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OS MAIAS, 

EÇA DE QUEIRÓS
1. PERSONAGEM
CENTRALIDADE
Desde o início, começa a definir-se a personagem que ocupara na obra o papel fulcral, tanto
em termos de inserção social, como em relação à intriga – Carlos. As gerações de Afonso e
Pedro da Maia surgem sobretudo em função da necessidade de explicar a existência de Carlos
“em Lisboa, no Outono de 1875″, quando começa a história.
CARACTERIZAÇÃO
Com o Naturalismo, a caracterização das personagens especializa-se: estão em
causa, então, sobretudo fatores educacionais, elementos concernentes à hereditariedade,
relações com o meio e a sua influência. Tudo inspirado numa conceção determinista e
evolucionista da existência, a que não eram alheias as teses de Darwin a propósito da origem
das espécies e da sua selecção por força das características ambienciais específicas. Porém, a
gestação d’Os Maias coincide, em grande parte, com a gradual instauração da descrença nos
valores da estética naturalista. Neste romance, encontraremos uma caracterização tipicamente
naturalista (a de Pedro da Maia), uma outra de caráter híbrido (Maria Eduarda) e, finalmente, a
do próprio Carlos da Maia, praticamente por completo afastada das normas impostas no
romance experimental.
Pedro da Maia
Com Pedro da Maia assistimos ao enunciar, por parte do narrador, dos fatores
tradicionalmente evocados sob a vigência do cânone
naturalista: característicaspsicofisiológicas (temperamento nervoso e instável, a abulia e a
passividade), meio social (o vaguear pelos botequins e lupanares, os distúrbios no Marrare e a
alternância com a imersão no ambiente beato e nas leituras devotas) e educação (a
deformação da vontade própria, a imersão na atmosfera melancólica do Romantismo
decadente, o recurso à memorização). Este leque de factores explicam as opções de Pedro
tais como o casamento sentimentalmente instável e falhado e, por fim, o suicídio, consequência
última e definitiva do seu temperamento e de uma formação virados  para a cedência e para a
fuga.
Maria Eduarda
Com o seu processo de caracterização estamos com um comportamento, por parte do
narrador, de certa forma eclético, no que respeita à evocação dos elementos que definem o
modo de existência da personagem. O teor da confissão de Maria Eduarda (cap. XV) prende-se
a dois grandes vectores: por um lado, à referência a uma juventude desordenada e passada
em ambientes algo duvidosos; por outro lado, à explícita responsabilização desses ambientes e
da companhia da mãe para explicar a sua vida dispersiva e vivida ao sabor de amizades de
circunstância. Só que esta autocaracterização constitui já uma ruptura face às normas do
Naturalismo. Estruturalmente, estes dados sobre a personagem surgem depois de os
comportamentos terem sido realizados e não antes, como no caso de Pedro da Maia. Além
disso, o facto de ser uma autocaracterização, que tende a ser subjetiva, colide com as
determinações do Naturalismo.
Carlos da Maia
As sugestões de fuga às diretrizes naturalistas esboçadas na caracterização de Maria
Eduarda consumam-se inteiramente no que respeita a Carlos da Maia. Com Carlos assiste-se
àquilo a que normalmente se chama caracterização indireta, ou seja, uma caracterização
essencialmente dinâmica, em que os atributos da personagem são apreendidos gradualmente,
à medida que a sua actuação no decurso da ação vai permitindo. Assim, a vocação de Carlos
para a Medicina não é explicada pelo narrador em função de uma qualquer causa hereditária
ou ambiencial. É igualmente por meio do seu comportamento dispersivo que subtilmente é
sugerido o diletantismo que conduzirá Carlos à frustração das suas potencialidades. Mas será
sobretudo nos seus contatos sociais que Carlos definirá a sua condição de personagem em
tudo superior ao contexto social em que se insere. Carlos não tem a atenção direta, sistemática
e demorada do narrador, tal como acontecia à luz do código naturalista. O próprio Carlos afirma
que “os carateres só se podem manifestar pela ação.”
2. EDUCAÇÃO
N’Os Maias, a educação surge diversas vezes aflorada ao longo do romance, isso
acontece quando se trata de através dela delinear uma imagem das conceções que sobre o
assunto eram desposadas pela alta sociedade lisboeta cuja mentalidade deste modo se vai
precisando.
