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PUC-SP
(1920 – 1950)
São Paulo
2018
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
(1920 – 1950)
São Paulo
2018
BANCA EXAMINADORA
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A injustiça avança hoje a passo firme.
Os tiranos fazem planos para dez mil anos.
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são.
Nenhuma voz além da dos que mandam.
E em todos os mercados proclama a exploração:
Isto é apenas o meu começo.
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem:
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.
Quem ainda está vivo nunca diga: nunca.
O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.
Depois de falarem os dominantes, falarão os dominados.
Quem pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? De nós.
O que é esmagado, que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe e o que se chegou, que há aí que o retenha?
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
E nunca será: ainda hoje.”
Uma árdua jornada se desdobrou desde o início da minha existência até chegar nesse
lugar; o percurso somente foi possível pelas implicações das generosas porções dos afe-
tos a mim devotados por mulheres destemidas. Algumas delas se constituem no farol
que iluminam a estrada entre o passado, o presente e me inspiram a projetar o futuro, à
todas essas mulheres minha profunda gratidão.
À memória da minha avó do coração Luiza (Elisa Buke de Godoy) e de dona San
(Santina Benini), que me revestiram de afetos, ensinando que não existem limites para
a imaginação.
À memória da minha mãe preta Neusa Fontana Toniolli por todo acolhimento e pro-
teção.
Ao amado, Alexsandro dos Santos, que com a sua generosidade abrigou os meus
sonhos como se fossem os seus.
À Barbara Scarelli, que ilumina os meus dias com seu amor e cuidados.
À Cristina Santos, amiga querida que há três décadas me revigora com a sua alegria,
sabedoria e principalmente por compartilhar seu solo sagrado.
Ao querido Rodnei Pereira pela generosidade com que compartilha sua sabedoria
conosco, sobretudo pelo voto de confiança depositado.
Aos os meus pais, pela possibilidade da existência nesse mundo cheio de incertezas,
especialmente à Genil Milanez Mendes, pelo amor que compartilhamos pelo Juquery.
À Elisabete Adania (Betinha), a quem devoto o mais profundo respeito pela compe-
tência e sabedoria que conduz as nossas vidas.
À professora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros pela acolhida, pela solicitude e
inestimável cooperação.
À Lourdes Xandó Rosa, pelo seu apoio, cooperação, cuidado, por suas preciosas in-
formações, sobretudo por compartilhar suas memórias de afetivas e transformar a minha
percepção sobre a formação do campo intelectual na cidade de São que, jamais foram
as mesmas depois das suas narrativas.
Ao mestre Luis Ernesto Kawall, por sua acolhida e valiosa contribuição para a minha
compreensão sobre a formação do campo das artes paulistanas.
À Marysia Portinari, pelo apoio e generosa receptividade.
À Dionysa Brandão, pela disponibilidade em colaborar, sobretudo, por compartilhar
as histórias incríveis sobre seu pai, Otávio Brandão.
Aos queridos Karina Müller e Leonardo Marchetti pela generosidade com que me
acompanharam nessa jornada.
Aos docentes do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Polí-
tica, Sociedade, em especial aos professores doutores Carlos Antonio Giovinazzo Ju-
nior, Circe Maria Fernandes Bittencourt, Jose Geraldo Silveira Bueno, Kazumi Muna-
kata, Leda Maria de Oliveira Rodrigues, Luciana Maria Giovanni e Odair Sass por con-
tribuírem expressivamente no meu percurso acadêmico.
Aos colegas integrantes do programa, em especial à Luana Aguiar Werneck; Daniela
do Nascimento Rodrigues, José Fagner Alves dos Santos e Emerson Porto Ferreira pelo
afeto, cuidado e principalmente por renovarem minhas esperanças nos laços de amizade.
Aos professores doutores Mauro Castilho Gonçalves e Bruno Bontempi Júnior, pelas
valiosas contribuições no exame de qualificação.
Ao meu orientador, professor doutor Daniel Ferraz Chiozzini, pela contribuição.
Aos colegas da Faculdade do Educador, especialmente à Rosemary Schettini (Rose),
Luciana Savoi, Larissa Mazetto e Joana Leitte pela parceria, cuidado e principalmente
por tornarem meus dias mais divertidos.
À todos os gestores e servidores das instituições e acervos: Academia Brasileira de
Letras, em especial à Ana Renata Tartaglia; Arquidiocese da Paraíba, em especial à Ri-
cardo Grisi Velôso; Arquivo Nacional; Arquivo Público do Estado de São Paulo; Ar-
quivo Público do Estado do Rio de Janeiro; da Biblioteca Mário de Andrade, especial-
mente à Joana Darc M. de Andrade e Rizio Bruno Sant’ Ana; Biblioteca do Museu de
Arte de São Paulo Assis Chateaubriand; Biblioteca Municipal de Franco da Rocha; Bi-
blioteca Nacional; Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo; Nú-
cleo de Acervo, Memória e Cultura do Complexo Hospitalar do Juquery, especialmente
a Glalco Cyriaco; Prefeitura Municipal de Franco da Rocha, em especial à Adilson Cu-
nha, Andreia Udvari, Angela Gizzi, Adilson Almeida (4P), Elen Palandi, Eva da Glória
Pena (Glorinha), Maria Spera, José Pedro Ramos e Rosemeire Santos; Sociedade Bra-
sileira de Psicanálise de São Paulo; Universidade Federal da Paraíba, especialmente a
professora doutora Cláudia Engler Cury; Museu de Imagens do Inconsciente, especial-
mente à Luiz Mello; Universidade Federal do Rio de Janeiro, em especial à Leandro
Carvalho, Maurício Azevedo, Vinicius Klein.
Resumo
Esta pesquisa consiste numa investigação sobre a trajetória e a produção do médico pa-
raibano Osório Cesar, apontado como precursor dos estudos acerca das conexões entre
arte e loucura no Brasil, buscando identificar o espaço do tema “educação” no conjunto
de sua obra. A análise dialoga com os pesquisadores e pesquisadoras que têm empreen-
dido investigações orientadas para a compreensão da ação de intelectuais no campo da
educação, considerando os desdobramentos mais recentes da história cultural e da his-
tória política. Privilegiou-se a reconstrução da rede de sociabilidades e das incursões de
Osório Cesar como pesquisador das ciências médicas, como um elaborador e difusor
dos princípios fundamentais para a compreensão entre arte e loucura e da arteterapia;
como entusiasta da educação das crianças, à época, classificadas como anormais e como
elaborador e divulgador de proposições e ideias políticas. As fontes selecionadas no
trabalho de investigação foram textos da imprensa, artigos em periódicos e livros pro-
duzidos pelo autor ou por seus colaboradores e opositores, registros dos arquivos públi-
cos (em especial, aqueles produzidos sob a égide do Departamento de Ordem Política e
Social); além de teses e dissertações que trataram de aspectos específicos da vida de
Osório Cesar. As conclusões alcançadas nos permitem afirmar que Osório Cesar exer-
ceu uma agência significativa como intelectual nas diferentes arenas investigadas e que
sua contribuição para os estudos históricos em educação, ancorada nas fronteiras entre
psicologia, psiquiatria e pedagogia, guarda relevância para a compreensão do cenário
de constituição do campo da educação no início do século XX.
This research consists of an investigation on the trajectory and the textual production of
the physician Osório Cesar, pointed as the precursor of the studies about the connections
between art and madness in Brazil. The analysis dialogue with researchers aimed to
understanding the intellectual and political action of education’s field, considering the
most recent developments in cultural history and political history. Methodologically, it
privileged the rebuilding of the sociability network and the incursions of Osório Cesar
as a researcher of the medical sciences, as a developer and disseminator of the funda-
mental principles for the understanding between art and madness and art therapy; as
child education enthusiastic, at the time, classified as abnormal child´s and as formulator
and publisher of propositions and political ideas. The sources have been selected in the
research were newspaper texts, journals and book articles produced by the author or by
his collaborators and opponents, records of public archives (particularly, those produced
under the auspices of the Political and Social Order Department); in addition to of the
theses and dissertations addressed with specific aspects of Osorio Cesar's life. The con-
clusions reached allow us to affirm that Osório Cesar exercised a significant agency as
an intellectual in the different arenas investigated and that its contribution to historical
studies in education, anchored in the frontiers between psychology, psychiatry and ped-
agogy, is relevant to the understanding of the scenario of constitution of the art-educa-
tion in the early 20th century.
Keywords: Osório Cesar, art and madness, art therapy, history of education, children
with intellectual disability, history of the intellectuals.
Sumário
Introdução ................................................................................................................... 12
3.1 A ordem social: uma visão panorâmica do cenário político brasileiro ..... 79
Assim como para grande parte dos franco-rochenses, o Hospital do Juquery foi,
durante a minha infância e adolescência, a extensão do quintal de casa. O Juca – codi-
nome cunhado pelos moradores da cidade de Franco da Rocha para se referir ao Hospital
do Juquery – foi por mais de cinco décadas o espaço de socialização da cidade, as in-
cursões nas oficinas de laborterapia e em outros espaços daquele lugar, orbitam minha
memória afetiva dos passatempos da primeira infância.
Entretanto, uma inquietação recorrente me fazia refletir: por que essa memória
afetiva, compartilhada por mim e por meus conterrâneos, não incluía o acesso/aproxi-
mação com a história e a obra intelectual de uma série de personagens que marcaram a
produção científica, cultural e educacional brasileira e que conviveram em torno do Juca
desde o final do século XIX até meados do século XX? Para além do mais famoso de
seus médicos – Franco da Rocha – os moradores da cidade sabem muito pouco a respeito
de outras histórias e sujeitos que contribuíram para que o Hospital do Juquery fosse uma
referência internacional de produção de conhecimento.
Sem dúvida, Francisco Franco da Rocha é a figura mais destacada e estudada,
tanto no campo da história política e intelectual quanto no campo da história da medi-
cina. Sua importância se expressa, inclusive, com a adoção de seu nome quando da re-
organização territorial da Bacia do Juquery, em substituição ao nome original da cidade.
O médico Francisco Franco da Rocha, reconhecido no meio científico como eminente
psiquiatra, foi o fundador do maior complexo psiquiátrico da América Latina, conside-
rado o principal polo difusor dos estudos sobre as “degenerescências”. Sua produção
científica marcou fortemente a organização do conhecimento sobre a loucura e também
o conjunto de procedimentos à época considerados os mais eficazes para seu tratamento.
Erigindo-se como liderança intelectual e política, Franco da Rocha atraiu e
agregou, nos quadros funcionais do Juquery, cientistas brasileiros e europeus alinhados
às suas correntes teóricas, alimentando uma potente rede de sociabilidade e geração de
conhecimento. Mas, essa rede de sujeitos segue pouco visível, sofrendo uma espécie de
apagamento.
Foi somente no meu recente percurso como arte-educadora que me deparei com
a potência e o impacto da produção de um desses personagens invisibilizados: Osório
12
Cesar1. Em 2012, ao participar como apoio operacional na exposição Lygia Clark – uma
retrospectiva no Itaú Cultural, durante uma conversa despretensiosa sobre questões da
arteterapia e seus precursores; Claudia Teles, educadora da exposição – com a genero-
sidade que lhe é peculiar – me chamou a atenção sobre a necessidade dos devidos cré-
ditos acerca do pioneirismo de Cesar nos estudos e pesquisas sobre as conexões entre a
arte e loucura no Brasil. Essa descoberta não foi trivial: assim como parcela considerável
dos indivíduos que transitam pelo campo da arte e saúde mental, eu também atribuía o
pioneirismo acerca dos estudos sobre arte e loucura no Brasil à médica alagoana Nise
da Silveira.
As referências e as pesquisas sobre a produção de Osório Thaumaturgo Cesar
são bastante restritas. Tal ausência nos estudos e narrativas sobre a história intelectual e
a história da ciência me conduziram a formular a hipótese de que, em certa medida, a
importância do Hospital do Juquery, como o principal espaço de produção científica e
cultural e a rede de sujeitos que, sob a liderança de Franco da Rocha, engajaram-se em
investimentos intelectuais, durante a primeira metade do século XX, permanecem re-
côndita.
O levantamento de artigos, teses e dissertações que fazem referência a Osório
Cesar e que estão depositadas nos acervos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal do Ensino Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-
fico e Tecnológico (CNPq), indicou a existência de 21 produções textuais, em forma de
artigos, dissertações e teses.
A principal narrativa historiográfica sobre o impacto da produção científica-
intelectual de Osório Cesar surgiu no final dos anos 1980, quando a professora Maria
Heloisa Ferraz inseriu uma nota biográfica no rodapé no capítulo 4 da sua tese de dou-
torado. O capítulo, intitulado Recuperação da Escola Livre: Museu Osório Cesar – Ate-
liê de trazia o subitem Organização do Museu, no qual relata a inauguração deste na
cidade de Franco da Rocha (FERRAZ, 1989, p.177). A tese foi versada em livro e pu-
blicada na década seguinte com o título: Arte e loucura: limites do imprevisível2.
Ferraz (1989) assinalou em seu resumo que sua pesquisa nascera da “necessi-
dade de recuperar o material icnográfico da Escola Livre de Artes Plásticas do Juquery,
assim como caracterizar sua história, seu desenvolvimento e influências nas áreas
1
Anexo A.
2
Ver Ferraz, 1998.
13
cientifica e cultural”. A pesquisadora localizou, em sua pesquisa, que as discussões da
Semana de 333 teriam potencializado o surgimento de cursos relacionados às conexões
entre arte e loucura e que “a instalação dos cursos foi divulgada pelos jornais Folha da
Manhã, O Dia, Correio Paulistano e O Estado de S.Paulo, demonstrando que a matéria
era de grande interesse para a época. Os recortes com tais informações encontram-se no
Museu Osório Cesar” (p. 46-47).
Por seu turno, Camargos (2001) identificou, em sua investigação sobre as es-
truturas e redes de sociabilidade intelectual na São Paulo do início do século XX, que a
presença de Cesar no território paulistano é notada na segunda metade dos anos de 1910,
nos encontros artísticos-literários organizados pelo senador Freitas Valle4 na Villa Kyri-
all – conhecido reduto de intelectuais, artistas e políticos da Belle Époque paulistana –
contratado como violonista para entreter os convidados das reuniões do mecenato.
A investigação de Andriolo (2003) concluiu que Cesar foi o pioneiro na siste-
matização dos estudos e pesquisas sobre as conexões entre arte e loucura no Brasil,
também conhecida como a expressão artística dos alienados ou arte do inconsciente.
Revelou, também, que seu ingresso nesse campo das ciências médicas não teria se ini-
ciado na psiquiatria. O mapeamento da produção textual do autor, empreendido por An-
driolo, revelou que seus primeiros escritos, ainda como estudante da Universidade Livre
de São Paulo, teriam sido dois ensaios clínicos sobre Odontologia5.
Por sua vez, Amin (2009) em sua dissertação O “Mês das Crianças e dos Lou-
cos”: reconstituição da exposição paulista de 1933, recompôs o cenário e os embates
que permearam as conferências organizadas e promovidas por Flavio de Carvalho e
Osório Cesar no Clube dos Artistas Modernos (CAM). A pesquisadora concluiu que o
evento significou “um marco em termos do encontro entre as áreas de arte, educação e
psicologia e teve desdobramentos culturais significativos na cidade de São Paulo na
década de 1930” (p. 8).
No campo da História da Arte, Carvalho (2016), em sua tese, A formação do
pensamento estético de Osório Cesar: estudos dos textos sobre arte, cultura escritos no
período de 1920 a 1950, analisou “um conjunto de aproximadamente 400 crônicas de
3
A Semana de 33, refere-se ao evento promovido por Flavio de Carvalho e Osório Cesar no Clube dos
Artistas Modernos (CAM), denominado “Mês das Crianças e dos Loucos”, realizado entre 26 de
agosto a 28 de outubro de 1933. O tema será retomado no capítulo adiante.
4
Ver: Freitas Valle. Disponível em: <//enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa467510/freitas-valle>.
Acesso em 20 de agosto de 2017.
5
Anexo B.
14
livros e artigos publicados em periódicos entre as décadas de 1940 e 1950” (p. 8), das
quais intencionava compreender quais foram as bases do pensamento intelectual de Osó-
rio Cesar sobretudo, no campo das artes plásticas.
Provocada pela leitura e análise dessas investigações, busquei localizar em pe-
riódicos do primeiro quartel do século XX alguns outros traços da presença intelectual
de Osório Cesar que pudessem confirmar sua interação com outros intelectuais.
A título de exemplo, localizei o folhetim intitulado Doutrinas Biológicas
(1919), no qual o autor desenvolve um estudo celular, “o átomo da vida” com prefácio
de Ulysses Paranhos, o livro é dedicado ao argentino José Ingenieros, conceituado pelo
autor como “o maior filósofo da América do Sul”.
No mesmo período, a revista A Cigarra em sua seção destinada a compartilhar
as novidades literárias, avaliava assim o livro:
15
Por assim acreditar, me engajei, no início de 2013, na construção de um projeto
de intervenção educativa e cultural em torno da revisitação do território do Juquery, o
projeto #OcupaJuca. À época, o Partido dos Trabalhadores havia assumido o executivo
municipal e pude apresentar o projeto ao Secretário Municipal Adjunto de Educação,
Alexsandro do Nascimento Santos. Naquela oportunidade, iniciamos com um conjunto
de rodas de conversas com educadores da rede municipal sobre o território do Juquery
e sobre sua importância educativa e cultural para a cidade. Essa ação respondia a uma
das metas estabelecidas no Plano de Governo que versava sobre a recuperação e pre-
servação da memória como estratégia para requalificar e ressignificar a relação da co-
munidade sobre a identidade, memória e sentido de pertencimento com a cidade de
Franco da Rocha a partir dessas intervenções.
O escopo do projeto avançou a partir de uma parceria formalizada entre a Se-
cretariais Municipais de Educação, Adjunta de Cultura e Relações Institucionais e me
permitiu idealizar e realizar em 2013, o #OcupaJuca, a celebração dos 80 anos do “Mês
dos Loucos e das Crianças”, que tinha como proposta a realização de encontros de for-
mação para educadores de artes da rede municipal com a ampliação de repertório acerca
da importância histórica das Semanas de 33, a apresentação do papel do precursor dos
estudos sobre as conexões entre arte e loucura no Brasil e a proposição de reflexões
sobre os processos criativos em arte-educação, empreendidos pelos educadores da rede
municipal da educação.
O #OcupaJuca foi idealizado com base na primeira referência bibliográfica
consultada, a qual indicava a denominação do evento como a “Semana dos Loucos e das
Crianças” (ANDRIOLO, 2003, p. 2). Nesse sentido, a escolha foi a de manter a deno-
minação da Semana de 33 como uma metáfora/alusão ao movimento modernista. Com
o propósito de recriar parte da atmosfera do Mês dos Loucos e das Crianças, realizamos
três encontros6 – entre agosto e outubro – nos quais, pesquisadores, educadores e artistas
compartilharam seus estudos e experiências com base nas análises da obra de Osório
Cesar, da Escola Livre de Artes Plásticas (ELAP) e de produções artísticas produzidas
no Juquery. Essas atividades, configuraram-se como uma ocupação simbólica daquele
território que há mais de um século dá os contornos da memória afetiva de centenas de
indivíduos, tanto para o bem, quanto para o mal.
6
Anexo C.
16
Desde criação do Asilo de Alienados do Juquery, é muito comum relacionar o
território à insanidade, logo os indivíduos nascidos na cidade são automaticamente as-
sociados à loucura, ou seja, a principal representação do imaginário coletivo é de que
todo franco-rochense seja louco, assim como todo brasileiro seja – supostamente – exí-
mio jogador de futebol ou sambista. Reis (2009), observa que o impacto da imagem
negativa relacionada ao Hospital do Juquery, mobilizou políticos na década de 1970 na
criação do cognome ‘Ciência e Ternura’ por meio de instrumento legal (Lei Municipal)
como estratégia de promoção para ‘melhorar o nome da cidade’ de Franco da Rocha.
Nesse contexto e subsidiado por notícias veiculadas em periódicos de circulação regio-
nal, o autor supõe que o “slogan foi criado para suplantar uma imagem negativa da ci-
dade, vinculada principalmente às questões do Hospital” (2009, p. 6).
Esse aspecto é ratificado por Fraletti (1986), assegurando que o processo de
decadência administrativa e assistencial do Juquery, iniciado a partir da Ditadura do
Estado Novo, se intensificou no início dos anos de 1970, quando as sucessivas denúncias
relacionadas às irregularidades médico-administrativas, maus-tratos e superlotações de-
sencadearam “as iras da imprensa, o protesto de deputados, e a devassa contra os Go-
vernos que vêm se sucedendo de 1938 para cá” (1986, p. 168-171).
A produção historiográfica sobre a memória do Hospital do Juquery está cen-
trada, sobretudo, em torno do fundador do Asilo de Alienados do Juquery, nesse sentido,
Reis (2009) afirma que:
17
território de expressiva importância histórica para o campo da arte-educação e saúde
mental brasileira.
