jokes, no chances” (“Sem pernas, sem piadas, sem chances”). A
previsão se mostrou infundada e até hoje é utilizada como exemplo de uma conclusão errônea.
Para Kenrick (2012), Oklahoma! proporcionou a chance do teatro musical sofrer mudanças
significativas.

Ao longo do show/espetáculo, cada palavra, número e passo de dança não


constituíam parte orgânica do processo de narrativa. Ao invés de interromper o
diálogo, cada canção e dança dava continuidade ao mesmo. Pela primeira vez, cada
trecho fluiu em uma linha de narrativa contínua, da abertura ao encerramento. Como

47
Originalmente o musical chamava-se Away We Go! (Lá Vamos Nós!).
96

Rogers posteriormente disse: “As orquestrações soavam exatamente como o visual


do figurino”. Oklahoma! certamente não foi o primeiro musical integrado, mas sim a
primeira peça musical orgânica, na qual cada elemento serve como uma parte crucial
e significativa do todo. (KENRICK, 2012, p.248, tradução nossa).

Hammerstein II, nascido em 1895, descendia de uma família envolvida com teatro.
Seu pai, Wiliiam, trabalhou por muitos anos como diretor do teatro de vaudeville, além de um
produtor de sucesso da Broadway, assim como seu tio Arthur. Já o avô, Oscar, foi um
talentoso empresário da Ópera. Durante os estudos de Direito, Hammerstein II escrevia
músicas para apresentações musicais na Columbia University.

Com a canção Wildflower, composta em parceria com colegas, descobriu o estilo de


composições que faria tanto sucesso ao longo da história do teatro musical. Ficou conhecido
como o orgulhoso autor de clássicos como Rose-Marie (música por Rudolf Friml) e A Canção
do Deserto (Sigmund Romberg), entre outras. O dramaturgo faleceu em 23 de agosto de
1960, na Pensilvânia. Em homenagem póstuma, as luzes da Times Square foram apagadas por
um minuto.

Assim como Hammerstein II, a contribuição do nova-iorquino Richard Rodgers,


nascido em 1902, para o teatro musical de sua época foi marcante; obteve lendária influência
de seu trabalho no teatro musical atual e, possivelmente, os dos próximos anos. A carreira de
Rodgers durou mais de 60 anos e, além dos palcos, alcançou também as telas de cinemas
americanas e estrangeiras. Autor de mais de 40 musicais da Broadway e de 900 canções. O
teatro The Richard Rodgers Theatre on Broadway foi renomeado em homenagem ao
dramaturgo no final do século XX. Rodgers morreu em 30 de dezembro de 1979, oito meses
após a estreia do último musical produzido por ele, I Remember Mama.
97

Imagem 17: A Dupla Rodgers e Hammerstein.

Fonte da Foto: Rodgers and Hammerstein Organization.48

As apresentações de Oklahoma! coincidiram com um momento no qual os americanos


estavam otimistas após o fim da Segunda Guerra Mundial. A vitória possibilitou à nação
encher-se com espírito de prosperidade. O país se tornou referência em altruísmo e ajudava
países que estavam destruídos a serem reconstruídos, aumentando a oferta de emprego aos
americanos e possibilitando um poder de mercado que há muito o povo não via. Participar dos
entretenimentos propostos se tornou algo atrativo e possível. Oklahoma! teve ávidos
espectadores por serem entretidos e abertos a novas experiências, inclusive a um novo
formato teatral.

Muitos produtores teatrais insistiram em manter a velha maneira com o intuito de


denominar Oklahoma! como algo único e infértil. Porém, as críticas jornalísticas logo
ajudaram a confirmar o que era uma possibilidade; histórias sem conexões com músicas e
danças não eram mais suficientes para atrair um número representativo de público. Logo, para
não correrem riscos de falência, muitos teatros apostaram no mesmo formato criando histórias
coerentes, utilizando mais que falas para a apresentação; a música e a dança tornaram-se um

48
Disponível em: <http://www.rnh.com/about_us.html>. Acesso em 05 ago. 2015.
98

elemento narrativo, deixando de ser apenas pausas de um enredo. Agora, o musical era
considerado completo.

Kenrick acredita que os musicais que se pautaram em Oklahoma! não obtiveram o


desempenho desejado em virtude da falta de elementos que eram encontrados na produção de
Rodgers e Hammerstein II. “Desde o princípio, jornalistas se utilizavam do termo ‘Fator RH’
para se referir à aptidão de Rodgers e Hammerstein para criar narrativas irresistíveis e bem
direcionadas que faziam situações cotidianas ser atrativas e eternizadas”. (KENRICK, 2012,
p. 253, tradução nossa).

Todavia, com o passar dos anos, muitos musicais conseguiram cativar o público, como
Oklahoma!. Novas histórias foram surgindo e lotando as plateias de teatros da Broadway, que
não se limitou aos espectadores nova-iorquinos, atraía admiradores ao redor do mundo. O
sucesso garantia a um musical manter-se anos em cartaz, fortalecendo a Broadway como a
área teatral mais rentável do mundo.

2.1.2. Fidelizando público de musicais

Outro serviço realizado pela The Broadway League é a supervisão das relações
governamentais nas produções, assim como bancos de dados, relacionados ao alcance de
público dos musicais. De acordo com um levantamento divulgado pela liga, em novembro de
2014, contemplando a temporada que compreende de junho de 2013 a junho de 2014, houve
público recorde de 8,52 milhões de admissões por turistas nos teatros da Broadway que
representam 70% de todos os bilhetes.

O estudo aponta que os turistas domésticos compraram 49% de todos os bilhetes para
a Broadway e os turistas internacionais, 21%. O sexo feminino representou 68% do público,
sendo a idade média da Theatregoer Broadway de 44 anos. Os preços dos espetáculos não
mantêm o padrão de preços populares, eles sofrem variações, às vezes, abruptas. Ainda
segundo o levantamento, a renda média familiar anual do público era de $ 201,500. Dos
espectadores com mais de 25 anos de idade, 78% têm nível superior completo e 39% tinham
cursado pós-graduação.

Um dos intuitos do The Broadway League é fidelizar público. Os dados mostram que a
média da frequência dos espectadores é de quatro apresentações no período de um ano. O
99

grupo de fãs mais devotos chegam a assistir 15 ou mais produções e representam, apenas, 5%
da audiência, porém corresponde a 35% da venda de todos os ingressos.

Desde o início das performances teatrais na Broadway, a tecnologia, de forma geral,


sofreram desenvolvimentos que foram sendo incorporados nas produções dos musicais. Até
mesmo a forma de compra de ingresso sofreu modificação. A tradicional fila para garantir
lugar na plateia, hoje, divide espaço com a compra pela internet. Cerca de 50% dos
entrevistados pela entidade afirmaram que compram ingressos pela internet, e a média de
tempo da aquisição é de mais de 30 dias antes do dia do espetáculo. Essa realidade envolve
fatores como a necessidade de existirem sites parceiros das produtoras, assim como
divulgação dos espetáculos nas mídias digitais. Ainda 25% por cento dos entrevistados
revelaram que escolheram assistir uma produção musical influenciados por algum tipo de
propaganda.

O crescimento de público é percebido na comparação do balanço divulgado pela The


Broadway League desde a temporada 1894-1985, que registra público de 7.34 milhões, com
arrecadação de U$ 209 milhões em ingressos, tendo sido apresentadas 33 performances no
decorrer de 1.078 semanas. Uma década depois, em 1994, os números foram de 9.04 milhões
de espectadores, U$ 406 milhões de vendas de entradas, 32 musicais e 1.120 semanas com
apresentações.

Em 2004 o valor arrecadado praticamente triplicou em comparação às duas últimas


décadas, registrando U$ 769 milhões em arrecadações, público de 11.53 milhões e 39
espetáculos apresentados em 1.494 semanas. Somente no ano de 2015 será conhecido o
número relacionado a mais uma década, mas os dados da temporada que competem a 2013-
2014 já revelam um crescimento significativo na arrecadação, que é de U$ 1.269 milhões,
alcançando uma marca de público de 12,21 milhões que assistiram durante 1.496 semanas 44
produções. Para compensar variações no ano civil, uma semana é adicionada às temporadas a
cada sete anos.

O espetáculo que está há mais tempo em cartaz na Broadway, The Phantom of the
Opera (em português: O Fantasma da Opera), teve sua estreia no teatro Majestic, no dia 26
de janeiro de 1988. Mais de um quarto de século depois, a produção já arrecadou cerca de U$
990 milhões, alcançou um público de mais de 16 milhões. Foram diversas as montagens do
espetáculo que, ao longo dos anos, foi ganhando cenários suntuosos e figurinos cada vez mais
100

elaborados e caros, além de novidades não presentes na primeira adaptação sem, contudo, se
afastar do roteiro composto por Andrew Lloyde Webber, que também compôs a maioria das
músicas do espetáculo. A versão do musical denominada Phantom – The Las Vegas
Spectacular, montada especialmente para ser apresentada no teatro Venetian Resort Hotel, em
2005, foi a mais cara da história com a marca de U$ 75 milhões.

O musical foi baseado no romance homônimo de Gaston Leroux e narra a história que
se passa no século XIX, na Ópera Gamier em Paris, de uma jovem soprano, Christine Daaé,
que passa a ser objeto da obsessão de um artista atormentado que vive no subsolo do
tradicional teatro. Como ninguém sabe quem é o talentoso músico, visto raramente nos cantos
escuros do teatro portando uma máscara no rosto, ele passa a ser conhecido como o Fantasma
da Ópera. Por sua vez, a jovem se vê dividida entre o amor do Visconde Raoul e da
fascinação crescente pelo misterioso “fantasma”.

2.1.3. West End e The Phantom of the Opera

Quando o tema é Musical, a Broadway se configura com destaque no cenário mundial,


mas há outra localidade que não deixa a desejar na qualidade das produções e nas
arrecadações milionárias com vendas de ingressos. O West End, que tem nome originário da
localização da área, ao oeste da City of London, é o epicentro do teatro comercial do Reino
Unido na importância das produções vindas do West End.

Apesar de The Phantom of the Opera ser a produção que há mais tempo é apresentada
na Broadway, a primeira apresentação do musical ocorreu no Teatro de Sua Majestade, em
Londres, na Inglaterra, no dia 9 de outubro de 1986, dirigido por Hal Prince, além de contar
com design de Maria Bjornson, iluminação de Andrew Bridge e coreografia de Gillian Lynne.
Atualmente, quase 30 anos depois, o musical está em cartaz no mesmo teatro londrino de
estreia com a marca de mais de 11 mil performances.

Os teatros pertencentes ao West End ficam localizados na região conhecida como


Theatreland, que faz divisa com Strand ao Sul, com a Oxford Street ao Norte, com a Regent
Street a Oeste e com a Kingsway a Leste. Mesmo não estando situados nesses limites, há
alguns outros teatros como o Apollo Victoria, Victoria Palace, o National Victoria Palace e o
Old Vic, pertencentes, também, ao West End por suas importâncias históricas e por suas
101

arquiteturas. O centro principal da Theatreland está na Shaftesbury Avenue, onde são


encontrados seis importantes teatros.

De acordo com informações do site oficial do musical The Phantom of the Opera49,
estima-se que a peça tenha sido assistida por mais de 140 milhões de pessoas, e o total bruto
mundial alcançou o valor de mais de $ 6 bilhões; as últimas informações são do ano de 2012.
O show ganhou mais de 70 prêmios importantes do teatro, incluindo três Prémios Laurence
Olivier Awards, apresentado anualmente pela Society of London Theatre, para reconhecer a
excelência no teatro profissional.

As receitas de bilheteria são consideradas maiores que os ganhos de qualquer outro


filme da história. Produzido em mais de 150 cidades ao redor do mundo, em cerca de 30
países, foi traduzido para 13 idiomas. As comercializações de álbuns musicais, trilhas sonoras
e gravações em estúdio já somam mais de 40 milhões. O site ainda informa que o álbum do
musical recebeu seis vezes o disco de platina nos EUA, duas vezes no Reino Unido, nove
vezes na Alemanha, quatro vezes na Holanda, 11 vezes na Coréia e 31 vezes em Taiwan. O
álbum original de The Phantom of the Opera foi o primeiro na história musical britânica a
entrar nas paradas de música como número 1.

O livro que baseou o musical, também teve uma versão cinematográfica que contou,
em sua divulgação, com a ajuda da popularidade da produção teatral. O diretor Joel
Schumacher assumiu a filmagem, cujo lançamento se deu em todo o mundo no final de 2004,
estrelado por Gerard Butler, como The Phantom, Emmy Rossum como Christine e Patrick
Wilson como Raoul.

Os aparatos utilizados no musical são conhecidos como os mais deslumbrantes dos


espetáculos musicais da Broadway e West End, como exemplo ilustramos informando que
fabricaram, exclusivamente para os musicais, até uma réplica do lustre da Paris Opera House,
que tem três metros de largura, pesa uma tonelada e foi construída por cinco pessoas, em um
mês. A réplica do lustre é destaque na produção, sendo que Erik, o nome verdadeiro do
“fantasma”, após não ter suas exigências acatadas pelo dono do teatro, em represália, faz o

49
Disponível em: http: <//www.thephantomoftheopera.com/>. Acesso em: 13. Out.15
102

lustre do teatro despencar, cena que, devido à tecnologia e investimentos na produção, deixa o
espectador assombrado com a semelhança com a realidade.

Mas a impressão de queda, ao vivo, custa valores que somente uma grande produção
teatral pode arcar. Com base nos espetáculos comerciais rentáveis, são exigidos da produção
níveis extremos de profissionalismo em diversos setores, desde a busca por investidores, às
maquiagens elaboradas; tanto trabalho para manter um padrão de musical “digno da
Broadway” e se manter em cartaz durante anos.

2.1.4. Bastidores de um musical

As produções que têm padrões Broadway e West End exigem uma demanda de
profissionais específicos para musicais, que chegam a ter, como no caso de The Phantom of
the Opera, mais de 100 pessoas no elenco. Há toda uma logística por trás dos bastidores para
conduzir ensaios e manter a qualidade dos atores, sonoplastia, cenografia, figurino e,
obviamente, as surpresas marcantes do espetáculo, como a rebuscada queda de um lustre de
três metros.

Em vista do gerenciamento de diversos profissionais e serviços, a mexicana Leslie


Pierce, lançou o livro Teatro Musical – Guia prático de Stage Management. A autora
começou na área artística como atriz até passar a desempenhar a função de Stage Manager,
presente no departamento de Stage Management, onde se encontram as pessoas que
organizam e coordenam as diversas etapas de um musical, auxiliando o desenvolvimento de
uma companhia teatral, seguindo as diretrizes da produção, direção técnica e direção artística.

Pierce (2013, p. 12) defende que todos que fazem parte do trabalho teatral são artistas.
“Não importa a função, a profissão, todos contam com uma sensibilidade especial para
executar o seu trabalho. Todos estão em harmonia com a ‘pulsação’ do espetáculo para fazer a
magia acontecer”. Não existe, ainda, em português, uma definição precisa de Stage Manager,
mas Pierce define a função como um “Coordenador do Espetáculo”.

Os diretores ficam 100% com o Elenco na sala de ensaios, assim como a Equipe
Técnica fica 100% no palco. Precisava de uma pessoa que pudesse conferir e
assegurar-se que tanto a parte técnica quanto a artística estivessem correspondendo.
Surgiu, então, o Stage Manager, como o informador, organizador, coordenador e
conciliador entre o artístico e o técnico, e como a pessoa responsável pelo
103

andamento e cuidado da apresentação, isto é, ‘chamar o show’, antes conhecido


como apontador. (PIERCE, 2013, p. 16).

A necessidade de um profissional para ser um elo entre a parte artística e técnica é


algo relativamente novo no mundo do teatro, mas vem se tornando necessário devido ao alto
número de artistas e equipe técnica que demanda um musical, diferentemente do que ocorre
com uma peça de teatro tradicional que, geralmente, não apresenta números de dança e
música, excluindo, de certa forma, a necessidade de bailarinos, coreógrafo, ensaiadores
vocais, músicos (orquestra), entre outros profissionais.

Com um número de pessoas elevado, não raro ocorrem desentendimentos entre os


profissionais, cabe, então, ao Stage Manager, ser o conciliador, com o intuito de manter a boa
relação de toda a equipe ou, no mínimo, possibilitar um ambiente de trabalho produtivo. Em
alguns musicais, os protagonistas são estrelas do cinema americano ou artistas renomados dos
musicais. Escalar artistas queridos pelo grande público muitas vezes é uma estratégia das
produções para terem mais divulgação da mídia e audiência.

Para manter esses artistas já consagrados, a produção precisa fazer do que realizar
contratos vantajosos para ambas as partes, garantir o conforto e a tranquilidade nos ensaios e
nas apresentações; muitas vezes, exige dela, produção, muito jogo de cintura para essa
adequação. Ao enumerar funções do Stage Maneger, Pierce cita que “uma função muito
importante é a de agradar as pessoas com quem trabalha”.

As decisões de escalar estrelas do cinema nos musicais teve maior evidência no ano de
2013, quando Scarlett Johansson aceitou o convite para estrelar o musical Cat on a Hot Tin
Roof. O papel de Johansson já foi vivido por Elizabeth Taylor no filme de Ricahrd Brooks, de
1958. O astro Tom Hanks atuou, também em 2013, no espetáculo Lucky Guy, como o
repórter e colunista Mike McAlary. Por sua vez, o ator Al Pacino nunca escondeu sua
devoção pelos palcos, chegou a ser indicado aos Tonys e ao Drama Desk por seu desempenho
como Shylock no musical O Mercador de Veneza.

Há artistas que percorrem o caminho inverso, ou seja, começam a carreira em musicais


e depois seguem para o cinema, como é o caso do ator John Travolta, que estreou na
Broadway com o espetáculo Grease. Pouco tempo depois, participou do elenco de Over Here
pelo período de 10 meses e decidiu ir para Los Angeles e investir na televisão e no cinema.
104

2.2. A Broadway É Aqui?

Assim como Rodgers e Hammerstein são considerados os reis dos musicais da


Broadway, o Brasil, atualmente, conta com uma dupla que se assemelha em alguns aspectos à
americana. Entretanto, a diferença foi que, enquanto Rodgers e Hammerstein criaram algo
inovador a ponto de ser considerado um novo formato, Charles Möeller e Cláudio Botelho se
pautaram em um molde já consagrado, mas que ainda não tinha sido bem explorado no Brasil.

Eles não foram os primeiros a se adaptarem a musicais americanos no Brasil. Foram


feitas várias tentativas, que despontaram, mas, Möeller e Botelho, juntos, musical após
musical, ajudaram na consolidação de uma tendência; a cada apresentação o Teatro Musical
foi conquistando reconhecimento e fidelizando público com a perspectiva de ser tendência
atualmente.

Charles Möeller nasceu em Santos, em 1967, criado em São Vicente, ambas cidades
do litoral do Estado de São Paulo, começou sua carreira como ator, mas trabalhou como
cenógrafo e figurinista para conseguir se manter estudando teatro em São Paulo; com o
tempo, passou a aceitar trabalhos como diretor e autor teatral, além de escrever e dirigir
produções para a televisão. A sua versatilidade o levou a trilhar diversos caminhos, quando
não conseguia algum trabalho como ator tentava como figurinista ou cenógrafo. E assim ele
perseguia o sonho que, muitas vezes, lhe parecia estar distante diante de tantas dificuldades do
meio artístico.

Botelho é ator, cantor, diretor, letrista, tradutor e compositor. Nascido na cidade de


Araguari em Minas Gerais no ano de 1964, e criado em Uberlândia; mudou-se para o Rio de
Janeiro na adolescência. Na casa de uma tia teve o seu primeiro contato com um piano; foi
autodidata, passou a dominar o instrumento. Aos 16 anos entrou pela primeira vez em um
teatro e saiu querendo ser ator, então estudou a arte de atuar, mas sem abandonar o seu amor
pela música; passou, também, a compor músicas e escrever e traduzir peças.
105

Imagem 18: Foto de Charles Möeller e Cláudio Botelho.

Fonte: Site Möeller & Botelho.50

Möeller e Botelho formaram uma dupla de forma oficial, em 1997. A união dos
talentos viria a contribuir de maneira significativa para o cenário do teatro musical no Brasil.
O Rio Jazz Club, no Rio de Janeiro, foi o local que recebeu a primeira produção em que
trabalharam, Sondheim Tonight, baseado nas produções teatrais e cinematográficas com
músicas compostas por Stephen Sondheim. O primeiro espetáculo musical da dupla foi As
Malvadas, com texto e direção de Möeller, que escreveu todo o roteiro em apenas quatro dias,
a direção musical ficou por conta de Botelho. Assinaram separados os trabalhos sem a
consciência que funcionariam melhor como dupla, como marca.

O elenco foi composto de atrizes-cantoras conhecidas da dupla, pois os recursos


financeiros eram escassos, eram elas: Ada Chaseliov, Alessandra Maestrini, Gottsha, Ivana
Domenico e Kiara Sasso; a peça também contou com o ator Beto Bellini. Muitos desses
nomes, posteriormente, foram consagrados ao participarem de outros musicais de Möeller e

50
Disponível em: <http://www.moellerbotelho.com.br/index.php/mb/a-dupla>. Acesso em: 07 ago. 2015.
106

Botelho, como é o caso de Kiara Sasso, que mudou o nome para Kiara Kasso, considerada,
atualmente, uma das grandes estrelas dos musicais brasileiros.

Um tiro no escuro: a gente inventou que podia fazer uma peça, ele escreveu, eu fiz
as letras, aquilo entrou em cartaz e assim nasceu uma dupla, de maneira quase
irresponsável. O que levou a isso, foi apenas a vontade de fazer teatro e fazer
musical, nada além disso. E deu certo. Naquele momento nós dissemos: somos
autores, somos uma dupla, vamos fazer musical. Ganhamos o prêmio Sharp de
melhor musical naquele ano e isso foi um enorme incentivo. Pena que o dinheiro do
prêmio foi – digamos – reivindicado pelo produtor que se achou com mais direito a
ele do que nós. (CARVALHO, apud Möeller, 2009, p. 78).

O Teatro Delfin (Rio de Janeiro), recebeu o espetáculo no dia 21 de novembro de


1997, o primeiro musical da dupla que invocou a lembrança de Rodgers e Hammerstein II ao
utilizar, na peça, a música I Cain’t Say No, de autoria de americanos e que recebeu versão de
Botelho. No dia 06 de dezembro de 1997 O jornal O Globo pulicou a seguinte crítica de
Barbara Heliondra: “A contribuição de Cláudio Botelho é notável, principalmente porque faz
versões das letras preservando seu conteúdo e, acreditem, até mesmo o humor de coisas como
I Can’t Say No, do famosíssimo Oklahoma!”.

Empolgados com a repercussão positiva do espetáculo, receberam convite da atriz


Rosamaria Murtinho para adaptar em musical o texto de Maria Adelaide Amaral sobre
Chiquinha Gonzaga. Eles, todavia, aceitaram o desafio, contudo encontraram dificuldades por
não possuírem autonomia para implantar suas ideias criativas. Desta forma, definiram a peça
como mediana e um projeto onde não havia muito prazer de se trabalhar, apesar de, pela
primeira vez, terem tido a oportunidade de lidar com uma grande estrutura de produção.

O passo seguinte foi o que realmente os colocaram mais em contato com os


espetáculos nova-iorquinos. Em uma viagem à Nova Iorque assistiram o musical Kiss me
Kate (1948), com letra e música de Cole Porter; saíram do teatro extasiados e admirados, e
por conta da impressão que tiveram deram vida ao espetáculo Cole Porter – Ele Nunca Disse
que Me Amava. A peça estreou em 2000, no Café Teatro Arena (Rio de Janeiro), ficando dois
anos em cartaz, com apresentações em demais cidades brasileiras e também no exterior, em
Portugal. Cláudio Botelho recebeu o Prêmio Governador do Estado pela direção musical. A
peça, através da ótica de seis mulheres, conta a história do compositor americano Cole Porter.
O elenco foi composto pela maioria das atrizes que participaram de As Malvadas. Fizeram
107

parte do musical: Ada Chaseliov, Alessandra Maestrini, Gottsha, Inez Viana, Ivana
Domenico, Stella Maria Rodrigues, Stella Rabello, Cláudio Bottelho e Kiara Sasso.

Aos poucos a dupla foi crescendo e descobrindo que o público era receptivo aos seus
musicais. E, embora sem uma frequência de apresentações, a crítica estava aceitando as
produções por eles realizadas. Empolgados com a receptividade conquistada pela última peça,
partiram, então, para a primeira adaptação de um espetáculo originário da Broadway,
inclusive adquirindo os direitos autorais do texto. Company, um musical clássico da década
de 1970 foi o escolhido. A ideia inicial era que o espetáculo fosse dirigido por Jorge Takla,
contudo, por divergências relacionadas aos ensaios com Botelho que faria o papel de Boby, o
diretor abandonou a peça e os direitos autorais permaneceram com a dupla que aproveitou a
oportunidade para trazer ao Brasil, pela primeira vez em um espetáculo, as composições de
Stephen Sondheim. E, para engrandecer o momento de Möeller e Botelho, o próprio
compositor veio ao Brasil para assistir ao espetáculo. “Suas palavras [as de Stephen
Sondheim] eram um misto de elogio e de surpresa por encontrar um elenco tão preparado no
Brasil, país que não tem (ou não tinha) nenhuma inscrição no mapa de produção de musicais
pelo mundo” (CARVALHO apud Möeller, 2009, p. 88).

2.2.1. Ópera do Malandro

Os espetáculos da dupla passaram a crescer em investimentos e número de pessoas no


elenco, como por exemplo, o musical Ópera do Malandro, que estreou em 16 de agosto de
2003, no Teatro Carlos Gomes no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano Miguel Falabella, havia
recém assumido o cargo de gestor da Rede Municipal de Teatros e os convidou para a
realização de um grandioso espetáculo no Teatro Carlos Gomes, tradicional casa de
espetáculos da Praça Tiradentes. Tiveram um patrocínio de R$ 900 mil cedidos pela
Prefeitura para arcarem com os custos da produção. O investimento possibilitou que o
espetáculo tivesse cerca de 20 atores e 15 músicos, cenário elaborado e mais de 70 figurinos.

Logo que aceitou o desafio, a dupla pensou em trabalhar na remontagem do musical


Ópera do Malandro, que há muito havia sido apresentada com muito sucesso no Brasil. O
espetáculo original foi escrito por Chico Buarque de Hollanda, no ano de 1978, com direção
108

de Luís Antônio Martinez Corrêa. O texto mostra uma década de 1940 com legalidade da
prostituição, jogo e contrabando. Muitas personagens do enredo são prostitutas e malandros.

Vale ressaltar que esse espetáculo é exemplo de um musical que estreou em uma
época de extrema censura ditatorial. Quanto ao seu conteúdo cultural, os dramaturgos
utilizavam técnicas na composição de roteiros para que a mensagem transmitida
permanecesse nas entrelinhas para, assim, despertar a capacidade de reflexão do público sobre
a condição em que viviam. Dessa forma, sem uma fala explícita, o texto poderia facilmente
receber a aprovação da censura.

Charles Möeller e Cláudio Botelho são os responsáveis por trazerem, em 2003, uma
nova releitura da peça. A sonorização, cenário e figurino mostraram grande evolução diante
da primeira montagem do espetáculo, mas a mensagem do texto foi conservada e se revelando
atual.

Imagem 19: Cena de Ópera do Malandro, 1978.

Fonte da Foto: Site Lyrical Brazil. 51

51
Disponível em: <http://lyricalbrazil.com/2014/12/22/homenagem-ao-malandro-homenagem-a-velha-guarda/>.
Acesso em: 07 ago. 2015.
109

Imagem 20: Cena de Ópera do Malando, montagem de 2003, com direção de Charles Möller e
Cláudio Botelho.

Fonte da Foto: Site da Axion Produtores Associados.52

Imagem 216: Cena de Ópera do Malando, montagem de 2014 com direção de João Falcão.

Fonte: Site da Rede Globo.53

52
Disponível em: <http://www.axion.com.br/em_concerto.htm>. Acesso em: 07 ago. 2015.

53
Disponível em: <http://redeglobo.globo.com/globoteatro/reportagens/noticia/2014/08/apos-sessoes-
no-municipal-opera-do-malandro-estreia-no-net-rio.html>. Acesso em: 07 ago. 2015.
110

Na versão da peça de Möeller e Botelho foram executadas 20 canções entre músicas


originais do musical e novas composições. O elenco principal era composto por Alexandre
Schumacher, Soraya Ravenle, Lucinha Lins, Mauro Mendonça, Cláudio Tovar, Alessandra
Maestrini e Sandro Christopher. Apesar do alto investimento para a produção, em
apresentações antes da estreia, o espetáculo recebeu diversas opiniões negativas, o que deixou
a dupla exasperada. Cláudio Botelho narra o seu desespero:

Nunca vou esquecer do próprio Falabella (Miguel Falabella), o mentor do projeto,


usando palavras como catástrofe e desastre para definir o que tinha visto. Tudo era
horrível – disseram muitos na nossa cara. Charles caiu doente, vomitando sem parar.
Mas a vida é muito divertida: apenas dois dias depois das profecias catastróficas de
nossos amigos, a Ópera do Malandro estreou e se tornou o maior acontecimento do
teatro carioca naquele ano – era prevista uma temporada de três meses, mas ficou o
ano todo em cartaz com casa lotada todos os dias. Há anos o teatro na cidade não
tinha algo assim: ingressos esgotados com dois meses de antecedência, filas
descomunais nas portas do teatro, pipoqueiros disputando espaço perto das
bilheterias. Foi a nossa vingança, um tapa na cara daqueles que foram lá assistir e
vaticinaram uma derrota que, sabíamos, não iria ocorrer. (CARVALHO, apud
Botelho, 2009, p. 101).

O espetáculo Ópera do Malandro recebeu, em 2014, uma nova montagem, quase


quatro décadas depois da estreia, desta vez com direção de João Falcão. Nesta última
montagem a peça mostra traços da atualidade que há décadas traz a história de um malandro
que, com seu linguajar despojado e próprio de quem vive às margens da lei, trabalha como
cafetão que, conhecido por nome Duran, passa-se por um comerciante de sucesso, casado com
uma mulher que vivia da prostituição.

Situado nos anos 40, período do Casino da Urca, a história mostra a legalidade do jogo
e o contrabando no Rio de Janeiro; realidades ainda presentes, como a prostituição no
calçadão de Copacabana, o contrabando de mídias piratas e aparelhos comprados no Paraguai.
O “jeitinho brasileiro” está presente nas cenas da peça e revelam uma malandragem na
solução de diversos problemas, onde tirar vantagem é quase lei.

As montagens do espetáculo mostram que um mesmo enredo pode fazer parte de dois
diferentes momentos do Teatro Musical Brasileiro, indo contra o pensamento de que o atual
momento do musical no Brasil traz apenas formatos estrangeiros. Embora no início deste
século textos estrangeiros fossem predominantes, os enredos brasileiros também estavam
presentes e aos poucos foram ganhando seu espaço, pois a mescla de formatos também
proporcionou a implantação de recursos de cena inspirados em formatos estrangeiros.
111

Segundo Cláudio Botelho, em entrevista concedida ao jornalista Dirceu Alves Júnior,


para que haja um musical brasileiro com personalidade própria são necessários compositores:
"Sem compositor e música original, não existe musical brasileiro. Nem de qualquer país. O
que faz um musical ter uma pátria é quando ele tem um autor e também alguém que escreva
músicas"54. Botelho ainda cita que, tirando Ed Motta, que escreveu músicas para o espetáculo
7 - O Musical (2007), e Carlos Lyra, que teve participação em alguns espetáculos, poucos são
os que se aventuram a escrever canções para musicais. Ele ainda cita que "temos de viver na
saudade de Chico Buarque e Edu Lobo", sendo que o último trabalho deles foi o musical
Cambaio (2001).

Já Jô Santana (2015), defende que para se manter no mercado teatral brasileiro é


importante que o profissional saiba desempenhar diversas funções:

Eu sou produtor artístico, eu não sou só um ator, eu sou empreendedor, eu sou um


misto de tudo, é difícil você se definir, eu acho que no Brasil você tem que fazer de
tudo. Eu tenho como exemplo Miguel Falabella que eu admiro muito, ele escreve,
ele dirige, ele produz, eu acho incrível isso, você tem que ter essa liberdade artística
de fazer tudo, porque não? Não pode ser uma coisa só, o americano faz tudo e faz
tudo bem e a gente tem que fazer isso senão não sobrevive nessa profissão.

2.2.2 A temática brasileira

Estamos em um processo. Ainda é cedo para dizer que o Teatro Musical Brasileiro
possui, em sua maioria, textos nacionais. Também é precipitado afirmar que as adaptações
fiéis aos textos estrangeiros irão se extinguir; elas ainda agradam e possuem público. Mas o
que percebemos é que os textos brasileiros também tem seu espaço, cada vez mais
conquistando, fidelizando público, e evoluindo.

Dividimos essa leva de musicais com temáticas brasileiras de maneira simplória e em


dois momentos: o que compete a biografias de personalidades brasileiras e o que traz
adaptações de livros, filmes e textos inéditos. Muitos espetáculos de Charles Möeller e

54
JUNIOR, Dirceu Alves. Claudio Botelho, um “Nine” rodriguiano e o musical brasileiro: “precisamos de
compositores. O resto já temos”. Disponível em: http://vejasp.abril.com.br/blogs/dirceu-alves-jr/2015 maio
15/claudio-botelho-nine-musical-felliniano-charles-moeller-teatro/. Acesso em: 05 dez. 15.
112

Cláudio Botelho, por exemplo, foram produzidos pela Aventura Entretenimento55. A parceria
foi rompida há algum tempo e a empresa deixou de se concentrar nas montagens de
adaptações da Broadway para apostar em obras ligadas à cultura brasileira. A primeira
tentativa foi Rock in Rio – O Musical, de 2012, que traz uma história lúdica sobre as
sensações diversas causadas pela música; apresentou cerca de 50 canções que marcaram
diversas edições do festival Rock in Rio, que acontece desde 1985, sendo considerado um
evento de repercussão mundial.

Imagem 22: Cena de Rock in Rio - O Musical, 2012.

Fonte da Foto: Site da Revista Veja.56

Seguida pelo espetáculo baseado no festival brasileiro, a Aventura Entretenimento


investiu em Tudo Por um Popstar (2013), baseado no livro homônimo da escritora brasileira
Thalita Rebouças, considerada uma das autoras de livros para adolescentes mais conhecidas
no Brasil. A história conhecida no “mundo das letras” recebeu a sua versão musical. Depois
da realização desse espetáculo voltado para o público adolescente, a empresa apostou na
realização de um musical adulto sobre a vida polêmica de uma das maiores cantoras

55
Produtora de musicais do mercado brasileiro, criada em 2008. Possui mais de 2.400 apresentações de
espetáculos culturais.
56
Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/blogs/dirceu-alves-jr/2013/07/12/rock-in-rio-o-musical-surpreende-
pela-dramaturgia/>. Acesso em: 15 ago. 2015.
113

brasileira. Foi, então, montada a produção Elis – A Musical, com grande repercussão na
mídia, e críticas que divergiam opiniões. Segue um trecho da crítica de Nelson de Sá
publicada no jornal A Folha de São Paulo, do dia 19 de março de 2014.

A imitação avança para a própria Elis. O melhor do espetáculo acaba sendo a


capacidade de Laila Garin (atriz que interpreta Elis Regina) para mimetizar voz e
trejeitos da cantora, cultuada por uma geração [...] É público de show, que quer
assistir à versão cover do ídolo, em autoengano. É outra particularidade dos musicais
biográficos da leva recente no país: são rituais de ressurreição de celebridade.

Na mesma matéria o crítico analisou o espetáculo Jesus Cristo Superstar de maneira


mais branda.

Em contraposição (à peça Elis – A Musical), Jesus Cristo Superstar é bem


trabalhado, com maior apuro não só técnico, mas criativo [...] O segundo ato é uma
aula de teatro musical do diretor Jorge Takla.

Vale ressaltar que Jesus Cristo Superstar é um musical de 1970 como uma ópera-rock.
Após um ano, devido ao seu sucesso, foi para a Broadway e ganhou adaptações em diversos
países.

Embora outros jornais e revistas apontassem que o espetáculo amenizou os dramas da


vida de Elis Regina, resultando em um roteiro sem grande destaque. Por outro lado, outras
críticas se mostraram positivas ao perceber que o Brasil passava a compor seus roteiros
próprios.

Ademais, o público compareceu para assistir a história da cantora. Uma matéria do


jornal Correio Braziliense 57 , dia 04 novembro de 2014, mostra que a fórmula tem se
destacado no alcance de público

Roteirizadas por jornalistas e dirigidas por nomes da televisão e do cinema, os


espetáculos podem até sofrer críticas pela falta de inovação na temática principal, mas os
números apontam para uma fórmula de sucesso no mercado. Tim Maia, por exemplo,
ultrapassou a marca dos 400 mil espectadores em todo o Brasil, enquanto Elis contabiliza

57
Matéria do Jornal Correio Braziliense Disponível em:
<http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-
arte/2014/11/04/interna_diversao_arte,455840/musicais-brasileiros-buscam-cada-vez-mais-inspiracao-em-
biografias.shtml>.
114

mais de 200 mil. O biográfico ganha popularidade devido à identificação do público com as
músicas e a trajetória dos artistas, o que difere de um musical totalmente original, pois sofre
maior resistência do público.

Elis – A musical, tem direção feita por Dennis Carvalho, conhecido como diretor de
televisão, fez sua estreia no teatro. O Texto foi escrito por Nelson Motta (que foi produtor e
amigo pessoal de Elis) e Patrícia Andrade, e as músicas são do repertório da própria Elis. O
espetáculo contou com uma grande produção, assim como as adaptações da Broadway no
Brasil. Foram mais de 3 mil inscritos para as audições, 200 atrizes disputaram o papel de Elis
Regina, sendo escolhida Laila Garin e Lílian Menezes. A banda é formada por nove músicos,
o palco contou com 19 atores em cena e a produção por mais de 250 pessoas. Todo esse
trabalho demandou um custo de R$ 10 milhões.

Nota-se que os títulos adaptados da Broadway dificilmente vêm acrescidos da palavra


“musical”, pois a notoriedade de seus títulos cria uma concepção que “são musicais porque
são da Broadway”. Entretanto, os musicais com temáticas brasileiras possuem uma tendência
modesta e para que não haja equívocos sobre o gênero do espetáculo, a grande maioria dos
títulos é acrescido da palavra ‘Musical’. No caso da peça sobre a vida de Elis Regina, ocorreu
uma utilização criativa da palavra, o título ficou: Elis – A Musical. No caso, o artigo feminino
no lugar do masculino implica no sentido de classificar Elis como uma pessoa envolvida com
música por ser cantora, e também determina a apresentação como musical.

Imagem 23: Cena de Elis - A Musical, com a atriz Laila Garin. Caio Gallucci.

Fonte da Foto: Blog da Reserva.58

58
Disponível em: <http://blog.usereserva.com/post/106240742579/qual-%C3%A9-a-boa>. Acesso em: 15 ago.
2015.
115

Elis – A Musical é um dos diversos musicais biográficos dos últimos anos no cenário
teatral brasileiro. Tiveram suas canções relembradas e suas vidas encenadas ou ao menos
partes delas, os artistas brasileiros Cazuza, Clara Nunes, Lamartine Babo, Clementina de
Jesus e Adoniran Barbosa, Tim Maia, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Renato Russo,
Cauby Peixoto, as cantoras do rádio Emilinha Borba e Marlene, Luiz Gonzaga, Milton
Nascimento, Cartola, Elizeth Cardoso, Candeia, Ary Barroso, Rita Lee, Cássia Eller, Chacrinha,
Cláudia Raia, Wilson Simonal, entre outros.

Esses musicais transportam para a cena a história da música popular brasileira,


principalmente da MPB. Independente de seus investimentos, todas as produções trouxeram a
musicalidade brasileira para os palcos. Apesar de a maioria dos musicais basearem-se em
artistas falecidos ainda é possível encontrar uma legião de admiradores que se interessam por
suas histórias, tanto pelas suas canções emblemáticas como pela dramática trajetória de vida.

Há musicais que também abordam a vida e/ou obra de artistas vivos que são grandes
nomes da música brasileira, como os já citados Milton Nascimento e Cauby Peixoto, além do
musical sobre a vida e a carreira da atriz Cláudia Raia que, inclusive, estrela a peça. A música
brasileira moderna também foi tema teatral com o espetáculo sobre a banda Charlie Brown
Jr., formada em Santos no ano de 1992. O grupo misturou em suas músicas diversos ritmos
como o reggae, skate punk, rock e hardcore e possuía grande destaque na mídia. O musical
foi realizado somente após o término da banda, fato ocorrido devido a mortes trágicas de dois
integrantes, conhecidos como Chorão e Champignon. Os dois artistas faleceram no ano de
2013, com diferença de meses. Já o musical Dias de Luta, Dias de Glória, em que o título
baseia-se em uma das músicas do grupo, teve estreia no ano de 2015.

De todos os musicais biográficos, o que mais gerou polêmica foi justamente o da


banda santista. Segundo matéria do jornal A Folha de São Paulo, do dia 13 de março de 2015,
os familiares discordam do texto da peça e afirmam não ser compatível com a realidade.
116

Imagem 17: Elenco da peça Dia de Luta, Dias de Glória.

Fonte da Foto: Site Guia da Semana.59

De acordo com François Dosse (2009), a biografia está entre a vontade de reproduzir
um passado real de alguém e a imaginação do biógrafo, que deve refazer uma trajetória
passada com intuição e criatividade.

O gênero biográfico encerra o interesse fundamental de promover a absolutização da


diferença entre um gênero propriamente literário e uma dimensão puramente
científica – pois, como nenhuma outra forma de expressão suscita a mescla, o caráter
híbrido, e manifesta assim as tensões e as conivências, existentes entre a literatura e
as ciências humanas. (DOSSE, 2009, p. 18).

Com relação às principais diferenças entre biógrafos e romancistas, segundo o autor, o


biógrafo tem o compromisso de se pautar em informações concretas do biografado, já o
romancista utiliza-se da liberdade da ficção mostrando um lado mais poético e lúdico. No
teatro, o responsável pela composição dos textos é o dramaturgo que, assim como o
romancista, possui a permissão da criação. O musical por si, já possibilita cenas mais
fantasiosas, ao passo que as músicas e danças atuam como recursos na narração de uma cena
que, na realidade, não teve todo um aparato artístico.

59
Disponível em: <http://www.guiadasemana.com.br/artes-e-teatro/noticia/tudo-sobre-o-musical-dias-de-luta-
dias-de-gloria>. Acesso em: 20 ago. 2015.
117

As cenas de um musical biográfico têm como proposta a expressão dos sentimentos, a


imaginação e as impressões mais íntimas do biografado, contudo, sem a preocupação na
reprodução exata de um fato. Muitas vezes, nas peças, a história não se passa de forma linear,
como nas biografias, mas de forma livre. O intuito de um dramaturgo em alguns casos não é
meramente reconstruir fatos, mas criar uma obra de arte. O espetáculo biográfico, em sua
maioria, é adaptado de uma biografia já publicada ou pelo levantamento de informações
realizado pelo próprio dramaturgo.

No caso de Elis – A Musical, o texto foi escrito por um amigo da cantora, que teve um
contato intenso com a atriz, e acabou passando para o palco suas impressões e sentimentos. O
resultado final de um musical é a forma da criatividade do dramaturgo. No caso do musical
Dias de Lutas, Dias de Glórias, a falta de aprovação do texto do espetáculo por parte dos
familiares do biografado, é o resultado da falta do conhecerem a trajetória dos integrantes da
banda. E, para driblar a falta de autorizaçao de imagm por parte da ex-esposa de Chorão, por
exemplo, o dramaturgo criou uma personagem com outro nome que representava todas as
mulheres que passaram pela vida do cantor e, inclusive, representa a ex-mulher do artista.

De acordo com Hutcheon, contar uma história “é descrever, explicar, resumir,


expandir; o narrador tem um ponto de vista e o grande poder de saltar no tempo e no espaço e
as vezes se aventurar dentro da mente das personagens” (HUTCHEON, 2006, p.13). Trazer
essa mesma história para o teatro consiste em mostrá-la. O cenário, figurino, expressões, que
antes era imaginada por um leitor, são representados no palco. “Mostrar uma história, como
em filmes, balés, peças musicais e óperas, envolve uma aura direta e geralmente uma
representação visual realizada em tempo real”. (HUTCHEON, 2006, p.13).

Em suma, uma das principais diferenças em uma biografia adaptada para o teatro com
relação ao livro biográfico é a maneira de contar a história, pois ela deve ser mostrada através
de recursos diversos que estarão presentes em uma cena e, no livro, a imaginação fica por
conta do leitor.

O diretor Roberto Lage, acredita que muitos espetáculos biográficos não são fiéis aos
acontecimentos da vida dos biografados e que devemos “pegar os valores brasileiros da nossa
cultura e construir espetáculos musicais que não necessariamente sejam biográficos, porque
esses espetáculos biográficos acabam sendo mentirosos com relação ao biografado”. Ele
exemplifica com o musical Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz, o Musical (2014), que, segundo
118

ele, Lucinha, mãe do cantor Cazuza, não permitiu colocar algumas cenas que poderiam
denegrir a imagem do artista. Lage complementa:

[...] acho que resgatar nossa cultura nossos compositores nosso valores essa coisa
toda é significativo então acho que é um momento ainda de transição, não de
consolidação, é um momento de transição no mundo do teatro musical no Brasil em
que o número de musicais com conteúdo nacional de cultura brasileira ou de pessoas
ligadas à cultura brasileira está em maior número do que os musicais importados.

O diretor João Fonseca, responsável pelos musicais Tim Maia - Vale Tudo, Cazuza –
Pro Dia Nascer e Cássia Eller – O Musical, antes de dirigir musicais biográficos afirma que:

Eu falava mal pra caramba de musicais biográficos. Achava sem graça, oportunista,
tudo o que falam sobre meus espetáculos hoje em dia [...] Eles conseguem romper
com a resistência de quem odeia musicais. As pessoas vão porque são fãs das
músicas ou do artista e podem se encantar pelo teatro musical. (Fonseca, apud
TORRES, 2014).

Questionado sobre o futuro dos musicais no Brasil, o ator Paulo Goulart Filho (2015),
acredita que as influências dos espetáculos estrangeiros foram benéficas para o musical
brasileiro:

Está no caminho, pegar o que tem de bom dos americanos, de Londres, aprender
com eles, saber que eles têm um know how incrível e absorver isso, a tropofagia,
voltar lá pra trás pegar tudo e misturar, e vomitar do nosso jeito. Porque a gente tem
muita história boa para contar aqui, nós somos um povo altamente rítmico, musical,
dançante. Agora está aí, então usar isso como força, acho que deve continuar os
musicais lá de fora sim, tem que trazer de tudo, quem não tem possibilidade de ir lá
fora, porque não trazer os musicais pra cá.

Ele também defende a ideia que musicais biográficos ajudaram a aumentar o número
de espectadores no teatro. A Peça sobre a vida e carreira de Tim Maia, por exemplo, teve mais
de 400 mil espectadores desde sua estreia em 2011 e passou por mais de uma dezena de
cidades brasileiras.

2.2.3. Parcerias fomentam o Teatro Musical no Brasil

Charles Möeller e Cláudio Botelho passaram a trabalhar com mais recursos a partir da
parceria com a empresa CIE-Brasil, permitindo que tivessem mais tempo e energia para
criarem o que realmente tinham paixão por fazer. Sweet Charity foi o musical da Broadway
escolhido e traduzido para o português por Botelho. A versão brasileira contou com a
119

participação da estrela Cláudia Raia, conhecida pelo público brasileiro por suas atuações em
novelas da TV e musicais de teatro.

O espetáculo Sweet Charity é assinado por Bob Fosse, responsável também por
Chicago. No Brasil a produção estreou em 13 de setembro de 2006, no Credicard Hall. Além
da adaptação brasileira de Cláudio Botelho, contou com a direção de Charles Möeller, e
direção musical de Miguel Briamonte. A história conta a trajetória da dançarina de cabaré
Charity Hope Valentine, representada pela atriz Cláudia Raia que, após diversas decepções
amorosas, se encontra com Oscar Lindquist, interpretado por Marcelo Médice. Os dois se
apaixonam e Charity é pedida em casamento, porém, sem ter contado sua verdadeira profissão
para o namorado.

O elenco foi composto por 27 atores-bailarinos; ao todo, o espetáculo contou com 200
profissionais entre elenco e produção. Só de figurinos o número chegou a 120. Cláudia Raia
saiu por dois meses do Rio de Janeiro para ensaiar a peça em São Paulo. Sobre a rotina de
ensaios, a atriz disse em entrevista à Folha On-line (2006): “Estou acostumada a trabalho
intenso, mas montar um musical é completamente diferente, é três vezes mais trabalhoso que
qualquer outra coisa, tem interpretação, vocal e dança, tudo ao mesmo tempo. É dedicação
integral”.

Os cenários, que antes eram definidos de forma mais simplória, passaram por uma
melhoria de elaboração e até um elevador foi comprado para a cena em que Charity se
encontra pela primeira vez com seu futuro namorado, Oscar; cena essa que é o início do
romance entre as personagens. Porém, na noite de estreia, o elevador não funcionou,
resultando em um dia memorável para a dupla. A partir desse problema, perceberam que
grandes cenários, estilo Broadway, precisam ser pensados milimetricamente e
cronologicamente para os momentos de entradas, permanências e saídas no palco. “Não
cometeria os mesmo erros. Na verdade aprendi fazendo. Entendi, por exemplo, que precisava
estar muito mais próximo do cenógrafo. Eu pensava que ele poderia resolver qualquer
problema” (CARVALHO apud Möeller, 2009, p. 132).
120

Imagem 18: Cláudia Raia e Marcelo Médici em cena de Sweet Charity.

Fonte da Foto: Site Möeller e Botelho.60

Muitas pessoas envolvidas no teatro classificavam a dupla como aqueles que tinham
interesse somente na Broadway, dando pouca importância para a produção nacional. Mas a
trajetória revela um início com textos e músicas da dupla enaltecendo as canções brasileiras,
como Sassaricando – E o Rio inventou a Marchinha de 2007, que apresenta diversas
marchinhas de Carnaval divididas em dois atos.

Vale lembrar que muitas marchinhas carnavalescas são oriundas dos palcos do Teatro
de Revista, pois é a matéria prima de outro período de destaque do Teatro Musical Brasileiro.
O espetáculo traz cerca de 100 canções e volta aos palcos cariocas sempre nos meses que
antecedem o Carnaval.

60
Disponível em: <http://www.moellerbotelho.com.br/index.php/sweet-charity>. Acesso em: 23 ago. 2015.
121

Imagem 26: Musical Sassaricando - E o Rio Inventou a Marchinha.

Fonte da Foto: Site Möeller e Botelho.61

Outro musical, considerado por Möeller e Botelho um dos mais queridos, justamente
por ser o primeiro completamente autoral, contendo todas as falas, letras e melodia inéditas,
foi 7 – O Musical. Para Botelho, os demais espetáculos os prepararam para vivenciar
profundamente a construção e execução do musical. Com músicas de Ed Mota, a produção
estreou em 2007 no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, e trazia histórias inspiradas em
contos dos Irmãos Grimm, principalmente o drama da Branca de Neve, vítima de inveja por
sua beleza. O espetáculo recebeu o Prêmio Shell em 2007 nas categorias de melhor direção,
figurino e iluminação. Além disso, outros musicais da dupla receberam destaque pela temática
brasileira, são eles: Os Saltimbancos Trapalhões – O Musical, Todos os Musicais de Chico
Buarque em 90 minutos, Milton Nascimento – Nada será como Antes – O Musical,
Suburbano Coração, entre outros.

Möeller e Botelho continuam até hoje mesclando produções adaptadas da Broadway


com musicais com temáticas brasileiras. Os últimos espetáculos montados foram Nine – Um
Musical Felliniano, que estreou no ano de 2015, no Teatro Porto Seguro, em São Paulo, e

61
Disponível em: <http://www.moellerbotelho.com.br/index.php/sassaricando>. Acesso em: 30 ago. 2015.
122

Kiss me Kate – O Beijo da Megera, apresentado pela primeira vez no mês de outubro, no Rio
de Janeiro.

Ao longo de quase duas décadas a dupla esteve à frente de, contando com o espetáculo
que ainda está em produção e será lançado em 2016, no Rio de Janeiro, Se Meu Apartamento
Falasse (Promises, Promises), 37 espetáculos, entre adaptações de textos e músicas de autores
estrangeiros e de autores brasileiros, assim como de textos próprios.

Entretanto, os musicais não foram realizados somente por Möeller e Botelho. Outras
empresas igualmente buscaram direitos autorais e patrocínios de diversos espetáculos teatrais,
como a empresa Time For Fun que, com apoio de empresas privadas e do Ministério da
Cultura, trouxe diversos espetáculos aos palcos brasileiros. Algumas produções ainda trazem
em suas produções nomes como o de Miguel Falabella que, em parceria com a Chaim
Produções, esteve à frente de várias montagens. A atriz Cláudia Raia, acostumada a estrelar
musicais, também se tornou responsável pela produção. Ambos os artistas são contratados da
Rede Globo e conhecidos do grande público, principalmente por seus trabalhos na televisão.
Todavia, são igualmente reconhecidos por atuarem e produzirem espetáculos musicais; no
caso de Falabella, até mesmo pela realização de roteiros, traduções e direções de espetáculos.
123

CAPÍTULO III - A MIDIATIZAÇÃO ENVOLTA ÀS ADAPTAÇÕES


MUSICAIS

3.1. Reprodução, Tradução e Adaptação

Há negligências com relação a análises da adaptação quanto à sua atividade


intermidiática, faltando rigor teórico para maior desenvolvimento desta vertente. É mais fácil
encontrar análises das adaptações quando estão voltadas à questão das narrativas. Nota-se a
falta de material acadêmico que trate do enfoque intermidiático presente nas adaptações de
forma geral, entre obras literárias, teatro, cinema, televisão e seriados. Podemos classificar a
adaptação como um “fenômeno”, com instâncias diversas.

De acordo com Linda Hutcheon (2006, p. 12), geralmente um musical ou videogame


estão suscetíveis a serem classificados como inferior em relação ao original. Quem já não
escutou alguém falar que as histórias são melhores nos livros do que adaptadas nos filmes?
Anthony Burgess, professor de literatura inglesa e também escritor, critica a falta de interesse
das pessoas por obras literárias em seu texto A literatura inglesa, optando por assistir a
filmes, que segundo o autor é “uma forma visual, não uma forma literária” (2008, p. 16).

O teórico húngaro-britânico Arnold Hauser (2003, p. 970), acredita que o cinema é


considerado “o gênero estilisticamente mais representativo da arte contemporânea, embora
qualitativamente talvez não o mais fértil”. O autor, em seu livro A história da arte e da
literatura, debate os conflitos presentes nos desenvolvimentos de critérios quanto à qualidade
e a popularidade relacionadas à análise de um trabalho artístico.

O grande público, mesmo sendo a favor da “arte superior”, apresenta geralmente uma
apreciação natural por formas artísticas menos complexas. Ainda segundo Hauser, o público
opta assistir certa obra a partir do grau de envolvimento que esta irá lhe proporcionar. Apesar
de a maioria das adaptações para o cinema ocorrer pelas transposições de obras literárias,
Hauser (2003) afirma que “uma teorização mais ampla parece justificada em face da
variedade e ubiquidade dos fenômenos”, e termina sua linha de pensamento sobre o tema com
o seguinte questionamento: “Adaptações parecem tão comuns, tão ‘naturais’, tão obvias – mas
elas são?” (HAUSER, 2003, p. 970).
124

Este questionamento de Hauser instiga o estudo de outros tipos de adaptações, e um


deles, longe de ser o mais usual, mas também não o mais raro, envolve o teatro. Por trás de
uma adaptação há peculiaridades que podem resultar em uma obra muito diferente da original,
sendo proposital ou não. Hutcheon diz (2006, p. 85):

Devido ao grande número de adaptação na mídia hoje, muitos artistas parecem ter
escolhido assumir dupla responsabilidade: adaptar um outro trabalho e fazer com
isto seja uma criação autônoma. Giacomo Puccini e seus libretistas foram rápidos
em fazer isso em suas óperas; Marius Petipa foi elogiado por fazê-lo em seus balés.
Mas quando cineastas e seus roteiristas adaptam obras literárias, em particular,
temos visto uma profunda retórica moralista com frequentes cuprimentos de seus
empreendimentos.

Essa “retórica moralista” das adaptações de histórias para o cinema não se limita
apenas às grandes telas; temos o caso das adaptações dos espetáculos musicais da Broadway.
Geralmente, quando uma empresa brasileira consegue a licença para trazer um musical para o
Brasil, uma das diversas exigências é a de que a história seja contada de maneira tal e qual a
original. O musical Fantasma da Ópera (2005) apresentado no Brasil, de acordo com o ator
Saulo Vasconcelos (2015)62, que interpretou o personagem Erik, o fantasma que dá título à
peça, só ocorreu após todas as exigências dos produtores americanos serem cumpridas. Eles
indicaram que o musical no Brasil fosse fiel ao original; os timbres de vozes dos cantores, as
características físicas dos atores, o cenário e até mesmo a iluminação eram idênticos aos da
produção original.

Quando observada grosseiramente, essa situação pode parecer mais uma reprodução
do que propriamente uma adaptação. As linhas entre os conceitos do que são reprodução,
adaptação e tradução são tênues. Há diretores e atores que defendem que os musicais
apresentados no Brasil provenientes da Broadway são adaptações, já outros defendem que são
reproduções. O fato de o musical O Fantasma da Ópera exigir uma fiel reprodução ao
espetáculo americano, não elimina uma questão primordial, a tradução do texto para o
português, fato que por si só não permite que a peça apresentada no Brasil seja exatamente
igual à apresentada nos teatros da Broadway e West End.

Além da sonoridade diferenciada, há expressões que não possuem traduções exatas em


línguas diferentes. Devido à questão da tradução, neste trabalho chamaremos essas peças de

62
Entrevista concedida no ano de 2015 exclusivamente para esta dissertação.
125

adaptações e não de reproduções, mediante o fato de possuírem uma tradução, o que não nos
impede de registrarmos que o que é buscado pela maioria das empresas teatrais americanas e
inglesas é uma reprodução de seus musicais nos palcos brasileiros e que não haja espaço para
acréscimos de “criações nacionais”.

Segundo Neide Veneziano (2010, p. 7-8), o público “precisa de traduções e de


adaptações”, sendo que desta vez, além de paródias, como muito ocorreu com o Teatro de
Revista, a vez é de licenças poéticas envoltas em uma “espécie de melodrama musical”. De
acordo com a autora, diversas características dos musicais importados podem contribuir para
os estudos do teatro musical brasileiro e para o desenvolvimento de produções nacionais
“nada artesanais”; entre elas está a tecnologia.

A autora acredita que o futuro do teatro musical nacional é promissor mediante


procedimentos que o Brasil já domina e que contribuem para a qualidade dos espetáculos.
Quando o tema é o destino dos musicais, ela defende que “em um futuro muito próximo,
faremos a mão inversa para que exportemos musicais brasileiros ou óperas contemporâneas
populares brasileiras da mesma forma que, em tempos passados, fizemos com o teatro de
revista” (VENEZIANO, 2010, p. 8).

O diretor Roberto Lage teve a experiência de dirigir uma adaptação da Broadway e


não quer repeti-la. Em entrevista para esta dissertação, ele contou como foi traumática sua
experiência na direção do musical A Chorus Line (1983), o mesmo que marcou a estreia de
Cláudia Raia nos palcos.

Neste trabalho, por diversas vezes, aparece a expressão adaptação para denominar
textos importados que são apresentados no Brasil quando envolve o processo de tradução, que
por si só possui a dinâmica adaptativa, mesmo que discreta. Porém, para Lage, não se pode
chamar de adaptações os musicais da Broadway e West End que foram apresentados no país.
Segundo o diretor, as produções são reproduções, pois não permitem que o diretor interfira,
acrescente ou crie nada diferente do original. Foi justamente esse fato que fez Lage abandonar
a produção de A Chorus Line.

Eu falo que é uma reprodução (espetáculos da Broadway) pela minha experiência,


por exemplo, quando eu fiz o “Chorus Line” lá em sei lá, 1912... brincando com
datas porque eu não me lembro de datas (risos), mas foi lá pela década de 80 eu
acho, quando ele (Walter Clark) comprou os direitos da peça, veio junto com a
compra dos direitos um fiscal (vamos chamar assim entre aspas), americano porque
a encenação tinha que ser exatamente igual a da Brodway, você não podia adaptar
uma encenação de um público norte-americano hegemonicamente protestante, com
126

outras características culturais para um público latino, hegemonicamente católico,


com essas questões todas, então é um híbrido.

Ele conta que os musicais importados apresentam, em contrato, a necessidade de um


representante da produção original durante a montagem da peça no Brasil. No caso de A
Chorus Line, segundo Roberto Lage (2015), o representante estrangeiro do espetáculo
implicava com ele quando percebia que uma frase ficava mais curta em determinada cena.
Mesmo sem entender a língua, o profissional queria que Lage garantisse que as entonações
dos atores e o tempo de falas fossem iguais aos da produção original. O detalhe mais
preocupante era que o texto original era em inglês e os atores falavam em português, o que
tornava praticamente impossível igualar o cronômetro em determinadas falas.

[...] o “Chorus Line” no Brasil foi tradução do Millôr Fernandes; o Millôr, claro nem
precisamos falar mais do Millôr, o Millôr adaptou a linguagem, adaptou o
vocabulário e o Roy Smith que era o americano responsável por fiscalizar o meu
trabalho aqui, ele não falava português e ele ficava indignado e falava: “Não, mas
em inglês essa frase é muito maior, porque ele está falando menos?”. ele brigava
comigo e com o Millôr porque a fala tinha que ter o mesmo número de palavras
mesmo traduzida, tinha que ter a mesma melodia, e eu acabei abandonando essa
direção a partir da estreia porque briguei feio com ele (Roy); o Millôr foi embora pra
casa, virou pra mim e falou assim: “Olha, eu já recebi o meu, se vira aí!”. E ele
(Roy), não admitia; ele queria que os atores em português falassem e flexionassem a
fala da mesma forma como era flexionada em inglês; eu falava “É outro idioma, é
outra cultura, não é assim!”, até que a gente brigou e brigou feio [...] Aí eu falei
“Nunca mais dirijo musical importado da Broadway!”. Foi o primeiro e último
musical que eu fiz assim.

A mudança da língua leva a produção para um processo mais complexo do que a


reprodução fidedigna. Lauro Maia Amorim, no livro Tradução e Adaptação: encruzilhadas
da textualidade em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, e Kim, de Rudyard
Kipling, instiga o leitor a refletir sobre a oposição entre reproduzir e transformar/adequar. Ele
questiona como seria possível definir a “transformação/adequação aos parâmetros domésticos
e, simultaneamente, apresentá-lo como reprodução?” (AMORIM, 2005, p. 105).

O autor ainda questiona o papel do tradutor a partir de uma visão de que a tradução se
limita a ser uma reprodução, sem, contudo, agregar características diferentes da obra original.
Não podemos classificar todos os tradutores em um só grupo partindo do princípio que cada
profissional possui vivências e estilos próprios de trabalho.

Todavia, se assumimos, sem questionamentos, o desejo e a possibilidade de um


auto-apagamento em nome da incorporação dos “valores”, “formas” e “sentidos” do
texto fonte em sua “reprodutibilidade”, como poderíamos reivindicar, de forma
legítima, um lugar para a assinatura do tradutor? Se reivindicarmos (ilusoriamente) a
127

plena “adequação” do Outro aos nossos desígnios, com o apagamento da diferença,


operando desse modo, uma “plena” “adaptação”, de que serviria a tradução como
espaço de negociação, por meio do qual o Outro se dá a conhecer? (AMORIM,
2005, p. 105).

Na linha desse raciocínio, Umberto Eco (2007, p. 394-395) afirma que há sempre
uma posição crítica presente no processo de adaptação, “mesmo que devida a uma imperícia e
não a uma escolha interpretativa consciente”.

Há casos em que o autor é também o adaptador. A adaptação de um musical ou ópera,


por exemplo, é mais complicada do que peças nas quais não há a presença de canções. Além
da adaptação do texto, há necessidade da composição de letras e suas melodias. Dificilmente
uma obra literária vem com letras de músicas já prontas. Essa criação fica, geralmente, a
cargo de um compositor, que pode ou não ser o adaptador. Justamente por isso, é comum que
musicais sejam conhecidos como obra não apenas de uma pessoa, mas de uma dupla, que
dividem os louros e as críticas do trabalho.

Fica difícil precisar quem tem mais destaque entre os dois profissionais, já que tanto as
falas quanto as músicas se unem para contar uma história não sendo artes que desmembram
um espetáculo, muito pelo contrário, se unem para, juntas, contarem uma história. As
complexidades das artes que estão envoltas a um musical ou ópera estão tão presentes no
processo criatório que o musical acaba sendo um processo coletivo, a não ser que a mesma
pessoa que escreveu uma obra também seja letrista e musicista, ou domine, de forma
satisfatória, essas áreas e opte por não precisar de opiniões de demais profissionais.

Para Hutcheon (2006, p. 80) em trabalhos conectados à internet e às instalações


digitais interativas, “um modelo coletivo de criação melhor descreve a teia de interligações
que estão constantemente a ser reorganizadas pelos diversos participantes, tanto antes como
durante a própria interação” (tradução nossa). Levando essa máxima da criação em grupo para
o universo teatral, percebemos que a partir da atuação de um ator, uma obra aparentemente
“fechada”, pode apresentar personagens com características diferentes das inicialmente
pensadas pelo autor.

