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Filosofia 10

Problema do Livre-Arbítrio

A mera vontade de passear tem como consequência que as pernas se movam e andem.

René Descartes

1. Problema do Livre-arbítrio
O livre-arbítrio é a capacidade para agir de modo diferente, remetendo para a ideia de
possibilidades alternativas. É a capacidade de iniciar uma nova série de acontecimentos que
resultam da nossa decisão sem que a isso estivéssemos obrigados. São as nossas ações livres?
Somos de facto livres, ou pensamos sê-lo? Será que podia ter evitado fazer o que fiz? Será que
podia ter feito o que fiz de outra maneira? No entanto, não se deve confundir o livre-arbítrio
com a liberdade, no sentido político do termo.

No entender de Peter van Inwagen, um filósofo norte-americano, por vezes somos colocados
numa posição em que temos de escolher entre dois diferentes cursos de ação, por exemplo, ter
de decidir ser pianista ou advogado. O livre-arbítrio é o poder de fazer cada uma das coisas,
apesar de serem incompatíveis. No fundo consiste numa deliberação entre esses cursos de ação,
e decidir por um, tendo podido fazer o outro. O livre-arbítrio é então dizer que temos um poder
duplo em relação às coisas sobre as quais estamos a deliberar.

O problema do livre-arbítrio opõe, tradicionalmente, o determinismo radical ao libertismo,


teses que em si mesmas são incompatibilistas, isto é, negam-se uma à outra. Para além destas
duas, existe uma outra tese, dita, compatibilista, o determinismo moderado.

1. Determinismo Radical

Na mente não há vontade absoluta ou livre. A mente é determinada a ter uma outra volição por
uma causa, que é também determinada por outra causa, e esta por outra, e assim por diante ad
infinitum.

Bento de Espinosa
O determinismo radical é a tese de que todos os acontecimentos do universo estão
causalmente determinados pelos acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza.
Em conformidade, as nossas ações, tal como os fenómenos naturais, são a consequência
inevitável de uma ou várias causas que as antecedem, ou, dito de outro modo, de
acontecimentos anteriores e das leis da natureza.

Implica duas outras teses:

a) o determinismo é incompatível com o livre-arbítrio.


b) não temos livre-arbítrio.

Se o determinismo é verdadeiro, então não temos livre-arbítrio.

O determinismo é verdadeiro.

Logo, não temos livre-arbítrio.

Por Modus Ponens

Dicionário

P: O determinismo é verdadeiro

Q:Temos livre-arbítrio

P→Q

Q

Argumentos

Conhecendo o estado atual da realidade e dominando as leis naturais é possível prever os


acontecimentos futuros.

Segundo Espinosa, as deliberações humanas foram determinadas por causas exteriores, como
qualquer outro acontecimento da natureza. E nós não temos consciência dessas causas.

O livre-arbítrio é, por isso, uma ilusão, reforçada pelo nosso desconhecimento das causas que
determinam as nossas escolhas.

Estar determinado não é ser obrigado a fazer uma coisa que não se quer nem se decidiu. É estar
determinado a querer e a decidir o que queremos e decidimos.

Objeções:
a) Se o determinismo fosse verdadeiro, não seriamos moralmente responsáveis pelas
nossas ações (objeção da responsabilidade moral).
b) Agir é manifestar a nossa crença no livre-arbítrio. Não seria possível viver de outro modo
(“objeção da crença”).
c) Resultados experimentais obtidos na mecânica quântica parecem sugerir que existem
acontecimentos genuinamente indeterminados no universo, pelo que não é possível
determinar com exatidão a posição de certas partículas (objeção da mecânica
quântica).

2. Libertismo

O homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo;
contudo, em todos os outros aspetos é livre porque uma vez lançado no mundo é
responsável por tudo o que faz.
Jean-Paul Sartre

Tese
De acordo com o libertismo, temos livre-arbítrio se, e só se, algumas das coisas que
acontecem dependem, em última análise, da nossa vontade. As nossas ações são livres
porque deliberamos.

Implica duas outras teses:

a) O determinismo é incompatível com o livre-arbítrio.


a) Temos livre-arbítrio.

Se o determinismo é verdadeiro, então não temos livre-arbítrio.

Temos livre-arbítrio.

Logo, o determinismo não é verdadeiro.

Por Modus Tollens

Dicionário

P: O determinismo é verdadeiro

Q:Temos livre-arbítrio

P→Q

P
Argumentos

Somos tão livres, que não somos livres para deixarmos de o ser, afirma Sartre.