Em 2014, durante o planejamento da formação da equipe técnica do Programa
Mais Educação7 da rede de ensino municipal de Franco da Rocha, motivados pelo le-
gado artístico, científico e cultural deixado por Osório Cesar, o #OcupaJuca foi incor-
porado ao programa, estendido posteriormente aos beneficiários (alunos do 5º ano do
Ensino Fundamental)8 do programa Mais Educação e também aos integrantes do núcleo
de Educadores da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
No âmbito das relações institucionais da gestão pública municipal, a inovação
da proposta foi a articulação e formalização da parceria entre as secretarias municipais
de Educação e Governo com parte da equipe do Núcleo de Ação Educativa da Pinaco-
teca do Estado de São Paulo9 − outro importante equipamento público projetado pelo
arquiteto Ramos de Azevedo − que pela primeira vez planejou e programou visitas edu-
cativas alinhadas com os contextos históricos que envolviam o público-alvo. Essas
ações permitiram o acesso dos integrantes da equipe técnica do programa Mais Educa-
ção e aproximadamente 1500 alunos beneficiários da rede municipal de ensino de
Franco da Rocha às visitas mediadas no conjunto central do Complexo Hospitalar do
Juquery, na Pinacoteca e Estação Pinacoteca.
A minha contribuição sistemática em uma série de ações no processo de recu-
peração e memória da cidade de Franco da Rocha, sobretudo o movimento de formação
do campo da arte-educação empreendidas por Osório Cesar no Hospital do Juquery,
previstas no #OcupaJuca foram consolidadas entre 2016-201810 e estão registradas nos
projetos: 1) revitalização de uma das edificações desativadas do conjunto arquitetônico
tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e
Turístico (Condephaat), atual Centro de Vivência em Múltiplas Linguagens Raimunda
Assunção dos Santos (2016), um espaço de diversão, cultura e lazer, destinado aos
7
O Programa Mais Educação foi criado como estratégia do Ministério da Educação para indução da
construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino. Preconizava a
ampliação da jornada escolar nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias, por meio de ativi-
dades optativas nos macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e la-
zer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação
e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica. Disponível
em: <//portal.mec.gov.br/par/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/16689-
saiba-mais-programa-mais-educacao >. Acesso em 30 de setembro de 2017.
8
Anexo D.
9
Anexo E.
10
Anexo F.
18
alunos atendidos pela rede municipal de ensino; 2) formações Osório Cesar e suas pro-
duções no Juquery e De Juquery a Franco da Rocha: cartografias afetivas (2017) e, 3)
elaboração da Nota Técnica nº 1 Juquery: educação, memória e território (2018), pro-
cesso nº 6559/2018-1, no qual, apresento um conjunto de componentes para a elabora-
ção do plano de trabalho para as ações de conservação, preservação e recuperação da
memória do Juquery.
Se a relação de negação/sofrimento da cidade com o território do Hospital do
Juquery e a carência de estudos e reflexões sobre a produção de Osório Cesar são duas
preocupações que me movem há bastante tempo, resta explicitar por qual razão decidi
buscar minha formação como pesquisadora de educação e investir numa pesquisa de
mestrado na área da história da educação.
Acompanhei, durante os anos de 2013, 2014 e 2015, a construção da pesquisa
de doutorado de Santos (2015), que versou sobre as origens da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP), tendo como eixo metodológico a chamada Histó-
ria dos Intelectuais da Educação. Parte dos esforços do Grupo de Pesquisa Intelectuais
da educação Brasileira: formação, ideias e ações, o trabalho do pesquisador me fez per-
ceber que a categoria de ‘intelectual’ e, sobretudo, ‘intelectual da educação’, parecia ser
explicativa de uma parte importante do trabalho de Osório Cesar. Uma das leituras que
Santos sugeriu que eu fizesse para confirmar essa minha percepção, corroborada mais
tarde durante as disciplinas cursadas, bem como nas discussões como um dos referenci-
ais teóricos debatidos no grupo de pesquisa foram os textos de Jean-François Sirinelli.
De acordo com Sirinelli (2003):
19
tiveram papel essencial na consolidação do pensamento estético no campo da história
da arte e da psicologia? Nesse sentido, inferi que era possível compreender Osório Cesar
como um intelectual. Entretanto, seria ele um intelectual da educação?
Embora as narrativas produzidas por Andriolo (2003), Dalgalarrondo et al
(2007), Kawall (1979) e Fabris (1981) não estejam no conjunto de referências biblio-
gráficas analisadas, consideramos essencial incluí-las, uma vez que nos permitem deli-
near parte da produção textual do pensador, bem como dimensionar o impacto de suas
ações no conjunto da obra.
No processo de constituição da Educação como objeto epistêmico, Magalhães
(2016) assinala três categorias de intelectuais: os “produtores de grandes textos”, que
são os influenciadores e criadores de movimentos; os “grandes intelectuais”, que escri-
turam as convenções acerca das rupturas e as inovações ao longo da história; os intelec-
tuais “cultivadores e organizadores”, que materializam a ideia programada; e os inte-
lectuais divulgadores, que “recriam e prolongam para além do tempo”, coexistem com
a reprodução, a ilustração, do mesmo modo que promovem/fomentam a conformação
das ideias em virtude da reestruturação de práticas, registro, protocolos, planos e produ-
tos (2006, p. 305).
O investimento empreendido na busca e compilação da produção textual de
Osório Cesar parecia indicar que sim, ele era um intelectual da educação, especialmente
em ações de cultivo/organização de materiais e referências de fontes diversificadas, na
produção de grandes textos autorais, assim como na divulgação e disseminação de gran-
des textos produzidos por outros autores. Contudo, era essencial interpretar se: 1) A
massa documental inventariada tratava de fato da produção de um intelectual? 2) A pro-
dução textual analisada abordava necessariamente temáticas relacionadas ao campo da
educação? Nesse sentido, a análise buscou inventariar os textos esparsos com o intuito
de constatar a probabilidade de interpretá-lo ou não como um intelectual da educação à
luz das proposições de Justino Magalhães.
Assim, para ampliar a lente sobre a memória de Cesar e, sobretudo, argumentar
sobre a necessidade de deslocá-lo da marginalidade a um lugar de destaque no campo
intelectual como personagem na História dos Intelectuais, recorro à definição concebida
por Sirinelli (1996):
Por esta última razão, é preciso, a nosso ver, defender uma definição
de geometria variável, mas baseada em invariantes. Estas podem de-
sembocar em duas acepções do intelectual, uma ampla e sociocultural,
20
englobando os criadores e ‘mediadores’ culturais, a outra mais res-
trita, baseada na noção de engajamento. No primeiro caso estão abran-
gidos tanto o jornalista como o escritor, o professor secundário como
o erudito. Nos degraus que levam a esse primeiro conjunto postam-se
uma parte dos estudantes, criadores ou ‘mediadores culturais’ em po-
tencial, e ainda outras categorias de ‘receptores’ em potencial, e ainda
outras categorias de ‘receptores de cultura’. (…) Estes últimos podem
ser reunidos em torno de uma segunda definição, mais estreita e base-
ada na noção de engajamento na vida da cidade como ator – mas se-
gundo modalidades diferentes, como por exemplo, a assinatura de ma-
nifestos (1996, p. 242-243).
21
empreendidas pelo pensador a partir da segunda metade da década de 1930, apresentada
no capítulo três.
Na estruturação do corpus epistemológico da pesquisa, a memória oficial re-
correntemente difundida nas bibliografias de referência não respondia às indagações
suscitadas. Assim, para a compreensão do conjunto da primeira chave interpretativa, a
análise foi pautada pelos conceitos propostos por Sirinelli (1996) sobre as noções de
itinerário, geração e sociabilidade (1996, p. 245).
A escolha foi imprescindível para compreender a circulação de Cesar e o seu
acolhimento nas estruturas de sociabilidades paulistanas nas primeiras décadas do sé-
culo XX; observou-se que era imperativo mapear seu percurso desde a Paraíba do Norte
(atual João Pessoa) até São Paulo, bem como interpretar como o pensador estabeleceu
as conexões com as suas redes, sobretudo identificar como estas redes de relações foram
solidificadas. Para o itinerário estabelecemos a estruturação da cartografia sobre a am-
biência intelectual do pensador com destaque para os eixos de seu engajamento: ciência,
arte, educação e política.
Foi movida por essas inquietações, e ancorada nessa hipótese em torno da pro-
dução textual e da ação de Osório Cesar, que decidi me inscrever na seleção do Pro-
grama de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade. Apro-
vada, sob a orientação do professor Daniel Ferraz Chiozzini, passei a disciplinar e orga-
nizar o meu trabalho de pesquisa – antes, intuitivo – de forma a compreender melhor os
contornos da experiência de Osório Cesar como intelectual.
11
Anexo G.
22
historiador da arte e médico alemão Hans Prinzhorn e La art et folie (Arte e Loucura),
do psiquiatra Jean Vinchon, Osório instigava as aptidões artísticas dos internos (CE-
SAR, 1929). Nessa seara e impulsionado pelas teorias psicológicas e estéticas de pen-
sadores da época, o médico iniciou estudos para ampliação de seu repertório acerca da
arte dos alienados, a partir das observações dos desenhos dos internos do Juquery. Suas
ações eram norteadas pela visão dos principais estudiosos, que defendiam o trabalho
livre dos internos na escolha dos temas, técnicas, materiais e com o mínimo de interfe-
rência do orientador.
Dalgalarrondo et al (2007) observa que, o período de maior efervescência na
produção textual no campo das ciências médicas editadas por Cesar foi o decênio de
1920. O conjunto documental inventariado revela seis obras, das quais duas foram pu-
blicadas em parceria: uma com o médico e deputado federal J. Penido Monteiro, na qual
escreveu um estudo do simbolismo místico nos alienados, e outra, em forma de artigo
intitulado sobre dois casos de estereotipia gráfica com simbolismo sexual, produzido
com o médico Durval Marcondes. Outra obra que merece destaque na produção cientí-
fica de Cesar é A expressão artística nos alienados: contribuição para o estudo dos
símbolos na arte com prefácio de Motta Filho (1929).
Se essa é a face mais conhecida do trabalho de Osório Cesar, é imprescindível
que as outras dimensões de sua vida e de sua ação intelectual não sejam secundadas e
que, no esforço analítico da pesquisa histórica, estejamos atentos ao entrecruzamento
das distintas e complementares formas de engajamento de Cesar na esfera pública.
Em sua última entrevista, concedida ao jornalista Luis Ernesto Kawall e publi-
cada no caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo, com o título: Osório Cesar, 83 anos, o
pioneiro esquecido, Cesar nos revela o seu descontentamento com aquilo que qualificara
como esquecimento de suas realizações para além do campo da medicina:
24
interações com seus mestres, discípulos e pensadores por meio da troca de correspon-
dências ativas e potentes. O artigo enfatiza que para além do exercício de polidez, a
revelação sobre o expediente de que o nobre remetente respondia a todos os que lhe
escreviam era sobretudo, parte do plano para ampla divulgação de sua obra (SBPSP,
2006). Esse recurso pode ser certificado pelo volume de mensagens produzidas12 ao
longo da sua produção intelectual, na qual, constata-se que o pensador empreendeu vi-
goroso esforço na articulação internacional para a propagação e consolidação do movi-
mento psicanalítico no mundo.
No Brasil, a difusão de suas ideias, reverbera entre um de seus principais dis-
cípulos brasileiros. Osório Cesar adquire as principais bibliografias internacionais, que
representava o que havia de mais moderno e avançado para a época. É a partir desse
momento que passa a notabilizar-se no meio intelectual paulista como estudioso da Psi-
canálise, ainda que não se tenha localizado registros da sua certificação como psicana-
lista. A importância de sua contribuição nos estudos evidencia-se pela sua participação
ativa na criação das Sociedade Brasileira de Psicanalise de São Paulo e da seção do Rio
de Janeiro. Moretzsohn (2015) assinala o empenho de médicos brasileiros na difusão da
Psicanálise no Brasil e é nesse contexto que Durval Marcondes reúne, no salão nobre
do Liceu Nacional Rio Branco – atual Colégio Rio Branco –, nomes bastante expressi-
vos em várias áreas da cultura para debater e fundar a Sociedade Brasileira de Psicaná-
lise de São Paulo (SBPSP), a primeira da América Latina, com ata de fundação lavrada
no dia 24 de novembro de 1927 (p. 242).
A fundação da SBPSP teve apoio de escritores, jornalistas, artistas plásticos,
médicos e professores, os quais, pautados por referências bastante distintas entre si, in-
tencionavam desvendar novos caracteres para a compreensão da realidade social. Os
participantes que aderiram às discussões foram: Antonio de Sampaio Dória, político,
jurista, educador; Antônio Ferreira de Almeida Junior, médico, advogado, educador;
Antônio Paim Vieira, médico, artista plástico; Antônio Roldão Lopes de Barros, advo-
gado, educador; Cândido Motta Filho, advogado, jornalista e juiz de paz; César Marti-
nez, neurologista; Durval Marcondes, psiquiatra; F. Marcondes Vieira, psiquiatra;
12
A Divisão de Manuscritos da Biblioteca do Congresso em Washington, depositária do acervo de Sig-
mund Freud – constituído entre 1856-1939 – indica que a massa documental contém cerca de 48.600
itens, entre anotações, correspondências, diários, entrevistas, ensaios clínicos, registros militares entre
outros, classificados por nome do destinatário ou organização, produzidos em alemão, inglês e francês.
Disponível em: <lcweb2.loc.gov/service/mss/eadxmlmss/eadpdfmss/2004/ms004017.pdf>. Acesso
em 10 de janeiro de 2017.
25
Fausto Guerner, neurologista; Flamínio Fávero, médico legista; Francisco Franco da
Rocha, psiquiatra; Getúlio de Paula Santos, clínico geral; James Ferraz Alvim, psiquia-
tra; José Lopez Ferraz, político; Lourenço Filho, educador; Maurício Pereira Lima, clí-
nico geral; Menotti Del Picchia, escritor; Nestor Solano Pereira, leprologista; Osório
César, psiquiatra; Pedro de Alcântara Marcondes Machado, pediatra; Raul Briquet, obs-
tetra; Samuel L. Ribeiro, médico sanitarista; Thomé Alvarenga, neurologista; Wladimir
Ferraz Kehl, inspetor médico escolar (2015, p. 242).
Na terceira e última carta enviada por Freud a Osório Cesar, datada de 7 de
fevereiro de 1928, o pensador reafirma seu contentamento sobre o crescente interesse
pelas suas teorias no Brasil e, em contraponto com as duas anteriores, adota um tom
informal na despedida: “Com toda minha simpatia, Freud”. O artigo destaca ainda os
médicos Arthur Ramos, Júlio Pires Porto Carrero e Gastão Pereira da Silva como os
primeiros discípulos de Freud no Brasil, logo, considerados os pioneiros na divulgação
de seus pensamentos (SBPSP, 2006). A articulação e militância sobre as doutrinas de
Freud arregimenta novos partidários, o engajamento de pensadores cariocas é anunciado
em uma nota do Diário Nacional, no qual os discípulos do pai da psicanálise apontam
as novas diretrizes:
27
para a compreensão das conexões entre arte e loucura são apontadas como referencial
teórico primordial para o estudo do campo tanto nas ciências médicas, como nas ciências
humanas, que ainda repercutem na contemporaneidade.
Amin (2009), assinala que a “Mês dos Loucos e das Crianças”, organizada e
promovida pelo artista Flávio de Carvalho e Osório Cesar no Clube dos Artistas Moder-
nos (CAM)13, entre 28 de agosto a 28 de outubro de 1933, foi a primeira exposição dos
desenhos dos loucos do Juquery e de crianças de escolas de São Paulo14, seguida de uma
série de conferências, nas quais artistas, intelectuais, médicos e pesquisadores debate-
ram acerca das conexões entre arte e loucura com temas como:
13
A fundação do Clube dos Artistas Modernos (CAM) foi liderada por Flávio de Carvalho (1899 - 1973)
que teve o apoio dos artistas Antonio Gomide (1895 – 1967), Carlos Prado (1908 - 1992) e Di Caval-
canti (1897 - 1976) como colaboradores na constituição do CAM.
14
Ver: COUTINHO, Rejane. A coleção de desenhos infantis do Acervo Mário de Andrade. Tese (dou-
torado) da Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo,
2002.
28
amor/procriação, repele o ‘anormal’ por colocar em crise seu sistema de valores, por
revelar o que há de mais profundo no homem e na natureza” (1981, p. 19-25).
SOUZA (2005) observa que os estudos sobre os desenhos das crianças tem seu
marco inicial no final da década de XIX, entretanto, o reconhecimento dos valores esté-
ticos da arte infantil com base na autoexpressão encontra ressonância somente a partir
da Semana de 22 no Brasil. Nesse sentido, os modernistas, Anita Malfatti e Mario de
Andrade exercem papel central na valoração estética da arte infantil, assim como para a
introdução de novos métodos de ensino da arte pautados pelo “ensino livre” (p. 89) . No
campo da Educação “intelectuais e educadores empreendem debates e planos de reforma
para a recuperação do ‘atraso’ brasileiro. Destacam-se intelectuais como: Fernando Aze-
vedo, Osório Cesar e Flávio de Carvalho, interessados na produção artística das crianças
[...]” (2005, p.90).
Na gênese do conceito sobre as estéticas e rupturas dos processos criativos em
arte, publica a obra A arte nos loucos e vanguardistas, com prefácio de Neves Manta
(CESAR, 1934). O autor apresenta a estrutura do processo de ensino e aprendizagem
em arte-educação nas oficinas de Artes do Hospital do Juquery, para indivíduos com
sofrimentos/transtornos mentais com “base na autoexpressão” (FERRAZ, 1989, p. 68).
O livro contém a transcrição da Conferência proferida pelo articulista na Semana de 33.
No campo da arte-educação, os anos de 1940 são marcados por parcerias com
artistas, período em que Cesar propôs e analisou as produções artísticas desencadeadas
pelos princípios de plasticidade sonora; impulsionou os processos de ensino e aprendi-
zagem na ELAP; articulou e divulgou as produções dos loucos do Juquery no Brasil e
na Europa. Seus experimentos influenciaram as produções de diversos artistas, entre
eles: Niobe Xandó, Aldo Bonadei, Lasar Segall (este se abrigou um período no Juquery
para uma residência artística, como resultado produziu uma série de desenhos a bico-
de-pena retratando o cotidiano dos internos) e a fotografa Alice Brill.
No início dos anos 1950, Cesar convidou a artista Maria Leontina15, premiada
e reconhecida nos círculos paulistanos, para orientar as atividades na seção de Artes do
Juqueri; edita [Contribution à l'étude de l'art chez les aliénés...], no qual abordava o
processo de ensino e aprendizagem da arte para indivíduos com sofrimentos e transtor-
nos mentais. Concentrado em seus estudos e pesquisas sobre os processos criativos,
15
Ver: Maria Leontina. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultu-
ral, 2018. Disponível em: <//enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8721/maria-leontina>. Acesso
em: 23 de maio de 2017. Verbete da Enciclopédia.
29
sobretudo na crítica de arte social, Cesar organiza exposições e conferências sobre a arte
dos loucos do Juquery.
No campo das ciências sociais, a produção intelectual de Osório Cesar conecta-
se com a de Roger Bastide – que também se apropria do território do Hospital Psiquiá-
trico do Juquery como um de seus loci de investigação, com o propósito de comprovar
empiricamente as convergências entre a Sociologia e a Psicanálise. A parceria de Bas-
tide e Cesar resultou no artigo “Arte, loucura e cultura” (1956), em que apresentam
importantes elementos para analisar as relações entre arte, cultura e sociedade.
Em resumo, ao coletar os fragmentos da produção científica-intelectual de Osó-
rio Cesar, verifica-se sua intensa dedicação aos temas sobre as conexões entre arte e
loucura, expressão artística, arte-psicanálise, arte de vanguarda e plasticidade sonora;
campo de estudos que orbitavam o campo da cultura no período concebido e foram na
contemporaneidade deslocados no campo da arte-educação. O recorte temporal entre
1920-1950, embora extenso foi considerado imprescindível para a compreensão dos iti-
nerários e redes de sociabilidade, sobretudo o impacto desses contextos na produção de
Cesar.
Numa breve análise sobre o conjunto da obra de Cesar, cotejadas com o lugar
de articulação, mediação e circulação, nota-se que a memória construída em torno da
singularidade de sua produção foi bastante seletiva, sobretudo em Franco da Rocha,
cidade na qual, repousam seus restos mortais. No início da segunda metade da década
de 1970, Cesar doou parte de seu acervo pessoal distribuídos em duas partes: a) Biblio-
teca da Prefeitura Municipal de Franco da Rocha e b) para o Complexo Hospitalar do
Juquery. Contudo, boa parte do material foi dilapidado – resultado da inábil gestão do
acervo – bem como foi possível verificar – na visita realizada em março de 2017 à Bi-
blioteca Municipal Caio Graco da Silva Prado, localizada na av. dos Coqueiros, s/nº,
Centro, Franco da Rocha, SP – que os livros que restaram encontravam-se bastante de-
teriorados pela ausência de acondicionamento, manejo sistematizado na conservação e
higienização, nas últimas quatro décadas.