N’Os Maias são confrontados dois sistemas educativos opostos: a típica educação
portuguesa oitocentista e conservadora (de Pedro da Maia e Euzebiozinho): o primado da
cartilha e com ela uma conceção essencialmente punitiva da devoção religiosa; o latim como
prática pedagógica fossilizada e não criativa; e sobretudo a fuga ao contato direto com a
natureza e com as realidades práticas da vida. Por sua vez, Carlos é submetido a
umaeducação tipicamente inglesa: privilégio da vida ao ar livre, exercício físico, aprendizagem
de línguas vivas, desprezo pela cartilha e por todo o conhecimento exclusivamente teórico.

Carlos da Maia – à Inglesa Eusebiozinho – Tradicional

Pedagogo Inglês – Brown Pedagogo Português – Abade Custódio


Contacto com a Natureza
“… Correr, cair, trepar às árvores, molhar-se,
apanhar soalheiras, como um filho de caseiro…” Permanência em casa
(p.57) “… Passava os dias nas saias da titi…” (p.78)
Aprendizagem de línguas vivas: Inglês Aprendizagem de línguas mortas: Latim
“… Mostrou-lhe o neto que palrava inglês com o “…a instrução para uma criança não é
Brown…” recitar Tityre, tu patulae recubans…”
Contacto com velhos livros
“… Admirar as pinturas de um enorme e rico
Brincadeiras e divertimento volume, «Os costumes de todos os povos do
“Estou cansado, governei quatro cavalos…” (p.73) Universo»…” (p.69)
Super protecção
Rigor, método e ordem “…levava ao colo o Eusebiozinho, que parecia
“…tinha sido educado com uma vara de ferro!…”, um fardo escuro, abafado em mantas, com um
“…não tinha a criança cinco anos já dormia num xale amarrado na cabeça…” (p.76), “…nunca o
quarto só, sem lamparina…” (p.57) lavavam para o não constiparem…” (p.78)
Valorização da memorização
“…Que memória! Que memória… É um
Valorização da criatividade e juízo crítico prodígio!…” (p.76)
Submissão da vontade ao dever
“…Ainda é muito cedo, Brown, hoje é festa, não me Suborno da vontade pela chantagem afectiva
vou deitar!… Carlos tenha a bondade de marchar já “…e a mamã prometeu-lhe que, se dissesse os
para a cama!” (p.73) versinhos, dormia essa noite com ela…” (p. 76)
Desprezo da Cartilha e do conhecimento teórico Estudo da Cartilha
“… É saber factos, noções, coisas úteis, coisas “…a decorar versos, páginas inteiras do
práticas…” (p.63)
“…e pedira-lhe que lhe dissesse o Acto de
Contrição. … Que nunca em tal ouvira falar…”
(p.67) «Catecismo de Perseverança»…” (p.78)
Débil na sua saúde e não tinha actividade
Exercício físico: ginástica ao ar livre física
“…a remar, Sr. Vilaça, como um barqueiro! Sem contar “…Não tem saúde para essas cavaladas…”
o trapézio, e as habilidades de palhaço…” (p.58) (p.73)
3. ESPAÇO
ESPAÇO FÍSICO
Num romance como Os Maias, o espaço físico não pode ser analisado em bloco, sob
pena de se confundirem elementos e dimensões da história visivelmente distintos. Deste modo,
há que distinguir dois tipos de espaço físico: o primeiro, de âmbito eminentemente geográfico e
o segundo constituído por cenários interiores.
Verifica-se que os espaços geográficos são sobretudo os de Coimbra e Lisboa
(cabendo as alusões a Santa Olávia). Em Coimbra, a existência de Carlos surge marcada
ainda pelo Romantismo (Carlos “terminou por se enredar num episódio romântico com a mulher
dum empregado do registo civil”). O espaço da capital é, antes de mais, o espaço da
centralidade da nação portuguesa. É que Lisboa (fora da qual, no dizer do Ega, “não há nada.
O país está todo entre Arcada e S. Bento”) polariza a vida política e a vida económica do país,
a literatura, a diplomacia e o jornalismo.
ESPAÇO SOCIAL
O narrador d’Os Maias faculta-nos, a nível do espaço social, a representação de uma
época e de um meio.  Consegue-o fundamentalmente à custa de dois recursos específicos: a
delineação de determinadas personagens figurantes e a representação de ambientes de
conjunto.