O libertista defende que cada uma das nossas escolhas poderia ter sido diferente mesmo que
tudo o resto fosse igual. Sabemos que poderia ter sido diferente, porque temos uma experiência
direta do ato de escolher. Escolher é para nós inevitável, e é a manifestação do nosso livre-
arbítrio. Escolher é dar início a uma cadeia causal nova, que não foi determinada por coisa
alguma, exceto a nossa própria escolha.

Em síntese, o libertismo assenta em dois argumentos:

Argumento da experiência: sempre que me decido por uma ação, tenho consciência de que
poderia ter escolhido de outra forma.

Argumento da responsabilidade: se não fosse livre, atribuiria a responsabilidade dos meus atos
às cadeias causais de acontecimentos; se me sinto responsável pelas minhas ações é porque
tenho consciência de que sou livre.

Objeções

a) O libertista não consegue excluir a hipótese de a nossa impressão de livre-arbítrio ser


ilusória. Temos consciência dos nossos desejos, mas ignoramos as causas que os
determinam (objeção da ilusão).
b) As nossas escolhas não são possíveis se não forem determinadas por crenças e desejos.
Escolhas indeterminadas não são escolhas, são simplesmente aleatórias, fruto do acaso
(objeção da aleatoriedade).

3. Determinismo Moderado (ou compatibilismo)

O livre-arbítrio é o poder para agir ou não agir segundo as determinações da vontade.

David Hume

Tese

Segundo o determinismo moderado, temos livre-arbítrio, mesmo que tudo esteja


determinado.

Combina duas outras teses:

a) O determinismo é compatível com o livre-arbítrio.


b) Temos livre-arbítrio.

Argumentos

Não é pelo facto de o ser humano estar sujeito à causalidade natural que se anula a possibilidade
de escolha (a sua liberdade). Sem a causalidade natural a liberdade não seria possível, pois o
agente deixaria de conseguir prever as consequências das suas ações.
Segundo David Hume, agimos livremente quando as nossas escolhas resultam da nossa vontade,
das nossas crenças e dos nossos desejos. Se escolhermos fazer algo e se nada nos impede de o
fazer, então ao fazê-lo estamos a exercer o nosso livre-arbítrio.

Quando eu escolho fazer algo, por exemplo, ir ao cinema, em vez de ir trabalhar ou ficar a
dormir, a minha escolha é o resultado causal de ter certas crenças e desejos que me surgiram
por um processo natural. É isto que determina a minha escolha, e não uma doença ou a
imposição de outra pessoa. O facto de eu estar determinado a querer ir ao cinema, não significa
que a minha ação não tenha sido livre: eu fiz aquilo que queria fazer, mesmo que não pudesse
querer fazer outra coisa, dadas as crenças e desejos que tinha.

Assim, desde que não sejamos obrigados ou forçados a escolher algo, e desde que a nossa
personalidade seja formada de maneira natural, a nossa escolha é livre.

Convêm, no entanto, fazer uma pequena distinção. Para os compatibilistas clássicos, ainda que
o determinismo seja verdadeiro, por vezes temos possibilidades alternativas. Já os
compatibilistas contemporâneos (recorrendo aos chamados casos de Frankfurt) concluem que
aquilo que é fundamental para que possamos considerar que temos livre-arbítrio não é o facto
de termos possibilidades alternativas, mas sim o facto de as nossas ações terem origem na
nossa vontade.

Em síntese, o determinismo moderado ultrapassa a dicotomia das posições anteriores, pois


afirma a existência do livre-arbítrio; mas, ao introduzir o conceito de liberdade como ausência
de coação (e não de causa), aceita, também, o princípio determinista segundo o qual tudo o
que acontece tem uma causa.

Objeção – Constrangimento dos acontecimentos anteriores

Se aquilo que desejamos fazer está sempre determinado por acontecimentos anteriores,
então, as nossas ações estão sempre constrangidas por acontecimentos anteriores. A única
diferença é que não temos consciência de que estamos constrangidos. O facto de não nos
sentirmos constrangidos não significa que poderíamos ter escolhido outra coisa além do que
escolhemos.
Fontes

50 Lições de Filosofia 10º ano, Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, Didáctica
Editora

Exame 11 Filosofia, Domingos Faria e Luís Veríssimo, Leya Educação

Preparar o Exame Nacional Filosofia, Lina Moreira e Idalina Dias, Areal Editores

Ser no Mundo 10, André Leonor e Filipe Ribeiro, Areal Editores

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