É crível atribuir que essa seletividade decorra do fato de que as fontes de pes-
quisas sejam dispersas e escassas pela inexistência de um acervo pessoal organizado e
preservado16, embora as informações coletadas sejam originárias de fontes primárias e
16
O Lançamento da Obra de Restauro do Museu “Osório César” foi anunciado pela Prefeitura Municipal
de Franco da Rocha no último bimestre de 2017. Disponível em: <www.francodaro-
cha.sp.gov.br/franco/artigo/noticia/7112>. Acesso em 20 de maio de 2018.
30
secundárias17, entretanto, é mister sobrepensar o contexto sociopolítico do período ana-
lisado e a construção do arcabouço dessa biografia, produzida com base nos relatórios
e depoimentos dos prontuários do DEOPS-SP, artigos em periódicos, publicações, cor-
respondências ativas e passivas entre o personagem investigado e alguns de seus inter-
locutores, bem como as bibliografias existentes abordam aspectos pontuais de sua pro-
dução, conforme observa Schmidt (1997).
Como se verifica, para a elaboração e difusão de suas ideias, projetos e teorias;
Cesar circulava ao mesmo tempo entre as elites das cidades de São Paulo, Rio de Ja-
neiro, Argentina, Montevidéu, Paris e Moscou. Nesse sentido, para a compreensão e
entendimento do lugar de fala e das estruturas das arenas de disputas nas quais Osório
Cesar transitava, é imprescindível assinalar a definição acerca das redes de sociabili-
dade, destacada por Gomes (1999):
17
A ortografia das citações utilizadas neste trabalho foram atualizadas para melhor compreensão dos
leitores.
31
No terceiro capítulo, intitulado Proposições e posições políticas, são analisadas
e discutidas as incursões de Cesar no campo da política, em especial suas ligações com
o pensamento marxista e sua divulgação no Brasil; bem como as consequências desse
posicionamento nas suas relações com o campo intelectual. Nesse sentido, as principais
fontes de análises foram os documentos textuais anexados aos prontuários dos Departa-
mento de Ordem Política e Social, depositados em acervos públicos do Estado de São
Paulo e Rio de Janeiro.
32
1 Contornos do sujeito
18
Anexo H.
19
VELÔSO, Ricardo G. Informações sobre certidão de nascimento de Osório Thaumaturgo Cesar.
[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <regianemendes@hotmail.com> em 9/11/2016.
33
Figueiredo”. Segundo informações do técnico responsável pelo acervo, a Paróquia
Nossa Senhora das Neves, a 1ª da capital era a única paróquia existente nesta no Estado.
Surge o primeiro questionamento: se o registro é de fato de Osório Cesar, por que fora
“batizado privadamente”?
Ribeiro (1994), retrata a história do Clube Sinfônico da Paraíba, um dos mais
intensos locus de socialização da Paraíba nos primeiros anos do século XX; a família
“Cézar” é representada pelo regente, compositor e violonista Plácido de Alcântara Cé-
zar, tio de Cesar. O clã é descrito como “uma família de músicos de talento” p. 57). O
pai de Cesar, Diomedes, professor de teoria e solfejo; regente do coro da Igreja do
Carmo, é evidenciado como músico notável. Plácido Cézar é apontado pelo autor como
músico virtuoso, considerado o mais consagrado violonista de sua época, foi Spalla da
primeira orquestra sinfônica da Paraíba do Clube Sinfônico da Paraíba, membro do
Partido Liberal, 1º sargento e mestre da Banda do Batalhão de Segurança da Paraíba.
Embora considerados elementos essenciais no processo investigativo, não foi
possível incorporar ao conjunto analítico, dados sobre o período do percurso relacionado
à formação inicial na composição da cartografia educacional relacionadas ao ensino bá-
sico de Cesar, devido ao curto espaço de tempo para a coleta, inventário e exame das
fontes documentais. Entretanto, a inserção social e a proximidade de seus ascendentes
com o principal núcleo católico da Paraíba apresentam-se como fortes indícios de que
sua escolarização elementar tenha ocorrido no ensino confessional.
A historiografia aponta que Cesar desembarcou na cidade de São Paulo com
18 anos (1912), ingressou no Ensino Superior de Odontologia e sobreviveu “graças às
aulas particulares de violino” (FERRAZ, 1989, p.177). No contexto sociopolítico, a che-
gada do jovem Osório Cesar na cidade de São Paulo coincide com o tensionamento dos
conflitos armados provocados pelo governo do marechal Hermes da Fonseca (1910-
1914), um período marcado por inúmeras divergências desde seu início. As convulsões
sociais do período pautam as mobilizações na busca pela diminuição das desigualdades,
desencadeadas por manifestações e revoltas sangrentas. O primeiro enfrentamento rela-
tado é a Revolta da Chibata (1910), organizada por marinheiros insurgentes – suas rein-
vindicações foram registradas em carta por João Cândido, pleiteava a melhoria das con-
dições de trabalho (alimentação e salários).
Nesse panorama de efervescência social no Brasil e no mundo, a trajetória aca-
dêmica de Cesar, nos primeiros dois anos da década de 1910, se entrelaça com as
34
disputas para a consolidação da primeira instituição privada de ensino superior do Es-
tado de São Paulo – criada na primeira década do século XX.
A formação do estudante é corroborada pela localização da solicitação de ma-
trícula para ingresso no curso de Odontologia lavrada por Osório Thaumaturgo Cesar,
endereçada ao professor Eduardo Augusto Ribeiro Guimarães, reitor da Universidade
Livre de São Paulo (ULSP)20 em 18 de março de 1912. No requerimento, Cesar indica
seu número de matrícula, enviado ao reitor:
20
Ver: História da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Disponível em: <www.dichistori-
asaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/facmedcirsp.htm>. Acesso em 14 de setembro de 2017.
21
Ver: Cury, Carlos. R. J. (2009). A desoficialização do ensino no Brasil: a Reforma Rivadávia. Educ.
Soc., Campinas, vol. 30, n. 108, p. 717-738. Disponível em:<www.sci-
elo.br/pdf/es/v30n108/a0530108>. Acesso em 20 de novembro de 2017.
35
Letras, História, Filosofia e Literatura, Veterinária, Zootecnia e Agronomia, Cultura Fí-
sica (com aulas de Esgrima), Instrução Militar e Ginástica e de Obstetrícia, dos quais os
de Comércio e Belas Artes funcionaram em um curto período, segundo assinala (MOTT
et al, 2007, p. 43). Era composta por Eduardo Augusto Ribeiro Guimarães, reitor; Ulys-
ses Paranhos22, vice-reitor; Matias Valadão, Gabriel Rezende, José Malhado Filho, Ne-
vio Barbosa, Sérgio Meira, Spencer Vampré, Vicente Carvalho, Artur Mota, Alexandre
Albuquerque, membros do conselho superior; Bernardino de Campos, Monsenhor Fran-
cisco de Paula Rodrigues e Luiz Pereira Barreto, membros honorários.
O conjunto documental da Universidade Livre de São Paulo indica que, apesar
da instituição ter operado em curto período (1911-1917), a circulação de ideias e trocas
de saberes na academia, fomentado sobretudo pelo corpo diretivo e docente foi bastante
diversificado e intenso, mesmo com sua existência efêmera.
Mott (et al, 2007) assinala a presença de autoridades governamentais na insta-
lação oficial da Universidade Livre, ocorrida em março de 1912, bem como a participa-
ção do senador do Estado, Antonio Candido Rodrigues e do diretor do Serviço Sanitário,
o médico Emílio Ribas na celebração do início letivo, em maio do mesmo ano. Esses
elementos permitem dimensionar o impacto político do empreendimento. Os autores
ainda destacam que, na composição do corpo docente foram convidados:
22
Ver: Ulysses Paranhos. Disponível em: <www.memoriall.com.br/0091A#.W1ZSZNJKiM8>.
Acesso em 20 de novembro de 2017.
36
se nota pelos torneios esportivos universitários incorporados como práticas em institui-
ções públicas.
As fontes consultadas no fundo da Coleção da Universidade Livre de São Paulo
são outros componentes que merecem destaque, sobretudo os cadernos de matrículas,
prontuários de alunos e os livros de registros dos docentes que, de alguma forma, me
permitem identificar protagonistas da História da Educação e dos Intelectuais, essenci-
almente reconstruir a trajetória nas estruturas das redes de sociabilidade de Osório Ce-
sar. Entre os agentes das estruturas de sociabilidade localizados no fundo da coleção da
Universidade Livre, identifico Ulysses Paranhos, Francisco Franco da Rocha e Antonio
Pacheco e Silva, sujeitos que estiveram diretamente conectados a Osório Cesar.
O médico Antonio Carlos Pacheco e Silva23 ex-diretor do Hospital do Juquery
figura entre os alunos da Universidade Livre de São Paulo. Os registros apontam que
Pacheco e Silva inicia como ouvinte do curso de farmácia, na sequência se transfere
para medicina, onde cursa até o quinto ano. A exemplo de Osório Cesar e seus contem-
porâneos, quando a Universidade Livre de São Paulo encerra suas atividades em 1917,
Pacheco e Silva também transfere-se para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro
onde obtém o diploma (MOTT et al, p. 2007).
A experiência de sociabilidade e formação na Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro parece relevante para completar o panorama desta primeira etapa da vida e
trajetória de Osório Cesar.
A criminologia positiva de Lombroso pautou as principais bases para as con-
cepções das diretrizes da psiquiatria brasileira. Ainda como estudante de medicina da
Faculdade da Praia Vermelha, no início dos anos de 1920, Cesar passa a integrar a
equipe do Laboratório de Análises Clínicas e Bromatológicas do Asilo de Alienados do
Juquery, como praticante, o que corresponde no tempo presente à residência médica.
No segundo semestre desse mesmo ano a Folha da Noite24, anunciava a nomeação de
José Figueiredo de Lacerda Franco para substituir interinamente Osório Cesar no Labo-
ratório do Hospício do Juquery. Embora, a comunicação não explicite os motivos do
pedido de afastamento do Cesar, outra publicação, dois anos mais tarde, parece sinalizar
os passos do jovem estudante. A nota anunciava o retorno de Cesar como médico
23
Ver: Antonio Carlos Pacheco e Silva Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B4nio_Car-
los_Pacheco_e_Silva>. Acesso em 20 de novembro de 2017.
24
Ver nota na seção Hospital de Juquery. Folha da Noite, edição 874, 10/10/1923. Disponível em
Acervo Folha S. Paulo.
37
praticante do “Hospício de Juquery”, do qual esteve licenciado por quase dois anos para
“prestar serviços” no 13º Regimento de Infantaria, na Capital Federal” (Folha da Noite,
5/5/1925, p. 3).
Fagundes (2010), observa que nesse mesmo período, constatava-se a crescente
insatisfação de parte da população brasileira contra o “viciado quadro político-eleitoral”,
o qual beneficiava principalmente as elites políticas dos Estados de Minas Gerais e São
Paulo. O autor assinala que o período fora pontuado por movimentos de contestação nos
grandes centros urbanos sobre a chamada ‘política do café com leite’ e ressalta que: “as
suas expressões mais conhecidas foram: o movimento Tenentista, a Reação Republi-
cana, a Semana de Arte Moderna, a ‘Revolução de 1924’, a Coluna Prestes e a fundação
do Partido Comunista do Brasil” (2010, p. 128).
Osório Cesar, ao mesmo tempo em que cumpria seus créditos como estudante
de medicina da Praia Vermelha, viveu um período de expressivas mobilizações e emba-
tes; circulando nos espaços e convivendo com os atores da fração médica e artística da
nossa elite intelectual no período. Dessa forma, é possível afirmar que Cesar estava
imerso numa ambiência de calorosas discussões no campo da ciência, das artes e da
política nacional.
Ao concluir o curso de medicina, Osório Cesar foi oficialmente incorporado ao
quadro de servidores da instituição como médico assistente (1925)25. O Asilo de Alie-
nados do Juquery foi, por quase um século, um dos principais polos de produção e di-
fusão de conhecimento científico no campo da saúde mental no país; idealizado, fun-
dado e administrado (1898-1923) pelo médico Francisco Franco da Rocha – militante
do movimento eugênico no Brasil. Franco da Rocha coordenou a reforma psiquiátrica
defendida pelo deputado Alfredo Pujol em discurso na Câmara dos Deputados (1892).
25
Ver nota na seção Hospício de Juquery. Folha da Noite, 5/5/1925, p. 3. Disponível em Acervo Folha
S. Paulo.
38
tornam propriedade dos indivíduos e que instrumentalizam seu modo de pensar e agir
no mundo. Tais ferramentas, a um só tempo, legitimam e reafirmam alguns percursos
discursivos e analíticos e rejeitam, desqualificam outros percursos discursivos e analíti-
cos, separando os iniciados dos não iniciados.
Vale ressaltar que as ferramentas mentais também estão relacionadas aos mo-
vimentos geracionais; ou seja: determinadas as gerações intelectuais compartilham fer-
ramentas mentais próprias de seu tempo. Entendemos que:
39
Alienados de São Paulo (1852) foi inaugurado na Av. São João, primeira unidade des-
tinada exclusivamente ao tratamento dos psicopatas no Estado de São Paulo, que eram
recusados pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, com nove internos. Até aquele
momento os alienados eram mantidos em prisões, nas quais não havia tratamento. Em
1864, o Asilo de Alienados foi transferido para a Rua Tabatinguera. A unidade era ad-
ministrada por um leigo, Frederico Antonio Alvarenga, e seus internos eram visitados
por médicos não especialistas, os doutores Claro Homem de Mello e João César Rudge
(PEREIRA, 2003, p. 154).
Foi nesse contexto que o paulista Francisco Franco da Rocha, recém-chegado
da Europa após um período de estudos e alinhado com as propostas apresentadas no
Congresso Internacional de Alienados de Paris (1889), estabeleceu as bases do novo
modelo assistencial para o tratamento de transtornos mentais: implantação de asilos e
colônias agrícolas. O alienista foi convidado por Cerqueira Cesar, presidente interino
de São Paulo para conduzir a reforma de assistência psiquiátrica e passou a integrar a
equipe médica do Hospício Tabatinguera (1893). O grupo de trabalho para a escolha das
terras para a implantação do Asilo Agrícola foi instituído e composto por Alberto Löef-
gren e Teodoro Sampaio, membros da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo.
Em 1895, por indicação de Löefgren e Sampaio, as terras com 150 hectares à margem
da estrada de ferro Santos-Jundiaí, foi escolhida, a estação Juquery. O arquiteto Ramos
de Azevedo assumiu a tarefa de projetar e construir o novo hospício; em 18 de maio de
1898 a 1ª Colônia Agrícola do Asilo de Alienados do Juquery foi inaugurada com 80
pacientes, e instaurando um modelo de atendimento calcado na noção de higienização
social que traduz, até hoje, marcas significativas na geografia e na identidade da cidade
de Franco da Rocha.
Diwan (2007) observa que, a teoria eugênica defendida por Francis Galton
(1822-1911), publicada no livro Heditary Talent and Character, em 1873, é considerada
sua obra mais conhecida. A eugenia, um termo originário do grego, significa “bem nas-
cido”. A autora afirma em sua obra que “A eugenia surgiu para validar a segregação
hierárquica”. O movimento eugênico teve abrangência mundial e grande aceitação na
época, motivando diversos movimentos ideológicos, sobretudo com impacto na educa-
ção (p. 37-46).
O médico Franco da Rocha, que integrou o quadro de docentes da Universidade
Livre de São Paulo, foi, também um dos fundadores da Sociedade Eugênica de São
40
Paulo (SESP) – a primeira sociedade de eugenia da América Latina – fundada por Re-
nato Kehl em janeiro de 1918. No Brasil o movimento eugênico, influenciou diversas
práticas sociais, interferindo sobretudo em propostas educacionais elaboradas nas pri-
meiras décadas do século XX. Nesse período a teoria da degenerescência ganhou força
no cenário nacional como pressuposto e estratégia central de um processo de evolução
civilizatória e melhoria da raça.
Souza (2007) assinala que, na sociedade eugênica, entre os membros com car-
gos administrativos, encontrava-se os médicos Arnaldo Vieira de Carvalho (presidente);
Olegário de Moura (vice-presidente); Renato Kehl (secretário Geral); T.H. Alvarenga e
Xavier da Silveira (segundo secretários); Argemiro Siqueira (tesoureiro arquivista); e o
sanitarista Artur Neiva. O fundador do Hospital Psiquiátrico de Juquery, Franco da Ro-
cha era integrante do conselho consultivo da agremiação. A Sociedade Eugênica tinha
entre seus objetivos – de acordo com seu estatuto – publicado nos Annaes da Eugenia:
A última década do século XIX foi marcada por expressivas modificações com
o crescente processo de industrialização e urbanização em todo o mundo. Evidenciou-
se, desse modo, a necessidade de preparar o país para o desenvolvimento. O lema “Or-
dem e Progresso”, forjado na bandeira nacional como ideário republicano, por pensado-
res positivistas, como fio condutor da nova identidade nacional, foi contestado por gra-
ves conflitos de ordem política e social no Brasil, determinando assim uma transforma-
ção significativa da mentalidade intelectual brasileira.
Os reflexos econômicos e sociais da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) in-
fluenciaram sobremaneira os debates sobre a identidade nacional no Brasil nas primeiras
décadas do século XX. Nesse sentido, Souza (2008), observa que as autoridades se apro-
priam da medicina, a higiene e a eugenia como “um conjunto de ferramentas civiliza-
doras e salvacionistas, como práticas essenciais no processo de reforma social e de cons-
trução de uma nova nacionalidade” (2008, p. 151).
41
A leitura socialmente legitimada à época era de uma sociedade marcada pelo
adoecimento, localizado no flagelo da população de indesejáveis que circulavam pelos
grandes centros urbanos, na expansão desordenada das moradias que conformava con-
dições de vida consideradas insalubres e indecentes nos cortiços e na relação direta entre
esses dois fenômenos sociais e comportamentos, identificados com a população mais
pobres e considerados primitivos, como o alcoolismo, a prostituição, a violência e do-
enças como a tuberculose e a sífilis (GUALTIERI, 2008, p. 93). Nessa perspectiva,
estabelecem diretrizes para operar a intervenção social com o propósito de regular a
qualidade de vida e dinâmicas sociodemográficas.
O conceito de eugenia surgiu no final do século XIX, em um estudo elaborado
pelo antropólogo naturalista inglês Francis Galton, para designar o indivíduo “bem nas-
cido” (1883), os pressupostos pautados pela teoria do Evolucionismo Social de Charles
Darwin (1809-1882) – do qual Galton era primo – e de estudos de naturalistas como
Alfred Russel Wallace (1823-1913) e Ernest Haeckel (1834-1919), os quais defendiam
a imprescindibilidade no controle do aumento populacional dos pobres e poucos dotados
intelectualmente.
No Brasil, no período pré-abolição, os defensores da Lei do Ventre Livre
(1871) provocaram intensos debates para definir como a população escrava seria incor-
porada à “nova ordem social” com trabalho livre, que demandasse alguma instrução
(LOVATO; GOUVÊA, 2017, p. 54). Nesse sentido, a escola era apontada por integran-
tes do movimento abolicionista como instrumento imprescindível na transformação des-
ses indivíduos em profícuos trabalhadores. Contudo, logo após a libertação dos escravos
(1888), as discussões foram abandonadas; a ausência de políticas públicas que assegu-
rassem o acesso aos direitos fundamentais – educação, saúde, moradia emprego e renda
– aumentou expressivamente os indicadores de exclusão social no país.
A teoria galtoniana desvelava-se para uma expressiva parcela dos formuladores
das políticas públicas como a solução científica para a regeneração humana. Gualtieri
(2008) observa que as “ideias eugênicas transformaram-se em importantes armas ideo-
lógicas para aqueles que buscavam justificar o domínio de uma determinada classe so-
cial ou de um grupo étnico sobre outro” (p. 94).
Seguindo a tendência mundial, as discussões sobre eugenia foram introduzidas
no Brasil nas primeiras décadas do século XX, seus pressupostos foram pautas recor-
rentes no campo intelectual e científico debatidas/defendidas especialmente entre
42
médicos, higienistas, juristas e educadores. A compreensão etnográfica tornou-se prio-
ridade no processo de modernização dos países latino-americanos, encontrar alternati-
vas para a construção de uma nova identidade nacional, reinterpretando o significado da
miscigenação no imaginário do perfil ideal de povo despontou como tarefa basilar.
