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ESTUDOS DA ESTRUTURA ARQUETÍPICA

Por Mauro Andriole - 2021


Na reflexão que segue sobre a E.A. tomaremos questões propostas por James Hillman,
observando como surgem intersecções e anseios que o autor exprime e que foram
registrados em consulta com o método da E.A.
O CÓDIGO DO SER UMA BUSCA DO CARÁTER E DA VOCAÇÃO PESSOAL
JAMES HILLMAN

I - Não a razão de viver; não o sentido da vida em geral nem uma filosofia de fé
religiosa — este livro não pretende dar estas respostas. Mas ele fala aos sentimentos que
existe uma razão por que minha singular pessoa está aqui 1e que há coisas2 de que
preciso cuidar além da rotina diária3, e isso deve dar uma razão de ser a essa rotina4,
sentimentos de que o mundo, de certa forma, deseja5 que eu esteja aqui, que responda a
uma imagem inata6 que estou preenchendo em minha biografia7.
II - A questão da biografia assusta8 nossa subjetividade ocidental, como demonstra a
sua imersão em terapias do self. Todas as pessoas em terapia, ou afetadas pela reflexão
terapêutica, mesmo quando diluída pelas lágrimas da linguagem televisiva, estão
buscando uma biografia adequada: Como juntar as peças de minha vida para formar
uma imagem coerente? Como encontrar a trama básica de minha história?9
III - Porém, essa imagem inata não poderá ser encontrada antes de termos uma teoria
psicológica que reconheça a realidade psicológica primordial do chamado do destino.10 Do
contrário, sua identidade continua sendo a de um consumidor sociológico determinado por
estatísticas aleatórias, e os anseios ignorados do daimon11 parecem excentricidades,
compactadas com ressentimentos amargos e desejos esmagadores. A repressão, chave da
estrutura da personalidade em todas as escolas de terapia, não é do passado, mas do fruto do
carvalho e dos erros que cometemos em nossa relação com ele. 12

IV – “...este livro também pega o tema romântico, ousando considerar a biografia em


termos de conceitos muito abrangentes tais como beleza, mistério e mito.”13
V – “... a imagem inata de seu destino engloba concomitantemente o hoje, o ontem e o
amanhã.14 A sua pessoa não é um processo nem um desenvolvimento. Você é a imagem
essencial que se desenvolve, caso se desenvolva. Como disse Picasso: ”Eu não
desenvolvo; sou.”15
VI - Cada pessoa entra neste mundo tendo sido chamada. A ideia vem de Platão, de seu
Mito de Er no final de sua obra mais conhecida, A República. Posso resumir a ideia. A
alma de cada um de nós recebe um daimon único, antes de nascer, que escolhe uma
imagem ou um padrão a ser vivido na terra.16 Esse companheiro da alma, o daimon,17
nos guia aqui. Na chegada, porém, esquecemos tudo o que aconteceu e achamos que
chegamos vazios a este mundo. O daimon lembra do que está em sua imagem e
pertence a seu padrão, e, portanto, o seu daimon é o portador de seu destino18.
VII – “... precisamos prestar atenção na infância a fim de captar os primeiros sinais do
daimon em ação, entender suas intenções e não19o bloqueá-lo. As demais sugestões
práticas vêm logo a seguir: a) reconhecer o chamado como o fato primordial da
existência humana; b) alinhar a vida com esse chamado; c) ter o bom senso de
perceber que acidentes, inclusive a dor no coração e os choques naturais que são
herança da carne, pertencem ao padrão da imagem, lhe são necessários e ajudam a
realizá-la.20 Um chamado pode ser adiado, evitado, intermitentemente não escutado. Pode
também tomar conta de você totalmente. Qualquer coisa; com o tempo ele aparece. Exige. O
daimon não vai embora.”