FIGURANTES
Em relação a este tipo de personagens, é nítida a desvalorização do elemento individualizante,
em benefício do realce dos vícios, mentalidades e atitudes culturais.  O modo de representação
dos figurantes corresponde, n’Os Maias, à personagem plana, aquela que não interpreta
atitudes inovadoras e inesperadas, a que é dotada de ‘tiques’, trejeitos e pormenores físicos
sistematicamente repetidos quando ocorre a sua intervenção na acção: a gordura em Dâmaso,
o agitar da cabeleira em Alencar, a expressão ‘C’est grave’ em Steinbroken.
Eusebiozinho representa um tipo de educação retrógrada e deformante; identifica-se
também, parcialmente, com os valores culturais do Ultra-romantismo absorvido na infância.
Totalmente identificado com os valores do romantismo hipersentimental e soturno, surge-nos
Tomás Alencar, personagem presente na diegese d’Os Maias desde a juventude de Pedro da
Maia. A contradição entre o ser e o parecer constitui também a essência de uma personagem
como o conde de Gouvarinho. Para além das referências ao temperamento e às dádivas do
conde, mais importante é o facto de até o criado de Carlos se aperceber da contradição
fundamental que caracteriza a vida deste casal da alta sociedade lisboeta. Próximo de
Gouvarinho está Sousa Neto, representante da Administração Pública e burocrata típico. A sua
mediocridade intelectual revela-se no diálogo que trava com Ega e Carlos (pp.397-400,ed.
Livros do Brasil). De Palma ‘Cavalão’, figura ligada ao meio jornalístico lisboeta, basta referir o
seu comportamento do ponto de vista deontológico quando surge um artigo insultuoso para
Carlos encomendado por Dâmaso. Pago para o ‘apimentar’ e publicar, pago igualmente para o
suspender e revelar a sua origem, Palma oscila ao sabor das conveniências de ocasião.
De Steinbroken não se pode dizer ser um tipo próprio do universo cultural português.
Representante oficial da Finlândia, Steinbroken parece resumir as suas funções diplomáticas
as duas preocupações: a de exercer com zelo o seu cargo e o de se remeter a uma
neutralidade constante e prudente. A expressão que o define é “C’est grave”. Finalmente,
Dâmaso Salcede é uma alegoria dos vícios mais perniciosos que infestam a Lisboa da
Regeneração, representando a própria imoralidade em estado bruto. A sua expressão típica é
“Chique a valer.”.
Outros figurantes evidenciam as características da atmosfera social em que vive Carlos
da Maia: Taveira e a sua ociosidade crónica, o Cohen, representante da alta finança,
oNeves do jornal “A Tarde”, a própria condessa de Gouvarinho, tentando superar o tédio e a
monotonia por meio de um adultério caprichoso. Todos eles valem sobretudo nas condições de
documentos sociais, de representantes de profissões, opções culturais e políticas, posições
económicas e esquemas mentais.
Duas personagens confirmam (por contraste) a mediocridade patenteada pelas acima
analisadas. o pianista Cruges, amigo de Carlos, definido por este como “um diabo adoidado,
maestro, pianista, com uma pontinha de génio” mas que por ser tímido e desinserido dos
hábitos mundanos surge, ao longo da crónica de costumes, indelevelmente marcado pelos
condicionamentos desse meio: é a música projectada e nunca composta porque o país não
sabe escutar, é o desinteresse com que no sarau do Teatro da Trindade, a alta sociedade
escuta a “Sonata Patética”. Com Craft assiste-se essencialmente ao contraste entre aquilo que
Ega chama uma originalidade forte e a modorra lisboeta. Craft representa o temperamento e a
formação vital britânica e manifesta, de modo sistemático, um certo distanciamento e
superioridade relativamente ao meio social em que se insere.
AMBIENTES
A verdadeira dimensão destas personagens só se atinge quando em movimento,
integradas em determinados ambientes, relacionando-se com figuras fulcrais da obra. 