Embora os princípios tenham adquirido diferentes matizes de acordo com o
território, Gualtieri (2008) observa que “praticamente todos os movimentos eugênicos
priorizaram a educação pública” como componente essencial no processo de homoge-
neização das populações. A autora destaca como marco das discussões sobre eugenia
no Brasil a apresentação do trabalho “Sur lês métis au Brésil” (Sobre os mestiços no
Brasil), pelo médico e antropólogo João Baptista Lacerda, diretor do Museu Nacional
do Rio de Janeiro no Congresso Universal de Raças (1911) em Londres, no qual ele
contraria as explicações de senso comum da época e defende que “os mestiços não eram
inferiores e, portanto, a mestiçagem não deveria ser considerada uma das causas da de-
generação racial”. Para Lacerda, a mestiçagem era a solução para as ações de branque-
amento da nação, deliberada como estratégia biopolítica para controle populacional em
países como o Brasil, constituídos por povos heterogêneos. Como argumento, o antro-
pólogo observou que “graças à mestiçagem, o negro estava desaparecendo e o mestiço
tendia a produzir descendentes brancos, o que levaria ao branqueamento e a homoge-
neização do brasileiro” (p. 95).
O anseio pelo branqueamento do povo brasileiro era tese defendida por repre-
sentantes de importantes setores da sociedade, os quais idealizavam um novo Brasil,
povoado por povos caucasianos, considerados elementos essenciais para a constituição
da nova nação. Ancorados nessa perspectiva, no final da década de 1910, o movimento
eugenista brasileiro se mobilizou por meio de maciça campanha para divulgação das
teorias eugenistas no meio intelectual, liderada pelo médico Renato Kehl, nomeado se-
cretário geral da Sociedade Eugênica de São Paulo (SESP) – declarado admirador da
política de Adolf Hitler26. Entre as personalidades de destaque no movimento eugenista
estavam o professor Fernando Azevedo, nomeado primeiro secretário, o antropólogo e
médico Roquette-Pinto, na organização e divulgação das teorias, juntamente com Mon-
teiro Lobato, Belisário Penna e Octávio Domingues.
Embora os registros indiquem uma existência efêmera – a historiografia evi-
dencia que a Sociedade encerrou suas atividades depois de 12 meses – seus dirigentes e
26
Ver: KEHL, Renato, 1935. Lições de Eugenia. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves.
43
sócios organizaram e produziram uma série de conferências e textos registrados nos
Annaes de Eugenia (1919) e suas ações encontraram ressonâncias no âmbito das políti-
cas públicas por pelo menos duas décadas.
Gualtieri (2008), assinala que o líder do movimento eugenista brasileiro estava
convicto de que a adoção dos pressupostos elaborados por Galton contribuiriam para
aniquilar os sujeitos indesejáveis da orbe, sua tese é explicitada nos registros dos Annaes
de Eugenia: “os indivíduos doentes, incapazes, criminosos e amorais”, assim o planeta
passaria a ser povoado apenas pelos “bem gerados, eugenizados”. Nos argumentos ela-
borados, o autor alertava e indicava a premente necessidade de articulação de agentes
do governo e da instrução pública para a criação de disciplina escolar obrigatória sobre
a “educação eugênica” no ensino primário, assim como no superior. (KEHL, 1919 apud
GUALTIERI, p. 99).
As ressonâncias do movimento eugênico no Brasil é corroborada pela afirma-
ção de Renato Kehl ao justificar a participação de médicos, sociólogos, educadores no
1º Congresso de Eugenia, realizado no Rio de Janeiro (1929): “mesmo com o fim da
Sociedade, a iniciativa não foi interrompida: ‘a cruzada eugênica, apesar de tudo conti-
nuou [...] Uma prova de que o entusiasmo não arrefeceu é este Congresso. Que ora se
realiza’” (GUALTIERI, 2018, p. 484).
O final da década de 1920 foi caracterizado pelos embates entre os integrantes
do movimento, os quais procuram definir os contornos e o alcance da higiene e eugenia,
cada qual de acordo com a corrente teórica adotada como base conceitual. De um lado
os eugenistas conservadores pautados pela corrente teórica galtoniana, como Renato
Kehl; e de outro, os de matriz mendeliana27, representado por Roquette-Pinto28, defensor
da eugenia positiva, o qual argumentava que, na sua perspectiva, a mestiçagem brasi-
leira não representava uma degeneração.
Na obra Lições de eugenia (1935), Renato Kehl defende a adoção de medidas
intervencionistas, para tanto, estabelece a perspectiva conceitual classificada em três
ações: “eugenia negativa, positiva e preventiva”. Gualtieri (2008), observa que:
27
Ver: Gregor Mendel. Disponível em //www.ebiografia.com/gregor_mendel/. Acesso em 10 de maio
de 2018.
28
Ver: Edgar Roquette-Pinto. Disponível em //cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-repu-
blica/ROQUETTE-PINTO.pdf. Acesso em 10 de maio de 2018.
44
indivíduos considerados indesejáveis, por exemplo, pela prática da es-
terilização compulsória” (2008, p. 99).
[...] Meu trabalho foi facilitado, pois entrei para o Juquery ... Curei
muitos doentes mentais pela arte ... Fiz muitas exposições de seus tra-
balhos aqui, no Rio, em Paris, sempre pioneiramente ... Por que não,
a cura pela arte? ... Van Gogh não era um louco, e, hoje, não é consi-
derado um gênio? ... Acho que fiz umas 50 exposições desse tipo, e o
Rebolo e toda a geração de 40/50 devem se lembrar das mostras dos
psicopatas no Clubinho dos Artistas ... Mas, a mais importante, foi a
que levei para a Sociedade de Psicologia de Paris, onde falei a mais
de 200 médicos ali reunidos ... Pena com exceções, esse movimento
não tivesse continuado até hoje (KAWALL, Caderno Ilustrada, Fo-
lha de S. Paulo, 12/8/1979, p. 60).
29
TARTAGLIA, Ana R. Consulta sobre Osório Thaumaturgo Cesar. [mensagem pessoal]. Mensagem
recebida por <regianemendes@hotmail.com> em 5/1/2017.
46
2 As questões da arte-educação
47
campo da História da Arte paulista indicam que Freitas Valle é considerado um dos mais
dominantes personagens, sobretudo por suas articulações para a consolidação da política
educacional e a concessão de bolsas a diversos artistas nas duas primeiras décadas no
século XX. Valle, participou da fundação da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1905),
da comissão organizadora da 1ª Exposição Brasileira de Belas-Artes (1911), figura
como sócio fundador da Sociedade de Cultura Artística (1912), e participou ainda da
Comissão Fiscal do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo, regulamentado na-
quele mesmo ano.
É essencial assinalar que o interesse pelo ensino da arte não era uma pauta
nova, mas, até aquele momento, o ensino de arte no Brasil era norteado pelos conceitos
implantados pela Missão Artística Francesa, liderada por Lebreton, que desembarcou
no Brasil (1816) a convite de Dom João VI, com a tarefa de criar a Academia Imperial
de Belas Artes do Rio de Janeiro, fundada 10 anos mais tarde. Camargos (2001) revela
que:
[...] São Paulo não contava com instituições de ensino superior na área
de música ou artes plásticas. Apenas o Liceu de Artes e Ofícios, fun-
dado em 1873 como Sociedade Propagadora da Instrução Popular
para formar artesãos em ferro e vidro, cerâmica e madeira, iria por
sugestão de Ramos de Azevedo ministrar cursos de artes a partir de
1895. Isso porque dois projetos, datados de 1892 e 1893, para a cria-
ção de um Instituto Paulista de Belas Artes, jamais saíram do papel.
Para contornar o problema, o governo implementou uma série de leis
amparando os aspirantes à carreira artística (2001, p. 159).
48
uma com sete peças. Parte da série foi musicada e interpretada em São Paulo, Rio de
Janeiro e Buenos Aires (1916-1919).
O movimento Simbolista despontou na França, na segunda metade do século
XIX, como movimento de contestação ao materialismo cientificista, tendência intelec-
tual de base positivista, prescrevia a adoção do método científico na investigação em
todas as áreas do saber e da cultura. Em contraposição ao materialismo cientificista e
evolucionista, os autores simbolistas procuraram recuperar certos valores do Roman-
tismo, preteridos pelo Realismo. Segundo a proposta simbolista, a arte e a literatura não
poderiam ser manifestadas somente sob o ponto de vista da realidade, era necessário
considerar a subjetividade do indivíduo, valorizando o imaginário, o inconsciente. Neu-
ndorf (2009), nota a origem do Simbolismo na obra de Baudelaire:
49
Camargos (2001) observou que Cesar integrava o conjunto musical do dispu-
tado e prestigiado salão paulistano de Freitas Valle ao lado de Souza Lima no violon-
celo, Carlos Pagliuchi na flauta, João Gomes Júnior no piano, Carlos Campos no con-
trabaixo, Ernesto de Marco como cantor e Santino Giannattasio como tenor, contratados
para animar a programação cultural semanal às quartas-feiras.
30
Ver: Partido Republicano Paulista (PRP). Disponível em: <www.fgv.br/cpdoc/acervo/diciona-
rios/verbete-tematico/partido-republicano-paulista-prp>.
50
o mais completo exemplar do que houve em São Paulo de um traço característico da
Belle Époque, a estetização da vida, baseada na concepção segundo a qual o quotidiano
deve transformar-se em obra de arte” (CAMARGOS, 2001, p. 12).
Camargos (2001) evidenciou a importância da Villa Kyriall no fomento à arte
e cultura. Contudo, alertou que é preciso interpretar o espaço de expressão de uma elite
sedenta pela inculcação de um modelo civilizatório, preservando status e privilégios. A
Villa Kyriall é apontada pela autora como o principal núcleo de convívio e centro de
poder na tomada de decisões, “gerido por elite estrita e entrelaçada – esse salão contri-
buiu para configurar o campo intelectual do período” (p. 16).
Ainda que a Villa Kyriall seja reconhecida como o principal locus de discus-
sões no campo artístico-literário paulista, é necessário destacar outras estruturas de so-
ciabilidade, tais como a predecessora de Freitas Valle: Veridiana Prado – considerada
uma das pioneiras do feminismo no Brasil – a aristocrática residência conhecida como
chácara Dona Veridiana31 era aclamada como badalado ponto de encontro de intelectu-
ais, políticos e artistas; sediou eventos culturais e sociais, impulsionou debates políticos
e literários, outros ambientes semelhantes foram as residências de Olívia Guedes Pen-
teado com seu palacete eclético, projetado por Ramos de Azevedo, cravado nos Campos
Elísios, e de Laurinda Santos Lobo, no Rio de Janeiro.
Ao mesmo tempo em que circulou nos salões de Freitas Valle, seja como mú-
sico ou como estudante engajado nos movimentos artísticos, culturais, políticos e soci-
ais da aristocrática São Paulo nas décadas de 1910-1920, Cesar apresentava-se como
violinista na programação cultural do Centro Acadêmico da Universidade Livre de São
Paulo nos saraus no Salão do Conservatório Dramático Musical. O conjunto de notas
localizadas em periódicos da época atestam sua participação; nas publicações, Cesar era
anunciado entre as atrações, nas quais nota-se uma profusão de elogios acerca dos pre-
dicados do jovem paraibano:
31
Ver: Veridiana Valéria da Silva Prado. Disponível em: <http://www.saopauloinfoco.com.br/veridi-
ana-da-silva-prado/>. Acesso em 15 de dezembro de 2017.
51
No ano seguinte seu nome figurava entre os destaques musicais do sarau:
Camargos (2002) nota a presença de Cândido Mota Filho, Menotti Del Picchia
(repórter do Correio Paulistano, órgão do partido), Guilherme de Almeida, Mario de
Andrade, Antonio Piccarolo, Lasar Segall, Villa-Lobos, Coelho Neto, José Oiticica, Go-
dofredo da Silva Teles, Haddock Lobo, Fernando de Azevedo Cassiano Ricardo e Plinio
Salgado, os três últimos (filiados do PRP), entre outros.
No campo das ciências médicas, Cesar era leitor das principais bibliografias
internacionais, considerado o que havia de mais moderno e avançado para a época; ao
52
mesmo tempo em que elaborava ensaios científicos e se aproxima de iminentes autori-
dades da medicina. Sua chegada ao Hospital de Alienados do Juquery, como praticante,
coincide com outro momento pouco comentado na sua historiografia, seu romance com
Olga Ferreira de Barros. Numa edição do ensaio filosófico A Chimica da Vida, a con-
tracapa revela dedicatória manuscrita e assinada na qual Osório Cesar grafa: “Olga, é
teu com todo o afeto do meu coração” (1923). Os fragmentos coletados indicam que o
casal tenha se aproximado durante o percurso estudantil na Universidade Livre. Do ca-
samento de Olga Ferreira de Barros e Osório Cesar nasce Therezinha Cesar (Maria
Thereza de Barros Cesar Maragliano). Ao revisitar o contexto sociocultural da mulher
brasileira nas primeiras décadas do século XX, as narrativas historiográficas revelam
que Olga de Barros Cesar foi uma das mulheres pioneiras em pesquisas científicas na
cidade de São Paulo. A jovem Olga Ferreira de Barros, cortejada por Cesar – na dedi-
catória do folhetim –, figura entre as três primeiras trabalhadoras oficiais contratadas
do Instituto Adolfo Lutz32, seu registro de ingresso é de 1923 como química.
Ao se casar com Cesar (1925), Olga Ferreira de Barros33 já apresentava uma
carreira consolidada como pesquisadora do Instituto Adolfo Lutz. E é na base de dados
desse mesmo Instituto que localizo a obra Flora micótica das fezes34. A pesquisadora é
inscrita como um dos destaques nos primeiros anos de existência da Associação Paulista
de Farmácia e Química35. Era sobrinha de Alarico da Silveira (1878-1943), advogado e
jornalista, secretário do Interior de São Paulo (1920), responsável pela reforma do Pro-
grama de Ensino das Escolas Primárias (1921). Alarico foi nomeado Secretário da Pre-
sidência da República no governo de Washington Luís, e é apontado como precursor
das enciclopédias no Brasil36. A proximidade de Cesar e Silveira é verificada em outras
ocasiões por meio dos recortes localizados em periódicos, especialmente no registro da
dedicatória de uma de suas obras ao correligionário.
32
Ver: Cf. Laboratório de Bacteriologia do Estado de São Paulo. Disponível em: <www.dichistori-
asaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/labbacesp.htm>. Acesso em 15 de setembro de 2016.
33
Anexo I.
34
Ver: ALMEIDA, Floriano; CESAR, Olga B.; LACAZ Carlos S. Flora micótica das fezes. Revista do
Instituto Adolfo Lutz [Online], 3.2 (1943): 272-280. Disponível em: <//189.126.110.61/rialutz/arti-
cle/view/25116/25983>. Acesso em 25 de novembro de 2017.
35
Ver: Cf. Associação Paulista de Farmácia e Química. Denominações: Associação Paulista de Far-
mácia e Química (1923); Sociedade de Farmácia e Química de São Paulo (1924). Disponível em:
<www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/socfarquisp.htm>. Acesso em 10 de outubro de
2016.
36
Ver: DA FONSECA, Edson N. O negócio das enciclopédias. Ciência da Informação, v. 1, n. 2, 1972.
Disponível em: <//revista.ibict.br/ciinf/article/view/12>. Acesso em 18 de setembro de 2017.
53
2.2 A arte e a educação nas discussões sobre o Brasil do início do século XX
As décadas de 1920 e 1930 foram marcadas por embates que pautaram a ela-
boração de um projeto de nacionalidade e, em sintonia com ele, de um programa para a
reformulação da educação brasileira. Nesse sentido, um grupo de educadores e intelec-
tuais brasileiros passou a debater de forma correlata, os sentidos da nacionalidade e da
cultura brasileira e os rumos da instrução pública. Desempenharam papel fundamental
nesse processo educadores como Fernando Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira
– organizados em associações e dirigindo projetos editoriais. Carvalho (1989) assinala
que:
Em sintonia com esse processo, também no campo das chamadas Belas Artes,
durante as comemorações do centenário da independência do Brasil (1922), as estruturas
de sociabilidade foram mobilizadas pela Semana de Arte Moderna37, promovida por
Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Mario de Andrade e Oswald de Andrade. Esse movimento
propõe o rompimento com as tradições/retóricas positivistas europeias, contesta o clas-
sicismo imposto pela Academia de Belas Artes no processo de ensino e aprendizagem.
Camargos (2002) observa os acontecimentos inusitados que despontavam no
cenário paulistano para aquele ano. A autora revela que, já nos primeiros dias, a notícia
de um abalo sísmico de pequena proporção sentido na cidade de São Paulo e a fuga de
presos da cadeia pública da capital foram destaques nos principais periódicos. Contudo,
na sequência da narrativa sobre os primeiros dias do início biênio da década de 1920,
adverte:
[...] O choque maior, porém, ainda estava por vir. Perdidos entre as
páginas dos jornais de fevereiro, pequenos “reclames” anunciavam o
Festival de Arte Moderna, que fora abrilhantado pelo “concurso” de
Guiomar Novais e de Heitor Villa-Lobos.
37
Ver Semana de Arte Moderna (1922: São Paulo, SP). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e
Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultu-
ral.org.br/evento84382/semana-de-arte-moderna-1922-sao-paulo-sp>. Acesso em: 28 de janeiro de
2017.
54
Mas quem se dispôs a desembolsar 186 mil réis que davam direito às
três récitas levou um susto. Ao transpor os treze degraus de acesso ao
Teatro Municipal, os cavalheiros de fraque e cartola, acompanhados
por damas elegantemente vestidas, paravam estarrecidos. E não era
para menos. Convertido em museu improvisado, o suntuoso hall apre-
sentava pinturas e esculturas que, com raras exceções, desdenhavam
de todos os cânones artísticos até então considerados nas melhores
academias do país e d’além mar (CAMARGOS, 2002, p. 17-18).
A autora ainda observou que o Manifesto Futurista trazido da Europa por Os-
wald de Andrade (1912), serviu de base para a elaboração do que seria anos mais tarde
reconhecido como movimento modernista, entretanto, não foi bem aceito, sobretudo por
38
Ver: Os sapos, poema completo. Disponível em: <http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/pro-
jetos/educativo/acerto3.html>. Acesso em: 28 de janeiro de 2017.
55
Mario de Andrade. O movimento ambicionava a consolidação de uma nova estética ex-
perimental com contornos tipicamente brasileiros.
Ao contrário dos pressupostos eugenistas, os modernistas apresentavam a mes-
tiçagem como atributo brasileiro, por isso, defendiam que deveria ser consagrada.
Nesse sentido, postulavam a necessidade da criação de uma identidade que contem-
plasse o povo Tupiniquim, representando desse modo a multiplicidade do país. O es-
forço empreendido para a construção dessa identidade teve Mário de Andrade como seu
articulador central. Schwarcz e Starling (2015) asseveram que Macunaíma surge como
um clássico “ao descrever as desventuras desse herói brasileiro, alijado do padrão mais
universal [...]”. E complementam que:
56
pressupostos do movimento surrealista: André Breton, Benjamin Péret, Louis Aragon,
Phillip Soupat e Paul. Sobreviventes da Primeira Guerra Mundial circunscrevem no
primeiro Manifesto Surrealista (1924) sua revolta pela barbárie que dizimou parte da
humanidade (PUYADE, 2004, p. 2). As teorias freudianas também foram fundamentais
na conformação da base do movimento, sobretudo a teoria dos sonhos que subsidiou as
proposições da expressão livre por meio do subconsciente.
Nos escritos de Osório Cesar a busca pela estruturação de um corpus teórico
dos estudos acerca das conexões entre arte e loucura, também se evidenciava. Nesse
sentido, seu artigo A arte primitiva nos alienados: manifestação escultórica com caráter
simbólico feiticista num caso de síndrome paranoide (1925), publicado no periódico
Memórias do Hospício de Juquery, é exemplar.
Organizado no formato de ensaio clínico, o artigo descreveu o caso de um pa-
ciente que modelava pequenas figuras religiosas em argila. Analisou a composição for-
mal das figuras, sobretudo, as causas psicológicas, ou seja, os gatilhos que desencadea-
ram a produção escultórica. O autor observou a semelhança das modelagens produzidas
com a do formato das esculturas africanas feiticistas (deuses africanos), assinalou a afro-
descendência do artista louco e concluiu que as produções são manifestações simbólicas
inconscientes da cultura africana, considerando que esta era a herança cultural-religiosa
do paciente. Para justificar seus argumentos, registrou no rodapé uma nota explicativa
na qual revelava a origem do vocábulo e a transcreveu na íntegra:
Cesar (1925) assinalou que as imagens são de culto religioso. Pautado pelas
inscrições gravadas nas bases das esculturas, o autor as classificou como obras de arte.
Considerando que o conceito de beleza, para o pensador estava associado à constituição
e aos valores culturais de um povo.
57
Para fundamentar seus argumentos sobre os valores culturais de cada socie-
dade, Cesar (1925) cotejou a arte dos loucos do Juquery com a arte “decadente italiana”,
com base nos estudos produzidos por Charcot e Richer acerca da “célebre cabeça de
Maria, da Igreja de Santa Maria Formosa”. Nesse sentindo, a citação grafada pelo autor
indica que os estudos sobre as conexões entre arte e loucura eram produzidos por Char-
cot e Richer no Hospital Salpêtrière em Paris desde o fim do XIX.