Muitas vezes, por falta de talento ou compreensão do ator, um personagem pode não
evoluir no palco, ou no caso contrário, devido ao ator, o personagem acaba ganhando mais
destaque e cativando o público muito mais do que o esperado. Essas realidades podem levar a
cortes ou acréscimos de falas de personagens no decorrer da temporada do espetáculo.
128

Quantas vezes, em um momento de descontração ou até mesmo por esquecer uma fala, um
ator de teatro não improvisou? Essa improvisação pode gerar uma reação positiva no público,
passando, inclusive, a fazer parte do enredo oficial após concordância do diretor e/ou autor.

Mudanças relacionadas aos personagens de um filme ocorrem até o fechamento da


edição da obra. Após essa fase, o filme não poderá fazer mudanças baseadas nas críticas
provenientes das mídias; o teatro, por sua vez, consegue ter um feedback. É de praxe, antes da
estreia oficial de um espetáculo musical, haver apresentação para a imprensa para que haja
divulgação da peça. O processo de mudança da peça teatral está atrelado, por vezes, ao que é
divulgado sobre ela nos meios de comunicação, possibilitando mudanças.

No teatro, o ator tem uma liberdade muito maior de improvisação, fazendo com que
ele acabe se tornando parte do grupo de “criadores da peça”. Além da criação coletiva, há
muitas instâncias envolvidas em uma adaptação que podem contribuir para que o adaptador
fique em segundo plano ou, muitas vezes, sem o reconhecimento devido. Se a produção, por
exemplo, tiver um bom capital para investir, pode ocorrer que se contratem grandes diretores
e atores, que possuem cachês altíssimos. No final das contas, em meio a tantos nomes, o do
dramaturgo, roteirista, adaptador, letrista, acaba sendo “ofuscado”.

A fronteira entre a tradução e a adaptação é frágil; quando menos se percebe um


tradutor pode acabar realizando uma adaptação com muitos elementos diferenciados da obra
original. As relações entre as duas artes são pouco comentadas nos estudos da tradução, isso
por diversos fatores, entre eles pela tradução de peças e obras inteiras ser, em meio aos
estudos linguísticos e literários, um assunto considerado novo, tornando-se um objeto de
pesquisa universitária ainda pouco explorado. Como a adaptação por não raras vezes está
atrelada a um texto em outra língua, consequentemente deixa de ser também estudada, por ser
sequela de uma análise da tradução e acaba se tornando um tema que não o central.

Outra questão que pode explicar a falta de estudo da adaptação, segundo Lauro Maia
Amorim (2005):

[...] seria uma certa marginalidade com que a adaptação tende a ser concebida em
comparação à prática tradutória”, não pensando a adaptação como objeto de estudo
voltado para a intersemiótica, mas como para “designar as chamadas ‘histórias
recontadas’, reescrituras de obras clássicas das literaturas estrangeira e nacional,
direcionadas a um público específico (AMORIM, 2005, p. 15-16).
129

A noção de adaptação pode soar, para muitos escritores e tradutores, como uma forma
de empobrecer e simplificar o texto original. A obra, de certa maneira, defende que esse
campo de estudo possa ter uma demarcação acadêmica, pois basicamente apresentava
elaborações realizadas pelas histórias religiosa e literária. Nesses estudos, considera-se o
público que tem contato com as traduções, receptores e “agentes da mudança naquela
cultura”, de acordo com a obra A tradução cultural nos primórdios da Europa Moderna, de
Peter Burke e Po-chia Hsia (2009).

Em busca de preencher o vazio existente deixado pela falta de análises de contrastes


entre culturas e tendências culturais que podem ser mais bem compreendidas com o estudo da
história da tradução, Burke (2009, p. 17) cita no início do livro que a expressão “tradução
cultural” foi designada por antropólogos do circuito de Edward Evans-Pritchard com a
proposta de “descrever o que ocorre em encontros culturais quando cada lado tenta
compreender as ações do outro”.

Um texto pode ser adaptado simplesmente e pode ser interessante “ou graças a sua
relevância para uma situação política em particular, ou em razão de uma significância mais
geral. Um texto podia ser traduzido por lucro” (BURKE e HSIA, 2009, p. 119). A adaptação
nem sempre foi algo tão descomplicado como atualmente entre as culturas:

Quando a censura era comum e a autoria podia ser perigosa, traduzir uma obra que
de algum modo criticasse aqueles no poder também podia ser extremamente
arriscado. Estar do lado errado de uma divisa confessional podia levar alguém a ser
queimado em uma estaca. Por isso é importante considerar o que podia ser traduzido
de uma cultura para outra, e como o que era traduzido podia ser adaptado e moldado
de maneira a se adequar a seu novo contexto, pois isso podia mudar a natureza e o
significado do texto (BURKE; HSIA, 2009, p. 117-118).

Walter Benjamin (2008, p. 26), em A tarefa do tradutor, acredita na tradução como


uma forma e que, “concebê-la como tal significa antes de tudo o regresso ao original em que
ao fim e ao cabo se encontra afinal a lei que determina e contém a “traduzibilidade” da obra”.
Ele ainda defende que há questões e respostas a serem feitas e dadas diante da possibilidade
de uma tradução, entre as quais se “a natureza da obra permite uma tradução” ou se “até não
exige ou reclama”.

As respostas para esses questionamentos podem ajudar a evitar uma tradução que será
mal sucedida ou instigar uma que será considerada um grande sucesso de público e crítica.
Muitas vezes uma história é propícia a uma adaptação, mas dependendo da região do mundo
130

que será apresentada não encontrará uma recepção tão boa, pois a temática central pode ir
contra aos aceites políticos predominantes do local ou à cultura regional; a temática e o
formato podem envolver vivências sociais, econômicas, políticas, entre outras.

Por vezes, muitos dos motivos que estão presentes na decisão de traduzir uma obra
estão atrelados à aceitação da obra original pelo público ao qual foi submetida; se a obra
original foi marcada por muitas críticas negativas, dificilmente será adaptada para outra
cultura, ainda mais quando a produção da adaptação envolve investimentos financeiros,
patrocinadores e busca lucros.

A tradução também pode ser vista como uma “fase em que se prolonga e continua a
vida” de uma obra. Ainda sobre a traduzibilidade, Walter Benjamim diz:

O fato da traduzibilidade ser própria de certas obras não significa que a sua tradução
lhes seja necessária e essencial mas sim que um determinado significado, existente
na essência do original, se expressa através da sua traduzibilidade. É evidente que
uma tradução, por muito boa que seja, nunca consegue afetar ou mesmo ter um
significado positivo para o original.15 Ela mantém, no entanto, com o original uma
estreita conexão através da traduzibilidade. E esta conexão é tanto mais estreita e
íntima por não afetar o original, podendo ser denominada como conexão natural, ou
mesmo, num sentido mais rigoroso, como relação vital (BENJAMIM, 2008, p. 27).

Paulo Goulart Filho, experiente em coreografar e atuar em musicais, acredita que, com
as traduções de textos, as músicas acabam perdendo a qualidade:

[...] o compositor criou e pensou naquela língua, então aquela palavra encaixa
direitinho e vai te remeter ao que ele quer falar, é muito difícil você fazer isso
quando você muda de língua”. O artista ainda complementa dizendo que as
composições compostas no Brasil possibilitam que o público se envolva mais no
espetáculo: história: “[...] acho que os musicais compostos aqui (no Brasil) vão
conseguir fazer com que a gente entre mais na história.

3.1.1. A tradução no Brasil

O Brasil traduz obras de diversas línguas que com suas comercializações movimentam
milhões de reais no mercado editorial brasileiro. De acordo com o produtor editorial Filipe
131

Larêdo (2014)63, no texto Decifrando as listas de livros mais vendidos no Brasil, é difícil
encontrar um título de ficção nacional na lista dos livros mais vendidos das principais livrarias
do Brasil. Para Larêdo, esses dados revelam que o brasileiro prefere os livros estrangeiros aos
brasileiros, em termos de ficção, fato que “não aponta, de modo algum, para a baixa qualidade
de nossa literatura ficcional”.

Ele ainda diz que há “ótimos autores escrevendo histórias fabulosas, mas que ainda
não conseguiram alcançar seus públicos de modo eficaz”. Sobre as obras de ficção
estrangeira, Larêdo acredita que, a publicidade envolta em determinados livros e suas
adaptações para o cinema contribuem para a divulgação dos mesmos.

Acontece que, muitas vezes, os livros estrangeiros ganham adaptações para filmes
de Hollywood e recebem uma carga potente de divulgação mundial, ou que possuem
campanhas de marketing mais poderosas que as brasileiras. Outro ponto, dessa vez
polêmico, pode ser encontrado numa provável falta de sintonia entre o público e os
escritores de livros. Salvas algumas exceções, os autores brasileiros, nas últimas
décadas, vêm se afastando dos leitores por diversos motivos, que giram em torno de
uma academização da literatura e de uma demasiada poetização da prosa. Já os
norte-americanos, campeões e fazer livros best-sellers, são especialistas em
literaturas bem conectadas com o público (LORÊDO, 2014).

Quando tratamos sobre a seção de não ficção, o produtor editorial destaca que o Brasil
vai bem nas vendas de livros, justamente porque, geralmente, os textos de não ficção
apresentam temáticas regionais e abrangem assuntos já conhecidos dos brasileiros.

Nem sempre o cenário de traduções no Brasil foi tão expressivo, principalmente


quando tratamos do período colonial. No tempo em que o país foi comandado pelos
portugueses, a vida intelectual era pouco instigada; por muito tempo reinou a ideia de que
traduzir era enaltecer as ideias de outros países e menosprezar o que era realizado no Brasil,
mas, em contrapartida, pouco era fomentado nacionalmente no que tange à difusão de
informação e literatura.

Foi somente no fim do século XVIII que, principalmente entre poetas do arcadismo
mineiro, a tradução foi ocupando o espaço literário brasileiro, repleto de lacunas. De lá para
cá, muitos avanços da tradução ocorreram, mas, de certa forma, ainda há pouco registro e

63
LARÊDO, Filipe. Decifrando as listas de livros mais vendidos no Brasil. Disponível em:
<http://papodehomem.com.br/decifrando-as-listas-de-livros-mais-vendidos-no-brasil/>. Acesso em: 09 nov.
2015.
132

preocupação com o inventário das obras já traduzidas para o português. Paes (1990), acredita
que a historiografia brasileira dá pouco destaque aos trabalhos dos tradutores; para ele,
somente com o texto História da inteligência brasileira, de Wilson Martins, é que encontra-
se, no Brasil, frequência de referências à tradução, principalmente no que tange às décadas de
1940 e 1950. Com relação à influência das traduções, Paes (1990, p. 10) conclui:

Se as traduções vernáculas tiveram limitada influência sobre os produtos da


literatura brasileira, pelo menos até o primeiro quartel deste século, o mesmo não se
pode dizer quanto aos seus consumidores. Sobre estes exerceram elas uma ação por
assim dizer pedagógica, apresentando-lhes os grandes autores de outras literaturas e
colaborando assim decisivamente para educar-lhes o gosto, ao mesmo tempo em que
lhes forneciam pontos de referência para uma visão comparativa das obras
originalmente escritas no seu próprio idioma.

Para Paes, há diversos tradutores que contribuíram para a propagação de diversas


obras, entre eles Gregório de Matos, responsável por diversas traduções de poesias; Odorico
Mendes, que utilizava-se de neologismos em seus textos, que influenciaram o trabalho de
Guimarães Rosa e Sousândrade. O autor também cita Machado de Assis, porém, antes mesmo
dele ter seu nome impresso na capa de um livro como autor, teve o nome impresso como
tradutor no livro Queda que as mulheres têm para os tolos, tradução do ensaio do belga
Victor Georges Hénaux: De l’amour des femmes pour les sots (1858). O ensaio trata dos
fatores determinantes que fazem uma mulher escolher um amante no lugar de um marido.

O que chama a atenção no livreto impresso é que não constava o nome do autor, essa
prática era comum naquela época. Antes mesmo de o ensaio ser impresso, o texto havia sido
publicado em português e de forma seriada pela revista carioca A Marmota64, também sem
citar o autor. Isso revela a carência de textos em português existentes no período e a falta de
crédito devida aos autores, prática que só veio a ser frequente já na segunda metade do século
XIX.

Ocorre que o fato não teria tido tanta repercussão entre os críticos brasileiros caso
Machado de Assis, anos mais tarde, não tivesse se tornado o autor de obras como Helena
(1876), Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro
(1899), entre outros textos. A polêmica foi instaurada após a morte de Machado de Assis e,
segundo Silva (2008, p. 08), em seu artigo Texto original, tradução, adaptação ou imitação?

64
Revista de variedades de Paula Brito, que foi impressa em diferentes fases no Rio de Janeiro, entre 1849 e
1864.
133

Aa tradução Queda que as mulheres têm para os tolos norteou questões como a originalidade
e imitação na literatura.

Ainda de acordo com a autora (2008, p. 08), “os críticos de Machado de Assis
assumiram sucessivamente uma atitude defensiva ao considerarem Queda obra original,
adaptação, ou imitação, e não tradução”. A polêmica foi mais alimentada diante da
dificuldade de acessar a obra original para comprovar a tradução e perceber que não houve
imitação e, também, por haver, por parte dos críticos, um julgamento de que a criação literária
é uma ação superior em comparação à tradução, sem, contudo, ser analisada a questão de que
são artes distintas.

A descoberta de que Queda não era autoria de Machado de Assis não muda o fato de a
obra ter desempenhado papel significativo na ação criadora do escritor brasileiro. Silva (2008,
p. 08) comenta que críticos da época apontaram no suposto ensaio “ideias que seriam
posteriormente desenvolvidas pelo escritor em seus romances”.

Do período em que o tradutor nem tinha o direito de ter crédito pelo seu trabalho até
os dias de hoje muitas foram as obras traduzidas para o português que influenciaram os
escritores brasileiros, com destaque para as europeias, principalmente as lusitanas, francesas e
italianas na época do Brasil Colônia e as de língua inglesa nos dias de hoje.

3.1.2. Produtos culturais importados

Reconhecer e conhecer as motivações empresariais por trás de um investimento


cultural ajuda na compreensão da escolha por investimentos em formatos estrangeiros já
consagrados. É mais provável que um investidor sinta-se confortável em apostar em um estilo
cultural que “deu certo” em outro país, do que apostar seu dinheiro em ações culturais novas
que não possuem garantia nenhuma de aceitação do público, e isto dificulta a participação de
patrocinadores e acaba comprometendo o lucro estimado pelos produtores do espetáculo.

Quando analisamos esse pensamento no teatro musical brasileiro, percebemos uma


“nacionalização” de um gênero teatral estrangeiro. Mesmo diante da aceitação e propagação
de um estilo teatral francês ou americano, por exemplo, o receptor brasileiro passa a
decodificar, a comparar o que é visto nos espetáculos com o que ele vive. As semelhanças são
134

assimiladas, as diferenças passam a ser compreendidas. A partir desse confronto do que é


conhecido com o que é novo, o ser humano passa por um processo de hibridação, ele muda a
si mesmo com base em novos conhecimentos, na comparação de sua vida, de sua
comunidade, de seu país, com a vivência de outra pessoa em outro país, que apresenta
peculiaridades e características próprias.

Apesar da realidade de um formato estrangeiro do gênero teatral, a temática tende a


ser brasileira e com aceitação cada vez maior ao estilo, o que era proposto e oferecido antes,
pode deixar de ser tão requisitado e vai perdendo espaço.

O que antes era tido como imutável para um indivíduo, com o contato com outras
realidades, pode passar a ser questionado; o que antes era supervalorizado no Brasil pode ser
comparado com outras vivências e passar a ter um significado menor ou maior, dependendo
das circunstâncias. De alguma maneira, participar desse novo vivido rotineiramente por outra
nação, pode levar a uma diluição de lealdades nacionais, antes fortes e duradouras.

No Brasil, desde a época colonial até o início do teatro musical, a música e o teatro,
como também a dança, quando estrangeiras, eram tidas, de forma isolada, como
manifestações culturais híbridas. É claro que havia espetáculos teatrais que utilizavam a
música, mas não de forma tão intensa a modo de completar o enredo, como acontece teatro
musical. Estamos tratando de um gênero que une três artes, já que não podemos esquecer a
dança; essas artes juntas despertam no espectador emoções distintas de um espetáculo
considerado tradicional, não por serem mais importante, mas simplesmente porque expõem o
resultado da união de três formas artísticas ao contar uma história.

A união dessas artes possibilita um novo gênero que pode tanto agradar e despertar
emoções mais intensas em indivíduos, como não agradar e ser alvo de críticas. Podemos
assistir a um espetáculo e formarmos uma opinião sobre ele baseando-nos, apenas, na
experiência por nós vivida. No entanto, ao conversarmos com alguém que também teve
acesso à peça, podemos ter nossa percepção expandida, e o que antes havia sido apreciado
passa, com base na visão de outra pessoa, a ser percebido de outra maneira. Essa análise nos
leva ao fato de a hibridação não se pautar somente no contato direto de um sujeito com uma
cultura diferente, mas de estar interligado com a vivência social, que pode interferir no modo
como o novo conhecimento é assimilado; ou seja, a hibridação cultural, para se concretizar,
pode sofrer interferências externas.
135

Uma pessoa, ao assistir um musical no estilo das apresentações que ocorrem na


Broadway, conhecida avenida de Nova York, pode se encantar com os figurinos da peça que
mostram a moda americana nos anos 1920, por exemplo, e a partir da assimilação de seus
gostos pessoais com o que foi visto, o indivíduo resolve passar a adquirir peças de roupas no
estilo retrô, como as que foi na apresentação, porém, seu grupo de amigos passa a
ridicularizar o seu novo estilo de vestimenta; a pessoa tanto pode se sentir acuada e deixar de
lado o novo estilo adotado para se sentir mais aceita no grupo de amigos, quanto pode
resolver manter seu novo padrão e enfrentar a opinião controversa das pessoas. Esse é apenas
um exemplo de como a assimilação de uma nova cultura pode também se basear na opinião
de membros da sociedade.

A assimilação das informações transmitidas por um espetáculo que possibilite a


hibridação cultural, passa pelo contato que temos com pessoas e grupos diversos que
encontramos na escola, no trabalho, na família, entre outros lugares. Esses mesmos grupos
sofrem mudanças com a expansão urbana que, por sua vez, é um dos fatores que intensificam
a hibridação cultural. A expansão urbana modifica a estrutura desses mesmos grupos,
exercendo papel fundamental na forma de um indivíduo assimilar o conteúdo de um produto
cultural híbrido.

3.1.3. A indústria cultural e a aura da obra de arte

O homem moderno se depara com conteúdos gerados de diversas formas, sejam eles
pela história da arte, pela literatura e pelo conhecimento científico como também pela
antropologia, pelo folclore, pelos populismos políticos que, ao reivindicar ações tradicionais,
constroem o que compete ao popular. Evidencia-se, portanto, que as produções da indústria
cultural contribuem para a geração de um sistema de mensagens massivas, que são a base da
análise de comunicólogos e semiólogos.

Antes do que vemos hoje, da clara mistura de todos esses conhecimentos provenientes
de origens distintas, houve a tentativa de construção de objetos puros por parte dos
tradicionalistas e modernizadores. Os tradicionalistas buscaram evitar a influência estrangeira,
a industrialização e a massificação urbana, objetivando culturas nacionais e populares
“imaculadas” e “autênticas”; Já os modernizadores percorreram o caminho inverso sem se
136

preocupar com fronteiras e tradições, pautando seus progressos em seus experimentos e


inovações.

O filósofo Walter Benjamin (1994, p. 170), em seu texto A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica, diz que a obra sempre foi passível de reprodução, que ao longo dos
anos foi sofrendo desenvolvimentos. A xilografia, por exemplo, tornou o desenho
reprodutível tecnicamente, mesmo antes do surgimento de impressos jornalísticos. Para
Benjamin, mesmo que ocorra uma perfeita reprodução, faltará “o aqui e agora da obra de arte,
sua existência única, no lugar em que ela se encontra”. Ele defende que com a
reprodutibilidade técnica a aura da obra de arte é destruída. Segue a definição de aura pelo
filósofo:

Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espaciais e


temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja.
Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte,
ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas
montanhas, desse galho. Graças a essa definição, é fácil identificar os fatores sociais
específicos que condicionam o declínio atual da aura. Ela deriva de duas
circunstâncias, estreitamente ligadas à crescente difusão e intensidade dos
movimentos de massas. Fazer as coisas “ficarem mais próximas” é uma preocupação
tão apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o caráter único
de todos os fatos através da sua reprodutibilidade (BENJAMIN, 1994, p.170).

Com a reprodutibilidade técnica da obra de arte, a difusão de uma obra, antes


observada somente em um determinado museu, passa a ser vista e conhecida por um número
muito maior de pessoas. Ao mesmo tempo em que o culto pela obra verdadeira pode ser
diminuído, ela alcança uma popularização nunca antes imaginada. Com o tempo, vai se
criando uma falta de sensibilidade na apreciação da arte, segundo o pensamento do filósofo
frankfurtiano (ADORNO, 1997). Ele acredita que o papel da indústria cultural é criar, ao
homem, necessidades de consumo e deixá-lo sempre insatisfeito, necessitando de novidades e
entrando em um círculo vicioso de consumo de produtos diversos.

Adorno (1997) defende que o “antídoto” para a manipulação velada promovida pela
indústria cultural é a própria arte e a limitação, a regulação da indústria cultural, e que, com a
arte, o homem é liberto das amarras do sistema e torna-se um ser autônomo, transformando-o
num objeto de consumo e de trabalho. Os pensamentos de Benjamin e Adorno (1997)
nortearam o século passado sobre a massificação da arte, hoje dividem atenção com
pensamentos mais flexíveis. Para Canclini (2003), o século XXI apresenta uma visão mais
abrangente sobre os cruzamentos entre a tradição e a modernidade, inclusive com relação à
137

cultura. Ele defende que a industrialização dos bens simbólicos não apaga o culto tradicional;
com relação ao popular, acredita que nunca houve tantos artesãos e músicos populares que
têm seus trabalhos reconhecidos, que os bens folclóricos atraem turistas que compram e
admiram referências distintas das oferecidas pelas indústrias, ou seja, os bens folclóricos
oferecem signos de distinção.

Ainda, segundo Canclini (2003, p. 22):

O que se desvanece não são tantos os bens antes conhecidos como cultos ou
populares, quanto à pretensão de uns e outros de configurar universos
autossuficientes, e de que as obras produzidas em cada campo sejam unicamente
“expressão” de seus criadores (CANCLINI, 2003, p. 22).

A arte não é compreendida somente com a questão estética, mas envolve uma
dinâmica do que é pensado e produzido por diversos profissionais como museólogos,
jornalistas, historiadores, colecionadores etc. O popular também não é definido somente pela
estética, conta com estratégias diversas e maneiras de como a cultura popular é levada para os
museus e afins. Inclusive, de acordo com Renato Cohen (2002, p. 34), na obra Performance
como linguagem, há um movimento de ruptura denominado live art que objetiva
“dessacralizar a arte, tirando-a de sua função meramente estética, elitista”, tirando as obras
de’espaços mortos’, como museus, galerias, teatros, e colocando-a numa posição ‘viva’,
modificadora”.

3.1.4. A sociedade do espetáculo

Houve um tempo em que o indivíduo até podia debater alguns assuntos sem fazer
conexões profundas entre mídia, cultura e consumo. Porém, hoje, essas esferas estão
intrinsecamente ligadas, principalmente nas últimas décadas, nas quais a indústria cultural tem
possibilitado a realização de inúmeros espetáculos através da inauguração de novos espaços e
criações.

Douglas Kellner (2004, p. 05), em A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo,


argumenta que “o próprio espetáculo está se tornando um dos princípios organizacionais da
economia, da política, da sociedade e da vida cotidiana”. Esse avanço tem sido intensificado
pela tecnologia, que atende, cada vez mais, os anseios do público por informação.
138

Antes dos adventos da televisão e da internet, a informação era basicamente divulgada


pela rádio e impressos. Atualmente há um leque maior de difusores de informação e,
gradativamente, uma tendência surgiu: a de um meio de comunicação pautar o outro. O
conteúdo gerado por sites pauta programas de televisão; a programação televisiva, por sua
vez, é divulgada em impressos; o ator de determinado filme é capa de uma revista e fala de
seu personagem, enquanto o programa de TV fala de sua vida pessoal; o cantor da música
mais tocada na rádio divulga seus trabalhos e shows nas mídias sociais e interage com seus
fãs.

Além dessa “troca de informações”, surgiram novas multimídias que sintetizam tudo o
que é divulgado em diversos veículos de comunicação e ações de entretenimento e, de forma
objetiva, ajudam a intensificar a forma-espetáculos da cultura da mídia. O número de meios
de comunicação impressos comercializados no Brasil é muito inferior em comparação aos de
sites de informação; isso revela o crescimento bombástico do ciberespaço, que tomou uma
dimensão comunicacional elevada

Em A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço, o filósofo francês


Pierre Lévy (2003, p. 32) aponta um caminho que associa a construção do laço social baseado
no saber, entendendo a reunião dos indivíduos não mais por motivos que pertença a um lugar
ou ideologias e sim pelo possível compartilhamento de seus saberes individuais. Para ele, “o
núcleo da engenharia do laço social é a economia das qualidades humanas”.

O saber do qual trata Lévy não está associado ao saber científico, mas o saber de
informações relacionadas ao dia a dia de um indivíduo, seus afazeres, relações humanas e
informações recebidas e transmitidas. Para ele, o saber é a base principal da inteligência
coletiva, que é “[...] distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em
tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências” (2003, p. 28). As
habilidades dos indivíduos são reconhecidas e coordenadas com o uso das tecnologias da
informação e comunicação, a fim de serem utilizadas em prol da coletividade.

Ao mesmo tempo em que o conceito de coletividade se expande, a mídia se torna cada


vez mais presente na vida cotidiana. Voltando ao texto de Kellner (2004, p. 05), é justamente
a mídia que propaga os espetáculos envoltos em uma influência de uma “cultura imagética
multimídia”. Ele ainda cita que “o entretenimento popular naturalmente teve suas raízes no
139

espetáculo, enquanto a guerra, a religião, os esportes e outros aspectos da vida pública se


tornaram terrenos férteis para a propagação do espetáculo por muitos séculos”.

Com as novas multimídias, os espetáculos têm alcançado um número maior de


pessoas, agindo de forma determinante, ao menos nos países capitalistas avançados, na
formação dos trajetos percorridos pelas sociedades e culturas modernas. Para Rocha e Castro
(2009), o “entretenimento é o principal produto oferecido pela cultura da mídia e
espetaculariza o cotidiano de modo a seduzir suas audiências e levá-las a identificar-se com as
representações sociais e ideológicas nela presentes”.

O francês Guy Debord (1997, p. 13), em sua primeira tese da obra A sociedade do
espetáculo, revela que o que antes era vivenciado pelas pessoas passou a ser representado. Ele
também é contra a propagação de imagens na sociedade, pois acredita que elas estimulam a
passividade e a aceitação do capitalismo.

O pensamento do autor possui perspectiva marxista e apresenta crítica ao fetichismo


da mercadora. Para ele, o que era autêntico passou a ser ilusão mediante as relações de
aparências vividas na sociedade; pensa ainda que “o espetáculo não é um conjunto de
imagens, mas uma relação social entre as pessoas, mediada por imagens” (DEBORD, 1997, p.
14).

Debord acredita que por meio do espetáculo ocorre a construção das necessidades de
consumo na sociedade. Na lógica do autor, quando um novo produto da indústria cultural é
lançado, a publicidade se encarrega de estimular a necessidade de consumo, fato que leva à
alienação do público, que se revela acrítico e passivo. É justamente essa publicidade que pode
contribuir com a obtenção de lucro por parte dos organizadores dos produtos culturais,
Debord (1997, p. 34) diz:

O espetáculo é a outra face do dinheiro: o equivalente geral abstrato de todas as


mercadorias. O dinheiro dominou a sociedade como representação da equivalência
geral, isto é, do caráter intercambiável dos bens múltiplos, cujo uso permanecia
incomparável. O espetáculo é o seu complemento moderno desenvolvido, no qual a
totalidade do mundo mercantil aparece em bloco, como uma equivalência geral
àquilo que o conjunto da sociedade pode ser e fazer. O espetáculo é o dinheiro que
apenas se olha, porque nele a totalidade do uso se troca contra a totalidade da
representação abstrata. O espetáculo não é apenas o servidor do pseudo-uso, mas já é
em si mesmo o pseudo-uso da vida.
140

O conceito de espetáculo de Debord (1992, p. 32), está atrelado ao crescimento do


número de “ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa,
mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à
vida real do homem comum [...]” As produções do teatro musical brasileiro fazem parte do
universo que abraça esse conceito de espetáculo de Debord. Em um musical podem ser
encontrados ícones diversos, e esses ícones podem ser representados desde o personagem
interpretado ao artista que o interpreta. São inúmeras as imagens que um enredo pode
transmitir de acordo com o tema, com as escolhas das letras e com os estilos musicais das
canções. Todo esse turbilhão de imagens e significados é absorvido pelo espectador.

3.1.5. Hibridismo cultural na globalização

Realizar uma análise profunda da reprodução, tradução e adaptação no mundo


globalizado consiste em absorver os conceitos do hibridismo cultural, afinal as culturas antes
tidas como intocáveis e puras estão cada vez mais entrelaçadas, híbridas. Para Cevasco (2006,
p.135), é ingênua a visão de que o hibridismo cultural é uma força que traz o pluralismo, a
convivência saudável das diversidades, do crescimento por meio do contato com o todo de
todos. Esse conceito exclui a interferência das relações de produções. Não há como filtrar
100% o que nos é oferecido culturalmente com o intuito de promover a “democratização” das
vivências híbridas. O que nos é oferecido vai muito além de uma pureza de intenções, há
ideologias por trás de cada produção, intenções que estão além do nosso alcance barrar ou
padronizar.

Essas produções se instalam, querendo-se ou não, concordando-se ou não; por mais


que se fique longe do seu consumo, isso não impede que ela chegue por meio dos
desdobramentos da popularização dessa obra e, consequentemente, respinga no consumo,
moda, alimentação, temas de conversas, personagens em evidência, etc.

Citado em Cevasco, Canclini afirma que há diferenças entre os produtores e os


consumidores diante da rede de decisões culturais e econômicas, mas, “essas desigualdades
são quase nunca impostas de cima para baixo como pretendem os que estabelecem oposições
maniqueístas entre classes dominantes e dominadas, ou entre países do centro e da periferia”
(CANCLINI apud CEVASCO, 2006, p.135).
141

Ocorrem críticas do público em relação às produções culturais, como as novelas


realizadas pelas emissoras de televisão brasileiras, principalmente a Rede Globo, que tem suas
novelas sendo criticadas há anos, no entanto, obtendo satisfatória audiência. Pessoas que
acreditam que os reality shows trazem conteúdo apelativo, contudo, sabem os nomes de cada
participante e as situações em que se envolvem. Cevasco (2006, p. 135) nos diz que essa
aceitação “se dá porque noções contemporâneas como hibridismo ou entre-lugar são
elaborações conceituais de aspirações reais. Num certo sentido, formulam o que todos querem
ouvir”.

Não podemos deixar de concordar com o pensamento da autora, entretanto, quando o


texto foi escrito, em 2006, não havia tantos casos de protestos com relação ao conteúdo
passado na TV aberta ou, no mínimo, não eram tão divulgados como agora com a propagação
das redes sociais nos últimos anos, permitindo que a difusão das opiniões alcancem números
maiores de pessoas. Estamos todos conectados, as pessoas que antes omitiam suas opiniões
agora passam a expô-las.

As mídias sociais não acabaram com a escolha e com a promoção da mescla cultural.
Não ocorreu uma ditatória imposição das produções culturais, mas estamos cientes do que
escolhemos como produtos, como defendido por Cevasco (2006). Acredita-se que ainda é
muito cedo para medir, se é que se pode medir as mudanças nessa percepção frente ao poder
das redes sociais; todavia, é claramente perceptível que a união de pessoas, em uma rede com
a mesma opinião pode modificar cenários políticos e sociais.

Para melhor compreendermos a cultura contemporânea, poderemos debater o


hibridismo cultural atrelado ao desenvolvimento tecnológico, e também nos pautarmos na
hermenêutica negativa ou de suspeita – com o trabalho de desmistificar ou destruir ilusões das
tentativas de fazer com que nossas experiências de vida façam sentido; e a hermenêutica
positiva – que valoriza a restauração do significado das experiências vividas.

Temos as condições técnicas para a “criação coletiva de uma riquíssima cultura


mundial baseada na troca e na interação das diferenças, uma cultura que, enfim, tornaria a
noção abstrata de humanidade concreta” (CEVASCO, 2006, p. 136). Apesar do crescimento
de uma cultura mundial, vivenciamos, ainda, um dilema sobre o que apoiar e incentivar ou do
que combater e adiar. Devemos assimilar nossa cultura nacional com a global ou defender a
autonomia da cultura mais tradicional de nossa nação?
142

Se pensarmos em classificar as iniciativas não somente artísticas, mas também as


educacionais e críticas, e em quais desses dois lados estão, teríamos um grande trabalho pela
frente em razão da grande mixagem de sentidos e intuitos dessas ações. Para este fim, a
hermenêutica negativa ajudaria muito mais do que a hermenêutica positiva ao trazer à luz os
temas de debate e ao desmistificar sentidos que não são reais, mas, ilusórios. Há uma
tendência no crédito de que há apenas duas saídas, a da permanência ou a da aniquilação total
do que conhecemos. Isso nos revela uma falta de imaginação criativa e de crença de que, no
híbrido, haja crescimento, conhecimento e um futuro.

Atualmente as nações apresentam em suas segmentações, heterogeneidade e fraturas,


além de uma comunicação de ordem transnacional de informação. Há uma constante troca e
surgimento de códigos que se unificam e nos fazem entender o lado de onde vem a
informação. A compreensão do que é vivido por outros povos se revela cada vez menos
relacionada com etnia, classe, região de nascimento e história política dos países.

O consumo vem pautando o entendimento do que é vivido por estrangeiros, seus


hábitos tradicionais, tais como alimentares e linguísticos que podem levá-los a interagir de
forma diferenciada na formação de redes internacionais. O primeiro contato com costumes
culturais diferentes é tido com estranheza, mas, com o decorrer da troca de informações, os
símbolos vão sendo identificados e decodificados e, cada vez mais, a sensação de se estar
confortável ao compreender determinados assuntos, antes estranhos, fazem com que novos
costumes sigam um caminho que leva ao sentido de pertença.

Esse processo que leva ao sentido de pertença ocorreu e ocorre na história do teatro
musical brasileiro com relação ao público. Primeiro temos, na época que tange ao Teatro de
Revista, um formato francês, que aos poucos vai chamando atenção, ganhando público;
gradativamente, elementos nacionais são inseridos no formato ao ponto de se tornar um
gênero diferenciado.

O mesmo acontece com o teatro musical brasileiro na atualidade; vemos, nos palcos,
histórias passadas em outros países, não são os brasileiros que estão sendo retratados nos
palcos, geralmente são histórias ocorridas nos Estados Unidos da América ou em países
europeus. O fato de o público ir ao teatro e não se ver retratado pode gerar incômodo para
alguns e, para outros, curiosidade em face à oportunidade de ter contato com uma cultura
143

diferente, seja pelas características de um personagem, seja pelo conhecimento de um gênero


teatral estrangeiro.

Os formatos teatrais estrangeiros com suas constantes apresentações vão gerando um


“sentido de pertença” em muitos espectadores que passam a confrontar/unir a gama cultural
recebida dos espetáculos com as que já possuem, formando novas vertentes e pareceres. Os
musicais biográficos que vemos nos teatros nacionais de alguns anos para cá, nada mais são
do que produtos culturais híbridos que, apesar da temática brasileira, possui muito do formato
americano comercial de teatro. Não dá para tratar essas recentes manifestações artísticas com
temáticas brasileiras como frutos “puros” da cultura brasileira, que não sofreu influência de
outras culturas; muito pelo contrário, o teatro musical brasileiro, em todos os seus períodos de
“auges”, apresentou processos híbridos culturais em seus formatos.

3.1.6. O desenvolvimento da cultura brasileira

A partir da década de 30, os países latino-americanos passam a ganhar maior


autonomia no que se refere às produções culturais; o mercado cultural conquista uma
dinâmica própria e diminui o número de importações das produções e o aquecimento do setor
favorece a especialização de profissionais. Mesmo com um dinamismo visando a
segmentação e a expansão de mercado, atitudes de sociabilizar a arte são realizadas,
principalmente por movimentos políticos e culturais de esquerda.

Os museus de arte moderna foram significativos para a propagação da apreciação


artística. Em 1956, os museus de arte moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro foram
inaugurados; em 1964, foi à vez do de Buenos Aires e o do México, abertos em 1964.
Canclini (2003) afirmou que esse período proporcionou uma controversa dinâmica entre a
busca de experiências únicas, mas também de massificação cultural.

Gera-se um confronto entre a lógica socioeconômica do crescimento do mercado e a


lógica voluntarista do culturalismo político, que foi particularmente dramático
quando se produziu no interior de um mesmo movimento e até das próprias pessoas.
Aqueles que estavam realizando a racionalidade expansiva e renovadora do sistema
sociocultural eram os mesmos que queriam democratizar a produção artística. Ao
mesmo tempo em que levavam a extremos as práticas de diferenciação simbólica – a
experimentação formal, a ruptura com saberes comuns – buscavam fundir-se com as
massas (CANCLINI, 2003, p. 87).
144

Diferentemente do voluntarismo político, o cultural não teve muitos de seus trabalhos


frustrados. Ainda, segundo Canclini (2003, p. 87), os motivos culturais do declínio de
articulação do modernismo com a modernização foram pouco analisados, deixando ainda uma
lacuna nesse processo; um dos motivos citados, sem, contudo, se bastar sozinho para explicar,
o fato é “a supervalorização dos movimentos transformadores sem considerar a lógica de
desenvolvimento dos campos culturais”.

A independência é a única dinâmica social que busca entender a literatura crítica sobre
a arte e a cultura ao que competem os anos 60 e o começo da década de 70. As conquistas que
vinham sendo realizadas, há décadas, no campo da cultura, foram desvalorizadas em face de
outros movimentos. Nos dias de hoje, percebe-se um avanço na comunicação da cultura,
muito mais valorizado e com seu espaço garantido a partir da solidificação das produções
culturais e da organização que garantem benefícios econômicos para empresas, revelando
uma nova relação entre o público e o privado.

Há duas vertentes da distinção simbólica, o tradicional que recebe administração


estatal e o moderno que é organizado pelas empresas privadas. Essa diferença organizacional
gera uma divisão entre o que é considerado experimental e o culto moderno para as elites,
geralmente promovido por uma empresa que dificilmente está à frente de ações destinadas à
massa. Esse rumo não promove muitos padrões em comum entre as produções destinadas a
esses dois “públicos distintos”.

O desenrolar dessa situação acaba por deixar a modernização da cultura destinada à


elite e à massa no poder de empresas privadas, sendo que o investimento público não é
expressivo o suficiente para realizar modernizações mais intensas do que as realizadas pela
iniciativa privada. As políticas públicas culturais estão mais voltadas para o resgate da cultura
tradicional, enquanto as atividades inovadoras ficam por conta da sociedade civil, dos
movimentos diversos presentes na sociedade e, principalmente, nos detentores de poder
econômico. Ambos têm suas motivações para suas atuações, o Estado investe para mostrar
que possui preocupação com a cultura tradicional de seu povo e quer valorizar e fazer
conhecida sua origem cultural.

Já as motivações empresariais não são tão “nobres”, estão envolvidas no capital, no


lucro e na capacidade de multiplicar investimentos que, muitas vezes, são de risco. Afinal,
muitas das produções culturais não possuem garantias de retorno, pois são consumidas na
145

medida em que as pessoas se identificam com a iniciativa cultural e aceitam pagar para terem
acesso a ela.

3.2. Entre Palco e Tela

Para melhor compreender as intercepções existentes entre produtos do teatro e cinema,


para estabelecer comparações, é necessário analisar a narrativa que é, de certa forma, o eixo
comum entre essas produções. O teatro e o cinema possuem cada um, respectivamente, uma
maneira de mostrar os acontecimentos das histórias a serem contadas. O conteúdo e a
expressão encontram associação entre si com a narrativa, sendo que a fábula pode estar
presente em qualquer discurso narrativo. Para Cláudio Bezerra (2004, p. 03), em seu artigo
Do Teatro ao Cinema – três olhares sobre o Auto da Compadecida, uma fabula é “uma certa
história contada por sequência de acontecimentos que se sucedem num determinado local em
um determinado intervalo de tempo”.

O que mais difere uma adaptação cinematográfica de um musical é justamente a


trama, já que ambas as produções se utilizam basicamente de fábula, que pode ser contada de
diversas maneiras. A trama, por sua vez, é o que marca as diferenças mais gritantes entre as
obras, é um tipo de “agenciamento particular dos acontecimentos pelo autor”, mostrando de
que forma, por exemplo, um personagem é revelado. Imagine-se que em um musical,
determinado personagem entra em cena pela primeira vez interpretando uma música
engraçada, mostrando seu lado cômico; após a música ele saúda o personagem que já estava
em cena e observava tudo de maneira curiosa. No filme esse mesmo personagem pode ser
introduzido, apenas saudando, de forma calorosa, a um outro personagem, mostrando seu lado
cômico em outra cena no meio do filme. É apenas um exemplo de que a trama desenvolvida
pelo autor e adaptador pode ser totalmente diferente, não deixando de mostrar características
dos personagens, mas utilizando-se de momentos e formas diferentes para tal.

Há muitas diferenças na forma de um cineasta e de um diretor de teatro trabalharem, a


começar pelos ensaios; os atores de um filme precisam, primeiramente, decorar as falas das
cenas iniciais, eles gravam por cenas; quando a última cena do filme está sendo gravada, o
ator não precisa, necessariamente, lembrar das falas da primeira cena gravada. O diretor de
teatro precisa repassar diversas vezes o ensaio, bem mais do que um diretor de cinema, afinal,
no teatro, tudo é ao vivo, as falas, os gestos, as entradas e saídas, assim como entonações de
146

vozes e expressões que são, cansativamente, passadas e repassadas para não serem esquecidas
na apresentação ao vivo e comprometer o espetáculo. Caso o ator erre a fala, ele pode refazer
a cena; no teatro, se o ator errar, ele tem que improvisar.

Sobre a participação do ator na criação de um espetáculo, o artista Paulo Goulart Filho


(2015) acredita que, quando a peça é montada, dependendo do direcionamento do diretor, o
ator acaba por proporcionar diversas mudanças no roteiro.

[...] quando não vem lá de fora (espetáculos importados), principalmente, quando


não é musical, o teatro existe só no texto, no papel. Então é muito interessante no
processo, você ver como aquilo sai do papel e vai levantando, que nem a gente fala,
vamos levantar a peça, aí que realmente começa a tomar vida e ter todo esse
processo criativo é muito gostoso, ainda mais quando você tem um diretor, que é um
diretor que te dá possibilidade de criar junto, que você tem uma sintonia, afinidade.
Eu gosto muito de trabalhar dessa maneira, de colaboração, onde realmente você vai
descobrindo. Porque surgem muitas coisas durante o processo que você nem
imaginava, então quando você começa a sair do papel e experimentar essas coisas
em cena, jogando com o colega, vai surgindo uma série de coisas que você não tinha
como prever antes. Isso que é incrível, essa parte da criação é muito legal, e o bom
diretor vai te direcionando. Se ele tem um ator que é inteligente, esperto, que sabe
como a melhor maneira de dizer o que está escrito, nossa aí surgem coisas incríveis.

Em geral, um filme e um espetáculo musical podem levar meses para estrearem; o


filme, por sua vez, acaba demorando mais tempo diante dos recursos envolvidos na gravação
e na edição, mas o teatro, em contrapartida, exige mais trabalho dos atores e do diretor em
relação à marcação e aos ensaios de cenas. Dependendo da engenhosidade dos cenários, um
musical pode levar muito mais tempo para ser produzido do que um filme, alguns fatos
podem contribuir para a demora do avanço da produção, como o ensaio de um corpo de baile
numeroso em uma determinada dança, músicas com escalas difíceis para o cantor, cenários
complicados de fazer e de entrar e sair de cena, cronograma de trocas de figurinos. Há casos,
no teatro, em que em menos de um minuto o ator precisa voltar para a cena com outra roupa.
Isto não acontece com o cinema que, entre uma cena e outra, disponibiliza tempo suficiente
para trocas de figurinos e ajustes diversos.

O cinema falado causou certa ruptura na história do teatro pois, o que durante anos,
era realizado ao vivo pelos atores, passa a estar presente em uma tela gigante nos grandes
centros das cidades. Posteriormente, telas menores entraram na dinâmica, a partir das
transmissões de filmes pela televisão. Hoje em dia a tela está menor ainda com os tablets e
celulares. A qualquer momento ou lugar – dependendo se há conexão com a internet, um
indivíduo pode baixar, fazer download ou apenas assistir on-line um filme.
147

Já para ir ao teatro há toda uma preparação: procurar uma companhia, escolher a peça,
checar valores, optar por fazer a compra do ingresso pela internet ou na bilheteria, pegar a
condução certa ou estacionar o carro, chegar no horário e torcer para que a peça agrade.
Enfim, assistir ao teatro demanda muito mais tempo e energia do que simplesmente apertar o
play de alguma tela.

Com essa denominada ruptura, gradativamente, o “mundo do teatro” sofreu mudanças


de sutis a drásticas. No Brasil, com as primeiras salas de cinema, o filme representava algo
novo e, como toda novidade, poderia agradar por muito tempo ou logo ser descartado; a seu
favor, digamos, que o teatro tinha a tradição, anos de história e uma “aura” de arte milenar.
Mas, com o passar do tempo, foram surgindo os grandes sucessos cinematográficos, a
participação da mídia na divulgação dos filmes e também dos atores e diretores.

O jornalista Aderbal Freire-Filho (2010)65, no artigo O teatro morreu, viva o teatro,


comenta que a partir da década de 70 é que foi mais perceptível a diferença entre o teatro e o
cinema, não com relação aos seus papéis e formatos, mas no que diz respeito à dinâmica que
envolvia as produções. Foi nesse período que os repórteres passaram a perguntar com mais
frequência aos profissionais do teatro se ele iria acabar; eles respondiam que o teatro nunca
iria morrer, que o ator ao vivo só era possível ver no teatro, entre outras alegações pertinentes
O mais curioso de tudo isso é que ainda encontramos entrevistas com as mesmas perguntas e
respostas hoje em dia.

Comparo essa “especulação do fim do teatro”, com a do “fim do jornal impresso”.


Com o advento da internet e seu rápido e constante aumento de usuários, muito se questionou
se o jornal iria acabar. Bem, pelo menos por enquanto tanto o teatro quanto a revista
continuam, mas é fato que ambos sofreram impactos diante do advento do cinema e da
internet. Ainda segundo Freire-Filho (2010, p. 03) “são raros os que veem as infinitas
propriedades e especificidades e riquezas e possibilidade de cada uma dessas artes: o cinema,
sétima arte; o teatro, a oitava”.

65
FREIRE-FILHO, Aderbal. O teatro morreu, viva o teatro. Revista de Teatro SBAT, 2010. Disponível em:
<lhttps://issuu.com/mauriciosantos-dg/docs/revistateatrosbat_n522>. Acesso em: 13. nov. 15.
148

3.2.1. Sistemas semióticos no teatro e cinema

O texto dramático é o ponto de partida das relações intersemióticas entre o teatro e o


cinema, ambos de sistemas semióticos distintos, cada um direcionado por uma sistemática
própria. A obra dramática possui signos que encontram equivalência no sistema semiótico do
teatro e do cinema. A atuação no teatro se difere da do cinema, é bem mais expressiva, tanto
na entonação da voz do ator quanto em seus gestos. As maquiagens também são mais fortes
para serem notadas pelo público, geralmente há mais utilização do lúdico no teatro do que no
cinema, a não ser que o filme peça esse recurso.

O cinema utiliza cenários mais parecidos com a realidade do que o teatro por ter um
espaço limitado; as cenas cinematográficas, por sua vez, podem ser realizadas em locais reais;
o jogo da câmera e a edição de imagens podem proporcionar montagens, ângulos, perspectiva
e enquadramentos diversos, daí as técnicas específicas do cinema se revelarem diferentes das
do teatro.

Transpor um musical para vídeo pode acarretar em perdas e ganhos. Do ponto de vista
metodológico, o vídeo possibilita uma análise mais profunda do espetáculo e auxilia no
registro da peça para diversos fins, incluindo a remontagem e ensaio, assim como a
comercialização e divulgação do material. Patrice Pavis (2005), no texto A análise dos
espetáculos: teatro, mímica, dança-teatro, cinema, discorre sobre a importância da gravação
de apresentações teatrais para a análise teatral:

O vídeo restitui o tempo real e o movimento geral do espetáculo. Ele constitui a


mídia mais completa para reunir o maior número de informações, particularmente
sobre a correspondência entre os sistemas de signos e entre a imagem e o som.
Mesmo feita com uma única câmera a partir de um ponto fixo, a gravação em vídeo
é um testemunho que restitui bem a espessura dos signos e permite ao observador
captar o estilo de representação e guardar a lembrança dos encadeamentos e dos usos
dos diversos materiais (PAVIS, 2005, p. 37-38).

3.2.2. O nascimento do cinema

Compreender o papel midiático do cinema requer considerar o vetor cultural do


cinema norte-americano. É justamente após a Segunda Guerra (1945), que o cinema de
Hollywood registra um desenvolvimento mais acelerado e passa a penetrar em diversos
países. Esse avanço teve intuito, por vezes, ideológico, mas também foi fruto da
reprodutibilidade possível do filme através das cópias que eram distribuídas às salas de
149

cinema. Outro fato que contribuiu para a propagação do cinema norte-americano foi a própria
originalidade vista nos filmes, e essa originalidade, no início, estava presente na improvisação
e, depois, através da serialização massificada.

Ismail Xavier (2008, p. 43), destaca um fator negativo na produção cinematográfica


hollywoodiana: “A meu ver, o problema básico em torno da produção de Hollywood não está
no fato de existir uma fabricação; mas está no método desta fabricação e na articulação deste
método com os interesses dos donos da indústria”. O interesse em torno dos “donos da
indústria” não é algo exclusivo do cinema norte-americano, ele está presente nas produções
musicais também, fazendo com que muitas metodologias de marketing e publicidade sejam
similares nas produções teatrais e também cinematográficas.

No Brasil a primeira sala fixa de cinema foi inaugurada em 31 de julho de 1897 e era
conhecida como o “Salão de Novidades Paris”, de Paschoal Segreto, no Rio de Janeiro. O
primeiro filme falado nacional foi a comédia Acabaram-se os Otários (1929), de autoria e
direção de Luiz Barros e realização da Companhia Sincrocinex. A obra estreou no dia 02 de
setembro de 1929, no cinema Santa Helena, em São Paulo, e conta a história de dois caipiras e
um colono italiano que acabara de chegar a São Paulo. Eles imaginam que haviam comprado
um bonde, mas foram vítimas de “malandros da cidade grande”; sem dinheiro, eles tiveram
que ir morar no interior paulista. As informações constam na obra de Rafael de Luna Freire
Correio (2013), no texto Acabaram-se os otários: compreendendo o primeiro longa-
metragem sonoro brasileiro.

O filme apresenta cenas faladas e cantadas, utilizando a técnica do playback, com os


diálogos gravados em discos que, depois, eram reproduzidos no cinema de forma a
sincronizar com as expressões dos atores e as sequências das cenas. A imprensa da época
teceu críticas negativas ao filme, diziam que o enredo era fraco; já as canções foram recebidas
com mais entusiasmo, entre elas estavam obras como Bem-te-vi e Sou do sertão, ambas
composições de Paraguassu, como era conhecido Roque Ricciardi. Também havia as músicas
Carinhoso, de Pixinguinha e o samba Deixei de ser otário, de Osvaldo Gogliano.

O filme de Luiz de Barros teve sua origem e produção inspiradas nos espetáculos que
eram apresentados nos teatros paulistas que traziam o tema caipira, como diz Correio:

Um ponto fundamental sobre Acabaram-se os otários refere-se ao gênero caipira ao


qual a produção clara e assumidamente se alinhava. Na verdade, a origem do filme
de Luiz de Barros estava intrinsecamente ligada a um gênero teatral característico de
150

determinadas salas de espetáculos de São Paulo. Afinal, o estúdio de filmagem de


Luiz de Barros ficava nas dependências do Palacete Santa Helena, na Praça da Sé,
que tinha em seu térreo um cineteatro inaugurado em 1926 e arrendado justamente
pelas Empresas Cinematográficas Reunidas (CORREIO, 2013, p. 110).

A conexão entre o teatro e o cinema não se limita, apenas, nas temáticas e aos espaços
de encenação, mas na utilização dos mesmos atores nas produções. Luiz de Barros utiliza no
filme dois dos artistas que haviam participado de diversos espetáculos que ele próprio vinha
encenando no Moulin Bleu, localizado na Praça da Sé, que trazia os atores Tom Bill, Genésio
Arruda e Vicente Caiafa (ou Vicenzo Caiaffa). Mesmo após a estreia do filme, os atores
“permaneceram apresentando espetáculos de variedades em sessões contínuas, com ingressos
populares, na mesma rua do cinema em que ele (o filme Acabaram-se os Otários) estava
sendo exibido” (CORREIO, 2013, p. 111).

Esse fato mostra que desde o primeiro filme falado, no Brasil, havia o aproveitamento
do mesmo ator em obras distintas, ou seja, os mesmos profissionais que atuaram no filme
estrelavam peças nos teatros que ficavam na mesma rua do cinema. Este fato nos remete aos
atores que estão em evidência na televisão e são chamados para participarem de espetáculos
teatrais. A notoriedade de um artista sendo percebida como um elemento a mais na garantia
de público e credibilidade sempre ocorreu na história do teatro, mesmo quando alguma trupe
escalava um ator bem quisto e popular na região em que determinada peça seria apresentada
com o fim de atrair mais espectadores.

Apesar do estrondoso sucesso do filme Acabaram-se os otários, não era dado como
certo que, no futuro, as pessoas iriam deixar de ir ao teatro para irem ao cinema, tanto que,
como comentado no capítulo I deste trabalho, o teatro reinou nas décadas de 40 e 50 de forma
intensa, revelando a importância e predileção pelo teatro, mesmo diante da crescente onda de
filmes nos cinemas.

3.2.3. A morte do teatro

O cinema possibilitava que a realidade fosse retratada de maneira que o teatro não
conseguia; pretendemos, neste trabalho, deixar mais clara essa afirmação com um exemplo,
dado que, por mais que um cenário teatral seja detalhadamente bem realizado, ele não é mais
verossímil do que um parque real, ou do que a fachada de um prédio. O cinema traz cenas
gravadas em espaços reais, expondo a ludicidade dos cenários teatrais de forma mais intensa.
151

Com as imagens cinematográficas o espectador tem a sensação de que determinada cena foi
gravada perto de sua casa, talvez em uma rua do centro ou no parque em que ele passeou
determinada vez. A aproximação com a realidade que o filme proporciona, por sua vez,
passou a ser ponto negativo para o teatro que, para muitas pessoas que se rebelam contra o
lúdico, acaba soando falso, uma imitação da realidade.

De acordo com Gutiérrez Alea (1984, p. 48-49), a imagem fictícia das telas dos
cinemas que se revelam tão reais, faz com que o público possa melhor compreender a
realidade:

O espectador que contempla um espetáculo está diante do produto de um processo


criativo de uma imagem fictícia que teve seu ponto de partida também num ato de
contemplação viva da realidade objetiva por parte do artista. De forma que o
espetáculo pode ser contemplado diretamente como um objeto em si, como um
produto da atividade prática do homem; mas também o espectador pode se remeter
ao conteúdo mais ou menos objetivo que o espetáculo reflete, que funciona então
como uma mediação no processo de compreensão da realidade.

Mesmo diante dos agouros sobre o teatro e sua eminente morte, o que se viu foi um
sobrevivente se ajustando aqui, inovando ali. Novos textos foram surgindo, novos formatos,
os clássicos que já eram encenados há séculos deram espaço para obras inéditas e temporais.
Digamos que o cinema está para a fotografia, assim como teatro para a pintura figurativa. Ter
uma foto sua, na época do início da popularização da fotografia, se tornou mais fascinante do
que ter um retrato, a novidade encantava.

Ter uma foto tornou-se comum nos dias de hoje; quem antes tinha que desembolsar
altos valores com fotógrafos, compra de câmeras, revelações de filmes, pode, enfim, tirar
quantas fotos quiser e puder. A grande maioria dos brasileiros possui, no mínimo, uma
câmera fotográfica que, geralmente, está no celular. Vivenciamos a era da selfie, onde muitas
pessoas registram momentos de seus dias, não somente em situações como festas, shows e
viagens; os registros estão no seu dia-a-dia ao acordar, ao almoçar, ao ir para o trabalho,
quando se está chateado, feliz, trabalhando, caminhando, comendo, bebendo, dirigindo e
prestes a dormir.

Se analisarmos essa realidade nos dias de hoje, podemos nos aproximar do fato que ter
uma pintura figurativa é algo caro, além de ser difícil encontrar artistas que realizam esse
trabalho. Ter seu retrato pintado virou algo até mesmo desejado e, para muitos, inacessível. A
partir de uma análise até mesmo simplória, percebemos inversões de valores, o retrato
152

figurativo antes tido como a segunda opção diante da novidade fotográfica, passa a ser um
diferencial para muitos, e estão abarrotados de fotos digitais. O antigo álbum de fotos
tradicional e físico perde cada vez mais espaço para álbuns de fotos digitais.

Em análise sobre a trajetória do teatro mediante o desenvolvimento do cinema,


percebe-se que muitas pessoas veem o teatro como a milenar pintura figurativa, algo com
valor agregado, e essa agregação proveniente de sua própria tradição e das maiores
dificuldades em possuir, no caso da pintura, em assistir, no caso do teatro; assistir uma peça
profissional de teatro se tornou algo não tão frequente quanto ir ao cinema devido a diversos
fatores, como a localização, por exemplo. Se uma pessoa decide assistir determinada peça, ela
precisa ir ao local em que o espetáculo está em cartaz, e pode ocorrer de o evento estar sendo
apresentado em outra cidade, estado e até país diferente daquele onde vive; ou então, terá que
espera que a peça entre em cartaz em local de fácil acessibilidade para ela, o que pode nunca
ocorrer. Agora, se ela opta por determinado filme, provavelmente ele estará em cartaz no
cinema do shopping de sua cidade e com várias opções de horários. Outro fator que torna a
decisão de ir ao cinema mais frequente do que a ida ao teatro assistir a um musical é o valor
dos ingressos, há peças que chegam a custar cerca de R$ 300, até mesmo as de preços mais
populares podem ser mais caras do que a sessão de cinema.

Lembro-me de que queria ir assistir um musical que estava em cartaz em uma cidade
que não é a de minha residência; a ideia era me programar para ir em um sábado,
porém não tinha companhia; liguei para amigos e parentes e ninguém queria
desembolsar o valor, nem sabiam que a peça estava em cartaz. Desiludida, resolvi ir
ao cinema, era relativamente perto, poderia ir de carro ou condução coletiva e, de
quebra, não voltaria tão tarde. Rapidamente encontrei um trio de pessoas dispostas a
me fazer companhia, a maior complicação foi a de todos entrarem em um acordo
sobre o que assistir. Ou seja, se programar para assistir a uma peça teatral exige um
processo um pouco mais complicado do que ir ao cinema. [grifo do autor].

Temos também as questões relacionadas a outros tipos de facilidades, as salas de


cinema, em sua maioria, estão localizadas dentro de grandes complexos comerciais; uma ida
ao cinema pode garantir passar em um caixa eletrônico, jantar em uma rede de fast-food,
trocar a calça que não serviu. Já os teatros, geralmente, não dividem espaço com outros
empreendimentos, com exceções de alguns teatros construídos há alguns anos em locais como
os shopping centers.

O frankfurtiano Walter Benjamim (1994), em seu ensaio A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade técnica, traz conceitos sobre a aura da obra de arte, que é tida como “uma
figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa
153

distante por mais perto que ela esteja” (BENJAMIM, 1994, p. 03). O distanciamento traz
certa sensação de inatingibilidade, fortalecendo a “valorização” de determinada obra. O
próprio ser humano é assim em alguns casos, o sonho com o emprego que está fora de seu
alcance, o amor platônico, impossível. Faz parte das vivências humanas valorizar ou
“enaltecer” aquilo que lhe é mais difícil possuir, conviver, apreciar. Cremos que essa
“tendência humana” se estenda em diversas áreas, inclusive na apreciação da arte.

Ao mesmo tempo em que o teatro foi perdendo espaço para o cinema, ele não chegou
a desaparecer, a ser extinto. Aos trancos ele seguiu, inconstante em número e qualidade de
apresentações, testando formatos aqui, reinventado ali. Ao invés de sua extinção percebemos
um teatro que inovou. A “aura” que ele já possuía devido à sua tradição, a possibilidade de
ver pessoalmente o ator em cena e a adaptação de clássicos da literatura mundial foi
intensificada, digamos, ao mesmo tempo em que ocorriam as mudanças dos hábitos culturais
dos brasileiros.

Os avanços tecnológicos trouxeram novos mecanismos que foram recebidos pelas


pessoas. A questão primordial acaba sendo matemática, ou seja, quanto mais dispositivos são
dominados, mais tempo será preciso para absorver e administrar a ação. Nosso tempo é
limitado, nosso dia possui horas estabelecidas; o que se pode ser expandido ou diminuído são
as relações e conexões com pessoas e coisas.

Uma simples ida ao teatro, que no início do século passado poderia ser mensal, se
limita a uma única vez por semestre, ou uma vez a cada ano, isso quando não se passam anos
sem que se tenha assistido as um espetáculo teatral. Não é raro encontrarmos pessoas idosas
ou mesmo jovens que nunca foram ao teatro e até mesmo ao cinema.

Pensamos que, como se tornou mais difícil para o indivíduo moderno ter tempo,
disposição e até condição financeira para ir assistir uma peça, o teatro acaba se tornando uma
arte mais distanciada do que outras, e esse distanciamento acaba tomando a ida ao teatro um
evento, algo que foge do ordinário de nossas vidas.

Assim como as salas de cinema, os teatros estão migrando para complexos comerciais.
São poucas as salas de cinema que sobrevivem fora de shoppings; essas salas possuem, por
vezes, poucas telas e um espaço grande para o público. Mas, a produção de filmes cresceu
tanto ao longo dos anos que permite que diversos filmes sejam lançados simultaneamente. Os
cinemas localizados em shoppings foram feitos de maneira a terem mais telas, possibilitando
154

uma lista maior de escolhas de filmes. Com isso, os cinemas independentes com suas opções
de filmes mais limitadas, mediante a pequena quantidade de salas, foram recebendo cada vez
menos interessados.

Com os teatros em shoppings essa máxima de que o motivo está atrelado às opções de
títulos não ocorre, justamente pelo teatro ser ao vivo. Mas cremos que as facilidades já citadas
anteriormente se encaixem nessa dinâmica; o estacionamento do teatro é compartilhado, além
de assistir a uma peça o indivíduo pode realizar outras tantas atividades. Nas grandes cidades
são raros os espaços centrais disponíveis para a construção de um empreendimento de
proporções medianas, como o caso de um teatro, muito menos para um com proporções
maiores como os shoppings; utilizar uma mesma área para agregar diversas opções para os
moradores da cidade acaba se tornado uma alternativa comercialmente atrativa, à medida que
atrai mais consumidores.

3.2.4. Processo midiático de um musical baseado em filme

Com relação aos espetáculos musicais apresentados a partir do início do século XXI,
no Brasil, é notório que são de longe as produções teatrais mais midiatizadas no momento. As
reproduções e adaptações da Broadway possuem apelo midiático, não é necessário um
indivíduo ter ido a Broadway para saber que os musicais de lá são considerados famosos e
possuem um formato próprio, foram rotulados e conhecido como formato “Broadway”.

Nota-se no cartaz de divulgação abaixo – o primeiro, do espetáculo O Rei Leão


(2013), apresentado no Brasil, dizeres que lembram ter sido produzido no formato Broadway.
No cartaz há a frase: “O Marco da Broadway” que é uma maneira de trazer toda a gama
midiática por trás do musical hollywoodiano, na expectativa de que o público e os
patrocinadores associem o espetáculo a uma produção de qualidade.

O cartaz evoca outro tipo de “marca” que não a Broadway, a “marca” Disney sempre
evidente acima do título. Não é necessário escrever que o musical é baseado na animação da
Disney, sendo que só o fato de a marca constar no cartaz, o indivíduo, provavelmente, o
associará à animação cinematográfica conhecida mundialmente. Para Arthur Luiz Cavalcante
de Macêdo (2011), na obra Uma análise do filme O Rei Leão: o direcionamento a múltiplos
espectadores, o estúdio Walt Disney possui sucesso evidente:
155

Ao se analisar a trajetória do estúdio Walt Disney, é evidente o sucesso e hegemonia


que ele conquistou ao longo do tempo. Tendo como marca registrada uma qualidade
sem igual ao período pré-1950, o estúdio realizou intensos estudos e adaptações da
literatura para as telas do cinema, utilizando-se, em grande parte, do cinema de
animação, característica que permanece até os dias atuais, apesar da grande
variedade de produtos live-action que a Disney realiza hoje.