O Jantar do Hotel Central serve, no entanto, para propiciar um primeiro e alargado contato de
Carlos com o meio social lisboeta. Neste episódio estão representados os temas mais
proeminentes da vida político-cultural portuguesa. Entre estes temas encontra-se a literatura e
a crítica literária. Entre Alencar e Ega personifica-se uma forma de antagonismo cujos termos
expostos pecam igualmente por excesso: de um lado, o exagero e a ‘moralização’ ultra-
romântica e consequente fuga ao real circundante; do outro lado a distorção das teses
naturalistas: “A forma pura da arte naturalista devia ser a monografia, o estudo seco de um tipo,
de um vício”, (p.164) Os outros dois fogos são representados por Carlos e Craft: apontando
para soluções artísticas que rejeitam “a realidade feia das coisas e da sociedade estatelada
num livro.” A posição de Carlos e Craft parece tender para uma estética de conotações
parnasianas, quando Craft afirma: “a obra de arte (…) vive apenas pela forma.” A crítica
literária mostra que as questões a nível formal se sobrepõem à dimensão temática e
verdadeiramente poética da literatura. O jantar do Hotel Central representa o esforço
frustrado de uma certa camada social para assumir um comportamento digno e requintado.
Observe-se o cínico calculismo com que a degradação financeira do país é comentada por
Cohen, a miopia histórica de Alencar que ainda vê na ameaça espanhola um perigo para a
independência.
O episódio das corridas de cavalos representam, na Lisboa finissecular, um esforço
desesperado de cosmopolitismo, concretizado, no entanto, à custa de uma imitação do
estrangeiro. O universo social é dominado pela monotonia e pela improvisação. O cenário
denota uma feição provinciana indesmentível. Para além destas características de conjunto
patenteadas pelo cenário físico e humano, verifica-se um desinteresse geral pelo próprio
fenómeno desportivo. Quer o episódio do jantar no Hotel Central quer o da corrida de cavalos
são elucidativos da mentalidade e comportamentos da alta sociedade lisboeta.
Igualmente representativo é um outro episódio, de dimensão humana mais reduzida,
mas ainda assim importante: o jantar em casa do conde de Gouvarinho. Particularmente
virado para duas personagens (o conde de Gouvarinho e sobretudo Nousa Neto), o nível da
crónica de costumes evidencia especialmente a mediocridade mental dos figurantes referidos:
os comentários acerca da educação das mulheres, na referência a Proudhon, na curiosidade
de Sousa Neto em relação ao estrangeiro, o que fundamentalmente se denuncia é a
superficialidade de juízos dos mais destacados funcionários do Estado, aliada a uma evidente
incapacidade de diálogo.
Num outro âmbito crítico, situa-se o episódio do jornal “A Tarde”. Aí patenteiam-se os
vícios mais degradantes do jornalismo nacional. É a parcialidade que leva o diretor a recusar a
carta de Dâmaso porque o confunde com um correlegionário para, desfeito o equívoco, se
servir da mesma carta como meio de vingança política, como cinicamente afirma, “as questões
de honra antes de tudo.”
Um último episódio de representação do panorama social lisboeta ocorre, quando Ega
e Carlos assistem ao sarau literário do Teatro da Trindade. Vários dos elementos
socioculturais foram já direta ou indiretamente referidos a propósito de episódios anteriores: a
superficialidade das conversas, o alheamento perante a múscia tocada por Cruges, as atitudes
empoladas do conde de Gouvarinho, a oratória com recursos a imagens de originalidade
duvidosa, a excitação colectiva conseguida por Rufino, explorando, no fundo, as carências
culturais de um público temperamentalmente seduzido por artifícios estéticos estereotipados.
Todos estes episódios de ampla participação por parte das figuras mais típicas do meio
social da obra constituem, portanto, o vasto cenário humano, cultural e mental em que se
projeta a existência da personagem central. O passeio final (dez anos depois) de Carlos e Ega
em Lisboa mostra a possível influência do meio social sobre a personagem central.
Sabemos já que Carlos teve uma educação situada nos antípodas da deformante e
conservadora educação portuguesa típica; ora o que importa saber é se essa educação foi
suficiente para fazer Carlos triunfar na vida e consumar as potencialidades vitais que nele se
adivinham, sobretudo na época da sua formação. Num ensaio dedicado a Os Maias, Jacinto
Prado Coelho afirma que “Carlos não fraquejou por causa da educação, mas apesar
daeducação recebida.”; e acrescenta que os dois motivos desse falhanço são “o temperamento
portuguesmente mole e apaixonado; o meio lisboeta, portuguesmente ocioso.” As
preocupações formais, o diletantismo e o dandismo, constituem, por conseguinte, uma espécie
de tentativa de evasão por uma personagem cuturalmente distanciada do meio em que vive,
mas incapaz de escapar às limitações e à pequenez mental desse meio.
