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2.

DETERMINISMO E LIBERDADE NA AÇÃO HUMANA

Formulação do problema:
PROBLEMA 1: O LIVRE-ARBÍTRIO É COMPATÍVEL COM O
DETERMINISMO?
PROBLEMA 2: TEMOS LIVRE-ARBÍTRIO?

Explicitação do problema:
O problema do livre‐arbítrio consiste precisamente em saber se é possível conciliar duas
crenças partilhadas pela grande maioria das pessoas: a crença no determinismo, segunda a
qual tudo o que acontece neste universo, inclusive as ações humanas, é causado ou
determinado, por acontecimentos anteriores, com a crença de que somos livres (livre-arbítrio)
a de que temos a possibilidade de escolher entre diferentes alternativas de ação e, por isso
responsáveis pelas nossas ações.
Daí as questões que nos desafiam: Será que somos livres ou as nossas ações estão causalmente
determinadas? Ou temos de aceitar que a liberdade é uma ilusão, porque tudo está
determinado? Que crença é verdadeira, a crença no determinismo ou a crença no livre-
arbítrio? Ou será que o universo não está inteiramente determinado precisamente porque
somos livres?

Temos livre-arbítrio ou as nossas ações estão determinadas por fatores que não controlamos?
Três respostas
Determinismo radical Determinismo moderado Libertismo
Não somos livres – não há livre- Somos livres porque as Somos livres porque nem
arbítrio – porque todas as nossas nossas ações podem ao todas as nossas ações são o
ações são o desfecho necessário de mesmo tempo ser livres e efeito necessário de causas
causas anteriores. A crença no determinadas. Liberdade e anteriores. A crença no livre-
determinismo é verdadeira e a determinismo são crenças arbítrio é verdadeira e a
crença no livre-arbítrio é falsa compatíveis, ambas crença no determinismo é
(incompatibilismo) verdadeiras (compatibilismo) falsa (incompatibilismo)

Os termos da questão

Determinismo Livre-arbítrio
É a teoria filosófica que consiste na seguinteÉ a capacidade de escolhermos realmente o que
crença: os acontecimentos do mundo (que fazemos.
incluem as ações humanas) são o resultado ou Se realizo uma determinada ação, parece evidente
consequência necessária de acontecimentos que isso resultou de uma decisão voluntária e que
anteriores. poderia ter escolhido não a fazer.
Por livre-arbítrio entende-se habitualmente a
A–B–C – D – E … capacidade de fazer algo, podendo contudo não o ter
feito. Realizada uma ação podemos testar se é livre
O acontecimento E é o resultado inevitável de ou não colocando a seguinte questão: «Eu poderia
causas anteriores. ter agido de outra maneira? Poderia ter feito algo
diferente do que fiz?». Se a resposta for afirmativa,

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O que agora acontece resulta necessariamente estamos perante uma ação livre, própria de uma
do que antes aconteceu. vontade dotada de livre-arbítrio.
Esta teoria filosófica baseia-se na crença
partilhada por muitos cientistas de que o
universo forma uma imensa cadeia causal na O que não está em questão
qual cada efeito é determinado pelas causas A questão do livre-arbítrio não se
que o antecedem. confunde com a questão da liberdade
política – de expressão, de voto ou de
associação.
Ação determinada Ação livre
É uma ação em que a decisão sobre o que fazer
É uma ação em que a decisão sobre o que fazer está
não está sob o controlo do agente. É uma ação
sob o controlo do agente. É uma ação que depende
que depende de fatores que o agente não
de fatores que o agente controla.
controla.

As nossas ações são livres ou determinadas?