VIII - Há séculos procuramos o termo certo para esse ”chamado”. Os romanos


chamavam isso de genius, os gregos, de daimon, os cristãos, de anjo da guarda. Os
românticos, como Keats, diziam que o chamado vinha do coração, e o olho intuitivo de
Michelangelo via uma imagem no coração da pessoa que ele estava esculpindo. Os
neoplatônicos referiam-se a um corpo imaginário, o ochema, que levava a pessoa como
se fosse um veículo.1 Era o seu carregador ou suporte pessoal. Para alguns é a sorte ou
fortuna; para outros, um gênio ou jinn, uma semente podre ou um gênio do mal. No
Egito, talvez fosse o ka, ou o ba, com quem a pessoa podia conversar. Entre os que
chamamos de esquimós e outros povos que seguem práticas xamanísticas, é o espírito, a
alma-livre, a alma-animal, a alma sopro. No século passado, E. B. Tylor (1832-1917),
um estudioso vitoriano de religiões e culturas, disse que os povos ”primitivos” (como
eram chamados os não-industrializados) concebiam o que chamamos de ”alma” como
”uma imagem humana fina e insubstancial, por natureza, uma espécie de vapor,
filme ou sombra... mais palpável e invisível, porém manifestando também força
física”,2 Um repórter etnológico moderno, Âke Hultkrantz, especializado nos
ameríndios, diz que a alma ”origina-se numa imagem” e é ”concebida em forma de
imagem”.3 Platão, em seu Mito de Er, usa uma palavra semelhante, paradeigma, uma
forma básica que engloba todo o destino da pessoa.
IX - Embora essa imagem que sombreia a nossa vida seja a portadora do fardo e da
fortuna, ela não é um instrutor moral nem deve ser confundida com a consciência.21 O
genius romano não era moralista. Ele ”sabia tudo sobre o futuro do indivíduo e
controlava seu destino”. No entanto, ”essa divindade não impunha sanções morais ao
indivíduo; era apenas um agente de sorte ou fortuna pessoais. Qualquer um pode pedir
sem opróbrio que seu gênio satisfaça seus desejos maus ou egoístas.”
X - Não podemos saber exatamente a que estamos nos referindo porque sua natureza
permanece obscura, revelando-se principalmente em pistas, intuições, sussurros, e nas
súbitas premências e estranhezas que perturbam a nossa vida e que continuamos a
chamar de sintomas.
O CHAMADO
I - Noite de Calouros na Harlem Opera House. Uma jovem magra e desajeitada sobe
timidamente ao palco. Anunciam-na ao público: ”A próxima concorrente é uma jovem chamada
Ella Fitzgerald... A Srta. Fitzgerald aqui vai dançar para 20 nós... Um momento, um momento.
Agora, o que houve, querida?... Uma retificação, meus amigos. A Srta. Fitzgerald mudou de
idéia. Ela não vai dançar, vai cantar...”22 Ella Fitzgerald bisou três vezes e ficou em primeiro
lugar. No entanto, ”ela tinha intenção de dançar”.5 Foi o acaso que de repente a fez mudar de
idéia? Teria sido ela subitamente estimulada por um gene cantor? Ou teria sido esse momento
uma anunciação, chamando Ella Fitzgerald para seu destino específico?
II - A individualidade está numa causa formal — para usar uma linguagem filosófica
aristotélica. Cada um de nós encarna nossa própria idéia, na linguagem de Platão e
Plotino. E essa forma, essa idéia, essa imagem não tolera muito extravio.23 A teoria
também atribui a essa imagem inata uma intenção angélica ou daimônica, como se
ela fora uma centelha de consciência24; e, sobretudo, sustenta que ela se preocupa
com nosso bem-estar porque nos escolheu por razões suas.
III - Que o daimon se preocupe com o nosso bem-estar talvez seja a parte da teoria mais
difícil de aceitar. Que o coração tenha suas razões, vá lá; que exista um inconsciente
com suas próprias intenções; que haja um dedo do destino no curso dos acontecimentos
— tudo isso é aceitável, até mesmo convencional.