É muito mais “confortável” e “seguro” para uma empresa patrocinar uma produção
que tem grandes chances de ter um bom aceite de público, que teve seu enredo não somente
nos palcos da Broadway e West End, mas, em alguns casos, até mesmo nas telas de cinema. O
musical O Rei Leão não traz embutido na produção apenas o produto em si, ele traz uma
notoriedade proporcionada pelo nome da Disney.

Trazer o musical O Rei Leão para o Brasil implica em contar com o prestígio da
Disney, com o impacto que a divulgação do filme teve na época de seu lançamento, no ano de
1994, e ao longo dos anos. São mais de 20 anos em que as pessoas têm, em diversos
momentos, se lembrado do nome do filme, comprado DVDs, assistido matérias sobre a
produção. Posteriormente ao filme, foi a vez da Broadway, em 1997, estrear a história com
uma roupagem diferente, e dessa vez os infortúnios e a redenção do pequeno leão Simba eram
contados em forma de musical. São quase duas décadas de turistas do mundo todo tendo
informações sobre ou até mesmo assistindo a produção. Simba e outros personagens da
história, os mesmos vistos na tela do cinema, na televisão e nos palcos da Broadway, estariam
em um palco brasileiro. Essa informação pode ter atiçado a curiosidade não só de crianças,
mas de adolescentes e até de adultos que tiveram em algum momento de suas vidas, contato
com a história.

Mais do que a promessa de um bom texto, de um bom diretor, o musical trazia o que
chamaremos de “uma promessa velada de qualidade e popularidade”, quando associado ao
filme e ao musical importado.

No cartaz de divulgação do espetáculo Mudança de Hábito (2015), há a mesma


estratégia utilizada no cartaz anterior, a de ligar a história do musical a de um filme, só que
além de utilizar o nome da produtora do filme, há uma citação de que o filme teve a
participação da atriz Whoopi Goldberg; ou seja, caso a pessoa não se lembre do filme, mesmo
sendo o mesmo nome da peça, poderá associá-lo a renomada atriz norte-americana. Neste
caso, é utilizada a mídia por trás do filme e da atriz.
156

Imagem 27: Cartaz de divulgação do Musical Mudança de Hábito.

Fonte: A Broadway é aqui.66

O cartaz também traz ligação com a Broadway, com a da frase: “A divina Comédia
Musical da Broadway”. Todas essas estratégias são para aproveitar a carga midiática que
outrora foi espalhada pela história, que foi contada de diversas maneiras, através de produções
que passaram por divulgação midiática.

De acordo com Saulo Vasconcelos (2015), artista de musicais, o Brasil deve ter
cuidado ao trazer musicais adaptados da Broadway que são baseados em filmes que tiveram
grande bilheteria “Agora a gente tem uma tendência perigosa lá fora, que está se criando um
musical muito superficial, com uma história muito mais pobre, como a história do Homem
Aranha, Legalmente Loira. Estão pegando esses filmes que foram sucesso comercial e
tentando transformar em musical”. Ele receia que, em nome do lucro, roteiros fracos tomem o
lugar de textos que tragam personagens mais complexos. Na opinião de Saulo Vasconcelos,
os musicais da Broadway Spider-man: turn off the dark (2011) e Legally Blonde (2007),
baseados nos filmes Homem-Aranha 3 (2007) e Legalmente Loira (2001), respectivamente,
não devem chegar ao Brasil:

[...] Imagina O Homem Aranha cantando, sendo pendurado na teia dele? Esquisito.
Eu acho que a gente passa por um momento de mediocrizarão do musical do ponto

66
Disponível em: <http://aBroadwayeaqui.com.br/2014/11/10/pre-venda-de-ingressos-para-o-musical-
mudanca-de-habito-comeca-hoje/>. Acesso em: 15 nov. 15.
157

de vista internacional. Então, a gente tem que tomar muito cuidado em trazer essas
coisas pra cá e depor contra o gênero, trazendo peças tão superficiais e vazias.

Não é de hoje que a Broadway realiza adaptações de filmes para os palcos, mas em
nome da “inovação”, alguns casos acabam dando prejuízos milionários, mostrando que nem
sempre um sucesso de cinema funciona bem nos palcos. Em matéria de Sara Krulwich (2014),
publicada no The New York Times, a última apresentação do musical Spider-man: Turn off
the dark, na Broadway, encerrou a temporada com prejuízo de cerca de US$ 60 milhões. A
temporada foi até “considerada saudável para os padrões Broadway, mas não chegou nem
perto de pagar os US$ 75 milhões investidos em sua produção”67.

Já havia todo um apelo midiático em torno dos filmes realizados do personagem


Homem Aranha; o “grande nome do espetáculo”, era o próprio super-herói. Tiveram outros
nomes famosos envolvidos na produção, como os compositores da trilha, Bono e The Edge,
do U2. Mas nada disso valeu para fazer com que os investidores não ficassem no prejuízo. O
musical foi o mais caro da história da cidade de Nova York, mas, no mínimo, mostrou que
adaptar um filme de ação para os palcos requer muito planejamento.

Foram inúmeros os acidentes ocorridos no musical, problemas com maquinários e


atores que se machucaram em cena. Afinal, não é todo musical que o ator principal precisa
ficar pulando de teia em teia em um palco. Quando essas cenas foram produzidas pelo
cinema, foram utilizados aparatos tecnológicos de última geração e nem sempre no teatro
cabem as mesmas tecnologias.

De acordo com Krulwich (2014), na época da estreia do musical, no ano de 2010, o


elenco teve que parar cinco vezes o show devido à necessidade de ajustes técnicos, tendo sido,
a peça, “alvo de críticas em diversas partes do planeta”. O que aconteceu com este musical é
apenas um exemplo de que, não necessariamente, a “presença de um grande nome”, no caso o
do Homem Aranha, propagado ainda mais pelos filmes, seja suficiente para garantir lucro. Há
muitos outros fatores envolvidos que passam pela harmonia de diversos elementos que
compõem uma cena.

67
SARA, Krulwich. Spider-man encerra temporada desastrosa na Broadway. New York Times, 06 jan. 2014.
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/spider-man-encerra-temporada-desastrosa-na-broadway-
11223930>. Acesso em: 04 dez. 15.
158

Ao mesmo tempo em que um nome de personagem não pode sozinho garantir sucesso,
temos um exemplo dado pelo diretor Roberto Lage (2015), de que ele ajudou a salvar uma
produção brasileira. Lage conta que quando ficou responsável por dirigir o musical Zorro
(2010), o ator escalado para o papel do herói mascarado foi Murilo Rosa. O artista participou
de coletivas de imprensa, pousou ao lado de marcas de patrocinadores, como na foto abaixo,
em que as empresas Porto Seguro e Cacau Show, têm seus nomes envoltos na divulgação do
espetáculo.

Imagem 28: O ator Murilo Rosa quando abandonou a produção 15 dias antes da estreia.

Fonte: Zorro Musical.68

O diretor conta que Murilo Rosa, contratado da Rede Globo, havia comunicado que
não poderia gravar em determinados períodos devido à sua participação no musical. Porém, a
emissora antecipou as gravações das cenas de uma novela que exigiria a participação do ator.
Para não ter problemas contratuais, Murilo teve que abandonar o espetáculo quinze dias antes
da estreia. Na época, Lage havia chamado Jarbas Homem de Melo para trabalhar ao seu lado
na direção, porque a peça exigia a dança flamenca e Melo, além de cantor e ator, também era
coreógrafo de flamenco. No desespero de não adiar a estreia, Lage escalou Melo para
interpretar Zorro.

Perdemos o Murilo Rosa, que era o protagonista e o grande nome do espetáculo.


Não podíamos suspender, não podíamos parar, a produção ia quebrar, eu falei
“Jarbinhas, você entra!”, porque o Jarbas era bom ator, era meu assistente, já
conhecia o espetáculo inteiro, e aí o Jarbas entrou. Mudou alguma coisa na bilheteria

68
Disponível em: <https://zorromusical.wordpress.com/>. Acesso em: 04 dez. 15
159

sair o Murilo Rosa e entrar o Jarbas? Nada! A peça lotou direto, porque o nome era
Zorro.

Lage comenta que a troca do ator famoso da produção dias antes da estreia por Jarbas
Homem de Melo, não tão conhecido do grande público, à época, não comprometeu a venda de
bilheteria do espetáculo, que acabou sendo um sucesso. Isso ocorreu, segundo ele, porque
mais conhecido do que o nome de Murilo Rosa estava o nome de Zorro, um personagem
heroico conhecido mundialmente que, inclusive, teve sua história contada diversas vezes no
cinema.
160

CAPÍTULO IV – TEATRO COMO MERCADORIA

4.1. Musicais Movimentam a Economia

O teatro passou a ser classificado como mercadoria a partir da Commedia dell’Arte,


título atribuído a um gênero de teatro que surgiu em meados do século XVI, na Itália, e que
institucionalizou a profissão do ator. O gênero é herdeiro das farsas69 que eram representadas
na Idade Média pelos bobos da Corte, e é marca histórica da passagem de um amante da arte
em um ator que, por sua vez, percebe que há mais, além do que o amadorismo, e que enfim,
ele poderia sobreviver da arte.

De acordo com Beatriz Maria Vianna Rosa (2014, p. 27), em Da Arte à Mercadoria: a
transfiguração do teatro pelo sistema capitalista, novas companhias de artistas que rodavam
as cidades que acolhiam os nobres e riquezas surgiram no século XVI em busca de público
que pudesse pagar pelos ingressos e assim manter os gastos dos grupos.

Nas cidades, os antigos artistas da cena perceberam que podiam sobreviver de sua arte
também através da organização em corporações de ofício criando contratos, transformando o
trabalho em um mecanismo organizado para a competição de mercado. Nasce, então, o teatro
profissional.

[...] O teatro deste novo tempo é também o resultado de relações de negócios,


ganhando funções administrativas, especulativas e interesseiras. O ator contratado
deve cumprir certas regras e funcionar de maneira específica dentro de propósitos
ligados ao motivo pelo qual, esta ou aquela companhia, está apresentando seus
espetáculos e os tais motivos estavam sempre ligados ao dinheiro, ao prestígio e ao
poder (ROSA, 2014, p. 20).

Com a nova estrutura da cena teatral foram surgindo novas funções, além do roteirista
e do ator há os donos das companhias, negociadores de arte, os donos dos espaços onde as
peças serão apresentadas e as autoridades das cidades que precisarão dar autorização para a

69
A farsa geralmente se associa a um cômico; era concebida como aquilo que apimentava e completava o
alimento cultural e sério da alta literatura. Seus diálogos eram improvisados e irreverentes, retirados e inspirados
na própria relação social da época; sua eficiência depende da auto-ironia, da astúcia verbal, da vontade de
representar em qualquer lugar e da habilidade de seus atores, sapientes atemporais, que usavam máscaras
grotescas (BERTHOLD, 2000; PAVIS, 1999).
161

ação dos grupos na região. É nesse contexto que muitas companhias passam a deixar de lado
suas próprias ideologias e vontades em nome de uma estabilidade nas apresentações que
dependem da venda da produção, ou seja, as companhias precisam agrupar elementos nas
apresentações que as tornem mais atrativas.

Se nos primórdios do teatro, a arte era realizada de forma despretensiosa no que tange
ao lucro, sem nenhuma obrigação, a não ser divertir e passar sua mensagem, o cenário atual
apresenta diferenças grandiosas onde, muitas vezes, é viável e até possível colocar uma peça
em cartaz sem investimentos financeiros. O que antes era tido como instrumento que poderia
aproximar as relações humanas e não envolvia uma preocupação demasiada com a escolha da
temática da apresentação, se revela, hoje, como um teatro comercial, que além de agradar ao
público, precisa primeiro “conquistar” o patrocinador.

O capitalismo, como economia mundial predominante, tornou mais complexa a


relação outrora descomplicada entre um teatro, por vezes, improvisado com seu público,
justamente porque o indivíduo passa a ter uma relação mais intensa com objetos de consumo,
e diante de um leque de opções tão vasto, passa a preterir novas atividades culturais.

Mesmo diante das massivas divulgações de produtos de consumo, através da mídia, o


teatro não deixou de lotar seus auditórios com muitos espetáculos, na verdade, a mudança
maior foi a inevitável diminuição do número de peças teatrais, a escolha de um roteiro passou
a ser bem mais criteriosa, quanto mais chances tivesse de atrair público melhor, pois, por
muito tempo, o lucro do teatro se pautou na bilheteria.

Quanto mais o cinema e a televisão com suas novelas supriam a “ânsia por uma
história”, o teatro passou a ter que se reinventar, não somente nos formatos e gêneros, mas
com um olhar bem mais “comercial” que outrora, novas técnicas de som, investimentos em
figurinos, modernizações diversas.

É inegável a interferência do modo de produção capitalista na forma de produção


teatral brasileira atual. De acordo com Rosa (2014, p. 27), a arte teatral é refém do sistema
capitalista. As companhias teatrais foram transformando-se em empresas prestadoras de
serviços ou produtoras culturais que precisam estar inseridas no mercado competitivo para
sobreviverem. Esse mercado é regido pela lei da oferta e da procura, o grande problema é que,
no caso do teatro, “a oferta é imensa diante da fraca procura”.
162

Com o fim do Teatro de Revista, o teatro brasileiro passou a não mais conseguir se
manter com os valores das bilheterias, por isso se viu obrigado a agregar seus valores a outras
atividades e produtos mercadológicos. Para poder arcar com as despesas de um espetáculo,
produtores tiveram que sair das coxias e ir ao encontro de empresas que se interessassem em
ter vínculos com uma atividade cultural com o objetivo de divulgar sua marca.

O teatro musical proveniente da Broadway e de West End é considerado,


comercialmente falando, o mais rentável do mundo. A partir do momento que o Brasil passou
a adaptar esses musicais, teve que manter as características consideradas de sucesso das
produções e, para tanto, o investidor é essencial. Isso implica em abrir portas para que o
processo teatral não fique pautado somente nas boas atuações dos artistas, no texto bem
traduzido e adaptado, mas também nas decisões do patrocinador que, segundo Rosa (2014, p.
18), interfere na relação do teatro com o espectador que “passa de algo que se caracterizava
por um rito de agregação da sociedade para a satisfação privilegiada do capricho de alguns
detentores de poder”.

Se um espetáculo tem como patrocinador um banco ou uma seguradora, dificilmente


poderá ter em seu enredo alguma cena em que ocorram críticas aos abusivos juros bancários e
as altas taxas de seguros aplicadas no Brasil, ou mesmo uma instituição conservadora que
quer manter sua imagem como ela é porque, provavelmente, não se sentirá confortável ao se
ligar com um espetáculo que faz alusão à liberação das drogas ou que possua cenas ousadas
de sexo, por exemplo. É de praxe que antes de uma empresa aceitar patrocinar algum
espetáculo, ela estude todos os elementos contidos no roteiro, além da escalação de atores e o
espaço que será alugado para a apresentação do espetáculo.

Uma empresa que tem 90% de seu trabalho desenvolvido em São Paulo dificilmente
irá apoiar um espetáculo que ficará em cartaz na cidade do Rio de Janeiro, a não ser que a
empresa deseje propagar sua marca nesta cidade. Digamos que uma empresa quer melhorar
sua imagem junto ao público após um escândalo corporativo, talvez a instituição não queira
patrocinar um espetáculo que traga no elenco um ator envolto em problemas judiciais por
algum motivo, que repercuta sua imagem veiculada na mídia de forma negativa. Tudo são
fatores que nos leva a questão de que até mesmo a escalação dos atores sofre influência dos
patrocinadores, tema que será aprofundado no capítulo seguinte desse trabalho.
163

A montagem de um musical da Broadway está cada vez mais caro, beirando cerca de
US $ 10 milhões, sendo que cada semana de apresentações pode custar em torno de US $ 500
mil. Esses valores não são muito diferentes no Brasil que, como adaptam muitas peças da
Broadway, precisam manter a qualidade e suntuosidade das apresentações americanas. De
acordo com o dramaturgo americano Mac Rogers, no artigo From screen to stage: how to
turn a movie into a musical, de 2006, a montagem de um musical demanda um investimento
alto, os produtores para não terem prejuízo financeiro, precisam ficar com o espetáculo em
cartaz pelo maior tempo possível. Para tanto, são necessárias certas estratégias que
diferenciem determinado espetáculo de outros que estarão em cartaz no mesmo período e, na
maioria das vezes, isto custa muito dinheiro.

Essas estratégias podem ser desde um cenário muito elaborado com características
nunca antes vista até mesmo trazer para os palcos um espetáculo que já é conhecido pelo
público, que possuiu um nome midiático, garantindo que os fãs daquela história se interessem
pela versão musical; Ou seja, além de contar com a publicidade que será realizada no musical,
os produtores apostam em uma publicidade já existente que envolve a história escolhida. Esse
conhecimento prévio da história por parte do público pode ter ocorrido através de produções
cinematográficas, televisivas e editorias.

De todas essas produções as que, geralmente, possuem uma divulgação maior é a


cinematográfica que, além de cartazes e propagandas de forma geral veiculadas na mídia, tem
a questão das publicações de notícias divulgadas após o filme com relação à repercussão
positiva ou negativa, os atores conhecidos e suas vidas privadas. Sem contar que muitas
produções lançam modas em diversos segmentos, tais como vestuário acessórios,
comportamentos, etc.

Há uma gama de midiatização por trás de cada grande produção cinematográfica


antes, durante e depois de sua estreia nas grandes telas. Quando tratamos em alcance mundial,
a divulgação dos filmes americanos possui destaque, não somente pelos valores investidos,
mas pelo resultado desse investimento, levando um produto cultural de um país a influenciar
povos distintos.

Trazer uma história já contada pelo cinema é investir em um produto já midiatizado, a


aposta é que o espectador do musical queira ver uma história já consagrada contada de
maneira diferente, ao vivo, com músicas cantadas por personagens que, na tela, não
164

necessariamente, cantam. Podemos dizer que os produtores de musicais utilizam de


adaptações cinematográficas como uma das estratégias para que o espetáculo possa atrair
público.

Porém, para uma empresa de entretenimento decidir adaptar um musical já


consagrado, é necessário possuir alguns anos de experiência, não é tarefa fácil transpor uma
história da tela para o palco. A Time 4 Fun, por exemplo, já possuía mais de dez anos em
produções de musicais antes de arriscar na produção de Cats (2010). A responsabilidade era
grande, afinal adaptar um musical que já possuía um histórico de sucesso e qualidade
demandaria muito trabalho. A versão brasileira do musical custou R$ 6 milhões, eram mais de
150 peças de roupas e acessórios, 64 perucas. Foi necessário até trazer um forno de Londres
para que as perucas fossem secadas com rapidez sem comprometer o material70.

A adaptação de um produto já conhecido do grande público, em qualquer segmento,


pode exigir um padrão de qualidade mais rigoroso do que o de um espetáculo inédito. Ocorre
que quando a história já é conhecida como filme, o espectador de teatro pode criar
expectativas com base no que já foi assistido. Quando a produção, por sua vez, deixa a
desejar, ela é fácil de ser comparada com a primeira versão da história. Uma adaptação
sempre acarreta em uma possível comparação, o que já não ocorre com obras inéditas, que
serão comparadas com outros espetáculos de roteiros diferentes e não com a mesma história
contada de outra forma.

Para garantir que o espetáculo Cats obtivesse qualidade deixasse não ficasse em um
patamar inferior à versão americana, a versão brasileira foi assinada por Charles Möeller e
Cláudio Botelho, dupla que despontava à frente de grandes musicais realizados no Brasil.
Cats conta a história de gatos que se reúnem uma vez por ano para que o líder do grupo
escolha um gato que poderá ir para um lugar melhor.

O espetáculo foi estrelado por Saulo Vasconcelos, Gianna Pagano e Séfora Araújo,
além da cantora Paula Lima e teve estreia no dia 4 de março, no Teatro Abril, em São Paulo.
Vale ressaltar que a cidade também recebeu o espetáculo em 2006, no Credicard Hall. A
apresentação foi com elenco americano que excursiona o mundo com a produção após o fim

70
JUNIOR, Dirceu Alves. Musicais como “Hairspray”, “O Rei e Eu” têm gastos surpreendentes. Veja São
Paulo, 26 fev. 2010. Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/materia/musicais-como-hairspray-o-rei-
eu-entram-em-cartaz-na-cidade/>. Acesso em: 14 nov. 2015.
165

das apresentações do espetáculo em 2000, que teve estreia na Broadway em 1982. A


montagem londrina do musical também excursionou pelo mundo, teve sua estreia no ano de
1981. O musical é do compositor inglês Andrew Lloyd Webber, autor de O Fantasma da
Ópera, Evita e Sunset Boulevard.

A produção americana veio a pedido do grupo CIE que teve que desembolsar US$ 1
milhão de dólares; trazer todos os artistas, produção, figurinos e cenários ficou mais barato do
que produzir um musical em solo nacional. Depois que produtores perceberam que o Brasil
conseguia público para musicais e até mesmo havia recebido produções na língua inglesa, o
receio de um investimento de alto risco foi ficando para trás, fazendo com que cada
espetáculo crescesse em ousadia com cenários cada vez mais elaborados; por outro lado, os
artistas passaram a se preparar mais para as audições frequentando cursos próprios para
musicais.

Cats teve sua produção original gravada em vídeo para ser comercializada. A única
diferença entre este vídeo e alguns outros de musicais que se tornaram filmes, é que o estilo
da gravação não foi pensado para ser líder de bilheteria nos cinemas, foi lançado para VHS e,
um tempo depois, em DVD e Blu-ray. O filme foi passado em diversos canais de televisão e
não fazia questão de apagar a memória do musical, muito pelo contrário, a equipe de
produção se preocupou em fazer com que o espectador se sentisse em uma plateia ao vivo,
utilizando-se de close-ups e gravando as cenas no teatro Adelphi, em Londres. O filme serviu
mais para popularizar o musical do que propriamente ser visto como uma produção
desvinculada do teatro que fosse lembrada por sua produção, sem necessariamente, remeter a
um musical.

4.1.1. A Lei Rouanet

A Constituição Federal de 1988 determina que o papel do Estado brasileiro, no que


tange à ordem econômica e financeira, é promover a fiscalização, incentivo e planejamento da
atividade econômica. Também pode lançar mão de um instrumento tributário conhecido como
incentivo fiscal, o qual promove a renúncia do governo brasileiro de parte das receitas
tributárias com o objetivo de promover ações de expansão de setores e regiões.
166

De acordo com o estudo A Cultura na economia brasileira (2015)71, realizado pela


FGV Projetos e proposto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), o orçamento brasileiro para a cultura cresceu ao longo dos anos 2000, e o orçamento
federal teve aumento de 18,7% ao ano, de 2003 a 2013. Para os estados, o aumento foi de
19,2% e para os municípios de 12,5%, tendo o orçamento municipal apresentado modesta
diminuição de 2012 para 2013.

Apesar do ano de 2009 ter marcado aumento do consumo de cultura do brasileiro –


US$ 9,6 bilhões em 2003 e US$ 10,6 bilhões em 2009, o crescimento foi considerado menor
do que o aumento do consumo total das famílias. Em 2009, cerca de 80% dos pesquisados
afirmaram ter consumido algum produto cultural, porcentagem 10% maior que o resultado do
ano de 2003.

O investimento público concedido à cultura teve crescimento de 16% ao ano de 2003 a


2013. A marca é superior ao crescimento total brasileiro que compete ao mesmo período.
Entre as 28 funções no orçamento nacional, a cultura ocupa a 21ª posição, conforme
divulgado pela pesquisa feita pela FGV Projetos (2015, p. 75).

Figura 1: Distribuição da Cultura Por Região e Princcipais Áreas de Cultura Por Região
(2013)

Fonte: IBGE (2015, p. 59).

71
Informações disponíveis em: <http://sniic.cultura.gov.br/wp-content/uploads/2015 nov. cultura-
economia-fgv-2015.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2015.
167

Em relação ao ano de 2003 e de 2009, não ocorreram muitas mudanças no que tange a
áreas de Artes Cênicas e Música; a marca do consumo dos dois anos manteve o valor superior
a US$ 1 bilhão.

Figura 2: Consumo de Áreas de Cultura

Fonte: IBGE (2015, p. 75).

Paralelo ao crescimento do orçamento nacional destinado à cultura, temos as também


crescentes ações das organizações em vista do investimento na comunicação empresarial e na
construção de identidade da marca. As iniciativas para alcançar esses objetivos são
reconhecidas pelo mercado como marketing cultural.

Com relação às políticas culturais, segundo Marilena Chauí (2006), em sua obra
Cidadania Cultural – o direito à cultura, destacam-se a cultura oficial produzida pelo Estado,
a cultura populista, produzida e administrada pelas camadas sociais mais populares e a cultura
neoliberal, sendo essa última a que mais tem ligação com o patrocínio que possibilita as
apresentações de grandes produções de musicais no Brasil.
168

A posição neoliberal, que começa a deitar raízes desde meados dos anos 1980,
minimiza o papel do Estado no plano da cultura: enfatiza apenas o encargo estatal
como patrimônio histórico enquanto monumentalidade oficial celebrativa do próprio
Estado e coloca órgãos públicos de cultura a serviços de conteúdo e padrões
definidos pela indústria cultural e seu mercado (CHAUÍ, 2006, p. 68).

A iniciativa privada passa a ter responsabilidades e atuação na mediação cultural e traz


para o processo suas regras e objetivos, o que pode interferir nas questões culturais a partir do
momento em que também entram em destaque as exigências do “capital”. A Lei Rouanet é
uma das formas que as empresas encontram para atrelar seu nome às ações culturais, através
do patrocínio.

De acordo com o Ministério da Cultura72, a Lei Rouanet objetiva “captar e canalizar


recursos suficientes para estimular a produção e difusão de bens culturais, preservar
patrimônios materiais e imateriais, proteger o pluralismo da cultura nacional e facilitar o
acesso às fontes de cultura”. Essa Lei tem sido o mecanismo mais importante para a captação
de recursos que possibilitam a importação de produções culturais diversas, entre elas os
musicais da Broadway e West End. Tudo acontece porque as empresas e, até mesmo pessoas
físicas, têm a oportunidade de abater parte de seus impostos de renda ao apoiar e patrocinar
um espetáculo.

No caso de pessoa física, a porcentagem dos impostos de renda estipulada é de 6%


(seis por cento) e da pessoa jurídica 4% (quatro por cento). A Lei Rouanet, a partir da visão
neoliberal, é responsável pela grande parcela de produções culturais realizadas no Brasil a
partir de apoios empresariais, o que tem proporcionado que superespectáculos, como os
musicais da Broadway, fossem possíveis no Brasil. A expressividade da mudança do cenário
do teatro musical no Brasil pode ser mais bem compreendida através desta matéria
jornalística, de 2009:

Em 10 anos, foram encenadas só na capital paulista 12 adaptações da Broadway,


atraindo cerca de 2,5 milhões de espectadores. São montagens que empregam até
200 profissionais, entre atores e técnicos, e podem custar de R$ 2 milhões (como

72
Informações disponíveis em: <http://www.cultura.gov.br/artigos/-
/asset_publisher/WDHIazzLKg57/content/lei-rouanet-%E2%80%93-20-anos-depois-496670/10883>. Acesso
em: 13 nov. 2015.
169

“Chicago”, em 2004) a R$ 12 milhões (“Miss Saigon”, em 2008). Aliás, ano


passado, São Paulo chegou a ter oito musicais em cartaz. 73

Apesar do novo cenário teatral brasileiro, principalmente no eixo Rio-São Paulo


animar empresas, produtores e artistas, há uma onda contrária aos altos valores destinados
para os projetos contemplados pela Lei Rouanet. Durante uma sessão realizada no dia 24 de
setembro de 2015, na Câmara dos Deputados, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, afirmou
que a cultura é um instrumento para compor a identidade do povo brasileiro e que 80% do
investimento do Poder Público da área são destinados para projetos que são ligados a
empresas. O ministro mostrou-se receoso com relação aos rumos da Lei Rouanet: “A gente
fica em uma pobreza franciscana (referência ao baixo valor destinado para ações culturais fora
da Lei Rouanet), enquanto o dinheiro sai para financiar uma produção da Broadway”, disse
Juca Ferreira na ocasião74.

Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) aponta


que apenas 10% do valor global investido em patrocínios foram provenientes de recursos
próprios das empresas nos dez primeiros anos da Lei Rouanet, sendo que 90% do montante
eram dinheiro público.

A atriz Marieta Severo é um nome da lista de artista que já criticou a Lei Rouanet. A
atriz, que fez parte do elenco de Roda Viva, um dos musicais brasileiros mais conhecidos, em
entrevista para o Jornal O Globo, opina sobre a leva de musicais beneficiados por renúncia
fiscal:

Hoje, 90% dos patrocínios da Rouanet destinados ao teatro vão para musicais. Isso
não é correto. Não é saudável. Não sou contra o entretenimento. Mesmo. Mas tem
que haver uma forma de incentivar outras áreas, de pesquisa, criação. Se não, vamos
ficar nos caminhos já percorridos. Esses musicais usam uma fórmula estabelecida na
década de 1950.75

73
In: A força do teatro musical no Brasil apud.< http://musicaisbrasil.multiply.com/journal/item/199/199>.
74
SOUZA, Murilo. Ministro critica Lei Rouanet e destaca importância da cultura para o País. Agência Câmara
Notícias, 24 set. 2015. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/EDUCACAO-E-
CULTURA/496897-MINISTRO-CRITICA-LEI-ROUANET-E-DESTACA-IMPORTANCIA-DA-CULTURA-
PARA-O-PAIS.html>. Acesso em: 18 nov. 2015.
75
GHIVELDER, Debora. Marieta Severo diz que país vive um retrocesso que nunca imaginou. Site O
Globo, 19. mai. 15. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/marieta-severo-diz-que-pais-vive-um-
retrocesso-que-nunca-imaginou-16195083>. Acessado em: 19. nov. 15.
170

O produtor Cláudio Botelho, responsável por superproduções importadas


dependentes de incentivos fiscais, defende mudanças na lei:

Mudar a Lei Rouanet é importante, até porque o mercado se tornou dependente


químico dos incentivos culturais. Mas é preciso cuidado para que a mudança não se
torne uma pedra num caminho que custou muito para ser pavimentado76.
Já Saulo Vasconcelos garante que ter seu projeto aprovado na lei não significa que seu
projeto acontecerá:

Seu projeto foi aprovado na Lei Rouanet. Isso não quer dizer que você vá conseguir
uma captação. As empresas têm que estar disposta. Ah, esse dinheiro ia ter que ser
gasto em impostos mesmo, mas não sei por que muitas empresas preferem pagar
aquele dinheiro em forma de imposto do que dar em um projeto que pode não dar
em nada. Eu não posso fazer nada... só posso chegar lá e apresentar o melhor projeto
que eu tenho e esperar que as pessoas se interessem por ele.

Em meio a tantas adaptações de musicais estrangeiros, dois se destacam por fazerem


parte de um projeto cultural que traz duas superproduções gratuitas para o público: A
Madrinha Embriagada (2013), que foi assistido por mais de 150 mil pessoas, e O Homem de
La Mancha (2015), com público de cerca de 120 mil pessoas. Ambas têm releitura e direção
de Miguel Falabella.

A diferença entre esses espetáculos com os demais musicais importados é que não
foram montados com o incentivo da Lei Rouanet e sim com recursos próprios da Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); o edifício da entidade hospeda o Serviço
Social da Indústria de São Paulo (SESI-SP) que, por sua vez, é a entidade responsável pelo
Projeto Educacional SESI-SP para o teatro musical. Além das produções de musicais, o
programa prevê oficinas e cursos de formação para atores-cantores-dançarinos que querem
seguir carreira em musicais.

Mesmo diante do fato dos ingressos serem gratuitos, ainda há críticas relacionadas aos
valores altos da produção do musical A Madrinha Embriagada, segundo matéria jornalística
custou “R$ 12 dos R$ 14 milhões disponibilizados para o projeto”, enquanto que para os

76
VASCONCELOS, Paulo. Os donos da cultura. Observatório de Imprensa, 31 dez. 15. Disponível em:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/interesse-publico/_ed779_os_donos_da_cultura/>. Acesso em: 19 nov.
15.
171

cursos em teatro musical foram destinados R$ 1,2 milhão77. A publicação traz falas do diretor
da Fiesp, Carlos Cavalcanti, que alega que o projeto não foi realizado com a “captação de
incentivos à cultura fornecidos pelo governo; o valor gasto com a montagem seria para obter
os direitos de apresentação da peça por 11 meses, além dos custos da produção”.

O diretor teatral Roberto Lage, em entrevista concedida em 2015, diz que o projeto
que engloba musicais no Sesi é “bacana até a página 10”. De acordo com Lage, o Sesi possuía
desde os anos 1960 projetos de investimentos culturais, com a política de contratar diretores,
atores e montar espetáculos que tratassem de um resgate cultural brasileiro, até a instituição
decidir investir no teatro musical estilo Broadway, só que sem visar o lucro, apenas
produzindo o musical e não cobrando a entrada.

Lage acredita que a decisão da gratuidade da peça está envolta em intenções políticas
do presidente das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf, que, nas eleições de 2014, se
candidatou a prefeito de São Paulo, porém não foi eleito.

Quando o Sesi começa a produzir ou apoiar a produção (o termo correto é esse, a


produzir), pagar integralmente o custo de um espetáculo pra ser feito lá com os
musicais Broadway? Quando o Scaff começou a se interessar por uma dissensão
política. Então midiaticamente, ele abriu mão de um teatro de conteúdo mais
significativo do ponto de vista de reflexão do trabalhador sobre uma série de coisas,
para abrir espaço maior na mídia trazendo Falabella, maior mérito a ele como
encenador, como ator, como tudo que ele é, mas o objetivo dele era se consolidar na
mídia.

Quando o SESI começa a produzir ou apoiar a produção, a pagar integralmente o custo


do espetáculo para ser feito lá (no teatro Sesi) como musical Broadway? Quando Paulo Skaf
começou a se interessar por uma ascensão política. Midiaticamente, ele abriu mão de um
teatro de conteúdo mais significativo do ponto de vista de reflexão do trabalhador sobre uma
série de coisas, para abrir espaço maior na mídia, trazendo Falabella com maior mérito a ele
como encenador, ator, como tudo o que ele é. Mas o objetivo dele (Skaf) era se consolidar na
mídia.

77
NOGUEIRA, Amanda. Miguel Falabella estreia temporada gratuita de peça da Broadway. Época, 14 ago. 13.
Disponível em: <http://epoca.globo.com/regional/sp/cultura/noticia/2013 ago. miguel-falabella-estreia-
temporada-gratuita-de-bpeca-da-Broadwayb.html>. Acesso em: 19 nov. 15.
172

Lage apresenta uma opinião de que a notoriedade do teatro musical está tão bem mais
trabalhada na mídia que, a produção gratuita de um musical pode ser utilizada como forma de
ajudar na construção da imagem de um candidato a algum cargo político. Diante dos altos
valores dos musicais, oferecer uma grande produção gratuita é algo notório e que agrada não
somente quem nunca pode assistir a um musical pago como também a quem frequentemente
assiste, mas terá a chance de ir sem desembolsar valor algum.

Lage argumenta que o custo dos musicais realizados pelo Sesi teve certa economia
ao passo que as obras não tinham muito valor de mercado para revenda, o que
possibilitou que Miguel Falabella tivesse mais liberdade para “mexer” no texto.
Segundo ele, há espetáculos que “não têm mais valor de mercado para revenda,
então os americanos vendem com liberdade de recriação, quando baixa o valor de
revenda desse musical, ninguém mais quer comprar, aí eu te vendo e você pode
mexer porque já é lixo”.

Independente de especulações envolvendo as motivações das produções, fato é que


gratuito ou pago, em ambos os casos, há empresas que possuem seus nomes ligados aos
musicais. Há os casos das empresas que associam seus nomes a musicais através da Lei de
Incentivos Fiscais e também, como é o caso do Sesi, através da produção do espetáculo.

O crítico, historiador e professor de teatro, Sábato Magaldi, em conferência no ano de


1996, na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (USP), alertava sobre a
possibilidade de omissão do Estado em fomento à Cultura, delegando à iniciativa privada o
estímulo às ações culturais:

Diante do impasse criou-se a panaceia do recurso às leis de incentivo fiscal,


delegando à iniciativa privada o papel de estímulo à cultura, em troca de benefícios
de natureza fiscal. Considero essas leis muito úteis como coadjuvante no processo
de valorização artística, mas nada justifica, por causa delas, que o Estado se omita.
A continuidade da vida teatral não pode se subordinar ao arbítrio dos dirigentes de
empresas particulares, por mais esclarecidos que sejam. 78

Um dos tipos de ação de marketing que está sendo realizado por empresas no que
envolve teatro, é a mudança de nome dos empreendimentos. O Teatro Paramount ou Teatro
Brigadeiro, situado à Avenida Brigadeiro Luís Antônio, SP, passou a se chamar Teatro Abril
e agora tem o nome Renault, devido à parceria firmada com a empresa de automóveis e a de

78
MAGALDI, Sábato. Tendências contemporâneas do teatro brasileiro. Conferência do Mês do IEA-USP, no
auditório da Escola de Arte Dramática da USP, 09 abr. 96. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141996000300012>. Acesso em: 24 nov. 15.
173

entretenimento Time 4 Fun. O contrato foi assinado em setembro de 2012 e tem duração de
cinco anos e é renovável por mais cinco a cada ano.

Em entrevista concedida ao jornalista Amilton Pinheiro79, o diretor de comunicação da


Renault, Caíque Ferreira, disse que a devolutiva deste tipo de ação está ligada ao intuito de
aproximar a empresa dos brasileiros e acaba citando as montagens da Broadway em sua fala:

Ter a nossa marca associada a uma das casas de espetáculos mais tradicionais do
país, uma referência nacional em termos de cultura e principal palco da cidade de
São Paulo destinado às montagens da Broadway, sem dúvida, é uma oportunidade
que nos deixa muito honrados. (PINHEIRO, 2013, p. 38).

A matéria ainda cita que, no Brasil, ações de marketing “envolvendo ‘Direitos sobre
nome’ (Naming rights) no universo do entretenimento começou no início da década de 1990,
quando Adhemar Oliveira [...] associou as suas salas de cinema ao Banco Nacional”
(PINHEIRO, 2013, p. 38). Oliveira era diretor de programação de um complexo de cinema.
De lá para cá, muitos outros empreendimentos culturais passaram a receber nomes de marcas,
mas essa tendência foi alcançar o teatro de forma mais intensa na última década, sendo que a
maioria dessas marcas que intitulam essas casas é também patrocinadora de musicais.

Além do Teatro Renault, a cidade de São Paulo tem outros casos de naming rights,
como o Teatro Bradesco, Centro Cultural Banco do Brasil, Net São Paulo e Teatro Porto
Seguro.

4.1.2. Marketing cultural no teatro musical

À procura da persuasão, a linguagem publicitária busca intimidade com o público a


partir de um discurso empático através da linguagem poética e da linguagem apelativa. A
publicidade é uma das áreas da comunicação que, por sua vez, possui demais áreas, como o
marketing, as relações públicas e o jornalismo. Todas essas esferas estão presentes nos
processos que envolvem um musical, como a escolha de elenco e título da adaptação, recursos

79
PINHEIRO, Amilton. Direitos sobre o nome. Revista Negócios da Comunicação. Edição 69, ano X, 2013.
Disponível em: <http://pt.calameo.com/read/000059048749ebb34e7f8>. Acesso em: 23 nov. 15.
174

a serem utilizados na divulgação do espetáculo, assim como a forma que a obra será
divulgada pela mídia.

O marketing não deixa de ser um processo social devido à obtenção por parte do
indivíduo de algo que deseja ou necessita através da criação, oferta e troca de produtos. A
pretensão principal do marketing é que uma relação resulte em uma transação de venda, que
seja satisfatória para ambas as partes. Na obra Marketing & comunicação, funções, conceitos
e aplicações, organizada por Mitsuru Higuchi Yanaze (2005), o marketing é tratado como
área que depende da comunicação para existir:

Ainda hoje o termo marketing eventualmente é tomado como sinônimo de


comunicação. Algumas pessoas, quando dizem “fazer marketing”, estão querendo
expressar um conjunto de esforços de apresentação de um produto, proposta, serviço
ou ideia, geralmente relacionada à persuasão, à venda e à promoção. Essa confusão,
ou liberdade de linguagem, deve-se a um fato simples: a comunicação é uma
ferramenta do marketing, mas uma ferramenta necessária – sem ela o marketing não
pode existir – que compreende significativa parte das ações de marketing. Embora
não seja todo o marketing, a comunicação é boa parte dele (YANAZE, 2005, p. 07).

As ações de marketings geralmente são escolhidas após a identificação do público


alvo, que assim qualquer empresa pode ser promotora ou comunicadora junto aos seus
consumidores.

De acordo com Manoel Marcondes Machado Neto (2006, p. 07), no trabalho


Marketing para as artes: a evolução do conceito de marketing cultural e a importância desse
campo, o marketing cultural visa o “retorno de imagem à marca patrocinadora, seja de
produto, serviço ou institucional, em termos de good-will, ou seja, de simpatia e de aprovação
da opinião pública à adoção de tais práticas”.

A expressão marketing cultural ganhou força apenas nas últimas décadas para
classificar a ação de patrocínio de empresas brasileiras à produção artístico-cultural como
forma de promoção institucional. Ainda segundo Neto, o apoio, muitas vezes, é realizado pelo
interesse da entidade em “beneficiar-se do prestígio do artista ou daquela produção
específica” (NETO, 2006, p. 08).

Quando analisamos essa afirmação de Neto com relação ao benefício do prestígio dos
artistas, podemos melhor compreender o patrocínio em shows de cantores diversos; já com
relação ao benefício relacionado à produção específica podemos citar festivais renomados
como o Rock in Rio. Para uma empresa, estar atrelada a um festival tradicional e midiático é
175

ter mais garantias de que sua marca será vista e associada como uma entidade incentivadora
de um evento que proporciona que artistas nacionais e internacionais se apresentem em um
mesmo espaço.

A marca busca ser vista não somente pelos participantes do evento, mas por aqueles
que se informam sobre o festival, inclusive pelos fãs de todos os artistas que se farão
presentes. Até mesmo o nome das empresas acaba sendo utilizado para compor o nome do
evento, como nos casos de Heineken Concerts, TIM Festival e Vivo Rio.

Para Costa (2004, p. 11), existe um número cada vez maior de empresas
patrocinadoras de atividades culturais no Brasil e no mundo e, dentro desse cenário, “o
marketing cultural começa a figurar como importante ferramenta de marketing, muitas vezes
representando a principal estratégia de comunicação da empresa”. O patrocínio de atividades
culturais por empresas cujo produto ou serviço último não é um produto cultural “apresenta-se
como uma alternativa para atingir os objetivos de comunicação corporativa e construção de
marca, e é uma estratégia já utilizada com sucesso por muitas empresas, inclusive no Brasil”.

4.1.3. A mídia no contexto de patrocínio de musicais

A partir do momento em que uma empresa resolve patrocinar um musical, ela tem o
papel de analisar projetos e preterir um em meio a tantos. O que, de fato, faz com que um
projeto seja preterido ao outro? Investir em teatro não é o mesmo que investir em um negócio
que já possui retorno calculado e certo. Estimativas de público e arrecadação são realizadas,
mas o resultado de uma peça de teatro é imprevisível, ou seja, a decisão de patrocinar um
espetáculo envolve diversos outros fatores que, ao menos, indiquem para a empresa que ela
está atrelando a sua marca a um projeto que tem grandes chances de ser um sucesso.

As instituições, no intuito de fortalecerem suas marcas, buscam patrocinar espetáculos


que lhe darão prestígio, nenhuma empresa de grande porte e conhecida nacionalmente quer
seu nome envolvido com algum espetáculo em que o texto é fraco, os atores amadores, o
cenário capenga, com um diretor com histórico de abandonar as peças antes de terminar a
montagem.
176

Além da preocupação de ter seu nome ligado a um produto cultural de qualidade as


empresas desejam que sua marca seja vista e assimilada não só pelos espectadores de um
musical, por exemplo, mas por todos que, ao lerem uma matéria na mídia sobre a peça
percebam, no texto, o nome do patrocinador. Geralmente, as grandes empresas possuem
departamento de comunicação e/ou marketing responsáveis por ações de divulgação da
marca. Esses setores são os que possuem contato com os projetos culturais e que tomam
decisões como a de patrocinar ou não uma peça. Essa dinâmica é muito abrangente, podendo
uma empresa patrocinar desde peças populares a óperas e dramas; menos, iremos nos ater aos
musicais, tema deste trabalho.

Não dá para prever diversas situações com relação ao futuro de um musical, mas as
empresas se cercam de cuidados para que a marca possa, com determinado patrocínio, ter seu
nome propagado da maneira mais positiva possível. Os empresários querem, ao menos, ter a
sensação de estarem tomando a decisão certa e, para tanto, apostam em modelos que já
mostraram, em algum momento, que “deram certo”.

O ator, cantor e dançarino, Paulo Goulart (2015), que assinou a coreografia de Bixiga:
um Musical na Contra Mão (2010) e atuou em Chaplin – O Musical (2015) acredita que, “
independentemente de a produção ser de formato estrangeiro ou não, o que importa é se
possui qualidade”. Sobre o formato americanizado de musical ele diz:

Lógico que você não pode falar, não quero isso, eu gosto de um bom teatro, de
qualidade, evidente que eles têm uma formula de sucesso, e eles sabem que aquilo
funciona. Então por isso que vem igualzinho, eles não querem arriscar, o pessoal lá
de fora, os americanos, é uma formula, como no cinema, em Hollywood, eles sabem
como fazer isso. Quando esses produtores vão lá e compram esse espetáculo
fechado, eles querem prezar pela qualidade que eles têm lá fora e por isso é tudo
igualzinho aqui. Esse é um tipo de teatro, que é muito legal, bacana, funciona, mas
para mim, enquanto ator, é muito mais interessante você participar de um processo
criativo, onde você vai colaborando, dando seus pitacos, é muito mais instigante
para o ator.

Jô Santana (2015), apesar de defender um musical com temáticas brasileiras, acredita


na importância das obras importadas para consolidar o gênero no Brasil: “Foi a partir do
musical americano aqui no Brasil que abriu esse leque, né, para se falar de Elis e falar de
outros [...] Chegou uma hora que assim, o Brasil falou: “tenho que fazer agora pra falar da
minha história, falar da nossa brasilidade”.
177

Ainda segundo o produtor, o mercado está propício para receber diversos estilos de
espetáculos musicais: “[...] nós estamos com mercado incrível, e eu acho legal também ter o
americano (teatro musical), ter o nosso, tem que misturar tudo, acho que isso que é o barato”.

Caso o espetáculo a ser produzido não possua diversas características que geralmente
grandes sucessos têm, o projeto pode não emplacar, não adianta ser um musical da Broadway.
Exemplificamos com o caso citado em matéria jornalística que revela que o renomado
produtor de musicais Cláudio Botelho abandonou a ideia de trazer para o Brasil, no ano de
2015, o musical Sweeney Todd (1979), original de Stephen Sondheim. Para Botelho: “O que
vende bem hoje são comédias musicais que tenham um grande nome como atração. Eu não
me arriscaria a fazer um show diferente. Com certeza não faria um show triste neste
momento”.

Essa fala do produtor vem revelar que não adianta o espetáculo ter sido um grande
sucesso da Broadway e ter ganho diversos prêmios, como é o caso de Sweeney Todd, se no
momento atual a palavra “crise” assombra as relações econômicas brasileiras, desde uma ida
ao mercado a uma transação milionária da bolsa de valores. Para Botelho, o ano de 2015 não é
o momento para “um show triste”, além de que o que vende atualmente “são comédias
musicais que tenham um grande nome como atração”.

Esse “grande nome como atração” está atrelado a alguém ou algo presente na mídia
que possa, por si só, trazer público, independente do teor do espetáculo. Trataremos, em
primeiro momento, da suposição de que esse nome seja do próprio espetáculo. Um espetáculo
importado tem muito mais chance de ser apresentado no Brasil quando, em algum outro lugar
ele foi bem aceito, ganhou prêmios e encantou multidões, isso pode significar que a produção
possui elementos que chamaram atenção e/ou agradaram grande número de pessoas.

Um produtor que teve seu projeto aceito pela Lei Rouanet e a partir disso tem
autorização para captar recursos, terá de enfrentar uma concorrência, sua proposta terá que ser
mais atrativa que as demais. Uma produção já consagrada pode ser o fator decisivo na decisão
final de qual produção receberá o patrocínio e a marca se associará. Ao utilizarmos a
expressão consagrada, referimo-nos a uma produção que possui uma carga midiática que, de
alguma maneira, contribuirá na divulgação do musical. A ideia básica é que quanto mais
conhecida a produção, mais público terá; quanto mais público, mais a marca do patrocinador
será divulgada.
178

Segundo Ana Maria Balogh e Cristina Mungioli (2009), o remake pode ser visto como
uma solução em um momento de falta de criatividade dos autores ou mesmo uma saída
plausível em termos de garantia de audiência. A produção do remake “exige um updating, não
trata de apresentar o mesmo do mesmo, mas sim de atualizar e tornar mais palatável o produto
dentro do gosto da contemporaneidade” (BALOGH; MUNGIOLI, 2009, p. 343).

As autoras tratam sobre a questão de remakes de filmes e telenovelas, mas é


interessante perceber que a dinâmica muito se assemelha ao que tange às adaptações e
traduções de musicais, principalmente com relação à garantia de audiência. Acontece que há
muitos mais estudos analisando as refilmagens de produções cinematográficas e televisivas do
que propriamente as remontagens, adaptações, reproduções, traduções e releituras de peças
teatrais, principalmente dos musicais atuais brasileiros, que ainda estão em constante
desenvolvimento.

Ao estudar a memória teatral é possível identificar que as peças ajudam na


compreensão do lugar da mídia na construção da memória coletiva e no estudo da construção
de identidades coletivas. As sociedades modernas vivenciam, cada vez mais, certa
“descentralização”, em que a diferença, cada vez mais, ocupa espaço. Stuart Hall (2006, p.
17) acredita que as sociedades modernas “são atravessadas por diferentes divisões e
antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes ‘posições do sujeito’ – isto
é, identidades – para os indivíduos”.

Nessa linha de pensamento, nos deparamos com uma sociedade pós-moderna, também
conhecida como modernidade líquida, apresenta um indivíduo fragmentado. Nessa sociedade
líquida, segundo Stuart Hall (2006, p. 48), encontra-se a identidade nacional que “não são
coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da
representação. A nação é [...] um sistema de representação cultural”.

Maurice Halbwachs (2006, p. 100) propõe em sua obra A memória Coletiva, uma
distinção entre história e memória coletiva. Para ele, a existência da memória estaria
condicionada à sensação de que ela faz parte de lembranças de um momento que não foi
interrompido, que continua contínuo, como uma ponte que liga o passado ao presente. Porém,
somente a memória coletiva poderia fazer essa “ponte” realmente existir, justamente por não
tomar “do passado senão o que ainda está vivo ou é incapaz de viver na consciência do grupo
que o mantém” (HALBWACHS, 2006, p. 102). Ou seja, na memória, o presente e o passado
179

não estão desconectados como dois períodos históricos diferentes, eles possuem uma
continuidade.

Quando uma história já foi vista em um filme e é anunciado que ela será contada
através de um musical, não necessariamente o indivíduo irá pensar: “Não vou ao teatro, já
assisti”. Obviamente que haverá pessoas que pensarão dessa maneira, mas grande parte pode
fazer memória das experiências que teve ao assistir a mesma história proposta pelo
espetáculo, só que contada através das técnicas cinematográficas. Se as lembranças evocadas
forem positivas, podem estimular o indivíduo a assistir a mesma história em busca de reavivar
e/ou de criar novas experiências. O fato de despertar novas experiências mostra que não é o
mesmo produto, até porque o indivíduo não é o mesmo.

Muitas pessoas podem preterir assistir a um musical importado por estímulos


relacionados às experiências anteriores com a história a ser contada ou ao menos por ter tido
raso conhecimento dela, do que arriscar ir ao teatro para prestigiar uma história que ela não
sabe se a agradará.

A obra Marketing Estratégico e competividade empresarial, de Luiz Cláudio Zanone


(2007), traz conceitos envolvendo motivações para um indivíduo optar por um produto:

Uma pessoa estará mais disposta a selecionar um produto ou serviço se puder


recordar-se de experiências positivas com esse produto ou serviço [...]. Aprendendo
com a própria experiência e/ ou com o relato de outros e recordando as experiências
e relatos, o cliente vai formando padrões de conduta ao procurar produtos e serviços
(ZANONE, 2007, p. 108).

Como estamos tratando o teatro musical como um produto comercial e não somente
cultural, ele se aplica a essas questões apontadas por Zanone, que preserva que “recriar fatos
pela memória também ajuda na pré-seleção de um produto ou serviço”, e que as empresas
podem estimular o cliente para “que eles associem boas recordações aos seus produtos”
(ZANONE, 2007, p. 108). Uma marca patrocinadora não busca atrelar seu nome à
recordações ruins do público de um musical, para tanto, ela acaba interferindo no processo de
desenvolvimento da produção, mesmo não possuindo um olhar artístico a empresa reivindica
tomadas de decisões com base em sua experiência comercial.

Uma dessas decisões pode ser apostada em um espetáculo que já foi “testado” e que,
aparentemente, trouxe “boas experiências” ao consumidor. Isso pode ser analisado pela
180

empresa através do espaço que a produção original teve na mídia, as críticas, os números de
ingressos vendidos, o lucro obtido pela produtora, a propagação da marca patrocinadora.

Nota-se que a maioria dessas informações está interligada com a divulgação


promovida pela mídia, o que revela que é praticamente impossível um produto altamente
comercial esconder sua fraca produção e ter impressões negativas do público camufladas ou
escondidas; ainda mais com o crescimento das mídias sociais que possibilitam que cada
indivíduo publique suas opiniões de um espetáculo e que podem ser visualizadas por pessoas
que fazem parte de sua rede midiática.

De acordo com Kotler (2000, p. 202), o consumidor percebe o produto a ser adquirido
como um “conjunto de atributos com capacidades variadas de entrega de benefícios para
satisfazer a necessidade”. Se falarmos de um voo, podemos considerar um “atributo” como o
conforto das poltronas, o bom atendimento das aeromoças, um preço de voo atrativo,
pontualidade, o não extravio de malas, além de uma refeição de qualidade. Quando o atributo
é vinculado a um espetáculo, o espectador pode considerar atributos à fácil localização do
teatro, ingressos promocionais, um diretor de renome ou mesmo a presença de uma
celebridade no elenco. O que é atributo ou não varia de pessoa para pessoa, mas a grande
maioria dos indivíduos, como já foi citado, possui curiosidade acerca da vida dos famosos.

Para os patrocinadores, trazer um ator famoso para a produção pode garantir mais
público, notoriedade midiática que envolve esse artista se torna “um elemento a mais” em um
projeto que precisa de patrocinador. Apesar das leis de incentivo, muitos profissionais do
meio artístico receiam que a crise atrapalhe o investimento em musicais, como é o caso do
ator Paulo Goulart Filho (2015), que ao participar do espetáculo Chaplin - O Musical (2015),
percebeu que a crise econômica pode afetar qualquer musical, independentemente de ter boa
qualidade ou não:

[...] sem patrocínio você não faz nada, fica inviável. São espetáculos caros e só
bilheteria não paga. Por exemplo, o Chaplin, foi um sucesso, lotado todo dia e
tivemos que parar porque não dava para pagar tudo, só ali tinha mais de 60 pessoas
envolvidas, contando com elenco, músicos, técnico, produção, é muita gente, teatro,
mídia, é um absurdo, cada anuncio, é uma coisa absurda e essa política cultural
também ajudou a inflacionar esse mercado todo, os teatros hoje estão caríssimos.
Então fica inviável, você começa a montar peça de um ator, dois atores, três atores,
para poder fazer, porque quando você entra num esquema deste de musical, elenco
20 atores, 15 músicos, o que se gasta de figurino, de cenário, é uma cacetada, é
muita grana.
181

De acordo com o ator, diretor e produtor teatral, Jô Santana, muitas espetáculos só são
possíveis por que há as leis de incentivos fiscais, mas que se o produtor não possui um bom
projeto fica muito difícil conseguir um patrocinador.

Olha, não tem uma política cultural muito forte no Brasil mas têm as leis que ajudam
muito; ajuda, por exemplo, se você tem um bom projeto, você põe na lei, você põe
debaixo do braço pra correr atrás do patrocínio; é você com você mesmo, entendeu?
Tudo é muito doído, não é fácil, o mercado artístico não é brinquedo e, às vezes, o
pequeno produtor não consegue ali uma lei porque ele não tem um nome, porque a
coisa não foi aprovada, porque não é só ser aprovado, é bater na porta do cara: “olha,
compra o meu projeto”; é você por você mesmo [...].

Ainda segundo o produtor, falta uma maior divulgação da Lei Rouanet para as
empresas, pois muitas ficam receosas em se utilizar da renúncia de incentivos fiscais para
apoiar espetáculos.

CAPITULO V - A NOTORIEDADE MIDIÁTICA DO ATOR DE


MUSICAL

5.1. O Ator Midiatizado

Apesar da presença de um conjunto de imagens em um musical, ele não é composto


apenas por isso; de acordo com Debord (1997, p. 17), o espetáculo é “uma relação social entre
pessoas, midiatizadas por imagens”. A partir desta concepção, adentramos na questão de que
há uma conexão entre os atores de um musical com seu público, principalmente com os atores
que tiveram sua imagem midiatizada.

O prévio conhecimento de fatos da vida profissional e até pessoal de uma celebridade


faz com que a conexão do público com a mesma seja diferente da de um ator que não possui
visibilidade midiática. Pode ocorrer que toda a informação já recebida do artista seja
“evocada” pela memória, proporcionando sentimentos, impressões, expectativas e
julgamentos com base no que o espectador já “viveu” com a celebridade.

Quando o ator é desconhecido do público, o indivíduo pode ter uma conexão diferente
com ele por não possuir conhecimento prévio de questões relacionadas ao profissional, mas
nada impede que uma ligação passe a ser construída a partir do primeiro contato. Há diversos
182

casos de pessoas que, ao conhecerem o trabalho de um artista, passam a acompanhar a


carreira dele. É justamente assim que “nasce” uma celebridade, a partir do interesse do
público em acompanhar fatos e trabalhos de determinados artistas.

Para entendermos melhor a ligação do espectador com celebridades em musicais, cito


casos relatados na matéria Conheça artistas que encaram o desafio de substituir estrelas de
musicais, escrita por Luna D’Alama e publicada pelo site Uol, no dia 20 de abril de 2015. A
publicação conta a trajetória de atores que substituem os papéis principais de famosos, como a
da mineira Josi Lopes, de 27 anos que é a responsável por substituir Karin Hils no papel de
Deloris Van Cartier, no espetáculo Mudança de Hábito (2015). Karin Hils é conhecida por ter
feito parte da Banda Rouge e por ter participado do seriado, escrito por Miguel Falabella,
Sexo e as Negas80, exibido na Rede Globo, entre 16 de setembro e 16 de dezembro de 2014.
O seriado havia tido uma repercussão polêmica devido ao seu título e por trazer cenas de
sexo ousadas. A atriz se destacou na trama e logo foi chamada para interpretar o papel de
Deloris Van Cartier, uma cantora que, após presenciar um assassinato, se passa por uma freira
para se esconder do assassino que é ninguém menos que o seu amante. A personagem foi
eternizada ao ser interpretada pela atriz Whoopi Goldberg no filme Mudança de Hábito
(1992).

De acordo, ainda, com a matéria de D’Alama (2015), quando Karin Hils ficou gripada,
não pôde participar da peça em meados de abril deste ano e ficou a cargo de Josi Lopes dar
vida à falsa freira. O fato foi avisado por áudio ao público, antes do início da peça. Josi Lopes
relata que os espectadores mostraram certa decepção com um sonoro “Aaaaaaaaaaah”. Ela
confessa que apesar da surpresa pela reação do público, entende o ocorrido, afinal, ela já
esteve na plateia quando foi assistir a um musical e a atriz principal teve de ser substituída.

Caso parecido ocorreu com o ator substituto de Tiago Abravanel em Tim Maia (2012),
Danilo de Moura. O ator conta que passou por situações constrangedoras: “A galera
reclamava muito [da ausência de Abravanel, falava alto: ‘Paguei a maior grana’, não para me

80
Seriado da Rede Globo. Informações e vídeos disponível em: <http://globotv.globo.com/rede-globo/sexo-e-as-
negas/>. Acesso em: 14 nov. 2015.
183

atingir, claro. Uma vez minha sogra quase discutiu com um cara da plateia que disse: ‘Quem é
esse bosta aí?’”81.

Não é somente a visibilidade proporcionada pela TV que projeta a imagem do ator a


ponto de ele passar a ser conhecido pela grande mídia. O próprio Tiago Abravanel foi se
tornar conhecido do grande público e receber convites para papéis na televisão após o sucesso
que obteve interpretando no palco o papel de Tim Maia.

5.1.1. Culto às celebridades

Para melhor compreender a participação das celebridades nos musicais como


estratégia para atrair mais espectadores, se faz necessário perceber o culto existente envolta da
vida dos famosos e como essa realidade norteia o desenvolvimento do teatro musical
brasileiro quando visto à luz da mídia, afinal a figura de um artista conhecido pelo público é
repleta de notoriedade por parte da mídia.

No texto Isso não é um filme, de Micael Herschmann e Carlos Alberto Messeder


Pereira (2005), presente no livro Mídia Memória e Celebridade: Estratégias narrativas em
contexto de alta visibilidade, o culto às celebridades não necessariamente ocorre por
realizações extraordinárias por parte dos cultuados. O Brasil, atualmente, apresenta um culto à
fama com proporção nunca antes vista; se antes o culto era destinado somente às celebridades,
hoje em dia há culto para as chamadas subcelebridades82, que são famosos e famosas que
possuem talentos, digamos, “duvidosos” ou mesmo que ficaram conhecidos do grande
público não necessariamente por um trabalho desenvolvido, mas por escândalos acidentais ou
até mesmo provocados.

Muito do culto vem da necessidade do ser humano de identificação com outras


pessoas, de acordo com seus próprios anseios. Nós possuímos diversas identidades, muitas
contraditórias; buscamos identificações que são mutáveis, sendo que a identidade “deixou de

81
Entrevista concedida para a jornalista Luna D’Alama. Disponível em:
<http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2015 abr. 20/em-caso-de-gripe-ou-novela-artistas-
substituem-protagonistas-em-musicais.htm>. Acesso em: 22 nov. 2015.
82
Subcelebridade é um neologismo frequentemente utilizado pelos meios de comunicações para designar
pessoas que tentam de tudo para aparecer na mídia e terem seus momentos de fama.
184

ser um território bem demarcado e passou a delinear um espaço social transitório”, e também
ainda nesse cenário, a identidade e a memória “vêm se evidenciando como construções
sociais – produzidas na interação com o outro, a partir de convenções, no jogo social” Neste
contexto, é próprio da sociedade contemporânea conter diversas “visões de mundo” e “estilo
de vida” (HERSCHMANN; PEREIRA, 2005, p. 52).

Para Ernest Fischer (1987, p. 51), na obra A necessidade da arte, “[...] o artista
continua sendo o porta voz da sociedade”; atualmente esse papel ainda é o mesmo, as
temáticas mudaram, os contextos sociais, mas o artista ainda possui uma função social de
relatar através de sua obra a realidade social de seu tempo. Fisher diz que a tarefa do ator “é
expor ao seu público a significação profunda dos acontecimentos, fazendo-o compreender
claramente a necessidade e as relações essenciais entre o homem e a natureza e entre o
homem e a sociedade” (1987, p. 51-52).

Diante de tantos fragmentos e caminhos aos quais passeiam e se formam nossas


identidades, buscamos certa coerência, pontos de apoio. Segundo Herschmann e Pereira
(2005), as identidades e o sentido de nossas vidas ganham coerência “através das narrativas
biográficas”. Ter notícia do que acontece ou aconteceu na vida de outra pessoa, seus
pensamentos, sentimentos, escolhas e consequências de seus atos, possibilitam uma
comparação com nossas próprias vidas, ajuda na compreensão do que queremos ser ou o que
não queremos ser, de que maneira podemos agir ou como não agir. Há, por exemplo, pessoas
que acompanham notícias de determinado artista que não admiram somente para saber onde
as suas “condutas reprováveis” o levará.

A biografia exerce certo fascínio nas pessoas, não somente pelo fato de expor
acontecimentos da vida de alguém conhecido da grande mídia, mas até mesmo de
desconhecidos, o que ajuda a explicar a onda de reality shows, a vida de não famosos sendo
revelada e gerando identificações ou percepções de diferenças diversas para quem assiste aos
programas. Há apelo midiático na biografia, a mídia encontra espaço entre sua programação
para divulgar fatos biográficos.

Herschmann e Pereira (2005) defendem que a ligação que temos com a biografia está
relacionada a ideias de projetos pessoais, tão presente nas sociedades modernas:

O sentido da vida e as identidades parecem, em grande medida, ganhar coerência


num mundo fragmentado e plural, através das narrativas biográficas. Ali se
articulam memória e “projeto”, garantindo-se sentido a esse indivíduo fragmentado
185

e múltiplo. A ideia de memória indica uma visão retrospectiva e a de projeto, uma


visão prospectiva. As biografias quase sempre narram o passado e sugerem projetos,
sejam concluídos ou inacabados (HERSCHMANN e PEREIRA, 2005, p. 52).

Com a memória representando uma dimensão do passado e o projeto uma visão do


futuro, a celebridade que já é conhecida traz a sensação de familiaridade e com os exemplos
de sua vida inspiram projetos, ou seja, passado e futuro intercalados no presente do fã ou das
pessoas que, no mínimo, tem acesso superficial à sua biografia. De acordo com Edgard Morin
(1997) em seu texto Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo, as celebridades
podem ser comparadas aos Olimpianos83, tornando-se referências em diversos segmentos e
sendo adorados e/ou admirados. Morin ainda afirma que eles são imitáveis.