A resposta do determinismo radical


Todas as nossas ações são o resultado necessário de Críticas/objeções ao determinismo radical (entre
acontecimentos anteriores. Fazemos o que o nosso outras)
passado determina que façamos e não aquilo que 1. Põe em causa a noção de responsabilidade moral.
queremos. As nossas escolhas e ações não dependem A atribuição da responsabilidade de um ato a um
de nós, mas influenciadas por fatores – genéticos - agente supõe que este aja livremente, ou seja, que,
biológicos – ambientais - as circunstâncias em que tendo agido de certa maneira, pudesse ter agido de
fomos socializados e educados - que não podemos outro modo.
controlar. Não somos livres. O que agora acontece Se antes dos nossos atos há uma longa cadeia de
resulta necessariamente do que antes aconteceu. acontecimentos que escapam ao nosso controlo, não
somos livres.
Antes dos nossos atos há uma longa cadeia de Mas então como condenar e ilibar alguém? Como
acontecimentos que escapam ao nosso controlo: quer o elogiar e censurar? Como dizer a alguém que não
cobarde quer o assassino, quer o intrépido alpinista devia ter feito o que fez? Como explicar sentimentos
estavam «programados» pelos genes e pelo ambiente – de remorso, de arrependimento e de culpa?
educação e criação – em que cresceram para agir 2. Nem todos os acontecimentos estão submetidos
cobardemente, cruelmente e corajosamente. São ao mesmo tipo de causalidade. A causalidade natural
agentes que não podiam escolher agir de modo rege o mundo físico. A causalidade voluntária é
diferente do modo como agiram. Escolheram o que não própria de algumas ações dos seres humanos. É
podiam deixar de ter escolhido. diferente o vidro de uma janela ser partido por uma
pedrada do Manuel e ser quebrado por uma forte
➢ Não há livre-arbítrio. Determinismo e liberdade rajada de vento.
são incompatíveis (incompatibilismo
determinista). 3. O determinista radical defende que a liberdade
humana é uma ilusão, ou seja, que temos a falsa
sensação interior de que somos livres, porque
escolhemos fazer uma coisa em vez de outra,
desconhecendo as causas que determinam as nossas
ações. Mas parece excessivo aceitar que uma decisão
que tomámos aos 23 anos seja o resultado inevitável
de experiências e de influências vividas na nossa
infância.

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As nossas ações são livres ou determinadas?

A resposta do libertismo
Segundo o libertismo, algumas ações do ser Críticas/ objeções ao libertismo (entre outras)
humano decorrem das suas deliberações e 1. As nossas deliberações baseiam-se em várias
decisões racionais e não de acontecimentos crenças e desejos. Ao fazer o curso de História, julgo
anteriores que escapem ao seu controlo. fazer o que desejo e acredito que será o melhor para
As nossas escolhas e ações são livres se não mim em termos profissionais. As nossas crenças,
forem mais um elo numa longa cadeia de desejos e motivos constituem a nossa personalidade,
causas e efeitos. Isto significa que as escolhas o nosso eu.
e ações livres são as que desencadeiam ou Mas o determinista radical perguntaria pela origem da
produzem uma nova cadeia causal de minha personalidade. Decidi ter a personalidade que
acontecimentos. tenho? E a que se devem as crenças, valores e desejos
Que eu esteja agora a dar aulas num liceu do que tenho? Mesmo que os tenha escolhido, o que me
Porto não é, para o libertista, o resultado fez escolher estes e não outros? A nossa constituição
necessário de ter optado por Humanidades no psicológica tem uma origem, e termos certos valores,
final do 9.º ano. Em cada momento do percurso, desejos e crenças é algo que precisa de explicação
há deliberações e decisões que interrompem tanto quanto o facto de sermos altos, baixos ou
uma sequência causal e iniciam outra. Assim, no magros, diabéticos ou saudáveis. As nossas escolhas
final do 12.º ano, é como que ponha o passado são o resultado da influência de fatores biológicos –
entre parênteses e decido o curso superior a genéticos e fisiológicos – e ambientais – as
seguir, e sobre essa decisão não pesa de forma circunstâncias em que fomos socializados e educados.
esmagadora o que antes aconteceu. Podia ter Assim, se um estado psicológico causa uma certa ação
escolhido outro curso que não o de História. numa dada situação, esse estado mental é, por sua
As ações livres interrompem o encadeamento vez, o produto de múltiplas causas anteriores.
causal, mas não são ações sem causa porque
derivam das nossas deliberações e decisões.