IV - É mais fácil acreditar que alguém heroicamente se faz na vida sozinho do que
acreditar que podemos muito bem ser amados por essa providência que orienta, que
somos necessários pela nossa bagagem, e que às vezes recebemos a ajuda fortuita da
providência em situações de aperto. Posso afirmar isso como um fato normal e
conhecido sem citar um guru, testemunhar em nome de Cristo ou reivindicar o
milagre da recuperação? Por que não incluir de fato na psicologia o que antigamente
se chamava de providência — algo invisível que vela por nós?25
V - Sem uma teoria que sustente a criança desde o início e sem uma mitologia que
ligue cada criança a alguma coisa antes de seu começo, a criança entra no mundo
como um mero produto — acidental ou planejado, mas sem sua própria autenticidade.
Suas perturbações também podem não ter autenticidade, uma vez que a criança não
entra no mundo por suas próprias razões, com seu próprio projeto e guiada por seu
próprio gênio.
VI - Collingwood e Manolete exibem um fato básico: as frágeis competências de uma
criança não estão à altura das exigências do daimon. É inerente às crianças estarem à
frente de si mesmas26, embora possam receber notas baixas e não passar de ano. A
criança pode disparar, como nos famosos casos de Mozart e de outras ”crianças
prodígios” que têm uma boa orientação. Ou pode se encolher e segurar o daimon27,
como fazia Manolete na cozinha da mãe. A ”onda de indignação” que invadiu
Collingwood fazia parte de sua inadequação; ele não estava à altura de Kant, que era
”assunto dele, uma questão pessoal”. Uma parte dele não tinha instrução para
entender o texto; outra não era uma criança de oito anos, nunca foi uma criança.
VII - Porque o gênio não é limitado por idade, tamanho, educação, nem treino, toda
criança é maior que as calças e tem o olho maior que a barriga. É narcisista, exigindo
demasiada atenção, e é acusada de fantasias de onipotência infantis, tais como pedir
instrumentos que não consegue manipular. Qual é a origem dessa onipotência senão a
grandeza da visão que acompanha a alma a este mundo? Os românticos entendiam
essa grandiosidade natural da criança. Como disseram, ”deixamos uma nuvem de glória
quando chegamos”.
VIII - Quero recapitular o que aprendemos até agora sobre como o destino afeta a
infância. Em Collingwood, uma anunciação inesperada; em Manolete e Colette, uma
inibição que os fazia recuar. Da mesma forma, vimos em McClintock, Menuhin e
Colette uma obsessão pelos instrumentos que possibilitam a realização. E vimos a
discrepância entre a criança e o daimon. Acima de tudo, vimos que o chamado se dá de
maneiras curiosas, que diferem de pessoa para pessoa. Não há um padrão geral, mas sim
um específico para cada caso.
IX - A vida futura não precisa chegar de forma tão declarada. Golda Meir, uma líder
determinada, já saiu assim. Seu daimon preparou o caminho e a manteve nele. Mais ou
menos com essa mesma idade, Eleanor Roosevelt, outra líder muito determinada, estava
entrando no mundo de seu futuro, não através da ação, mas sim da fantasia.
ESTUDO DE CASOS
I - A biografia do Generalíssimo Francisco Franco, ditador da Espanha de 1939 até
1973 (falecido dois anos depois), encaixa-se facilmente na estrutura da teoria da
compensação. Quando criança, ele foi ”de uma timidez dolorosa”, de ”constituição
frágil e miúda”. ”Aos quinze anos, pequenino e com cara de bebê, ingressou na
Academia de Infantaria de Toledo, e um dos instrutores... deu-lhe um mosquete de cano
curto em vez do 33 pesado rifle de praxe.” Franco levantou-se e disse: ”O que o homem
mais forte de meu regimento puder fazer eu também posso.”16 Esse Franco guardou
este insulto, pois ele era um homem para quem a dignidade era fundamental. Além da
evidente compensação pela fragilidade inicial, ele competia (”rivalidade entre irmãos”)
com seus irmãos extrovertidos, que eram animados, bem sucedidos e falantes. Assim,
Franco superou antigas inferioridades com vitórias, opressão e uma mão de ferro.
