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Frei Luís de Sousa, de Almeida Garret

Espaço da ação
• Toda a ação decorre em Almada.

• Ato Primeiro – Decorre no palácio de D. Manuel, numa sala


ornamentada e luxuosa, sugerindo que este lugar é habitado por
personagens nobres. Este palácio transmite a ideia de conforto, bem-
estar e a união e o amor familiares. Por esse motivo, o incêndio que
destrói o solar revela-se um presságio da desagregação do núcleo
familiar, consumada pela catástrofe que se abaterá sobre os seus
membros.

• Ato Segundo – Perdido o palácio de D. Manuel, a família muda-se para


a antiga casa de D. João de Portugal (e de D. Madalena). O Ato
Segundo decorrerá numa sala austera e fria, pouco ornamentada e de
«gosto melancólico e pesado». Os retratos de D. Sebastião, D. João e
Camões conferem solenidade à cena e são uma recordação do velho
Portugal independente e grandioso que pereceu em Alcácer-Quibir.
Esta sala é uma divisão interior, sem janelas ( simbolizando a prisão e
o afastamento do mundo), inóspita, pautada pela gravidade e iluminada
por tochas e não pelo Sol. As personagens perderam a noção de lar. D.
Madalena vive em estado de receio e tensão.

• Ato Terceiro – Decorre na parte baixa do palácio de D. João. O espaço


subterrâneo é ainda mais fechado, mais escuro, quase não tem
ornamentos: trata-se de um lugar propício a sensação de claustrofobia.
A sala subterrânea tem ligação à «capela da Nossa Senhora da
Piedade», representando que o casal optou pela vida religiosa e a
família está condenada à desagregação. No fim do ato, surge, ao
fundo, o interior da Igreja de São Paulo.

Assistimos também a um progressivo afunilamento do espaço: de uma sala


com grandes janelas e onde a luz natural penetra, no Ato Primeiro, passando
por uma sala fechada (Ato Segundo) até chegarmos a um espaço
subterrâneo e em que as personagens parecem já enclausuradas (Ato
Terceiro).

Tempo da ação
Há referências à Batalha de Alcácer-Quibir, que tivera lugar vinte e um anos
antes. Depois da batalha, e durante sete anos, D. Madalena promoveu
buscas para saber se D. João ainda está vivo. No fim deste período, e como
a procura se revelou infrutífera, acabou por casar-se com D. Manuel.
A ação da peça desenrola-se num breve período de tempo, sensivelmente
uma semana.
• Segundo ato – Decorre no dia do aniversário da Batalha de Alcácer-
Quibir (4 de agosto de 1578) e como D. Madalena afirmara que já
haviam passado vinte e um anos desde a batalha, é possível localizar a
ação deste ato no dia 4 de agosto de 1599.
• Primeiro ato – Uma vez que estes acontecimentos se desenrolam oito
dias depois dos do primeiro ato, podemos concluir que o primeiro ato
decorre no dia 28 de julho de 1599.
• Terceiro ato – Passa-se durante a noite do dia 4 de agosto.

Este afunilamento progressivo do tempo contribui para intensificar a tensão


dramática, na medida em que todos os acontecimentos se sucedem de
forma cada vez mais rápida, até ao desenlace trágico.

Dimensão trágica
De acordo com os factos históricos, D. Madalena tivera três filhos do primeiro
casamento, que são aqui eliminados, para que a aniquilação de Maria
represente, de facto, o extermínio completo da família.
Da mesma forma, todo o desenrolar da ação converge para o desenlace
trágico. Mesmo o momento em que D. Manuel parece revoltar-se contra o
destino, incendiando o seu palácio, acaba por servir a fatalidade que se
abate sobre as personagens, na medida em que obriga a família a mudar-se
para o palácio de D. João, local aonde este regressará.

Elementos da ação trágica


• Peripécia – Mudança repentina dos acontecimentos
• Anagnórise – Significa “reconhecimento”
A peripécia e a anagnórise ocorrem em simultâneo: com a chegada do
Romeiro e o reconhecimento da sua identidade (anagnórise), dá-se uma
inversão brusca nos acontecimentos (peripécia) – o casamento torna-se
inválido e Maria torna-se filha ilegítima.