➢ A crença no livre-arbítrio é verdadeira e a


crença no determinismo é falsa (teoria
incompatibilista).

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As nossas ações são livres ou determinadas?

A resposta do determinismo moderado


O determinismo moderado defende que Há ações livres Há ações não livres
são compatíveis as proposições Um O que é uma ação livre O que é uma ação não livre
agente praticou livremente a ação A e A para o determinismo para o determinismo
ação praticada por esse agente tem uma moderado? moderado?
causa e deriva necessariamente dessa É uma ação cujas causas É uma ação cujas causas
imediatas são estados imediatas são fatores
causa. Liberdade e determinismo são
internos do sujeito, externos ao agente e que
compatíveis para esta teoria. Daí receber como as suas crenças e este não pode controlar.
também o nome de compatibilismo. desejos (que constituem Ex.: Se alguém, apontando-
a personalidade do me uma pistola à cabeça, me
Críticas/objeções ao determinismo agente). força a assaltar a casa do
moderado Ex.: Inscrevo o meu filho meu vizinho, a causa
1. O determinista moderado não pode no Instituto Britânico imediata da ação é externa.
traçar com clareza a distinção entre ações porque acredito que A ação é realizada por mim,
livres e não livres com base na diferença posso pagar, que é o mas a sua origem não está
entre causalidade interna e causalidade melhor instituto para em mim. Trata-se de uma
externa. Usando esta distinção, teria de aprender a língua ação compelida ou coagida,
admitir que todas as ações são livres. inglesa, que esta é contrária aos meus desejos
Ex.: Aponto uma arma à cabeça da pessoa importante para (não quero assaltar a casa
e pronuncio o famoso «A bolsa ou a vida!». qualquer profissão do vizinho) e às minhas
A pessoa dá-me a carteira. À primeira vista (crenças) e porque quero crenças (considero errado ou
esta ação é forçada porque a sua causa que ele esteja bem perigoso roubar). A causa da
não é interna. A causa da ação está no preparado para ação são as crenças do
exterior do agente. Mas será assim concorrer no mercado de agressor (acredita que prezo
mesmo? A pessoa deu-me a carteira trabalho e ter uma boa muito a vida) e os seus
porque acreditou que eu estava a falar a profissão (desejos). desejos (tomar posse do que
sério e a mataria se não me obedecesse Alguém me forçou? Não. lhe interessa e está na casa
(crenças que são causas internas) e porque Se são portanto as para conseguir algum
queria conservar a sua vida (desejo que é minhas crenças e desejos objetivo).
também uma causa interna). Assim, a que determinam a ação,
causa imediata da ação são estados esta é livre.
internos do sujeito. Ora, seguindo à letra a Nota: Para o D.M. as
tese do determinismo moderado, isso faz ações livres não são
desta ação forçada uma ação livre. ações incausadas mas
2. Outra crítica que se faz ao causadas pelos desejos e
determinismo moderado é a de não crenças do agente
explicar o comportamento compulsivo. (causas internas ao
Quando alguém age compulsivamente, agente).
age de acordo com os seus próprios
desejos e crenças. Contudo, dificilmente
se pode dizer que quem o faz é livre. É o
caso do cleptómano.
TESE: A crença no livre-arbítrio e no determinismo são
ambas verdadeiras (teoria compatibilista)

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SÍNTESE
Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre-arbítrio?

Determinismo radical

Crença no determinismo Crença no livre - arbítrio Crença na


responsabilidade moral

Verdadeira. Falsa Falsa

1.Todos os acontecimentos, sem Se todas as ações são o Se não há ações livres


exceção, são causalmente desfecho inevitável de não podemos ser
determinados por causas anteriores ou das leis responsabilizados pelo
acontecimentos anteriores ou da natureza, não há ações que fazemos
pelas leis da natureza livres.

2.As escolhas e ações humanas


são acontecimentos.

3.Logo,todas as escolhas e ações


humanas são causalmente
determinadas por
acontecimentos anteriores.

O determinismo radical é a teoria que só reconhece como verdadeira a crença no determinismo

Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre – arbítrio?