II - Eleanor Roosevelt
III - Robert Peary, que percorreu o deserto ártico até ”descobrir” o Pólo Norte, era filho
único de uma viúva. Ficava perto da mãe, no quintal de casa, ”para fugir dos meninos
que o chamavam de ’Skinny’ [Magrelo] e caçoavam de seus medos”.
IV - Mohandas K. Gandhi
V - A teoria freudiana afirma que as fraquezas primitivas não são simplesmente
transformadas em forças, mas também em produtos de arte e cultura — em cujo fundo,
no entanto, estão os resíduos dos erros da infância que podem ser detectados no produto
como sua verdadeira semente original. Esse modo de interpretação pernicioso pode ser
prontamente aproveitado: Jackson Pollock (1912- 1956), que ”inventou” a caligrafia
pingada da action painting do expressionismo abstrato, pintava quadros enormes.
Colocava a tela branca no chão e ficava passeando em volta dela, deixando o pincel
pingar sobre a mesma, fazendo arcos, linhas sinuosas e borrões, um amplo rendilhado
de padrões rítmicos. Consta que ele teria dito: ”Quando pinto, não sei o que estou
fazendo.” Mas o psicólogo sábio, obviamente, pode detectar nos traços de Pollock sobre
a tela branca um sinal de inferioridade na infância. O caçula de cinco irmãos numa
fazenda de Wyoming, Jackson era chamado de baby pelos irmãos até a adolescência, e
odiava isso.
Barbara McClintock (Hartford, 16 de junho de 1902 — Huntington, 2 de setembro de 1992) foi
uma citogeneticista estadunidense, doutora em botânica e vencedora do prêmio Nobel de
Fisiologia ou Medicina de 1983

Yehudi Menuhin, Baron Menuhin, OM KBE (22 April 1916 – 12 March 1999) 
Sidonie Gabrielle Colette (Saint-Sauveur-en-Puisaye, 28 de janeiro de 1873 — Paris, 3
de agosto de 1954) foi uma escritora francesa.
Golda Mabovitch MEIR  3 de Maio de 1898  
1

NOTAS

Conforme observamos em consulta a partir da aplicação do método, o imperativo que causa e rege este
propósito aventado por Hillman é o Eu/Self/Alma.
2
Tais coisas são o que identificamos como demandas próprias da jornada daquela personalidade,
eventos que simplesmente surgem e que ativam experiências singulares promotoras de potencialidades
que requerem vir à tona. Devemos entender que o sentido de potencialidade não é a expressão de um
talento, embora possa abarcar esse caso, mas sim, e principalmente, sentimentos peculiares, que podem
incluir: rupturas, superações, conquistas, alienação, inspiração, angústia, revolta, entusiasmo e paixão
dentre outros. Desta forma, uma potencialidade para o Eu/Self/Alma não corresponde necessariamente
ao que é sempre desejável no plano da personalidade, que ao contrário disto, só reage em vista do
aparelho psicobiológico, portanto, atrelada fortemente aos instintos de sobrevivência no plano terrestre
apenas.
3
Estas demandas, portanto, excedem completamente o que seria do interesse meramente trivial,
revelando um anseio pelos desejos do Eu.
4
Neste sentido é que identificamos a conexão de níveis de consciência que o homem experimenta, seja
voluntariamente ou não, comprovando que existe um conteúdo oculto em causas que passam à margem
da percepção orientada apenas pelo Ego/persona, e que definimos por causas Arquetípicas.
5
O sentimento a que Hillman se refere como desejo do mundo é identificado na tradição da Kabbalah
como a expressão na personalidade de sua natureza divina, acolhendo o caminho do homem, ou seja, é
a centelha, ou no sentido Macrocósmico: a luz da Providência - que corresponde à natureza do
Eu/Self/Alma nele, que se assemelha à origem Absoluta/Princípio/Lei da qual é um reflexo e parte
intrínseca.