O dandismo de Carlos e o parnasianismo de Ega (contraditório…) impedem a
passagem à prática: aí está, finalmente,, como um meio dispersivo e esvaziado de capacidade
de solicitação fomenta nas personagens a ele sujeitas um estado de espírito e um
comportamento despido de iniciativa. confirma-se, assim, no nível da crónica social, que se
mantém vigente um factor fundamental da estética naturalista: a influência do meio sobre as
personagens.
ESPAÇO PSICOLÓGICO
Com o espaço psicológico situamo-nos num domínio estreitamente relacionado com a
problemática do tempo subjetivo e com o ponto de vista da narrativa. O espaço psicológico
mostra as ‘zonas’ de vivência íntima de determinadas personagens, particularmente, as que
desempenham papeis mais relevantes na acção. Não é por acaso que a recordação se opera
de um modo quase caótico: é que ela coincide com os momentos fulcrais da intriga, quando as
personagens mais importantes estão dominadas por estados de espírito altamente
emocionados: a conturbação intensa, a dúvida violentamente sentida, a crise de auto-
confiança, estados de espírito estes normalmente condicionados pelo desenrolar da intriga.
É nestas circunstâncias que encontramos a personagem central refletindo acerca do
caminho a seguir com Maria Eduarda e das consequências que daí adviriam. Tal como Carlos,
também Ega, o comparsa inseparável, patenteia os seus pensamentos mais íntimos nos
momentos em que participa diretamente no desenrolar da intriga. em todas estas ocorrências,
a representação do espaço psicológico permite, para além do conhecimento da conturbação
interior, definir com um certo rigor a composição dessas mesmas personagens.
Carlos e Ega são personagens redondas (opondo-se diametralmente às planas)
porque dotadas de considerável complexidade, interpretando comportamentos muitas vezes
inesperados e revelando uma complexidade psicológica desde logo significativa.
4. ACÇÃO
A intriga é uma acção fechada porque os eventos da intriga se sucedem por uma
relação de causalidade e existe nela um acontecimento final, o desenlace, que inviabiliza a sua
continuação. O capítulo final (cap. XVIII) constitui, em relação à intriga, um epílogo, por nele se
reflectirem as consequências (em termos familiares, existenciais, psicológicos, etc.) do incesto.
ESTRUTURA DA INTRIGA
Intriga secundária: (páginas referentes a Ed. Livros do Brasil)
Pedro vê Maria Monforte (p.22) / Pedro namora Maria Monforte  (p.26) / Pedro casa com Maria
Monforte (p.30) / Maria Monforte foge (p.44) / Pedro suicida-se (p.52)
Intriga principal:
Carlos vê Maria Eduarda (p.156) / Carlos visita Rosa (p.257) / Carlos conhece Maria Eduarda
(p.350) / Declaração de Carlos (p.409) / Consumação do incesto (p.438) / Encontro de Maria
Eduarda com Guimarães (p.537) / Revelações de Guimarães a Ega (p.615) / Revelações de
Ega a Carlos (p.640) / Incesto consciente (p.658) / Encontro de Carlos com Afonso (p.667) /
Morte de Afonso (p.668) / Revelações de Maria Eduarda (p.683) / Partida de Maria Eduarda
(p.687)
Assim se verifica que a intriga secundária adquire peso como estrutura que
logicamente precede a principal, sobretudo quando as revelações de Guimarães permitem
apreender a remota conexão das acções de Pedro e Maria Monforte com o presente de Carlos
e Maria Eduarda. A intriga principal regista uma preparação relativamente rápida, também a
consumação, de novo assim se sugerindo o que existe de irreversível na aproximação Carlos /
Maria Eduarda e o acabamento revela-se a fase mais prolongada de toda a intriga.