• Clímax – Momento culminante da ação


Ocorre na cena XV do Ato Segundo, pois é neste momento que a tensão
dramática atinge o seu auge: D. João de Portugal dá a conhecer de forma
inequívoca a sua identidade, demonstrando, ao mesmo tempo, de forma
paradoxal, que o esquecimento a que foi votado anulou a sua existência.

• Catástrofe – Desenlace trágico


D. Madalena e D. Manuel morrem para o mundo, ingressando na vida
religiosa, e Maria morre, de facto.

• Pathos – Sofrimento crescente das personagens

• Catarse – Efeito purificador que a tragédia deve ter nos espetadores


Estrutura externa
A peça de Garrett é composta por um texto principal, que consiste nas falas
das personagens, e por um texto secundário, que é constituído pelas
didascálias.
Enquanto drama romântico, Frei Luís de Sousa é um texto em prosa
estruturado em três atos. Por sua vez, cada ato organiza-se em várias cenas.

Estrutura interna
• Exposição – Cenas I a IV do Ato Primeiro – São-nos apresentados a
época e o contexto em que o enredo se desenrola, as personagens
centrais do drama e os antecedentes da ação

• Conflito – Cena V do Ato Primeiro e a Cena IX do Ato Terceiro – Um


primeiro momento de grande intensidade ocorre quando o Romeiro
afirma que D. João de Portugal (ele próprio) está vivo, no fim do Ato
Segundo.

• Desenlace – Cenas X e XII do Ato Terceiro – Maria morre, D. Madalena


e D. Manuel ingressam na vida religiosa.

A numerologia
• 21 anos após a Batalha de Alcácer-Quibir: 3 ciclos de 7
– 1º ciclo de 7: Diligências de D. Madalena para procurar o primeiro marido.
– 2º ciclo de 7: 14 anos de casamento com D. Manuel

• 7 = Ciclo completo
Ex: Deus criou o Mundo em 6 dias e ao 7º descansou;
7 dias da semana;
7 fases lunares.

• 3 = Perfeição
Ex: Pai, Filho, Espírito Santo

• 21 = 1º ciclo + 2º ciclo = Tragédia perfeita (Chegada de D. João de


Portugal)

• 13 = 1 + 3 = 4 (limites da vida humana)


Ex: Maria verá limitada a sua vida
– Maria tem 13 anos (número do azar)

• 9 = Perfeição/ totalidade/ plenitude


Ex: 9 meses de gravidez - dá origem a uma nova vida.
– D. Manuel e D. Madalena têm acesso a uma nova vida.
– Ação da peça: 9 dias – Depois de toda a tragédia o casal encontra a paz.
Personagens
D. Madalena de Vilhena
• Personagem que vive numa grande angústia e agitação emocional.
• Dominada pelo terror e pelo medo, teme o regresso de D. João e vive
com a ideia de pecado (a traição de ter amado Manuel de Sousa
Coutinho ainda casada com D. João).
• A dimensão do terror em que vive é acentuada pelas palavras de
Telmo; pelo sebastianismo de Telmo e Maria; pela crença no
oculto/irracional (agouros, significado da mudança de casa,
coincidência de datas).

D. Manuel de Sousa Coutinho


• Aristocrata culto e apreciador das letras.
• Personagem com traços psicológicos complexos, quase contraditórios:
– Dominado pela racionalidade recusa crer nos agouros; age sem hesitação;
exprime o pensamento num discurso equilibrado; apesar da dor, aceita, no
final, o ingresso numa ordem religiosa.
– Afetado pelo sentimento considera a possibilidade de morrer como o pai;
revela desagrado quando é mencionada a figura de D. Sebastião.
• Ato primeiro, cena IV – Retrato de D. Manuel em jovem (cavaleiro) –
Simboliza uma personagem de bem, que defende a ética e os
princípios dado que pertencia a uma ordem religiosa.
• O seu comportamento, no final do Ato I, revela patriotismo, coragem e
determinação, porque D. Manuel não hesitou em privar-se dos seus
bens materiais para dar uma lição aos castelhanos.