6
A imagem inata exprime literalmente a noção de Arquétipo Humano – à imagem e semelhança que
ressoa ou reverbera na existência do homem, seja em sua forma biológica ou estruturas psíquicas.
7
Temos aqui uma versão da afirmação de que somos o vazio que é preenchido continuamente pela
energia vital em curso no plano terrestre, que produz efeitos segundo as peculiaridades de cada etapa da
jornada. O sentido de vazio remete também, de outra forma, à região em geral chamada de inconsciente
por alguns, donde emergem imagens e sensações capazes de gerar experiências no mundo da
personalidade.
8
A reação do susto sempre é a do Ego, que opera a partir de referências diretamente orientadas para sua
própria limitação material, daí qualquer tipo de refutação ao que é considerado real no plano do Ego
tende a provocar rejeição e medo.
9
Estas respostas só podem ser encontradas de duas formas: ou o indivíduo voluntariamente faz uma
imersão em Si Mesmo, vindo a contatar o Eu que habita regiões distantes da realidade ordinária do
Ego, via meditação por exemplo, ou através de algum tipo de mapeamento que revele informações
capazes de promover este mesmo diálogo com o Eu, porém, introduzido pela via simbólica. No caso da
E.A. esse contato é promovido tanto pela via simbólica como pela racional e lógica, uma vez que o
modelo ou esquema matemático faz o papel de um mapa que abarca as duas formas de demonstração.
Ciente do processo que experimenta desde seu nascimento, enlaçado numa Constelação Familiar
singular, imerso, portanto, em um núcleo próprio, o indivíduo tem condições de realmente se tornar um
sujeito de sua jornada ao invés de supor ter escolhido um caminho que por fim resulta em outro. Esta
ascese, no caso da E.A. corresponde à elevação imediata da percepção quanto à natureza causal que
ativa cada coisa com que o sujeito está em contato. Desta forma, a escolha se simplifica muitíssimo
tanto mais ocorrer a assimilação consciente da natureza do Sujeito e o que decorre dela em contato com
outros sujeitos, lugares, épocas, enfim, surge um caminho antevisto em sua natureza, permitindo
tomadas de decisão que podem evitar experiências desastrosas, embora, paradoxalmente, a tentativa de
evitar implique em submeter-se a algum tipo de sintoma que o evento possui em seu núcleo. Um
paralelo sobre isso pode ser compreendido como alguém que tomasse uma vacina cuja reação
provocasse efeitos dolorosos, mas passageiros, em detrimento da doença que poderia ser fatal. Tais
casos foram observados em consulta, demonstrando que algumas tomadas de decisão vão fortemente
contra os impulsos do Ego, e geram reações dolorosas, porém, beneficiaram o Eu, que se torna apto em
relação àquele tema, da ruptura, por exemplo, e pode voltar-se já para aspectos diferentes, tais como
criatividade ou adaptação. O processo lógico, no exemplo dado é bem claro, uma ruptura consigo no
plano do Ego, decidindo superar um bloqueio importante num relacionamento, ao invés de
reativamente eliminar os sintomas, rompendo a relação, postergaria os conteúdos que eclodem dele – a
compaixão e tolerância. Estes conteúdos ficariam latentes sendo necessário que viessem à tona num
tipo de situação com o mesmo núcleo posteriormente. Vimos muitas centenas de vezes que um
determinado núcleo que requer ser compreendido eclode em diversos campos onde encontra
ressonância, de forma que a fuga do núcleo, na verdade, está apenas intensificando aquela energia, que
tenderá a ser catalisada noutro campo, provocando igualmente qualquer tipo de ruptura, no caso, ou
seja, gerando uma experiência capaz de trazer o mesmo entendimento ao Eu no plano de sua conexão
terrestre. Daí termos observado que a determinação de uma vontade esclarecida sobre a causa
Arquetípica que emerge da questão pode ser muito benéfica, gerando modos mais ponderados e menos
reativos de aceitação, criatividade e adaptação diante do problema naquele instante, ou seja, surge um
tipo diferente de ruptura – com o Ego – que por mais dolorosa, é muito menos danosa e dramática que
aquela que surgiria caso a ruptura ocorresse com o Eu por insensatez. Nas tradições herméticas tal
decisão é geradora direta de um Karma. Com isso não estamos generalizando nada em hipótese
alguma, porque cada tipo de interação é absolutamente única, por isso, não há como sugerir soluções
ou condutas gerais, porquanto existem muitos fatores em permutação nas Constelações formadas pelo
homem.
