Você está na página 1de 37

Posições sobre o

problema do livre-arbítrio
A ação humana e
os valores:

Análise e
compreensão do
agir

Determinismo e
liberdade na ação
humana

Autómato de Edward Hopper (1927)


São as ações humanas livres ou determinadas?

1. É a crença no determinismo universal verdadeira?


É verdade que tudo o que fazemos tem uma causa?

2. Há livre-arbítrio?
As ações humanas resultam da vontade livre do agente?

3. Somos responsáveis pelas nossas ações?


A responsabilidade moral é uma consequência do livre-arbítrio, ou
seja, somos responsáveis pelas nossas ações quando somos livres
nas escolhas que fazemos?
Para se poder formular o
problema da liberdade humana é
necessário delimitar o que se
entende por causa / causalidade
e por livre-arbítrio.
A causa de um acontecimento é a razão, a explicação
pela qual o mesmo ocorre.

Um acontecimento pode ter uma causa ou um feixe de


causas, isto é, um conjunto de fatores que estão na sua
origem.
Quando falamos em causalidade falamos numa sequência de
causa-efeito, ou seja, quando está presente um fator (a causa)
o outro segue-se-lhe (o efeito).

À posição segundo a qual todos os acontecimentos resultam de


causas que os antecedem, chama-se de determinismo.
O livre-arbítrio é:

- a liberdade da vontade

- a possibilidade de escolher agir


ou não, de seguir um certo curso
de ação ou outro

- ausência de constrangimentos
externos que obriguem ou
impeçam o agente de realizar o
que deseja.
É o determinismo compatível com o livre-arbítrio?

Não Sim

Incompatibilismo Compatibilismo

Determinismo Determinismo
Radical Moderado

Libertismo
Determinismo radical

Tese: porque o mundo é


determinado, então o homem
não é dotado de livre-arbítrio.

Esta tese é incompatibilista, pois


nega a possibilidade de
compatibilizar a existência de
causas externas ao agente, com a
ideia de que a vontade, em
circunstâncias iguais, pode
escolher um certo curso da ação
se esse for o seu querer.
Argumentos

O agente não pode ser autor da sua ação por que…

Tendo como ponto de partida uma conceção científica


sobre o universo, o determinismo radical considera que o
homem é parte desse universo, pelo que a ação humana é
um acontecimento que está sujeito às mesmas leis
causais que os restantes acontecimentos.
Argumentos

O agente não pode ser autor da


sua ação por que…

Todos os acontecimentos são


o resultado de uma série
infinita de causas e efeitos que
tornam os acontecimentos
previsíveis e definem apenas
um curso possível no mundo.
Argumentos

O agente não pode ser autor da sua ação por que…

O livre-arbítrio é a possibilidade de, perante as mesmas


circunstâncias, escolher entre alternativas, criando vários
efeitos possíveis.

A liberdade, assim entendida, é uma ilusão decorrente da


ignorância de quais as verdadeira causas que determinam
a vontade e a ação.
Argumento de Espinosa a favor do determinismo
radical

Espinosa começa por definir o que entende por ser livre:


aquele que se autodetermina.

Tese: a mente humana não é livre porque a vontade do


agente é determinada.

Argumento: homens pensam ser livres porque têm


consciência dos desejos que estão presentes na sua
vontade, mas ignoram as causas desses desejos e, essas
causas, escapam à sua vontade. A prova disso, é que os
homens agem segundo emoções e impulsos que não
controlam e cuja existência ignoram.
Objeções ao determinismo radical

Uma objeção ao determinismo radical é a de que a


experiência empírica mostra-nos permanentemente a
possibilidade de livre-arbítrio; as nossas ações diárias
assentam sobre a convicção de que existem alternativas,
vários cursos de ação possíveis e que podemos escolher
efetivamente um.
Objeções ao determinismo radical

Outra objeção ao determinismo radical é a de que confundem


sequência causal com sequência causal necessária.

Os opositores ao determinismo radical argumentam que não


é empiricamente visível que as causas que atuam sobre a
ação humana o fazem de modo necessário, tal como a
gravidade exerce uma força necessária sobre a pedra.
Libertismo

Tese: O homem é livre


porque tem capacidade de
se determinar a si próprio.

O libertismo é uma resposta


incompatibilista ao problema
do livre-arbítrio, na medida
em que nega que a tese do
determinismo causal possa
ser compatível com o livre-
arbítrio.
Vestígios atávicos depois da chuva
de Salvador Dalí (1934)
Argumentos

O agente pode ser autor da sua ação por que…

Os deterministas compreendem erradamente o conceito


de causa ao reduzir a noção de causa a causa necessária.

Na natureza podem existir causas necessárias, que


constrangem a um único desfecho possível; na ação
humana existem causas livres que são suficientes para
que a ação ocorra.
Argumentos

O agente pode ser autor da sua ação por que…

Numa análise a si próprio, o agente descobre-se como


sujeito de deliberação, escolha, de raciocínio prático que
pensa nas várias alternativas da ação.
A tese libertista de Sartre

Jean Paul-Sartre, um filósofo


libertista, argumenta que a liberdade
é possível porque “a existência
precede a essência”.
Jean Paul-Sartre (1905 - 1980),
filósofo francês

Sartre não nega que os homens nascem num determinado


contexto histórico, político, social, cultural e que têm um
corpo que obedece a condicionantes químicas, físicas e
biológicas. O que Sartre afirma é que nenhuma destas
condicionantes define as escolhas que vamos fazer e o tipo
de pessoas que seremos em função dessas escolhas.
Objeção ao libertismo

A argumentação dos libertistas pressupõe que a mente do agente


é capaz de se autodeterminar, independentemente de fatores
externos ou das leis físicas, químicas e biológicas e que regem o
funcionamento do cérebro humano.