Maria de Noronha
• Maria é inteligente, generosa, curiosa e precoce para a sua 
idade.
• Revela sensibilidade face ao sofrimento dos pais.
• Demonstra também alguma ingenuidade, no primeiro ato, cena V, pela
incapacidade de se defenderem dos governadores.
• Tendo sido criada por Telmo, tem-lhe um amor profundo, partilhando da
sua crença no regresso de D. Sebastião. 
• A sua intuição apurada (indício de tuberculose) leva-a a compreender
que há algo que toda a família lhe quer ocultar, no intuito de a proteger.
• A coragem que demonstra quando incita o pai a queimar o palácio
manifesta-se também no fim, quando enfrenta as convenções sociais e
as próprias convenções religiosas, afirmando que nada justifica a
destruição de uma família.
• Apesar da sua força interior, a sua fragilidade física não lhe
permite sobreviver ao desgosto de descobrir que é filha ilegítima,
acabando por morrer de vergonha
Telmo Pais
• É o escudeiro que acompanha a família há décadas (também criou D.
João); representa o conselheiro fiel.
• O escudeiro destaca-se, numa fase inicial, pela sua severidade, que o
leva a criticar D. Madalena por se ter casado pela segunda vez sem
estar certa da morte do primeiro marido e mesmo a sugerir que, em
consequência disto, Maria poderia não ser uma filha legítima.
• No entanto, a inflexibilidade que revela (e que se manifesta, por
exemplo, no facto de nunca mentir) virá a ser quebrada aquando da
chegada do Romeiro. Confrontado com a necessidade de salvar Maria,
apercebe-se de que já a amava mais do que ao primeiro amo. Assim,
dispõe-se, pela primeira vez na vida, a mentir, em nome dos afetos.
Assim, Telmo humaniza-se, aproximando-se de D. Madalena, a quem
tanto criticara anteriormente.

Frei Jorge
• Irmão de Manuel de Sousa Coutinho, é um amigo e confidente (ouve
a confissão de Madalena sobre o seu pecado), desempenhando um
papel apaziguador.
• Está presente no momento em que o Romeiro se revela. Os seus
comentários são pressentimentos/ /indícios trágicos.
• Inflexível nos princípios, procura, no final, ajudar a família a manter
o equilíbrio e a serenidade possíveis.

D. João de Portugal/ Romeiro


• Nobre muito respeitado, foi o amo de Telmo e marido de D. Madalena
(Telmo descreve-o como «espelho de cavalaria e gentileza»).
• Regressa do cativeiro que se seguiu à Batalha de Alcácer-Quibir como
um romeiro.
• Inicialmente severo e vingativo (por se sentir esquecido e inexistente
«Ninguém»), revela-se, depois, humano e compassivo, pedindo a
Telmo que negue a sua existência de modo a impedir a «morte para a
vida» de D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho.

Tom coloquial da linguagem


Marcas de oralidade – reticências, exclamações, interjeições, antítese…
• Cena I – Profunda reflexão de D. Madalena e do seu estado de tristeza.
• Cena II – Telmo mostra-se arrependido do que disse a D. Madalena.
• Ato segundo, Cena V – Medo e terror de D. Madalena por ficar sem o
marido naquela sexta-feira.
• Ato segundo, Cena VI – Madalena exige a Telmo para acompanhar
Maria, uma vez que ela estava doente. No entanto, a sua hesitação,
mostra que a verdadeira razão pela qual ela não o queria em casa
naquele dia, tinha a ver com o facto de Telmo ser a personificação de
todos os agoiros que atormentavam D. Madalena.
Notas
Ato primeiro, cena V – Jorge traz a noticia que os governadores espanhóis
estavam em Lisboa e queriam ir para Almada de forma a fugir à peste.
Ato primeiro, cena V – Através de Maria, o autor passa uma mensagem de
transformação da sociedade (comportamentos liberais)
Ato primeiro, cena VII – Manuel sugere saírem do palácio e irem para a
primeira casa de D. Madalena, onde esta tinha vivido com D. João.
Ato primeiro, cena XII – D. Manuel incendeia o palácio