10
A rigor é preciso admitir que o destino do homem é Ser Humano, em oposição à noção egocêntrica
que se baseia em realizações apenas no plano terrestre. É vital compreende que este destino universal,
constitutivo e irredutível, o Humano, é absolutamente compatível com as realizações do indivíduo no
plano terrestre - aliás é fator que favorece fortemente tais experiências. Disto temos que a
personalidade ou Ego não possui destino algum, mas tão somente o Eu/Self/Alma, que de fato encarna
e segue seu curso em vista de conhecer a Natureza Humana se conectando com o homem na Terra. O
imenso equívoco que se estabelece quanto a isto está na base de grande sofrimento, provocando
sucessivas frustrações e interrompendo o contato do homem com níveis mais elevados do Si Mesmo,
cuja conexão é o Eu que o anima. A lógica que afirma o destino do Ego, portanto, promovendo
estímulos aos indivíduos desenvolverem capacidades que se distanciam dos desejos do Eu, são fontes
de pura ilusão. Não se convence uma macieira a produzir morangos, e todo artifício que se faça nesse
sentido, na prática, dissolverá a natureza da macieira. Trata-se de uma aberração. Uma das provas que
temos quanto a isso – a natureza intrínseca de um destino - é a genialidade, que simplesmente eclode, a
despeito de haver ou não condições que favoreçam o indivíduo a manifestar tal nível de expressão.
11
Hillman refere-se aqui ao que denominamos por Eu. A designação daimon surge em alguns autores
de linha hermética referida a uma entidade que excede a dimensão do Eu – Humano – e se vincula a
magnitudes Macrocósmicas, como “gênio planetário”, que exprime a energia total de um astro. Nesse
sentido, se assemelha também, de certa forma, às potências atribuídas aos deuses da mitologia greco-
romana.
12
A repressão, chave da estrutura da personalidade em todas as escolas de terapia, não é do passado, mas do
fruto do carvalho e dos erros que cometemos em nossa relação com ele.

Este trecho requer uma longa consideração, porquanto encerra muitos aspectos num mesmo argumento.
Primeiro é preciso refletir sobre a repressão que Hillman denuncia. Dá-nos a entender que Hillman
considera que a repressão é do daimon, logo, do que definimos por Eu. Nesse caso, se o Ego viesse a
exercer pressão sobre o Eu, teríamos que aceitar que a personalidade pudesse alterar o destino do Eu, e
vimos que isto não é possível, posto que o Eu atua no nível chamado de inconsciente, de forma a anular
a chance de algum controle sobre qualquer que fosse seu motivo. Por outro lado, se considerarmos que
Hillman atribui a excentricidade do daimon às pulsões anticonvencionais, antissociais ou antiéticas ou
amorais, na verdade, teremos que distinguir nelas o que é uma reação instintiva pura – psicofisiológica
– de um comando do Eu. Como fazer isto sem um ponto de apoio que permita identificar qual é o
núcleo que o Eu opera? No modelo matemático este valor é bastante claro e assume preponderância na
jornada, indicando o destino que será realizado pelo Eu. Ciente deste valor, o analista pode refletir se a
manifestação de um determinado impulso emerge da natureza do desejo daquele Eu, ou, se é uma das
potencialidades fragmentadas ( Arquétipos) que cooperam apenas no conhecimento daquele Eu no
plano terrestre do homem. Evidentemente a confirmação deste fenômeno não pode se tornar verdadeira
através da leitura, assim como não se pode aprender a nadar lendo um manual. Diante desta condição, é
de bom tom sugerir que se investigue o método da E.A.