Ora, um dos argumentos contra os libertistas reside no facto de


estes não conseguirem explicar como surge exatamente esta
causalidade autodeterminada pelo agente.
O problema do livre-arbítrio: um problema em aberto

John Searle, na sua obra Mente, Cérebro e Ciência discute o


problema do livre-arbítrio, e as várias posições existentes sobre ele,
e concluiu que ainda não há provas suficientes para sustentar de
que forma estados mentais intencionais podem interferir com o
mundo físico sem ser através de relações causais de tipo
determinista.

No entanto, também conclui que a inexistência dessa explicação


não elimina uma autoperceção fundamental dos seres humanos, a
saber que são livres.
Diz-nos Searle

“A experiência da liberdade é uma componente essencial de


qualquer caso do agir com uma intenção. Não podemos
abandonar a convicção de liberdade, porque essa
convicção está inserida em toda a ação intencional normal e
consciente. E usamos essa convicção para identificarmos e
explicarmos as ações. Este sentido de liberdade não é
apenas uma característica da deliberação, mas é parte de
qualquer ação, seja premeditada ou espontânea.”
John Searle (1987). Mente, cérebro e ciência. Lisboa: Edições 70, p. 117-118 (adaptado).
Porque é tão relevante considerarmos os agentes
livres?

Se o determinismo radical for verdadeiro não faz sentido atribuir


responsabilidade ao agente pelas consequências dos seus atos
(mérito ou culpa).
Porque é tão relevante considerarmos os agentes
livres?
Porém, toda a ação humana nos domínios da ética, da
política e do direito, e todas as convicções, teorias e regras
que possuímos nestes campos, assentam sobre a ideia de
que o agente é dotado de liberdade da vontade e, portanto,
pode ser responsabilizado pelas consequências boas e más
da sua ação.

Neste sentido, o problema do livre-arbítrio é um problema


com interesse prático. Só tem importância refletir sobre o
melhor caminho e as melhores razões para guiarmos os
nossos passos, se houver liberdade de escolha para o fazer.
Compatibilismo

Tese: apesar do determinismo, o


homem possui livre-arbítrio.

Esta tese é compatibilista, pois


procura compatibilizar a existência
de causas externas ao agente que
afetam a sua ação, com a ideia de
que a vontade se pode
autodeterminar na escolha de um
curso de ação.
Patience de Georges Braque (1942)
Argumentos

O agente pode ser autor da sua ação porque…

1. Existe uma diferença entre causa necessária, constringente e


determinação da ação.

2. As condicionantes da ação humana, tais como as


condicionantes biológicas (por exemplo, o património genético),
não são causas necessárias, mas condições de possibilidade
da ação.

3. As condicionantes da ação podem determinar algumas ações,


mas são também a condição de possibilidade de escolha e de
realização de ações livres.
Condicionantes da ação humana

Fatores externos ao ser humano e que funcionam como


causas da ação humana. Por um lado, as condicionantes
são condições de possibilidade, mas, por outro, limitam e
orientam a conduta humana.
Condicionantes históricas, sociais e culturais

Nascemos num país, numa cultura, numa sociedade que não


escolhemos e para a qual não contribuímos, até ao momento
do nosso nascimento, para que seja como é.

Se fomos educados na cultura ocidental, nos séculos XX e


XXI, aprendemos hábitos (por ex. comer com talheres),
costumes (por ex. usar vestidos em lugar de saris), valores
(temos tendência a considerar a vida humana sagrada, acima
das outras espécies) que nos dizem o que fazer, como fazer,
o que pensar, como conhecer e interpretar a realidade.
Condicionantes físicas e químicas

Precisamos de energia para viver, pelo que temos de nos


alimentar.

Como qualquer corpo com massa, estamos “presos” à Terra


pela ação da gravidade.

No nosso sistema nervoso dão-se trocas químicas entre


sódio e o potássio cujo equilíbrio é fundamental para que
existam impulsos nervosos.
Condicionantes biológicas

Temos um património genético, inscrito no ADN, que determina a


forma do nosso corpo, aptidões físicas, predisposições,
necessidades, entre muitos outros aspetos.

Por exemplo, se biologicamente o corpo é masculino não pode


gerar internamente um filho.

Por exemplo, podemos falar porque temos um complexo aparelho


fonador e estruturas cerebrais que o permitem.
Genética e condicionantes biológicas

“Uma das interpretações incorretas mais correntes em


relação à genética é que existem genes “para” as coisas.
Algumas pessoas têm genes “para” o cancro da mama,
timidez, olhos azuis, e, por isso têm de ter essa doença, essa
condição ou traço.
A compreensão dos genes não significa que tenhamos de
nos resignar a qualquer destino préprogramado. […]. Sim,
nascemos com uma certa composição genética. Não, isso
não significa que não temos qualquer controlo sobre as
nossas vidas.”

Dean Hamer ; Peter Copeland (1998). Aprenda a viver com os seus genes. Lisboa: Livros do
Brasil, pp. 27 e 31.
Objeção ao compatibilismo

Se as condicionantes da ação humana são fatores externos


que determinam os motivos e as intenções da ação do
agente, de que forma é que o agente se pode considerar
autor da sua ação?

Você também pode gostar