Os novos olimpianos são, simultaneamente, magnetizados no imaginário e no real,


simultaneamente, ideais inimitáveis e modelos imitáveis; sua dupla natureza é
análoga à dupla natureza teóloga do herói-deus da religião cristã: olimpianas e
olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam, humanos na existência
privada que eles levam. A imprensa de massa, ao mesmo tempo investe os
olimpianos no papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas a fim de extrair
delas a substância humana que permite a identificação (MORIN, 1977, p. 107).

No artigo Como nasce um ídolo: o mito e suas narrativas, de Daniele Bomfim (2015,
p. 67), publicado na revista Opinião Filosófica, os mitos são classificados como “realidades
psicológicas que vivem em nosso inconsciente coletivo e precisam ser transmitidos para que
permaneçam vivos”. Hoje em dia os mitos têm a possibilidade de estamparem capas de
revista, terem suas vozes e imagens reproduzidas através de diversos meios de comunicação,
tornando-se conhecidos de maneira rápida. Mas nem sempre foi assim, as tribos antigas
utilizavam a oralidade para contar feitos reais ou imaginários de pessoas e deuses. Geralmente
eram anciãos que narravam essas histórias que apresentavam heróis com valores e
características como coragem, renúncia, beleza, força, inteligência, brandura, etc.

Os mitos remontam à época em que ainda não havia registro escrito na Grécia e, por
essa razão, eram difundidos por meio da palavra falada. O vocabulário grego mýthos, do qual
se origina o termo português “mito”, compartilha o mesmo radical do verbo grego mýtheomai,
cujo significado é “dizer”. Assim, mito significa, em sua acepção mais primitiva, “palavra
falada”, “o que foi dito”. Os grandes representantes desse tipo de narrativa, os poetas Homero

83
Pertencente ou relativo ao Olimpo. Habitante do Olimpo. Dicionário Michaelis. Disponível em: <
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=olimpiano>.
Acesso em: 04 jan. 2016.
186

e Hesíodo, viveram no período em que a escrita foi redescoberta pela cultura grega e permitiu,
assim, o registro das antigas narrativas. As principais obras desses autores – “Ilíada” e
“Odisseia”, no caso de Homero, e “Teogonia” e “Os Trabalhos e os Dias”, no caso de
Hesíodo – fornecem-nos o mais remoto testemunho da antiga cultura helênica (BOMFIM,
2015, p. 66).

Se os olimpianos eram inacessíveis e viviam apenas no imaginário da maioria das


pessoas que escutaram seus feitos e qualidades, os “novos olimpianos” não possuem tantos
segredos assim, muitos são revelados pelas fotos dos paparazzi, fotógrafos que ganham a vida
seguindo celebridades. Com o desenvolvimento das relações sociais, as histórias contadas
pelos anciãos passaram a ser propagadas de outras maneiras, entre elas através dos meios de
comunicação. Hoje os mitos não precisam mais somente ser imaginados, podem ser vistos em
filmes, novelas, histórias em quadrinhos e até na internet.

Não foram poucos os casos de traições de famosos que foram descobertos pelos
fotógrafos e foram amplamente divulgados pela mídia, assim como muitos fãs ficaram
sabendo de novos romances, antes mesmo dos familiares dos envolvidos. Para muitas
celebridades não é uma questão de opção ter sua vida exposta ou não. Inerente ao seu querer,
sua imagem e suas ações serão divulgadas como se a mídia tivesse “vida própria”, não
precisando da aprovação de ninguém para divulgar suas imagens e falas, inclusive indo contra
as leis; não são raros os processos de celebridades que se sentiram prejudicadas com as
publicações da mídia.

Os estudos do sociólogo brasileiro Muniz Sodré (2002), presente no texto


Antropológica do espelho, apresenta a crença de um quarto bios, que seria a nova mídia, uma
vida ligada à virtualidade. Ele diz: “Nossa ideia de um quarto bios ou uma nova forma de vida
não é meramente acadêmica, uma vez que já se acha inscrita no imaginário contemporâneo
sob forma de ficções escritas e cinematográficas” (SODRÉ, 2002, p. 26).

O sociólogo cita como exemplo o filme norte-americano O show de Truman: o show


da vida (1998)84, no qual o personagem principal passa seus dias em uma comunidade fictícia,
composta de atores e cenários. O único que pensa que tudo é real é o próprio Truman,

84
O trailer original do filme está disponível em: <http://origin.paramount.com/movies/truman-show>.
Acesso em: [INSERIR DATA]
187

interpretado pelo ator Jim Carrey. Ações simples como acordar, comprar um jornal e sentar-se
à mesa de trabalho eram assistidas em tempo real por milhões de pessoas do mundo todo.
Mesmo Truman tendo uma vida considerada pacata, sem grandes eventos, o programa com
sua vida movimentava muito dinheiro, vindo de propagandas que eram inseridas nas cenas
corriqueiras do reality show.

Imagem 29: Cena em que Truman (Jim Carrey) se mostra desconfiado dos acontecimentos de
sua vida, que é transmitida ao vivo para todo o mundo.

Fonte da Foto: Paramount.85

Ainda sobre o filme O show de Truman: o show da vida, Sodré acredita que: “A
cidade imaginária de Truman é, de fato, uma metáfora do quarto bios, um arremedo da forma
social midiática” (SODRÉ, 2002, p. 26). E é justamente essa “forma social midiática” que faz
a intermediação entre a ligação do ator e seus personagens para “próximo” da vida daqueles
que não são celebridades midiáticas.

O ator pode interpretar diversos personagens ao longo de sua vida; por determinado
período o seu rosto e o seu corpo “dá vida” a “uma pessoa” que pode ser virtuosa e corajosa;
em outro trabalho o papel pode exigir que o ator demonstre agressividade, maldade. Um

85
Disponível em: <O Mundo Em Cenas: O Show de Truman - O Show da Vida (Truman Show, The, 1998)>.
188

mesmo rosto está associado a personagens com personalidades diferentes. Quando uma
pessoa se identifica com a forma de atuar de um ator ela passa a se basear não mais nas
características dos personagens, caso contrário, em um mês, ela amaria e no outro odiaria,
dependendo do personagem que o ator representasse.

Com a diversidade de papéis e características oferecidas pelas atuações do ator, o


indivíduo busca identificação com os ideais, qualidades e até defeitos da pessoa do ator e não
mais de seus personagens. Isso só ocorre quando um fã consegue desvincular o ator de seu
personagem, passando a vê-lo distintamente. Pode parecer algo óbvio, mas há alguns casos
que demonstram que um personagem pode gerar tantas emoções que a pessoa passa a ligar as
cenas interpretadas com realidades vividas, de fato, pelo ator.

Exemplificamos essa questão expondo o caso ocorrido com o ator Jackson Antunes,
na época em que interpretava o personagem Leonardo que agredia a mulher na novela A
Favorita (2008), escrita por João Emanuel Carneiro. Ele estava em uma banca de jornal, na
cidade do Rio de Janeiro, com o filho, então com nove anos, quando um homem questionou o
exemplo que ele dava a seu filho com seu personagem e, enfurecido, o empurrou. Jackson
Antunes que, com 13 anos teve trombose e chegou até a usar muletas, se recuperava de um
sangramento venoso e foi parar no hospital para tratar de uma nova trombose, iniciada após a
agressão86.

Caso parecido ocorreu com a atriz Regiane Alves que em diversas entrevistas
comentou que era abordada constantemente na rua para levar “bronca” das pessoas pelo
comportamento demonstrado pela sua personagem Dóris, na novela Mulheres Apaixonadas
(2003), de autoria do dramaturgo Manoel Carlos.

No texto de Claiton César Czizewski (2012), Comunicação e educação: a violência na


telenovela “Mulheres Apaixonadas”, ele analisa o comportamento violento de Dóris com os
avós. As cenas chamaram a atenção do telespectador para a questão da violência contra os
idosos, tão pouco comentada na época. A associação das pessoas entre personagem e ator é
intensificada pela utilização de temáticas atuais na sociedade e que, muitas vezes, trazem um

86
CORRÊA, Helena. Na própria pele. Revista Quem, 29 jul. 2008. Disponível em:
<http://revistaquem.globo.com/Revista/Quem/0,,EMI9186-8192,00.html>. Acesso em: 09 dez. 2015.
189

apelo emocional. Czizewski (2012, p. 170) diz que informações acerca do Estatuto do Idoso
foram inseridas no contexto da novela, e que esse fato pode ser “uma forma de reforçar a ideia
de realidade, contemporaneidade e vínculo com o real, características da obra do dramaturgo
Manoel Carlos como um todo”.

Os casos de Jackson Antunes e Regiane Alves revelam as dificuldades que


telespectadores e espectadores podem ter de separar as ações do ator das de seu personagem,
justamente pelos feitos dos personagens serem pautados na realidade, mesmo sendo frutos da
imaginação de dramaturgos.

Daniel Furtado Simões da Silva (2013, p. 150) no trabalho O ator e o personagem:


variações e limites no teatro contemporâneo traz a ideia de que “o foco da obra teatral, e
consequentemente do trabalho do ator, se desloca do eixo personagem/enredo para o eixo
presença/evento”. Essa análise nos leva a compreender que existe, no teatro, a relação do
espectador com o ator, que pode suplantar a relação entre espectador e personagem. Silva
ainda completa:

Nesse deslocamento, a relação direta entre o ator e aqueles que acorreram para
assisti-lo frequentemente passa ao primeiro plano da estruturação do espetáculo; não
só a concretização do evento exige a inclusão do espectador como o espaço cênico
passa a ser pensado e estruturado em função dessa relação, focando o
compartilhamento de uma experiência ou a possibilidade de contato (inclusive
físico) e/ou convívio (SILVA, 2013, p. 150 e 151).

O ator da atualidade tem mais acesso às repercussões que suas atitudes geram entre
seus fãs, mais do que nunca, agora, com as mídias sociais, que possibilitam uma conexão
maior entre o artista e as pessoas que o admiram. Discussões em público, mesmo quando o
artista imagina que não está sendo observado, geram notícias em diversos meios de
comunicação. Algumas notícias veiculadas podem repercutir negativamente para o ídolo e,
em pouco tempo, de adorado pela maioria ela passa a ser odiado, para depois de uma notícia
positiva, voltar a ser amado. É comum, atualmente, ouvir falar que um artista contratou um
gerenciador de crise87. Afinal, a imagem que o público tem do artista pode influenciar no

87
Gerenciador de crise é um profissional que busca, através de diversas ações, minimizar ou, caso possível,
eliminar os impactos causados por adversidades vividas principalmente por empresas e pessoas públicas, para
que os contratantes tenham o menor prejuízo reputacional e financeiro possível.
190

resultado final da escalação de uma peça ou algum outro trabalho artístico e até mesmo na
escolha do artista que estrelará a campanha de uma marca.

Não é somente o fã que passa a perceber a celebridade mais acessível, o famoso


também concebe que as pessoas estão mais acessíveis a ele, não é mais aquele fã distante,
adorador e não atuante. Pelo contrário, o que Sodré (2002) denominou como quarto bios é a
razão que aproximou as vivências e trocas de impressões entre os artistas e o público. Foram
essas novas “convivências” que, segundo Silva (2013, p. 158), fez com que o ator se
reinventasse e passasse a atuar levando em conta a participação do espectador. Para Silva, o
ator está:

Incorporando a participação do espectador e reagindo a sua presença, transformando


a própria vida em objeto para a cena, assumindo riscos, se expondo, transitando da
construção de um personagem ficcional para a tentativa de “não-representar nada” e
simplesmente agir no palco, o ator se viu obrigado a se reinventar, a encarar com
naturalidade a multifacetação e a hibridização da cena. Vendo ampliar-se e
multiplicar-se o espectro das atribuições que fazem parte do seu ofício, o ator
constantemente oscila da representação à não-representação e torna-se ele mesmo
objeto do jogo teatral.

Aproveitando essa tendência de aproximação das celebridades do público e da


necessidade arquetípica que o indivíduo possui de se projetar em mitos, a indústria cultural
transforma todo esse processo em mercadoria. Geralmente as ações de marketing das marcas
procuram associar a celebridade ao produto, levando em conta seu físico, estilo de vestir,
personalidade, hobbies, entre outros. Nunca vi, por exemplo, propaganda de alguma clínica de
estética com fotos ou vídeos de uma artista que não fosse magra ou que tivesse um corpo bem
definido, geralmente admirado e invejado pela maioria das mulheres.

Nem sempre no Brasil e em outros países, o ator possuía a glória que possui hoje, ser
ator podia significar não possuir um cargo aceitável e admirável socialmente. No palco ele era
aplaudido, entretanto na vida, era desmerecido. As mulheres que eram atrizes não eram
consideradas como mulheres “direitas para casar”. Foram necessários muitos anos para que
esse quadro fosse modificado.

Diversos artigos foram publicados no ano de 1918, na Revista de Theatro & Sport, que
tratavam do papel do artista. Em um desses artigos, intitulado Os Artistas e que fazia parte da
coluna Causas da decadência do teatro nacional, o autor Marques Pinheiro diz:

O teatro, entre nós, não é coisa honesta, não é um trabalho onde a virtude possa
procurar o pão de cada dia, muito ao contrário; para as artistas, é muito mais fácil
191

ganhar farto dinheiro entregando o corpo ao pecado, do que conseguir sem as


delícias do vício. O teatro para a maioria das nossas atrizes não é meio de vida. O
dinheiro que elas gastam e esperdiçam não provem da arte que exibem no palco; o
dinheiro vem da prostituição88.

Na mesma revista, porém, no mês de janeiro de 1918, o artigo Diálogo intempestivo:


as actrizes, escrito em forma de diálogo entre duas pessoas não nomeadas, classifica as atrizes
como mulheres sem virtudes:

– Então, o que é uma atriz?


– Uma mulher artificial, que, às vezes, se veste muito bem, ainda que ocasiões haja
em que a sua “toilette” não é mais que uma deliciosa imitação do nu. [...]
– Mas uma atriz nunca se converte em mulher?
– Em dois casos: quando o empresário não lhe paga ou quando a modista não lhe
manda o vestido com a oportunidade desejada. [...]
– E as [atrizes] de talento?
– O talento não importa... Há atrizes que têm todo talento do mundo na redondez dos
braços, no ebúrneo das gargantas, nas curvas, geralmente... ou nas malhas do
talento. [...]
– Elas, que tanto seduzem, são fáceis de sedução?
– Em extremo. Para consegui-lo se faz mister empregar a tempo certas frases
conhecidas com o nome de promessas. Por exemplo: “Ofereço-lhe um colar de
pérolas”; “Fará na minha peça o papel de protagonista”; “Terá em tal garage um
auto à disposição”, etc... [...]
– E da fidelidade das atrizes?
– São fiéis ao amor, não a um amor. Quase sempre se enamoram do homem que não
as quer. Uma atriz, afinal, deve ser caprichosa, não estar a gosto em nenhum teatro,
representar os seus papéis o pior possível, não se preocupar senão com as modistas,
os chapéus e os calçados da moda e os “flirts” à saída do teatro, porque uma
aventura sempre diz bem e é do tom. [...]
E são simpáticas as atrizes?
– São adoravelmente perniciosas.
– São assim todas?
– Não. Há exceções viciosas. Quero dizer que há virtudes. A religião fez da
serpente, que é astuta, o símbolo da mulher. A artista é uma serpente...89

Ambas as publicações mostram o preconceito escancarado que as artistas,


principalmente as atrizes, sofriam. Como é o cenário atual com relação ao ator? Poucas
profissões são mais reconhecidas financeiramente, até mesmo por questões de status do que a

88
Revista de Theatro & Sport, n. 172, s/p, 09 fev. 1918.
89
Revista de Theatro & Sport, s/p, 01 jan. 1918. Sem indicação de número, capa rasgada.
192

de ator. A mídia, ao estampar o rosto de uma atriz, evidência sua importância social, o fato de
ela ser reconhecida pelo grande público, revelando sua vida de glamour, sucesso e
reconhecimento. A indústria cultural promoveu a propagação de produções que saíram do
bairro, foi lançada no âmbito nacional e mundial, como acontece com os filmes
cinematográficos. E, consequentemente, os atores dessas produções ganharam notoriedade
midiática e, consequentemente, legiões de fãs no mundo todo.

Se outrora as atrizes eram comparadas com mulheres de valores morais duvidosos,


atualmente possuem muito mais admiradores de seus trabalhos do que críticos, mas ainda há
toda uma preocupação entre as famosas de não se colocarem em situações escandalosas, isso
as leva a negar romances e a ter cuidado com seus comportamentos em público. Ainda há por
parte de uma considerável parcela da sociedade uma visão de que as relações amorosas dos
artistas são efêmeras, mediante aos casos de casamentos e namoros desfeitos com certa
regularidade. Tanto que, quando há casais de artistas que estão juntos há alguns anos em uma
relação considerada estável, são vistos com admiração e acabam sendo preteridos para
participar de propagandas nas quais a marca quer passar a mensagem de confiabilidade,
comprometimento e durabilidade.

Em uma propaganda de margarina, por exemplo, que tem a proposta de passar uma
mensagem de que o produto é o ideal em um café da manhã familiar, antes de cada membro
sair de casa, dificilmente a marca irá convidar, para estrelar o comercial, um casal de famosos
que vivem brigando em público e que já se separaram e reataram diversas vezes. Apesar de
estarmos em uma época em que ser famoso consiste em ter determinado reconhecimento,
diferentemente dos artistas no início do século XX, eles ainda estão expostos aos julgamentos
morais.

Os processos sociais acarretam em seu âmbito, em sua história, as mudanças de


julgamentos, de posições e de valorizações. O tempo aliado às modificações sociais pode
revelar quadros distintos de outrora. Com a globalização as culturas distintas e desconhecidas
foram compartilhadas. Através da divulgação midiática e das crescentes e inovadoras
produções culturais, as características dos povos foram propagadas, promovendo o hibridismo
cultural, modificando os espaços antes predominantemente da cultura tradicional. Essa
dinâmica é a responsável pela mudança na visão geral da sociedade com relação aos atores e
atrizes.
193

Redes de televisão, inclusive a Globo, mudaram, ao longo dos anos, os processos de


contratações. Há artistas que possuem contratos de exclusividade e recebem salários para ficar
à disposição da emissora, já outros o contrato é vigente somente no tempo em que durar as
gravações de determinada gravação. A partir do momento em que o ator passa a ser mais
conhecido por seus trabalhos, pode ser chamado com mais frequência para participar de
filmes, peças de teatro e propagandas. Nos Estados Unidos ocorre dinâmica parecida, mas o
momento de maior destaque do ator, geralmente, ocorre nos filmes e, a partir do sucesso
alcançado no cinema é que o ator passa a ser nacionalmente conhecido e não com novelas,
como ocorre no Brasil.

Todo este processo que discorremos aqui, neste trabalho, possui exceções; muitos
artistas se destacaram no teatro e a partir daí são chamados para outros trabalhos em demais
produções culturais. Porém, os maiores salários de atores nos Estados Unidos são pagos pelo
cinema e, no Brasil, pela televisão, justamente por serem essas indústrias que arrecadam mais
investimentos e são os canais que mais dão visibilidade aos artistas nesses países.

A Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (PBM 2015) 90 , maior levantamento sobre os


hábitos de informação dos brasileiros, divulgou que a televisão é o meio de comunicação
predominante no País. A pesquisa, realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística, registra que 95% dos 18 mil entrevistados, afirmaram ver televisão; em média os
brasileiros passam 4h31m em frente à televisão, de segunda à sexta-feira; no PBM de 2014, o
tempo gasto era de 3h29m, o que revela que mesmo com o avanço da internet e das mídias
sociais, o brasileiro não se afasta da TV.

Estão conectados nas redes sociais 92% dos internautas, sendo que muitas sessões de
sites e até mesmo nas redes sociais, muitas coisas relacionadas à televisão são noticiadas. Ao
invés de ser um concorrente direto da televisão, a internet acaba sendo um meio de divulgar a
própria programação televisiva, e também os artistas envolvidos nelas. Ainda segundo a
pesquisa, presume-se que há na televisão um “componente social e aglutinador”, que instiga
conversas entre as pessoas; essas conversas não ocorrem apenas pessoalmente, mas
virtualmente também.

90
Pesquisa disponível em: <http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-
qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf>. Acesso em: 13 nov. 15.
194

5.1.2. Familiaridade com o artista famoso

A obra A mídia e a modernidade: Uma teoria social da mídia, John B. Thompson


(2012) expressa suas impressões sobre a familiaridade que os indivíduos pensam ter com as
figuras midiáticas.

Podemos sentir certo grau de familiaridade com as personalidades e os líderes


políticos que aparecem regularmente na televisão e na mídia; podemos até considerá-los
amigos, e referirmo-nos a eles com certa intimidade. [...] embora possamos ver e ouvir estas
celebridades com certa frequência, não é muito provável que alguma vez as encontremos no
curso de nossas vidas cotidianas.

De acordo com Thompson, é improvável que em nossas vidas cotidianas encontremos


as celebridades. Essa afirmação não exclui o fato de algumas vezes esse encontro ocorrer. É
de praxe as rádios sortearem encontros nos camarins dos ouvintes com seus ídolos, assim
como há celebridades, geralmente cantores internacionais, que quando visitam o Brasil
chegam a cobrar para tirar fotos com fãs.

Temos até mesmo aqueles admiradores mais afoitos que enfrentam barreiras de
segurança para ter um momento ao lado da celebridade, mesmo que depois tenham de ser
retirados e por vezes até arrastados por seguranças. Também têm os fãs, e aqueles não tão fãs
assim, que acabam, por acaso, esbarrando com alguma celebridade, afinal de contas eles
também fazem viagens, vão ao shopping, ao cabeleireiro, a festas.

Mas para a maior parcela da população, caberá apenas observar e acompanhar a vida
da celebridades através de uma tela. Todavia, há um intermédio entre o acaso e o
conformismo, entre o encontro espontâneo com a conformidade que a celebridade nunca será
vista pessoalmente. E esse “nível intermediário” alcança os encontros premeditados e, em
alguns casos, até forçados. Ainda há, também, a possibilidade de ver o famoso, mesmo sem
conversar com ele; não seria bem um encontro, mas diversas curiosidades seriam, no mínimo,
supridas. Essa possibilidade se encontra no teatro.

Provavelmente um espectador não poderá entrar no camarim do famoso, muito mesmo


tirar foto com ele, mas o fã poderá vê-lo, saber se ele é tão magro como na televisão, se usa
195

muita maquiagem, se realmente tem um olhar simpático, se supre as expectativas que foram
criadas, enfim, é uma maneira de ver aquele que se admira tanto ou que não se admira, mas a
curiosidade existe. E essa questão do ao vivo no teatro não é de agora; desde que existe o
teatro, há aqueles que se destacam e são vítimas de admirações, mesmo antes de o mesmo
saber que ele era um artista.

Na época do Teatro de Revista, os homens faziam fila para ver vedetes famosas, tanto
que em muitos espetáculos podia faltar de tudo, até mesmo um enredo bom, mas que não
faltasse uma música que era dançada e cantada por uma bela e famosa vedete. Em entrevista
para este trabalho, Brigite Blair (2015) confirma a “garantia de público” com a presença de
uma famosa vedete em um espetáculo: “Trabalhando como atriz, já tinha conquistado o meu
público, quando a peça era comigo, eu já sabia que o público já estava certo”.

Nota-se nas publicações abaixo, que o material de divulgação do espetáculo Eu Quero


é me Badalar (1954) e Eu Quero Sassaricá (1951), possuem não somente o nome do produtor
Walter Pinto, mas uma foto dele ao lado dos dizeres: “O Espetáculo de Walter Pinto”. No
caso das apresentações de Walter Pinto, o grande nome não ficava apenas por conta dos
artistas; verifica-se em ambos os cartazes o nome do produtor em mais evidência do que os
nomes dos artistas. Obviamente, ninguém ia ao teatro para ver Walter Pinto, mas sim
Oscarito, Vírginia Lane e Mara Rúbia, no caso da peça Eu Quero Sassaricá. Porém, o grande
nome envolvendo o espetáculo era o de Walter Pinto, que garantia ao espectador que o
espetáculo possuía grandes chances de agradar, pois mantinha o mesmo formato e estilo de
peças vistas anteriormente. Walter Pinto era uma marca sinônimo de espetáculos caros,
cenários surpreendentes para a época e trazia os artistas mais renomados da revista. Por mais
que as pessoas participassem de peças de outros produtores, a grande maioria queria ter a
chance de estrelar nos palco de Walter Pinto, era como o artista alcançar o auge no que tange
ao teatro da época.
196

Imagem 30: O Programa de Eu Quero é me Badalar para Apresentações em São Paulo.

Fonte: Funarte.91

Imagem 31: Cartaz do Espetáculo Eu Quero Sassaricá, produzido Por Walter Pinto

Fonte: Recordações Cênicas.92

91
Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/imagens/imagens-documentos/page/11/>.
Acesso em: 15 nov. 15.
197

Apesar de Walter Pinto ser uma pessoa, ele havia se transformado em uma marca,
assim como a Broadway. O nome Broadway vem de uma avenida que concentra teatros que
realizam musicais, peças que não são do gênero musical, basicamente, não existem naquela
área. Assistir uma peça da Broadway significa ir assistir a uma comédia musical, onde há um
formato próprio, com produções que fogem um pouco desse formato, assim, acaba não
havendo espaços para teatros e acabam sendo classificados como Off-Broadway. Geralmente
os turistas não se interessam em ir para um musical da Off-Broadway mas sim nos da
Broadway, marca mais conhecida.

Não temos a pretensão de comparar a abrangência dos musicais da Broadway com os


de Walter Pinto; o primeiro possui abrangência mundial e o segundo é mais conhecido no
Brasil em uma época determinada, e que pouco é lembrado por jovens brasileiros de hoje.
Porém, exemplificamos a divulgação desses “nomes marcas” nos meios de comunicação que
os tornam, muitas vezes, mais midiáticos do que os artistas.

No cartaz de Eu Quero é me Badalar não é encontrado o nome dos artistas do


espetáculo. O “grande nome” da peça fica a cargo de Walter Pinto.

No caso da peça Eu Quero Sassaricá, o cartaz divulga o nome dos artistas, mas
também o de Walter Pinto. Neste caso, a produção possui um apelo midiático maior pois,
provavelmente, foi divulgada nos meios de comunicação por ser o mais novo espetáculo de
Walter Pinto, mas também por ser um espetáculo estrelado por Virgínia Lane, Oscarito e
Mara Rúbia, famosos artistas das revistas.

Para exemplificar que o nome da peça acaba envolto às notícias da vida privada do
artista, segue texto da edição 144, da Revista do Rádio, de 10 de junho de 195293. O pequeno
texto é acompanhado de uma foto de Virgínia Lane portando um tipo de “biquíni” formado
por peixes cenográficos.

Virgínia Lane jamais poderia temer o “maiô”. E tanto isto é verdade que a estreia do
“Sassaricando” inventou um “bikini” ainda mais sintético que os comuns,

92
Disponível em: <http://recordacoescenicas.blogspot.com.br/2014/02/virginia-lane.html>. Acesso em:
15 nov. 15.
93 Revista do Rádio. Edição nº 144, 10 jun. 52. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=144428&PagFis=66&Pesq=Walter%20Pinto>. Acesso
em: 30 nov. 15.
198

abreviados ao extremo. A versão aparece aí ao lado. Com “vistas” (?!) aos


admiradores do belo. Ou aos senhores pescadores... (REVISTA DO RÁDIO, 1952,
p. 24).

Na mesma edição, só que na página 48, a peça é citada novamente, porém desta vez
atrelada à Mara Rúbia, outra estrela do espetáculo. A nota foi escrita por Henrique Campos:

A maldade humana não tem limites. Mara Rúbia adoeceu, ficou muito magra e isto
foi o suficiente para que os membros do “Clube dos Gozadores da Desgraça Alheia”
espalhassem que ela estava “bombardeada” dos pulmões e outras “cositas”. Mara
não lhes deu ouvidos e fez com brilhantismo toda a temporada de Walter Pinto, em
São Paulo onde brilhou na revista “Eu quero sassaricá”. Agora a querida estrela dos
cabelos platinados está novamente entre nós e estudando várias propostas de
“boites”, teatros e cinema (CAMPOS, 1952, p. 48).

Em ambas as citações a peça é lembrada, mas não é o tema principal, que fica por
conta das curvas expostas de Virgínia Lane em uma espécie de “biquíni” e de rumores
“maldosos” sobre a saúde de Mara Rúbia. Dificilmente, se os protagonistas do espetáculo não
fossem conhecidos do grande público, teriam destaque nas publicações.

É como que, ao escolher uma celebridade para o musical, o produtor esperasse que o
nome de sua peça tivesse uma visibilidade “extra”, das já previstas pela programação da
divulgação do espetáculo. Toda vez que ligassem a peça a um famoso, seria uma publicidade
“a mais”. De certa maneira, essa publicidade, já “embutida” na contratação da celebridade,
também tem seu custo. Pois os salários pagos para um ator famoso são bem superiores aos
pagos para artistas que não possuem visibilidade na mídia.

Apesar de citar Walter Pinto como “uma marca”, ele é uma pessoa, diferentemente da
Broadway. Sua vida pessoal, assim como suas ações, podem não interessar tanto quanto as de
suas estrelas, mas também interessava à mídia. Na Revista do Rádio, edição nº 14, de abril de
1949, na página 34, há uma foto legenda de Walter Pinto: “Correu a notícia de que Walter
Pinto comprara uma estação de rádio, mas nada se confirmou; mais uma onda publicitária em
torno do popular empresário”94.

Como diz o texto, ele era considerado “popular empresário” e havia uma “onda
publicitária” acerca de sua pessoa, o que o colocava também como um nome midiático, não

94
Revista do Rádio. Edição nº 14, 04/49. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/pdf/144428/per144428_1949_00014.pdf>. Acesso em: 30 nov. 15.
199

somente pela fama de suas produções, mas pela curiosidade que exercia no público a partir de
sua vida “glamorosa” de empresário, sempre cercado pelas belas atrizes que estrelavam os
seus shows e que povoam o imaginário popular.

Com os musicais na época da Ditadura Militar ocorreram, por vezes, situações


inversas; muitos artistas que antes eram desconhecidos do grande público, através de peças
que, de alguma maneira, mostravam certa resistência ao regime ou que eram por ele
censuradas, ganharam notoriedade. O momento de repressão acalentou a necessidade de
heróis, de pessoas que mesmo diante do eminente perigo fosse contra a Ditadura Militar. Por
vezes, essa “luta” foi velada através de uma canção de duplo sentido em um musical que
trazia uma mensagem de esperança ou mesmo crítica.

Adriano de Paula Rabelo (1988), no trabalho O teatro de Chico Buarque, traz análises
dos espetáculos do cantor, autor e compositor Chico Buarque. Sobre o musical Roda Viva95,
que teve estreia em 1968, no Rio de Janeiro. Rabelo diz que este musical ficou como marco
do ano de 1968, tronando-se um “retrato de seu tempo”:

Diria que o que foi e representou o ano de 1968 no Brasil pode ser compreendido a
partir do texto, do espetáculo, da repercussão e dos acontecimentos em torno da
peça. Roda-viva transformou-se num verdadeiro símbolo de 1968. Trinta anos
passados, entretanto, aos olhos deste final da década de 90, não deixa de ser
espantoso como um texto e um espetáculo sob certo ponto de vista tão ingênuo,
puderam causar tamanha celeuma, “movimento incessante”, “barafunda”. Naquele
ano tão extraordinário pelos muitos eventos que marcaram a história do país, uma
peça teatral ficou como significativo retrato de seu tempo, seja por suas qualidades e
defeitos estéticos, seja por seu radicalismo político-ideológico, seja pelas paixões
exacerbadas com que mexeu (RABELO, 1988, p. 49).

De acordo com João Lucas Rulff da Costa (2010), em A censura musical no Brasil e
Roda Viva: uma análise histórica e musical, antes de Chico Buarque escrever musicais, ele já
possuía certa notoriedade midiática: “Com seu nome se tornando famoso no meio artístico-
musical, Chico Buarque se consagra, definitivamente, como um grande compositor brasileiro
com ‘A banda’” (COSTA, 2010, p. 30). A canção fez tanto sucesso que dividiu o primeiro
lugar do segundo Festival da Música Popular Brasileira com Disparada, de autoria de Théo

95
Mais informações sobre os musicais da época da Ditadura Militar podem ser conferidas neste trabalho a partir
da página 45.
200

de Barros e Geraldo Vandré. O sucesso iminente da música colaborou para que o primeiro LP
de Chico, de título Chico Buarque de Hollanda96, vendesse mais de cem mil cópias.

Ainda segundo Costa, em 1967, Chico Buarque, juntamente com Nara Leão, passa a
gravar o programa musical Pra ver a banda passar, transmitido pela TV Record.
Enriquecemos esta dissertação, com essas informações a análise do apelo midiático que já
havia em Chico Buarque antes mesmo do estrondoso sucesso que o musical Roda Viva se
tornou. De maneira alguma creditamos o sucesso da produção à notoriedade do artista, ainda
mais quando o musical possui uma gama de peculiaridades que o torna tão atrativo, inclusive
aos olhos dos estudiosos, destarte o tema é abordado de forma constante no meio acadêmico
até os dias de hoje. Mas, diante dos fatos, revelamos a trajetória do teatro musical brasileiro à
luz da notoriedade midiática e não há como deixar de citar que a fama de Chico Buarque
colaborou na propagação de um produto cultural que, diante de um momento político crítico
no Brasil, através de sua mensagem e de suas canções, principalmente a canção Roda Viva,
foi estímulo para a população que se encontrava “sem voz”. A música da peça ultrapassou as
apresentações teatrais que foram covardemente findadas pelo regime, e ganhou as ruas.

Assim como o nome de Walter Pinto dava credibilidade a uma produção do Teatro de
Revista, o nome de Chico Buarque nos cartazes de divulgação de Roda Viva foi um dos
pontos que ajudou a propagar a peça. Não queremos, e nem podemos medir importâncias
históricas, valores motivacionais que levaram as produções da peça, nem momentos históricos
e políticos que envolviam esses acontecimentos distintos do teatro musical. Não vamos nos
embrenhar na importância histórica que os musicais tiveram no combate à repressão de um
regime militar, tampouco analisaremos a profundidade dos textos e letras de músicas, Mas
vale discorrer sobre um nome de uma celebridade por trás, ou melhor, à frente de uma
produção.

96
Segundo Costa, “O sobrenome do pai de Chico Buarque, em algumas fontes pesquisadas, é escrito como
Sérgio Buarque de Holanda, com uma letra ‘L’ Apesar do nome de seu pai ser escrito com apenas uma letra ‘L’,
Chico Buarque em seu primeiros discos botava seu sobrenome como tendo duas consoantes, escrevendo como
título de seu primeiro disco ‘Chico Buarque de Hollanda’” (2010, p. 30).
201

Imagem 32: Cartaz do Musical Roda Viva.

Fonte: Site Cultura Livre.97

Para exemplificar que a notoriedade midiática de Chico Buarque foi um elemento que
contribuiu na propagação da peça. Para Jacques Elias de Carvalho (2004), no trabalho Roda
Viva (1968) de Chico Buarque: A dramaturgia e a cena teatral sob a ótica da crítica
especializada, o musical é tido por muitos intelectuais e artistas como uma peça de roteiro
simples e que se valeu do “reconhecimento” não somente de Chico Buarque, mas do diretor
José Celso Martinez Correa, que era tido como “o diretor mais badalado daquele momento”98:

O espetáculo Roda Viva figura na memória de diversos artistas e intelectuais como um


espetáculo construído tendo por base um simples roteiro de cena e que se valia do prestígio de
um dramaturgo iniciante que usava de seu reconhecimento alcançado como cantor e
compositor para uma arregimentação de público e uma jogada de marketing teatral e cultural.
Em suma, o diretor teatral mais badalado daquele momento, José Celso Martinez Correa se
juntava ao jovem cantor Chico Buarque para produzir um espetáculo que seria sucesso de
público garantido.

Vale ressaltar que o diretor do musical Roda Viva era conhecido por sua atuação de
liderança junto ao Teatro Oficina de São Paulo, que era tido como um grupo teatral com

97
Disponível em: <https://culturalivresp.wordpress.com/2015 ago. 26/o-artista-como-performer/>. Acesso em:
15 nov. 15.

98
O parecer de Jacques Elias de Carvalho tem aporte em: COSTA, I. C. A Hora do Teatro Épico no Brasil.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
202

espetáculos que dialogavam com a realidade brasileira da época. Para Fernando Peixoto
(1982, p. 07), José Celso era “um novo autor que logo em seguida encerraria sua promissora
carreira como dramaturgo para transformar-se no mais criativo e corajoso encenador do teatro
brasileiro contemporâneo (com a peça Roda Viva)”.

O Teatro Oficina também possuía certa notoriedade na mídia, com montagens que
recebiam divulgação nos meios de comunicação, como a estreia da peça que, segundo Iná
Camargo Costa (1996), foi beneficiada pela “imagem de marca do Oficina”:

Roda Viva, quando estreia em janeiro de 1968, acabou por se beneficiar da imagem
de marca do Oficina – elemento de apoio nem um pouco desprezível, sobretudo
numa estratégia de propaganda cujo target group é o grande público. A alquimia de
Orlando Miranda deve ser reconhecida no mínimo como ousada: lançamento um
dramaturgo já conhecido como compositor de sucesso na área da MPB, seção
‘protesto’, com a assinatura do festejado diretor de maior sucesso de São Paulo no
ano de 1967 e, por extensão, com a grife “Oficina” [...] (COSTA, 1996, p. 176).

Yan Michalski (1968), não deixa de analisar o contexto midiático acerca da figura de
Chico Buarque em matéria do Jornal do Brasil quando, inclusive, cita a presença das fãs do
cantor e escritor na estreia de Roda Viva: 99

Nunca vi um público mais desorientado e perdido do que o fã clube adolescente de


Chico Buarque de Hollanda que lotava completamente o Teatro Princesa Izabel na
estreia de Roda Viva. E não era por menos. As menininhas foram assistir a uma peça
musical de Chico, com cuja arte possuem amplas afinidades; mas acabaram
assistindo a um espetáculo de José Celso Martinez Corrêa baseado num roteiro de
Chico; e as afinidades das menininhas com a arte de José Celso já são muito
discutíveis (MICHALSKI, 1968, p. 10).

As observações diante da impagável notoriedade midiática de Chico Buarque, de


maneira alguma fere o musical no que se refere ao seu importante papel como forma de
protesto diante de um regime opressor. O próprio Yan Michalski (1989), em sua obra O teatro
sob pressão: uma frente de resistência, revela o musical como uma expressão da
inconformidade por parte da juventude ao governo que ajudou a desencadear protestos:

Dentro deste quadro de pesadelo, o teatro faz o que pode. E o faz com uma raiva que
as circunstância justificam e que talvez se reforçada pelos ecos que anunciam a
radicalização dos movimentos da juventude em vários países (...) A expressão mais

99
MICHALSKI, Yan. Roda-Viva. Jornal do Brasil, p. 10, 18 jan.68.
203

incisiva dessa raiva é o espetáculo mais polêmico do ano, Roda Viva, de Chico
Buarque, cuja estreia no Rio, logo no início de janeiro, desencadeia uma tempestade
de protesto e de adesões entusiásticas (MICHALSKI, 1989, p. 35).

A notoriedade das peças que eram consideradas ofensivas ao Regime Militar acabou
por respingar em muitos artistas envolvidos nas produções que, posteriormente, foram parar
na televisão e se tornaram mais do que artistas famosos, tornaram-se símbolos de uma luta
nacional, heróis com rostos. Sabemos que a Ditadura Militar foi a causadora de diversas
mortes e torturas, pessoas que foram fortemente marcadas por defenderem seu ideias e ideais.
São muitos heróis desconhecidos nacionalmente, alguns rostos são lembrados entre os
familiares, outros entre classes operárias, outros “civis” até nacionalmente, pela história de
vida e também de sua morte.

Ainda segundo Carvalho (2004), a “invasão do teatro Ruth Escobar e a proibição do


espetáculo em todo o território nacional dava um elemento a mais na temporada de Roda
Viva”. As notícias de que a censura havia chegado a certos musicais, assim como seus artistas
haviam sido espancados e torturados, acaba por dar “rostos”, antes já em evidência em um
palco, para os heróis de um tempo de silêncio e repressão. As falas aparentemente inocentes
dos atores davam seu recado, as músicas em forma de poemas significavam muito para quem
não tinha voz, se tornaram hinos. Textos deveras modestos se tornaram cartilhas de
resistência. Os musicais desse período doloroso para o brasileiro, talvez, não tivesse tido tanto
sucesso caso a situação política da época tivesse sido diferente, pois mais do que qualidades
diversas, o que mais elevou essas produções ao sucesso foram as ideologias de quem as
produziu, assistiu e ficaram sabendo delas através da mídia.

A comicidade do Teatro de Revista provavelmente não teria sido recebida com tanto
entusiasmo após a Ditadura Militar, assim como os musicais de Chico não teriam surtido tanta
comoção na Era Vargas. Cada formato teve sua repercussão e contexto histórico, mas ambos
foram norteados por ações midiáticas.
204

5.1.3. Musicais com estrelas

As identificações dos indivíduos não se limitam aos personagens que os atores fazem,
mas também se estendem ao próprio artista. Com isso, é comum que admiradores de um
artista passem a acompanhar seus trabalhos e até mesmo sua vida pessoal. Essas
identificações podem, realmente, ser um “elemento” a mais no meio de tantos outros no
processo de uma produção cultural.

Assim, como determinado, o artista é escolhido em uma novela ou filme por ser
conhecido do grande público e o mesmo ocorre no teatro, inclusive, o musical.

Nos últimos espetáculos que fui assistir me deparei com um número crescente de
atores conhecidos através de filmes, telenovelas e seriados de TV. Achei interessante
perceber esse aumento de celebridades nos musicais. Antes eu encontrava muitos
artistas que eram exclusivamente do teatro musical, famosos, porém entre as pessoas
que frequentemente assistem a musicais. [grifo do autor].

Desde o início da nova leva de musicais adaptados no Brasil surgiu uma “geração” de
atores; eram praticamente os mesmos a estrelarem diversas produções, com a adesão do
público a esse gênero, foram surgindo novos nomes, ainda do teatro. Um ou outro ator de
televisão já conhecido por ter experiência com canto se aventurava a cantar, atuar e dançar,
tudo ao vivo, nos palcos. Com o tempo, grandes estrelas da televisão passaram a participar do
elenco dos musicais, até mesmo o ponto dessa participação mais ativa ser alvo de críticas de
alguns atores e, até mesmo diretores que trabalham exclusivamente com teatro. A oposição a
essa “imigração artística”, não chega a ser nas proporções da que ocorreu nos Estados Unidos,
mas é significativa a ponto de não poder ser ignorada.

A matéria Broadway sofre críticas por premiar atores de Hollywood, de autoria de


Suzy Evans, jornalista da Reuters, em Nova York, publicada no site da A Folha de São Paulo,
do dia 30 de maio de 2011, traz um panorama da participação de atores consagrados no
cinema que estariam “roubando a cena dos tradicionais atores de teatro”. Tudo isso porque os
astros das grandes telas que participam de musicais começaram a levar as estatuetas do Tony
Award, maior prêmio concedido aos profissionais de teatro nos Estados Unidos. Ainda
segundo a publicação, “muitos artistas menos conhecidos estão se preocupando por acharem
que a importância do prêmio está diminuindo à medida que os astros de cinema estão
começando a levar as estatuetas para casa”.
205

Susy Evans cita que para tentar combater o “efeito Hollywood”, o ator de teatro
Hunter Foster iniciou um grupo no Facebook intitulado Give the Tonys Back to Broadway!
(Devolva os Tonys à Broadway!). À época, a página chegou a ter cerca de 10 mil membros.
Procuramos a página no site do Facebook, mas encontramos apenas um grupo com esse título
com 22 membros, cujo administrador da página é Hunter Foster, e indica que ele abriu o
grupo há apenas um ano. O que, provavelmente, significa que o primeiro grupo foi extinto e
foi criada uma nova página.

De 2011 até hoje, a participação de atores hollywoodianos nos musicais da Broadway


só aumentou, a oposição dos atores teatrais pode ter garantido a permanência deles em
diversos papéis, mas não evitou que muitos outros papéis de personagens principais fossem
distribuídos para celebridades cinematográficas. De acordo com Evans (2011), “especialistas
e atores concordam, no entanto, que celebridades são necessárias para que alguns produtores
possam financiar suas produções, e um ator famoso traz empregos mais estáveis para os atores
de Nova York”.

Joseph C. Lin (2014) realizou, no site da revista americana Time, uma matéria
intitulada 19 Hollywood Stars Who Took to Broadway, cuja a publicação é do dia 23 de abril
de 2014 e traz nomes de artistas que são conhecidos por seus papéis nos cinemas, mas que
aceitaram convites para estrelarem musicais. Entre os atores estão Emma Stone, que
substituiu no ano passado a também celebridade Michelle Williams, no musical Cabaret
(1966).

Bradley Cooper e Julia Roberts estrelaram a peça Three Days of Rain de 2006. Um
ano depois, em 2007, o palco foi dividido entre os intérpretes dos personagens
cinematográficos Wolverine e 007, Hugh Jackman e Daniel Craig, respectivamente. A lista
segue com nomes como Jude Law, que debutou na Broadway em 1995, na peça Indiscretions,
que também teve estreia no mesmo ano. O debutar de Scarlett Johansson ocorreu em 2010,
com o espetáculo A View From The Bridge. Já o intérprete do bruxo Harry Potter, Daniel
Radcliffe, se lançou no palco, em 2008, com a peça Equus (1973). Até mesmo Al Pacino
atuou em musicais, deu sua versão do personagem Shylock em The Merchant of Venice, em
2010. Esses são alguns dos muitos nomes dos atores de cinema que deram vida a personagens
teatrais, alguns participaram de diversas obras e, por consequência, conquistaram espaços
cativo nos musicais, como Hugh Jackman, que já participou dos musicais Oklahoma! (1998),
206

de West End e The Boy from Oz (2003), A Steady Rain (2009), Hugh Jackman: Back on
Broadway e The River (2014), todos da Broadway.

Mas há também aqueles atores que não agradaram a ponto de receber novos convites.
Isso ocorre porque, independente da fama da pessoa, o musical é um gênero exigente no
quesito talento. Um ator pode até mesmo não ter um desempenho fantástico, mas pelo carisma
e notoriedade agrada mesmo assim. O problema ocorre quando o atuar, o cantar e, em alguns
casos, o dançar do ator, é muito inferior aos dos colegas de elenco.

Para exemplificar a intervenção do patrocinador em decisões que geralmente pertence


à produção, cito caso contado pelo diretor Roberto Lage. Ele conta um pouco dos bastidores
do musical Enlace, A Loja do Ourives (2012), que teve um patrocinador condicionando seu
apoio financeiro a troca da atriz-cantora Françoise Forton.

Eles (patrocinadores) sugerem o ator que eles gostariam que estivesse na ficha
técnica. Vou te dar um exemplo disso, eu gosto de denunciar essas coisas porque eu
acho um absurdo; o Enlace, por exemplo, que é o musical que o Jô produziu e que
eu dirigi, na temporada de São Paulo foi patrocinado pelo Bradesco, e essa
temporada foi feita com dois atores, os principais [...] A “Franço”, ela tem uma
preparação, a formação dela de canto é lírica [...] mas ela nunca desafinou, nunca
atravessou, nunca fez nada dessa coisa, porém, a imprensa na avaliação do
espetáculo, fez alguns comentários com relação a ela como cantora. Terminamos a
temporada em São Paulo e já estava prevista a temporada no Rio de Janeiro, o que
implicava num novo aporte de recursos do Bradesco para esta temporada no Rio que
seria durante a Jornada da Juventude católica lá. O Bradesco condicionou o
patrocínio no Rio de Janeiro à saída da Françoise.

Lage complementa sua explanação, citando os motivos que ele acredita que
contribuíram com a saída da atriz do elenco principal da peça:

Por duas razões: primeiro porque ela não era Globo e sim Record, então ela tinha um
apelo de mídia menor; e segundo porque a crítica fez algumas observações como ela
aqui e condicionou a saída dela, e lá no Rio então, entrou a Cláudia Ohana que fez
muito bem, canta muito melhor para o registro popular que o espetáculo tinha de
canções, mas foi uma observação do Bradesco para apoiar o espetáculo no Rio de
Janeiro. Então essa coisa do ator midiático no teatro musical, se deve sim por um
lado à questão de você ter uma abertura maior de mídia e uma abrangência de
conquista de espectadores maior, mas se deve também muitas vezes, a
condicionamento de patrocinadores que não estão colocando dinheiro do próprio
bolso, mas estão usando renúncia fiscal de imposto a pagar para aplicação em
cultura, e se acham “agentes” do que deve acontecer no palco.

É fácil entender o receio dos patrocinadores e produtores na escolha de um roteiro para


musical. A montagem de um espetáculo da Broadway é mais muito arriscado. O orçamento
207

médio para abrir um musical na Broadway gira em torno de US $ 10 milhões; as produções


custam, em média, US $ 500.000 por semana para manter um show ativo. Com preços como
esses, os produtores precisam manter o espetáculo em cartaz por meses ou até mesmo por
anos para obter lucro, deixando os investidores, compreensivelmente, nervosos. A contratação
de estrelas de cinema pode ajudar a impulsionar a venda de ingressos e com isso antecipar os
lucros. Mas, trazer uma estrela para um musical é caro, além disso, há o risco desses artistas
deixarem as produções a qualquer momento para participarem de algum filme ou de algum
outro entretenimento.

5.1.4. Competências do ator de musical

Não é raro percebemos que muitos artistas de novelas que são convidados para
musicais, não possuírem a potência vocal da maioria dos atores que fazem carreira nos
musicais e mesmo assim, acabam, em muitos casos, recebendo papéis secundários para
“cederem” espaço aos famosos. Para compreender melhor devemos primeiro analisar os
espetáculos que são apresentados no Brasil; basicamente podemos dividir as peças atuais nas
adaptações da Broadway e West End e nas produções com enredos brasileiros. O primeiro
estilo citado está atrelado às exigências previstas, até mesmo em contrato, de fazer a peça ser
o mais parecida possível com a original. Nesse caso, não há muita abertura para ousar e
encaixar pessoas que não possuem o perfil para determinadas características que o
personagem apresenta; que há casos em que o ator escolhido necessita ter a mesma
classificação vocal e timbre parecido com o que foi pensado para o personagem. Outra
questão é a exigência de que o ator seja parecido fisicamente com o personagem idealizado e
nem sempre há algum artista já conhecido do público que possa ser escalado. É nesse
contexto que os musicais dão chance para novos talentos despontarem.

A maioria dos papéis televisivos e do cinema não exige do ator o canto, com exceção
de papéis específicos de cantores; e, para ilustrar, citamos um episódio do seriado humorístico
da Rede Globo, Pé na Cova (2013), escrito por Miguel Falabella, em que todos os atores
tinham que cantar, fazendo do capítulo um musical. O que se via não eram cantores, mas sim
atores que cantavam, via-se que alguns se esforçavam para não desafinar. O resultado final foi
um capítulo diferenciado. No capítulo seguinte o seriado voltou ao seu formato original. Foi
um capítulo ousado, é ficou nítida a influência de Falabella nele, já que ele é ator, autor e
tradutor de espetáculos musicais.
208

Apesar de serem capazes de cantar e bem projetar a voz, a grande maioria dos atores
desse seriado não seria escalado para musicais, justamente por possuírem estilos de canto
diferentes do que é “esperado” num musical. Para ficar mais claro essa “definição” de canto
para musical, que acaba, de certa maneira, sendo subjetiva, citamos o pensamento de Lívio
Tragtenberg (1991) presente no livro Artigos Musicais

Se para o compositor esse percurso é longo e diversificado, para o performer exige


também uma nova postura. Para o cantor, a técnica vocal operística, baseada na
ópera romântica (onde o teatro era uma representação do mundo da época), nos dias
de hoje é apenas mais um recurso à disposição em meio à diversidade de colocações
da voz na textura sonoro-cênica (pois a sala de espetáculos não é mais a
representação da totalidade, mas um micro universo onde é possível investigar os
fragmentos). De que forma pode o artista criado na ilusão da especialidade embarcar
nesse admirável mundo novo? O problema da especialização não é apenas técnico –
já que tanto faz se se ensina solfejo ou o uso dos teclados – mas ideológico
(TRAGTENBERG, 1991, p. 76).

Não basta apenas ter potência vocal, há muitos atores que possuem um timbre
diferente, uma voz capaz de agradar jurados de uma audição para espetáculos de musicais,
mas não sabem utilizar a voz de acordo com o que pleiteia um musical, ela pode sair
anasalada, fora do tom da música, ou seja, o artista pode não saber utilizar a sua potência
vocal Para suprir a necessidade do evento. Dificilmente a produção de um espetáculo terá
tempo para preparar musicalmente o artista para fazer o papel; ele terá de ter vir pronto, afinal
leva-se cerca de dois meses para a montagem de um musical de grande porte.

Há também o fator psicológico; muitas pessoas vão fazer o teste de elenco e dominam
as artes de cantar, dançar e atuar satisfatoriamente, porém, devido ao descontrole emocional
acabam deixando que o nervosismo ponha tudo a perder. Os produtores dificilmente
arriscariam colocar no palco um artista talentoso, mas que, a qualquer momento pode ficar em
choque diante de uma plateia; contudo, o inverso também é verdadeiro, há pessoas que
mesmo sem ter experiência profissional conseguem mostrar tranquilidade, uma música bem
executada e uma cena bem ensaiada, além de se enquadrarem no perfil do personagem. É o
caso de Tacy Campos que interpretou a cantora brasileira Cássia Eller, na produção Cássia
Eller – O Musical (2014).
209

A matéria veiculada no programa Fantástico100, da Rede Globo, na edição do dia 31 de


agosto de 2014, mostra como foi o processo seletivo. Tacy Campos cantava na noite e nunca
havia atuado em nenhuma peça de teatro antes. Ela resolveu arriscar e de forma tímida
encarou os jurados e fez o que gostava e sabia: cantou. Ela diz na entrevista: “Eu procurava
não olhar para ninguém, só para quem estava falando comigo; aí pediram para tocar as músicas,
daí eu toquei”.

Apesar da falta de experiência como atriz, Tacy Campos apresentou características


musicais muito boas e até mesmo físicas e comportamentais que se aproximavam das de
Cássia Eller, não necessariamente para ser uma espécie de cover101 da cantora brasileira, mas
sim para passar a essência de seu estilo musical. Até mesmo a timidez da garota emocionou os
jurados e foi comparada com a timidez da biografada.

Enquanto alguns diretores e produtores percebem os musicais biográficos como um


avanço para o musical brasileiro, Cláudio Botelho, em entrevista, revela uma opinião
controvérsia:

Isto é coisa de gente que viu no teatro musical uma maneira de fazer dinheiro fácil.
Nenhum destes musicais (biográficos) foi idealizado por artistas, todos são frutos da
cabeça de empresários, gente que nunca leu nem um Nelson Rodrigues e que se
sente na condição de criar “máximas” sobre como devem ou não devem ser os
espetáculos do teatro brasileiro. O único musical biográfico que vi e que era de
primeira linha até hoje se chama “Somos Irmãs”, sobre a vida da Linda e da
Dircinha Batista, com direção do Ney Matogrosso e protagonizado por Nicette
Bruno e Suely Franco. Ali havia dramaturgia, teatro e música de verdade. Esse lixão
que anda por ai contando vida de artista e botando nome de teatro musical é aquilo
que, no meu tempo, se chamava de caça-níquel. Daqui uns três anos acabarão os
artistas “biografáveis” e aí vão tentar inventar outro factoide. Também não acredito
no suposto talento de gente que “faz o fulano igualzinho”, “você jura que é ele”.
Adoro imitadores, mas gosto de vê-los no programa do Raul Gil. Lá, é divertido e
não usa dinheiro de patrocínio, nem finge que é sério 102.

Mesmo diante das duras críticas de Botelho, fato é que os musicais biográficos têm
trazido um novo teatro musical para os palcos brasileiros. De acordo com o diretor Roberto

100
A matéria na íntegra está disponível em: <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/08/semelhanca-com-
cassia-eller-emociona-em-selecao-para-musical.html>. Acesso em: 20 dez. 2015.
101
Cover é uma pessoa que imita um artista.
102
JUNIOR, Dirceu Alves. Claudio Botelho, um “Nine” rodriguiano e o musical brasileiro: “precisamos de
compositores. O resto já temos”. Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/blogs/dirceu-alves-jr/2015 maio
15/Cláudio-botelho-nine-musical-felliniano-charles-moeller-teatro/>. Acesso em: 05 dez. 15.
210

Lage, em entrevista concedida em 2015, a vinda do teatro da Broadway foi benéfica para o
Brasil, mas o momento atual é a da fase do musical biográfico:

Eu acho que essa pecha de conservadorismo de reacionarismo em cima do gênero


teatro musical acabou. A vinda, a retomada de teatro musical no Brasil e preparar o
gosto da plateia para desfrutar de um espetáculo musical que é diferente de outro
estilo musical, a vinda do teatro musical norte-americano para o Brasil, foi muito
benéfica. Acho que agora, passado isso, nós estamos tendo em cartaz um número
muito grande de musicais brasileiros; brasileiros não na sua estética, não na sua
forma de construção dramatúrgica, mas brasileiro na sua temática.

A maioria dos musicais autobiográficos pesquisados para este trabalho não trazem
celebridades como protagonistas, acredito que isso ocorra justamente por um biografado ser
ou ter sido uma figura pública, uma celebridade. O chamariz, no caso, fica por conta da
notoriedade que a mídia concedeu ou concede para o biografado e não necessariamente para o
ator que irá interpretar o papel. Dando espaço para que além de tentar “encaixar” um famoso
em um papel, os produtores possam encontrar alguém que apresente elementos que coincidam
com a celebridade a ser retratada.

Há casos em que uma produção tem de lidar com a fama do ator e do retratado; não
encontramos entre os musicais brasileiros autobiográficos algum que demande grande
produção. Mas alguns filmes apostaram em contratar celebridades para interpretar outra
celebridade, como aconteceu no filme Cazuza – O Tempo não Para (2004), que traz o famoso
ator de novelas Daniel Oliveira interpretando Cazuza.

Tudo depende da liberdade que os produtores estão dispostos a conceder na escolha do


ator que representará a celebridade, muitos buscam aquele que canta mais parecido com o
ator, outros que possuam características físicas parecidas. Ainda na matéria veiculada pelo
Fantástico, de 2014, o diretor da peça Tim Maia – O Musical, João Fonseca, revela que a
escolha do ator Thiago Abravanel não se deu necessariamente por uma semelhança física
muito parecida com a de Tim Maia.

Na entrevista Tiago Abravanel diz: “Fiquei sabendo que o diretor do espetáculo


recebeu meu currículo e falou: mas esse menino vai fazer o teste do Tim Maia? Branco e
paulista? Não faz sentido esse menino fazer o Tim Maia. Não precisa fazer a audição”. Mas
Tiago resolveu arriscar e fazer o teste. Ganhou o papel, segundo João Fonseca, por ter
surpreendido os jurados; o diretor diz: “Eu já fiquei impressionado de cara quando ele entrou.
211

Ele começou a cantar. Eu achei incrível, me emocionou. E ele já imediatamente mostrou uma
capacidade tanto atuar quanto de carisma enorme”.

Abravanel foi o primeiro ator da leva de musicais biográficos, que se seguiu após Tim
Maia – O Musical, ganhar notoriedade na mídia. Quanto mais notícias sobre a produção e o
ator principal eram dadas, mais ele ficava conhecido. Porém, apesar de conhecerem o artista,
quem não havia assistido a nenhum espetáculo realizado por ele, não conhecia sua atuação,
fato que mudou após Tiago Abravanel ter atuado nas novelas Salve Jorge (2012), Joia Rara
(2013) e na série Chapa Quente (2015), todas da Rede Globo. O ator chegou a participar da
novela Amor e Revolução (2011) produzida pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), mas
a novela não possuía muita audiência.

Mais do que ter as características de personagens dos musicais, passar em uma audição
pode significar possuir técnica e autocontrole, afinal cantar para três a quatro jurados é uma
coisa, cantar para uma plateia é outra.

Outrossim, não é somente quem quer participar de musicais que precisa aprender a
cantar; o texto de Tiago Elias Mundim (2014): Contextualização do Teatro Musical na
contemporaneidade: conceitos, treinamento do ator e inteligências múltiplas, mostra que é
própria da formação do cantor saber projetar adequadamente a voz, até mesmo porque quem
faz teatro precisa ter um bom uso da voz para ser escutado pelo público.

O curso de Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de


São Paulo (USP) possui, entre suas disciplinas, a Canto Para o Ator. O programa 103
resumido da disciplina aponta diversos objetivos, como: Transmitir os princípios
básicos de técnica vocal e interpretação musical, propondo ao aluno: 1.Executar o
repertório vocal de peças teatrais; 2.Aprender a estudar as peças requeridas;
3.Praticar uma higiene vocal adequada; 4.Adequar as relações entre texto musical e
cena; 5.Desenvolver competências para a criação de novas relações; 6. Adequar
expressiva e fisicamente a relação música/canto/palavra/movimento (USP, 2008).

No mesmo curso há também a opção de outra disciplina para o ator, a de Canto. Ela é
mais específica para o ator que se sente inclinado a participar de cenas em que é exigido
sequências de canto mais elaboradas. O programa só foi implantado em 2012, quando a

103
O programa resumido da disciplina Canto Para o Ator, ativado desde o ano de 2008 está disponível em:
<http://www3.eca.usp.br/cac/disciplinas>. Acesso em: 24 nov. 15.
212

procura de cursos em que o canto tivesse mais foco passou a ser maior. Segue o objetivo104 da
disciplina:

Propor uma prática do fazer musical através do canto individual e em pequenos


grupos, tendo em vista as diversas necessidades do ator, permeada por uma reflexão
sobre seus aspectos técnicos, expressivos e estéticos, e incentivando cada aluno a se
apropriar e desenvolver modos pessoais de ação musical através da voz. (USP,
2010).

Enquanto o curso de Canto Para o Ator trata de matérias mais básicas da utilização da
voz, como “praticar uma higiene vocal adequada”, o curso Canto apresenta uma formação
mais intensa da arte de cantar. Se os cursos considerados “tradicionais” de teatro apresentam
disciplinas relacionadas ao canto, há, também, no Brasil, a presença de escolas com cursos
específicos para o Teatro Musical. Há, inclusive, em São Paulo, a escola Teen Broadway,
especializada em aulas para atores que querem enveredar suas carreiras para o Teatro
Musical.

De acordo com a criadora e diretora do grupo, Maiza Tempesta 105 , em 1996, ela
percebeu que o mercado carecia de profissionais preparados para participar de musicais que
cantassem, interpretassem e dançassem; foi dessas necessidades que nasceu a escola, que
atualmente possui diversos ex-alunos brilhando nos palcos brasileiros, um deles, inclusive, o
ator Tiago Abravanel, intérprete de Tim Maia, no espetáculo Tim Maia – Vale Tudo, O
Musical.

De acordo com Veneziano, a consolidação de profissionalismo do teatro musical “se


deve a um conjunto de novos fatores e talentos que impulsionaram e possibilitaram a
evolução do cenário musical teatral brasileiro” (VENEZIANO, 2010, p. 07). Para o produtor e
ator Jô Santana (2015), a abertura de novos cursos específicos para musicais é de extrema
importância para o desenvolvimento dos atores: “[...] os jovens hoje estão procurando
(profissionalização), estudando. Para cantar no teatro musical você tem que cantar muito, tem

104
O programa resumido da disciplina Canto, ativado desde o ano de 2012 está disponível em:
<http://www3.eca.usp.br/cac/disciplinas>. Acesso em: 24 nov. 15.
105
As informações foram coletadas no site oficial da Escola Teen Broadway:
<http://www.teenBroadway.com.br/>. Acesso em: 14. Out. 15.
213

que representar, dançar, tem que ser completo, que eu acho isso incrível, não é só ser bonito,
tem que ser completo”.

A profissionalização é algo fundamental para que o artista consiga participar de um


musical no Brasil, e sem treinamento é praticamente impossível passar nas audições, segundo
o artista Paulo Goulart Filho (2015). Questionado sobre o ator de teatro musical, o
profissional diz:

Todo ator que se preparar vai fazer (musical), agora se você pega um ator que não
tem estudo de canto, de dança, vai ser mais difícil, porque na hora de cantar você
tem que dar conta do recado. Não adianta você falar um texto maravilhoso, e na hora
que for dançar, se o teu personagem tem que dançar, você tem que fazer aquilo bem,
então o ator tem que estar preparado, por isso que estar pronto é tudo [...] Se o ator
quer fazer musical ele tem que se preparar sim, tem que fazer aula de canto, aula de
dança, interpretação, porque vai exigir dele.

E, para Saulo Vasconcelos se o artista não tem talento para estar em um musical, o
próprio “mercado se encarrega” de excluí-lo.

Eu acho que o próprio mercado se encarrega de nunca mais querer essas pessoas que
não tem talento e querem fazer teatro musical quando não deveriam, o próprio
mercado se encarrega de eliminar essas pessoas e impedir que elas voltem ao palco,
fazendo uma coisa que não é da alçada delas. Então, é assim com relação a isso é
quase espontânea, natural, se a pessoa não faz parte dali, não adianta. Ela pode ter
um grande nome, mas não faz parte desse meio e não vai fazer parte nunca. Se a
pessoa for boa, pode ser global não tem problema nenhum, e até bom, vende os
ingressos e é boa. Então está perfeito.