Ato segundo, cena IV – Joana de Castro (pertencia à família de D. João) era


casada com D. Luís de Portugal, mas separaram-se, amigavelmente, porque
ambos queriam ingressar num convento – Sem saber, D. Manuel antecipa
aqui, simbolicamente, o desfecho da peça, altura em que D. Madalena e ele
ingressarão em conventos da Ordem de S. Domingos.
Ato segundo, cena V – Foi numa sexta-feira que D. Madalena casou com o
1º marido, que viu pela primeira vez D. Manuel e que D. João desapareceu
na Batalha de Alcácer-Quibir.
Ato segundo, cena VIII e IX – Jorge, inicialmente, é a voz que transmite
ânimo e tranquilidade. Mas, sozinho, reflete sobre o que tem vindo a
observar, demonstrando apreensão e preocupação pela relação da cunhada
com D. Manuel.
Ato segundo, cena XIII e XIV – Aparece o Romeiro que vai dando
informações a D. Madalena sobre a sua identidade, mas ela não o associa a
D. João. O Romeiro sente-se revoltado quando se apercebe que D.
Madalena tinha refeito a sua vida, dizendo que é «ninguém» por julgar que
caiu no esquecimento de todos aqueles que acreditavam que ele voltaria.

Ato terceiro, cena I – D. Manuel, por um lado, identifica-se o perfil do homen


clássico: pede a morte da filha para acabar com o seu sofrimento; por outro
lado, mostra um perfil do homem romântico: recusa-se a aceitar a voz da
razão.
Ato terceiro, cena I – O tom coloquial e a repetição das expressões “minha” e
“sangue” intensificam o pathos, dando indícios de uma eventual morte de
Maria
Ato terceiro, cena IV – Telmo depara-se com um conflito interior: por um lado,
estava a fidelidade ao seu amo; por outro apegou-se muito a Maria. Esse
afeto e esse amor por Maria substituiu D. João de Portugal e, como tal,
Telmo chega a pedir a morte de D. João em vez da de Maria.
Ato terceiro, cena V – D. João sente que foi esquecido e que já ninguém
esperava o seu regresso. Momentos depois, quando toma conhecimento que
D. Madalena fez tudo ao seu alcance para o encontra, arrepende-se de ter
voltado e pede a Telmo que minta para passar a ideia que tinham sido
apenas falsos rumores dos inimigos de D. Manuel.
Ato terceiro, cena XI – Maria revolta-se com a cerimónia divina, pedindo aos
pais para mentirem de forma a ela não ser considerada ilegítima.
A dimensão trágica da obra e a dimensão crítica ligada à mesma

O aparecimento do Romeiro consuma a dimensão trágica da obra, uma vez


que é o próprio João de Portugal, o qual regressa ao fim de 21 anos do
desaparecimento da Batalha de Alcácer-Quibir, quando já não era mais
esperado. Deste modo, traz a tragicidade/ infelicidade à sua esposa, casada
agora com D. Manuel, e à filha do casal que, aos olhos da sociedade, era
alguém sem nome digno e, por isso mesmo, considerada ilegítima.
Daí que o aparecimento do Romeiro abra também a dimensão crítica da obra
visto que, tratando-se de um drama romântico, Garret pretende chamar à
atenção de uma sociedade demasiado preconceituosa e conservadora que
vitima inocentes. Em toda a história, Maria, o ser mais inocente, é aquela que
mais sofre com a “separação” dos pais, existindo aqui um paralelo com a
vida do escritor, pois ele próprio se viu impedido de dar o seu nome à filha
que teve com Adelaide Deville (amante do autor), na medida em que esta
veio a falecer primeiro que a sua mulher.
Saliente-se também que, através do regresso de D. João de Portugal, Garret
nos dá o reverso do mito sebastianista, ou seja, o contrário da crença
popular: de que o regresso do rei D. Sebastião seria bom para a nação; ora,
o regresso de D. João nada traz de bom, pelo contrário, traz sim a
infelicidade.
Com a concretização do mito sebastianista, D. João passa a simbolizar a
figura do anti-herói, querendo Garret alertar a sociedade para a vivência do
presente e não para as memórias da glória passada.

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