Libertismo ou libertarismo

Crença no determinismo Crença no livre - arbítrio Crença na


responsabilidade moral

Falsa Verdadeira Verdadeira

1.Nem todos os acontecimentos, Se nem todos os Se há ações livres então


são causalmente determinados por acontecimentos são o podemos ser
acontecimentos anteriores desfecho inevitável de responsabilizados pelo
causas anteriores, então há que fazemos
2- As ações humanas são
ações livres.
acontecimentos.
3.Logo,há ações humanas
desligadas do encadeamento
causal e que dão origem a uma
nova série de acontecimentos.

O Libertismo é a teoria que só reconhece como verdadeira a crença no livre-arbítrio.

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Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre- arbítrio?

Determinismo moderado

Crença no determinismo Crença no livre - arbítrio Crença na


responsabilidade
moral

Verdadeira. Verdadeira Verdadeira


1.Todos os acontecimentos, sem 1. Todas as ações são Se há ações livres
exceção, são causalmente determinadas por causas podemos ser
determinados por anteriores ou pelas leis da responsabilizados
acontecimentos anteriores natureza. pelo que fazemos.

2- As escolhas e ações humanas 2. As ações cujas causas são


são acontecimentos. forças externas ao sujeito que
age são ações compelidas ou
3.Logo,todas as escolhas e ações constrangidas.
humanas são causalmente
determinadas por 3. Há ações cujas causas são
acontecimentos anteriores. estados internos do sujeito
(crenças e desejos).

4. Ações que não derivam da


força de fatores externos são
ações livres.

5. Há ações unicamente causadas


por desejos, motivos, crenças ou
outros estados internos do
sujeito que age.

6.Logo, há ações livres

O determinismo moderado é a teoria que reconhece como verdadeiras as crenças no


determinismo e no livre-arbítrio.

Síntese Final
Determinismo Determinismo
Libertismo
Radical Moderado

Todos os acontecimentos
são determinados por Aceita Rejeita Aceita
causas anteriores

Não há ações livres Aceita Rejeita Rejeita

Ninguém é responsável
Aceita Rejeita Rejeita
pelas suas ações

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Conceitos:
• Livre- arbítrio é a capacidade da vontade humana para decidir (arbitrar) em liberdade ou seja, optar entre
vários cursos alternativos de ação. O contrário de livre-arbítrio será a sujeição da vontade à lei da
causalidade.

• O determinismo é uma teoria que tem uma base científica que defende que todos os acontecimentos
estão causalmente determinados pelos acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza, sendo a sua
ocorrência necessária e não aleatória.

Por que razão o problema do livre - arbítrio é um problema importante do ponto de vista prático?

R. O interesse por este problema não é apenas teórico. Não se trata apenas de satisfazer a nossa
curiosidade. O problema do livre-arbítrio tem importantes implicações práticas, a principal das quais
relacionada com a responsabilidade moral. Tudo parece indicar que se não houver livre-arbítrio, então
também não é possível responsabilizar moralmente um agente pelas ações que pratica e,
consequente, puni-lo ou recompensá-lo.
Será possível construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral? Se não houver livre –
arbítrio não estará o nosso sistema penal todo errado? Não será que o criminoso, de modo análogo à
pessoa que sofre de asma e assim vê o seu organismo prejudicado, não deve ser punido, mas sim
tratado de modo a deixar de ser prejudicial à sociedade? Só faz sentido responsabilizar moralmente
alguém (e por extensão punir ou recompensar) se a pessoa puder escolher entre diferentes ações
alternativas possíveis, isto é, se for livre. Se não o for, isto é, se estiver determinado a fazer o que fez,
então não há qualquer razão para a responsabilizar — e punir ou recompensar —, uma vez que não
podia deixar de proceder como procedeu. Quer o assassino que tenha cometido o crime mais hediondo
quer o herói que tenha realizado o ato mais altruísta que seja possível imaginar não podem ser
responsabilizados pelos seus atos. A ser verdadeira a crença no determinismo reflita-se: que diferença
moral haveria entre o comportamento de Hitler e o de Dalai Lama?

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