Na matéria do site Uol, escrita por Miguel Arcanjo Prado, intitulada Atores investem
até R$ 6.000 do próprio bolso para estar em um musical106, há relatos de artistas que chegam
a gastar altos valores “para estar com tudo em cima” quando a chance de entrar para o elenco
de uma megaprodução musical aparecer. Prado (2015) comenta que os salários dos atores de
musicais são cobiçados pelos artistas.

Se no começo dos anos 2000 eram raros os atores preparados para musicais, hoje
centenas deles disputam cada papel; todos de olho nos bons salários num país em que teatro,
muitas vezes, é feito por "amor à arte". Grandes musicais pagam acima dos R$ 4.000 para
quem é do coro; um protagonista pode embolsar mais de R$ 30 mil.

106
PRADO, Miguel Arcanjo. Atores investem até R$ 6.000 do próprio bolso para estar em um musical. Site Uol,
28 ago. 2015. Disponível em: <http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/entretenimento/2015 ago. 28/do-
proprio-bolso-atores-gastam-ate-r-6000-para-estar-em-um-musical.htm>. Acesso em: 24 nov. 15.
214

Mesmo diante de todo o preparo e investimento, além de passar nas audições,


concorrendo com diversos outros talentos, os artistas ainda precisam enfrentar outro
concorrente forte, a fama dos astros de TV. De acordo com Prado (2015), “o preparo exigido
pode cair por terra se uma estrela da TV, chamariz de bilheteria farta, surgir de uma hora para
outra no elenco, desbancando gente mais bem preparada, mas que ainda não atrai flashes”.

Mas nem sempre um famoso “vence a batalha”. Ilustraremos essa assertiva


comentando o trecho de um musical que foi parar na internet antes da estreia. a atriz principal
era conhecida da grande mídia, tinha, inclusive, participado recentemente de uma novela de
horário nobre da Rede Globo, sua personagem ganhou destaque ao longo das gravações. O
problema é que criticaram a falta de talento vocal e de dança da moça. Muitos internautas
disseram que ela não era “artista para musical”. Após duas semanas, a atriz foi substituída por
outra que, apesar de não ser conhecida do grande público, tinha mais técnica vocal e de dança.

Segundo Paulo Goulart (2015), para se manter nos musicais não basta apenas ter fama,
é preciso ter qualidade na performance: “[...] o ator tem que se preparar sim, porque se achar
que é só chegar com a carinha bonitinha e nome, sem preparo, achando que vai dar conta...
não rola, é uma exposição, e cada ator tem que saber onde amarrar o seu burro”.

5.1.5. O ator como marca

Em matéria para a Revista Exame, escrita por Guilherme Dearo (2015), é relatada a
crescente prática do personal branding, que significa ações por parte de artistas, atletas e
personalidades que ajudem a “construir uma marca forte em torno de sua persona”.

Ao gerenciar e pensar todos os aspectos de suas vidas – aparência, dia a dia, vida
profissional, vida pessoal, relações com empresas e suas marcas, vida e presença on-
line -, essas personalidades querem construir o seu "eu como marca" da forma mais
sólida possível. A partir de um nome e imagem fortes, os caminhos para novos
negócios, parcerias e participação em novas campanhas publicitárias estão abertos. E
com isso, claro, lucros polpudos (DEARO, 2015).

A matéria cita um relatório da JWT Intelligence dos EUA, divulgado em 2015, que
listou as 100 tendências no mundo das marcas, consumo, tecnologia, política e estilo de vida.
O documento aponta o personal branding, como tendência para o ano de 2015. Para Dearo,
há famosos que “estão deixando de ser apenas consumidores para se desenvolverem, eles
mesmos, como marcas – fazendo curadoria de sua imagem on-line, se monetizando via mídias
215

sociais e produzindo conteúdos”. Isso não ocorre somente com os famosos, mas também com
anônimos que sonham com a fama, prova disso são os blogueiros que viram celebridades a
partir da divulgação de suas imagens e pensamentos on-line.

Muitos blogueiros acabam sendo chamados até mesmo para propagandas na televisão.
Há alguns anos, a pessoa só conseguia se tornar uma celebridade a partir do momento em que
sua imagem era transmitida pela televisão; atualmente há diversos famosos que começam suas
carreiras através da internet.

O estudo ainda apresenta um segundo ponto oriundo da pesquisa: “artistas e atletas


podem se preparar para construir uma imagem forte porque as empresas vão demandar isso”,
além de que as empresas, atualmente, buscam mais do que um rosto que represente a marca,
mas querem as celebridades como “parceiras nos negócios”.

A matéria trata especificamente da questão da escolha do artista para protagonizar


comerciais de empresas, mas podemos levar os dados levantados para melhor compreender a
escolha dos atores para compor elencos de musicais. O patrocinador quer mais do que um
rosto conhecido para ajudar na associação de sua marca a um produto cultural de qualidade,
ele busca um conjunto de fatores e posicionamentos que ajudem a atrelar a marca das
empresas a valores e atitudes específicas presentes nos artistas escalados.

Saulo Vasconcelos (2015) já trabalhou em diversos musicais e fez algumas


participações na televisão e disse já ter vivido dois tipos de situações diferentes com relação à
fama, em uma ele foi preterido por possuir mais destaque, já em outro ficou como segunda
opção diante de um nome mais famoso. O ator conta que foi escalado para ser o protagonista
do musical O Fantasma da Ópera (1999), na cidade do México, e quando da montagem da
peça, no ano de 2005, os produtores o escolheram que interpretasse o mesmo papel, porém,
mesmo Vasconcelos tendo sido escolhido, a produção promoveu audições para escolher um
alternante, alguém que o substituiria, caso ocorresse uma eventualidade.

Quando os artistas que fizeram as audições descobriram que o papel já havia sido
preenchido não se agradaram por não terem sido informados que as audições seriam apenas
para alternantes.

Da mesma forma acontece comigo, quando veio O Fantasma da Ópera daqui,


ninguém questionou que ia ser eu. Claro, eu já tinha feito no México, quem do que
eu iria fazer o espetáculo? Então porque fizeram a audição para o Fantasma se já
estava escolhido o Fantasma. Mas eles abriram as audições mesmo assim porque
216

eles tinham que ter um substituto; caso eu fique doente. Então essa pessoa se sente
lesada. Mas isso é benéfico pra mim que já fui vítima.

Em outro momento de sua carreira, Saulo conta que aconteceu o inverso, o ator
Herson Capri, conhecido por seus papéis na televisão, foi preterido para ser um dos
protagonistas do musical A Noviça Rebelde (2008), sendo que Saulo Vasconcelos ficou como
seu substituto:

Eu, por exemplo, já passei uma situação onde originalmente com A Noviça Rebelde,
eu perdi a possibilidade de começar a fazer o papel porque foi o Herson Capri que
fez, ele era global e mais interessante para o espetáculo, apesar de eu ter mais
condições técnicas de fazer o papel que ele. Ele é um bom ator, mas não cantava
nada, mas ele foi chamado mesmo assim porque ele tinha um apelo midiático. Isso
tem uma conotação negativa, mas positiva pra produção. Depende do ponto de vista.
Do ponto de vista do ator negativa, mas positiva para a produção.

Já Jô Santana (2015) diz que trazer um nome midiático pode atrair um público maior,
além de investidores. “Se o ator que faz novela, canta bem, não existe problema nenhum, acho
que a gente não pode ter preconceito com nada, e ter um ator conhecido da televisão, do
grande público, ajuda a trazer público, ajuda a trazer patrocínio”.

Para exemplificar a mesclagem atual dos elencos dos musicais entre artistas
experientes em musicais e famosos que se arriscam nos palcos, analisamos o elenco do
espetáculo Nine – Um Musical Felliniano (2015), da dupla Cláudio Botelho e Charles
Möeller. O musical foi um dos que mais concentrou no elenco principal nomes de famosos;
essa assertiva baseia-se em uma pesquisa realizada para este trabalho referente a musicais que
mais concentraram famosos.

Nas fotos de divulgação do musical encontra-se um elenco bem diversificado com


relação aos trabalhos realizados pelos artistas anteriormente. Grosseiramente, poderíamos
dividir o elenco principal de Nine em quatro categorias: artista de musicais que não são
conhecidos do grande público (Nicola Lama e Myra Ruiz); artista que começou nos musicais
e passa a ter destaque na televisão (Malu Rodrigues); famoso que tem pouco ou nenhuma
experiência com musicais (Beatriz Segall, Carol Castro, Leticia Birkheuer e Mayana Moura);
e famoso que transita há alguns anos entre atuações na televisão e em musicais (Totia
Meireles).
217

Encontra-se um número maior de artistas com notoriedade midiática no elenco


principal do que os que têm experiência em musicais. Entre os que possuem grande
experiência em musicais está Nicola Lama que representa o protagonista Guido e canta a
maioria das músicas no espetáculo e ainda Myra Ruiz e Malu Rodrigues; esta última, apesar
de ter apenas 21 de idade já fez cerca de nove musicais em sua carreira e por seu destaque nos
palcos passou a fazer papéis na televisão também.

Se compararmos o elenco principal de outro espetáculo, dos mesmos produtores, de


uns cinco anos atrás, percebemos as raras presenças de famosos no elenco principal. No ano
de 2010, a dupla produziu o musical Um Violinista no Telhado, no elenco só havia o nome do
famoso José Mayer no papel principal, os demais nomes são de artistas experientes em
musicais. Os espetáculos realizados pela dupla há dez anos atrás, por exemplo, quase não
apresentavam nomes de famosos; na verdade só encontramos nomes como o de Daniel
Boaventura, Totia Meireles e Cláudio Lins, que transitam entre o teatro musical e a televisão.

Percebe-se, também que, quando há a presença de um artista renomado e com grande


notoriedade na mídia, não há no elenco outros nomes de famosos, porém, tem o caso de Nine,
que apesar de possuir vários nomes de famosos, a maioria não possui uma visibilidade tão
intensa como a de Cláudia Raia, Marília Pera e Miguel Falabella, por exemplo. É como se os
produtores e patrocinadores escolhessem entre um ou dois artistas de grande repercussão
midiática ou quatro ou cinco que são famosos, apesar de não serem vistos na mídia com
grande frequência ou mesmo em papéis de protagonistas. Para Wellington Dias de Melo
(2014, p. 57), na obra Televisão, atuação e inovação: As transformações no cotidiano de
trabalho de artistas da televisão brasileira, a dramaturgia é um dos trabalhos mais desejados
pelos atores.

Os artistas conseguem ganhar espaço internacional graças à qualidade adquirida nas


novelas. Por este motivo, a teledramaturgia, talvez, seja o trabalho mais almejado por quem
quer seguir esta carreira. Não apenas a telenovela ganhou reconhecimento como produto
nacional, como também se tornou um meio de comunicação prático e de fácil acesso. O
desejo em participar de tal produção está presente nos novos atores que são estimulados ao
constatarem a relação que os artistas já consolidados possuem com o gênero televisivo.
218

Não se pretende e nem se pode, aqui, classificar que artista possui mais destaque ou
não, porém até mesmo na televisão existem aqueles artistas que são escalados para papéis de
protagonistas e recebem melhores salários.

Há aqueles que são contratados das emissoras e ficam disponíveis para qualquer
produção da rede e têm aqueles que possuem contrato para determinado trabalho, não tendo
mais vínculo com a emissora após o término das gravações do trabalho em que foi inserido
Apesar de valores pagos entre trabalhos na televisão e teatro serem diferentes, dificilmente
algum ator contratado da Rede Globo e que, constantemente faz papéis de destaque, ganhará,
no teatro, menos do que os artistas que não possuem contratos.

Apesar de Nine trazer um número relevante de famosos, não há no elenco o nome de


nenhuma atriz, por exemplo, que já protagonizou algum seriado, novela ou filme. Alguns
nomes tiveram papéis de destaque na TV, como o de Carol Castro, que mesmo emendando
um trabalho ao outro não chegou a ter um papel como protagonista de novelas. Dificilmente
os produtores do musical Nine decidiriam apostar nos nomes já escolhidos do elenco mais o
de Claudia Raia, por exemplo, pois o investimento seria bem maior do que o esperado.
Percebe-se que as produções de musicais optam ou por um grande nome com repercussão
midiática ou por um elenco com vários nomes de famosos, porém com menor repercussão
midiática.

Ultimamente é raro ver um musical, ao menos das principais produtoras, que trazem
uma grande adaptação da Broadway sem, contudo, trazer no elenco alguma celebridade, o que
difere muito dos espetáculos apresentados no início da atual leva de musicais no Brasil. Com
exceção de Miguel Falabella, Cláudia Raia e Marília Pera, poucos eram os artistas com
grande notoriedade midiática que se aventuravam e se interessavam em participar de
musicais. O ator Jarbas Homem de Melo afirma, em entrevista presente na obra A Broadway
não é aqui – Teatro Musical no Brasil e do Brasil: Uma diferença a se estudar, de Gerson da
Silva Esteves (2014), que havia um período em que o ator famoso não queria participar de
musicais.

O musical americano tem a vantagem de vir com uma estratégia de marketing


pronta. Mas é interessante lembrar: quando começamos, lá em 1999, nenhum
famoso queria fazer musical. Então nós éramos um grupo de malucos apaixonados
pelo gênero. [...] Agora o público não vai mais ver Hello Dolly, vai ver Miguel
Falabella e Marília Pêra. Vai ver Cabaret pra ver Cláudia Raia (ESTEVES, 2014, p.
109-110).
219

Essa geração citada por Jarbas Homem de Melo é composta por profissionais que já
possuíam alto domínio de canto, interpretação e dança, antes mesmo de terem escolas
voltados para o teatro musical. Eles formavam um grupo que era constantemente escalado
pelas produtoras, justamente devido à dificuldade de, nas audições, serem encontrados
profissionais preparados para participarem de musicais. Na foto a seguir estão os
protagonistas do musical O Fantasma da Ópera (2015), e todos fazem parte dessa geração, e
até hoje são escalados para protagonizarem musicais ou mesmo participarem do elenco de
apoio. Eles deram espaço também para novos artistas que despontam como a nova geração do
teatro musical brasileiro.

Imagem 33: Elenco Principal de O Fantasma da Ópera (2005)


Sara Sarres, Saulo Vasconcelos, Nando Prado e Kiara Sasso (alternante da personagem Christine,
interpretada por Sara Sarres)

Fonte: ABTM (Academia Brasileira de Teatro Musical).107

Imagem 30: Elenco de Nine - Um Musical Felliniano - Elenco Principal Composto Por 8
artistas, dos quais 6 possuíam experiência na televisão.

Fonte: O Sul.108

107
Disponível em: <https://abtmblog.wordpress.com/category/fantasma-da-opera/>. Acesso em: 05 dez.
15.
220

Paulo Goulart Filho (2015), confirma a predileção das empresas por projetos que
propõem a participação de artistas conhecidos da grande mídia:

Essa política cultural do nosso País é bem difícil, para você conseguir patrocínio
você vai numa empresa e a empresa vai patrocinar qual projeto? Projeto que tem
ator conhecido, global, que vai chamar mídia, um projeto grande ou um projeto que
não tem ninguém. Começa daí, a conseguir grana, então é fundamental. E o público
também, o público, com certeza, vai no teatro para ver aquele ator e isso é
complicado, porque as vezes tem espetáculos belíssimos, com qualidade incrível.
Primeiro não tem grana para montar, depois não tem público, complicado, mas faz
parte do mercado, é assim, qualquer coisa. A gente está falando de um produto.

5.1.6. Entre os musicais e as novelas

Se há uma celebridade que transita facilmente entre os musicais e as novelas é Cláudia


Raia, e fica difícil elencar um motivo específico para todo esse sucesso. Talvez seja um
conjunto de fatores, sendo um deles o fato de, antes mesmo dos musicais se tornarem
tendência no Brasil, ela ter participado da montagem brasileira de A Chorus Line (1983). A
peça conta a história de dançarinos da Broadway que participam de audições para
conquistarem o sonhado lugar no coro de um musical. Cláudia Raia já havia excursionado por
outros países como bailarina, e decidiu fazer teste para o musical. Depois de concorrer com
cerca de 1.500 candidatas conquistou o papel de Sheyla, que era a bailarina mais experiente,
de 35 anos, apesar de Cláudia ter apenas 16 anos na época. Mesmo com a pouca idade a
artista chamava a atenção por seu tamanho, Cláudia Raia possui 1,80 metro de altura.

O trabalho da atriz chamou a atenção do ator e apresentador Jô Soares que chamou a


atriz, que contava então com 17 anos, para trabalhar no quadro Vamos Malhar do programa
de Jô Soares Viva o Gordo, da Rede Globo. Ela fazia a personagem Carola. Depois não parou
mais de atuar, independente se no palco ou na TV. Possui em seu currículo mais de 30
trabalhos na televisão, entre novelas e participações em seriados, além de ter no currículo
nove filmes. Tendo conquistado destaque tanto no teatro quanto na TV soube como ninguém
explorar sua popularidade junto ao público em seus trabalhos, sabe-se disso pelo motivo de
ela ter utilizado seu sobrenome em diversos espetáculos musicais, além de ter sido ela mesma
a produtora desses eventos. Protagonizou o musical Não Fuja da Raia (1991), Nas Raias da
Loucura (1993) e Caia na Raia (1996).

108
Disponível em: <http://www.osul.com.br/luzes-em-sao-paulo/>. Acesso em: 05 dez. 15.
221

Nesses espetáculos, ela resolveu misturar o Teatro de Revista, incorporando a vedete


com inovações dos teatros americanos. A temática principal dos espetáculos não contava com
um enredo imprevisível, no entanto, trazia a própria Cláudia Raia como tema central. A
notoriedade que a atriz possuía de seus personagens das novelas, assim como o
reconhecimento por parte do público de seus múltiplos talentos, tais como o balé, o canto e o
carisma no palco, todos enfatizados e divulgados pela mídia, foram elementos que ajudaram a
construir os espetáculos.

O sucesso das peças foi tão grande que, após alguns anos, a Rede Globo transformou
as produções em musicais televisivos e, logicamente, Cláudia continuou como estrela do
show. O jornalista Nelson de Sá, na matéria Cláudia Raia exibe altivez das grandes vedetes,
diz que a produção Nas Raias da Loucura está mais para um show do que propriamente para
um musical, justamente “porque não tem trama”. Sobre o musical, Sá comenta:

“Nas Raias da Loucura”, a bem da verdade, não é um musical, como o espetáculo se


proclama. Está mais para um show, como tantos, de cantoras propriamente, não
atrizes. Mas Claudia Raia é uma atriz de teatro. Mais até, é uma estrela de teatro,
capaz de interpretar, de contar piadas engraçadas, de dançar com perfeição, capaz
até, quem poderia imaginar, de cantar bem.109

Claudia Raia é basicamente o que toda a empresa deseja para um musical que apoiará,
uma artista que canta, dança, interpreta e é uma celebridade. Em um momento em que
musicais bibliográficos de artistas já falecidos são frequentes no Brasil, Cláudia Raia foi a
única, até o momento, que ousou encenar sua própria história valendo-se do formato de
musical. Ela já havia feito algo parecido anteriormente com musicais, mas não nos moldes
deste último, intitulado Raia 30, o Musical (2015), que é uma grande produção em
comemoração aos seus 30 anos de carreira artística. Cláudia encena ela mesma e relembra os
personagens que já viveu ao longo de sua trajetória.

Na crítica de Nelson de Sá, para a Folha de São Paulo, o que salvou o espetáculo Raia
30, o Musical, foram os quadros bem elaborados:

É um musical biográfico como tantos, mas com a diferença de Claudia Raia


interpretar durante uma hora e meia o papel de si mesma, saudada com adjetivos

109
SÁ, Nelson de. Cláudia Raia exibe altivez das grandes vedetes. Folha de São Paulo, 21 maio 94. Disponível
em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/5/21/ilustrada/14.html>. Acesso em: 24 nov. 15.
222

como ousada e espetacular- e breves referências ao tamanho de seu nariz ou altura,


para amenizar a náusea causada pela espiral de exaltação.110

Produzir esse musical só foi possível pela notoriedade que Cláudia Raia possui na
mídia e, assim como o título do musical indica, já ter 30 anos de carreira com trabalhos
diversos a serem relembrados, inclusive musicais. Cláudia é um dos poucos artistas que
participaram de musicais antes e depois das adaptações da Broadway se tornarem uma
tendência no Brasil.

Segundo o ator-cantor Saulo Vasconcelos, há diversos atores que transitam entre


novelas e musicais e que não deveria ter preconceitos pelo fato de uma celebridade buscar
papéis em musicais:

Olha, vou te dar alguns exemplos, Totia Meireles, Marisa Orth, Daniel Boa Ventura
e a própria Claudia Raia que são pessoas que já tem uma trajetória muito legal no
teatro musical [...] eu não sabia, mas a Marisa Orth cantava a vida inteira e agora
está fazendo shows no Teatro Porto Seguro. Há pessoas que podem falar assim: “A
Marisa Orth é global o que ela está fazendo no palco de um teatro musical?”. Olha,
ela canta e é atriz, então tem todos os requisitos e o direito de estar ali. Lógico que
existe todo um apelo comercial com nomes como Marisa Orth, Daniel Boaventura, a
Totia e etc., que chamam um certo público.

Vasconcelos acredita que pessoas famosas, no elenco, possuem apelo comercial e


podem contribuir para a venda de ingressos dos musicais.

110
SÁ, Nelson de. Quadros primorosos salvam “Raia 30” de autoexaltação. Folha de São Paulo. Disponível em:
< http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/229059-quadros-primorosos-salvam-raia-30-de-
autoexaltacao.shtml>. Acesso em: 27 nov. 15.
223

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na introdução deste trabalho mencionamos haver uma tendência de enquadramento de


formas e formatos em nomenclaturas e definições; é próprio do ser humano buscar respostas
para tudo. Mas como definir e classificar algo que ainda não tem resposta e que caminha em
uma linha que se vislumbra somente a ponta e não se vê o fim? Longe de pretensões
enquadrar algo tão complexo, mas ainda constante em “caixinhas de achismos”. Mas não
furtaremos de pontuar percepções que nos instigaram, sem, contudo, nos ater ao futuro do
teatro musical brasileiro, pois esse segue a plenos pulmões um trilho que está longe de ser
linear.

As entrevistas realizadas com profissionais do teatro musical brasileiro, entendedores


dos bastidores artístico e comercial revelaram uma predileção e até mesmo exigência, por
parte dos produtores e patrocinadores, da presença de celebridades no elenco dos musicais.
Pode ser um famoso com uma grande visibilidade na mídia ou alguns famosos com uma
visibilidade mediana. Percebe-se que a notoriedade midiática dessas celebridades é um
elemento a mais na lista de “pontos positivos” de uma produção e, muitas vezes chega a ser
um fator decisivo no veredito de uma empresa de apoiar determinado espetáculo.

Muitos dos questionamentos propostos na introdução deste trabalho foram


respondidos ao longo dos Capítulos aqui descritos. De qualquer maneira, o resumo das
análises feitas nesta pesquisa estão presentes aqui, e não vamos trata-las como conclusivas,
mas sim como ‘considerações’ formadas a partir de todo um conjunto de informações
adquiridas com base em estudos de obras e relatos diversos, além da nossa participação
efetiva como observantes.

Este trabalho que faz alusão a um enredo de teatro, tem apenas o “poder” de sondar
capítulos de uma “história”, ouvir opiniões, apontar tendências, analisar fatos e, com base em
tudo isso, pensar em um provável final, que pode ser definitivo ou provisório. Mas muito do
que ocorre com o teatro musical brasileiro na atualidade, de certa maneira, aconteceu em
outros momentos da história do musical brasileiro, de formas diferentes, em contextos
distintos, mas sua essência permaneceu a mesma, ou seja, um desenvolvimento com a
presença da mídia. Em resumo, são várias histórias que acabam juntas contando apenas uma:
a do teatro musical brasileiro, uma história que passa por um momento de ápice, de
reviravolta, muito longe, ainda, do fim.
224

Qual a trajetória percorrida pelo teatro musical brasileiro?

O caminho trilhado pelo teatro musical brasileiro apresenta três momentos de grande
destaque, intervalados e mudanças de formatos expressivos: Teatro de Revista, musicais da
época da Ditadura Militar e adaptações de musicais da Broadway. Vale ressaltar que estamos
em um momento de transição entre as adaptações da Broadway e as temáticas brasileiras.

Todos esses momentos do teatro musical brasileiro contaram com correntes midiáticas
que, muitas vezes, passaram e ainda passam despercebidas e que direta ou indiretamente
contribuem, mesmo que inconscientemente, para que uma produção cultural já aclamada pela
crítica receba uma versão em outro segmento, sendo mais bem aceita por já ser um produto
consagrado.

Nessa mesma linha de pensamento, notou-se que a participação de artistas populares


para o grande público garante bilheteria para musicais, como ocorrem com atores conhecidos
por seus papéis cinematográficos ou televisivos, mas que se aventuram no teatro musical,
garantindo prestígio, divulgação extra e uma bilheteria mais atraente para a produção.

Em resumo, a trajetória do teatro musical brasileiro é repleta de tentativas de


nacionalização dos formatos estrangeiros. Essas tentativas geraram e geram resultados
notáveis, isto é, o Brasil recebe um formato e tem o poder de transformá-lo para que se torne
um ‘produto’ nacional, e consegue. A mídia sempre esteve presente nos caminhos percorridos
pelo gênero no Brasil, seja através de artistas, seja na utilização de formatos estrangeiros, seja
por enredos de histórias conhecidas do grande público.

Como se deu o processo de influência dos formatos estrangeiros no teatro musical


brasileiro?

Em todos os momentos da história do teatro musical brasileiro, o hibridismo cultural


esteve presente no processo de nacionalização do teatro musical através da melodia de uma
música, em passos de uma dança, em personagens típicos, em temas políticos factuais. E,
apesar das críticas negativas de diversos intelectuais com relação à adesão do público a
formatos teatrais estrangeiros, não podemos afirmar que os artistas e produtores receberam o
novo formato e ficaram passíveis. O Teatro de Revista, por exemplo, divulgou personagens-
tipo brasileiros como o caipira, a mulata, o português, o malandro. Os tipos não vieram da
França, com a Revista-de-ano, surgiram do meio dos atores, escritores e diretores brasileiros,
225

com base no que se via nas ruas das cidades brasileiras, sejam elas metrópoles agitadas ou
áreas rurais silenciosas.

Esse hibridismo pode ser conferido a olhos nus a cada espetáculo musical
contemporâneo apresentado em palcos brasileiros. E isto tudo pode ser confrontado quando
checamos os nomes dos musicais apresentados ao longo de um ano no início desta década
com os previstos para este ano. Percebe-se a temática brasileira nos títulos, percebe-se nos
palcos, nos figurinos, até nos tons das músicas, por sua vez tons baixos, diferentes dos
comuns tons altos escolhidos pelas produções americanas.

No meio dessas influências estrangeiras, onde se encontram as produções


genuinamente nacionais?

É inegável a presença de influências fortes dos espetáculos da Broadway e de West


End nos musicais de temáticas brasileiras, a quantidade de pessoas no elenco, os cenários
caros e mirabolantes, o preço dos ingressos, o público de um é praticamente o mesmo do
outro. Entre ter um olhar pessimista em relação à essa influência, conclui-se, com base nos
discursos dos profissionais entrevistados e com os pensamentos dos autores lidos, que é
necessário um olhar não de negação às influências estrangeiras, entretanto, antes delas, pouco
era produzido com relação aos musicais no Brasil. Se hoje há temáticas brasileiras nos palcos
é porque, antes, temáticas estrangeiras fidelizaram um público.

Há espaço para produções adaptadas e criações brasileiras. Os espetáculos com


temáticas estrangeiras e nacionais dividem os palcos brasileiros, praticamente empatados em
números de produções. Erra quem imagina que não há mais espetáculos estrangeiros da
Broadway a serem adaptados no Brasil, pois a própria Broadway passou a adaptar filmes para
seus roteiros, criando novas opções de espetáculos e ainda há muitos musicais importados que
ainda não foram adaptados, não há tantos anos em cartaz como ocorre com O Rei Leão e O
Fantasma da Ópera, mas que não deixam de apresentar expressivos resultados na venda de
ingressos e críticas positivas da imprensa.

Vivenciamos um cenário em que a estrela é o teatro musical que acontece em solo


nacional, mas nem sempre pertencente ao Brasil. Porém, a regeneração desses formatos
‘enlatados’ ocorre de maneira gradual, à proporção que os profissionais resolvem criar,
acrescentar, dar uma “brasilidade” a uma determinada música, à certa dança... Isso não é de
agora, aconteceu com o Teatro de Revista que, de releituras de acontecimentos anuais, passou
226

a ter enredos atemporais, personagens brasileiros; com o tempo, a revista era outra e poderia
ser facilmente exportada como outro gênero teatral, que é realmente o que acabou se
tornando.

O mesmo processo acontece agora com base no formato americano de musicais.


Vemos se formar um novo gênero? Provavelmente. Está na arte do brasileiro não se limitar a
se pautar e não interagir com algo, seja um formato, seja uma tendência; a não acrescentar
suas capacidades de releitura, de tomar posse de algo pronto e devolver algo totalmente novo,
algo brasileiro.

Que formatos, estratégias de marketing e financiamentos são utilizadas nas


produções musicais milionárias no Brasil?

Os musicais adaptados da Broadway que representam produções milionárias ocorrem,


principalmente, através das leis de incentivos fiscais, com destaque para a Lei Rouanet. Sem
os altos valores “liberados” pelo governo seria impossível manter qualquer adaptação da
Broadway, mesmo porque as exigências contratuais são rígidas, há que se montar uma
produção do espetáculo fiel à original, e se é gasto milhões de dólares na peça original,
obviamente milhões de reais são utilizados numa adaptação brasileira. Ainda há muitas
ressalvas e críticas inerentes à forma de funcionamento da Lei Rouanet, muitos profissionais
buscam por mudanças na lei, que acaba destinando valores milionários a produções que, por
sua vez, possuem ingressos a preços não populares, deixando de lado produções de
companhias teatrais mais modestas.

Toda essa dinâmica de financiamentos gira em torno de uma palavra: marketing. A


principal estratégia de marketing de uma empresa ao aceitar “patrocinar” uma musical, cujo
investimento financeiro destina-se a abatimentos de impostos, é atrelar sua marca a de uma
produção de sucesso. A ‘marca’ move o mercado, e uma das principais preocupações da
empresa patrocinadora é se o espetáculo obterá sucesso. E esse sucesso está diretamente
ligado à aceitação do público, à casa lotada, a número de ingressos vendidos, o número de
vezes que os musicais ilustram páginas de jornais e revistas ou são citados em programas de
televisão; se o musical possui atores de renome no elenco ou se o próprio musical é de um
formato já consagrado e já revelou em outra montagem ter sido bem aceito pelo público e
imprensa.
227

As marcas não querem estar ligadas a um musical fadado ao fracasso ou que não traga
grande número de “indícios” de que será um sucesso. O teatro é imprevisível, não há
“garantias” de que tudo ocorrerá da maneira sonhada pelos produtores, como em um enredo
de contos de fadas onde tudo acaba bem. Para tanto, os patrocinadores acabam por se
cercarem de elementos presentes, geralmente, em musicais considerados de sucesso, enredos
e formatos já conhecidos mundialmente é um destes elementos.

Quais as expectativas dos produtores ao escalarem artistas notórios na mídia


para os musicais como forma de “agregar valor ao produto”?

Desde a época do Teatro de Revista é percebida a ligação que a mídia acaba fazendo
entre um ator e seus trabalhos, quando um artista é citado em uma revista, por exemplo, para
tratar de um assunto qualquer, acaba, por instinto, por divulgar seus trabalhos recentes e
futuros. E é nesse momento que um musical pode ter uma publicidade “extra”; caso o ator não
tenha visibilidade na mídia, dificilmente terá esse espaço para falar sobre seus trabalhos. A
escalação de um ator famoso em um musical não deixa de ser uma estratégia de marketing e
com seu custo, afinal, os salários de uma celebridade são de longe mais altos do que um ator
sem visibilidade midiática.

Os atores consagrados no Teatro de Revista, após o advento da televisão, passaram a


ser vistos pelo telespectador, e não somente pelo espectador; muitos desses artistas
estampavam revistas e tinham suas vidas pessoais expostas ao público; dinâmica parecida
com os dias de hoje. Notou-se que, com o Teatro de Revista muitos dos artistas já conhecidos
pelo grande público migraram para a televisão conseguindo contratos vantajosos devido a sua
popularidade e a sua legião de fãs. Além disso, o trabalho televisivo era considerado garantia
de sucesso, deixando de representar um piloto experimental a atrair ou não o público; temos
como exemplo os artistas Dercy Gonçalves e Grande Otelo.

Trazer grandes nomes para as produções não é algo que surgiu nos musicais
modernos; no Teatro de Revista, os nomes das grandes vedetes que estampavam as capas de
revistas em um cartaz de divulgação, às vezes, eram maiores que o próprio nome dos musicais
e até mesmo nos espetáculos da época da Ditadura Militar, tiveram sua cota de celebridades,
principalmente com Chico Buarque de Hollanda encabeçando a autoria de textos e músicas.
Durante esta pesquisa, resgatamos matérias da época onde há relatos comprobatórios de que
nomes famosos em atuação auxiliavam muito na divulgação da peça.
228

Os artistas de hoje, por sua vez, estão conscientes de que os patrocinadores procuram
atrelar seus nomes não somente ao das produções, mas, também, ao nome dos artistas, ou
seja, determinada empresa deseja passar a imagem de compromisso e confiabilidade não irá
gostar de atrelar sua marca a de um artista que acabou de se envolver em ações fraudulentas
ou de quebra de contrato, por exemplo. Tanto que os artistas estão contratando profissionais
conhecidos como personal branding, que os auxiliam a pensarem em ações que os ajudem a
criar uma “marca forte” em torno de sua pessoa, destarte, é evidente que, uma marca
patrocinadora vai querer se ligar a uma “boa marca/imagem de um artista”.

Como as adaptações conhecidas do grande público são vistas pelos produtores e


patrocinadores?

Assim como a escalação de um artista famoso é vista como uma estratégia de


marketing, como um elemento a mais que pode gerar o sucesso do espetáculo, também é a
carga midiática presente em uma adaptação. Nem sempre uma adaptação é garantia de
sucesso, ainda mais quando ela não teve grande destaque na montagem original. Mas, se
ocorreu o contrário, se a adaptação possui uma notoriedade midiática e foi divulgada
positivamente na mídia, ela é vista pelos produtores e patrocinadores como algo que pode ser
lucrativo. Podemos dizer que uma adaptação não deixa de se formar uma “marca”, em torno
de toda sua trajetória com participação na mídia.

Exemplifique-se com o musical Spider-man: turn off the dark, 111 espetáculo que
apareceu diversas vezes na mídia de forma negativa por ter acarretado acidentes de atores ao
longo de suas apresentações, sem se falar nos altos custos de produção com uma arrecadação
que deixou muito a desejar foi Na verdade ele não deu lucro, apenas prejuízo. Apesar de o
musical ter diversos elementos inovadores no que se relaciona à cenários e evolução no palco,
sua “marca” está atrelada a diversos fatores que farão os produtores pensar duas vezes antes
de assinarem algum contrato para adaptar essa produção. A divulgação da mídia por trás de
cada enredo é amplamente analisada por parte, primeiramente, dos produtores, que sabem que
quanto menos conhecido do público o espetáculo ou elementos deste, menos serão as chances
de conseguir verba e, em segundo, pelos patrocinadores, que preferirão ter sua marca

111
Musical citado na página 147 deste trabalho.
229

vinculada a musicais com carga midiática positiva do que com carga negativa ou sem carga
nenhuma.

O que esperar do teatro musical brasileiro?

Os principais títulos da Broadway já passaram pelos palcos brasileiros, tanto que


temáticas nacionais passaram a ter mais espaço. Mas, até mesmo os principais heróis
nacionais já foram retratados em musicais, e apesar de termos alguns que ainda não foram
enredos de musicais, nossa lista não é infinita. Com isso, que futuro aguarda o teatro musical
brasileiro? Resta aquilo que é o ponto que marca definitivamente um teatro musical brasileiro,
um formato próprio, um texto inédito no que tange à originalidade e tema porque, por mais
que um musical biográfico seja inédito, as músicas presentes na obra são canções conhecidas
do grande público, gravadas há tempos. O que nos aguarda são canções escritas,
exclusivamente, para um novo enredo, para uma nova história; não somente um novo texto,
mas letras e melodias totalmente brasileiras e inéditas. Para tanto, será preciso não somente os
patrocínios que, com base nas reclamações de diversos profissionais devem ser revistos, mas
investimentos em oficinas, cursos, patrocinadores dispostos a apostar em textos novos, sem
muita notoriedade midiática.

O teatro musical brasileiro apostou tanto em formatos já consagrados, produziu tantas


histórias já conhecidas, seja da Broadway, seja de biografias de artistas brasileiros, que o
desconhecido, a novidade, a curiosidade, pode ser a grande chave a partir de agora. Vemos
algumas produções que já revelam uma nova abertura do público para histórias com pouco
apelo midiático, como o musical americano Off-Broadway, Urinal – O Musical. Com um
texto politicamente incorreto, tratando sobre a crise hídrica e a corrupção, tem ganhado
críticas e público.112 Apesar de ser um texto americano; a temática diferente tem dado certo
em um Brasil que passa por diversos escândalos de corrupção e o Estado de São Paulo uma
crise hídrica memorável.

De tempos em tempos pipocam musicais com textos novos, produções mais modestas,
elenco não tão numeroso. E assim, segue o teatro musical brasileiro hoje, experimentando

112
GENTIL, Afonso. Crítica: Vigoroso musical da Barra Funda faz a Bela Vista tremer. Site Aplauso Brasil.
Disponível em: <http://www.aplausobrasil.com.br/2015/05/20/critica-vigoroso-musical-da-barra-funda-faz-a-
bela-vista-tremer/>. Acesso em: 15 jan. 2016.
230

fugir da totalidade dos formatos já consagrados, mas utilizando-se de diversos elementos dos
mesmos. Canções inéditas, realizadas para musicais ainda são raras, mas os profissionais com
quem tivemos oportunidade de conversar em entrevista para este trabalho, em sua maioria,
acredita que é questão de tempo para novos talentos surgirem.

As exigências dos patrocinadores estão cada vez maiores, por isso muitas produtoras
deixam de tentar trazer adaptações conhecidas, bem como grandes nomes da televisão,
contudo, apostam em musicais mais modestos, com patrocinadores de médio porte. Se não há
verba para orquestra, alguns instrumentos e um clima mais intimista resolve a questão
instrumental da produção. Aqui e ali vão surgindo a brasilidade nas decisões e mudanças
adaptativas. Afinal, uma das palavras mais utilizadas neste trabalho foi adaptação, e é
justamente ela que melhor define o que acontece com o teatro musical brasileiro, está se
adaptando as realidades do cenário cultural brasileiro, aprendendo a não menosprezar as
influências, mas também a não subestimar suas próprias capacidades.
231

APÊNDICES

Em ordem alfabética por nome de entrevistados, seguem as entrevistas feitas


e os depoimentos colhidos dos profissionais do teatro musical brasileiro.
232

APÊNDICE A - ENTREVISTA REALIZADA COM BERTA LORAN

Leiriane: A entrevista agora é com a Berta Loran, ex-vedete, atriz de teatro, cinema, TV.
Muito obrigada pela entrevista.
Berta Loran: Imagina!
Leiriane: E a pauta é Teatro de Revista. O que é o Teatro de Revista pra você?
Berta Loran: O que foi né, porque hoje em dia há muitos anos que eu não faço teatro de
revista. O teatro de revista, na época em que existia, havia um grande empresário, Walter
Pinto, tinha um mais que se chamava Zezinho, e eram revistas muito bonitas, porque tinham...
assim, eram 15 bailarinos, 15 bailarinas, cantores, mágico também tinha, e sempre tinha uma
cômica, não chamava comediante, cômica mesmo né, e o cômico, o ator cômico, e o povo
estava habituado a ver teatro de revista, tanto é que... Não é de minha época o Getúlio Vargas,
mas diziam que o Getúlio Vargas ia assistir as revistas. E tínhamos grandes vedetes, a
Virgínia Lane, Mara Rúbia, Nélia Paula, tinham muitas. Naquela época eu fui pro teatro de
revista por que... eu trabalhava no teatro israelita, eu sou judia, eu vim pra cá salva pelo meu
pai, lá da Varsóvia, porque, antes da 2ª Guerra Mundial. Meu pai era alfaiate e era ator.
Leiriane: Olha só, é de família, então?
Berta Loran: É de família; ele era alfaiate o dia inteiro, à noite ele ia ensaiar no teatro e fazia
teatro. Com 7 anos, quando eu fiz 7 anos, ele me levou pro teatro pra assistir um ensaio geral,
uma... um musical, chamava Bar Kochba, um musical judeu, claro, em ídiche, me sentou na
plateia e eu sozinha, ali, pra eu ver o que ele fazia no teatro, e ele tinha uma voz muito bonita,
de barítono.
Leiriane: Nossa!
Berta Loran: E musical, você sabe que musical a gente sempre...
Leiriane: É o encantamento né?
Berta Loran: É o encantamento, como hoje, então eu fiquei encantada. Quando terminou e
saímos pra rua ele disse: “e aí, você gostou?” Digo: “olha, pai, eu gostei tanto que eu vou ser
a mesma coisa que o senhor”; com 7 anos.
Leiriane: E ele gostou da ideia?
Berta Loran: Ele... Não sei não, porque a gente ganha muito mal e passa fome. Mas a
verdade é que, quando Hitler subiu ao poder, e o idioma judeu, que é o ídiche, porque o judeu
é tão complicado que hoje em dia tem dois idiomas, o hebraico, que foi ressuscitado, e quando
nós estávamos espalhados pelo mundo todo né, e não havia ainda Israel, evidentemente, o
hebraico era só para as rezas nas Sinagogas, nas festividades, a gente sabia pouco hebraico,
papai sabia melhor, né, mamãe. Mas depois que surgiu Israel, o ídiche, o idioma judaico,9 é
derivado do alemão, tanto é que o alemão e o judeu se entendem, que é parecido o idioma.
Então, meu pai, em 1933, ouvia o rádio e ouviu o Hitler, o louco do Hitler gritar: (frase em
alemão), que quer dizer: “eu vou matar todos os judeus”.
Leiriane: Nossa, pelo rádio seu pai ouviu?
Berta Loran: É. E em judeu é [frase em judeu], quer dizer, é quase a mesma coisa né. Aí ele
dizia: “aqui eu não posso ficar”, e imigrou pro Brasil.
Leiriane: Porque o Brasil?
Berta Loran: Porque já tinha estado em... Ele veio em 1933, mas em 1922, é uma história
muito engraçada, ele já tinha estado no Brasil pelo seguinte: toda família, que nós éramos,
mais ou menos, umas 300 pessoas, e a maioria era gente pobre, nós tínhamos um tio rico em
Buenos Aires, que escrevia pra nós que ele trabalhava com coisas vivas; coisas vivas a gente
pensava que era gado, mas não, ele tinha era um bordel e, Buenos Aires...rsrsr... Meu pai se
correspondia com ele porque qualquer sobrinho que casasse ele mandava “x” dólares pro
233

sobrinho de presente. Então quando o Hitler, quer dizer, não, na época ainda não era o Hitler,
1922 ainda não havia essas coisas, mas papai já tinha 5 filhos, eu não tinha nascido ainda, eu
fui a sexta. Então... E vivia na miséria né, num quarto só, com uma cozinha, e era muita gente,
eram 10 pessoas, mais ou menos, todos filhos e mais a irmã do avô e uma tia, uma zorra, né,
total. Então, em 1922, como ele tinha o endereço do meu tio de Buenos Aires porque eles se
correspondiam em ídiche, o que ele fez? Vendeu... Ele tinha 4 máquinas sempre de costura,
vendeu duas, pegou uma passagem e foi num daqueles navios igual ao Titanic, 3ª classe,
última classe.
Leiriane: Nossa!
Berta Loran: É. Chegou em Buenos Aires, foi lá, bateu na porta.
Leiriane: Descobriu que ele não tinha gado nenhum...
Berta Loran: Não, que nada, ele não entendia com o que que ele trabalhava. Mas ele sabia
que ele era riquíssimo, pois ele mandava dinheiro pra todos os sobrinhos; no que ele subiu,
um 1º andar luxuosíssimo, entrou num salão imenso com cortinas vermelhas, tapetes no chão,
e tinha umas 20 moças de robe andando pra lá e pra cá, e meu pai disse: “nossa, quantas
empregadas ele tem”. É que a gente era muito ingênua antes, sabe? Era papai, mamãe, os
filhos e a vida dura né. Então, quando o meu tio viu o meu pai, meu pai chamava-se José, em
português, é claro: “José, o que você está fazendo aqui?” “Ah, tio, eu vim porque nós estamos
na miséria, e como o senhor manda sempre dinheiro, por favor, o senhor podia arranjar pra
mim aqui, eu pra trabalhar como alfaiate ou como ator que eu sou ator também”. E o tio com
vergonha que ele viesse a saber o que ele fazia, ele disse: “não, eu não posso, você não pode
ficar aqui”, e ele disse: “é, eu estou vendo que o senhor é muito ocupado, tem tantas
empregadas”. Aí meu tio botou ele num navio imediatamente, deu mil dólares, na época era
uma fortuna, e deu endereço de um amigo dele no Brasil, no Rio de Janeiro, um alfaiate, um
judeu alfaiate.
Leiriane: Ou seja, ele nem ficou sabendo o quê que acontecia lá?
Berta Loran: Claro, porque os pobres sempre eram ou sapateiro ou alfaiate. Meu pai veio pro
Rio de Janeiro, ficou encantado, e foi morar até na casa desse alfaiate e conseguiu trazer a
família toda através de uma agência judaica, que eles ajudavam no Rio de Janeiro. Aí a minha
mãe veio com 5 filhos, eu não tinha nascido ainda, mas ela saiu de lá com 30 graus abaixo de
zero, veio pra cá, 42 graus de calor, naquela época no Rio Janeiro, ficou imediatamente
doentíssima, a ponto de o médico dizer: “ela vai morrer, ela não vai aguentar”. Aí ele foi na
agência judaica e: “pelo amor de Deus, me mande de volta com a minha mulher e meus
filhos”; e voltaram.
Leiriane: Aí todo mundo voltou...
Berta Loran: Voltou todo mundo; mas o Rio de Janeiro ficou na cabeça do meu pai; por isso
que em 1933 quando Hitler disse que ia matar todos os judeus, meu pai disse: “Ih, esse filho
da puta vai matar todo mundo”... rsrsr... “Eu vou pro Brasil”. De novo vendeu duas máquinas
e veio pro Brasil.
Leiriane: Aí tinha 4, da primeira vez vendeu duas...
Berta Loran: Não, ah não, depois readquiriu, não se esqueça que é de 1922 a 1933, claro,
comprou outras duas, sempre máquinas usadas, mas costuravam.
Leiriane: E dessa vez você veio?...
Berta Loran: É. Aí eu... Não, eu já tinha nascido, mas o papai veio primeiro com um dos
filhos mais velho, não o mais velho, o antes do mais velho, porque era solteiro, o mais velho
já estava casado e já tinha duas crianças pequenas. Aí meu pai veio e conseguiu, primeiro,
trazer, em mil e novecentos... nós viemos em 1936 e meio, a minha mãe, eu e uma irmã, uma
irmã menor que eu, que era a última, eu tinha dez e ela tinha dois anos e meio, e viemos pro
Brasil. Então, em 1937 já vinha o último navio pra cá, ele conseguiu, ainda, trazer mais 3
filhos; então ele conseguiu salvar 6 filhos, entendeu? O mais velho não quis vir porque já era
234

casado e mandou de volta a passagem e uma carta dizendo: “eu não vou deixar minha mulher,
estamos às portas da guerra”, e ficou lá, e a gente não sabe nem como morreu.
Leiriane: Não sabem o que aconteceu?
Berta Loran: Nós perdemos um só irmão, o mais velho, o avô, pai da minha mãe, uma tia,
uma porção de primos, éramos uma família de umas 300 pessoas, não sobrou ninguém pra
contar história.
Leiriane: E não sabe o que realmente aconteceu com essas pessoas, um registro...?
Berta Loran: Não, não sabemos, não sabemos.
Leiriane: É, é complicado.
Berta Loran: Acho que morreram todos em campos de concentração né? Bom, e eu vim pra
cá e fomos morar, quando viemos pra cá, fomos morar na Praça Tiradentes, 49 e, anos depois,
eu fui fazer teatro de revista na esquina, no Teatro Carlos Gomes.
Leiriane: E como foi esse contato com o teatro de revista, isso veio de algum convite?
Berta Loran: Não, primeiro o meu pai reuniu alguns atores judeus que conseguiram se salvar
e formou um grupo, um grupo de atores aqui e fazia teatro judeu, e é claro, em todos os
ensaios eu estava lá. Com 14 anos, eu disse: “papai, eu já posso ser atriz, eu vejo tanto e eu
sei, eu quero ser atriz”. Bom, aí o que ele fez? Tinha uma peça... Meu pai era um ator
dramático, e eu tinha uma irmã mais velha que eu, 4 anos mais velha, também era uma atriz
dramática, já estava fazendo teatro com meu pai. Aí ele pegou numa peça dramática, a
história chamava-se “O Dibuk”, Dibuk é espírito em judeu, o espírito... tinha um noivo que
morreu antes de casar com a noiva e o espírito entrou na noiva e ela então falava com a voz
dele; era um drama terrível, e ela tinha avó; o que meu pai faz? Me bota de avó.
Leiriane: Nossa, com 14 anos? É pra testar mesmo, pra testar.
Berta Loran: Botou uma peruca branca em cima de mim, e eu ainda era baixinha, ainda não
tinha crescido bastante, aí eu botei um salto da minha mãe, o sapato dela, ela usava salto alto,
8, mas eu não sabia andar de salto alto, então tem uma cena que eu ando com ela, eu
consolando ela: “você vai vê, um dia você vai se encontrar com seu noivo, não sei que, não
sei que”, quebrei o salto e comecei a mancar. Ora, num drama desse, mancando...
Leiriane: Aí virou uma comédia né?
Berta Loran: O povo só ri né. Aí meu pai gritava: “sai de cena, você é maluca, você não sabe
é nada, você não é atriz, você é merda, sai daqui”... rsrsr... Eu sei te dizer que meu pai nunca
gostou de mim. Onde é que nós estávamos agora? Estou perdida.
Leiriane: Vamos lá! Você estava contando que você estava mancando no palco e o seu pai
ficou super bravo com você.
Berta Loran: Ah pois é, meu pai ficou bravíssimo comigo, saí de cena e aí ele disse pra mim
“você não ter talento, você não vai ser atriz, você não vai ser nada; Bela sim”; era a minha
irmã.
Leiriane: Sua irmão mais velha.
Berta Loran: Faleceu faz 3 meses, 4 meses.
Leiriane: Sinto muito!
Berta Loran: Maravilhosa, com 93 anos ela faleceu.
Leiriane: 93? Viveu bem né?
Berta Loran: Viveu bem, viveu. Mas aí ele disse: “Bela sim, Bela maravilhosa, dramática”.
E depois, aí aconteceu o seguinte: depois da guerra, quando a guerra acabou, ninguém queria
mais ver drama, e eu sempre fui aquela que... sapeca, sabe?
Leiriane: Comédia.
Berta Loran: Eu queria cantar, dançar, contar piadas, entendeu? Aí chegou a minha vez, mas
ele continuava dizendo: “hummm...”. Meu pai não gostava de me ver. Anos depois, quando
ele foi me ver numa comédia maravilhosa, francesa, chamava-se O Peru, de George Feydeau,
aí ele veio na coxia e disse: “bom, agora você está melhor”.
235

Leiriane: Nossa! Então ele nunca aprovou 100%?


Berta Loran: Não, 100% não.
Leiriane: Ele era do drama né?
Berta Loran: É.
Leiriane: E a sua irmã, fez carreira artística?
Berta Loran: Dramática; é, ela fez 26 anos de teatro judeu, eu fiz 10 anos teatro judeu, em
ídiche, porque eu falo corretamente o ídiche né, eu falo alguns idiomas, e o judeu não é mole
não.
Leiriane: Eu imagino.
Berta Loran: Estar sempre estudando, sempre.
Leiriane: E você fala polonês também?
Berta Loran: Falo inglês... Não, o único idioma que eu não falo, que o meu pai odiava, os
próprios polacas nos tratavam como alemães, nos odiavam.
Leiriane: Hum... São diferentes.
Berta Loran: Não sei hoje, mas antes da guerra era terrível. Eu saí do meu colégio, quando
vim pra cá eu já estava no 3º ano lá, e o polonês também é latim, é uma letra ou outra que
muda, entende? Mas, o meu colégio judaico era situado numa rua cristã, em frente a um
colégio cristão. A gente sabia, todos os dias quando a gente saía do colégio, os meninos
jogavam pedras em cima da gente, muitas vezes eu chegava sangrando, o sangue escorria.
Leiriane: E como foi pra você chegar aqui no Brasil e ver essa diferença?
Berta Loran: Eu me apaixonei... Eu amo mais o Brasil do que o brasileiro, muito mais, eu
tenho paixão pelo Brasil.
Leiriane: Que bacana né?
Berta Loran: Porque o Brasil nos recebeu de braços abertos, um calor maravilhoso, nunca
me xingaram... Ih... Já naquela época já xingavam em polaco, isso eu dizer: “jidi, do
Palestina”, “saiam daqui, vão pra Palestina, pra Israel, lá”. Era horrível, eles já marcavam as
vagas dos judeus que saíram da sinagoga, eram terríveis, terrível.
Leiriane: Mas ainda bem que o país te acolheu...rsrs...
Berta Loran: Aqui? Ah... Eu amo o Brasil, eu adoro o Brasil, só tenho pena de estarmos na
situação em que estamos, muitos bandidos, mas também muita corrupção, muito roubo, e
massacrar o povo, porque o povo está massacrado. Inclusive o salário, que salário? Alguém
vive com R$ 700,00, me diz?
Leiriane: De jeito nenhum. Sobrevive, e mal.
Berta Loran: Um casal com um filho, com dois, não sobrevive. R$ 100,00 hoje em dia não é
nada. Estamos mal.
Leiriane: Me conta, então, como foi a primeira vez que você participou de uma peça no
segmento do Teatro de Revista?
Berta Loran: Ah, foi o seguinte: nós começamos a fazer depois da guerra, como eu te disse,
comédias musicais; como? Os astros vinham de Nova Iorque, astros judeus, nós judeus fala
americano, falávamos inglês e falávamos ídiche, e trabalhávamos para a coletividade, como
tem hoje a coletividade. Outro dia eu fiz um show, aqui, no CIB na Barata Ribeiro, porque eu
canto em ídiche, conto histórias, piadas, entende, eles me adoram. Então, nós começamos a
fazer as comédias musicais sendo os astros americanos, que aliás foi assim, também, que eu
aprendi inglês, com eles, porque eu tinha que dizer ao maestro, que era brasileiro, que o
conjunto de orquestra, 6 ou 7 figuras eram brasileiros e o maestro também, então, ele me
explicava em ídiche, às vezes já misturando com o inglês e eu explicava pro maestro: “olha,
ele quer o ritmo assim, ele quer..., vai pisar 3 vezes, vai pisar, aí por favor o senhor olha bem
pra ele... ”, essas coisas todas eu explicava. Então, quando fui trabalhar com o maestro
chamado Armando Ângelo, que sempre trabalhou em Teatro de Revista e ele veio fazer essa
temporada conosco, porque a gente fazia dois meses aqui no Teatro República que hoje é TV
236

Educativa, na Gomes Freire, Av. Gomes Freire, então, ele vendo o sucesso que eu fazia, eu
aprendi a sapatear com eles, eu já tinha voz pra cantar; então, às vezes, vinha um só e eu era a
“Line in Lady”, quer dizer, eu trabalhava com ele, “a dama”, a namorada dele, entendeu?
Leiriane: Entendi. Aí começou a partir do musical?
Berta Loran: É, a partir do musical e não me deixavam sair de cena, eu repetia, repetia, duas
vezes, três vezes. Quando terminava a temporada, eu morava naquele época, não se já era
casada, em pensão, pensão de 40 pessoas; ah, eu já era casada; então fui morar com meu
marido em pensão, porque não tinha pra pagar outra coisa, mal ganhava pra isso. Aí quando
terminou a temporada de 2 meses o maestro Armando Ângelo veio pra mim e disse: “Berta,
você fala português como eu, você fala o ídiche, você canta em ídiche, claro, tudo bem, mas
você, eu vejo teu sucesso, porque você não vem pro teatro brasileiro, você vai trabalhar o ano
todo? Não vai, depois, ter que implorar num clube pra fazer um showzinho pra ganhar um
dinheiro pra comer”; eu disse: “o senhor acha que eu posso ir pro teatro de revista?” E ele
disse: “tenho certeza, você vai fazer muito sucesso. Quanto você ganha?” Sei lá, vamos dizer
que eu ganhasse R$ 1.000,00, vamos dizer... “Eu vou arranjar pra você R$ 4.000,00”; e
arranjou.
Leiriane: Olha só; então ele te ajudou nessa empreitada, apostou em você?
Berta Loran: Claro, me botou, é, numa revista chamada Pudim de Ouro, que na época Eros
Volúsia, era uma bailarina, uma grande bailarina, e ela era a estrela, era muito bonita, e eu fui
lá fazer números cômicos, e o povo me adorou, simplesmente; contanto piadas, sempre pro
humor.
Leiriane: Sempre por esse lado?
Berta Loran: É. E quando precisava fazer uma cena, assim, de opereta, eu também podia
fazer, porque eu tinha mérito de soprano, podia cantar. Aí se vê que os meus shows, você viu
as roupas, eu sempre fiz shows em bonito...
Leiriane: Elegante...
Berta Loran: É, não no estilo, por exemplo, do Zorra Total, que o rapaz faz aquelas
rodelinhas e cabelo horroroso, fazer rir, fazer rir, em bonito; por quê? Como eu entendo muito
bem inglês, porque eu falo muito bem inglês, eu aprendi, eu via os filmes americanos, eu via
os astros americanos, eram sempre na beleza, né?
Leiriane: Aí você se inspirou?
Berta Loran: Fred Astaire, Ginger Rogers, sempre da melhor maneira, e fazer rir. Então era a
minha maneira, uma maneira nova de fazer no teatro de revista, naquela época né. Ah bom,
então, ele me levou pro Teatro de Revista e fiquei.
Leiriane: Gostou?
Berta Loran: É. Eu já era casada e o meu marido só fazia teatro em judeu, porque ele, ele era
argentino, eu casei com ele porque ele veio da Argentina com uma Companhia pra fazer
teatro ídiche, e ele tinha 51 anos, mas ele era um grande ator, e eu tinha 20, e ele disse pra
mim: “casa comigo, eu sou viúvo, você é maravilhosa, você vai ver, você vai fazer muito
sucesso”. Você ligava pra Buenos Aires, e Buenos Aires naquela época, nos anos 50, havia 3
teatros funcionando todas as noites.
Leiriane: E aqui, não?
Berta Loran: Não, aqui não, aqui era... Porque aqui não tem tanto judeu. Lá, naquela época,
tinha quase um milhão de judeus em Buenos Aires; então, eram 3 teatros funcionando todas
as noites. Ai eu disse: “Você me leva pra Buenos Aires, pra trabalhar lá?” Ele disse: levo”.
Disse: “Então eu caso”. Eu casei por isso, não gostava dele coisa nenhuma, eu com 20 anos e
ele 51, era deste tamanho, 1,50m... rsrsr... Mas era um grande ator também.
Leiriane: Bom ator...
Berta Loran: Tragicômico. E eu pensava: “ele vai me ensinar, quem sabe?” Não ensinou
nada, ele era viciado no jogo.
237

Leiriane: Você ficou casada muito tempo com ele?