O autor, pautado pelos pressupostos da corrente mendeliana, defendeu a liber-
dade de expressão do artista, observou que a estética futurista, conceito propugnado pelo
movimento modernista, apresentou vários pontos em comum com a arte produzida nos
manicômios. Cesar (1925) destacou que as deformidades na arte não são características
somente dos loucos e artistas modernos, revelou ainda que foram estudadas desde a mais
remota antiguidade. Destacou a citação dos pesquisadores do Hospital Salpêtrière
acerca de uma obra, a “mais antiga escola do Egito, a escola menfita [...] (CESAR, 1925,
p. 124)”. Nessa perspectiva, assinalou que a beleza não é uma manifestação da escola
clássica, instituída para uma fruição universal, é só uma questão da influência do meio
em que está inserido.
Embora o estudo seja de caráter científico, as manifestações criativas de indi-
víduos com sofrimentos/transtornos mentais são evidenciadas nas análises. A arte pri-
mitiva, beleza, arte africana, cultura nacional, são temas incomuns para um estudo de
caráter psiquiátrico para debater a capacidade criativa, sobretudo para a publicação em
um periódico científico. Para fundamentar sua asserção, o autor dialogou com pensado-
res que abordam temáticas como afronegrismo, arqueologia egípcia, arte grega, civili-
zação primitiva, a origem da religião entre outros; apresenta elementos da história da
arte egípcia, italiana, grega, africana, fenícia, assim como o impressionismo e cubismo;
concluiu que as produções eram manifestações simbólicas inconscientes da cultura afri-
cana, observando que essa era a cultura de origem do paciente (imaginário).
No final da década publicou a consolidação dos resultados de seis anos de es-
tudos e observações, na obra A expressão artística nos alienados: contribuição para o
estudo dos símbolos na arte (1929). Ferraz (1998), assinalou que a sistematização orga-
nizada e difundida pelo autor nesse estudo foi “uma obra de referência obrigatória não
somente para aqueles que se dedicavam à psiquiatria, mas também para a intelectuali-
dade de nosso país” (p. 49). A obra tem prefácio assinado por Motta Filho, partidário
dos ideais modernistas, o advogado e escritor figurou entre um dos fundadores da
58
SBPSP, visitou o Hospital de Juquery entre os anos de 1927-1929. Na apresentação
Cesar (1929) advertiu:
59
O pensador apresentou um panorama acerca das concepções antigas para a lou-
cura e dissertou sobre o misticismo que envolviam/orbitavam os povos antigos das re-
giões da Mesopotâmia e do norte da África – como a Caldeia, a Assíria e o Egito, os
quais acreditavam que todas as atividades do universo eram impelidas por sortilégios e
que seus efeitos operavam sobre os homens, por isso, as doenças, compreendendo a
loucura, eram acarretadas pela possessão de espíritos demoníacos. Cesar referenciou os
tratados de filosofia e medicina gregos, dedicou especial atenção à analogia matéria-
espírito, apresentada nos diálogos platônicos, sobretudo com nexo de causalidade exis-
tente entre as perturbações da alma e patologias físicas. O pensador reafirmou sua tese
inscrita em suas produções anteriores de que a compreensão da enfermidade se dava
com base nessa teoria que buscava a cura e a saúde por meio do tratamento da alma.
Ele observou que as composições apresentavam qualidade ambígua, assim,
para a compreensão da produção artística dos alienados e análise das conexões entre arte
e loucura, Cesar pautado pelo sistema classificatório de Kraepelin39 organizou e apre-
sentou o primeiro sistema classificatório da arte dos alienados, como diretriz na estru-
turação do comparativo, divididos em quatro categorias de arte: arte do primitivo, arte
primitiva, arte clássica e arte de vanguarda. As categorias sistematicamente comenta-
das e acompanhadas de imagens, permitiam comparações entre a manifestação simbó-
lica dos alienados e obras de arte. Cada uma delas concebida com base em concepções
artísticas peculiares, as quais sugeriam equivalência entre os estilos artísticos e o desen-
volvimento da mente humana. Para isso, recorreu à extensa literatura internacional sobre
os pintores impressionistas, estética, arqueologia e loucura.
Pautado por pensadores contemporâneos, o autor definiu a arte do primitivo
influenciado pelos predicados da psique do homem paleolítico como base comparativa;
para a arte primitiva sobressaiu as características do pensamento totêmico. Para a arte
clássica, o debate foi moderado em torno das convenções sobre as produções plásticas,
o qual preconizava o fazer artístico seguindo os modelos da representação. A arte de
vanguarda estava relacionada à etapa de desenvolvimento anímico no qual o indivíduo
estava liberto da censura dos fenômenos mentais determinado pela educação e conven-
ções sociais, possibilitando acessar desse modo as tramas inconscientes.
39
Ver: Emil Kraepelin. Disponível em: <broughttolife.sciencemuseum.org.uk/broughttolife/peo-
ple/emilkraepelin>. Acesso em 10 de julho de 2018.
60
Para ele, a concepção de um sistema classificatório para as expressões plásticas
dos alienados era fator imprescindível na compreensão de quais conexões o pensamento
humano conservava ainda como seu modo primeiro de inteligência, isto é, com o axioma
simbólico. As categorias foram concebidas para determinar e organizar as diferentes
manifestações do pensamento simbólico nos alienados com comparações dos estilos ar-
tísticos. Cesar descreveu em seu estudo que, seu desejo na metodologia proposta era
somente criar um sistema que fosse utilizado como diretriz de estudo e não como estru-
tura rígida de classificação.
No campo da arte, a década de 1930 em São Paulo é pautada pelo lastro dos
acontecimentos renovadores perpetrados pelos intelectuais envolvidos na organização
da Semana de 22. O Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade (1928), tinha como
objetivo articular a noção de canibalismo com a finalidade de reafirmar a capacidade do
povo brasileiro de se reinventar. Gonçalves (1990), destacou que a movimentação em
torno das produções plásticas é cada vez mais intensa, surgem novos valores que irão
constituir o assoalho para a consolidação definitiva do conceito de arte moderna, ob-
serva que o Grupo Santa Helena, composto por Aldo Bonadei, Francisco Rebolo Gon-
çalves, Fulvio Pennacchi, Humberto Costa, Alfredo Rizzotti, Alfredo Volpi, Clóvis Gra-
ciano, Manoel Martins e Mario Zanini “exercerá papel decisivo, como locus de circula-
ção de ideias e consolidação de uma nova proposta do fazer arte” (p. 42-44). Para a
autora, os helenistas representaram o ponto determinante na transformação social no
cenário das artes plásticas, foi a primeira vez que produziram lado a lado, o artista de
origem burguesa e o artista-operário. O registro do depoimento de Clóvis Graciano, gra-
vado na década de 1970, produzido por Gonçalves (1990), reforçou essa constatação:
O Grupo Santa Helena poderia não ter uma tese. Era um grupo mais
de pintores-artesãos, que procuravam reformar a pintura acadêmica, e
havia o trânsito de conhecimento entre todos eles: Volpi, Rebolo, Bo-
nadei, Pennacchi, Rosa. (...) Permutávamos conhecimentos, permutá-
vamos técnica e acabamos fazendo uma coisa, pra época, muito im-
portante” (p. 42).
Mario, é preciso que você envie as suas obras com a máxima urgência
para o sr. David Vigodsky, Mokhovaia, 9 Leningrad. Pois este sr. está
encarregado pelo governo soviético de escrever a história da literatura
contemporânea hispano-americana para a grande enciclopédia sovié-
tica em preparação. Ele está a par da literatura argentina. Do Brasil
conhece somente alguns clássicos e entre os novos, Guilherme, atra-
vés de uma tradução espanhola, e Jorge de Lima.
Peço a você também, o favor de falar aos outros rapazes daí que man-
dem trabalhos. Por exemplo: Alcântara Machado, Menotti etc.
O seu livro foi entregue ao prof. Braude, da Universidade de Moscou
(cadeira de história da música).
Saudades do Osório [Leningrado, 9/7/1931] (p. 112).
62
Gomide (2014), revelou que David Vygódski (1893-1943), poeta, crítico, tra-
dutor (de vinte idiomas), primo de Lev Vygotsky, foi um dos primeiros estudiosos da
cultura latino-americana na Rússia. Apontado como um dos intelectuais mais brilhantes
da literatura e cultura daquele país. O autor observa que Vygódski foi responsável por
organizar, preparar coletâneas e estudos acerca da literatura brasileira, para publicação
na Grande enciclopédia soviética; considerado um membro obstinado dos principais
movimentos e grupos artísticos das décadas de 1910 e 1930, entre os quais o formalismo.
Como interlocutor, manteve contato, por meio de correspondências, com vanguardas de
diversos países, muitos deles conectados por Osório Cesar. Entre eles, escritores, artistas
e intelectuais brasileiros.
De acordo com a relação de poemas brasileiros traduzidos por Vygódski (1927-
1932), recuperada por Gomide (2014), presume-se que o “Guilherme” mencionado por
Cesar e o “Gui” indicado por Mario Andrade na troca de missivas, seja o escritor Gui-
lherme de Almeida (p. 317):
63
O retorno ao Brasil é marcado pelo seu declarado engajamento político, sobre-
tudo pelo seu interesse pelo marxismo evidenciado em dois de seus livros publicados
após essa viagem à Rússia: Onde o proletariado dirige: visão panorâmica da URSS
(1932) com prefacio em francês, assinado por Henri Barbusse, escritor, ex-diretor do Le
Monde, e ilustrado por Tarsila do Amaral. Nesse mesmo período, o pensador passou a
ser investigado por agentes do DEOPS, que o levaria à prisão pela primeira de diversas
detenções. Sua proximidade com os principais pensadores marxistas europeus é atestada
em relatórios e depoimentos dos prontuários do DEOPS e no Instituto de Estudos Bra-
sileiros (IEB).
Amin (2009) assinalou que a “Mês dos Loucos e das Crianças”, organizado e
promovido pelo artista Flávio de Carvalho e Osório Cesar, no Clube dos Artistas Mo-
dernos (CAM)40, entre 28 de agosto a 28 de outubro de 1933, foi a primeira exposição
dos desenhos dos loucos do Juquery e de crianças de escolas públicas de São Paulo,
seguida de uma série de conferências, nas quais artistas, intelectuais, médicos e pesqui-
sadores debateram acerca das conexões entre arte e loucura com temas como:
40
A fundação do Clube dos Artistas Modernos (CAM) foi liderada por Flávio de Carvalho (1899 - 1973),
que teve o apoio dos artistas Antonio Gomide (1895 – 1967), Carlos Prado (1908 - 1992) e Di Caval-
canti (1897 - 1976) como colaboradores na constituição do CAM.
64
criada pelas imagens elaboradas por crianças, em quase nada se diferencia da arte pro-
duzida pelos loucos, ou seja, são manifestações espontâneas do inconsciente, desprovi-
das dos elementos classicistas propugnado pelas academias, portanto, deveriam ser re-
conhecidas como arte. Coutinho (2002), observa que as primeiras investigações acerca
do desenho infantil tem seu marco no final da década de XIX, pautados por movimentos
de diversos centros de pesquisas europeus e americanos, nos quais estudiosos nos cam-
pos da psicologia, da pedagogia e da arte se dedicaram a analisar e sistematizar teorias
sobre a importância da valorização da arte bruta (p. 171). Os estudos procuravam na
perspectiva científica compreender a psicogênese do homem cotejando o desenvolvi-
mento da criança e a evolução dos povos primitivos. No campo da arte foram utilizados
como referenciais para a reflexão e desconstrução da metodologia aplicada no ensino e
aprendizagem dos processos criativos. Nesse sentido, retomamos aqui, a narrativa pro-
duzida por Fabris (1981), na qual assinala que a Semana de 33 foi assentada pelos críti-
cos de arte da época como “um ataque frontal aos métodos e à estética” prescritos pela
Escola Nacional de Belas Artes.
Verifica-se que o movimento liderado por Flávio de Carvalho e Osório Cesar
se materializou como um dos marcos das discussões acerca da estética e rupturas da
história da arte no Brasil. Ao cotejar as observações assinaladas por Amin (2009) e Fa-
bris (1981), é possível notar que a Semana de 33, sob vários aspectos, foi o segundo
momento mais importante da história da arte no Brasil, depois da Semana de Arte Mo-
derna em 22.
Paralelamente, Osório Cesar publicou Que é o estado proletário? (1933), com
capa ilustrada pelo artista Flávio de Carvalho. Nesta obra propõe reflexões sobre a vida
do operário na Rússia soviética, seguido de um estudo sobre seguro social operário.
No ano seguinte, publicou o estudo A arte nos loucos e vanguardistas (1934),
nesse estudo Cesar apresenta o processo de ensino e aprendizagem em arte-educação
desenvolvido na seção de Artes do Hospital do Juquery com “base na autoexpressão”
(FERRAZ, 1989, p. 68.). A obra é resultado dos estudos empreendidos por Cesar para
a conferência de abertura proferida no “Mês dos Loucos e das Crianças”, em 30 de
agosto de 1933. O autor elaborou um estudo comparativo entre a arte dos indivíduos
com transtornos mentais (loucos) e a arte de vanguarda. Cesar (1934) discorreu sobre
os processos sinestésicos e a relação com a produção dos artistas loucos, a visão psica-
nalítica sobre a estética nas produções artísticas, pautado pelas teorias freudianas. A
65
obra tem prefácio assinado por Neves-Manta que reverencia o autor como o maior e
principal pesquisador brasileiro das “perquirições psicanalíticas e digressões estéticas”
(p. 11).
O autor (1934) retoma as argumentações acerca do futurismo e do cubismo,
inscritos nas produções textuais anteriores, reverencia o Manifesto Futurista como mo-
vimento revolucionário empreendido por Boccione, Marinetti, Carrara e outros (1909).
Cesar assinala que “o futurismo também nasceu numa época de dinamismo embriaga-
dor. Ninguém mais crê nos dogmas. Não há mais fé cristã. A escravidão nos atormenta”
(p. 21). Para justificar o futurismo como movimento de vanguarda, descreve as mobili-
zações empreendidas pelos artistas futuristas intransigentes, os quais registram “em ma-
nifesto revolucionário” o conselho para que se queimem e destruam as obras clássicas.
Nesse sentido, Silva (2010) aponta que as vanguardas são os movimentos radicais sur-
gidos nas primeiras décadas do século XX. Na perspectiva de Cesar, as vanguardas:
41
Ver: “Vanguarda”. In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013. Disponí-
vel em <www.priberam.pt/DLPO/vanguarda>. Acesso em 10 de junho de 2018.
66
(1993), observou que “esse conceito militar de vanguarda designava uma dissolução
geral de tudo quanto fora sólido em proveito de um princípio arcaico de violência e
poder” (p. 10). Nesse contexto, os movimentos artísticos se apropriaram do termo mili-
tar de “vanguarda” para estabelecer as bases conceituais do movimento revolucionário
no campo das artes.
Na construção da narrativa, na qual explicitou as bases conceituais da arte de
vanguarda, Cesar (1934) apresentou um panorama da história da arte, passou pela An-
tiguidade, Renascentismo, Cubismo, Futurismo, Expressionismo; analisou obras de
Marcel Duchamp, George Braque, Fernand Léger, Robert Delaunay, Marc Chagall entre
outros. Em sua retórica, o pensador alinhado com as discussões estéticas de seu tempo
no campo da arte, reafirmou: “A arte deveria ser dinâmica, reproduzir o movimento que
é a vida” e nota que foi sob essa perspectiva que artistas produziram interessantes tra-
balhos tais como Matéria, de Marinetti (1912); O homem com o bandolim, de Braque
(1912); O rei e a rainha rodeados de nus velozes, de Duchamp (1912); Mulher de azul,
de Léger (1912); O poder da rua, de Carrà e Paris visto de uma janela, de Chagall (p.
21). Para legitimar suas arguições, estabelece os indicadores comparativos para a dis-
tinção sobre a simbologia presente nas produções plásticas, pautados pelo pensamento
do neurologista forense espanhol, Gonzalo Lafora, contemporâneo do médico russo,
Konstantin Tretiakoff, diretor do Laboratório Anatomopatológico do Hospital de Ju-
query (1922-1926).
Assim como nas narrativas anteriores, o discurso eugênico da corrente mende-
liana permeou toda a produção, Cesar (1934) recorreu à religião, mencionou Jesus
Cristo, Maomé e Buda para validar seus argumentos acerca do “novo núcleo dogmático,
seja ele qual for, religioso ou artístico” (p. 27). O pensador, pautado pelas teorias de
Lafora, sugeriu indicações de julgamento da arte, argumentou que no seu tempo, a aná-
lise deveria iniciar do particular para o geral e afirmou que:
Cesar (1934) acrescentou ainda que essas eram as diretrizes de estudo da arte
moderna, não se concentrando somente pela perspectiva estética, mas sobretudo pela
perspectiva espiritual. O autor expõe “resumidamente” dois casos apresentados em
67
parceria com Durval Marcondes, psiquiatra da Inspeção Médico-Escolar (1927). Em
um deles reafirmou as diretrizes sanitárias preconizadas no período, observou traços de
degenerescência, com base no prontuário e nas análises antropométricas:
68
Figueira na Rua Brigadeiro Luis Antonio e o Seibi-kai, um grupo de artistas plásticos
japoneses.
A arte moderna é tomada como objeto de interesse por parte de críticos, muito
mais que na década anterior, Mario de Andrade, Sergio Milliet, Lourival Gomes Ma-
chado, Luis Martins, Ibiapa Martins, Osório Cesar, Quirino da Silva, Ciro Mendes, Ge-
raldo Ferraz, Roger Bastide, José Geraldo Vieira, Giuliana Giorgi, Maria Eugênia
Franco, são assinalados como críticos atuantes, colaborando em periódicos de São Paulo
e algumas revistas de cultura como Clima, Fundamentos, Planalto e Revista Acadêmica.
Gonçalves (1990) ressaltou que nesse período surge um coletivo dedicado ao estudo das
plasticidades sonoras: o Grupo de Cultura Musical formado pelo médico Adolpho Ja-
gle, amigo de diversos modernistas. Tem entre seus associados e frequentadores ocasi-
onais um expressivo número de artistas plásticos modernos. Entre eles, Bonadei, Zanini,
Rebolo, Pennacchi, Manoel Martins, Waldemar Costa, Clóvis Graciano, Carlos Scliar,
Alice Brill, Hilde Weber, Virginia Artigas são alguns nomes registrados no livro de
presença.
O pensador é apontado como um dos intelectuais engajados na luta da geração
moderna pela afirmação de novas linguagens nas artes plásticas. Com o encerramento
do Grupo de Cultura Musical por falta de recursos, as reuniões tiveram continuidade na
residência de Osório Cesar, os encontros tinham como proposta promover experimentos
sensoriais por meio de exercícios de plasticidades sonoras na perspectiva ótica-científica
pautadas por teorias psicanalíticas, dos quais participavam Bonadei, Zanini, Walter
Levy, Carlos Scliar e Gastão Worms. Esse período é denominado por Bonadei como a
fase das Impressões Musicais (1940-1944). Ainda que no campo história da arte a ins-
titucionalização do abstracionismo no Brasil, é tomada como “data-chave” a criação do
Museu de Arte Moderna (1948), dirigido inicialmente pelo crítico francês Leon Degan,
vinculado às correntes abstracionistas francesas (p. 78), o estudo de Gonçalves (1990)
revelou que as experiencias empreendidas por Cesar constituem a fase das raízes da
abstração do pintor. Em certa medida, os experimentos de Cesar influenciaram a pro-
dução de Bonadei. O pensador é responsável pela redefinição dos elementos plásticos
presentes na obra do artista. Embora os registros historiográficos indiquem que o perí-
odo mais intenso dessas experiências seja entre 1942-1944, é possível notar indícios
dessas discussões na segunda metade da década. Os referencias teóricos indicam que
Jagle e Cesar são os precursores das primeiras discussões acerca dos processos
69
sinestésicos com a aplicação de técnicas e associações imprevistas no campo da arte,
nos quais articulavam-se processos sensoriais auditivos, óticos e científicos.