ACÇÃO TRÁGICA
A destruição consuma-se por meio de um agente tão eficaz como dissimulado:
odestino. Corporizado na função de mensageiro interpretada por Guimarães no momento das
revelações fatídicas, o destino é afinal uma força motora que comanda os eventos conducentes
à catástrofe final. É, com efeito o destino que se insinua subtilmente, quando Maria monforte
escolhe para o seu filho o nome de Carlos Eduardo: porque “um tal nome parecia conter todo
um destino de amores e façanhas.” Ora, é fácil perceber a feição premonitória desta escolha;
para além de aludir diretamente ao destino, tal nome incide sobre um nome marcado pelo
estigma da extinção de uma família: o nome de Carlos Eduardo Stuart, o último dos Stuarts.
Bibliografia – REIS, Carlos, Introdução à Leitura d’Os Maias, 5ª ed., Coimbra, Livraria
ALMEDINA, 1986.
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No romance Os Maias, Eça de Queirós, no propósito de elaborar um retrato da sociedade,


que se percebe no subtítulo Episódios da Vida Romântica, e dentro do espírito naturalista,
procura encontrar razões para a crise social, política e cultural a partir da formação do
indivíduo. Fator de humanização, de socialização e de autonomia, a educação produz ou
reproduz modelos sociais e políticos que propõem um sistema de valores e princípios que
são a base de uma sociedade.
O tema da educação é frequentemente tratado por Eça de Queirós e surge n’Os
Maiascomo um dos principais fatores comportamentais e da mentalidade do Portugal
romântico por oposição ao Portugal novo, voltado para o futuro. Não só deparamos com
dois modelos educativos opostos, como é frequente ver as conceções de educação
afloradas ao longo da obra através de opiniões das personagens ou das mentalidades e
cultura que revelam.
Pedro da Maia e Eusebiozinho protagonizam a educação tradicionalista e conservadora,
enquanto Carlos recebe a educação inglesa. A incapacidade para enfrentar as
contrariedades ou a capacidade para se tornar interveniente na sociedade são as
consequências imediatas dos processos educativos opostos.
A educação tradicionalista e conservadora caracteriza-se pelo recurso à memorização; ao
primado da cartilha apenas com os saberes e os valores aí insertos; à “moral do
catecismo” e da devoção religiosa com a conceção punitiva do pecado; ao estudo do latim
como língua morta; à fuga ao ar livre e ao receio do contacto com a Natureza.
A educação inglesa caracteriza-se pelo desenvolvimento da inteligência graças ao
conhecimento experimental; pelo desprezo da cartilha, embora com a defesa do “amor da
virtude” e “da honra” como convém a “um cavalheiro” e a “um homem de bem”; pela
ginástica e pela vida ao ar livre; pelo contacto direto com a Natureza, pelo gosto das
línguas vivas.
A educação tradicionalista e conservadora desvalorizou a criatividade e o juízo crítico,
deformou a vontade própria, arrastou os indivíduos para a decadência física e moral. Em
Pedro da Maia, por exemplo, levou-o a uma devoção histérica pela mãe e tornou-o incapaz
de encontrar uma solução para a sua vida, quando Maria Monforte o abandonou; em
relação à personagem Eusebiozinho, tornou-o “molengão e tristonho”, arrastou-o para uma
vida de corrupção, para um casamento infeliz e para a debilidade física.
A educação inglesa procurou “criar a saúde, a força e os seus hábitos”, fortalecendo o
corpo e o espírito. Graças a ela, Carlos da Maia adquiriu valores do trabalho e do
conhecimento experimental que o levaram a abraçar um curso de medicina e a projetos de
investigação, de empenhamento na vida literária, cultural e cívica.
A vida de ociosidade de Carlos e o sequente fracasso dos seus projetos de trabalho útil e
produtivo não resultaram da educação, mas da sociedade em que se viu inserido. A
ausência de motivações no meio em que se movimentou, o próprio estatuto económico
que não lhe exigia qualquer esforço e a paixão romântica que o seduziu foram causas
suficientes para, apesar de culturalmente bem formado, desistir, sentir o desencanto e
afastar-se das atividades produtivas. Mas ao contrário do seu pai, Pedro da Maia, que,
perante o fracasso amoroso, se suicidou, Carlos procura um novo caminho, elaborando
uma filosofia de vida, a que chama “fatalismo muçulmano”: “Nada desejar e nada recear…
Não se abandonar a uma esperança – nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que
vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias
agrestes e de dias suaves.”

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