Berta Loran: 11 anos; porque, minha filha, judeu, a mãe bota na cabeça que: “casou, está
casada, acabou. É um Deus e um homem, porque dois é anti-higiênico.” Mamãe falava assim,
e a gente ficava quieta né. Mas, 11 anos depois, eu já estava na Europa, fui levada pra
Portugal pra fazer Teatro de Revista.
Leiriane: Você morou alguns anos lá né?
Berta Loran: Seis anos. Eu fui por 6 meses; eu estava morando em pensão aqui, quando fui
pra lá comecei a ganhar dinheiro, comprei 3 apartamentos com o dinheiro de lá, aqui.
Leiriane: Então fica lá...
Berta Loran: Não, ficar ganhando dinheiro, mas o dinheiro vinha todo pra cá; minha irmã
que ia nos bancos, pagava, sabe, fazia tudo pra mim, essa irmã mais velha.
Leiriane: Bom, qual é a diferença do Teatro de Revista aqui no Brasil e lá em Portugal?
Berta Loran: Não era diferente não.
Leiriane: Não era?
Berta Loran: Não. É que lá é em estilo maior ainda, por quê? Porque eles costumavam trazer
as bailarinas ou de Paris ou da Espanha, então eram bailarinas maravilhosas, grandes
mulheres lindas, sabe; então, era a Europa, sabe, Europa, e eu era estrela, mas eu era estrela
cômica e estrela.
Leiriane: E qual é a diferença? Porque o Teatro de Revista tem essa característica de teatro
que tem a pessoa que canta, essa parte cômica, as beldades...
Berta Loran: É, claro, tem que dançar também, tem que ter essa coisa...
Leiriane: Tinha na verdade essa rivalidade entre os artistas?
Berta Loran: Tem... Nossa Senhora se tem! Tem rivalidade em cena de a colega te empurrar
pra lá: “chega pra lá, sai pra lá”.
Leiriane: Nossa!
Berta Loran: Ah, era terrível, filhinha, porque todas queriam ser primeiras, mas não existe
todas primeiras. Eu fui pra Portugal levada por um empresário chamado Giuseppe Bastos, já
morreu, e isso em 1957, imagine; ele veio pra cá, formou uma Companhia de Revistas, e nem
me viu, porque eu estava fazendo Teatro de Revista em São Paulo com um ator chamado
Otelo Zeloni, com Chocolate, que era um negro, muito bom ator, Sônia Mamede, que também
morreu, e estávamos com uma peça lá em São Paulo, no Teatro Santana, que nem existe mais,
era bem no centro, foi muito sucesso, e como ele não tinha tempo de ir pra São Paulo, mas ele
tinha uma secretária aqui, então a secretária disse: “senhor Giuseppe Bastos, leva a Berta
Loran que ela é maravilhosa, o senhor vai gostar, nem precisa ver, leve ela”. Aí na época se
eu ganhava... Não lembro quanto, ele me deu quatro vezes mais, e eu quando vi quatro vezes
mais, digo: “Vou-me embora”.
Leiriane: E conhecer Portugal... rsrsr...
Berta Loran: Vou conhecer Portugal e juntar dinheiro, porque eu queria era ter um
apartamento próprio.
Leiriane: E não morar mais em pensão...
Berta Loran: E não morar mais em pensão. Então, ele nos levou e nós fomos de navio, um
navio até chinês, nós fomos do Rio de Janeiro direto pra Lourenço Marques, que era a África
Portuguesa, mas era uma cidade lindíssima, trabalhar num teatro chamado His Majesty's, Sua
Majestade, que tem um teatro igualzinho em Londres; teatro maravilhoso, 1500 pessoas. E
quando eu cheguei lá, ele já estava lá com a Companhia toda, e eu fui apresentada a ele: “essa
que é a Berta Lóran”, eles diziam “Lóran”, Lóran... Ele disse: [com sotaque português]:
“muito prazer; sra, Berta, gostaria muito, amanhã à tarde eu me sento na plateia e a senhora
faz um número cômico pra mim, que é pra eu ver porque não a conheço”; digo: “eu vou fazer
um número cômico pro senhor, pra uma pessoa? Não, não faço nada”. “Como não faz?” “Não
faço! Tem que ter uma plateia pra rir, o senhor não vai rir nada, o senhor já vai sentar
238

pensando: ‘o que que essa mulher sabe fazer?” Ele disse: “Ai... a senhora é bruta”; digo: “é
isso aí”. “E outra coisa, eu soube que o Spina, que é o primeiro ator”... e ele era brasileiro...
“está ganhando 15.000 escudos, e eu vim por 12.000, agora, eu mereço ganhar a mesma coisa
que o 1º ator, porque eu sou ótima, eu trouxe o meu repertório”. Estava escrito até no
contrato, fiz contrato com a secretária.
Leiriane: Ah, você levou o seu repertório?
Berta Loran: Claro, porque era tudo sucesso já, feito, testado. Aí ele disse: “Não, 12.000”;
digo: “tá bom, 12.000, vamos ver”. Aí estreei. Minha filha...
Leiriane: Sucesso absoluto...
Berta Loran: Eu acabei com todos eles, todos eles, você não pode calcular o sucesso que eu
fiz. E o Giuseppe Bastos: “Sra. Berta, Sra. Berta Lóran, [...?] tu és maravilhosa, ai como tu me
fazes rir; não te deixaram sair do palco, vistes? Olha, 15.000 o salário”... “Está bem”. Na
mesma hora; eu sou danada.
Leiriane: Foi bacana... Você ficou, quanto, 6 anos lá?
Berta Loran: É, mas o contrato era de 6 meses... Comprei 3 apartamentos. Eu falei... Meu
Deus! Cada empresário que me chamava, me dobrava o meu ordenado.
Leiriane: E porque que você resolveu voltar pro Brasil?
Berta Loran: Porque eu não aguentava mais, 6 anos em Portugal... Até as pedras me
conheciam. Os guardas na rua... Porque lá é Europa, milha filha, é Europa. Eu, com 7 anos na
Europa eu ia ao teatro e eu ia ao cinema, porque o colégio leva, os professores levam. Europa,
a gente come pão com teatro, no cinema. Não é como aqui, as crianças crescem sem saber
nada. Tem gente hoje em dia, jovens de 20 anos, de 30 anos, que nem gostam de teatro, nunca
foram.
Leiriane: Não que não gostam, mas muitas vezes não tiveram nem a oportunidade de
conhecer né?
Berta Loran: Não sabem nem o que é; isso é errado. E lá era uma maravilha, por isso que eu
digo, quando eu cheguei em Portugal eu fiz tanto sucesso... Porque você não precisa ser
bonita, você tem que ter talento. E aqui é uma cara... Bom, até na televisão, você vê uma
carinha bonitinha... Já tá feito, já tem comerciais, já tem isso e aquilo.
Leiriane: É verdade. E, pra você, qual foi a importância do Teatro de Revista na política, na
cultura brasileira? Como você comentou, no Brasil não tem esse incentivo ao teatro, mas o
que representou o Teatro de Revista pra sociedade daquela época?
Berta Loran: Representou o que o povo gostava muito de ver; não se esqueça que não havia
televisão, e o teatro era posto em cena, o Teatro de Revista, com muita categoria; bailarinos,
bailarinas, o mágico era sempre um mágico que vinha da Europa, grande; o Walter Pinto,
então? O Walter Pinto trazia até bailarinas, as meninas, elas vinham de Buenos Aires, não
eram nem brasileiras. Ele trouxe uma vez um trasvesti, chamado Ivaná, que era um rapazinho
insignificante, mas quando ele vinha de mulher em cena... Ele era a mulher mais linda
mundo...
Berta Loran: Hein?
Leiriane: Inclusive ele causou muito ciúmes na Virgínia Lane né?
Berta Loran: É... É verdade.
Leiriane: Eles disputavam né?
Berta Loran: É. A Virgínia era uma graça de menina, era perfeita, o corpinho e as pernas...
Nossa Senhora! A única coisa eram os dentinhos que ela tinha, ela era dentuça, mas era
perfeita em cena, e muito maliciosa... De biquíni, sabe, descia, falava com os homens...
Filhinha, a maioria dos homens vinha de chapéu, botava o chapéu aqui que é para não verem
que o negócio estava levantado.
Leiriane: Nossa! Ela era a vedete do Brasil né, ela tem sido uma...
Berta Loran: É, ela e a Mara Rúbia, a Mara era linda a Mara.
239

Interlocutora Não Identificada: Na época do teatro né, que vocês estavam falando sobre a
Ivaná que era a transexual da época; foi um dos primeiros, assim, a surgir aqui no Brasil no
teatro, não havia transexuais na época né?
Berta Loran: Foi, foi; não, não havia travesti... É, e depois acho que veio até a Rogéria, mas
acho que o primeiro acho que foi a Ivaná né? Foi a Ivaná; Ivaná fantástica! A Rogéria, quando
veio, ela foi trabalhar, fazer um show com o Agildo Ribeiro no Teatro... Aqui perto, em
Copacabana mesmo, eu fui vê-los, os dois, ela estava maravilhosa, ela vinha da França né,
veio da França, e tinha uma voz muito linda, a Rogéria. Hoje, bom, já está com quase 70,
também né, mas é uma atriz de muita categoria, ela sabe brincar com o público, ela tem muita
graça. Mas eu tenho uma amiga que cuida do meu cabelo, inclusive, eu uso hena, não sei se
vocês conhecem, Henna indú...
Leiriane: Sim.
Berta Loran: Que pega muito bem os brancos né... É uma cantora, ela tem uma voz
lindíssima, chama-se Jane Di Castro.
Berta Loran: É. Então, eu dirigi um show: As Divinas Divas, durou dez anos. Viajava o
Brasil e fazia 3 anos seguidos, todas as terças- feiras no Teatro Rival, é lá na cidade né? Muito
sucesso! Eram 6 travestis, mas ela era a principal, mas a Rogéria também estava com ela, e
era um ciúme, milha filha, muito ciúme uma da outra. Hoje a Jane Di Castro, agora, está
sendo dirigida pelo Ney Latorraca, em... como é que se chama mesmo? Não sei o que
Batom...Esqueci o nome, que ela vai fazer aqui no Baden Powel, vai estrear aqui 3 semanas
seguidas, sexta, sábado e domingo, sozinha; ela é muito boa, muito boa, e muito minha amiga,
maravilhosa!
Leiriane: E, aproveitando que você falou dessa questão dos bastidores, da inveja mesmo,
como era essa questão dos bastidores, as audições, as produções?
Berta Loran: Olha, querida, pra ensaiar, era uma coisa muito séria, muito séria.
Leiriane: Profissionalismo?
Berta Loran: Muito profissionais, porque os empresários gastavam muito dinheiro pra
estrear uma revista. Você vê, os ensaios, naquela época, também se pagavam os ensaios, sabe,
mas as roupas eram maravilhosas, sabe, sapatos, roupas, e teatro você tem que pagar pra
ensaiar. Hoje em dia, quando o... Hoje tem muito esse show de uma pessoa só ou dois.
Leiriane: O Stand Up...
Berta Loran: E quando ensaiam, eles ensaiam numa casa de alguém, uma casa de alguém ou
alugam ou na casa deles mesmo, só vão dois dias antes pro teatro porque o teatro cobra uma
fortuna.
Leiriane: Até pra ensaio?
Berta Loran: Até pra ensaio, não querem saber.
Leiriane: Você chegou a trabalhar com Walter Pinto?
Berta Loran: Não.
Leiriane: Não?
Berta Loran: Não. Mas ele me chamou, ele me chamou pra trabalhar, mas aí eu ensaiei dois
dias com um ator, um dueto, mas aí, depois, ele chamou a Nélia Paula pra me substituir,
porque a Nélia era muito bonita, e eu nunca fui bonita, mas era bem feitinha, de corpo, de
corpo você vê ali.
Leiriane: Mas isso te incomodava de alguma maneira, isso que aconteceu da substituição?
Berta Loran: Eu sofri muito! porque ele me chamou, conversou comigo, acertamos o
ordenado, e tudo, e saí em dois dias; era um dueto com um ator, até muito bom; no 3º dia,
quando eu chego lá, um dos assessores dele já não me deixou nem entrar.
Leiriane: Nossa!
Berta Loran: E me deu as fotos que eu tinha levado, de volta, ele tinha um book e me disse:
“desculpe, tá”, ele se chamava Marzur, já morreu, coitado: “desculpe, tá, Berta, mas é que...
240

acontece que o seu Walter Pinto achou melhor chamar a Nélia Paula e ela vai fazer o dueto,
viu, não se aborreça e tal”. As minhas lágrimas corriam que eu não sei como não fui
atropelada pra atravessar a rua, ali no Teatro Recreio, fui abaixo; então eu não cheguei a
trabalhar com ele. Mas mesmo os outros, o tal José Ferreira da Silva, que era Zezinho, a gente
chamava de Zezinho, era o segundo, depois do Walter Pinto, também era muito bom, muito
bom...
Leiriane: Você trabalhou muito com ele?
Berta Loran: Os bailarinos, as bailarinas, e tinha sempre o Carlos Gomes, o João [...?],
trabalhei no João Caetano também, eram os 3 teatros, tudo teatro de revista.
Leiriane: E pra você, qual foi o motivo do fim do Teatro de Revista?
Berta Loran: Pra mim não teve fim, porque eu fiz 11 revistas em Portugal.
Leiriane: Acabou aqui no Brasil, mas você continuou?
Berta Loran: Aquele estilo; Não, no Brasil, porque eu fiz 11 revistas; como eu te disse, eu
ganhei bastante dinheiro, e quando resolvei voltar, como a Bibi esteve lá também 3 anos, ela
ficou minha amiga, nos tornamos duas brasileiras né, nos tornamos muito amigas, e ela veio
pro Brasil e a gente se correspondia, e como o 3º apartamento eu ainda não tinha pago, aí eu
pedi pra Bibi, eu disse: “Bibi, eu estou voltando pro Brasil, por favor, arranje um trabalho pra
mim.

APÊNDICE B - ENTREVISTA REALIZADA COM BRIGITTE BLAIR

Leiriane: Agora que eu vi essa foto...


Brigitte Blair: Essa foto eu tenho há uns 25 anos. Agora aqui, isso aqui conta quase que a
minha história, é uma reportagem de O Globo, isso aqui tem assim, como se fosse um
released.
Leiriane: Legal.
Brigitte Blair: Quando eu comecei, de onde eu sou; eu sou de Minas né, aí conta tudo, se eu
soubesse teria trazido o negócio desse pra vocês.
Leiriane: Olha só.
Brigitte Blair: Uma xerox desse aí.
Leiriane: Lindo!
Brigitte Blair: Não, esse aqui é uma coisa que fala sobre o... toda a minha carreira, resume.
Leiriane: Resume os principais momento né.
Brigitte Blair: É, é.
Leiriane: Eu vou fazer uma pergunta, mas fica à vontade, quanto mais relatos... porque a
gente tem pouca coisa sobre o teatro de revista, assim, em pesquisas..
Brigitte Blair: Bom, não tem, não é pouca não, não tem.
Leiriane: Não tem, realmente, tirando alguns livros aqui e ali você não encontra muita coisa.
Brigitte Blair: E vocês fazem faculdade de...
Leiriane: Eu já sou formada em jornalismo, trabalho na Câmara Municipal de Santo André
com ela, e a minha pesquisa é porque eu sou apaixonada por teatro musical, tanto dessa época
241

como... tudo que fala que é musical, desde os filmes, eu sou apaixonada. Eu trabalho com o
teatro [...?] há muitos anos, e eu tinha que escolher um tema pra minha pesquisa, e eu
pretendo futuramente fazer um livro sobre o teatro musical no Brasil, então por isso que eu já
estou começando essas entrevistas pra falar sobre o teatro musical. Então, não só o pessoal do
teatro de revista, mas esses musicais novo de agora.
Brigitte Blair: Eu adoro o teatro de revista.
Leiriane: É Cláudio Botelho, pessoas que produzem, eu também estou entrevistando esse
pessoal pra trazer porque, na verdade, tem o teatro de revista, o pessoal: “ah, esse teatro
musical agora é da Broadway”, mas tem o teatro de revista, então pode dizer que começou
agora, não foi, muito pelo contrário.
Brigitte Blair: Não... Esse livro que eu estou te falando, o livro “Viva O Rebolado”, vocês
comprem porque vocês vão ter muita matéria. Ele começou em 1936 contando... Dá o nome
das peças, dá o cenário, dá o figurino, os produtores.
Leiriane: Eu estou pesquisando...
Brigitte Blair: O “Viva o Rebolado”. E depois você lembra aquela peça, aquela novela, “As
Belíssimas”?
Leiriane: Foi a Íris e a Carmem.
Brigitte Blair: Eu estava. Não, sabe quantras estiveram ali?
Leiriane: É, eu lembro de você.
Brigitte Blair: Tivemos no... Tem um livro também sobre aquilo e a gente está no livro
também. Eles conseguiram reunir no dia do fechamento da novela 22 vedetes, até a Heloína
veio de Porto Alegre, veio assim, veio de Porto Alegre, veio não sei de onde, todas as vedetes
estavam naquele fechamento. Não lembra de mim não? Eu estava.
Leiriane: Eu lembro, aparece o seu nome, Brigitte Blair.
Brigitte Blair: É uma que existia a... Estava a Iris...
Interlocutora Não Identificada: Aliás eu vi esses dias o de todos.
Brigitte Blair: A Carmem Verônica, vocês falaram com a Carmem Verônica?
Leiriane: Nós ligamos pra ela, mas ela está gravando um seriado da Globo, então a gente
nunca encontrou ela na casa dela. Até no aniversário dela que foi acho que há dois dias, ele
trabalhou até de madrugada, aí acabou que não deu certo.
Brigitte Blair: Estava a Carmem Verônica. Mas tinha... Olha, a Virgínia Lane morreu há
pouco né?
Interlocutora Não Identificada: A Virgínia Lane foi colocada lá no centro né, da...
Brigitte Blair: A Virgínia Lane estava nessa [...?]
Interlocutora Não Identificada: Estava.
Brigitte Blair: Reuniram 22 vedetes.
Interlocutora Não Identificada: Até a Marly Marley estava lá né?
Brigitte Blair: Marly Marley maravilhosa, estava lá.
Leiriane: Ela era de São Paulo né?
242

Brigitte Blair: Marly Marley morreu, muito minha amiga, maravilhosa! O meu primeiro
marido foi o Augusto Cesar Vanucci, quer dizer, era um dos grandes da Globo que... Aí
depois que ele foi pra Globo ele já era do teatro há muitos anos; é, foi meu primeiro marido, e
a Marly Marley era muito amiga dele, já trabalhava com ele naquela época, ele, a Marly e o
Agildo Ribeiro. Agora, vocês falaram com a Berta Loran, falaram com a Íris Bruzzi...
Leiriane: A gente tentou também a Janete... Bezerra?
Brigitte Blair: Não, Janete Bezerra não, a Janete Jane, não é Janete Jane?
Leiriane: Não, não; essa não deram o contato pra gente.
Brigitte Blair: A Janete Bezerra morreu aí.
Leiriane: Então, passaram o contato dela né, a gente ligou. O Agildo Ribeiro...
Brigitte Blair: Não, a Janete Bezerra morreu. Ela morava em Nova York.
Interlocutora Não Identificada: Eu acho que não era Janete Bezerra não.
Leiriane: Era um outro nome.
Brigitte Blair: Não era Janete Bezerra não. A Janete Bezerra morreu há pouco tempo, mas
ela sempre morou nos Estados Unidos, sempre morou, ela estava morando na Flórida, em
Miami. Eu morei em Miami 12 anos, eu estava sempre com ela lá; ela faleceu. Vocês
poderiam, talvez, que mora perto de Copacabana...
Leiriane: Podia até conseguir um contato né, porque às vezes conversa com assessores,
assim, então você não consegue achar o [...?]
Brigitte Blair: Pôxa, vocês deviam ter me falado, eu tenho tudo em casa, eu tenho todos os
contatos delas.
Leiriane: Quem me passou o seu contato foi a Íris.
Brigitte Blair: Vocês devem estar procurando a Janete Jane.
Interlocutora Não Identificada: É, Janete Jane.
Brigitte Blair: Inclusive ela mora aqui perto.
Interlocutora Não Identificada: Exatamente, é a Janete Jane.
Brigitte Blair: Ela mora aqui em Copacabana, aqui perto; é uma pessoa maravilhosa a Janete
Jane.
Leiriane: Então, você pode, a gente ligou pra Janete, ela não está no Rio agora, ela está em
outra cidade aqui do Rio de Janeiro.
Interlocutora Não Identificada: Não, quem está em Teresópolis é a Lia Mara.
Leiriane: Outra também que é do... Ah, vocês sabem que a Lia Mara é outra que eu ia falar
agora, ela mora aqui.
Interlocutora Não Identificada: É.
Leiriane: Só que a gente ligou. O Agildo Ribeiro também tentei contato, porque é um homem
né, tentei contato...
Brigitte Blair: A Lia Mara está aonde?
Interlocutora Não Identificada: Está em Teresópolis.
Brigitte Blair: Morando?
243

Leiriane: Não, só está passando o final de semana lá.


Interlocutora Não Identificada: É viagem mesmo.
Brigitte Blair: Ela mora aqui, aqui no Posto 6. É maravilhosa! Tem uma cabeça... Te conta
história assim, ela é ótima.
Leiriane: É que agora que a gente conhece fica mais fácil conseguir os contatos, mas lá em
São Paulo...
Brigitte Blair: Você não acredita que ela tem a idade que tem.
Brigitte Blair: Outra... Vocês querem teatro de revista... Eu fiz muito show...
Leiriane: A gente volta em outro dia, porque a gente vai embora hoje, mas podemos voltar
outro dia.
Brigitte Blair: Eu fiz muito show foi com a Betty Faria, mas a Betty Faria eu fiz show com
ela em show de Carlos Machado né, que era outra linha, a linha do Carlos Machado era um
show maravilhoso; trabalhei com a Betty Faria.
Leiriane: Mas também é considerado teatro musical?
Brigitte Blair: É, o show de Carlos Machado...
Leiriane: Ah, então você pode falar um pouquinho sobre isso também
Brigitte Blair: Carlos Machado é maravilhoso, a Íris Bruzzi trabalhou com ele também, era
um homem show.
Leiriane: Então vamos começar a gravar, como a gente está falando bastante coisa
interessante, já fica...
Interlocutora Não Identificada: Já está gravando.
Brigitte Blair: Ah não, depois vocês editam o que interessa, porque às vezes a pessoa vai
falando, vai falando, é que eles estão promovendo... Querem fazer um documentário comigo,
aí é aquele negócio, vai gravando, vai gravando, depois pega aquilo, e nessa você tem que ter
memória pra poder contar aquelas histórias.
Leiriane: Com certeza.
Brigitte Blair: Então eles vão fazer um documentário comigo, eles estão preparando já,
preparando o texto pra que...
Leiriane: Quem vai fazer isso?
Brigitte Blair: Quem vai dirigir pra mim, eu quero que o Ciro Barcelos dirija, não sei se você
conhece de nome.
Leiriane: De nome sim.
Brigitte Blair: É um grande ator, é o produtor e o diretor da Dzi Croquettes, e ele fez aqueles
vários espetáculos, aquele Francisco de Assis; é maravilhoso, ele é fora de série; eu queria que
ele dirigisse, porque ele me conhece muito bem, me acompanha há muitos anos, sabe de
história à beça aí. Eles estão preparando pra fazer um documentário, porque é importante...
Leiriane: Não, é.
Brigitte Blair: Ou então escrever um livro.
Leiriane: Quantas pessoas né, se esse pessoal tivesse feito outros documentários com essas
pessoas [...?], Marley...
244

Brigitte Blair: Olha, Marly Marley era uma figura maravilhosa.


Leiriane: E a gente sente falta hoje em dia, procurar assim só em pesquisa e não tem.
Brigitte Blair: A última vez que eu estive com ela foi nas Belíssimas. Marly Marley era
muito minha amiga...
Interlocutora Não Identificada: É, ela ficava na porta do teatro quando tinha show do
marido dela, eu já fui em um, ela ficava lá recebendo as pessoas. Pensar que eu a vi
pessoalmente né, e ela se foi tão rápido.
Brigitte Blair: Ah, a Marly Marley era uma figura... ela era um ser humano maravilhoso,
todo mundo amava a Marly, ela era uma pessoa maravilhosa. Ela foi muito de repente né,
porque...
Interlocutora Não Identificada: Foi, foi de repente.
Brigitte Blair: Porque ela estava muito bem ali no programa, de repente...
Leiriane: É verdade.
Brigitte Blair: Eu senti muito. A Virgínia Lane também era muito gente boa. São coisas que
a gente... sabe? Também estive com ela a última vez na Belíssima, na gravação da Belíssima,
a Marly Marley, a Carmem Verônica; eu tenho o telefone de todo mundo.
Leiriane: Depois eu vou querer alguns contatos se for possível. A Carmem Verônica a gente
tem o contato dela, mas a impressão que a gente teve é que ela está muito ocupada.
Interlocutora Não Identificada: Alguns contatos de São Paulo, você tem de algumas
vedetes que estão lá?
Brigitte Blair: São Paulo? Deixa eu ver quem está em São Paulo. São Paulo era a Marly
Marley, a... a Lilian Fernandes, uma grande vedete do teatro de revista; ela foi mulher do
Colé; lembra do Colé? Ela sempre foi paulista, sempre morou em São Paulo a Lilian
Fernandes; ela está ótima, está ótima.
Leiriane: Vai ficar mais fácil pra gente entrevistar também.
Brigitte Blair: É. A Lilian Fernandes... Estou falando teatro de revista né, porque eu fiz todo
tipo de teatro, revista, comédia, tragédia, Nelson Rodrigues, tudo que você pensar eu fiz, tudo,
mas estamos falando do teatro de revista.
Leiriane: A Bibi Ferreira também não é um teatro de revista, mas é musical também; não era
teatro musical a Bibi Ferreira?
Brigitte Blair: É, a Bibi Ferreira faz musical também né; por exemplo, ela fez uma... Esse
tipo de... Ela agora... Ela está aqui né no teatro... Theatro Net Rio...
Leiriane: Hum... Não está lá em São Paulo não?
Brigitte Blair: Não, ela está aqui fazendo um espetáculo aqui, tem 93 anos, e cantando.
Leiriane: Meu Deus!
Brigitte Blair: Mas ela fez My Fair Lady, ela fez vários musicais né; não é teatro de revista,
mas são musicais.
Leiriane: Isso é interessante também né, conversar com ela?
Brigitte Blair: Ela está aqui no Teatro da Net Rio... A peça que ela está com... É pertinho.
245

Leiriane: Então, Brigitte, fazer a primeira pergunta aqui: conta um pouquinho sobre a sua
trajetória artística, principalmente, nós já estávamos conversando, sobre o teatro de revista;
como foi que você entrou nesse meio artístico?
Brigitte Blair: Ah, é impressionante! Eu, com 16 anos, eu não sou daqui do Rio, eu sou de
Minas Gerais, sou do Triângulo Mineiro, Araguari, eu com 16 anos eu vim tentar a vida no
Rio de Janeiro. Cheguei aqui no Rio, comecei a trabalhar numa boate fazendo show à noite.
Depois, um empresário me viu, me chamou pra eu fazer um teste pro teatro de revista, foi
quando eu cheguei lá pra fazer no teatro um teste e eu passei logo no primeiro dia, foi quando
eu conheci Augusto Cesar Vanucci que foi meu primeiro marido; aprendi muito com ele
porque ele já era famoso.
Leiriane: Já era do teatro?
Brigitte Blair: Já, já era famoso. Ele já era ator, diretor, produtor, ator, cantor, ele era tudo.
Aí dali... E isso foi em 1960. Depois eu entrei na revista e não saí mais. Trabalhei contratada
com esses empresários todos até uns 18 anos, de 16 pra 18; depois eu trabalhava na televisão,
na TV Rio, que era aqui no Posto 6. A TV Rio foi antes de fundar a Globo, não tinha ainda...
Leiriane: Então do teatro, depois de anos, você já passou pra televisão?
Brigitte Blair: Não, fazia teatro e fazia televisão, porque a televisão fazia programa de humor
ao vivo, ao vivo, então eu trabalhava nos programas de humor ao vivo, trabalhava com o
Golias, trabalhava com esse... Roberto de Nóbrega...
Leiriane: É verdade... A Praça é Nossa...
Brigitte Blair: A Praça é Nossa. Ele trabalhava... Ele vinha de São Paulo, ele, no começo pra
fazer o programa. Então eu trabalhei com o Golias, com esse Roberto de Nóbrega, era um
programa de humor na televisão, a gente terminava de fazer a televisão e voltava pro teatro
pra fazer a peça; eu nunca deixei o teatro. Aí quando eles foram fundar a Globo, o Walter
Clark que comandava a TV Rio, foi fazer a Globo, foi ele que fundou aqui, o Walter Clark. Aí
eu falei: “não, eu não quero ir pra TV Globo”, porque eu não gosto de trabalhar em televisão,
eu odeio. Eu fazia filmes também... Fazia filmes, fazia pontinhas nos filmes; a gente tinha que
trabalhar em vários lugares pra poder sobreviver. Aí eu falei: “não, eu vou fazer o seguinte, eu
não vou pra TV Globo...”. Ele levou todo mundo da TV Rio, levou todo mundo pra Globo,
inclusive está até hoje até, está lá trabalhando na Globo, está todo mundo lá até hoje na
Globo, a Globo tem aposentadoria lá pros atores, ficam lá e eles pagam não sei quanto. Então,
eu falei: “não, eu não quero, eu vou ser produtora, vou produzir meus espetáculos”. Aí o meu
primeiro espetáculo que eu produzi, foi em 1965, no Teatro Serrador, que é um teatro
maravilhoso que tem ali no centro, na Senador Dantas, que hoje é de minha propriedade, esse
teatro é meu, hoje. Em 1965 eu fui ao meu teatro, fiz a minha produção, minha primeira
produção, montei uma comédia musical, é uma comédia musical, não foi nem revista, peguei
um texto e transformei em música ao vivo, era música ao vivo, não era transmissão da
Excelsior, a primeira produção, estou devendo até hoje. Mas você sabe... Aí terminou meu
contrato lá no Teatro Serrador, que o Teatro Serrador fica ali na Rua Senador Dantas,
Cinelândia, e eu vim pra Copacabana, não com a peça que estava lá, porque lá eu tinha uma
peça de 20 ou 30 pessoas, não lembro; aí eu montei uma comédia, que o meu musical não deu
certo porque eu tinha muita despesa, minha primeira produção eu não tinha experiência e não
deu certo. Aí o que eu fiz? Falei: “bem, eu tenho que sair dessa”. Aí montei uma comédia
onde o Paulo Silvino era o autor, ele trabalhava como ator, o Jorge Dória era ator, trabalhava
como diretor, a Henriqueta Brieba era atriz, então trabalhava eu, a Henriqueta Brieba, o Paulo
Silvino e o Jorge Dória, que também foi meu grande professor o Jorge Dória, que era um
excelente ator. Aí eu fiz essa comédia de 5 pessoas, foi quando eu vim pra cá, pra esse teatro.
246

Quando eu cheguei aqui nesse teatro, eles me alugaram um horário alternativo, disseram
assim: “ó, se você quiser, nós temos o horário de onze e meia da noite, horário alternativo”; aí
eu falei: “não, vamos fazer sim”. Eu comecei a filipetar em Copacabana, eu é que inventei
esse negócio da filipeta de mão em mão, eu que inventei isso.
Leiriane: Que inventou isso?
Brigitte Blair: É, essa invenção é minha. Eu rodava Copacabana inteira, o dia inteiro
filipetando, conseguia lotar o teatro quando era onze e meia da noite.
Leiriane: Horário complicado né?
Brigitte Blair: Não, horário que não existia, não existia onze e meia da noite; porque a peça
que estava em cartaz às nove horas terminava esse horário pra eu poder entrar. Quando eu ia
entrar com a minha comédia a frente do teatro já estava completamente lotada. Passaram-se
uns dois, três meses os arrendatários do teatro, assim: “você não gostaria de arrendar esse
teatro? Porque o que você faz é inacreditável. Você consegue lotar esse teatro todos os dias as
onze e meia da noite; isso é inacreditável!” Aí eu fiz um contrato de arrendamento.
Leiriane: Quantos anos você tinha?
Brigitte Blair: Eu tinha uns 19, 18 pra 19.
Leiriane: Você sempre foi empreendedora né?
Brigitte Blair: Sempre fui, eu trabalho desde os 8 anos de idade, sempre fui, sempre fui
empreendedora; me aposentei com 42 anos. Eu com 12 anos era caixa de farmácia, já
trabalhava, sempre fui empreendedora. Então, quando eu cheguei aqui que eles falaram: “você
vai arrendar esse teatro porque você consegue fazer um trabalho, consegue colocar público,
que é dificílimo?” Naquela época era difícil também. Eu arrendei o teatro. Aí quando eu
arrendei o teatro, eu comecei a montar o teatro de revista, que é o meu gênero; eu faço
comédia também, eu faço qualquer tipo...
Leiriane: Drama...rsrs
Brigitte Blair: Faço comédia, tragédia, eu faço qualquer tipo mesmo. Eu comecei a montar
teatro de revista, teatro infantil, e o teatro infantil ele já tinha peça infantil, eu permaneci,
falei: “não, vou continuar com teatro infantil”, fazia o meu teatro de revista e montava show à
meia-noite com transformista.
Leiriane: Outra novidade né?
Brigitte Blair: É, uma novidade, primeira novidade que tinha na praça foi eu que montei, o
teatro de transformista; eu tinha um espetáculo de transformista que ficou dez anos em cartaz,
dez anos! Tudo que é transformista que tem por aí surgiu comigo nesse teatro; todas as
famosas, a Roberta Close...
Leiriane: Rogéria?
Brigitte Blair: Não, a Rogéria não, a Rogéria é a única que não passou por mim, assim, nessa
época entrar, ela já estava já. Então eu fazia show à meia-noite, fazia minha revista em dois
horários, 8 e 10, comecei a montar revista, uma atrás da outra, contratava assim, gente de
nome, Colé, Costinha, Sônia Mamede, esse pessoal todo já tinha nome no teatro de revista, eu
contratava eles e botava na peça, aí lotava, lotava, lotava. Um ano depois eu comprei o teatro,
comprei esse teatro.
Leiriane: E que está com você né, até hoje.
247

Brigitte Blair: 50 anos está comigo. Então esse teatro, ele tem uma história. Quando eu
comprei esse teatro eu comecei a montar revista, depois eu fazia todo tipo, assim: montava
comédia, montava Nelson Rodrigues, montava e fiz uma linha de show; por exemplo, a Maria
Bethânia nasceu aqui dentro, quase, fez muitos shows comigo, quando esse teatro já não dava
mais pra ela, ela foi pro teatro da praia porque já tinha muito público. Aí eu fiz muito show de
cantor; show de cantor... Eu jogava em todos os lados pra ver se... se ficava de pé né. Em mil
novecentos e... em oitenta, o Teatro Serrador estava à venda, eu comprei o Teatro Serrador. O
Teatro Serrador vocês precisam ver que teatro lindo! São 4 andares, tem 400 lugares, o teatro
é lindo, ali no centro, na Cinelândia, na Cinelândia onde fica a Lapa, a Cinelândia, fica na
esquina. Aí comecei produzir lá e aqui. Tinha época que tinham 7 espetáculos em cartaz, tinha
lá e tinha aqui.
Leiriane: E você com tanto trabalho, assim, também era atriz?
Brigitte Blair: Trabalhando como atriz. Aí quando... Trabalhando como atriz, já tinha
conquistado o meu público, quando a peça era comigo, eu já sabia que o público já estava
certo. Quando eu comprei o Teatro Serrador eu não pude mais continuar trabalhando como
atriz porque não deu, você administrar e ao mesmo tempo você entrar em cena... Você não dá
tempo nem de se produzir pra entrar em cena, então o negócio ficou bom ainda. Eu aí saí de
trabalhar como atriz e comecei a ser só produtora, produzia aqui e produzia no teatro do...
Botava dois teatros infantis lá, botava dois espetáculos lá, botava 3 teatros infantis aqui,
botava um teatro de nove horas aqui, botava um show à meia-noite. Então eu tinha um
rodízio... Só eu mesma pra aguentar. Aí em oitenta eu comprei o teatro Serrador. Quando foi
em... Tinha espetáculo aqui e tinha espetáculo no Serrador. Quando foi em mil novecentos e...
Quando foi em oitenta e sete, eu fui montar meus espetáculos, apresentar meus espetáculos
em Miami. Aí eu mudei, fui pra Miami. Mas aqui continuou funcionando, meus funcionários;
aqui ficou funcionando, o Serrador ficou funcionando; aí eu fui pra Miami montar esse tipo de
espetáculo que é o teatro de revista, só que a gente chama de “show pra gringo”. Quando a
gente fala show pra gringo é só coisas musicais de Brasil, é roda de samba, é desfile de
fantasia, é outro tipo de espetáculo que a gente tem que fazer. Porque o teatro de revista
depende muito de mulheres lindas... Quer dizer, a beleza, a comicidade, a riqueza, é uma
coisa assim. Então, quando eu fui pra Miami eu levei o elenco daqui, o pessoal que trabalhava
comigo aqui, eu levei 12 pessoas, fiquei em Miami fazendo meus espetáculos; a gente chama,
quando vai fazer espetáculo pra gringo, espetáculo pra gringo é “oba-oba”. Aí botava as
garotas dançando, os garotos dançando, capoeira, aqueles negócios que aqui a gente não faz
muito, e no final eu fechava com desfile de fantasias de luxo, essas fantasias de carnaval luxo,
maravilhosas. Aí cada uma vinha desfilando aquelas fantasias e eles ficavam enlouquecidos,
porque as fantasias eram lindíssimas. Eu fiquei em Miami de... Eu fiquei em Miami...
Cheguei em Miami foi em 1988, 1990, mais ou menos, eu fiquei 12 anos em Miami, lá e aqui,
lá e aqui. Aí chegou um ponto que eu não podia ficar nem lá e nem aqui, porque os meus
negócios aqui começaram a não caminhar como...
Leiriane: Você estava lá...
Brigitte Blair: Eu estava ausente. Você sabe que quando o dono não está não acontece nada.
Aí eu vinha pra cá. Aí o meu lá começava a não funcionar também porque eu não estava lá.
Aí o que eu tive que fazer?
Leiriane: Escolher, né?
Brigitte Blair: Tive que escolher... Tive duas casas lindas lá em Miami... Vendi a minha casa
e vim embora pra cá. Eu cheguei aqui em 2002 que eu voltei, me arrependo muito de ter
voltado porque eu ia comprar um teatro lá, ia fazer... Esse teatro que eu trabalhava era um
teatro lindo, tinha 600 lugares, eu ia comprar esse teatro pra fazer “O Recanto do Brasil”.
248

Neste teatro eu poderia fazer teatro de revista, podia fazer comédia em espanhol, em Miami só
se fala espanhol, fazia minhas comédias todas em espanhol, fazia meu teatro infantil em
espanhol e fazia show de cantores; por exemplo, eu poderia chamar...
Leiriane: Cantores brasileiros...
Brigitte Blair: Eu queria fazer um “Recanto Brasileiro”; por exemplo, eu levaria cantores,
poderia fazer musicais, poderia fazer, simplesmente, as comédias, no caso, que eles adoram
teatro de comédia lá, seria em espanhol. Aí eu tinha um ator argentino que foi contratado,
porque meu pessoal não fala nem espanhol nem inglês, então o que apresentava o show e
fazia comicidade e tudo eu contratei um ator argentino famoso, ele que fazia essa linha. Aí
quando eu tive que escolher, quando eu vim embora, vendi a minha casa, desfiz tudo e vim
embora... Foi a maior paixão né? Pôxa, porque eu não sabia que quando eu chegasse aqui eu
ia encontrar o Brasil como nós estamos atravessando hoje, hoje né, nós nunca tivemos no
Brasil o que nós estamos passando hoje; vocês são jovens, vocês não conheceram.
Leiriane: Incentivo à cultura, então...?
Brigitte Blair: Não, não se pode nem falar essa palavra porque você vai presa. Se você falar
nesse governo agora, cultura? Você vai presa; eles não sabem nem o que é isso, tudo
mentiroso, é só mentira. Nós estamos em cima de uma mentira, isso vai dar tanto... Esse
resultado dessa mentira vai ser uma ladeira que as pessoas vão descer... Não sei se a gente vai
ter volta.
Leiriane: Então, pra você, essa questão do teatro, esse é o momento mais difícil que você já
passou?
Brigitte Blair: Não. Enquanto eu existo nesse país... Eu acompanhei esse país passo a passo;
passo a passo eu acompanhei esse país. Eu, nunca na minha vida esperava que um dia a gente
ia chegar no que se está se vendo hoje; o brasileiro não merece isso, esse país é maravilhoso,
não tem nada mais maravilhoso do que o Brasil, mas, realmente, a nossa política... Todos,
sem exceção, eu odeio político, seja ele qual for, odeio, qualquer um. Esse esquema não
interessa, não interessa. A gente trabalha, paga nossos impostos e não sobra nada, e a gente
tem que engolir mentira e nós estamos num beco sem saída; a cultura acabou, o teatro acabou,
tudo acabou, tudo acabou. Nesse país só vai sobreviver a pessoa que estiver fora da linha, se
estiver na linha não vai sobreviver, e eu tenho tentado. Eu tenho pena dos jovens, o que ele
vai encontrar amanhã; eu não, porque eu já encontrei tudo, já fiz tudo o que eu tinha que
fazer, eu não tenho problema, mas eu não quero continuar aqui.
Leiriane: Você pretende voltar?
Brigitte Blair: Pretendo, não é nada impossível. Eu quero voltar, quero sair daqui.
Leiriane: Você quer ir pra Miami ou outro lugar?
Brigitte Blair: Não, eu vou pra Miami, e nem é por minha causa, é por causa da minha filha,
nessa idade. Eu acho que o jovem não tem que viver nesse país. Qual é o seu amanhã aqui?
Nenhum. Eu vou por causa da minha filha, eu quero morar fora do Brasil.
Interlocutora Não Identificada: E nesse caso, como fica o teatro, Brigitte?
Brigitte Blair: Olha, o Teatro Serrador, no momento, agora, nesse exato momento, eu
arrendei pra Prefeitura; então a Prefeitura vai botar ele pra funcionar, normal, como teatro,
fazer peças, fazer espetáculo, fazer tudo, mas, um arrendamento; esse aqui eu pretendo
arrendar ele também.
Interlocutora Não Identificada: Entendi.
249

Brigitte Blair: Pra Prefeitura também. Se a Prefeitura me aluga o teatro e coloca o teatro na
rede, eu vou ter um aluguel...
Leiriane: Vai poder tocar os seus outros negócios...
Brigitte Blair: E vou poder tocar meu trabalho ou não trabalhar, se eu não quiser, porque eu
não preciso trabalhar mais, graças a Deus, mas eu pretendo sair do país, não por mim, porque
eu, por exemplo, já fiz tudo o que tinha que fazer na vida, vou fazer o que mais? Não vou
fazer mais nada; se eu tivesse que montar uma grande produção hoje, podia me dar o dinheiro
que quisesse, aqui agora, que eu não ia montar, não montaria.
Interlocutora Não Identificada: Então, lá fora, você também não pretende seguir com a
questão do teatro.
Brigitte Blair: Não sei; talvez; é outra coisa.
Interlocutora Não Identificada: Talvez!
Brigitte Blair: Você no primeiro mundo, a diferença é tão grande, tudo é tão fácil pra você
que você até, vamos dizer assim: “não, eu não quero; mas, não, não, eu vou querer sim, espera
aí”, porque é tudo muito fácil; aqui é tudo muito difícil.
Interlocutora Não Identificada: Verdade, isso é verdade.
Brigitte Blair: A morte aqui no Rio de Janeiro acontece na rua, não é dizer que está fácil. Eu
moro na Barra da Tijuca há 40 anos, eu moro no Jardim Oceânico, que é o melhor lugar da
Barra, há 40 anos, por isso que eu ainda estou aqui no Rio, porque é um lugar onde é afastado,
onde não chegou ainda, por exemplo... Rio de Janeiro, você sai de casa e você não sabe se vai
voltar, quando você volta você diz: “gente, eu voltei, estou entrando aqui na min há casa?”
Leiriane: Tem sorte...
Brigitte Blair: E outra coisa, não é só o Rio de Janeiro, o Brasil inteiro está assim. Tem um
tempo aí atrás eu andei fazendo pesquisa pra saber qual é o lugar que estava bom, porque eu
ia mudar pra lá, Curitiba, Florianópolis, São Paulo, Minas, porque eu sou de Minas, mas eu
estou vendo que lá está igual aqui; a pobreza, a fome, o assalto, a falta de... o trânsito parado,
você não anda, você não faz nada, em todo lugar está assim. O Brasil virou assim...
Deteriorou, ele acabou de uma hora pra outra; de uma hora pra outra não, tem 12 anos que
esse pessoal está aí né.
Leiriane: Gradativamente.
Brigitte Blair: São 12 anos de sofrimento nesse país. Então, eu, não por mim, porque eu
posso entrar na minha casa, eu moro numa casa maravilhosa, tenho minha vida já
determinada, sempre determinei a minha vida pra hoje, pra amanhã e pra depois, eu sou
assim, organizadíssima: hoje eu tenho isso, amanhã eu tenho aquilo, depois eu tenho aquilo;
eu sou muito organizada. Eu não precisava fazer mais nada, não preciso trabalhar, poderei
viver de aluguel, eu tenho um patrimônio, eu não tenho que ter mais nada, eu, patrimônio que
eu ganhei há 30 anos atrás, hoje eu não ganho mais nada. Então, pelo contrário, hoje você está
perdendo aquilo que você ganhou, porque se você bobear você volta a zero e vai ficar
morrendo de fome.
Leiriane: E, pra você, como você define o tempo do teatro de revista? Você acredita que essa
parte é questão econômica porque as produções eram muitos caras?
Brigitte Blair: Eram; as produções eram muito caras e, outra coisa, as produções muito caras
e no teatro de revista você depende de gente jovem, você depende de beleza, você depende de
talento, porque não é um teatro que qualquer pessoa faz, ele dança, canta, representa.
250

Leiriane: E as vedetes eram até de outros países né?


Brigitte Blair: Pôxa, quantas. O marido da Íris mesmo, o Walter Pinto, contratava as
bailarinas todas argentinas, na época, vinham as bailarinas argentinas. O Carlos Machado, por
exemplo, trabalhei nos shows do Carlos Machado, que a Íris também trabalhou, que era o
grande homem da noite, as bailarinas dele ele trazia tudo dos Estados Unidos; trazia as
bailarinas dos Estados Unidos, trazia as atrações; quer dizer, o teatro de revista é um show de
atrações, você apresenta um quadro agora, depois você apresenta um monólogo, depois
alguém canta, aí alguém representa, faz um drama, é um ping-pong; mas você precisa de
gente pra fazer isso tudo, precisa de técnica.

APÊNDICE C: ENTREVISTA REALIZADA COM ÍRIS BRUZZI

Íris Bruzzi: Então, porque você não faz pra você uma também? Ela vai com tudo, porque ela
dá assim esculhambada ou dá com uma roupa preta, uma coisa de renda.
Íris Bruzzi: Ontem eu fui ver a Waleska, a cantora, a Waleska de antigamente, da fossa, tá-
tá-tá... Ela fez uma homenagem linda pra mim, foi muito bonito, até chorei, foi bonita.
Leiriane: Então, vamos?
Íris Bruzzi: Vamos.
Leiriane: Podemos começar?
Íris Bruzzi: Olá! Estou aqui com a ex-vedete, atriz, Íris Bruzzi, muito obrigada pela sua
entrevista, e a pauta de hoje é sobre o Teatro Musical Brasileiro. Íris, conta um pouquinho
sobre a sua experiência com o Teatro Musical Brasileiro.
Íris Bruzzi: Olha, minha experiência foi linda e foi a base de tudo na minha vida. Eu sou,
assim, chego na hora, sempre tudo decorado, sempre maquiada como tem que ser, porque o
Teatro de Revista, apesar de chamarem de Teatro de Rebolado, ele de rebolado não tinha
nada, ele era um teatro muito sério, e a gente levava muito a sério, então, toda a minha
seriedade no meu trabalho veio do Teatro de Revista. Eu estreei em 1953, eu estava acabando
de fazer 18 aninhos, eu era feliz e não sabia...rsrsr...
Leiriane: Mas desde criança você sempre quis ser atriz ou como é que aconteceu a sua
entrada?
Íris Bruzzi: Não, não, eu não tenho essa entrada. Eu vejo as atrizes contando que pegavam
lençol, se embrulhavam, botavam salto, eu nunca tive isso. Eu fui fazer Teatro de Revista
porque eu não conseguia trabalho, tudo que eu ia fazer não dava certo, entendeu. Eu fui
trabalhar na Sloper, que era uma loja muito bonita que tinha aqui no Rio, e eu achava lindo,
fui com a minha avó, e aí a gerente falou: “ah, ela é tão bonita, ela vai ficar na seção da
perfumaria”; aí ficou um bocadinho lá comigo e falou pra minha avó: “infelizmente não
podemos ficar com ela”. Porque naquele tempo não tinha máquina de calcular, e eu sou
péssima de cálculo, não sei fazer conta, mal sei somar, então tinha né, 5%, 3% e eu não sabia.
Aí depois eu quis ser comissária, as comissárias eram lindas naquela época, eram lindas, e aí:
“ah, eu quero ir”. Aí meu pai falou: “minha filha, pra ir vamos começar por cima, eu vou
falar com o Brigadeiro meu amigo, você vai”. Aí eu fui fazer uma entrevista ele, ele
perguntou pra mim: “O Irizinha, me diz uma coisa, você gosta de andar de avião?”. E eu falei:
“ah, eu tenho pavor, tenho muito medo!” “E como é que você se sai no avião?” “Ah, eu
vomito muito”. Aí ele ligou pro meu pai e falou: “olha, ela tinha tudo pra ser uma comissária,
251

mas ela vomita sem parar, tem horror”. Aí eu resolvi ficar na praia tomando banho de mar,
minha avó morava aqui no Posto 6, e aí a Nélia Paula e o Colé me convidaram pra fazer um
teste no Teatrinho Follies, que era a coqueluche do momento, era o teatro de bolso do Rio de
Janeiro, e eu fui. Aí eu falei pra minha avó: “olha, eles me chamaram pra fazer um teste”... Eu
pensei que era de matemática...rsrsrs...
Leiriane: E você aceitou mesmo assim?
Íris Bruzzi: Aí eu falei assim: “mas eu quero trabalhar, seja no que for, eu vou”. Eu nunca
tinha ido num teatro, tinha saído do internato; aí eu fui. O teste era eu botá um biquininho, eu
era corista, ficava lá atrás de mãozinha para cima, atrás das vedetes, das cantoras, e aí eu
lembro que o Zilco Ribeiro, empresário, perguntou pro Norberto, o empresário: “e aí?” Ele
falou: “200%”. Eu falei assim: “ih, tô ferrada, vai ver que eu não passei”. E aí daí pra frente
eu vi que era aquilo que eu gostava, e aprendi a fazer e tudo bem. O povo está me engolindo
aí tem mais de 60 anos, eu estreei em 1953.
Leiriane: E como foi essa passagem do teatro pra TV?
Íris Bruzzi: Ah, isso demorou um pouquinho porque, do Teatrinho Follies eu fui pro Carlos
Machado, que era o grande homem de show, e ele tinha um olheiro que ia ver as caras novas,
corpinho novo e me contratou. E aí depois, então, eu comecei a fazer TV. Eu comecei a fazer
TV, aí logo depois eu me casei com Walter Pinto, que era o maior empresário do Brasil. Mas
Santo de casa não faz milagre e ele nunca me convidou pra trabalhar. Quando eu fui trabalhar
com ele, eu já tinha até filhos grandes de 5, 6 anos de idade, e aí eu fui fazer o Teatrinho
Troll, que era um teatro infantil lindo que tinha na Tupi, aí o Walter permitiu e aí eu comecei,
depois o Câmera Um pro Jacy Campos, que era um teatro muito importante, e aí foi indo né,
aí eu fui aos poucos né.
Leiriane: Íris, pra você, o que é um genuíno teatro musical, como você classifica o teatro
musical?
Íris Bruzzi: Bom, eu adoro. Atualmente não existe mais, atualmente que eu digo de 20, 30
anos pra cá. Depois que o Walter parou de fazer Teatro de Revista, isso que eles chamam de
Teatro de Revista não é, é um arremedo, é uma coisa muito pobre; o Teatro de Revista era
muito rico. A orquestra do Walter tinha 70 músicos, entendeu, campanários, violinos. O
Walter todo ano ele trazia, ele ia a Buenos Aires e ele trazia 6 bailarinas clássicas do
Colombo, 6 bailarinas de Paris, 6 bailarinas de Londres, entende? Os grandes comediantes,
numa peça só você tinha Mesquitinha, Grande Otelo, Oscarito, Walter D’Ávila, Zeloni, sabe,
era uma coisa muito rica, mulheres lindas, então era uma coisa muito rica que, hoje em dia,
não há dinheiro mais pra fazer, e naquele tempo não havia patrocínio, eram outros tempos.
Leiriane: O que você acha desse teatro musical agora estilo Broadway em São Paulo, no Rio
também?
Íris Bruzzi: Ah não, isso é outra coisa, isso não é Teatro de Revista, isso é outra coisa, esse
tipo Broadway.
Leiriane: Não, sim, eu sei, mas você gosta?
Íris Bruzzi: Não, eu gosto lá na Broadway, eu não gosto aqui não, eu não... Confesso que...
Me perdoem os colegas brasileiros, mas eu acho que show é com o americano né, eles são
imbatíveis. Agora, o Teatro de Revista era completamente diferente, é outra coisa, entendeu?
Leiriane: E o Teatro de Revista tem origem francesa, como foi essa transformação de um
formato estrangeiro, mas aí coloca... coisas tipicamente brasileiras e, de repente, se transforma
num teatro brasileiro, nacional.
252

Íris Bruzzi: É, porque havia muita crítica política, que lá havia e aqui também, o Teatro de
Revista era um teatro inteligente, ele não se limitava a mostrar mulher bonita de perna de fora,
ele tinha uma crítica política muito grande, Getúlio ia ao teatro do meu ex-marido Walter
Pinto, assistir, e ele adorava ver o ator caracterizado de Getúlio, fazendo Getúlio e fazendo
altas críticas, porque era ditadura né, então... pelo humor, pela graça você pode fazer muitas
acusações que às vezes seriamente você não pode, entendeu; então o Teatro de Revista tinha
uma importância muito grande.
Leiriane: Pra você, qual foi o motivo do fim do Teatro de Revista?
Íris Bruzzi: Foi o Walter parar né; porque o Teatro Recreio era o melhor teatro do Brasil, ele
nunca foi do Walter, ele era da Beneficência Portuguesa, e havia um contrato com o pai dele,
seu Manoel Pinto, que eu não conheci, que foi um grande empresário, e que enquanto
existisse a empresa Pinto Ltda., seria deles; aí o Walter ficou uns 3 anos sem fazer peça e
alugava pra companhias, assim, de 5ª categoria e tudo, aí a Beneficência pediu o teatro, e aí,
na ocasião o Carlos Lacerda era o governador e ele entrou com um pedido alegando que ali
passaria um grande viaduto e que teriam coisas, e é mentira, porque agora aquilo tem um
terreno baldio a vida inteira, e o Rio de Janeiro perdeu um teatro maravilhoso. Então, pra você
ter uma ideia, quando os navios chagavam aqui eles já sabiam do Teatro de Revista, as
pessoas já tinham no roteiro o teatro entre... entendeu, já iam pra lá, era muito lindo, era muito
importante.
Leiriane: E você comentou do Walter, quando...
Íris Bruzzi: Não, eu não comecei, eu comecei no Zilco Ribeiro, depois fui pro Carlos
Machado, depois eu fui pra televisão fazer o Teatrinho Troll, fazer o Jacy Campos que era um
teatro; aí o Walter, ele não me convidava pra fazer a peça dele, e eu também orgulhosa, eu
não pedi, não me convida né, tudo bem, e eu estava estrelando um show do Carlos Machado,
Vive Le Femme, já era, nessa ocasião, lá no Hotel Serrador, e acontece que tem uma vedete,
que é a estrelona mesmo de Portugal, e ela estava grávida, aí não podia ficar, porque estava de
um, dois meses, aí o maestro, que era o grande maestro Vicente Paiva, ele disse: “porque não
a Íris Bruzzi estrela o show do Carlos Machado que sabe todos os números?” Eu ia todos os
dias lá, eu via os ensaios todos, eu sabia todos os números. Aí o Walter, muito a contragosto,
me contratou, e eu muito, muito bobinha, metida, falei: “tenho as minhas exigências”. E aí
não quis assinar o contrato com ele, ele era muito vaidoso, eu quis assinar com os irmãos
Marzullo, que eram secretários ele. Aí assinei o contrato e disse: “tenho mais uma” “qual é?”
“quero receber os 6 meses adiantados”, aí comprei meu primeiro carrinho, era um fusquinha,
que todo mundo tinha na época né, e aí eu fiz uma peça dele. Agora, o Walter era um cara tão
sensacional que, uma peça dele que eu fiz, eu estou com 80 anos e até hoje as pessoas me
procuram dizendo: “a vedete Íris Bruzzi”, por quê? Porque ele me deu um nome, o meu nome
é Bruzzi mesmo, meu nome é Ísis Maria Bruzzi Medeiros, mas ele me fortaleceu, ele me fez
existir, entendeu, porque ele era muito forte, e aí eu fiz essa peça dele, chamava: O Diabo Que
A Carregue Lá Pra Casa, era linda, foi a última peça dele no Rio de Janeiro, e no ano seguinte
ele juntou 22 anos que ele tinha de teatro, as coisas mais bonitas dele e fez duas peças levando
o nome de peças antigas, que eram Tem Bububu no Bobobó e Eu Quero Sassaricá, e eu fiz
todos os números importantes, estrelando, dele. Então, na verdade, num ano, eu fiz 22 anos de
teatro da vida dele.
Leiriane: Ele estava esperando te chamar porque queria que você fizesse todo esse resumo
né?
Íris Bruzzi: É, é, vamos ser boazinhas e dizer que sim... rsrsr... Mas foi muito bom, eu tenho
um carinho muito grande pelo Walter, eu acho que ele foi tudo pra mim. Eu mexia muito com
ele quando eu dava entrevista que eu dizia assim: “o Walter foi o pior marido que uma mulher
253

pode ter, mas em compensação ele é o melhor ex-marido que uma mulher pode ter”. E é
muito difícil, porque quando está bem, apaixonado, é legal ser legal, é fácil; mas ser um ex-
marido muito bom e muito presente é muito difícil, e ele tudo que eu fazia era maravilhoso,
qualquer coisa, qualquer coisa.
Leiriane: Como era o Walter Pinto produtor?
Íris Bruzzi: Maravilhoso! Chatíssimo né, porque ele era um gênio. Olha, ele nunca foi à
Broadway e fazia aquelas coisas maravilhosas, que a Broadway não tem. Eu morei 9 anos,
quase 10 em Nova Iorque, e nunca vi na Broadway, por exemplo, em meio segundo o palco se
encher d’água numa lagoa e subir os elevadores com os duendes, com aquelas mulheres
maravilhosas que vinham do fundo da lagoa, e daí em meio segundo aquilo sumia e já tinha
um número musical; aí os engenheiros não conseguiam fazer, ele passou noites em claro, aí
ele bolou um poço artesiano do lado do teatro, que tinha um terreno muito grande, fizeram o
tal poço artesiano, e em segundos aquela lagoa enchia... Muito bom! Ele tinha uma cascata de
fogos, você vê, por muito menos já pegou fogo aí nesse boate no Sul que foi um horror, 300
mortos, foi uma tragédia; o Walter tinha uma cascata de fogos a vida inteira e maravilhosa,
mas com todos os requisitos né. O Walter era um gênio, e como todo gênio, era chato, ele era
muito chato...rsrsr...
Leiriane: Íris, na sua opinião, o Teatro de Revista, o que representou pro Brasil na questão
política, cultural?
Íris Bruzzi: Uma coisa muito grande, como eu te falei né, os presidentes se viam
representados aqui. O Walter uma vez fez uma peça que se chamava Fogo na Jaca, em que
havia... O cruzeiro estava muito mal, quer dizer, continua igual né, só mudou o nome, então
aparecia o dólar e era uma mulher linda, aparecia aquilo tudo, aquelas mulheres, aquele
aparato todo, aí de repente o cara anunciava: “o cruzeiro, o famigerado cruzeiro”, e entrava o
Mesquitinha, que era um ator que pesava uns 45 kg com aquela cara de pobre, todo
esfarrapado; quando ele entrava que falava: “o Cruzeiro, eu sou o Cruzeiro”, aquilo vinha
abaixo, entendeu, porque era uma crítica terrível, entendeu. Então, o Teatro de Revista foi
muito importante, muito importante... Getúlio não perdia, ele adorava o Walter; ele, uma vez,
passou o 31 lá com o Walter, tinha uma foto dele, os dois brindando no camarote, tomando
champagne né.
Leiriane: E não tinha essa questão da censura: “ah, não fala sobre isso”?
Íris Bruzzi: É, a censura era terrível, mas havia sempre um meio de driblar, porque eles eram
terríveis, mas eles não eram inteligentes, entendeu? Tanto que passava muito, você vê que a
música do Chico Buarque: “Cálice, afasta de mim este cálice”, eles achavam que era um
cálice de beber vinho e eram um “cale-se”, de calar a boca; então a falta de Inteligência deles
ajudou um pouco.
Leiriane: E a criatividade por outro lado também né?
Íris Bruzzi: É, muito, muito.
Leiriane: Você acha que tem espaço hoje em dia pra volta do Teatro de Revista?
Íris Bruzzi: Não, não por espaço, espaço tem, ator tem, mas não tem dinheiro. Você vê que
hoje em dia o teatro de comédia tem duas, três pessoas, nunca mais se viu uma peça com 15
pessoas, 10 pessoas, é impossível. E o Walter bancava tudo, o Walter nunca teve patrocínio,
não existia patrocínio.
Leiriane: Você acredita que foi esse o motivo dessa... de outras peças, de outros espetáculos?
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Íris Bruzzi: Não, depois que ele parou, ele já parou porque as coisas estavam ficando muito
difíceis, e aí tomaram o teatro dele, era impossível, e hoje em dia não há dinheiro né, não há
dinheiro pra se fazer. Hoje em dia a peça, você vê, é com uma pessoa, duas pessoas.
Leiriane: E muitas pessoas, pesquisadores, alguns falam que o fim do Teatro de Revista foi a
questão, também, da ditadura militar, dessa censura, e outros que mudou a estética, no caso,
nós falamos muito sobre política e com o tempo era a questão que você comentou das
dificuldades, o cenário...
Íris Bruzzi: É, mas no tempo da ditadura havia Teatro de Revista né, havia, não foi a ditadura
que acabou porque na ditadura havia, o que não há agora é dinheiro pra patrocínio; e outra
coisa agora tem o evento da televisão, agora se você contratar um ator, primeiro comediante...
Você não faz um Teatro de Revista com um, antigamente tinha 10, tinha 11, todos... O
Oscarito e Grande Otelo, não precisa dizer mais nada e atrás ainda vinham Walter D’Ávila,
Zeloni, era um atrás do outro, Ema D’Ávila, era... Violeta Ferreira... Muita cosia boa.
Leiriane: Me conta um pouquinho como eram os bastidores do Teatro de Revista, as
audições....
Íris Bruzzi: Não, era assim, se contar ninguém acredita, tinha tabela né, tabela e o
contrarregra botava. Eu lembro que uma vez um ator falou “merda” e aí ficou suspenso,
porque não podia; agora fica suspenso se não falar, porque agora tudo é vírgula né, qualquer
palavrão agora é vírgula. E outra coisa, por exemplo, se você entrasse num quadro em que
todo mundo estava de sapato vermelho e você trocou de sapato, ia pra tabela; ia para tabela a
primeira vez, a segunda tinha uma multa, a terceira era suspenso, era muito sério. No teatro do
Walter, por exemplo, quando você assinava contrato, você assinava que você não podia ir à
praia, você não podia ir à pra; por quê? Porque é muito feio as pessoas de maiô e tinha
aquelas francesas que faziam o nu, de repente vinham lindas com aqueles candelabros na
cabeça com o peito branco e o resto preto; entendeu?
Leiriane: Não podia?
Íris Bruzzi: Não, não podia, era muito rígido, era muito sério.
Leiriane: E, apesar até mesmo da nudez, no palco, então pelo que você conta, era muito
organizado... um monte coisas?
Íris Bruzzi: Muito, era muito sério. O Walter, ele odiava [...?], o povo falava que era teatro
rebolado, ele ficava furioso, ele não se com formava, entendeu, porque era uma cosia
completamente séria.
Leiriane: Eu vi uma entrevista dele que eu vi que ele comentou que no teatro dele tinha mais
virgens do que todo [...?] no Brasil.
Íris Bruzzi: É, dele ficava... porque, geralmente, essas moças que vinham de fora vinham
com as mães, era muito engraçado. A Mara Rúbia quando foi trabalhar com o Walter, que era
nossa grande amiga, mas assim, feito irmã, ela veio de Marajó, e quando ela chegou com os
filhos pequenos e tudo, ela viu no jornal um teste pra ela, e foi lá também ver o quê que era
né, ela nem sabia o que era teatro, e aí o Walter, foi até no escritório dela e falou: “levanta a
saia”, pra ver a perna dela, porque afinal era Teatro de Revista, e ela disse: “não, o senhor está
brincando comigo, o senhor quer ver minhas pernas, o senhor me dê dinheiro pra comprar um
maiô e eu ponho o maiô pro senhor ver; como levanta a saia pra eu ver?” Aí o Walter achou
aquilo fantástico. Aí o Walter deu o dinheiro, ela foi comprou um maiô ali pertinho, voltou e
botou o maiô... rsrs...
Leiriane: E foi aprovada?
255

Íris Bruzzi: Claro! Mara Rúbia, maravilhosa, a nossa grande vedete!


Leiriane: E você acha que o brasileiro reconhece esses grandes artistas?
Íris Bruzzi: Eu acho que não, eu acho que não porque o Walter que foi um gênio, mas um
gênio, se você falar pra um menino de 18, 20 anos agora na televisão em Walter Pinto, ele não
sabe quem é; eu fico muito triste, sabe, porque nós não temos nenhuma memória. Por
exemplo, eu morei 10 anos em Nova Iorque, então o que aconteceu? Lá você sabe de tudo o
que acontece, quer dizer, a Lucille Ball lá, é a maior comediante americana, ela parece que
está viva porque passa diariamente em determinado horário os shows dela; depois tem um dia
do ano que passa 24 horas Elvis Presley, 24 horas sobre a vida de Jacqueline Kennedy, então,
todo mundo sabe de tudo, qualquer criança sabe; aqui não né, aqui nem sabe mais quem é.
Meus filhos, um dia um deles perguntou pra mim assim: “mamãe, a Dulcina de Moraes...” A
Dulcina? A Dulcina foi a maior atriz que nós tivemos. A Dulcina fazia a novela das 8, eu
falei: “meu filho, você não está preparado pra falar da Dulcina, porque você que é filho de
Íris Bruzzi não teve [...?] se Dulcina fez novela das 8, sabe, não tem papo pra você”. Então,
nós não temos memória nenhuma né; se bem que a gente é enganado politicamente, sempre,
porque a gente não tem memória, por exemplo, veio o Mensalão, não veio? A gente pensa que
acabou a corrupção, mas aí o “Lava Jato”, acabou o “Mensalão”, agora veio...
Leiriane: A Petrobras..
Íris Bruzzi: Veio outro negócio aí, a Petrobras, e agora já veio uma outra coisa agora aí,
agora é a FIFA...
Leiriane: É.
Íris Bruzzi: Então é uma maravilha né, é uma maravilha porque, para os corruptos, é uma
beleza, vai apagando, vai apagando.
Leiriane: E pra você, o que você mais gostou de fazer, teatro ou TV? Quais as principais
diferenças?
Íris Bruzzi: Ah, eu gosto de tudo, eu não gosto é de não fazer, eu gosto de tudo, teatro é
muito bom; é muito bom porque você está direto com o público, você fala uma coisa e você
sabe que volta, você olha no olho, você sabe se estão gostando, estou olhando pro olhinho
daquela barbiezinha ali, tem que focalizar ela porque ela é uma fofa né, e aí você sabe se ela
está interessada ou: “eu estou falando besteira?” Não, ela está interessada no que eu estou
falando?; ela é novinha mas ela quer saber isso?” Você sabe no olho do público, a risada ou o
aplauso, é muito bom; e a televisão te dá uma popularidade muito grande, muito grande. Eu
quando fiz a Belíssima... Porque, você não pode imaginar o que é fazer uma novela das 8, de
sucesso, com personagem de sucesso, na Globo; é uma doença. Eu quando fiz a Belíssima não
podia andar na rua; agora, pra isso você tem que estar preparada porque depois na outra
novela não tem isso, depois você passa tempos sem fazer, e não pode ficar deslumbrada,
porque aquilo é uma coisa passageira, entendeu? O sucesso é feito o fracasso, ele vem e ele
vai, graças a Deus...rsrsr...
Leiriane: Você consegue separar isso?
Íris Bruzzi: Ah, completamente; eu acho que a minha profissão é igual a ser cozinheira,
enfermeira; saiu dali acabou. Tem gente que encarna né, sai dali com óculos, personagem,
fala com você: “oh, não posso te atender”, sabe; por exemplo, eu jamais deixaria de atender
vocês porque assim, eu trabalho há mais de 60 anos, que eu estreei em 1953, nós estamos em
2015, então você lutou toda a vida pra ser conhecida, querida, falarem com você, então se
uma pessoa precisa de você pra alguma cosia, se você não faz, sabe, então não adiantou nada
a sua carreira, você perdeu tempo, entendeu? Não é a sua né. Eu fico muito chateada quando
256

eu vejo gente que passa a vida inteira aí e agora está famoso, conhecido, não fala com as
pessoas, a pessoa vai falar: “pô, que saco, ah”; sabe, bota óculos escuro; pô, lutou tanto pra
ser conhecido agora bota óculos escuro? Não, né? Eu gosto, eu adoro, e agora tira muita foto,
ontem eu tirei mais de 100 fotos lá, eu adoro!
Leiriane: Ainda mais com as redes sociais, as mídias sociais né?
Íris Bruzzi: É, eu acho muito legal, eu gosto.
Leiriane: E qual é a principal diferença, lógico, tem a questão da Elvira Pagã, Luz Del Fuego,
essa questão mesmo do nudismo, as vedetes que faziam o nu no teatro?
Íris Bruzzi: Bom, a Luz Del Fuego e Elvira Pagã elas não eram vedetes, elas eram as
personalidades, feito tem agora, agora também não tem? Umas pessoas que saem do BBB que
não nada, mas são né? Não são nada, mas são. Por exemplo, a Luz Del Fuego é de uma
família importantíssima do Espírito Santo, a família Vivacqua, ela foi colega de classe da
minha mãe, e as duas famílias mais conhecidas de lá do Cachoeiro e Marataízes era a
Vivacqua e a minha, família Bruzzi, então as primeiras casas, as duas primeiras casas de
Marataízes; então, era assim uma personalidade, Luz Del Fuego não sabia fazer nada, mas ela
se rebolava com aquela cobra, aquilo era uma coisa tão estranha né, Luz Del Fuego. A Elvira
Pagã também era uma mulher... Eu cheguei a ver a Elvira Pagã no teatro [...?] é aqui,
chamava... Como chamava, Francisca, esse teatrinho aqui em Nossa Senhora Copacabana?
Era o Forte...
Francisca: Jardel
Íris Bruzzi: Jardel, Teatrinho Jardel. Então, [fala com voz infantil] “ela tinha uma vozinha
assim, parecia uma menininha”, mas uma menininha pelada, entendeu? Era uma coisa muito
estranha né, mas aí, falar vedete? Aquilo não é vedete, vedete é outra coisa; as vedetes
cantavam, dançavam e sobretudo encantavam, tinham um charme, entendeu, tinha um charme
na passarela.
Leiriane: Pra você que conheceu as demais vedetes, na sua opinião, quais foram as vedetes
completas, tanto no carisma..?
Íris Bruzzi: Olha, eu acho assim, a grande vedete foi a Virgínia Lane, ela era deste
tamanhozinho, dentucinha, mas ela tinha uma malícia, ela tinha uma graça fora do comum, e
ela amava aquela profissão, ela passava por cima de qualquer coisa, de qualquer pessoa pra
aquilo, tanto que ela não era querida, principalmente pelos colegas, dos bailarinos que
trabalhavam, porque ela era insuportável, por exemplo, ela media, tinha que ter tantos metros
de distância dela os bailarinos, porque ela achava que iam ofuscá-la, ela não queria as
mulheres bonitas. Quando eu fui trabalhar, eu além de ser muito bonita, muito nova e mulher
do empresário, ela... as meninas ficaram assustadas: “será que ela também é assim?” Mas eu
queria o contrário, eu queria quanto mais gente bonita tivesse perto de você mais realça você,
é uma moldura, e aí elas me adoravam, e eu assim, eu tinha muito medo de ir na passarela e
cair, ficar tonta e cair, então eu falava pro coreógrafo: “bota as meninas lá e eu fico pra cá”;
elas adoravam, era tudo que elas queriam, mas a Virgínia, pra mim, era a mais completa.
Agora, maravilhosa também era a Mara Rúbia; a Mara Rúbia não sabia fazer nada, mas ela
era uma loura, assim, bombástica, platine blonde e que dava umas gargalhadas no palco e
aquilo comprava a plateia, as pessoas adoravam a Mara. A Mara era minha amiga íntima, eu
gostava muito dela, era muito boa, e tem outras, Angelita Martinez, era muito bonita. Eu era
muito querida, eles achavam que eu era uma boneca, que eu tinha uma cara muito bonita e era
uma vedete muito familiar, eu não fazia aqueles nus que a Virgínia fazia, os números da
Virgínia eram muito picantes, era o número do amendoim, eram umas coisas muito picantes e
eu não fazia aquelas coisas, mas tinha pra todo gosto.
257

Leiriane: E pra você, o que mais deixa saudade desse tempo?