Cesar publicou, pelo Departamento Municipal de Cultura o artigo Aspectos da
vida social entre loucos (1946), o autor retratou seu processo de observação sobre a
interação entre os loucos do Juquery, logo de início expõe seus referenciais teóricos ao
argumentar sobre o conceito de loucura, indicou sua perspectiva científica pautado pelos
escritos Doenças Mentais (1838) do psiquiatra Étienne Esquirol, considerado um dos
precursores da psiquiatria moderna ao lado de Pinel. Nesse sentido, Cesar (1946) reto-
mou o conceito de Esquirol registrado em obras anteriores para justificar sua inclinação
na defesa do tratamento humanizado dispensado aos alienados:
Cesar (1946) destacou que os artistas loucos são os mais interessantes doentes
sob o ponto de vista da psicologia freudiana, denominando-os como “parte do grupo
esquizofrênico da psiquiatria moderna” (p. 12). O autor descreveu a edificação da ponte
de acesso entre Franco da Rocha e Caieiras (Aldeamento de Juquery), construída pelos
internos do Juquery (p. 13), revelou como a música foi introduzida no nosocômio como
processo terapêutico de interação:
70
O autor ainda revelou em sua narrativa que os músicos da Charanga receberam
a visita do maestro e professor Kliass, um dos mestres mais afamados de piano em São
Paulo (p. 15). Cesar (1946) defendeu a competência de organicidade dos alienados; para
corroborar sua argumentação descreveu uma fuga coletiva de 17 alienados do Juquery
em uma “revolução numa manhã gélida de julho de 1924”, e evidenciou o senso crítico
dos alienados na articulação, organização e execução da fuga; reafirmou que “o alienado
bem orientado é capaz de organizar-se em sociedade” (p. 12-14). Concluiu a narrativa
analisando a admirável construção projetada e realizada pelos internos afirmando: “A
sua construção é notável. Somente a imaginação prodigiosa e uma paciência beneditina
poderiam, num indivíduo normal, realizar essa mecânica assombrosa sem os recursos
da técnica moderna” (p. 24).
42
Não foram localizadas evidências sobre a efetiva participação de Osório Cesar na III Conferência
Nacional da Educação.
71
Conferência antes de seu final. Os embates resvalaram para o ano seguinte, no centro
da arena de disputas Renato Jardim e Fernando Magalhães protagonizaram a batalha,
divulgada nos principais periódicos nacionais (NERY, 2009, p. 187).
Nery (2009) observou que a contenda entre a Sociedade e a ABE sinalizava o
cancelamento da Conferência em São Paulo como desfecho. Do outro lado, Júlio Pres-
tes, presidente de São Paulo que havia anunciado sua candidatura, projetou na Confe-
rência uma boa oportunidade para divulgar as realizações de seu governo no campo da
educação, como estratégia conciliatória interferiu na disputa por meio de Amadeu Men-
des que se ofereceu para organizar e garantir a realização do evento (p. 189). A missiva
escrita por Mendes é publicada nos principais periódicos:
Contrariado com a estratégia adotada por Amadeu Mendes, Renato Jardim re-
nunciou à presidência da Sociedade de Educação. Em solidariedade, outros dirigentes
também o fazem (A Gazeta SP, edição 6931, 4/3/1929, p. 1). Os embates seguem, a
Sociedade passou por alguns meses de inatividade, nova diretoria foi eleita antes da
realização do controverso evento em SP, o professor Raul Briquet tomou posse como
novo presidente em cerimônia realizada durante a III Conferência, Renato Jardim e
Sampaio Doria discursaram. A retrospectiva acerca das ações da Sociedade e analise
dos conflitos que permearam a organização do evento em terras paulistanas foram pu-
blicadas no artigo intitulado A nova diretoria da Sociedade de Educação (O Estado de
S. Paulo, 14/9/1929, p. 8).
É nesse cenário pontuado por conflitos que o artigo: A alfabetização das cri-
anças anormais, publicado originalmente em um dos periódicos nos quais Cesar (1929)
colaborava: “São Paulo Jornal” (p. 393), é transcrito na edição de dezembro da Revista
da Educação, a qual concentrou sua edição em temas apresentados e debatidos na III
Conferência Nacional de Educação. No subtítulo grafado em caixa alta, o autor revela
os pressupostos eugênicos forjados na instituição:
72
O que é a ‘Escola Pacheco e Silva’, annexa ao Hospital do Juquery –
dando pão do espírito a uma pequena multidão de crianças que, “per-
didas para a sociedade e relegadas ao manicômio’ expiam ali os peca-
dos dos paes” (CESAR, 1929, p. 389).
73
espécie de ramo alternativo à pesquisa experimental com mensuração em psicologia.
(Antunes, 2010).
Assumindo o cargo de chefe de seção para o qual fora nomeado por Thompson,
Clemente Quaglio passou a apoiar a disciplina de Pedagogia e Educação Cívica, já em
1909. Em 1911, o professor autodidata lançou o livro “Lições de Podologia”, pela Thi-
pografia Siqueira e, comprovando o aumento de seu prestígio, lançou, em 1912, pela
renomada editora Francisco Alves o livro “Como corrigir os exercícios escritos e como
interrogar a leitura”.
Em 1913, Quaglio lança mais dois livros, por outras duas editoras: A solução
do problema pedagógico-social da educação da infância anormal de inteligência no
Brasil, pela Tipografia Espindola & Cia e o livro “Noções de anatomia e fisiologia: de
acordo com o programa oficial para exame de suficiência nas escolas normais secun-
darias, pela Typographia Casa Minerva. De 1914 até 1947, Monarcha (1999) identifi-
cou outros 42 títulos publicados pelo autor.
Os registros localizados por Monarcha (1999) sinalizavam que uma das ações
empreendidas por Quaglio foi a constituição de um Gabinete de Antropologia Pedagó-
gica e Psicologia Experimental junto à Escola Normal da Praça. Este gabinete ficou
vinculado, em certa medida mais próximo da cadeira de Pedagogia e Educação Cívica.
A primeira seção da Diretoria Geral de Instrução Pública ficou, assim, dividida, com
funções de caráter mais administrativo e funções de pesquisa. Talvez essa aproximação
tenha justificado a mudança do nome (e, provavelmente, dos programas) da disciplina
de Pedagogia e Educação Cívica, que passou a contar com a expressão “Psicologia Ex-
perimental” na frente do nome: Psicologia Experimental, Pedagogia e Educação Cívica.
Fiore (1982, p. 167) sinalizou que o Pavilhão para atendimento a crianças in-
sanas do Juquery apresentava uma inovação importante: “a primeira escola para crianças
anormais, com dois pavimentos e capacidade para 60 crianças, algumas das quais já se
encontravam internadas no Juquery na época da inauguração e outras transferidas com
a colaboração do Juizado de Menores”.
É sobre essa iniciativa que trata o texto de Osório Cesar:
74
Cesar (1929) iniciou com a apresentação Escola “Pacheco e Silva” do Juquery.
Argumentou sobre o panorama das políticas públicas para o atendimento de “crianças
anormais”, afirmando que:
43
Anexo J.
75
É positivamente admirável o avanço que a pedagogia científica tem
conseguido alcançar nestes últimos tempos, principalmente no terreno
da psiquiatria. E louvável é, também, a ação dos ortofrenistas como essa
do sr. Norberto de Souza Pinto, modesto estudioso que tem-se esfor-
çado nesse terreno, introduzindo e aperfeiçoando na prática escolar, mé-
todos novos e originais seus no ensino individual que cada caso requer.
(CESAR, 1929, p. 391).
44
O artigo original apresenta inconsistências nas datas, as quais foram grafadas como: “entrada no Hos-
pital de Juquery em 23 de janeiro de 1929 e entrada na escola em 6 de janeiro de 1929”. No âmbito
desta pesquisa, a escolha foi reordenar as datas pela evidente probabilidade do inverso.
45
Especialista em Ortofrenia: arte de corrigir as tendências morais ou intelectuais. Dicionário Priberam
da Língua Portuguesa. Disponível em <www.priberam.com/dlpo/ortofrenia>. Acesso em 30 de abril
de 2018.
76
alfabetização em espaço de tempo relativamente curto, de menores
mentalmente anormais fadados a viverem a mercê da natureza, se não
fossem os progressos de moderna pedagogia cientifica.
É positivamente admirável que o avanço que a pedagogia científica
tem conseguido alcançar nestes últimos tempos, principalmente no
campo da psiquiatria. E louvável é também a ação dos ortofrenistas
como essa do sr. Norberto Souza Pinto, modesto estudioso que tanto
tem se esforçado neste terreno, introduzindo e aperfeiçoando na pra-
tica escolar, métodos novos e originais seus no estudo individual que
cada caso requer (CESAR, 1929, p. 392).
77
3 Proposições e posições políticas
46
Partido Comunista, prontuário nº 2431, 16 volumes. Acervo DEOPS/SP, Acervo Público do Estado
de São Paulo.
78
Luís da presidência da república, o impedimento da posse de Júlio Prestes, seu sucessor
e a instauração da Era Vargas com seu governo provisório (1930-1934).
Nesse mesmo período, assistia-se uma intensificação da produção intelectual:
Caio Prado Junior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda publicavam obras com
os resultados de suas investigações sobre a herança cultural, explorando os matizes e
raízes da formação do povo brasileiro (LOVATO; GOUVÊA, 2017, p. 64). A massa
documental analisada nessa investigação (correspondências, periódicos e documentos
textuais), depositadas nos acervos DEOPS, permite identificar uma rede de diálogos
encadeados entre Cesar, parte dos intelectuais comunistas brasileiros e os pensadores
marxistas filiados ao Partido Comunista europeu naquela década, agentes sociais que,
marcaram sobremaneira sua produção intelectual. Depois de retornar de sua temporada
de estudos e pesquisas na Europa, em 1931, Cesar e Tarsila do Amaral passam a ser
ostensivamente investigados pelo DEOPS.
Seu interesse pelo marxismo é corroborado, especialmente, em dois de seus
livros publicados: Onde o proletariado dirige: visão panorâmica da URSS, prefaciado
por Henri Barbusse e ilustrado por Tarsila do Amaral (1932)47; e Que é o estado prole-
tário? (1933), com capa ilustrada pelo artista Flávio de Carvalho, propõe reflexões sobre
a vida do operário na Rússia soviética, seguido de um estudo sobre seguro social operá-
rio. As estruturas de sociabilidade estabelecidas nesse período são algumas das tramas
que compõem o mosaico da imensa tela que reconstrói o mapa conceitual sobre a traje-
tória do pensador. Os contextos corroboram as análises preliminares empreendidas no
capítulo dois sobre as potências das redes de sociabilidades. Por sua vez, as tessituras
das redes que marcam esse período apontam alguns indícios que podem ter contribuído
para desencadear, de algum modo, o aniquilamento das ressonâncias da produção de
Cesar.
47
Capa e prefácio do livro Onde o proletariado dirige: visão panorâmica da URSS, prefácio de Henri
Barbusse (1932).
79
de 1930, no capítulo “Intervenção: a educação sexual e o divórcio”, ao revelar quem
foram os entrevistados sobre a série publicada no Diário da Noite, dedicada a debater
questões sociais, sobretudo a legislação denominada pelo jornalista como “um inquérito
‘queimante’” (p. 76). O autor acrescenta ainda que, na tentativa de “pôr uma brasa na
consciência paulistana”, elaborou uma pauta bastante ousada para época, reunindo as
principais autoridades do eixo Rio-São Paulo: entre elas Franco da Rocha, Durval Mar-
condes Custódio de Carvalho, Osório Cesar, Pacheco e Silva, João Arruda entre outros.
Ao descrever a presença de Cesar entre os entrevistados, afirma:
80
Internacional Comunista, o PCB (1922), entre os intelectuais, Oswald de Andrade as-
sume uma retórica reconhecida como apropriação dos intelectuais de esquerda (NEVES,
2005, p. 45).
A viagem empreendida pelo casal incluiu intercâmbios com uma série de visi-
tas a institutos artísticos, culturais, educacionais e de saúde. Cesar, dedica-se ao mesmo
tempo em interações que possibilitem articulações científicas e políticas; no campo ide-
ológico revela uma guinada à esquerda, afasta-se das correntes perrepistas. No retorno
da temporada de três meses de viagem à Europa com passagem pela Rússia e França,
organiza sua primeira produção textual com reverências ao marxismo-leninismo. Nesse
mesmo período, publica Onde o proletariado dirige: visão panorâmica da URSS. A
obra é prefaciada por Henri Barbusse e ilustrado por Tarsila do Amaral (1932)48. Bar-
busse, escritor, ex-diretor do Le Monde, apresenta a nota introdutória da obra em fran-
cês. Ele era um dos principais articuladores do Partido Comunista Francês, além de ser
autor do clássico O fogo, no qual narra os registros do front durante a Primeira Guerra
Mundial. Esse livro foi laureado com o Goncourt (1916), o mais concorrido prêmio
literário francês, e ainda hoje figura na lista de referências literárias de seu país. Na
produção da obra organizada como um relato de viagem, Cesar (1932) compartilha com
os leitores os registros das visitas realizadas as diversas instituições e evidencia seu en-
cantamento sobre a organização política e social soviética. O pesquisador destaca a sua
participação em um dos experimentos realizados para os estudos das funções psíquicas
(reflexos condicionados, incondicionados ou naturais), no Laboratório de Fisiologia do
Instituto de Medicina Experimental de Leningrado conduzido por Ivan Pavlov:
48
Anexo L.
81
julgava/pressupunha que o reflexo condicionado exercia um papel importante no com-
portamento humano, por consequência na educação. Ostermann e Cavalcanti (2010)
afirmam que as teorias de Pavlov forneceram as bases para que John Watson estabele-
cesse uma das principais teorias da aprendizagem no mundo ocidental: a corrente com-
portamentalista ou behaviorismo (p. 10).
Em outra passagem, Cesar (1932) descreveu uma visita ao Instituto do Cérebro,
órgão filiado à Academia Comunista de Moscou, fez elogios à sua moderna estrutura e
revelou:
82
OSÓRIO CESAR - Intelectual comunista e médico do Hospital do
Juquery.
Já esteve em Montevidéu num Congresso Antiguerreiro, organizado
pelo Partido Comunista (3ª Internacional). Esteve na Rússia, ultima-
mente, em missão científica, mas ao chegar, desde logo, reiniciou sua
propaganda. Em São Paulo sempre tem feito propaganda comunista e,
também presidiu o Comité Antiguerreiro, aqui criado pelo P.C.B. Em
sua residência, hoje foram encontrados documentos que provam sua
atividade comunista. Detido em 28 Presidio (Prontuário Osório Ce-
sar)49.
49
As citações ao Prontuário Osório Cesar, nº 1936, volume I, 28/8/1932. DEOPS/SP, serão doravante
identificados como Prontuário Osório Cesar.
83
e mobilizar a oposição interna às direções stalinistas dos partidos comunistas, procu-
rando, desse modo, convencer os camaradas sobre as diretrizes políticas trotskistas
(FERREIRA, 2010, p. 16).
Os representantes da LCI brasileira, contrariados com os rumos políticos do PCB
postulados pelos integrantes da corrente marxista-leninista, romperam com os dirigentes
do partido sob a alegação de que Octávio Brandão defendia a formalização de alianças
com setores da elite, ou seja, acusavam a ala dirigente do PCB de representar os interes-
ses dos pequenos burgueses (FERREIRA, 2010, p. 16). Ferreira (2010) observa que os
ataques das correntes trotskistas, contrárias à proposta de alianças entre a burguesia-
proletariado estavam relacionados ao favorecimento da burguesia industrial. Esse era
um dos argumentos que indicavam que o desdobramento dessa articulação ocasionaria
o que a Liga Comunista “chamou de ‘Revolução a Retalhos’” (p. 19). O autor assinala
que:
50
Partido Comunista, prontuário nº 2431, 16 volumes. Acervo DEOPS/SP, Arquivo Público do Estado
de São Paulo.
51
Prontuário Osório Cesar, fls. 86, p.
84
agrário-exportador para urbano-industrial. Andreucci (2006) destaca que se intensificam
os embates entre governo e os integrantes da Comissão, nomeada pelo Governo Provi-
sório, responsáveis pela elaboração do anteprojeto da Nova Constituinte, em substitui-
ção à de 1891. Nesse contexto, aumentaram as tensões entre situação e oposição, os
agentes dos departamentos e seções do Estado varguista organizaram seus aparatos de
perseguição e repressão aos agitadores, e praticamente todas as editorias foram subme-
tidas à vigilância (p. 166).
O primeiro trimestre de 1933 foi marcado pela ascensão dos nazistas ao poder
e iminência da Segunda Guerra, decorrente da escalada do império japonês, assombrava
o imaginário social do planeta; em Amsterdã, os escritores Henri Barbusse e Romain
Rolland reuniram os principais pensadores europeus em torno da mobilização da luta
antifascista. Em São Paulo, a oposição se articulava em prol de reinvindicações sobre
as novas legislações, e os “agitadores de greves” eram os principais alvos da polícia
política de Vargas.
Nesse contexto, Cesar fora anunciado nos principais periódicos (1933)52 como
um dos representantes escolhidos entre os participantes da reunião preparatória para cri-
ação do Comitê Antiguerreiro. Tal demarcação o torna alvo do acompanhamento pró-
ximo do “reservado Guarany”, um agente infiltrado do DEOPS que revela o passo a
passo de Osório Cesar nos microssistemas políticos. Nos relatórios, passam a ser regis-
trados detalhes das atividades realizadas, bem como os embates ocorridos no CAM.
Entre eles, as conferências realizadas no Mês das Crianças e dos Loucos.
No “relatório reservado”, de 6 de abril, o agente observava que Osório Cesar
presidiu ao lado de Juvenal Soares, Oscar Rodrigues da Silva, Vicente Costa e Arlindo
Pinto, uma reunião “de vários elementos do P.C. de tratarem dos interesses do Partido
Comunista, adesão dos tenentes e do movimento grevista de 1º de maio”, na sede da
União dos Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT), no Largo São José do Belém,
SP53. O mesmo relatório revelava que Cesar foi “recolhido” ao Presídio do Paraíso em
11 de abril, novamente acusado de “agitação da ordem social”, levado para o Presídio
Paraíso, onde permaneceu por 16 dias com a determinação de ficar “incomunicável”.
Em um de seus relatórios, o “reservado Guarany” advertia seus superiores sobre as in-
terações/mobilizações políticas de Cesar em participações nas ações culturais
52
Reunião preparatória do Comitê Contra a Guerra. Diário de São Paulo, 6/2/1933.
53
Anexo M.
85
programadas no CAM, acompanhado de Tarsila do Amaral e do escritor Jaime Adour
da Camara54. Um registro desse período chama bastante a atenção: um impresso que se
supõe ser um folheto, comunica à “Classe Trabalhadora” o resultado do processo refe-
rente à primeira detenção, atribuído ao réu por publicar o livro Onde o proletariado
dirige? Depois de compartilhar trechos da sentença com exaltações à sua obra, Cesar se
justifica sobre um artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, no qual esclarece:
54
Anexo N.
55
O desenho dos loucos. 2ª Folha da Noite, 31/8/1933, p. 8-9.
56
Contra a guerra imperialista e contra o fascismo. Folha da Noite, 31/8/1933, p. 3.
86
brasileiro. Ainda em 1933, Osório Cesar publicava seu livro Que é o estado proletário?
no qual propunha reflexões sobre a vida do operário na Rússia soviética, seguido de um
estudo sobre seguro social operário. A nota do autor nas páginas iniciais explicita:
O livro trazia em anexo, nas páginas finais da obra, um apêndice no qual co-
munica em letras garrafais o “resumo” do processo de sua prisão, com a respectiva sen-
tença do “Juízo Federal” (p. 169) e notas de intelectuais com apreciações da obra Onde
o proletariado dirige: visão panorâmica da URSS. Entre eles, Henri Barbusse, da Im-
prensa Médica, s/d, assinado por Neves-Manta, da Revista do Colégio Livre de Estudos
Superiores de Buenos Aires, de 12/1932, assinado por Julia Laurencena, de David Vi-
godsky de 30/7/1933.
O relatório do DEOPS do período confirmava o engajamento de Cesar na mi-
litância comunista, também, pela troca de correspondências para intercâmbio cultural
realizado por intermédio da “organização russa VOKS”57, no qual revela:
A VOKS era apontada, pelos agentes dos órgãos de repressão, como uma das
organizações “especialmente criada pela União Soviética para facilitar a propaganda
comunista entre os intelectuais”58. Os agentes do DEOPS sustentam suas argumentações
com base em uma correspondência apreendida, na qual Roy Barton, pesquisador do
Museu de Antropologia e Etnografia (MAE) 59 entre 1930-40, se apresentara a Cesar por
indicação de membros da VOKS. O interlocutor é apontado como o pioneiro dos estu-
dos sobre antropologia jurídica americana, pela publicação do Direito Ifugao (1919)
60
. A mensagem revelava o empenho dos membros da organização soviética para a
57
Anexo O. Relatório de inquérito DEOPS-SP, prontuário Osório Cesar, nº 1936, fls. 67, p 169.
58
Anexo O, fls. 84, p. 164.
59
O MAE é conhecido como Kunstkamera e foi o primeiro museu da Rússia.
60
Sobre Direito Ifugao. In: ALVES, Leonardo M. Antropólogos Jurídicos: Roy Franklin Barton e o
Direito Ifugao. Ensaio e notas: artes, humanidades e ciências sociais [online], 2016. Disponível em:
<//ensaiosenotas.com/2016/03/01/antropologos-juridicos-roy-franklin-barton-e-o-direito-ifugao/>.
Acesso em 20 de junho de 2017.
87
divulgação da produção de Cesar acerca do misticismo e loucura em solo russo, bem
como o interesse de Barton nas obras do loucos do Juquery e as orientações para o
envio de obras (1933).
A Constituição de 1934, promulgada no segundo semestre pela Assembleia
Nacional Constituinte, pautada pelo pensamento liberal, apresentou inovações em seu
texto: promulgou o Código Eleitoral criado no anterior, como mecanismo de aceleração
do processo de redemocratização; instituiu o voto secreto, o direito de voto às mulheres,
a legislação trabalhista (CLT), jornada de trabalho de oito horas diárias, salário mínimo,
férias, 13º salário, criação da Justiça Eleitoral entre outros. Embora a Constituição re-
presentasse um expressivo avanço nos direitos sociais, Getúlio Vargas favoreceu-se do
amplo apoio político conquistado entre os deputados da Constituinte e obteve a aprova-
ção do processo eleitoral pelo voto indireto. Desta forma, torna-se presidente eleito do
Governo Constitucional (1934 – 1937)61.
O segundo governo de Vargas é marcado pelas tensões sociais, por crises polí-
tica e econômicas; desdobrou-se em torno de dois ideais: o fascismo defensor do totali-
tarismo introduzido na Itália por Mussolini, representado pela Ação Integralista Brasi-
leira (ABI), fundada em 1932 e o ideal democrático, representado pela Aliança Nacional
Libertadora (ANL), articulada desde 1933, formalizada somente em 1935. As polariza-
ções político-ideológicas se intensificam, a radicalização sobre o controle e punição dos
opositores é deflagrada (PRESTES, 2005, p. 103).
A circulação de ideias e bens culturais nesse período eram pujantes; nesse con-
texto, a criação de editoras tornou-se um potente mecanismo para estabelecer o status
de legalidade nas ações de mobilização do proletariado. Para além da cooptação de re-
cursos humanos, a arrecadação de recursos financeiros estava circunscrita entre uma das
atribuições das organizações auxiliares que integravam o comitê executivo do Komin-
tern62. Cesar, na posição de 2º secretário do Comitê do Antiguerreiro 63 – núcleo de As-
sistência III da Internacional Comunista, tinha como tarefa conduzir a movimentação
financeira por meio da arrecadação de doações, produção e circulação de ideias.
61
Ver: Diretrizes do Estado Novo (1937 - 1945) – Direitos sociais e trabalhistas. Disponível em:
<//cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/DireitosSociaisTrabalhistas>. Acesso em
10 de junho de 2018.
62
Osório Cesar, prontuário nº 1963, fls. 68, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público do Estado de
São Paulo.
63
Idem acima.
88
Tôrres (2013), assinala que entre as editoras que se empenharam na divulgação
de temas sobre os novos comportamentos da sociedade soviética, a “Editora Calvino
Filho foi a principal responsável por publicar os relatos de viajantes brasileiros, todos
eles positivos à URSS” e enumera as principais publicações do período:
64
Anexo O, fls. 82, p. 165.
89
empresas de sua propriedade, dois livros sob os títulos: “’A Mulher na Rússia Soviética”
e “O que é Estado Proletário’”.
No centro da arena política os embates travados tinham, de um lado, represen-
tantes da Ação Integralista Brasileira (AIB) – corrente política de extrema direita com
caráter fascista. Esse grupo exprimia os anseios da oposição conservadora, advogava
por uma maior intervenção do estado na política econômica brasileira. O jornalista Pli-
nio Salgado era seu principal líder; de outro, a Aliança Nacional Libertadora (ANL),
organização pautada pelos pressupostos ideológicos da extrema esquerda comunista, de
vetor pró soviético, suas ações articulavam-se em torno da organização da reforma agrá-
ria pela defesa de uma revolução marxista e a queda do regime totalitarista imperialista.
Sob a liderança de Luiz Carlos Prestes, a ANL contava com o militante Osório
Cesar como um dos principais combatentes no front. A ação da ANL tornou bastante
visível nesse período e o país é coberto por disputados comícios e manifestações públi-
cas em diversas cidades, com ações apoiadas e divulgadas pelos principais periódicos,
os conflitos entre comunistas e integralistas estampam os noticiários.
Frente ao acirramento das disputas e desfazendo parte da ambiguidade que per-
meara sua ascensão ao poder, o presidente Vargas decidiu, então, romper com seus in-
terlocutores de esquerda que outrora o apoiaram e conduziram ao governo, endurecendo
o discurso e radicalizando sua posição contra toda e qualquer forma de manifestação co-
munista desse período (PRESTES, 2005, p. 104).
Cesar, imbuído dos propósitos marxista-leninistas, não arrefeceu sua ação de
divulgação comunista e publicou, em 1935, A vida do operário na União Soviética
(1935), pela Editora Udar, de sua propriedade. No prefácio assinado pelo editor os an-
tecedentes editoriais são apresentados e a argumentação quanto ao nome da Coleção é
justificada por uma narrativa mítica, acionando nomes de intelectuais como Rachel de
Queiroz, , Romain Rolland, Antonio Gramsci e Luiz Carlos Prestes:
90
De preferência colocaremos um autor brasileiro e um estrangeiro, em
cada volume, embora cada trabalho seja inteiramente diverso do ou-
tro, mesmo sob o ponto de vista de orientação doutrinária.
Assim lançamos dois volume: o número 1 cuja face é constituída por
um trabalho do Dr. Osório Cesar: A VIDA DO OPERÁRIO NA
UNIÃO SOVIÉTICA, observações feitas por ele próprio de visu, no
país proletário enriquecido com dados estatísticos e seguido de um
outro trabalho de Desider Bokani sobre o seguro operário completa o
estudo anterior; na outra face, B, encontrarão os leitores um vibrante
trabalho de Romain Rolland, o grande escritor francês cuja personali-
dade interessantíssima Stefan Sweig pontilhou tão bem. Romain Ro-
land estuda a personalidade de Antonio Gramsci, revolucionário itali-
ano e vários dos seus companheiros encarcerados pelo fascismo e que
morrem paulatinamente nas prisões do Duce (CESAR, 1935, p. 3-5).
65
Em viagem para a U.R.S.S. Diário da Noite, 1ª edição, 13/5/1935
91
1924. O governo Vargas, atento ao crescimento das mobilizações organizadas que ins-
tavam as massas a lutar na frente revolucionária do proletariado e amparado pela LSN,
ordena o fechamento da ANL.
No trajeto de volta ao Brasil, a bordo do navio Bagé, vindo de Recife, Osório
Cesar é preso, sob a alegação de conspiração e articulação nas ações relacionadas aos
levantes tenentistas (12/10/1935). O cárcere durou dois dias. Novamente o relatório dos
agentes DEOPS sinalizava o envolvimento de Cesar como “agitador comunista”, e re-
velavam trechos de uma carta apreendida, na qual era possível comprovar que Osório
Cesar havia sido informado do fechamento da ANL por Otávio Brandão, quando ainda
estava a bordo do navio que o trazia de volta ao Brasil. Logo, as prerrogativas apresen-
tadas pelos agentes para a detenção de Cesar eram os seus antecedentes criminais e as
conexões que o intelectual teria com Luiz Carlos Prestes e Otávio Brandão. Esse argu-
mento era fortalecido pela sua permanência em território soviético como correspondente
do jornal A Manhã (RJ), em um período de seis meses Cesar assina dois artigos enviados
direto de Moscou: o primeiro retrata os desfiles que marcaram o aniversário da morte
de Lenin66 e outro sobre o funeral de Henri Barbusse67.
Entre as fontes primárias localizadas sobre esse período, encontra-se uma cópia
de um radiograma enviado por Osório Cesar à “camarada” Nise da Silveira, no qual ele
compartilha seu percurso até sua chegada ao Rio de Janeiro, solicita colaboração para o
acolhimento do “nosso companheiro de ideologia” que estava de mudança para a cidade
e finaliza: “Tenho comigo um material louco”68. O detalhe que chama a atenção nessa
mensagem é o fato de que, não foram localizadas indexações sobre o nome do “cama-
rada” apresentado por Cesar a Nise da Silveira como um agente que professava da
mesma ideologia nos acervos DEOPS. As notícias publicadas, relacionadas às prisões
de Cesar e à tripulação do Bagé nos dias posteriores69, tanto pelas correntes situacionis-
tas quanto pelas oposicionistas nos revelam o clima de tensão vivido no País; os embates
inflamados eram produzidos em um elevado tom dramático, alimentados por teorias
conspiratórias; sinalizam os acontecimentos no território nacional nas semanas seguin-
tes: é nesse cenário que nos últimos dias de novembro os militares insurgentes rebelam-
66
120 mil membros de mais variadas organizações esportivas, A Manhã (RJ), 28/7/1935, p. 4.
67
Henri Barbusse e os funerais em sua honra. A Manhã (RJ), 2/10/1935, p. 2.
68
Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 52-87, volume 1.
69
Sobre o tema consultar a base de dados do Correio de S. Paulo (SP), edição 1074, p. 3 e A Manhã
(RJ), edição 149, p. 11.
92
se nas cidades de Natal (RN), Rio de Janeiro (RJ) e Recife (PE); um ruído de comuni-
cação entre as frentes revolucionárias colocam à operação em risco.
A ausência de sincronia na articulação e mobilização das ações e a baixa adesão
de agentes de outros estados, ocasionaram o fracasso do levante, que foi controlado pari
passu pela polícia de Vargas. A batalha, denominada pejorativamente por Intentona Co-
munista, enfraqueceu sobremaneira a esquerda brasileira. As ambiguidades na base do
próprio movimento abriram precedentes para a instauração do terceiro mandato da Era
Vargas, denominado Estado Novo (1937-1945). Último e mais longo período do go-
verno varguista, essa fase teve como principal característica o regime autoritário, pon-
tuado pela repressão severa ao comunismo. Osório Cesar volta a ser preso em 28 de
novembro70.
No acervo do médico Arthur Ramos é possível verificar na coleção de corres-
pondências ativas e passivas71, em duas cartas enviadas por Cesar ao colega (1936), que
o “insurgente” esteve detido no Hospital Militar da Força Pública de São Paulo. Na
missiva, o pensador agradece o colega pelo envio do livro “Introdução à Psicologia
Social”, solicita remessa do livro O Folclore Negro no Brasil e indaga sobre a possibi-
lidade de publicar seu livro, Misticismo e Loucura. Um mês depois, Cesar envia nova
mensagem. Solicita o exemplar da Introdução à Psicologia Social, argumenta que está
“impossibilitado de adquirir, neste momento, por intermédio das livrarias” e indica o
endereço do Hospital Militar da Força Pública, rua João Teodoro, para o envio da obra.
As fontes primárias consultadas indicam a interação entre Cesar e Ramos em momento
anterior a esse período, no qual Cesar agradece o envio do livro “Estudos de psicaná-
lise”, solicita uma remessa dos livros “A sordice nos alienados” e “Primitivo e Loucura”
(1932). Nesse sentido, as correspondências enviadas por Cesar sugerem a retomada do
pensador sobre os estudos e pesquisas acerca das conexões entre arte e loucura no perí-
odo do cárcere, quando produz releituras sobre as produções textuais da década anterior
e dedica-se na produção de uma obra sobre ciência e religiosidade.
Do conjunto de fragmentos analisados, circunscritos no recorte temporal da
década de 1930, o relatório do inquérito apresenta elementos essenciais para a contex-
tualização da hipótese de investigação sobre as distensões-afastamentos, conexões-
70
Ver: Revolta Comunista De 1935. Disponível em: <www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
tematico/revolta-comunista-de-1935>. Acesso em 10 de junho de 2018.
71
Retomamos aqui as afirmações registradas na Introdução, p. 24. Ver: MALATIAN, Teresa. Cartas.
Narrador, registro e arquivo. In: PINSKY, Carla B.; LUCA, Tania R. de (Org.) O historiador e suas
fontes. São Paulo: Contexto, 2011, p. 195-221.
93
rupturas na trajetória de Osório Cesar. O pensador foi investigado e acusado formal-
mente, pelo DEOPS de pertencer aos quadros dirigentes dos movimentos de esquerda
na luta revolucionária, identificado como “agitador das massas” com amplo acesso às
estruturas dos microssistemas, no âmbito nacional e internacional de acordo com a afir-
mações do agente:
O final dessa década é marcado pela retração nas ações de articulação e mobi-
lização sociopolítica de Cesar, os documentos indicam que, a partir desse período, o
pensador dedica-se a questões menos espinhosas, parece seguir o roteiro estabelecido
por Tarsila do Amaral, ex-companheira de viagem, a qual, em uma carta apreendida
destaca:
[...] nos revela que essa artista não compartilhava mais dos ideais do
Dr. Osório Cesar, aconselhando-o a “pensar mais na ciência e na car-
reira, do que nas questões sociais”;
“diz ainda:- “não tens, como eu, reivindicações a fazer, que te adian-
tará todo o sacrifício que já tens feito para um dia ser chamado de
traidor” (Prontuário Osório Cesar)73.
O agente acrescenta outro trecho em que afirma que, Tarsila do Amaral “reco-
nhece a carta de sua autoria” e ainda assevera ter aconselhado Cesar a dedicar-se mais
aos estudos das ciências médicas do que às sociais, sobretudo o marxismo e que “não
ignora que o Dr. Osório Cesar é um entusiasta do marxismo e sabe que a família deste
é contra as ideias por ele adoptadas” (Prontuário Osório Cesar)74. Entre os documentos
textuais produzidos pelos agentes DEOPS, nota-se que sua posição de interlocutor com
a alta cúpula do Partido é atestada em diversas ocasiões, das quais destacamos duas,
transcritas, a seguir:
72
Anexo O, fls. 64, p. 169.
73
Anexo O, fls. 81, p. 165.
74
Anexo O, fls. 72, p. 167.
94
O Dr. Luiz Parigot de Souza, médico residente em Curitiba (estado do
Paraná), escreveu ao indiciado, nas vésperas do embarque deste para
a Rússia, pedindo-lhe para “levar um abraço aos camaradas de lá e um
especialmente ao Prestes e Octavio Brandão”. Certo estava, pois o Dr.
Parigot de que o indiciado com elles se encontrariam na Rússia (Pron-
tuário Osório Cesar)75.
Outro foi o depoimento prestado pelo “súbdito” Ernesto Joske, alemão detido
em razão de suas atividades subversivas, no qual esclarece:
Karepovs (1999), observa que o bancário alemão, Ernesto Joske foi um dos
estrangeiros deportados (junho de 1936) como retaliação à sua militância no sindicato,
uma das consequências da repressão instaurada durante o golpe de Estado. Ainda na
massa documental inventariada, outros fragmentos significativos são localizados: as no-
tícias veiculadas nos periódicos nos permitem delinear um panorama do cenário. Entre
as notas que merecem destaque encontra-se a do julgamento do processo sobre as ativi-
dades comunistas dos membros da ANL em Santos. Cesar aparece entre os indiciados,
ao lado de Patrícia Galvão (conhecida nas redes de sociabilidade como Pagú, a compa-
nheira de Oswald de Andrade), Luiz Carlos Prestes, Caio Prado Jr., Jayme Adour da
Camara e outros77. Cesar encerra a década com uma publicação sobre ciência e religio-
sidade: Misticismo e loucura: contribuição para o estudo das loucuras religiosas no
Brasil (1939), premiado pela Academia Nacional de Medicina em 194878.
As fontes analisadas indicam que, na década de 1940, o percurso de Cesar é
pontuado pelo seu afastamento do front político-social, do papel de “agitador das mas-
sas” da esquerda revolucionária; suas ações são concentradas nos estudos e pesquisas
acerca das conexões entre arte e loucura, sobretudo sobre temas relacionados às ciências
humanas: os experimentos sinestésicos realizados nos encontros semanais do grupo Im-
pressões Musicais, em seu apartamento; pelas publicações de artigos e entrevistas sobre
75
Anexo O, fls. 79, p. 166.
76
Anexo O, fls. 84, p. 164.
77
O processo sobre as atividades comunistas. Folha da Manhã. 8/2/1936, edição 3646, 16
78
Jornal do Commercio – Rio de Janeiro, edição 231, 2/7/1948, p. 4.
95
arte e loucura, cultura, educação, política, religião e sociedade; assim como por suas
ações para a consolidação da Escola Livre de Artes Plásticas do Juquery.
Nesse sentido, selecionamos alguns dos artigos produzidos por Osório Cesar
sobre temas relacionados às ciências humanas e sociais, entre 1940-1960, esse conjunto
contribui para evidenciar a potência intelectiva do pensador em sua trajetória, circuns-
critas no recorte temporal analisado. Os periódicos alternam-se entre crônicas/notas
acerca das críticas de arte, salões paulistas e as políticas públicas para educação (espe-
cialmente sobre a arte e a cultura)79; as experiências sinestésicas empreendidas em seu
apartamento80, as mobilizações em torno da luta contra o fascismo81 e, por fim, questões
sociopolíticas, das quais destacamos o artigo O destino do homem no após-guerra82, no
qual o autor assinala caminhos para o desenvolvimento social no cenário caótico de
destruição indicando os campos de estudo que devem concentrar esforços para superar
os obstáculos: antropologia física e social.
O autor faz uma crítica aos sociólogos e biólogos no anúncio da fundação da
União Cultural Brasil-URSS e à constituição de suas comissões83, além de ser signatário
do manifesto dos intelectuais e escritores em apoio à candidatura de Caio Prado Jr. 84 na
campanha de renovação democrática. Na nota sobre a fundação da nova organização,
destinada ao intercambio científico, literário e artístico, Osório Cesar é indicado ao lado
de Caio Prado Jr. para compor a comissão encarregada de elaborar o estatuto. No rela-
tório do DEOPS, com o descritivo da estrutura das comissões, além de Cesar, localiza-
se os nomes de Jorge Amado, secretário; Sergio Milliet, diretor literário da agremiação,
da qual participam: Oswald de Andrade e Affonso Schimdt; Clóvis Graciano, diretor
artístico. Também integravam a comissão: Anna Stella Schic e Júlio Gouvêia; André
Dreyfus, diretor científico, junto com Mario Schemberg; Zeferino Vaz; Fernando de
Azevedo, diretor pedagógico; João Cruz Costa e Olga Bohomoletz Henriques; Caio
Prado Jr, diretor de divulgação; João Araújo Nabuco e João Penteado N. Stevenson entre
outros.
79
Osório Cesar escreve sobre o ministro Capanema e a arte moderna. A Manhã (RJ), 25/6/1944, edição
00882 (1) p. 5.
80
Os fenômenos supranormais. Folha da Manhã, 15/1/1945, p. 76 e No apartamento de Osório Cesar.
Folha da Manhã, 21/5/1946, p. 6.
81
Campanha pró-bônus de guerra. Diário da Noite, 24/2/1943, p. 3 e É preciso mobilizar todas as ener-
gias do Brasil. Diário da Noite, 26/2/1943, p. 1-2.
82
O destino do homem no após-guerra. Folha da Manhã, 21/10/1945, p. 7.
83
Foi fundada ontem em São Paulo a União Cultural Brasil-U.R.S.S. Diário da Noite, 24/4/1945, p. 3.
84
Ao povo de São Paulo. Diário da Noite, p. 3. 24/4/1945.
96
O contexto indica que na primeira metade da década de 1930, a trajetória do
pensador foi caracterizada por intensa militância política, indiciado por ações extremis-
tas, foi apontado como “intelectual, agitador de alta periculosidade”, incriminado como
um dos articuladores aliancistas e mensageiro dos tenentistas nos movimentos revolu-
cionários; esses são os componentes centrais da justificativa de seu mais longo encarce-
ramento (1935-1937). Em sua última entrevista, Cesar revela o impacto de seu decla-
rado posicionamento político em sua trajetória:
97
Acho que fiz umas 50 exposições desse tipo, e o Rebolo e toda a ge-
ração de 40/50 devem se lembrar das mostras dos psicopatas no Clu-
binho dos Artistas ... Mas, a mais importante, foi a que levei para a
Sociedade de Psicologia de Paris, onde falei a mais de 200 médicos
ali reunidos (Cesar apud KAWALL, 1979, p. 60).
98
Considerações finais
Esta investigação pretendeu analisar e compreender a ação e o legado do mé-
dico paraibano Osório Cesar, na primeira metade do século XX em diferentes campos
da produção intelectual brasileira com ênfase para o lugar ocupado pela educação em
sua obra. A hipótese inicial era a de que havia, por parte da produção historiográfica
disponível sobre o pensador, certo apagamento de importantes dimensões de sua circu-
lação intelectual.
Inicialmente, frequentando os saraus e encontros da Villa Kyriall, avançando
no estreitamento de laços de confiança, amizade e de pertencimento familiar com fra-
ções da elite paulistana. O trabalho analítico empreendido identificou que Osório Cesar
participou, ativamente, de diferentes redes de sociabilidade intelectual, frequentando
outros e diversificados espaços e contextos significativos de encontro e reconhecimento
de mulheres e homens ligados as letras e as ciências no Brasil das primeiras décadas dos
1900.