Íris Bruzzi: Ah, tudo deixa saudade, mas eu não sou uma saudosista, eu sou uma mulher que
vivo o hoje, o ontem pra mim não importa e o amanhã eu não sei se estou viva, ainda mais
agora na minha idade não sei, eu vivo o hoje, tudo, o hoje eu vou viver até a hora de dormir
tudo o que eu puder viver, mas deixa saudade, porque foi um tempo muito bom, muito bonito,
o Brasil lindo, Rio de Janeiro, um Rio de Janeiro maravilhoso, não tem mais.
Leiriane: Eu sou de São Paulo mas eu concordo com você... rsrsr
Íris Bruzzi: Ah, então, esse Rio de Janeiro...
Leiriane: E aí você mora no exterior, como é que é essa época, ponte aérea?
Íris Bruzzi: Não, eu morei 10 anos em Nova Iorque, onde fiquei amiga de Francisca, que é
essa senhorinha que vocês estão na casa dela, que é minha amiga de lá, e que eu tenho como a
melhor pessoa do mundo, sabia? [com lágrimas nos olhos, chorando diz:] fico muito
emocionada quando falo dela, pessoa muito boa, ela vive pra fazer o bem às pessoas, vive, ela
não sabe fazer outra coisa a não ser ajudar as pessoas, eu tenho um carinho enorme por ela.
Eu morei lá 9 anos, onde eu alugava apartamento...
Leiriane: Junto com ela...
Íris Bruzzi: Olha, já está chorando, porque chora à toa...
Leiriane: Se ficar chorando a gente vai começar a chorar também...rsrs..,
Íris Bruzzi: Os meus primeiros hóspedes foram dados por ela, porque eu cheguei lá eu não
tinha hóspede, depois eu acabei com uma cadeia de 8, 9 apartamentos, graças a ela, entendeu,
é uma pessoa maravilhosa, e... O que você queria saber?
Leiriane: Essa questão de morar no exterior.
Íris Bruzzi: Ah, eu gostava muito de lá, porque eu sou feito gato, eu gosto de onde eu estou,
eu adorava lá, eu só vim embora porque com a queda das Torres, ficou muito ruim, a gente
perdeu muito dinheiro porque ficamos com esses apartamentos todos fechados, o dólar estava
a R$4,00 ... rsrs... estamos chegando lá de novo... Alôô, já já chegamos... e aí eu vim embora
pra cá. Aí chegou aqui, retomei minha carreira, fiquei felicíssima de novo, e agora estou
passando uma temporada lá em Tampa, porque eu estava há 8 anos na Record, e a Record não
renovou meu contrato, não renova o de ninguém, então eu estou dando um tempo, eu estou lá
e quando aparecer alguma coisa boa...
Leiriane: A minha pesquisa... Eu amo teatro, trabalho com teatro amador há muitos anos, e
sou apaixonada por musicais, desde filmes a teatro, e eu percebi o quê? Eu também vou tratar
da questão do teatro da Broadway, mas a raiz, é assim, não é só agora não, teve o Teatro de
Revista que é lindo, maravilhoso!
Íris Bruzzi: Você vê que o próprio cinema, a Metro que tinha aqueles musicais, não tem
mais; cadê Cyd Charisse, aquele pessoal, não tem mais, acabou, porque começou a dar
prejuízo pra Metro, porque eram deslumbrantes. Você vê, antigamente quando aparecia o
Oscar era uma coisa linda, por quê? Porque aparecia aquele pessoal todo que não tem mais.
Leiriane: Pessoas talentosas que saíram, os cantores...
Íris Bruzzi: Quem viu, viu né? Em compensação agora temos celular, temos computador...
Leiriane: Por isso que a pesquisa agora é muito importante pra gente resgatar.
Íris Bruzzi: Vocês estão fazendo mestrado de quê?
258

Leiriane: Meu mestrado é de Comunicação, sou formada em Jornalismo, agora estou


fazendo mestrado e é sobre o teatro musical brasileiro.
Íris Bruzzi: Que bom né!
Leiriane: É. Então estou fazendo essa pesquisa do teatro musical hoje em dia, mas do
histórico do Teatro de Revista.
Leiriane: E o que diferenciava as mulheres que trabalhavam com a nudez estática no palco
com as vedetes? Elas também eram consideradas vedetes, como é que se funcionou isso?
Íris Bruzzi: Não, era assim, a gente era considerada quase prostituta, e eu não peguei essa
época, mas a Dercy Gonçalves, a Renata Fronzi, outras, ainda tinham a carteira de trabalho
escrito “prostituta”, que é uma coisa bárbara né, então era muito engraçado, porque eu vejo
hoje em dia os biquínis, assim, das minhas netas, essas coisas, nenhuma vedete nunca usou, a
gente usava um maiozinho inteiro, entendeu, mas aquilo era pecar! Eu nunca usei biquíni, eu
nunca tive, eu tinha umas pernas muito bonitas e um busto muito bonito, mas isso meu nunca
foi muito bonito, porque... o negócio do parto, antigamente não tinha esses óleos que a pessoa
passa e que a barriga fica bonita. Uma vez meu filho, pequenininho, falou: “mamãe porque
que a sua barriga faz assim (gestual com a boca)... rsrsr... porque não tinha esses cuidados;
então eu nunca usei biquíni, mas eu usava, as fotos minhas, lindas, que eram tidas como
avançadas, eram com o camisão aqui ou uma camisa meio aberta, assim, com o sutiã...
Leiriane: É, eu queria saber em que patamar elas se encaixavam ali dentro desse teatro?
Íris Bruzzi: Então, porque tinha muita coisa, a gente tinha, por exemplo: a vedete, era a
principal, que ia pra frente com os números, cantava, falava; depois tinha as vedetinhas,
lindas, ficavam atrás dela com umas roupas muito bonitas, entendeu; depois tinha as coristas,
que é quando eu estreei no Zilco, a que não faz nada, que fica com mãozinha para lá, é um
outro papo, ornamentar, entendeu? E depois tinha a atração né, que no caso, quem também fez
muito isso, durante muito tempo, foi a Wilza Carla; a Wilza também era uma atração, ela era
gorda, mas ela era linda, entendeu? E ela era prachosa, ela era despojada, ela estava em tudo
que era jornal, ela dava entrevista, tudo, os peitões, aquelas coisas que não usavam, então ela
também era uma atração. Então tinha... depois tinha os cômicos, tinha...
Leiriane: Dercy Gonçalves?
Íris Bruzzi: Tinha os bailarinos né. Dercy era maravilhosa, eu gostava muito de Dercy. Eu
falo que eu quero viver igual a Dercy, eu quero ir até os 100, mas falo: “quero viver bem, não
quero ficar assim, cadeira de rodas”, e bota a velhinha no sol e tira a velhinha do sol, não
quero, não quero. Agora, se eu estiver bem, eu quero, porque eu acho muito bom né. Eu fico
imaginando nesses últimos... desses 10 anos pra frente o quê que vai aparecer mais... Isso não
é louco? Ah, eu quero ver... rsrsrr...
Leiriane: E tinha muita rivalidade entre as vedetes, as coristas, assim...?
Íris Bruzzi: Olha, comigo não tinha, com a Virgínia Lane tinha muita, as meninas odiavam
ela, ela era muito impertinente, mas ela era porque ela levava muito a sério aquela carreira, ela
brigava, ela passava por cima das pessoas por causa daquilo, entendeu? Mesmo que fizesse
mal, ela passava por cima, mas ela tinha o posto dela, sem necessidade, porque ela era
maravilhosa; mas eu nunca tive não.
Leiriane: E tinha preconceito das mulheres assim, de família, como o pessoal costumava
falar, com as vedetes?
Íris Bruzzi: Olha, se tinha eu não sei, quer dizer, elas não se davam com as pessoas né, as
vedetes não eram convidadas pra ir na casa delas, entendeu; mas o Teatro Recreio era muito
259

respeitado, vivia lotado, e o Walter, ele era tão inteligente que ele... porque é assim... naquele
tempo, isso antes de eu conhecer o Walter, a peça de teatro ficava uma semana só, ficava uma
semana em cartaz porque o que valia era a primeira figura, então era peça de Conchita e não
sei o que, peça de Dulcina Moraes, peça não sei o que; aí qualquer coisa que acontecia ou
aquela atriz ia embora, acabava a peça, era uma semana, aí o Walter, baseado na lâmina
gillette, porque a gillette não chama gillette, gillette é uma lâmina, gillette é o nome daquele
cara que botava a cara dele na lâmina gillette, baseado naquilo o Walter punha o retrato dele,
Walter Pinto, grande, enorme, no escrito com a produção Walter Pinto, aí ele lançou isso;
quer dizer, o cara já entendia de marketing naquele tempo, entendeu?
Leiriane: É verdade, ele cola a figura né, o fundo preto com o rosto dele.
Íris Bruzzi: O Walter é um cara que tinha que ser muito respeitado, muito respeitado e,
infelizmente é esquecido. Não, eu fico injuriada sabia? Fico injuriada com isso. Então ele
bolou isso, e aí quando a pessoa percebe: uma produção, se é Walter Pinto é bom, a partir de:
gillette, se é gillette é bom, porque têm outras lâminas, mas todo mundo compra a gillette,
porque é a boa. Então ele não dependia mais de fulano, fulano, fulano, a produção dele é que
era importante.
Leiriane: Como foi quando ele não conseguiu mais atuar no teatro, assim, pessoalmente?
Íris Bruzzi: Não foi péssimo, ele não quis mais, entendeu? Ele ficou triste com as coisas que
estavam acontecendo no país, aí também ele já não podia mais bancar aquilo, e aí na mesma
hora tomaram o Teatro Recreio e aí era impossível, mesmo porque os outros teatros não
podem fazer o que o Recreio faz, Carlos Gomes, João Caetano, por exemplo, o Teatro Recreio
se você botasse um elefante na coxia pra entrar em cena podia, o urgimento tinha 10, 20
metros pra poder subir aqueles cenários, ele tinha um quarteirão de terreno, aí ele fazia poço
artesiano e tudo pra poder fazer aquelas lagoas, e os outros teatros não têm isso, tem só o
teatro né, então ele ficou muito desgostoso e, na verdade, ele teve uma grande depressão, é
que a gente não sabia o que era depressão, a gente achava que: “ah, tá chateado, não quer”, a
gente não tinha noção ainda que ele, na verdade, ele entrou numa grande depressão, de ver
tanta coisa linda que ele fez jogada.
Leiriane: E não houve reconhecimento.
Íris Bruzzi: Não, e aí ele não trabalhou mais, não, ele não trabalhou mais; mas ele foi uma
grande figura, grande, grande, grande. Eu me lembro que uma vez, ele estava vivo ainda, e aí
O Globo deu uma nota dizendo não sei que sobre o teatro, dizendo: “o falecido Walter Pinto”.
Como? Aí eu liguei pra lá e aí falaram com o Dr. Roberto Marinho, o Dr. Roberto Marinho
foi assim, um gentleman, ele mandou botar uma ressalva grande no Globo: “como falecido?”
As pessoas não pesquisam nada pra fazer, eles vão falando, vão falando. Tanta gente que
escreve no jornal: Íris Bruzzi casada com Carlos Machado”; eu nunca fui casada com Carlos
Machado, gente! Mas eles confundem Carlos Machado que fazia show com Walter Pinto que
fazia teatro. É uma loucura!! Por isso que quando eu vejo alguém interessado em Teatro de
Revista eu tenho o maior respeito, sabia? Que é tão pouca gente. Uma vez, uma dessas
revistas famosas aí, há muitos anos atrás, aí me convidou pra fazer um nu, aí eu falei: “faço,
se vocês me pagarem ‘x’”, era muito dinheiro, nunca ninguém tinha pedido aquilo: “ah, mas
isso nunca ninguém pediu”, eu disse: “mas olha, a vedete é feito a foca, está acabando”. O
óculo veio, então [...?], hoje em dia tem... acho que tem eu e sei lá quem mais, conhecida
mesmo tem eu, não vejo mais ninguém, conhecida e trabalhando, porque Mara morreu,
Virgínia morreu, morreu todo mundo né, aí: “ah não, é muito dinheiro”, eu disse: “então, nada
feito”. Mas... é isso.
Leiriane: Tá ótimo.
260

APÊNDICE D - ENTREVISTA REALIZADA COM JÔ SANTANA

Leiriane: Então, fala um pouquinho da sua trajetória no teatro?


Jô Santana: Eu fiz artes cênicas... Comecei assim, com 12 anos fui fazer teatro amador,
como todo mundo, aquela questão toda na escola, o barato mesmo é... por isso que eu acho
que é importante o teatro na escola, porque isso descobre muita gente, desperta o olhar para o
teatro a partir do momento que você é estudante, no ginásio, colégio...
Leiriane: Aquelas peças mais secundárias...
Jô Santana: De escola, Maria Clara Machado, O Rapto das Três Cebolinhas, Vicente
Celestino, que nós fizemos, era um grupo na escola que a gente começou a montar espetáculo.
Quando nós vimos tínhamos já uma companhia dentro da escola, fizemos o ginásio, depois o
colégio e virou um grupo de teatro amador. Aí a gente percebeu que cada um... como uns
foram fazer outras profissões, prestar vestibular, e alguns foram fazer teatro, eu, a Yolanda –
que foi para Alemanha – fomos então para São Paulo praticar Escola de Arte Dramática,
aquela coisa, queria ser ator, como é, qual era o caminho, como todo mundo buscando sua
história. Aí eu entrei e fiz comunicação com Artes Cênicas, depois disso também veio o
prazer de produzir, eu acho que também eu sou um produtor artístico, porque eu penso o
projeto desde o zero, desde a ideia até...
Leiriane: Consegue montar...
Jô Santana: Montar, e aí eu chamo... Por exemplo, O Reizinho, eu pensei no projeto e
chamei o Gamba para adaptar, chamei o Lage para dirigir, mas toda a ideia de se montar O
Reizinho Mandão é minha. Nessa história toda, O Reizinho como base. Ai O Reizinho como
base eu tive essa ideia de se montar, de fazer com atores com síndrome de down, já trabalho
muito com a Ruth Rocha, pedi autorização para ela, achou a ideia ótima, chamei o Lage para
dirigir e a gente foi na luta para conseguir patrocínio. Então é isso, eu acredito no projeto do
zero, eu penso a ideia e começo a desenvolver, ponho nas leis de incentivo, que a gente
também trabalha com outros parceiros, é assim que é feito. O Enlace que você assistiu, é uma
coisa muito inusitada, eu tinha acabado de fazer Decameron, com Giovanni Boccaccio, que
acabava com a igreja, falava da igreja, aquela coisa toda, que é um clássico que eu montei e,
de repente, eu fui convidado pra fazer uma peça do Papa, e na hora eu não aceitei, falei:
“gente, eu não estou preparado para fazer uma peça do Papa João Paulo II, é muita ousadia da
minha parte”; não aceitei. Aí o convite veio pela terceira vez, falei: “gente, se veio pela
terceira vez é porque tem um motivo”. E aí eu realizei aquele espetáculo que você viu. Porque
o João Paulo foi ator, escreveu vários textos e não tinha nenhuma conotação religiosa, e eu
falei: “então tá”. Eu fui pesquisar a questão do João Paulo, a questão que ele fazia parte de
um grupo de teatro, e eu falei: “então vou fazer, se veio na minha mão era para fazer”; aí
chegou através da Lourdes que você conheceu. Aí chamei o Lage para dirigir, chamei o Elísio
para fazer o texto e aí foi surgindo O Enlace. Sem pretensão nenhuma, chegou a três dias na
Revista Veja, foi indicado ao prêmio Bibi Ferreira; quer dizer, para a gente foi uma
consagração, e dessa parceria com o Lage surgiu O Reizinho e agora vamos fazer o Musical
Cartola, ano que vem, que é uma história do Cartola, quem está escrevendo o texto é o Artur
Xexeo e vamos estrear o ano que vem, em agosto de 2016.
Leiriane: Então o seu papel é pensar em tudo, quem vai dirigir, quem vai fazer o texto?
Jô Santana: É. Eu sou produtor artístico, eu não sou só ator, eu sou empreendedor, eu sou um
misto de tudo, é difícil você se definir. Eu acho que no Brasil você tem que fazer de tudo. Eu
tiro como exemplo Miguel Falabella que eu admiro muito, ele escreve, ele dirige, ele produz,
261

eu acho incrível isso, acho que você tem que ter essa liberdade artística de fazer tudo, porque
não? Não pode ser uma coisa só, o americano faz tudo e faz tudo bem e a gente tem que fazer
isso senão não sobrevive nessa profissão, só uma... De repente eu estou atuando, aqui eu estou
atuando e estou produzindo, lá no Cartola eu vou só produzir, e aí você vai fazendo coisas e aí
chama os amigos para fazer, chama um figurinista, é um grupo onde a gente trabalha todo
mundo junto, não é uma companhia, é um grupo de pessoas talentosas que se reuniram para
trabalhar em cima disso.
Leiriane: Bacana. Você falou até a questão dos americanos, e um dos temas que eu estou
trabalhando é essa adaptação, você adaptou O Reizinho Mandão de um livro da Ruth Rocha, e
os musicais que nós vemos aqui no Brasil são adaptações dos musicais americanos....
Jô Santana: São reproduções, é idêntico, por exemplo, eles não... Por exemplo, O Enlace a
gente criou a trilha, nós criamos as músicas, tudo foi criado para o espetáculo. O formato
americano você já traz pronto, a música é aquela, só vai passar para o português, o perfil do
personagem é aquele, você só reproduz, o que é maravilhoso.
Leiriane: Já A Loja do Ourives foi diferente, as músicas brasileiras?
Jô Santana: Foi uma criação, um espetáculo de uma brasilidade, mesmo falando da Polônia,
mas o respeito aos brasileiros, com uma composição, com um texto, isso foi muito bacana,
essa brasilidade e o Cartola é um pouco isso, é a nossa história, a nossa identidade.
Leiriane: Você acha que essas reproduções, o que você chama de reprodução, americana,
atrapalha o teatro brasileiro ou ajuda?
Jô Santana: Não, não acho não! É um mercado, é importantíssimo. Foi a partir do musical
americano aqui no Brasil que abriu esse leque, né, para se falar de Elis e falar de outros, aqui
em Santos que começou o mercado, o mundo do teatro musical. Aí surgiram outros, o Tim
Maia, Elis, o que mais foi feito? Agora, Nuvem de Lágrimas, uma composição sertaneja; eu
acho que tem que ter todo...
Leiriane: Chacrinha...
Jô Santana: Chacrinha, que também é nosso, e a partir daí houve também... Foram feitos
muitos musicais. Chegou uma hora que assim, o Brasil falou: “tenho que fazer agora pra falar
da minha história, falar da nossa brasilidade”.
Leiriane: Quando você acha que o pessoal de teatro percebeu isso? Tá, se tem espaço para a
história americana, porque não para a história brasileira?
Jô Santana: Eu acho que sempre houve o teatro musical brasileiro, desde os anos 20, os anos
50 como era o teatro de revista, tudo era muito ligado à política, a política caiu nos anos 50
com Getúlio, então tudo foi... Iris Bruzzi que você entrevistou era dessa época, era de Revista,
mas o teatro musical sempre existiu, não existiu agora há 15 anos atrás.
Leiriane: É que antes, talvez, não existisse uma frequência...
Jô Santana: É, ele teve uma queda, agora com toda força, têm grandes espetáculos
brasileiros, tem o Urinal, tem o Nuvem de Lágrimas, agora o Cartola, tem o Elis que é um
sucesso, tem O Beijo no Asfalto que é transformado agora para musical; então nós estamos
com mercado incrível, e eu acho legal também ter o americano, ter o nosso, tem que misturar
tudo, acho que isso que é o barato.
Leiriane: Como você vê esse mercado do teatro musical daqui há 10 anos, como você
imagina?
262

Jô Santana: Já fixou o mercado, hoje faz parte; tem tudo, tem o teatro musical, o teatro
musicado como o nosso, têm os grandes musicais, têm os musicais pequenos que é um mais
ou menos sucesso, montaram A Ópera do Malandro, quer dizer, isso que é bacana; montaram
Noventa Minutos do Chico Buarque, que foi os 70 anos do Chico, acho que isso que é bacana.
Leiriane: Queria que você explicasse um pouquinho sobre essa questão do ator e ator de
musical. No começo até o Saulo Vasconcelos comentou que na época que ele iniciou não
tinham muitas pessoas, e hoje em dia tem escolas só para musicais?
Jô Santana: Escolas só pra musicais. É legal, porque o cara canta, dança e representa, está
preparadíssimo para qualquer coisa. Eu acho importante, as escolas se abriram e os jovens
hoje estão procurando, estão estudando, que é bacana isso. Para você cantar no teatro musical
você tem que cantar muito, você tem que representar, você tem que dançar, tem que ser
completo, que eu acho isso incrível, não é só ser bonito, tem que ter talento.
Leiriane: E até essa questão do talento; um outro assunto do meu mestrado é essa questão,
por exemplo, adaptação, a Ruth Rocha já tem um nome, então você está trazendo algo que
vem com o nome dela.
Jô Santana: Isso.
Leiriane: Querendo ou não, o teatro está no mercado, ele é um produto da indústria cultural,
ele é uma venda também.
Jô Santana: Tudo que você põe na bilheteria é venda.
Leiriane: Então, como que é essa questão de trazer um nome já conhecido, como a mídia do
nome da Ruth Rocha, do Papa João Paulo II, isso ajuda?
Jô Santana: A Ruth é muito conceituada, é o nosso Monteiro Lobato de calças, eu venho
com a Ruth porque eu trabalho muito com a Ruth há 20 anos, eu fiz Marcelo Marmelo,
Martelo, eu fiz Iguais e Livres, Atrás da Porta, eu fiz muita coisa dela. Estou procurando um
filme que a Neyde dirigiu; assim, eu venho com a Ruth há 20 anos que eu trabalho com ela,
eu amo a obra dela, ela, a Maria Clara Machado, a Tatiana Belinky que já não está mais
conosco; são grandes escritoras e a Ruth é fenomenal, ela é muito atual, isso foi feito nos anos
70 e continua muito atual esse texto, isso que é um barato, e manda uma mensagem através da
criança, que está formando esse público, um espetáculo bacana, bem produzido, belo cenário,
mas uma história muito legal, uma tirania, pode ser essa criança tirana, que pode ser os nossos
governantes.
Leiriane: Eu já assisti essa peça, acho que há uns 10 anos atrás, eu não lembro... Mas eu já
assisti essa peça.
Jô Santana: É incrível! Os pais...Você não faz só a peça para a criança, faz para os pais
também, o pai fica sentado com a criança, então tem que ser uma coisa bacana que ele
também curta, e Ruth é o máximo, tudo o que ela faz é incrível, mais de 200 obras lançadas
no mundo inteiro, 17 países, eu adoro a obra dela, então eu sou suspeito, eu adoro, vou fazer
agora o Romeu e Julieta, a trilogia, os Dois Idiotas que já está no Sesc Ipiranga, O Reizinho
Mandão e Romeu e Julieta, que ela adaptou para o teatro.
Leiriane: Bacana. E essa questão mesmo do nome dela e do Papa João Paulo II, você acha
que traz um... é um chamariz, como você classifica isso?
Jô Santana: Olha, vou falar o seguinte, isso é uma coisa que eu vou falar pra você, e você
não coloca isso. Eu achava que por ser o Papa João Paulo II, o católico fosse assistir, mas o
católico não tem o hábito de ir ao teatro, é diferente do evangélico, eles vão, eles pagam. Eu
fiquei muito triste, você não coloca nada disso que é uma coisa muito...
263

Leiriane: Tá, eu vou até anotar, não falar...


Jô Santana: Dessa coisa. Porque assim, eu sabia...
Leiriane: Você comentou no Rio de Janeiro, na Jornada, que estava vazio, você... Eu lembro
que você comentou.
Jô Santana: Foi. As pessoas não iam, não é só porque ser Papa João Paulo II ou não, as
pessoas não vão porque não têm o hábito, não têm cultura, não têm educação pra isto. A arte é
um bem cultural, se você não consome você não tem o hábito; como é que você vai? É difícil;
é diferente do Kardecista, do evangélico, eles vão, eles pagam, eles valorizam o que é deles,
entendeu? O católico não; eles falam, falam, falam que são... Eu fiquei muito decepcionado.
Vou falar uma coisa pra você que é muito minha, particular, e eu fiz porque eu acreditei, e não
só no nome mas também na história de amor. Em São Paulo a gente foi muito bem. Na
Jornada ninguém foi; foram distribuídos 3.000 ingressos, apareceram 500 pessoas, eles nem
fizeram a divulgação desses ingressos; uma coisa muito maluca. Olha, aí existe também uma
coisa... A gente fala ne, veneração é...Eles idolatram muita coisa e parece que eles cegam, tem
uma juventude, acho um pouco cega nessa coisa da religião, e mesmo com o Papa João Paulo
II ninguém ia.
Leiriane: E você acha que o nome dele, às vezes, a pessoa que nem é católica se interessar?
Jô Santana: Não.
Leiriane: Também não.
Jô Santana: Porque assim, eu tenho muitos amigos ateus, amigos judeus, que não foram
porque achavam que era uma questão religiosa.
Leiriane: Então, às vezes, atrapalhou até?
Jô Santana: Por exemplo, aí o católico, porque era uma coisa religiosa, o católico não vai;
então você fica... é difícil. Só que aqui foi o boca à boca, as pessoas foram dizendo que a peça
não era nada religiosa; foi um processo muito difícil, fomos ganhando dia a dia, no final a
gente saiu com um público incrível em São Paulo. Mas, por exemplo, os amigos do Ailson,
eles falavam, esses que são ateus, eles falavam: “ai, Jô, coisa de religião, não vou”; e não era
porque falava de amor. Primeiro ato, se você assistir o 1º ato e não gostar você pode ir
embora; ele saiu aos prantos, emocionado. Existe muito preconceito a tudo, muito. Eu viajei
com esse espetáculo, o povo é muito simples, o povo tem medo de ir ao teatro, acha que não é
pra ele, tem tudo isso, a classe C; então tem isso, eu entendi, que eu achei que ia, porque você
fala em João Paulo II. Também não ia gastar dinheiro, deixar de comprar comida pra assistir
um espetáculo; muito, muito louco, foi uma experiência muito louca. Em São Paulo não, em
São Paulo foi legal, mas no Rio, ir lá, nossa, uma loucura.
Leiriane: Então, na verdade, um nome famoso não quer dizer que vai ajudar ...
Jô Santana: Não vai ajudar que seja sucesso, não vai. Se eu tenho um Nelson Rodrigues vai
para a classe artística, que é um texto do Nelson e todo mundo já conhece. Mas o grande
público não conhece, ninguém sabia que o João Paulo foi ator, já tinha essa coisa do religioso,
e foi incrível, ele tinha textos incríveis sobre o casamento, sobre tudo. Então, a experiência foi
muito bacana nesse sentido, conheci muita gente bacana nesse processo, inclusive você, a
canção nova, tem uma galera bacana, que ajudaram muito, mas a própria igreja nem ajudou a
gente, foi muito louco isso, uma experiência punk. Eu já fiz outros musicais, mas O Enlace
pra mim, muito particular nesse sentido, não estou falando isso com rancor não, é uma
vivência deste trabalho. É diferente do Cartola quando você fala que é um patrimônio do
samba, é um patrimônio; esse ajuda.
264

Leiriane: E essa questão do nome: Elis, Tim Maia, uma pessoa já conhecida...?
Jô Santana: Ajuda muito, ajuda porque todo mundo já conhece as músicas, quem tem
saudade daquele artista vai lá ver.
Leiriane: É uma questão de identificação?
Jô Santana: Identificação, e tem essa brasilidade; por exemplo, se eu tenho o Tim Maia, eu
sempre gostei do Tim Maia, eu sei que vou ver as músicas do Tim Maia, vou me recordar.
Leiriane: Você não vai ter uma surpresa desagradável, assim?
Jô Santana: É, não vai ter. Você já sabe o que vai encontrar, e chega lá é uma grande
surpresa. Elis eu chorei muito. Lembra da Laila Garin, aquela atria? Ela fez a Elis.
Leiriane: Eu vi ela, tentei contato com ela também.
Jô Santana: É, ela está no Rio. Então, ela fez e foi brilhante o Elis, lotado, ela fazia
brilhantemente, foi muito bacana, a Elis tinha o público dela e ela virou a personificação da
Elis, você olhava era a Elis Regina cantando, coisa de louco, eles faziam uma coisa
saudosista. Eu lembro que um dia, na estreia, as pessoas choravam, tinha gente lá que
trabalhou com a Elis, foi jornalista, foi muito bacana essa experiência. Eu acho que não tem...
quem faz arte não tem certezas se vai fazer sucesso ou não, você faz uma obra beta, o público
que vai dizer se gosta ou não.
Leiriane: E essa questão dos globais, até... não sei, entre os artistas têm, muitas vezes, aquela
questão até preconceituosa: ator de teatro musical... Nos Estados Unidos, inclusive, eu dei
uma estudada, tem até um livro que fala pro pessoal: “devolvam os prêmios para o ator do
teatro musical”, porque o pessoal de Holywood que estava levando os prêmios, Scarlett
Johansson e tem, às vezes, esse conflito; você percebe isso aqui no Brasil com a questão dos
atores que fazem novela?
Jô Santana: Se o ator que faz novela e ele canta bem, não existe problema nenhum. Acho que
a gente não pode deixar ter preconceito com nada, e ter um ator conhecido da televisão, do
grande público, ajuda para trazer público, ajuda para conseguir patrocínio.
Leiriane: Então, isso que eu gostaria de saber, ajuda?
Jô Santana: Ajuda.
Leiriane: Como, o que você acha?
Jô Santana: Ajuda na produção. Se você tem um nome pesado, contratar o cara que fez a
novela, falando de uma Fernandona, de uma Nathalia Timberg, falando dessas grandes ícones,
e você coloca esses nomes que fazem uma novelinha ou outra, vamos lá; aí vai lá o seu nome
está há 30 anos na carreira, 40 anos, você sabe que agrega valor.
Leiriane: Então o patrocinador se sente mais confortável?
Jô Santana: Ele se sente porque a marca dele vai chegar, por exemplo, você tem um Miguel
Falabella, sabe que vai chegar no grande público, mas também tem grandes espetáculos que
não tem nome de globais e tem grande sucesso, pela qualidade artística. Eu acho que não pode
é fechar, eu sou a favor do não preconceito à nada, tem que ter um global, tem que ter uma
global, tem que ser ator. Aqui a gente não tem global, a gente tem uma obra da Ruth e um
elenco incrível, que vai contar uma história e você vê a casa lotada, foi isso.
Leiriane: E até em A Loja do Ourives tinha muitos nomes de pessoas que fizeram novelas,
seriados, mas, você acha que no final das contas isso ajuda, ajuda, mas, como diretor é mais
fácil lidar com artistas de teatro, os que só fazem teatro ou às vezes é complicado?
265

Jô Santana: Não, porque assim, Sonaira D’Ávila é um ator incrível, os conhecidos que não
cantam, o Rafael Almeida que fez uma novela, tem uma galera bacana, não foi só... por isso
que a peça deu certo, é uma galera muito unida, Cláudio Lins é um querido; então não teve
problema nenhum, em nada, pelo contrário, foi uma delícia, o elenco era muito unido, tanto
que se via, era uma grande festa quando terminava o espetáculo, era uma celebração à vida,
me deu muito prazer nesse sentido.
Leiriane: Quando mudou, na questão, pro Rio de Janeiro, alguns atores mudaram né, fica
aquela...?
Jô Santana: É engraçado, eu digo de experiência, eu não faria mais... Se um elenco estreou a
peça eu não quero mais substituir, ou eu faço com o elenco inteiro, ou um ou outro, mas não
mudar todo elenco, porque eles não tinham estrutura, não tinham hotel, não tinham nada, a
gente foi fazer na raça, eu tinha que usar elenco do Rio, só que o elenco que estava lá não
tinha o envolvimento do daqui que ficou 2, 3 meses ensaiando, criando pra peça, e isso tem
envolvimento emocional, isso vai pra cena né, essa é a questão.
Leiriane: Estou acabando, tá.
Jô Santana: Acho que era o meu, tipo...
Leiriane: Essa questão dos teatros biográficos; muitas vezes, vamos supor, têm lugares que
cabem uma pessoa famosa, uma celebridade, mas o biográfico você precisa não só
caracterizar fisicamente, muitas vezes trazer alguém de fora, alguém conhecido, pode
atrapalhar, uma pessoa conhecida pra fazer Elis.
Jô Santana: Não, não dá certo. A Laila, ela não imitou, ela deu a personalidade dela...
Leiriane: É isso que eu estou falando... A diferença de imitar pra...
Jô Santana: Não, ela não é imitar, ela viu muito os gestos, depois ela imprimiu a marca dela
como atriz, a energia dela, da atriz, e foi ficando parecido; olha que louco, cabelo, com tudo, o
jeito de cantar da Elis, no final é a Laila fazendo a Elis, tanto que ficávamos surpresos. O lá,
com Tim Maia...
Leiriane: O Tim Maia, você já foi assistir?
Jô Santana: Já, é incrível também; era muito parecido, ele caracterizada a voz, foi incrível.
Gente, têm coisas incríveis que foram feitas já aqui, já no teatro brasileiro. Gente, Ópera do
Malandro, coisa maravilhosa que eu assisti, João Falcão, agora O Circo Mágico do Edu Lobo
e Chico Buarque, a coisa mais linda; então, têm coisas maravilhosas, como também a
Mudança de Hábito que eu assisti, amei.
Leiriane: Ah, eu assisti também.
Jô Santana: Amei!
Leiriane: Eu não estava esperando muita coisa, assim, foi mais...
Jô Santana: Tinha a referência do filme, que era incrível.
Leiriane: Essa questão de adaptação do filme, também tem essa questão da mídia? Porque o
filme já é conhecido, muita gente sabe: “ah, eu vou porque eu já assisti o filme”.
Jô Santana: Já sabe.
Leiriane: E você acha que isso ajuda também?
Jô Santana: Isso ajuda bastante, claro, as pessoas conhecem a história.
Leiriane: Isso sim que é engraçado, você já conhece a história, você vai ver ela de novo?
266

Jô Santana: Mas agora com uma outra energia, com outra roupagem, com elenco brasileiro;
você viu mas na tela do cinema, aqui é uma coisa que é real, é você sentada vendo aquele
espetáculo. Gente, e O Rei Leão? Eu assisti 3 vezes, eu assisti fora e aqui, chorava do mesmo
jeito que eu chorei... Emocionante! O que eles fizeram? O que é O Rei Leão? É a Shadowland
de Hamlet; é, o tio assume o trono, ele vai mandado né, escondido pra... mandado embora e
volta já homem, que é a história do Hamlet, que eles pegaram, eu me lembro bem, e fizeram
Shadowland na África; é maravilhoso, aquelas músicas, eu chorava igual uma criança, choro,
fui ver isso aqui em São Paulo de novo e chorei, os meus sobrinhos; é muito emocionante.
Então tem muita coisa bacana, você não pode é fechar a cabeça, pra nada na vida,
preconceito, no geral, é muito chato, pra tudo, não pode fechar.
Leiriane: Até a questão do Saltimbancos Trapalhões que eu achei interessante que era o
filme, virou musical, e agora do musical querem fazer um filme.
Jô Santana: É.
Leiriane: Eu pensando: não vai fazer um filme do outro filme, como acontece, eles estão
fazendo um filme do musical, que é adaptação, inclusive.
Jô Santana: Adaptação, exatamente.
Leiriane: E até mesmo... Que nem, Chicago, é um musical que virou filme.
Jô Santana: Filme.
Leiriane: Não só o inverso, como O Rei Leão, e o que você acha dessa Jingle, inclusive?
Jô Santana: Eu acho, depende do sucesso, depende do momento, depende de um produtor
maluco que quer fazer, sempre tem que ter um louco que quer fazer aquilo e acreditar, porque
se você não acreditar no sonho, nada é feito. Por exemplo, eu peguei O Reizinho, eu queria
muito fazer O Reizinho, muito fazer... Atores com síndrome de down, com deficiência
intelectual. O que eu queria ver...
Leiriane: Você encontrou barreiras, assim: “ah não vai funcionar”?
Jô Santana: Muita barreira, muita, claro, preconceito; no final está aí, eles arrasam, eu tenho
mães que choram que têm filhos com down; é possível sonhar. Antes eles viviam escondidos,
hoje não, eles saem pra rua, é isso que é bacana, é se misturar, eles arrasam.
Leiriane: Então ficou fantástico né? Muito engraçado isso.
Jô Santana: Tanto é legal essa mistura que você nem percebe quem é down e quem não é
down, são atores fazendo o espetáculo, você esquece que eles são down.
Leiriane: É verdade. E pra finalizar, eu queria que você falasse um pouquinho sobre a Lei de
Incentivo, você acha que esse boom, também, de musicais, é possível? Como era antes disso,
como é agora, você que já está há muitos anos?
Jô Santana: Olha, não tem uma política cultural muito forte no Brasil mas têm as leis que
ajudam muito; ajuda, por exemplo, se você tem um bom projeto, você põe na lei, você põe
debaixo do braço pra correr atrás do patrocínio; é você com você mesmo, entendeu? Tudo é
muito doído, não é fácil, o mercado artístico não é brinquedo e, às vezes, o pequeno produtor
não consegue ali uma lei porque ele não tem um nome, porque a coisa não foi aprovada,
porque não é só ser aprovado, é bater na porta do cara: “olha, compra o meu projeto”; é você
por você mesmo, tanto que eu fiz isso com o próprio O Reizinho que o Itaú patrocinou, eu
cheguei, marquei um a reunião e vendi a ideia, eles compraram a ideia; é isso. Então, tem que
ter um bom projeto, independente do cronograma se tem um bom projeto, um bom plano de
267

mídia e vender o projeto, alguém compra, é chegar nesses caras, agora, chegar é que é o
difícil.
Leiriane: E, assim, um projeto que é um texto que nunca foi apresentado, novo, não tem
nenhum nome, assim, conhecido, você acha que tem essa barreira pra consegui, textos novos,
inéditos?
Jô Santana: Eu acho que tudo tem barreira, eu acho que o povo do marketing devia estar
mais preparado pra esse mercado pra dialogar com o artista, porque por exemplo, eles
procuram, geralmente, um projeto mais fácil, que tem um nome famoso, que vai dar mídia
rápida. Mas, de repente, tem um trabalho desse conceitual que pode dar uma puta mídia, gerar
uma puta mídia bacana em função disso.
Leiriane: Você acha que o próprio mercado acaba, não expulsando, as pessoas que não são de
musicais mas querem ser?
Jô Santana: Eu dou um conselho, estudem!
Leiriane: Até assim, eu não vou comentar, mas tem aquela... Não sei se você já viu, Fama,
com a Paloma Bernardi.
Jô Santana: Ah, mas aí ela não estava preparada, expôs um...Eu acho que ela...
Leiriane: Eu achei uma situação...
Jô Santana: Muito... Ela se expôs, ela não está preparada, ela não canta...
Leiriane: E o pessoal também fez uma exposição dela...
Jô Santana: Dela... Então acho ingenuidade de ambas as partes. Se não tiver talento no
mundo, não é só ser famoso, tem que ter talento.
Leiriane: Não ter né...
Jô Santana: Tem uma fala que é o seguinte, da Marieta: “muitos são chamados, eu quero ver
é aguentar o tranco”. É, tem que aguentar o tranco, por exemplo, uma coisa é você ter talento
e outra coisa é vocação. Vocação é você acreditar naquilo, é perseverar o teu sonho, é fazer
sua carreira com trabalho sério, com bons projetos é a vocação. Outros têm talento mas não
aguentam, porque é muito tranco, a gente trabalha a semana inteira pra ter público,
divulgando, põe no facebook, ligando pras entidades, vendendo a pizza barata; é isso, trabalho
duro, mas tem que acreditar e tem que ralar.
Leiriane: Bom, muito obrigada; 30 minutos está ótimo.
Jô Santana: Então, aí você fala com o Lage e fala: “Lage, eu queria falar alguma coisa no
meu mestrado, e aí a questão é que eu queria fazer uma entrevista com você sobre o teatro
musical.
Leiriane: Ele é aqui de São Paulo?
Jô Santana: É de São Paulo, mora aqui no Centro. Ele estava aqui hoje.
Leiriane: Ah, não sabia. É que às vezes a gente vai tentar... Está uma loucura, agora até te
falei que era final, é muita coisa...
Jô Santana: em que entregar quando o projeto?
Leiriane: Seria novembro, eu não vou conseguir, vou jogar pra janeiro, porque eu tenho bolsa
do governo pra esse estudo.
Jô Santana: Você está fazendo onde?
268

Leiriane: Na Universidade Metodista, a de São Paulo. E u gosto, eu faço teatro amador há


muitos anos, e eu sempre assisto muito musical, e aí eu tinha que escolher um tema, falei:
“vou estudar”; e foi, assim, a Íris Bruzzi, a Berta Loran...
Jô Santana: Maravilhosas!
Leiriane: Ah, eu estou... Você saber como era antes.
Jô Santana: História...
Leiriane: É, é muito bacana.
Jô Santana: E aí você pega o contato da... e manda um e-mail, diz que você me entrevistou
sobre o teatro musical, tal, tal, enfim.
Leiriane: O Saulo, eu liguei, ele que atendeu, acho que foi por isso que eu não consegui.

APÊNDICE E - ENTREVISTA COM PAULO GOULART FILHO

Leiriane: Paulo, gostaria que você começasse a falar sobre sua trajetória:
Paulo Goulart Filho: Minha trajetória é um pouco longa. Na verdade eu comecei ainda
criança; a primeira experiência que tive como ator foi na extinta TV Tupi, nos anos 70, tinha
uma novela lá que chamava Papai Coração e estava a família toda. Eu era criança e foi minha
primeira experiência como ator, mas sempre vivi neste meio convivendo com atores,
diretores, a família toda né, ninguém é normal.
Leiriane: Você nunca pensou assim: Ah, não quero ser ator.
Paulo Goulart Filho: Sim. Eu comecei com essa historinha, depois fiz minha primeira peça
de teatro, essa novela eu tinha acho que uns 11 anos, por aí, foi na Tupi. Depois fiz uma outra
participação em uma outra novela, mas criança, sem aquele objetivo, aquela coisa. Estreei em
teatro com 15 anos, com direção do Abujamra, que era o Dona Rosita Solteira, e na época eu
também fazia ginástica olímpica, esporte, gostava muito de esporte e daí eu falei: ah, não,
acho que não quero brincar disso não, acho que minha história não é essa não, aí foi para o
esporte. Me dediquei, fui ginasta, fiz faculdade de educação física, e nesse período me afastei
um pouco do teatro e das artes. Na faculdade, você vê como são as coisas, tem uma matéria
chamada rítmica, o professor era o Edson Claro, inclusive faleceu há pouco tempo, e ele
justamente usava a dança dentro da educação física e colocava todo mundo para dançar:
atleta, jogador de basquete, judoca, todo mundo para dançar para desenvolver mais essa
habilidade física. E através da dança ele montou um grupo de dança na faculdade e aí que foi
meu primeiro contato com dança.
Leiriane: Você nem imaginava isso?
Paulo Goulart Filho: Não, eu tinha uns 18/19 anos, meu negócio era esporte, eu gostava. E
aí comecei a descobrir a dança e aí me identifiquei com aquilo e senti que eu tinha jeito para a
coisa e comecei realmente a estudar, fazer aula. Então comecei essa vida mais profissional
mesmo consciente com a dança, isso lá para os meus 19/20 anos. Juntamente com isso eu
sempre fui desenvolvendo meu trabalho como ator. Então, com a dança, acabaram surgindo
algumas possibilidades de peças de teatro, então eu sempre ia juntando as duas áreas, focando
mais na dança mesmo. Então eu fiquei bem focado nessa área, com shows, estreei; meu
primeiro show foi na casa... chamava Paladium, era no Shopping Eldorado, onde hoje é o
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Teatro das Artes, era uma casa de show, chamava Paladium, com direção do Abelardo
Figueiredo, foi um grande homem da noite nos anos 70/80. E ali foi realmente minha estreia
como bailarino profissional. Isso foi nos anos 85, por aí. Eu comecei a focar realmente na
dança, mas sempre tive uma visão um pouco... o ator nunca saiu de mim. Mesmo dançando eu
tinha uma visão um pouco diferenciada em termos de interpretação, ou seja, não apenas o
movimento, mas o que eu queria dizer, passar com aquilo. Então sempre tive uma visão um
pouco diferente dos outros bailarinos, e desenvolvendo meu trabalho como ator em paralelo.
Isso foi bastante tempo, até os meus trinta e poucos anos. Fui para o Balé da Cidade e depois
de um tempo você começa a querer buscar outras coisas também né.
Leiriane: A Dança era Ballet?
Paulo Goulart Filho: É, dança contemporânea e shows, eventos, musicais; fiz a primeira
montagem do Cabaret, com direção do Jorge Takla, que era Bete, minha irmã, que fazia a
Jelly Roll, isso foi no começo dos anos 90, foi uma das primeiras montagens dos grandes
musicais.
Leiriane: E o que você achou naquela época, você imaginou que ia ter uma continuidade ou
não, uma peça isolada e acabou?
Paulo Goulart Filho: Então, tinha uma diferença muito grande em termos técnicos, de tudo,
seja cenário, figurino, canto, dança, profissionais especializados, aquela época não tinha, a
gente ia meio na raça, aprendendo a fazer, errando, e hoje em dia já tá bem diferente, o
mercado vai pedindo e as pessoas vão ficando prontas, vão se preparando para aquilo e a
qualidade vai aumentando. Daí eu comecei a partir para outras histórias, para dança, teatro e
comecei a focar mais na minha carreira como ator. Depois teve um musical interessante que
eu fiz chamado Bexiga, que é sobre a história do bairro do Bexiga. Era o Mário Masetti que
dirigiu, chamava Bexiga mesmo, que era o nome do bairro, isso foi em 2010. Foi um musical
muito bacana, porque era isso, contando a história do bairro, um musical bem brasileiro, bem
regional, tanto que o povo do bairro adorava. A gente contava desde quando vieram os
negros, escravos, italianos; bem interessante, um resgate mesmo cultural e da história e foi um
sucesso incrível. A gente fez no teatro Sérgio Cardoso, que tem uma sala grande, quase mil
lugares e lotava, uma temporada popular. Foi um projeto bacana e bem diferente. Como eles
fizeram esse projeto, eles começaram a dar oficinas para todas as áreas, então atores,
cenógrafos, figurinistas, maquinistas, camareiros, uma formação de pessoas que hoje em dia
não tem mais, então você perdeu essa formação. Então, eles começavam a formar
profissionais, era através da APAA que, inclusive, é quem cuida do Sérgio Cardoso hoje. Eles
fizeram essa série de oficinas e daí tiraram o pessoal todo para fazer o esquema do musical;
então, tanto elenco quanto músicos, camareiros, técnicos, vieram tudo dessas oficinas, e foi
escrito, composto, tudo para contar essa história. Então ele é um musical bem brasileiro, bem
paulistano, contando a história do bairro. Ele era bem focado aqui para a região.
Leiriane: Para você, qual a diferença desse teatro adaptado da Broadway, esse estilo
americano, que você tem que fazer igualzinho? Reprodução, até o Saulo, quando conversei
com ele, ele comentou que até ponto de iluminação tinha que ser igual. Você acha que o teatro
brasileiro perde com isso ou abre portas para a questão do musical brasileiro?
Paulo Goulart Filho: Eu acho que tudo vale. Lógico que você não pode falar, não quero
isso, eu gosto de um bom teatro, de qualidade. Evidente que eles têm uma fórmula de sucesso,
e eles sabem que aquilo funciona. Então por isso que vem igualzinho, eles não querem
arriscar, o pessoal lá de fora, os americanos, é uma fórmula, como no cinema, em Hollywood,
eles sabem como fazer isso. Quando esses produtores vão lá e compram esse espetáculo
fechado, eles querem prezar pela qualidade que eles têm lá fora e por isso é tudo igualzinho
aqui. Esse é um tipo de teatro, que é muito legal, bacana, funciona, mas para mim, enquanto
270

ator, é muito mais interessante você participar de um processo criativo, onde você vai
colaborando, dando seus pitacos; é muito mais instigante para o ator.
Leiriane: E aonde você conseguiu viver isso?
Paulo Goulart Filho: Em todos os teatros. Porque quando não vem lá de fora,
principalmente, quando não é musical, o teatro existe só no texto, no papel. Então é muito
interessante no processo você ver como aquilo sai do papel e vai levantando, que nem a gente
fala: “vamos levantar a peça”, aí que realmente começa a tomar vida e ter todo esse processo
criativo, é muito gostoso, ainda mais quando você tem um diretor que é um diretor que te dá
possibilidade de criar junto, que você tem uma sintonia, afinidade. Mas eu gosto muito de
trabalhar dessa maneira, de colaboração, onde realmente você vai descobrindo. Porque
surgem muitas coisas durante o processo que você nem imaginava, então quando você
começa a sair do papel e experimentar essas coisas em cena, jogando com o colega, vai
surgindo uma série de coisas que você não tinha como prever antes. Isso que é incrível, essa
parte da criação é muito legal, e o bom diretor vai te direcionando. Se ele tem um ator que é
inteligente, esperto, que sabe como é a melhor maneira de dizer o que está escrito, nossa, aí
surgem coisas incríveis.
Leiriane: Você tem muita experiência nessa questão do teatro dramático. Para você, qual a
grande diferença entre o musical e um teatro considerado tradicional?
Paulo Goulart Filho: É bastante diferente, porque a gente está falando de várias linguagens.
O teatro só de prosa ou verso a gente se limita ao texto, a contar aquela história, Já o teatro
musical não, você tem que se preocupar com o texto, com a música, o canto, a dança, a
coreografia, é uma gama de coisas que realmente o ator tem que se desdobrar, porque não é só
falar o texto.
Leiriane: Então não é todo ator que consegue fazer um teatro musical?
Paulo Goulart Filho: Não, você tem que se preparar para aquilo. Todo ator que se preparar
vai fazer, agora, se você pega um ator que não tem estudo de canto, de dança, vai ser mais
difícil, porque na hora de cantar você tem que dar conta do recado. Não adianta você falar um
texto maravilhoso, e na hora que for dançar, se o teu personagem tem que dançar, você tem
que fazer aquilo bem, então o ator tem que estar preparado, por isso que estar pronto é tudo, já
dizia o nosso Shakespeare, “o ator tem que estar pronto para tudo”, por isso essa formação é
imprescindível. Se o ator quer fazer musical, ele tem que se preparar sim, tem que fazer aula
de canto, aula de dança, interpretação, porque vai exigir dele.
Leiriane: Hoje em dia até tem cursos específicos para musicais, que não tinha né, então novas
escolas. Muitas vezes o artista nem sabia que não sabe que canta, agora não. você consegue
fazer....
Paulo Goulart Filho: Porque o mercado está pedindo isso. Hoje em dia as grandes produções
do teatro são musicais, então o ator, se ele quer viver disso, ele vai correr atrás. Você vê
quantas audições de musical está entrando agora, quantos testes para outros tipos de teatro. O
musical está numa fase de alta aqui no Brasil. O ator tem que se preparar para isso, a não ser
que ele realmente não queira fazer; tem ator que fala: “não, não quero fazer musical porque
não gosto, não é a minha praia, acho que não vou fazer isso direito”. Mas ai é uma opção do
ator e ele se limita dentro do mercado, como tem atores de musical, também, que não gostam
de fazer peça dramática. Aí depende de cada um. Eu acho que o ator tem que estar pronto para
tudo. Evidentemente que a gente sabe: “poxa, eu gosto mais de comédia, drama, tragédia,
musical”. Você pode ter a sua escolha pessoal, mas, às vezes, surgem possibilidade de um
personagem incrível, que você poderia fazer muito bem no musical e, às vezes, o ator não faz
porque não tem esse preparo.
271

Leiriane: E como é essa questão da concorrência, das audições, de buscar um papel, é muito
difícil nessa área do teatro?
Paulo Goulart Filho: É bem complicado, porque a competição está bem grande, e é legal
porque você começa a ver pessoas muito boas né. Então a gente está com nível de artistas
muito legal para musical, todos cantando muito bem, dançando, eu acho que a parte de
atuação ainda deixa a desejar um pouquinho. Às vezes a pessoa se dedica tanto “preciso
cantar”, canta super bem e na hora de contracenar, de dar um texto, às vezes poderia ser
melhor explorado. Mas faz parte do processo, quer dizer, acho que tem que se preparar
mesmo, uma hora a atuação ficará no mesmo nível do canto e da dança. Geralmente os
musicais são abordados de uma maneira mais superficial, normalmente os conflitos não são
muito pesados, o musical, a linguagem do musical te leva para uma coisa mais
entretenimento, porque você tem que usar todas essas linguagens que eu te falei, você tem que
usar o canto, a dança o texto e chega uma hora onde... “porque que entra a música?” Porque
chegou aquela hora que o personagem não tem mais como se expressar, então ele se expressa
através do canto, ou através da dança, são as linguagens que vão se complementando. Ele é
escrito dessa maneira, de uma maneira tal que naquele momento chega num ponto onde a
música tem que entrar para fechar aquela ideia, fechar aquele conflito ou abrir uma nova
possibilidade de uma coisa que vai acontecer lá no final da peça. Então, essa carpintaria
teatral, como a gente chama, ela é muito bem pensada, por isso que os americanos são muito
bons, eles sabem direitinho como fazer isso. Como preparar para entrar uma música, como
preparar para entrar uma dança; e eu acho que a gente, aqui no Brasil, eu acredito que a gente
vai descobrir o nosso jeitão de fazer musical.
Paulo Goulart Filho: Isso é uma coisa que me incomoda um pouco nos musicais. Às vezes,
eu, enquanto expectador, me distancio um pouco da história. Isso muito por causa das
versões, porque é muito difícil você fazer uma versão, pegar uma música americana,
composta na língua inglesa, com aquelas palavras, e ter o mesmo efeito no português, para
mim isso é um grande desafio, porque às vezes...
Leiriane: Mas você acha que cai a qualidade?
Paulo Goulart Filho: Ah cai, porque não tem como; o compositor... ele criou e pensou
naquela língua, então aquela palavra encaixa direitinho e vai te remeter ao que ele quer falar,
é muito difícil você fazer isso quando você muda de língua, por isso eu acho que os musicais
compostos aqui vão conseguir fazer com que a gente entre mais na história. Às vezes quando
entra uma música, uma dança, você acaba distanciando da história, daquela emoção que
estava te pegando ou não.
Paulo Goulart Filho: O Chaplin, que eu fiz agora, tinha esse diferencial, porque acho que o
grande barato do espetáculo era a história do Chaplin, e ele acabava pegando as pessoas pela
história, então elas iam acompanhando. O cara era um gênio e você acompanhar a história
dele desde criancinha, a trajetória dele, e as músicas entravam muito bem, faziam com que as
pessoas se emocionassem, rissem.
Leiriane: Mas esse musical Chaplin foi reproduzido de outro país?
Paulo Goulart Filho: Foi, ele é da Broadway, teve uma versão da Broadway, mas acho que o
compositor não ficou muito satisfeito. Quando veio para o Brasil, foi uma versão
completamente nova, não foi uma reprodução de lá, foi uma concepção daqui, teve os direitos
comprados, mas não aquela versão, aquela montagem. Tanto que ele escreveu cinco músicas
novas pra cá, a encenação foi toda criada aqui, não foi nada copiado de lá, tanto que ele veio
assistir, adorou, e agora a nossa versão, aqui, que ficou oficial para viajar pelo mundo.
272