Sobre sua produção intelectual, o trabalho de pesquisa revelou um sujeito eru-
dito, com investimentos multifacetados que se espalhavam nas ciências médicas, nas
inovações de fronteira que combinavam a emergência da psicanálise, os estudos iniciais
da psicologia e a pedagogia no Brasil e alcançavam a questão do atendimento escolar
de pessoas com deficiência intelectual. Na interface entre produção intelectual e ativi-
dade política, restou demonstrada a ação intensa de Cesar na sistematização, divulgação
e disseminação das ideias de orientação comunista e de análises sobre a vida comum
sob o regime soviético.
No que tange à primeira dimensão, os trabalhos de Cesar no campo das ciências
médicas são importantes registros da reflexão sobre saúde mental e políticas de atendi-
mento à população alienada no Brasil do início do século XX.
Como se verifica no capítulo dois, estabelecendo as relações de conexão e com-
plementariedade, a escrita de Cesar também é registro relevante das primeiras formula-
ções sobre a psicanálise que emergem no Brasil, em colaboração com Durval Marcondes
e outros pioneiros da área.
Desfazendo certa leitura comum sobre o pioneirismo de Nise da Silveira nas
propostas de tratamento da loucura por meio da arte, a investigação demonstrou que
Osório Cesar desempenhava, antes mesmo dos registros disponíveis sobre o trabalho de
Nise, uma intensa atividade e uma profunda reflexão sobre as conexões entre a arte e a
loucura e que buscava ampliar o alcance de seus achados dialogando com a psicanálise
99
como chave de leitura do inconsciente. Em seus primeiros estudos sobre as conexões
entre arte e loucura, pautado pelas teorias freudianas, imbuído da missão de validar as
suas interpretações sobre a psique, em um gesto ousado, o pesquisador envia seus escri-
tos a Freud que retorna com uma devolutiva positiva. A troca de missivas o encorajou a
sistematizar e consolidar as análises das produções plásticas dos loucos do Juquery nas
Oficinas de Artes, suas ações resultaram duas décadas mais tarde na formalização da
Escola Livre de Artes Plásticas, para o trabalho sistemático com a população atendida
no Hospital Psiquiátrico do Juquery. As produções dos artistas da Escola compõem os
acervos: da Coleção de Sainte-Anne (Collection Sainte-Anne), do museu Collection de
l’Art Brut em Lausanne, do cineasta Bruno Decharme, da Associação de arte bruta Abcd
- Art Brut diffusion & connaissance entre outros. No Brasil, as obras dos artistas do
Juquery compõem o acervo Museu de Arte de São Paulo (MASP), Museu de Arte Mo-
derna (MAM).
No campo da história da arte, o que se evidenciou, na investigação foi um des-
locamento forte do lugar quase marginal, no início de sua socialização entre os artistas
paulistanos do período para um lugar central, como crítico e analista de arte, bem como
colaborador de personalidades marcantes deste campo. Alguns dos vínculos de sociabi-
lidade são notados nas trocas de mensagens entre Osório Cesar e Mario de Andrade
(1931). Gonçalves (1990) assinala que as residências, cafés, ateliês, galerias e os salões
consolidam-se, a partir da década de 1940, como importantes núcleos de integração cul-
tural, sobretudo da arte moderna, nos quais artistas, intelectuais, críticos de artes se re-
únem para discutir, debater, estudar: “onde a ação mais significativa era o intercâmbio
de conhecimentos e o estímulo mútuos” (p. 58). Para a autora, Cesar é apontado entre
as personalidades que se destacam como um dos personagens centrais desses grupos, ao
lado de De Fiore, Paulo Rossi Osir, Lasar Segall, Sérgio Milliet e Adolpho Jagle.
No capitulo três, a investigação evidenciou o engajamento e o compromisso de
Osório Cesar com a conformação do campo comunista no Brasil, os registros DEOPS o
qualificaram como agitador, elaborador e divulgador das causas do proletariado. Sua
atuação se revelou estruturante, na medida em que exercia um papel mediador, sistema-
tizador e também fomentador de ações para a disseminação das propostas políticas de
orientação marxista, bem como para o desfazimento de preconceitos, interpretações es-
tereotipadas e narrativas que visavam deslegitimar a experiência soviética no período.
100
No campo editorial, nota-se a articulação de Cesar na inserção de literaturas
dos principais pensadores comunistas, alinhados às correntes marxistas-leninistas, entre
eles destacamos: Henri Barbusse, Roman Rolland. Como editor, mobilizou recursos na
tentativa de introduzir, no mercado editorial brasileiro, títulos de autores estrangeiros
reconhecidos por suas ideologias revolucionárias. No prefácio de sua obra A vida do
operário na União Soviética (1935), o pensador Antonio Gramsci é mencionado como
objeto de pesquisa do escritor Romain Rolland. Como assevera Magalhães (2016), ob-
serva-se que a produção textual de Osório Cesar o qualifique no âmbito dos “intelectuais
produtores de grandes textos”, assim como “intelectuais cultivadores e organizadores”,
que materializam a ideia programa e os intelectuais divulgadores, que “recriam e pro-
longam para além do tempo”, coexistem com a reprodução, a ilustração, do mesmo
modo que promovem/fomentam a conformação das ideias em virtude da reestruturação
de práticas, registro de ideias, protocolos, planos e produtos (p. 305).
Ao cotejar a produção textual de Cesar, sua militância política, as redes de so-
ciabilidade em que esteve inserido e o lugar de fala no campo da educação, nota-se que
o pensador esteve no centro de microssistemas estruturantes no contexto geopolítico,
tanto no Brasil como no mundo, na primeira metade do século XX. A sua intensa ativi-
dade no núcleo revolucionário da ANL, agravada por suas detenções no período var-
guista, o transportaram para o isolamento político-social. Os prognósticos registrados
no depoimento de Tarsila do Amaral85 acerca das coerções e perseguições realizadas
por agentes do DEOPS, parecem confirmados por autores como Carneiro (2002), Motta
(2005) e Roxo (2012).
Especificamente no campo da educação, a investigação demonstrou a relevân-
cia de ao menos duas importantes incursões de Osório Cesar. Em primeiro plano, as
formulações que o pesquisador elaborou sobre a compreensão da psique por meio da
arte estiveram fortemente conectadas ao processo de revisão do campo do ensino da arte
no Brasil no início do século XX, sobretudo na conformação do campo das “Escolas
Livres de Artes”.
As interpretações que o intelectual propunha para o lugar da arte e para sua
função expressiva do psiquismo foram imprescindíveis para o questionamento do aca-
demicismo e do formalismo que presidiam as compreensões dos artistas e dos educado-
res brasileiros no período.
85
Anexo O, fls. 81, p. 165.
101
Dito de outro modo, para compreender/interpretar Osório Cesar como intelec-
tual, sobretudo do campo da Educação é preciso observar que o ensino da arte no Brasil,
na primeira década do século XX, era pautado por um paradigma ainda atrelado às vi-
sões sobre produção artística e sobre ensino da arte implantados por Lebreton, líder da
Missão Artística Francesa, que desembarcou no Brasil (1816) na implantação da Aca-
demia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro.
Ainda nos processos de ensino e aprendizagem da arte, Ferraz (1989, 49)
sublinha que a sistematização organizada e difundida por Cesar passou a ser, “uma obra
de referência obrigatória não somente para aqueles que se dedicavam à psiquiatria, mas
também para a intelectualidade de nosso país”.
A realização da Semana de 33 talvez seja o ponto chave para a compreensão
do alcance dessa contribuição de Osório Cesar. As narrativas de Amin (2009) e Fabris
(1981), indicam que o movimento foi o segundo momento mais importante da história
da arte no Brasil, depois da Semana de Arte Moderna em 22. Amin (2009) assinalou
que “o evento promoveu ampla oportunidade de discussão do tema em São Paulo” e
acrescenta que “Vários artistas visitaram o Juquery para conhecer os trabalhos ali de-
senvolvidos com os internos. Outros organizaram encontros de discussão em que artistas
e profissionais de psiquiatria pudessem trocar ideias” (p. 133). Nota-se que o movimento
liderado por Flávio de Carvalho e Osório Cesar se materializou como um dos marcos
das discussões acerca das estéticas e rupturas da história da arte no Brasil. Coutinho
(2002), revela que as análises empreendidas por Cesar “no meio artístico” contribuiu
para as discussões sobre a abertura de “novas possibilidades estéticas, mais próximas da
liberdade de expressão” (p. 172).
Gonçalves (1990) ressaltou que Cesar foi um dos intelectuais empenhados na
luta da geração moderna pela afirmação de novas linguagens nas artes plásticas (p. 63),
e observa que as reuniões realizadas na residência de Osório Cesar tinham como obje-
tivo promover experimentos sensoriais por meio de exercícios de plasticidades sonoras
articulados com perspectivas auditivas, cognitivas, ópticas e científicas, pautadas por
teorias psicanalíticas, dos quais participavam Bonadei, Zanini, Walter Levy, Carlos
Scliar e Gastão Worms; as experiências sinestésicas são denominadas por Bonadei como
a fase das Impressões Musicais. A autora ainda destacou que as experiências empreen-
didas por Cesar constituem a fase das raízes do movimento abstracionista no Brasil.
102
Os referenciais teóricos apontam que Adolpho Jagle e Osório Cesar são os pre-
cursores das discussões acerca dos processos sinestésicos com a aplicação de técnicas e
associações imprevistas no campo da arte. Gonçalves (1990) asseverou que Cesar é uma
das personalidades centrais no processo de consolidação dos estudos e pesquisas acerca
das manifestações artísticas (p.58). Em geral, as narrativas produzidas com base na pes-
quisa de Ferraz (1989), corroboram a contribuição de Cesar na constituição do campo
da arte-educação, sobretudo acerca dos conceitos de estéticas e rupturas nas linguagens
artísticas e suas expressões.
Noutra frente, Osório Cesar aparece como inspirador, incentivador e responsá-
vel pelas condições da emergência da primeira escola para atendimento de crianças
anormais, na qual Norberto de Souza Pinto realizou uma experiência pioneira no campo
da educação das crianças com deficiência intelectual. Promovendo o diálogo entre a
psiquiatria, a psicologia experimental e a pedagogia, Osório Cesar e Norberto de Souza
Pinto acrescentaram importante movimento aos investimentos que vinham sendo feitos
no período. Coutinho (2002), sublinha que “A pedagogia absorveu em seus programas
os resultados das pesquisas científicas, principalmente o conhecimento sistematizado
sobre o desenvolvimento da capacidade de produção gráfica da criança e das pesquisas
artísticas” (p. 172). Essa declaração é legitimada pela afirmação de Ferraz (1989), na
qual adverte que a sistematização organizada e difundida por Cesar passou a ser, “uma
obra de referência obrigatória não somente para aqueles que se dedicavam à psiquiatria,
mas também para a intelectualidade de nosso país” (p. 49).
Os limites deste trabalho impediram que cada uma dessas dimensões da ação
intelectual de Osório Cesar fosse aprofundada com a devida intensidade. Deste modo, é
preciso reconhecer que seriam relevantes estudos e pesquisas que pudessem avançar
nessa seara, sobretudo, investigando:
103
c) A investigação dos desdobramentos da produção de Osório Cesar no campo
da arte-educação, a partir de seus investimentos de sistematização da pro-
dução artística da Escola Livre de Artes Plásticas do Hospital do Juquery;
d) A investigação e reconstituição das interações entre Osório Cesar e Nor-
berto de Souza Pinto, na organização e funcionamento da escola criada para
o atendimento de crianças anormais no Hospital do Juquery.
104
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116
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25.
PELAS ESCOLAS. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Correio Paulistano (SP),
edição 17738, 10/dez/1912, p. 6.
DO MEU CANTO. Correio Paulistano (SP), edição 18785, 4/nov/1915, p. 2.
LETRAS E LETRAS. Hyperesthesia da dentina (reação pulpar, sua origem e trata-
mento), Correio Paulistano (SP), edição 18917, 13/mar/1916, p. 2.
REGISTOS DE ARTE. Hora Universitária, Correio Paulistano (SP), edição 18943,
8/abr/1916, p. 5.
ATHENEA. Correio Paulistano (SP), edição 19011, 16/jun/1916, p. 5.
REGISTOS DE ARTE. Concerto Santino Giannastasio [Cesar é anunciado como pro-
fessor de música], Correio Paulistano (SP), edição 19281, 15/fev/1917, p. 5.
ATOS OFICIAIS. Secretaria do Interior, licenças concedidas [Osório Cesar, escriturário
da Diretoria de Instrução Pública], Correio Paulistano (SP), edição 20677, 23/jan/1921,
p. 4.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSYCHO-ANALYSE. Correio Paulistano (SP), edi-
ção 23099, 23/nov/1927, p. 11.
O FASCISMO E SEUS METHODOS. Correio Paulistano (SP), edição 24178,
18/jan/1935, p. 11.
CESAR, Osório. 120 mil membros de várias organizações esportivas, A Manhã (RJ),
edição 81, 28/jul/1935, p. 4.
______. Henri Barbusse e os funerais em sua honra, A Manhã (RJ), edição 137,
2/out/1935, p. 2.
A “SUBLEVAÇÃO DO BAGÉ ...”. A Manhã (RJ), edição 149, 16/out/1935, p. 11.
O INSTITUTO DE PHYSIOLOGIA DE MOSCOU. A Manhã (RJ), edição 150,
17/out/1935, p. 5.
CESAR, Osório. O ministro Capanema e a arte moderna. A Manhã (RJ), edição 882,
p. 5, 25/jun/1944
“IMPRENSA MÉDICA”. A Manhã (RJ). edição 1352, 5/jan/1946, p. 5.
HORA UNIVERSITÁRIA. edição 3067, A Gazeta (SP), 27/abr/1916, p. 2.
PALCOS E SALÕE. A Gazeta (SP), edição 3251, 29/nov/1916, p. 2.
A LUTA CONTRA A GUERRA EM SÃO PAULO. A Gazeta (SP)edição 8121,
6/fev/1933, p. 3.
117
Notas de arte. Clube dos Artistas Modernos. A Gazeta (SP), edição 8251, 12/jul/1933,
p. 5.
NOTAS SOCIAES. A Gazeta (SP), edição 8328, 11/out/1933, p. 2.
LIVROS & AUTORES. “Que é o estado proletário?”, A Gazeta (SP), edição 8350,
7/nov11/1933, p. 6.
Artigos
CESAR, Osório. A arte primitiva nos alienados (1925): manifestação escultórica com
caráter simbólico feiticista num caso de síndrome paranoide. Revista Latino-americana
de Psicopatologia Fundamental. Ano X, n 1, março, 2007.
_____. A alfabetização das crianças anormais. Revista da Educação – Ecos da III Con-
ferência Nacional da Educação, 1929.
BASTIDE, Roger; CEZAR, Osório. Pintura, loucura e cultura. Arquivos do Departa-
mento de Assistência a Psicopatas do Estado de São Paulo, v. 22, p. 51-70, 1956 [Re-
publicado em Revista Braziliense, n. 19, 1958]. Disponível em: <
118
www.psicopatologiafundamental.org/uploads/files/revistas/volume10/n1/pintura_lou-
cura_e_cultura_1956.pdf>. Acesso em: 25 de maio de 2013.
Livros
CESAR, Osório. A expressão artística nos alienados: contribuição para o estudo dos
symbolos na arte. São Paulo: Officinas Graphicas do Hospital do Juquery, 1929.
______. Onde o proletariado dirige: visão panorâmica da U.R.S.S. São Paulo: [Edição
Brasileira], 1932.
______. Que é o estado proletário? Reflexões sobre a Rússia Soviética. São Paulo:
Udar, 1933.
______. A arte nos loucos e vanguardistas; prefácio de Neves-Manta. RJ: Flores &
Mano, 1934.
______. A vida do operário na União Soviética. São Paulo: Udar, 1935.
______. Misticismo e loucura: contribuição para o estudo das loucuras religiosas no
Brasil, 1939.
______. A medicina na União soviética; sobre o efeito terapêutico do Soro citotóxico
anti-reticular. São Paulo: Laboratório Carrano, 1945.
_____. [Contribution à l'étude de l'art chez les aliénés...]. Franco da Rocha: Departa-
mento de Assistência a psicopatas, 1951.
Separatas
CESAR, Osorio. Simbolismo místico nos alienados. São Paulo: Departamento de Cul-
tura, 1949. 72p. 6 lâm. Separata da revista do arquivo, nº CXXIV.
119
Anexos
120
Anexo A. Osório Cesar, jovem
Fonte: Osório Cesar, a/d, coleção Ana Maria e Paulo Vasconcelllos, reproduzido do catálogo Arte
e inconsciente: três visões sobre o Juquery Instituto Moreira Salles, 2002
121
Anexo B. Registro das publicações de Osório na década de 1910
Fonte: Contracapa do livro A Chimica da Vida de Osório Cesar. Acervo família Cesar Maragli-
ano, 2017
122
Anexo C. Registros da linha do tempo do #OcupaJuca, a celebração dos 80 anos do
“Mês dos Loucos e das Crianças”
Fonte: Convite eletrônico, arte e diagramação Adilson Cunha e Regiane Mendes, agosto/2013
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, OJr., acervo DirCom PMFR,
agosto/2013
123
Segunda roda de conversa com educadores da rede municipal
Fonte: Convite eletrônico, arte e diagramação Adilson Cunha e Regiane Mendes, setembro/2013
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, OJr, acervo DirCom
PMFR, setembro/2013
124
Terceira roda de conversa com educadores da rede municipal
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, Thiago Lins, acervo Dir-
Com PMFR, outubro/2013
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, Thiago Lins, acervo Dir-
Com PMFR, outubro/2013
125
Anexo D. Registros das formações das equipes de educadores do Programa Mais Edu-
cação da rede municipal da PMFR. Acervos pessoais e públicos.
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, Barbara Scarelli, acervo
DirCom PMFR, maio/2014
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, Barbara Scarelli, acervo
DirCom PMFR, maio/2014
126
Segunda formação dos técnicos do Programa Mais Educação da rede municipal
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, Barbara Scarelli, acervo
DirCom PMFR, maio/2014
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, Barbara Scarelli, acervo
DirCom PMFR, maio/2014
127
Terceira formação dos técnicos do Programa Mais Educação da rede municipal
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, a/d, acervo DirCom PMFR,
maio/2014
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, a/d, acervo DirCom PMFR,
maio/2014
128
Expedição investigativa: técnicos do Programa Mais Educação da rede municipal
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, Thiago Lins, acervo DirCom
PMFR, julho/2014
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, Thiago Lins, acervo DirCom
PMFR, julho/2014
129
Anexo E. Registros da visita técnica da equipe de educadores do Núcleo de Ação Edu-
cativa (NAE) da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, a/d, acervo DirCom
PMFR, setembro/2014
Fonte: Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, a/d, acervo DirCom
PMFR, setembro/2014
130
Anexo F. Memorial de ações #OcupaJuca 2016-2018
131
2) Formações
Educadores da rede municipal na produção do Dicionário de Linhas e traços, Andreia Udvari, 2017
Educadores da rede municipal na produção do Dicionário de Linhas e traços, Andreia Udvari, 2017
132
2b) De Juquery a Franco da Rocha: cartografias afetivas
Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, a/d, acervo DirCom PMFR, se-
tembro/2014
Divulgação do evento na rede social da página oficial da prefeitura, a/d, acervo DirCom PMFR,
setembro/2014
133
3) Nota Técnica nº 1/2018
134
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163
Anexo G. Ofício nº 206, Secretaria de Estado dos Negócios do Interior.
164
Anexo H. Atestado de óbito de Osório Cesar.
165
Anexo I. Certidão de casamento de Olga Ferreira de Barros e Osório Cesar.
Cópia da certidão de casamento, acervo do Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt da Se-
cretaria da Segurança Pública de São Paulo, 2016
166
Anexo J. Desenhos das crianças da Escola Pacheco e Silva
167
Anexo L. Capa e prefácio do livro Onde o proletariado dirige: visão panorâmica da
URSS, prefácio de Henri Barbusse (1932).
168
169
Anexo M. Informações sobre a atividade de Osório Cesar
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 52-87, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público do
Estado de São Paulo
170
Anexo N. Informações sobre a atividade de Osório Cesar
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 52-87, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
171
Anexo O. Relatório de inquérito DEOPS-SP, fls. 42-87.
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 84-87, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público
do Estado de São Paulo.
172
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 80-83, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público
do Estado de São Paulo.
173
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 76-79, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público
do Estado de São Paulo.
174
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 72-75, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público
do Estado de São Paulo.
175
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 68-71, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público
do Estado de São Paulo.
176
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 64-67, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Pú-
blico do Estado de São Paulo.
177
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 62-63, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público
do Estado de São Paulo.
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 52-53, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público
do Estado de São Paulo.
178
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 47-50, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público
do Estado de São Paulo.
179
Fonte: Osório Cesar, prontuário nº 1936, fls. 43-46, volume 1, acervo DEOPS do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
180