Leiriane: As pessoas comentam que o Brasil, muitas vezes, tem algumas produções que
superam as da Broadway, tem pessoas que comentam isso?
Paulo Goulart Filho: Ah, depende do gosto, tem a língua também, é que lá fora eles têm um
know-how muito grande, eles sabem como realizar.
Leiriane: Tem também a questão do investimento no ator, desde criança, aquela formação,
que aqui às vezes na cultura falta.
Paulo Goulart Filho: Falta. A gente começa, agora, a chegar num nível bem bacana de
atuação do teatro musical. Como eu estava te falando, há 15/20 anos atrás era completamente
diferente, eram poucos atores que cantavam, dançavam. Mesmo a parte de cenário,
iluminação, hoje em dia a qualidade está bem parecida com a de lá de fora.
Leiriane: O que eu acho engraçado é que no começo você não via muitas pessoas que faziam
sucesso na TV participar de musicais, só que eu estou sentindo que de uns anos pra cá está
vindo. Não sou entendida do assunto, não que um tem mais talento que o outro, mas eu quero
saber se na questão midiática, isso ajuda a vender mais ingressos, ganhar público, essa parte
de marketing?
Paulo Goulart Filho: Com certeza, primeiro o patrocínio. Essa política cultural do nosso País
é bem difícil, para você conseguir patrocínio você vai numa empresa e a empresa vai
patrocinar qual projeto? Projeto que tem ator conhecido, global, que vai chamar mídia, um
projeto grande ou um projeto que não tem ninguém. Começa daí, a conseguir grana, então é
fundamental. E o público também, o público, com certeza, vai no teatro para ver aquele ator e
isso é complicado, porque as vezes tem espetáculos belíssimos, com qualidade incrível.
Primeiro não tem grana para montar, depois não tem público, complicado, mas faz parte do
mercado, é assim, qualquer coisa, a gente está falando de um produto.
Leiriane: Até a questão mesmo, não falando do ator que está na mídia, mas o Chaplin, por
exemplo, ele esteve, é uma figura conhecida, então trazer a história de alguém conhecido é
uma forma de marketing também.
Paulo Goulart Filho: Com certeza, eu tenho um projeto agora que eu devo fazer um musical
nosso brasileiro, sobre o lampião. É um musical que estamos batalhando, ainda nesse
processo de pré-produção, de levantar grana, mas é isso, é um projeto que a gente quer fazer,
ele vai ser todo criado aqui, processe de pesquisa, história, e a gente vai focar nesse mito do
lampião, do cangaceiro, que é o que a gente acha que, realmente, vai chamar as pessoas. Tem
coisas que são fortes por si sói, evidentemente, você tendo um nome forte tudo ajuda, soma,
você ter um elenco de peso não só de nome, mas de qualidade, de talento, aí teu produto fica
lá em cima, mas é difícil juntar tudo isso.
Leiriane: Tem um caso de uma pessoa global que começou a participar de um musical e foi
trocada, porque na estreia não teve um bom desempenho, você acha que a pessoa só consegue
permanecer se ela for desse meio, o artista tem que ter cuidado nessa transição?
Paulo Goulart Filho: O que eu te falei, tem que se preparar, não adianta chegar lá e falar não
eu faço, porque não faz, na hora que tiver que pegar uma coreografia complicada, difícil
tecnicamente, se a pessoa não estiver preparada ela não vai fazer. Na hora que tiver que cantar
uma música difícil, se ela não saber não rola, não dá para enganar, então o ator tem que se
preparar sim, porque se achar que chegar lá só com a carinha bonitinha e nome, sem preparo,
achando que vai dar conta, não rola, é uma exposição e cada ator tem que saber onde amarrar
o seu burro. Um dos grandes segredos do sucesso é a escalação, você escolher os atores certos
para os personagens certos, isso é muito difícil, às vezes a gente se engana também,
principalmente em audição, audição é muito complicado, você não consegue conhecer o
273

artista. Eu, particularmente, não gosto, porque eu acho que é um momento onde a gente é
testado, fica vulnerável, muitas vezes a gente não consegue dar o nosso melhor;
evidentemente; que você abre portas para novas pessoas que você não conhece, eu acho
interessante. Eu, enquanto produtor, se eu for montar um espetáculo, eu vou procurar chamar
pessoas que eu conheço, com quem eu já trabalhei, com quem eu tenho uma sintonia, não só
artística, como pessoal, pois a coxia é muito importante além do palco. Então, se você
conhece os atores, as pessoas, fala: “pô, eu quero aquele cara para fazer esse personagem que
eu sei que ele vai fazer bem”, aí você abre teste para outros personagens que você não tem –
alguém que você gostaria.
Leiriane: Eu achei interessante que você comentou do Lampião, porque eu acredito que vai
ser uma nova tendência, porque os musicais da Broadway, a maioria, já foi apresentado aqui.
Agora vem “Legalmente Loira”. O que você acha dessa questão de filme, “Homem Aranha”?
É complicado você pensar “Fantasma da Ópera”, aí vem “Homem Aranha”, “Legalmente
Loira”, traz o filme comercial para os palcos. Tem que tomar um pouquinho de cuidado, até
para não perder na qualidade dos enredos?
Paulo Goulart Filho: É o que eu falei, tem que fazer bem feito, eu acho que tudo é válido,
tudo é possível se fazer, basta saber como fazer, tem o segredo. Acho que quem escreve...
tudo começa no texto e nas músicas, no caso do musical; então o grande segredo está aí, se
você tem um bom autor e um bom compositor, você está com meio caminho andado, e a partir
daí você pode criar o que você quiser; se ele sabe escrever bem, tem boas músicas, a
qualidade começa aí. Agora, você pode ter um tema maravilhoso e um péssimo texto para
contar aquela história, aí não adianta nada. O texto é a base de tudo no teatro.
Leiriane: O que você acha desses musicais biográficos, Elis Regina, Tim Maia, Cássia Eller?
Paulo Goulart Filho: Eu gosto de tudo que é bom, eu não tenho preconceito com nada, sendo
bom está ótimo. Agora, é difícil você querer segmentar, isso é bom, aquilo é ruim, tudo pode
ser bom e tudo pode ser ruim. O que eu vi eu gostei muito, Elis Regina era lindo, todos, o Tim
Maia, Chacrinha – me diverti muito com Chacrinha, o Gonzaga – Gonzagão, Cássia Eller,
todos, e de uma maneira mais nossa, sabe, o nosso teatro começou por aí, nessa coisa
biográfica. Tanto que o Lampião não vai deixar de ser isso também.
Leiriane: Sabe onde eu sinto a diferença, Tim Maia, as músicas dos musicais são de Tim
Maia, Elias Regina, e o Lampião, novas composições....
Paulo Goulart Filho: É uma composição realmente para aquilo, você pensando nesse
formato de teatro musical. Então a gente vai fazer com o Briamonte que é um parceiraço,
grande compositor, Miguel Briamonte, que já fez nossos grandes musicais daqui.
Leiriane: Já tem previsão?
Paulo Goulart Filho: Nós estamos captando ainda. Tudo depende de grana, se a gente
conseguir captar no ano que vem, vamos ver, talvez, final do ano que vem, porque o País está
numa situação tão difícil.
Leiriane: Você acha que essa situação está dificultando?
Paulo Goulart Filho: Bastante, porque sem patrocínio você não faz nada, fica inviável. São
espetáculos caros e só bilheteria não paga. Por exemplo, o Chaplin, foi um sucesso, lotado
todo dia e tivemos que parar porque não dava para pagar tudo, só ali tinha mais de 60 pessoas
envolvidas, contando com elenco, músicos, técnico, produção; é muita gente, teatro, mídia, é
um absurdo, cada anúncio é uma coisa absurda e essa política cultural também ajudou a
inflacionar esse mercado todo, os teatros, hoje, estão caríssimos. Então fica inviável, você
começa a montar peça de um ator, dois atores, três atores, para poder fazer, porque quando
274

você entra num esquema deste de musical, elenco de 20 atores, 15 músicos, o que se gasta de
figurino, de cenário, é uma cacetada, é muita grana.
Leiriane: Não cair qualidade, mas você acha que, talvez, o teatro musical vai ter que ter
algumas adaptações, se adequar à realidade, até mesmo financeira?
Paulo Goulart Filho: Tem alguns espetáculos muito bacanas, tem um agora, até do Charles
Möeller e Cláudio Botelho, que são produtores do Rio, eu vi no rio até, que são músicas dos
Beatles, acho que... Céu de Diamantes, muito bonito, era um elenco não muito grande, sem
cenário, e as músicas, também, Chico Buarque, são opções que a gente consegue montar,
produzir, sem tanta grana, e fazer uma coisa de qualidade, a gente tem que dançar conforme a
música, literalmente, mas tem que ir atrás, não pode desistir não.
Leiriane: Queria saber um pouquinho sobre o seu personagem, do Chaplin?
Paulo Goulart Filho: Era muito legal, era o Mack Sennett, foi o cara que viu o Chaplin no
Teatro e chamou ele para o cinema, foi quem trouxe o Chaplin para o cinema, porque o
Chaplin começou no teatro, teatro do Vaudeville, essas coisas que era a Revista da época lá
em Londres, ele fazia os quadros, e tal. E o Mack Sennett era um grande produtor e diretor de
cinema da época, anos 20, e daí viu o Chaplin e falou “pô esse cara é engraçado”, e contratou
ele para fazer dois filmes. Só que o Chaplin nunca tinha feito cinema, e é aquela coisa das
linguagens, a linguagem de teatro é uma, a de cinema é completamente diferente. Quando
chegou na hora, ele ficou completamente perdido, ele não sabia o que fazer, porque no
cinema, naquela época, era tudo improviso, não tinha roteiro, não tinha ensaio, não tinha
nada, o diretor colocava as coisas ali e começava a rodar e o diretor ia falando na hora: “você
levanta, dá um tapa nele”, tudo na hora, porque não tinha som, e os atores iam improvisando e
dali que iam surgindo as gueguês, as coisas todas de improviso e o Chaplin ficou
completamente perdido, não sabia o que fazer. Então o Sennett chamou ele e falou “não está
funcionando não, tem que ser engraçado, se você não for engraçado está despedido”. Aí o
Chaplin quebrou a cabeça e criou o Carlitos, que é um personagem que todo mundo conhece,
que é esse vagabundo, esse meio lunático, e foi devido ao Sennett que ele criou esse
personagem, e aí ele estourou. Então foi o cara que trouxe o Chaplin para o cinema e deu a
primeira oportunidade a ele, depois ele seguiu o caminho dele. Mas era um personagem
engraçado, tinha um lado mais de humor, uma coisa mais leve, tinham cenas mais agitadas. O
espetáculo, ele, tem as ondas, tem que dar uma acalmada; meu personagem é um personagem
que mexia um pouco nesse primeiro ato, dava uma dinâmica, umas cenas bem gostosas,
gostava muito de fazer.
Leiriane: Para você, a principal diferença, a questão da TV, do cinema, a diferença do ator do
teatro para o cinema e TV?
Paulo Goulart Filho: São linguagens diferentes, acho que não existe o ator do teatro, existe
ator, como te falei, precisa se preparar, tem que saber trabalhar em teatro, televisão, cinema,
ele tem que saber que são formas diferentes de atuar. No teatro, quando você está em cena,
você está sendo visto o tempo inteiro, corpo inteiro por todo mundo, então você tem que saber
como estar em cena, como atuar, os gestos, a voz, o trabalho muitas vezes sem microfone,
você tem que saber que o cara da última plateia precisa escutar e sem perder as nuances, então
são técnicas, maneiras diferentes. O teatro, geralmente, ele é um pouco maior, você faz gestos
mais expansivos. Na televisão você tem que, além do jogo com o seu colega, você tem o jogo
com a câmera, e isso eu gosto muito também, é muito interessante você saber como a câmera
está te catando. Então é uma técnica que você aprende também, você contracena com o
colega, mas eu sei o que a câmera está pegando, então se você está num close, praticamente
você não se mexe. Com os microfones você pode sussurrar, falar baixo é uma interpretação
muito mais contida, muito mais interiorizada que no teatro. Não estou falando que na
275

televisão também não tem, tem também, às vezes você faz um personagem que é super
expansivo, mas tem momentos onde você tem que trazer tudo aqui para dentro, e olho.
Leiriane: Você tem um lugar preferido para trabalhar?
Paulo Goulart Filho: Não, o que eu mais fiz foi teatro, onde eu mais desenvolvi a minha
história, mas eu gosto muito de televisão também, cinema eu fiz muito pouco, mas eu gosto,
me cativa essa coisa da câmera, o que ela está pegando, como eu consigo transmitir um
elemento a mais, como jogar com essa tecnologia, eu gosto muito de falar com os olhos, o
olho na televisão, no cinema, principalmente, fala muito, às vezes você não precisa falar nada,
com o olhar você já passou tudo, isso me fascina.
Leiriane: Qual você acha que é o futuro do teatro musical no Brasil?
Paulo Goulart Filho: Eu acho que está crescendo cada vez mais, eu vejo esse mercado cada
vez maior e melhor, com pessoas mais preparadas. Eu espero que a gente desenvolva o nosso
musical, a nossa maneira, pegando tudo o que tem de bom.
Leiriane: Você acha que não chegou aonde tem que chegar?
Paulo Goulart Filho: Está no caminho, pegar o que tem de bom dos americanos, de
Londres, aprender com eles, saber que eles têm um know how incrível e absorver isso, a
tropofagia, voltar lá pra trás pegar tudo e misturar, e vomitar do nosso jeito. Porque a gente
tem muita história boa para contar aqui, nós somos um povo altamente rítmico, musical,
dançante. Agora está aí, então usar isso como força, acho que deve continuar os musicais lá de
fora sim, tem que trazer de tudo, quem não tem possibilidade de ir lá fora, porque não trazer
os musicais pra cá? Poxa, agora vão fazer Wicked, que é um musical lá de fora, para o ano que
vem eles vão fazer, e é esse o esquema, tudo certinho, igual de lá; então tem que ter sim, tem
que ter de tudo e fazer o nosso jeitão também.
Leiriane: E a questão do preço do ingresso do teatro, na verdade como você falou é caro, mas
não é um preço popular né?
Paulo Goulart Filho: Eu gostaria que fosse tudo de graça, mas alguém tem que pagar a
conta, você vai lá fora e quanto você paga para assistir um espetáculo lá 200 dólares, 150
dólares e não reclamam lá fora, então porque que vão reclamar aqui? Quanto que o pessoal
gasta para ir numa balada? A molecada, 200/300 reais por noite, fácil. Têm espetáculos que
não têm como ser mais barato, mas tem muita coisa boa barato, se a pessoa quiser e ir atrás,
todo esse circuito Sesc, Sesi, Senac, tem vários espetáculos incríveis, populares, acessíveis;
quem quer vai atrás e acha. Lógico que você quer comprar uma Ferrari, você não vai comprar
barato, você vai pagar pela Ferrari, você quer ver um espetáculo do Circo de Soleil, quanto
você vai pagar? É aquilo que te falei do produto, cada produto tem o seu valor. Sinceramente,
eu não acho caro não, gostaria que tivesse uma política cultural mais acessível para as
pessoas, que desse condição de levar o povão, porque a gente tem que construir esse público
que a gente está perdendo há muito tempo.
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APÊNDICE F - ENTREVISTA COM ROBERTO LAGE

Leiriane: A notoriedade midiática envolta de celebridades é um fator que chama a atenção


dos produtores e patrocinadores?
Roberto Lage: É evidente que isso mobiliza muito mais espectadores de uma forma em geral,
mas a razão maior, e não sei se o Jô por ser muito delicado tocou nesse assunto, (eu não sou
tão delicado assim), via leis de renúncia fiscal como Rouanet, aliás, os musicais só se
viabilizam via Lei Rouanet porque nas Leis Estaduais, PRONAC, PROAC, “essas coisas”, o
volume a ser captado não é significativo no musical. É... em 90% das vezes é uma exigência
da empresa interessada em patrocinar; às vezes você tem bons espetáculos, com bons atores,
com pessoas às vezes, na minha opinião, mais capacitadas do que alguns atores midiáticos,
sem nenhum demérito à eles, mas a empresa, ela condiciona o patrocínio à presença de um
ator de grande expressão na mídia.
Leiriane: Mas eles chegam a determinar o ator ou deixam em aberto?
Roberto Lage: Às vezes sim, não sempre. Eles sugerem o ator que eles gostariam que
estivesse na ficha técnica. Vou te dar um exemplo disso, eu gosto de denunciar essas coisas
porque eu acho um absurdo; o Enlace, por exemplo, que é o musical que o Jô produziu e que
eu dirigi, na temporada de São Paulo foi patrocinado pelo Bradesco, e essa temporada foi feita
com dois atores, os principais, que não são atores de grande mídia, mas atores com projeção
na televisão que era a Françoise Forton e o Cláudio Lins; a Françoise Forton que é uma
querida amiga, uma excelente atriz... você viu em SP?
Leiriane: Assisti quatro vezes; três em SP e uma no Rio de Janeiro. Maravilhoso!
Roberto Lage: Então você viu ela no palco. A “Franço”, ela tem uma preparação, a formação
dela de canto é lírica então, se você assistiu ao espetáculo, você percebeu que existia uma
“diferençazinha” de comportamento de registro vocal dela para o resto elenco, porque a
preparação dela é pro lírico, mas ela nunca desafinou, nunca atravessou, nunca fez nada dessa
coisa, porém, a imprensa, na avaliação do espetáculo, fez alguns comentários com relação a
ela como cantora. Terminamos a temporada em São Paulo e já estava prevista a temporada no
Rio de Janeiro, o que implicava num novo aporte de recursos do Bradesco para esta
temporada no Rio que seria durante a Jornada da Juventude católica lá. O Bradesco
condicionou o patrocínio no Rio de Janeiro à saída da Françoise.
Leiriane: Eu estou autorizada a utilizar essas informações?
Roberto Lage: Claro que pode, eu banco. Porquê? Por duas razões: primeiro porque ela não
era Globo e sim Record, então ela tinha um apelo de mídia menor; e segundo porque a crítica
fez algumas observações com ela aqui e condicionou a saída dela, e lá no Rio então, entrou a
Cláudia Ohana que fez muito bem, canta muito melhor para o registro popular que o
espetáculo tinha de canções, mas foi uma observação do Bradesco para apoiar o espetáculo no
Rio de Janeiro. Então, essa coisa do ator midiático no teatro musical se deve, sim, por um
lado à questão de você ter uma abertura maior de mídia e uma abrangência de conquista de
espectadores maior, mas se deve, também, muitas vezes, a condicionamento de patrocinadores
que não estão colocando dinheiro do próprio bolso, mas estão usando renúncia fiscal de
imposto a pagar para aplicação em cultura, e se acham “agentes” do que deve acontecer no
palco.
Leiriane: Qual é a sua opinião sobre a Lei Rouanet? Muitas pessoas falam em mudar algumas
questões dessa lei; você acha que é necessário ou não?
Roberto Lage: Bom, eu sou muito mais radical nesse sentido. Quer dizer, começamos com a
Lei Sarney que depois virou Lei Rouanet, essa coisa toda, essa é uma história antiga. Eu acho
que foi muito positiva para portar recursos para a cultura; foi muito interessante a criação
dessa lei e, hoje em dia, eu acho que têm algumas questões em que uma reforma se faz
277

bastante necessária, porque o aporte de recursos é irregular no desenvolvimento da cultura


num país continental como o Brasil.
Leiriane: Mas e São Paulo e Rio de Janeiro?
Roberto Lage: Então, para São Paulo e Rio de Janeiro “ok”; bom, por um lado, porém, eu
acho que a Lei Rouanet, passa a ser desinteressante, negativa por alguns aspectos; primeiro
pelo seguinte, porque ela acaba privilegiando espetáculos sem nenhum sentido, no sentido
pejorativo da palavra, acaba apoiando espetáculos comerciais no sentido midiático. O teatro,
claro que precisa do aspecto comercial no seu desenvolvimento, porém, é muito difícil você
ter recursos via Lei Rouanet para espetáculos experimentais, para espetáculos investigativos
que são o celeiro do teatro, onde se desenvolve novas tecnologias, novas metodologias de
desenvolvimento e aprimoramento, então, se eu entrar na Lei Rouanet, inclusive eu estou com
um espetáculo em cartaz que é típico disso e já te conto, se eu entrar com um espetáculo com
uma discussão de conteúdo mais provocativa, com excelentes atores, mas não midiáticos, via
Lei Rouanet, eu não consigo apoio, não existe. Nenhuma empresa empresta a sua marca via
renúncia fiscal para um espetáculo que o retorno de mídia não seja a expectativa dele, ou cujo
conteúdo seja polêmico, então isso, via Lei Rouanet, cria uma distorção. O volume de
espetáculos, hoje em dia, de grupos muito bons que desenvolvem trabalhos investigativos,
experimentais, o recurso de verba direta de governo, seja em qualquer esfera, federal,
estadual, municipal, não atende a necessidade desse conjunto todo; então, se tem um excesso
de recursos via Lei Rouanet que atende um seguimento do teatro que é importante, que exista,
mas que não é aplicado numa outra área fundamental, que é no desenvolvimento do ator
recém-formado, no desenvolvimento de novas pesquisas de linguagem, então isso cria um
desequilíbrio que eu acho ruim. Na minha opinião, a Lei Rouanet já existiu há um espaço de
tempo significativo, para que qualquer governo em qualquer esfera de poder, possa fazer uma
prévia de recursos disponibilizados para a cultura via renúncia fiscal e isso, poderia se
estabelecer como um critério para no orçamento do governo acabar com a Lei Rouanet, e esse
volume de recurso já ser aplicado diretamente nos ministérios ou secretarias, e que haja uma
política pública de apoio que contemple todas as esferas do fazer artístico; não estou falando
nem do fazer teatral, e sim do fazer artístico, mesmo; então, pra mim, essa lei, hoje em dia, se
for existir, ela precisa ser reformulada no sentido de distribuir esses recursos.
Leiriane: Então não há esse vínculo com a marca da empresa?
Roberto Lage: Tem que ter, isso tem que ter, nenhum problema. Mas a questão é que o
volume de recursos da Lei Rouanet aplicados no sudeste do Brasil é incomparavelmente
maior aos recursos aplicados no nordeste ou no norte; claro que a produção cultural deles lá é
em menor quantidade, mas os recursos captados no sudeste, que é o polo gerador de produção
e de PIB brasileiro, deveria ter uma parcela, obrigatoriamente, a ser aplicada no restante do
Brasil.
Leiriane: O Jarbas Homem de Mello já declarou que, quando ele começou no teatro musical
os famosos não se interessavam em participar. E hoje em dia há muitos artistas da televisão
interessados nos palcos dos musicais. Como ocorreram essas mudanças? Porque há uma
geração como Saulo Vasconcelos, Jarbas Homem de Mello, Kiara Sasso, que são de um
talento nato e você vê a diferença até mesmo na questão de registro vocal? Quando o famoso
começou a se sentir atraído em aceitar um convite para o teatro musical?
Roberto Lage: Quando o teatro musical começou a ter uma projeção maior de mídia, um
apelo maior de plateia e deixou de ser considerado, como eu posso dizer, deixou de ser
considerado um supérfluo.
Leiriane: Uma tendência?
Roberto Lage: Precisamos voltar para a história do teatro musical; você entrevistou a Elis, já
tive até o prazer de dirigir a Elis Gruzi na década, acho que de 70... bem, eu vou te contar uma
história; quando eu fui fazer O Enlace no Rio de Janeiro, aliás foi o que gerou uma conversa,
278

um desconforto, que ocasionou o que a gente vai fazer nesse próximo ano com o Jô que é o
“Cartola”, inclusive ele deve ter comentado com você, quando a gente estava ensaiando o
Enlace no Rio de Janeiro, num dos intervalos do ensaio, o elenco (grande parte do elenco no
Rio de Janeiro era bastante jovem) estava conversando, e um ator falou “Pô! Que legal né,
que o musical chegou no Brasil, porque antes não tinha teatro musical no Brasil, só a
Broadway vim pra cá...”; eu fiquei muito indignado com essa observação de um dos atores
que estava lá na nossa conversa. Eu falei “Não, teatro musical no Brasil existe desde o século
XIX querido.” E ele disse: “É mesmo? Não sabia!” e então eu falei assim: “É verdade!”. Nós
temos uma tradição muito grande de teatro musical no Brasil desde o século XIX com as
revistas do ano do Artur Azevedo; Chiquinha Gonzaga fazia músicas para teatro musical
brasileiro. O teatro musical não só brasileiro com herança do século XIX da zarzuela
espanhola, da folie francesa dessa coisa toda, ela foi muito significativa, muito forte, com
grande apelo de público, nós chamávamos de ‘arte revista’. O Artur de Azevedo começou
com as revistas do ano e depois isso se popularizou mais no final dos anos 40, anos 50 através
do Walter Pinto, e de outro produtor de musicais que era bem importante e que agora não
recordo o nome (bom, enfim, a minha memória é um caos), o que foi bastante significativo. E
nós tivemos o regime ditatorial do Getúlio Vargas. Assim como no Brasil o teatro musical era
muito significativo, assim também era na Espanha e assim também era em Portugal, falando
de países muito próximos da gente; tanto o Franco, como o Salazar e como o Getúlio Vargas,
estrategicamente se divertiam e apoiavam quando eles eram criticados no teatro de revista. O
Getúlio nosso aqui, foi amante de Virgínia Lane e frequentava direto o teatro de revista, e
achava muito engraçado as caricaturas que faziam dele no teatro. Com a queda destas
ditaduras dos três países, o teatro musical foi identificado como regime ditatorial e caíram em
desgraça na Espanha e acabou em Portugal também, praticamente acabou, e em 10 ou 15 anos
retomou o teatro musical de origem portuguesa e aqui também chegou ao fim, e foi então que
começaram a fazer espetáculos que não eram mais o teatro musical brasileiro, e sim pocket
shows que aconteciam em boates. Então parece que o teatro musical não existe no Brasil
porque ele foi rejeitado a partir da identificação dele com regimes ditatoriais; essa
identificação do teatro musical com regimes ditatoriais contaminou a visão do teatro musical,
então, a partir disso, fazer musical era uma atitude reacionária, era uma atitude que,
politicamente, parecia não correta, e isso afastou muitos artistas do teatro musical; isso foi até
os anos 60. Nos anos 60, nós tivemos um grande produtor musical no Brasil (em São Paulo e
no Rio de Janeiro) que era o Oscar Ornstein que produziu grandes musicais como “My Fair
Lady” com Bibi Ferreira e Paulo Autran, “Como Vencer na Vida sem Fazer Força”, “Pipin”,
uma série de musicais foram produzidos nessa época, montagens muito custosas, muito caras,
num período em que a alta burguesia consumia esses espetáculos e a receita de bilheteria
mantinha esses espetáculos em cartaz.
Leiriane: Ou seja, não existia esse apoio, era bilheteria?
Roberto Lage: Não existia esse apoio, era na bilheteria que o teatro acontecia. Com o passar
dos anos, o empobrecimento do país, a dificuldade, a necessidade de baixar custo de ingresso
em função de conseguir plateias maiores, começou a inviabilizar a produção de musicais que
eram muito caros e houve um vácuo nisso. O teatro musical deste porte voltou, e aí a gente
tinha espetáculos musicais pequenos aqui, pequenos do ponto de vista de produção, não de
qualidade e nem de conteúdo.
Leiriane: Cenário e figurino não tão custosos...
Roberto Lage: Número de atores, número de figurinos, todas essas coisas. Mas Marília Pêra,
Ney Latorraca nos anos 70 fizeram pequenos musicais; tinha um musical que a Marília fez
que foi “A Vida Escrachada de Joana Martini e Baby Stompanatto” que é da década de 70 e
que foi muito bem sucedido, mas isso acabou se esvaecendo no tempo em função de um
preconceito e em função de uma dificuldade de produção mesmo, e depois nós entramos num
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regime militar aqui, onde o teatro se dedicou na sua maior parte a fazer uma oposição a um
governo militar ditatorial que tínhamos; então, fazer um musical que era esvaziado de
conteúdo de discussão de cidadania, de política, de antagonismo ao regime ditatorial, passou a
ser um comportamento reacionário. Morreu de novo, ele estava começando a renascer e
morreu de novo.
Leiriane: Mas você acredita que morreu porque é mais ideológico?
Roberto Lage: Não; artístico não se discute, mas de conteúdo ideológico, entendeu; quer
dizer, esses musicais que eram mais voltados para o entretenimento, acabaram sendo
considerados espetáculos a favor de um regime militar e contra uma discussão política, nesse
sentido. Veio aí uma vertente muito importante para a retomada do teatro musical brasileiro
via Paulo Pontes e Chico Buarque de Hollanda, onde nós tivemos o “Gota D’água” que era
teatro musical de excelente qualidade, e de conteúdo politicamente adequado para uma atitude
contrária ao regime militar, e tivemos casos horrorosos como o caso do “Calabar” do Chico e
do Paulo Pontes que, no ensaio geral, a polícia proibiu e a Fernanda Montenegro, o Maurício
Segall e o Fernando Torres, na época, arcaram com um prejuízo milionário; então começou a
ser perigoso investir dinheiro em teatro musical, que o custo é muito maior de um drama, ou
de uma comédia, ou de uma tragédia com a possibilidade de você ser interditado pelo regime,
pela polícia e você perder todo o dinheiro, como aconteceu com a Fernanda, o Fernando e o
Maurício Segall, que eram sócios naquela produção, isso novamente, abafou.
Leiriane: Até tivemos uma discussão em sala de aula com relação à isso e as pessoas não
entenderam o meu ponto de vista. Eu tento buscar a parte midiática de momentos do teatro
musical brasileiro, até mesmo na época da ditadura militar. E Chico Buarque é como um herói
da ditadura e tudo mais; não estou dizendo que ele não é, mas quando ele escreveu “Roda
Viva”, ele já havia ganhado festivais, ele tinha um programa na Record, se não me engano
com a Nara Leão, ele já era conhecido, tinha vendido 100.000 cópias de seu trabalho; o meu
comentário foi que não é que “Roda Viva” não tenha um texto bom, mas muitos críticos
comentaram que é um texto mediano, não é um exemplar. Naquele momento político as
pessoas precisavam de uma resposta, de uma voz e tudo o mais. Então, muitas vezes, o “Roda
Viva” se tornou um musical muito conhecido por um contexto com vários elementos, eu só
estava me referido que a figura do Chico Buarque... tanto que no cartaz do Roda Viva, está
escrito bem grande “Musical de Chico Buarque”, quase do tamanho do título da peça, e nós
sabemos que, muitas vezes, não é assim com o diretor, com o autor, que o nome fica lá
embaixo, e o que eu quis dizer é que também houve essa questão midiática, dele.
Roberto Lage: A gente pode até conversar sobre isso, mas você chamou o Chico aqui e fez
uma observação que me remeteu a uma falha; por exemplo, o Chico já tinha se consagrado
como compositor para teatro quando ele musicou o “Morte e Vida Severina” e daí pra frente
ele “foi embora”. Eu adoro o Chico, é meu amigo, jogamos bola juntos, de moleque, então
nada contra ele, aliás, eu acho ele além de um grande músico, um grande poeta. No “Roda
Viva”, ele pegou um texto poético de João Cabral de Melo Neto, musicou e isso se
transformou num musical de grande sucesso no Teatro da Universidade Católica; depois disso
os textos musicais que ele escreveu foram em parceria com o Paulo Pontes. Chico, um grande
letrista, uma pessoa inteligentíssima, grande músico, um dos maiores que nós temos no país,
não bom dramaturgo. Você pega as músicas do Roda Viva, elas são maravilhosas, a
dramaturgia é ruim (risos). Porque ele não é um bom dramaturgo, ele é um bom romancista,
um bom letrista e é um bom compositor de músicas, agora, dramaturgo ele não é bom.
Quando essa parceria não aconteceu mais entre ele e o Paulo Pontes a qualidade dramatúrgica
do texto dele caiu, e aí esse é o resultado do Roda Viva: o texto muito bom, boas músicas,
belíssimas letras, mas a estrutura narrativa, ou seja, a dramaturgia que suporta essas
composições de letra música, é muito frágil, não é boa, tanto que se perdeu, alguém fala em
montar Roda Viva?
280

Leiriane: E parece que ele não autoriza.


Roberto Lage: Porque ele sabe que é ruim (risos). Não é bobo, ele é um homem muito
inteligente, muito bem preparado. Bom, aí há esse vácuo, voltando pra história do teatro
musical no Brasil... Aí a partir do que a gente estava falando, houve esse vácuo. Quando as
coisas se retomaram? Quando Walter Clark resolveu trazer para o Brasil e montar “Chorus
Line”, que era um grande sucesso da Broadway e ele, com capacidade de captação de
recursos, que nem existia a Lei Rouanet na época, ainda, do “Chorus Line”, mas de captação
de recursos via iniciativa privada, via departamentos de marketing, ele traz de novo um
musical no formato Broadway e aí começa novamente uma trajetória de musicais no Brasil.
Neste momento, (eu dirigi “Chorus Line”; então, estou te falando porque eu era o diretor), a
partir desse momento esquecendo, abandonando as raízes do teatro musical brasileiro,
apostando num formato de musical norte-americano e inglês, quer dizer, o modelo de teatro
norte-americano é um modelo inglês, é um modelo de “Times Square Inglesa”, “cabides
secos” lá daquela região, que veio pro Brasil e começou uma nova classe média emergente a
consumir esse tipo de espetáculo, criou-se uma nova bilheteria na reprodução, e quando eu
falo reprodução, palavra é, exatamente, essa reprodução de espetáculos da Broadway no
Brasil.
Leiriane: Eu, inclusive, tenho algumas dúvidas com relação à essas três palavras: reprodução,
adaptação e tradução. Porque eu chamo de reprodução da Broadway, mas ao mesmo tempo
tem a tradução, e no traduzir tem palavras que acabam sofrendo certa adaptação. Como devo
chamar? É uma reprodução?
Roberto Lage: Eu falo que é uma reprodução, pela minha experiência, por exemplo, quando
eu fiz o “Chorus Line” lá em sei lá, 1912... brincando com datas, porque eu não me lembro de
datas (risos), mas foi lá pela década de 80, eu acho, quando ele (Walter Clark) comprou os
direitos da peça, veio junto com a compra dos direitos um fiscal (vamos chamar assim entre
aspas), americano, porque a encenação tinha que ser exatamente igual à da Brodway, você
não podia adaptar uma encenação de um público norte-americano hegemonicamente
protestante, com outras características culturais para um público latino, hegemonicamente
católico, com essas questões todas, então é um híbrido. A maioria desses espetáculos que tem
por aí, os grandes como O Rei Leão, agora o Mudança de Hábito, a reprodução tem que ser
literal do espetáculo feito na Broadway, até iluminação, tudo. Voltando pra te dar um exemplo
disso, exatamente o que você está falando, o “Chorus Line” no Brasil foi tradução do Millôr
Fernandes; o Millôr, claro, nem precisamos falar mais do Millôr, o Millôr adaptou a
linguagem, adaptou o vocabulário e o Roy Smith que era o americano responsável por
fiscalizar o meu trabalho aqui, ele não falava português e ele ficava indignado e falava: “Não,
mas em inglês essa frase é muito maior, porque ele está falando menos?”. Ele brigava comigo
e com o Millôr porque a fala tinha que ter o mesmo número de palavras, mesmo traduzida,
tinha que ter a mesma melodia, e eu acabei abandonando essa direção a partir da estreia
porque briguei feio com ele (Roy); o Millôr foi embora pra casa, virou pra mim e falou assim:
“Olha, eu já recebi o meu, se vira aí!”. E ele (Roy), não admitia; ele queria que os atores, em
português, falassem e flexionassem a fala da mesma forma como era flexionada em inglês; eu
falava “É outro idioma, é outra cultura, não é assim!”, até que a gente brigou e brigou feio, e
eu pedi a saída dele do espetáculo ai; o Walter Clark falou pra mim que não era possível, aí
ele falou “Você leu o contrato?”, e eu disse: “Não”; aí o Roy me tirou o contrato da bolsa, leu
e falou que a última palavra era a dele”; não era nem do Walter Clark, era dele. Aí eu falei
“Nunca mais dirijo musical importado da Broadway!”“. Foi o primeiro e último musical que
eu fiz assim.
Leiriane: Então se chamarem você pra dirigir um musical da Broadway...
281

Roberto Lage: Já chamaram várias vezes e não faço, não faço. Porque se eu tiver aqui de
palhaço pra reproduzir alguma coisa feita literalmente... ou chama o diretor de lá ou faz como,
por exemplo, o Fernando Alterio faz aqui no Teatro Renault hoje em dia, traz o repositor de lá
que é um assistente de direção ou um dos assistentes de direção do diretor original e reproduz
o espetáculo aqui; mas isso também é uma mudança que foi benéfica via movimento de
artistas, e de produtores, e de sindicatos, porque antes era obrigado ter um diretor brasileiro
via sindicato, agora não é mais, custa mais caro, paga mais imposto pro sindicato, mas pode
ter um diretor de fora, o que é bom, porque acaba com essa palhaçada toda. Eu vim a dirigir
um musical importado há uns 4 ou 5 anos atrás que foi Zorro; O Zorro; bom, O Zorro é um
personagem da minha infância, da minha adolescência, então eu falei: “Ah! Eu quero fazer O
Zorro, eu quero dirigir!”, meu lado moleque veio à tona (risos), mas quando me convidaram
pra dirigir, eu perguntei: “Como é o contrato de vocês? Tem que reproduzir igual?”, porque O
Zorro não era Broadway, era Times Square, era inglês, um musical inglês; “Não, não, não,
você pode fazer o espetáculo que você quiser. Tem que respeitar o texto e as músicas”; ah!
Isso é fácil! Aí ok, aí eu voltei a fazer.
Leiriane: E no caso da Madrinha Embriagada, por exemplo, que é uma adaptação?
Roberto Lage: Aí a Madrinha Embriagada já é uma adaptação, porque há alguns musicais,
mesmo musicais de Broadway, musicais norte-americanos que eles não têm mais valor de
mercado para revenda, então os americanos vendem com liberdade de recriação quando baixa
o valor de revenda desse musical, ninguém mais quer comprar, aí eu te vendo e você pode
mexer porque já é lixo.
Leiriane: Não sabia disso, até imaginei que fosse “estou conseguindo colocar essa questão do
nacional ali no espetáculo”, mas também é válido nessa questão de você tornar esse
espetáculo um pouquinho mais brasileiro.
Roberto Lage: Claro que é válido! Você pega um texto que não tem mais valor comercial
para eles, porque Broadway é comércio, não tem valor comercial para eles, e eles te vendem
por um valor muito mais baixo e te autorizam a mexer no texto. O texto é legal? Tem
conteúdo? Dá pra mexer? Vamos comprar e vamos adaptar pro Brasil! Eu acho muito
inteligente isso do lado do Falabella (Miguel), acho muito inteligente! Não sou contra, eu
adoro o Falabella, acho ele um ‘puta’ cara no mundo musical, e ele é esperto o suficiente pra
isso, então ele adapta. O Dom Quixote foi a mesma coisa, eu nem gosto muito do espetáculo,
mas tinha sido feito no Brasil na época dos grandes musicais que é o que a gente estava
falando com Paulo Autran e Bibi Ferreira e o Grande Otelo, que eram os três que fizeram na
época, e aí isso sumiu, a Broadway não se interessou mais, não teve mais valor de venda,
comprou pro Sesi e ele readaptou o texto. É que eu não gosto da adaptação que ele fez, enfim,
mas já é uma possibilidade de uma adaptação, porém você só consegue mexer nos musicais
norte-americanos, esse que ele está fazendo agora aí, ou que já fez que é do Gershwin, as
músicas do Gershwin e tal, também é um musical que já tem pouco valor de revenda lá fora,
por exemplo, um dos melhores musicais que eu já vi na vida, não sei se você foi ver, foi o
“Urinal”.
Leiriane: Não fui assistir, mas todos comentam mesmo.
Roberto Lage: É maravilhoso, muito bom. É um texto americano que não foi pra Broadway;
foi um musical que aconteceu em “Off-Broadway” porque o conteúdo dele é extremamente
polêmico e politicamente incorreto, então o Zé Henrique comprou com direito a fazer a
encenação que ele quisesse, é o melhor que está em cartaz, pra mim, agora, o melhor musical,
é o que vai ganhar todos os prêmios porque é muito bom, muito bom!
Leiriane: Sendo a Madrinha Embriagada gratuita para o público, em uma parceria do Sesi
Senai, já foge um pouquinho da Lei Rouanet, correto?
Roberto Lage: Foge totalmente, porque o Sesi não escreve renúncia fiscal, quer dizer, é o
Serviço Social da Indústria que produz esse espetáculo, não é nem quem patrocina; ele
282

produz, é produção do Sesi, não visa lucro. O Sesi tem uma tradição muito, muito antiga que
vem desde o começo dos anos 60, de incluir nas atividades oferecidas aos industriários a
cultura, isso é mérito de um cara chamado Osmar Rodrigues Cruz, um diretor de teatro já
falecido que conseguiu seduzir o Sesi a criar um programa de cultura para os operários,
vamos chamar assim, e isso se consolidou dentro da instituição; então, desde lá, o Sesi tem
um compromisso de oferecer cultura ao operário (eu estou chamando de operário, mas o mais
legal seria o industriário) então, isso é uma política do Sesi. É bacana até a página 10, porque
o Sesi tinha antes uma política de contratar diretor e atores e produzir espetáculos com resgate
cultural brasileiro, musicais (estou falando não só de teatro musical) tivemos então, Chiquinha
Gonzaga, nós tivemos musical de Plínio Marcos, Maria Adelaide Amaral, uma série de
espetáculos nesse sentido. Quando o Sesi começa a produzir ou apoiar a produção (o termo
correto é esse, a produzir), pagar integralmente o custo de um espetáculo pra ser feito lá com
os musicais Broadway? Quando o Scaff começou a se interessar por uma dissensão política.
Então, midiaticamente, ele abriu mão de um teatro de conteúdo mais significativo do ponto de
vista de reflexão do trabalhador sobre uma série de coisas, para abrir espaço maior na mídia
trazendo Falabella, maior mérito a ele como encenador, como ator, como tudo que ele é, mas
o objetivo dele era se consolidar na mídia. Porque agora não tem? Porque ele perdeu a
eleição. O Falabella tinha outro já acertado com ele; quando ele perdeu a eleição, acabou o
musical no Sesi.
Leiriane: Ou seja, essa questão midiática não é a empresa que precisa do nome do famoso; o
produtor precisa do nome do musical com o famoso para abrir o nome dele.
Roberto Lage: É política. Pega o programa do Sesi hoje, são coisas pequenas porque ele
gastou fortunas, gastou orçamentos muito maiores do que o Sesi tinha para aplicação em
teatro, então agora você tem lá no mezanino dois espetáculos, um com dois atores, outro com
quatro atores, uma programação lá embaixo, por exemplo, La Mínima, agora vai lá embaixo
fazer uma temporada de um espetáculo já feito, que eles estão comprando a apresentação, eles
não estão produzindo porque eles não têm grana, porque gastaram a grana toda lá pra tentar
projetar o Scaff na mídia durante as eleições.
Leiriane: E qual o futuro do teatro musical brasileiro? Você vê mais reproduções da
Broadway, mais adaptações, o que você consegue vislumbrar?
Roberto Lage: Eu acho que essa pecha de conservadorismo de reacionarismo em cima do
gênero teatro musical acabou. A vinda... a retomada de teatro musical no Brasil e preparar o
gosto da plateia para desfrutar de um espetáculo musical, que é diferente de outro estilo
musical, a vinda do teatro musical norte-americano para o Brasil foi muito benéfica. Acho
que, agora, passado isso, nós estamos tendo em cartaz um número muito grande de musicais
brasileiros; brasileiros não na sua estética, não na sua forma de construção dramatúrgica, mas
brasileiro na sua temática. Então, agora, nós estamos atravessando a fase das biografias,
vamos chamar assim, dos espetáculos biográficos, então nós tivemos Elis Regina, Tim Maia,
Cazuza, Cássia Eller, vem agora Mamonas Assassinas, Chacrinha, eu vou fazer o ano que
vem Cartola; mas, eu, já quando surgiu a ideia de a gente fazer o musical em cima do
Cartola, eu queria retomar o teatro de revista, eu falei “eu quero fazer um espetáculo de teatro
de revista com o Cartola”, eu e o Jô, duas horas da manhã, tomando cachaça na Ilha da Jiboia
na Barra da Tijuca (risos), foi assim que surgiu o papo dessa ideia, boteco é ótimo pra essas
coisas; mas aí amadurecendo depois, sobriamente, no desenvolvimento da coisa, percebemos
que o repertório do Cartola não era adequado para o teatro de revista; o repertório do
Cartola... ele é mais nostálgico, mais romântico e o teatro de revista tem que ser uma coisa
mais festiva; já teve-se Lamartine Babo, Chiquinha Gonzaga, uma série de outros
compositores, então abrimos mão disso pra fazer um espetáculo, um musical mesmo, sem
estar preso ao gênero do teatro de revista, mas a minha condição foi ‘não quero um espetáculo
biográfico, eu quero um espetáculo que conte uma história com as músicas do Cartola’, então
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o que a gente tá pretendendo fazer é isso. Não é a história do Cartola, pode até passar por
histórias vividas pelo Cartola, mas não é a história do Cartola que é por onde eu acho que a
gente deve ir; então pegar os valores brasileiros da nossa cultura e construir espetáculos
musicais que não necessariamente sejam biográficos, porque esses espetáculos biográficos
acabam sendo mentirosos com relação ao biografado, você pega o Cazuza o espetáculo, a
Lucinha não deixou colocar metade do que os caras queriam botar porque ia denegrir a
imagem do Cazuza, o drogado o maluco, o cara que dava a bunda na Praça da República. E,
então acho que resgatar nossa cultura, nossos compositores, nosso valores, essa coisa toda, é
significativo; então, acho que é um momento ainda de transição, não de consolidação, é um
momento de transição no mundo do teatro musical no Brasil em que o número de musicais
com conteúdo nacional de cultura brasileira ou de pessoas ligadas à cultura brasileira está em
maior número do que os musicais importados.
Leiriane: E tem muita diferença de valores nessa questão mesmo da produção?
Roberto Lage: De custo. Não nenhum! É tão caro quanto! Bom, aí tem uma coisa que
quando você desligar, depois eu te conto! (risos)
Leiriane: Mas aí também tem a questão midiática né, quando é biográfico a pessoa já tem
uma imagem, como o Lula, por exemplo, você já tem uma imagem do Lula, aí você vai ter
que procurar um ator famoso que se encaixe no papel; é muito mais fácil encontrar uma
pessoa “não famosa”, mas, ao mesmo tempo, você tem a questão da mídia no nome do
biografado, porque ele já teve a sua exposição.
Roberto Lage: Exatamente! Mas eu acho que aí é que se substitui, quer dizer, a necessidade
do ator midiático pela figura a ser bordada no espetáculo, que é muito mais midiática que o
ator sazonal, que está com fama. Quer um exemplo claro disso? Zorro! Que eu dirigi, que eu
estava te contando. O ator que ia fazer O Zorro, por condicionamento do patrocinador, era o
Murilo Rosa, e o Jarbas Homem de Mello era meu assistente de direção; eu gosto muito do
Jarbas, a gente se conhece há muitos anos e como era um espetáculo que tinha flamenco,
porque o Zorro vai lá pra Espanha e tinha as ciganas, as flamencas, e além de bom ator, além
de excelente cantor, o Jarbas é coreógrafo de flamenco; ele é formado nisso, sapateado, o
Jarbas é um homem de mil instrumentos, eu chamei ele pra ser meu assistente de direção
porque eu não dava conta do flamenco, eu precisava de alguém que dominasse isso. Quinze
dias antes da estreia, a Globo tirou o Murilo do espetáculo; quinze dias antes da estreia,
porque ele tinha um contrato com a Globo, contrato de residência na casa, e ele tinha acertado
com a Globo que naquele período até a estreia do espetáculo ele não estava disponível para
novela, e depois ele poderia entrar em novela, desde que ele não gravasse quinta, sexta,
sábado e domingo. Era uma novela que foi gravada no Tocantins, eu não me lembro que
novela era na época, mas era uma novela que começava no meio rural. A Globo mudou os
planos, antecipou a gravação fora de São Paulo no Tocantins, requisitou ele, ele não podia ir
contra a Globo porque era contratado e ele teve que sair do espetáculo.
Leiriane: Nossa que situação! São os riscos de chamar um famoso!
Roberto Lage: Perdemos o Murilo Rosa, que era o protagonista e o grande nome do
espetáculo. Não podíamos suspender, não podíamos parar, a produção ia quebrar, eu falei
“Jarbinhas, você entra!”, porque o Jarbas era bom ator, era meu assistente, já conhecia o
espetáculo inteiro, e aí o Jarbas entrou. Mudou alguma coisa na bilheteria sair o Murilo Rosa
e entrar o Jarbas? Nada! A peça lotou direto, porque o nome era Zorro. Então, quando vem
nesses casos, por exemplo, Cássia Eller; a menina que fez a Cássia... você assistiu Cássia
Eller?
Leiriane: Eu vi no Fantástico uma reportagem que ela chegou tímida, cantava na noite, não
era atriz...
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Roberto Lage: É, não era nada, não era atriz, não era coisa nenhuma, mas ela é a
reencarnação da Cássia Eller; Cássia Eller baixou nela, porque ela é a Cássia Eller, mulher
maravilhosa, maravilhosa! Recife? Três mil pessoas por sessão no espetáculo!
Leiriane: Na verdade, um ator midiático, às vezes, até atrapalha!
Roberto Lage: Exatamente!
Leiriane: Eu assisti a um filme com a Nicole Kidman em que ela faz a Grace Kelly, ela é
ótima atriz e tudo mais, mas eu acho que se tivesse um rosto desconhecido, talvez visse mais a
Grace Kelly, porque se vê a Nicole.
Roberto Lage: Exatamente, e agora está acontecendo isso; o Tiago, quem conhecia o Tiago
Abravanel além de nós no meio?... Eu já dirigi o Tiago também em musical lá no Teatro
Imprensa, ‘A Flauta Mágica’ do Mozart, ele fez comigo, quer dizer, já tinha feito uma série de
coisas, mas ninguém sabia quem era o Thiago. O Tiago fazia ponta lá nas montagens dos
musicais do Fernando Altério no hoje Teatro Renault que era Teatro Abril na época, ele foi
chamado pela competência dele pra fazer o ‘Tim Maia’.
Leiriane: E não é nem tão parecido fisicamente com ele não é?
Roberto Lage: Exatamente, porque era um ‘puta’ ator, mas quem chamava público? Era o
Tim Maia! O público ia para ver o Tim Maia, via o Tiago fazendo aquele belíssimo trabalho,
e o Tiago virou a estrela que é hoje em dia.
Leiriane: Os musicais biográficos, geralmente, são de celebridades da música nacional e,
consequentemente, as canções utilizadas no musical são canções já gravadas, conhecidas do
grande público. Você vislumbra que canções feitas especialmente para um roteiro, ocorrerão?
Roberto Lage: Sim, como é o caso da ‘Loja do Ourives’. Algumas letras são do Elísio, outras
letras são do Thiago Gimenes que foi o compositor das músicas, regente da orquestra e letrista
de várias músicas ali.
Leiriane: E o que você acha dos valores considerados caros dos musicais? Se ainda tem a lei,
que é um dinheiro público para cobrir, e o valor do ingresso às vezes é R$100,00 ou
R$200,00.
Roberto Lage: É uma distorção muito grande já, é um equívoco de produções em geral. Se
você está com a conta paga, cobrar um ingresso com um valor acima do poder aquisitivo
médio da população é ganância. Dá para baixar ingresso; se você está com a conta inteira
paga via patrocínio, o ingresso pode ser a preço popular; essa é uma das distorções da Lei
Rouanet, porque eu acho que ela deveria obrigar o ingresso popular. Não, a Lei Rouanet não
te obriga a fazer um ingresso, no geral, de acessibilidade ao poder aquisitivo médio, nem
estou fazendo baixo poder aquisitivo, estou falando o poder aquisitivo médio, mas ela não te
dá isso, ela te obriga a oferecer um determinado número de ingressos gratuitos para quem não
pode pagar, e eu acho equivocado, porque assim, às vezes, a gente entra com um orçamento
na Lei Rouanet, vamos supor de um milhão, mas você consegue captar seiscentos. Dá para
fazer com seiscentos? Dá para fazer com seiscentos! Porém, eu tenho que completar com a
bilheteria e, então, o ingresso tem que ser mais caro; agora, pedi um milhão, ganhei um
milhão, eu posso fazer de graça se eu quiser! Está paga a conta, o meu salário já tá pago,
atores, mídia, teatro, tá tudo pago, então se eu quiser, posso fazer até de graça. Eu sou contra
teatro de graça porque eu acho... não é uma questão de desprestigiar, mas tem um vínculo aí
de você remunerar aquilo que você está recebendo. Por exemplo, no Banco do Brasil tem fila
de espera, por quê? Porque o ingresso custa R$ 5,00 e você compra pela internet. No mínimo,
todo espetáculo tem 15% que comprou e não vai, ‘Ah, tá chovendo hoje, eu não vou! R$ 5,00
não fazem diferença na minha conta’, por isso que a gente faz lista de espera, porque quando
dá o segundo sinal e tem 15 lugares sobrando, colocamos as pessoas pra dentro e nem
cobramos por isso, porque já está pago! Comprou e não veio e a gente não vende de novo.
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APÊNDICE G - ENTREVISTA COM SAULO VASCONCELOS

Leiriane: Como foi o início da sua carreira nos musicais?


Saulo Vasconcelos: Eu fazia muita ópera na época, de 1997 a 1999, era o que eu achava que
ia fazer na vida. Mas aí eu fui para Londres e em quatro dias eu vi sete musicais, vi Miss
Saigon, A Bela e a Fera, Jesus Cristo Super Star, Cats, vi O Fantasma da Ópera e um outro
que agora não me recordo. Aí eu fiquei apaixonado e pensei “Quero muito fazer isso”. Mas
como é que eu iria fazer isso se no Brasil não tem onde? Mal sabia eu que dois anos depois ia
acontecer o boom de musicais que aconteceu aqui no Brasil e deu origem a toda essa leva de
musicais que veio pra cá.
Leiriane: Como você conseguiu o papel principal no musical O Fantasma da Ópera no
Brasil?
Saulo Vasconcelos: Eu fiz a audição para o musical que ia acontecer aqui, mas as pessoas
que iam preparar esse musical aqui no Brasil vieram do México e conscientemente estavam
relacionadas com O Fantasma da Ópera que ia acontecer no mesmo ano. Eu fiz o teste em
1999 para o musical, que seria aqui no Brasil e as pessoas do musical do México vieram pra
cá para ajudar, pois tinham um know how que o Brasil ainda não tinha e aí por muita
coincidência e sorte por estar no lugar certo, na hora certa, eu acabei parando em O Fantasma
da Ópera.
Leiriane: Como foi a experiência de atuar no México?
Saulo Vasconcelos: A experiência de estar em cartaz foi muito legal, pois eu passei um ano e
quatro meses lá. Quando eu saí para agradecer pela primeira vez para o público e eu vi que
não tinha ninguém que era meu amigo, ninguém da minha família, minha mãe não estava,
minhas irmãs não estavam, não tinha ninguém que eu conhecesse e eu ouvi bravos, e aplausos
e eu pensei: “Estou fazendo bem meu trabalho. Essas pessoas não têm nenhuma relação
comigo e estão me aplaudindo e esquecendo por um momento que eu sou um estrangeiro e
me vendo como um artista”. E então foi muito legal, e o interessante é que esse ano faz 10
anos que O Fantasma da Ópera estreou aqui em São Paulo e eu pude reviver um pouco essa
emoção, com a lembrança de alguns fãs e pessoas que admiram meu trabalho com teatro
musical, e está muito intensa a manifestação na internet, aí eu fico muito feliz que as pessoas
se lembrem ainda do musical, e no México eu fico muito feliz de ter feito as apresentações,
foram 400 apresentações para um milhão de pessoas, de espectadores.
Leiriane: Qual a diferença entre as adaptações dos musicais do Brasil e do México?
Saulo Vasconcelos: Só a língua, o boom do México começou bem antes. Quando eu fui fazer
o Fantasma, outros musicais já tinham sido apresentados, A Bela e a Fera, Rent e outros
musicais. Eles estavam um pouquinho na nossa frente, agora eu acho que a gente passou na
frente deles em questão de infraestrutura, em mercado, em profissionais.
Leiriane: Como você avalia as adaptações de musicais estrangeiros no Brasil? Você acredita
que aceitar um formato estrangeiro enfraquece ou fortalece o teatro musical brasileiro?
Saulo Vasconcelos: Você lidar com uma obra estrangeira e achar que isso enfraquece,
então... não estou querendo fazer comparações, mas, então, Picasso é pior porque ele é
estrangeiro? Verde, compositor de ópera é pior porque ele é italiano? Vamos ouvir óperas
brasileiras porque... isso é uma falácia você afirmar isso. Isso é bobagem. O que importa é que
o público brasileiro se sinta relacionado com aquela história, se sinta conectado com aquela
música, com os personagens, se for estrangeiro ou brasileiro tanto faz, desde que tenha
qualidade.
Inclusive essa onda de musicais biográficos que nós temos hoje, ela se deve graças a esse
boom de musicais internacionais da Broadway que a gente teve, inclusive musicais não
biográficos, como Sete de Charles Möeller que, pra mim, é uma obra prima do teatro musical
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brasileiro. É que ela não teve a divulgação e o reconhecimento, mas ela, se você for analisar,
tem uma música altamente rebuscada, um roteiro muito bem feito e personagens muito
complexos. O musical é da dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, com músicas de Ed
Mota.
Leiriane: E com relação aos musicais baseados em filmes, como os Saltimbancos
Trapalhões?
Saulo Vasconcelos: Os Saltimbancos foi uma influência pra mim, quem não lembra: “Nós
gatos já nascemos pobres, porém, já nascemos livres...”. Nós sempre tivemos musicais em
momentos pontuais da nossa história. No final do século retrasado e do início do século XX,
com Artur de Azevedo, com o teatro de revista, depois a Chiquinha Gonzaga também foi uma
grande compositora de musicais também, da revista, inclusive; depois nós tivemos momentos
entre os anos 50, 60 e 70 com Bibi Ferreira, fazendo My Fair Lady, teve O Homem de La
Mancha, depois nos anos 70 teve Jesus Cristo Super Star com Ney Latorraca; nos anos 80
nós tivemos Cláudia Raia com Chorus Line e teve também outra Cláudia fazendo Evita, e ela
é reconhecidamente uma das vozes mais bonitas do mundo fazendo essa personagem, fazendo
Eva Peron e, finalmente, nos final dos anos 90 tivemos esse boom dos musicais, que agora
perdura, dura mais de 16 anos, intensos. De 99 até 2000 e pouco, a gente tinha uma média de
um musical por ano, hoje em dia a gente tem cinco, seis, sete musicais em cartaz.
Leiriane: Tudo isso foi mais intenso no eixo Rio – São Paulo...
Saulo Vasconcelos: Fora os polos que a gente não conhece né? Florianópolis, Brasília,
também, e outras cidades que não fazem parte do meiscream, mas tem um polo de musicais
ali acontecendo, pessoas se formando e fazendo teatro musical e esse movimento é muito
mais importante do que a gente imagina; é que a gente não sabe deles, mas formam grandes
profissionais; foi assim que eu me formei. Eu venho de Brasília que tinha uma coisa muito
informal, não tinha musicais na época, mas eu tava preparado para o mercado porque eu tinha
uma boa formação em música. Eu não tenho graduação formal em música, mas fiz aula de
cantos.
Leiriane: O que você acha dos musicais que surgiram na época da Ditadura Militar e
acabaram se tornando uma espécie de “luta velada” contra a opressão por parte dos militares?
Saulo Vasconcelos: Toda forma de protesto contra um sistema tão repressor e massacrante
como era o Governo militar é importante, então, se o teatro musical teve um lugar ao sol e
teve a oportunidade de servir como forma de protesto, que seja bem vinda; protestar é
saudável e deveria ser permitido sempre. Inclusive eu cheguei a ver algumas produções
estudantis que não vingaram, que falava da Ditadura Militar em forma de musical. Conheci
alunos que compuserem música e construíram um enredo com pano de fundo na ditadura, e
foi muito bacana, muito legal. Então assim, toda forma de protesto é válida, o teatro tá aí pra
fazer a gente pensar, né? É, o teatro musical tá aí pra fazer a gente pensar... A gente pensa
muito naqueles musicais famosos, comerciais, mas tem muita coisa por aí com grande valor
artístico. Eu acho que foi muito importante essa participação do teatro musical, até mesmo
para ele se firmar como uma proposta séria, né? Porque, originalmente, era a Revista, e era
muito sátira, fazia uma graça, tinha mulheres bonitas dançando e cantando, muito no humor,
com um pouquinho de irreverência na sociedade. A Revista já era assim, e aí, finalmente o
teatro musical evoluiu pra fazer essa crítica ao sistema da Ditadura Militar. Isso prova que o
teatro e o teatro musical evoluem de mãos dadas com a situação histórica de nosso país ou do
país de onde venha.
Leiriane: E quando acabar os musicais americanos para serem adaptados?
Saulo Vasconcelos: Eu acho que a gente fala de sucessos que já duram trinta anos. E depois
veio O Rei Leão, pra mim é tão recente O Rei Leão, mas se você for ver, ele já está muito
tempo em cartaz, também. E eu acho que está há mais de 10 anos em cartaz. E tem Wicked,
Mary Poppins que ainda não veio e quando vierem ficarão um bom tempo em cartaz. E já vão
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surgir novos clássicos. É uma situação que vai tendo uma renovação. Agora a gente tem uma
tendência perigosa lá fora, que está se criando um musical muito superficial, com uma história
muito mais pobre, como a história do Homem Aranha, Legalmente Loira. Estão pegando
esses filmes que foram sucesso comercial e tentando transformar em musical. O título mesmo
se vende. Homem Aranha, nossa, eu quero ver O Homem Aranha, eu quero ver ele voando
porque eu vi o filme e adorei. Mas eles não têm essa identidade para o teatro musical. Imagina
O Homem Aranha cantando, sendo pendurado na teia dele? Esquisito. Eu acho que a gente
passa por um momento de mediocrizarão do musical do ponto de vista internacional. Então, a
gente tem que tomar muito cuidado em trazer essas coisas pra cá e depor contra o gênero,
trazendo peças tão superficiais e vazias.
Leiriane: Como você percebe a dinâmica das adaptações envolvendo o teatro musical? Têm
filmes que inspiraram musicais e musicais que inspiraram musicais. Tem, por exemplo, o
musical Chicago que acabou virando filme.
Saulo Vasconcelos: E inclusive ganhou o Oscar por melhor filme e melhor diretor.
Leiriane – E tem o oposto, também, como O Rei Leão que era filme e depois foi adaptado
para o musical. Assim como você comentou que o título mesmo se vende. Devemos ter
cuidado com essa tendência de adaptações de filmes? Você acredita que essa dinâmica é
recente?
Saulo Vasconcelos: Não é recente não. Tem Legalmente Loira, O homem Aranha, A Família
Addams... A Família Adams é até um bom espetáculo, mas as pessoas lembram do seriado e
do filme. Mudança de Hábito, eu achei divertidíssimo, mas é puro entretenimento. Tem o
Mamma Mia!, já existia antes, mas o Mamma Mia! tem uma história com mais conflitos, é
quase uma Sessão da Tarde de Luxo. Não estou criticando o espetáculo que eu já fiz, mas a
gente tem que dar uma paradinha e olhar a qualidade artística desses musicais. Não adianta
pegar um monte de música do ABBA e colocar uma historinha ali, de uma mãe com a filha
que não sabe quem é o pai e tudo se resolve no final. Tá, mas cadê a densidade dos
personagens? Até mesmo o diretor do Mamma Mia! falou: “Eu não quero nada superficial, eu
quero personagens que tenham uma relação forte entre eles pra salvar a história, pra não ficar
tudo muito nesse clima de Sessão da Tarde, de comédia romântica. Eu quero personagens
reais, que passam por sofrimentos e conflitos reais”. E isso foi muito legal, o trabalho do
diretor para não deixar o Mamma Mia! em um plano bobo.
Leiriane: Você acredita que um diretor pode fazer que com uma produção fraca, através de
um olhar atento, possa se transformar em um bom musical?
Saulo Vasconcelos: O diretor não faz milagre, mas ele pode fazer uma peça ser muito mais
interessante, como também o oposto, pode destruir. Um negócio que está muito bem feito, ele
vai lá e bota uma visão dele, que não é adequada e prejudica o espetáculo.
Leiriane: Têm muitas artistas que são conhecidos por seus papéis na TV e vão para o teatro
musical. Você acredita que isso está ocorrendo mais nos últimos anos? Lógico que tem as
exceções, como a Cláudia Raia que sempre transitou entre musicais e a televisão, mas têm
aqueles artistas que são da televisão e que se aventuram em participar de musicais. O que
você acha desse intercâmbio?
Saulo Vasconcelos: Olha, vou te dar alguns exemplos, Totia Meireles, Marisa Orth, Daniel
Boa Ventura e a própria Cláudia Raia que são pessoas que já têm uma trajetória muito legal
no teatro musical ou se não, em teatro musical eu não sabia, mas a Marisa Orth cantava a vida
inteira e agora está fazendo shows no Teatro Porto Seguro. Há pessoas que podem falar
assim: “A Marisa Orth é global, o que ela está fazendo no palco de um teatro musical?”. Olha,
ela canta e é atriz, então tem todos os requisitos e o direito de estar ali. Lógico que existe todo
um apelo comercial com nomes como Marisa Orth, Daniel Boaventura, a Totia e etc., que
chamam um certo público. Miguel Falabella, ele faz musical a vida inteira, ele é um grande
diretor e, às vezes, as pessoas podem ter um olhar preconceituoso de que ele é global e o que
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ele não está fazendo ali. Tudo isso é bobagem. Eu acho que o próprio mercado se encarrega
de nunca mais querer essas pessoas que não tem talento e querem fazer teatro musical quando
não deveriam, o próprio mercado se encarrega de eliminar essas pessoas e impedir que elas
voltem ao palco, fazendo uma coisa que não é da alçada delas. Então é assim, com relação a
isso, é quase espontâneo, natural, se a pessoa não faz parte dali, não adianta. Ela pode ter um
grande nome, mas não faz parte desse meio e não vai fazer parte nunca. Se a pessoa for boa,
pode ser global, não tem problema nenhum, e até bom, vende os ingressos e é uma boa. Então
está perfeito.
Leiriane: O que você acha do caminho inverso? O artista de musical que com a visibilidade
que as novas produções estão recebendo acabam sendo convidados para a TV. O Tiago
Abravanel é um exemplo disso, que se destacou no teatro e foi para a TV.
Saulo Vasconcelos: A gente tem o caso do Tiago Abravanel, da Simone Gutierres, que foi a
protagonista do Hairspray e foi absorvida pela Globo, tinha um espaço para um perfil como o
dela para ela fazer parte do elenco de novelas e de repente a carreira dela deslanchou. Tem a
Alessandra Maestrini, também aconteceu isso com ela; e têm vários projetos e coisas legais
acontecendo para essas pessoas que vieram do teatro musical. Mas, às vezes também não
acontece isso.
Leiriane: Você acredita que a crise econômica que o Brasil atravessa pode comprometer as
produções de musicais?
Saulo Vasconcelos: A crise... quando a gente tem uma crise econômica, a primeira coisa que
se corta é a cultura e o entretenimento. Se eu vou para o cinema, você gasta mais de 100 para
quatro pessoa. Aí você pensa: “Vou ficar em casa, alugar um DVD. As coisas vão sendo
afetadas... Eu vejo um futuro de certo problema, de certa dificuldade. Mas, como tudo na
vida, isso e efêmero, isso vai passar. E vai ter uma nova tendência, um novo rumo depois de
passar essa crise. Mas, por enquanto, o horizonte é um pouco cinza.
Leiriane: Tenho percebido que alguns musicais com temáticas brasileiras possuem cenários e
figurinos mais modestos. Você acha que esse estilo é uma tendência, com base na crise
econômica?
Saulo Vasconcelos: É uma possibilidade. Como você cria aqui, você cria em real, então é
mais modesto. Você consegue fazer uma produção com certa dignidade, mas gastando menos
do que trazer um espetáculo desses (estrangeiros) com o dólar tão caro como está. Com muita
inteligência e criatividade é possível fazer coisas legais. O musical sobre Tim Maia, com
Thiago Abravanel, tinha uma cenografia muito simples, o figurino não tinha nada demais, a
iluminação nada demais, a orquestra você via em cena, inclusive, mas funcionou, foi o
sucesso que foi porque a história foi muito bem construída. As músicas do Tim Maia foram
muito bem encaixadas; e fora que tem um apelo comercial, porque ele era um grande
personagem da música brasileira e era a oportunidade de ver a história daquele cara, que era
tão irreverente e que teve um final trágico. Então a gente quer ver a história de um cara
irreverente que teve um final trágico, que se mete com drogas, tem problemas com bebida e
com o peso e, finalmente, morre de forma precoce. A gente quer ver essa tragédia, é quase
uma tragicomédia; eu vi dessa forma. E é muito fácil de levantar isso porque é a música
brasileira, é procurar os detentores dos direito autorais das canções dele, acertar lá e fazer um
enredo bacana e divertido... Não é fácil, mas é viável economicamente. Então, essa crise, com
a alta do dólar, talvez seja o momento exato da gente ter produções mais nacionais.
Leiriane: O musical sobre o Tim Maia traz músicas do Tim Maia, o mesmo acontece com os
musicais de Elis Regina, Cazuza... Você acha que há espaço para musicais com canções
próprias?
Saulo Vasconcelos: A gente tem alguns exemplos de musicais mais modestos que não
tiveram uma grande projeção, nós tivemos o Comunità, que foi um musical brasileiro falando
da comunidade italiana no Brasil, muito legal. Tem o Constellation, que fala sobre a história
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da Varig, que eu suponho com músicas originais. A gente teve exemplos de coisas bem legais,
que talvez poderiam ter tido mais sucesso.
Leiriane: Você fez parte de um projeto do Sesi relacionado a um curso profissionalizante de
teatro musical. Como foi a experiência?
Saulo Vasconcelos: Acabamos o contrato agora com O Homem Dela Mancha. Foram dois
espetáculos: A Madrinha (Embriagada) e O Homem de La Mancha, e o curso inédito de teatro
musical reconhecido pelo Mec. Eu fiz parte dos dois projetos, sou coordenador do
departamento de canto desse curso de teatro musical. E é legal também, pois é um curso
gratuito para quem não tem condições de pagar; se ela comprovar que ela não tem renda, ela
pode fazer o curso de três anos, que são cinco dias por semana, cinco horas por dia; é um
curso formal e inédito.
Leiriane: E a Lei Rouanet?
Saulo Vasconcelos: Seu projeto foi aprovado na Lei Rouanet. Isso não quer dizer que você vá
conseguir uma captação. As empresas têm que estar disposta: “Ah, esse dinheiro ia ter que ser
gasto em impostos mesmo”; mas não sei por que muitas empresas preferem pagar aquele
dinheiro em forma de imposto do que dar em um projeto que pode não dar em nada. Eu não
posso fazer nada... só posso chegar lá e apresentar o melhor projeto que eu tenho e esperar
que as pessoas se interessem por ele.
Leiriane: E a relação entre atores famosos na televisão com os demais artistas do elenco?
Saulo Vasconcelos: Tem o lado positivo e o lado negativo. Eu, por exemplo, já passei uma
situação onde, originalmente com A Noviça Rebelde, eu perdi a possibilidade de começar a
fazer o papel porque foi o Herson Capri que fez, ele era global e mais interessante para o
espetáculo, apesar de eu ter mais condições técnicas de fazer o papel que ele. Ele é um bom
ator, mas não cantava nada, mas ele foi chamado mesmo assim porque ele tinha um apelo
midiático. Isso tem uma conotação negativa, mas positiva pra produção. Depende do ponto de
vista. Do ponto de vista do ator negativa, mas positiva para a produção. Da mesma forma
aconteceu comigo quando veio O Fantasma da Ópera daqui, ninguém questionou quem ia ser
eu. Claro, eu já tinha feito no México, quem melhor do que eu iria fazer o espetáculo? Então
porque fizeram a audição para o Fantasma se já estava escolhido o Fantasma? Mas eles
abriram as audições mesmo assim porque eles tinham que ter um substituto caso eu ficasse
doente. Então essa pessoa se sente lesada. Mas isso é benéfico pra mim que já fui vítima. Uma
coisa assim... É sempre muito interessante ter a mídia do nosso lado porque, sem divulgação,
o espetáculo não acontece, tem que ter divulgação, você tem que pegar uma parte do
orçamento, uma parte massiva, e dedicar à divulgação, pegar um bom naco de dinheiro e
direcionar para a divulgação daquele espetáculo, se não, você não vai conseguir fazer com
que as pessoas queiram sair de casa na hora do trânsito pra ver teatro. Por isso tem que ter
muito apelo de mídia pra falar: “nossa preciso ver isso aí porque é muito legal”.
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