Retomando a questão da repressão, podemos pensar que seja uma consequência natural - até certo
limite, e observando que a jornada do homem se transforma pela característica de cada período
histórico, por suas formas singulares gerando contextos distintos. Essa repressão, portanto, surge do
medo de perda de nexo social sobretudo, diante da grandeza do contato com o Eu, posto que uma vez
que a mente se expanda, ela não regride mais a seu tamanho anterior, e isto nada tem a ver com
capacidade cognitiva, mas intuitiva. Num sentido bastante raso, a repressão no plano do Ego acaba
sendo positiva, pois sem isso, sem nenhuma medida coercitiva e convenção cultural, poderíamos
certamente gerar o caos, dada a forma instintiva do homem ser tão intensamente valorizada na
atualidade.
Quando refletimos sobre a repressão do passado, que alude Hillmam, certamente se referindo a
episódios que geraram traumas e vícios (coágulos astrais) capazes de promover surtos, fobias e
compulsões, observamos que o termo passado só pode se aplicar no plano exclusivo da história da
personalidade, ou seja, naquilo que o indivíduo exprime a parte mais instintiva e biológica de sua
constituição, a saber, o nível meramente reativo. Nesse caso, a repressão do passado foi examinada em
consultas com a E.A. demonstrando que tais episódios, efetivamente traumáticos, do passado, eram
constitutivos do núcleo do Eu. Assim, casos por exemplo de abuso sexual, violência, abandono, traição,
abortos, calúnia e difamação, além de perdas trágicas por acidentes, crimes, tanto de pessoas como
patrimônio, dentre as mais características, foram identificadas de antemão na análise, sem que estes
episódios tivessem sido narrados para o analista. Identificar estes tipos de coágulos/traumas leva a
outra consideração sobre a chance de repressão do passado, qual seja, quase na totalidade dos casos
observados com este tipo de núcleo – trágico- correspondiam a noção de Karma. Desta forma, não se
tratava de um episódio gerado naquela jornada, mas anterior a ela, noutra que incluía aspectos que
posteriormente só poderiam se anular pelo efeito intenso do trauma. Vemos aqui que não se trata de
nenhum tipo de julgamento moral ou religioso, mas simplesmente de uma coesão inexorável de fatores
cooperando para um mesmo fim (finalidade): a Individuação. Citamos o caso de uma família analisada,
que sofreu uma perda terrível de dois membros, um por assassinato, outro num acidente. Como toda
estrutura familiar, restaram nesta constelação os pais destes que vieram a falecer, e os filhos de um
destes. A configuração final se reestruturou nos avós e netos. Observando a E.A. desta família,
demonstrava-se claro que havia o fator trágico, o Karma, porém, que recaia diferentemente sobre os
avós e netos, e não naqueles que faleceram. Importa compreender que a linha de experiências pelas
quais as crianças conheceriam este mundo já incluía a perda dos pais de forma trágica, e que o cuidado
e superação desse episódio terrível demandava dos avós um tipo de relacionamento que jamais teriam
com os netos de outro modo. Além deste caso trágico, outros também foram analisados demonstrando
que o passado é passivo, ou seja, não pode sofrer alterações no sentido da Individuação, pois excede
absolutamente o contexto criativo que um indivíduo possa exercer, posto que implicaria em alterar o
curso da Humanidade. Dito isso, entendemos que a passividade do passado impele a que os fatos dele
decorrentes simplesmente surjam em resposta às potencialidades futuras que o indivíduo poderá
conhecer. Em outras palavras, a coesão das forças postas em ação no tempo age em acordo com cada
aspecto futuro que cada um experimenta. No sentido do futuro, no entanto, é que temos a plena
liberdade de criar panoramas, porque no presente, ou seja, em ato, a cada escolha, geramos um efeito
que tenderá, passivamente, a vir a ser real. Devemos observar tudo isto, o trágico e o sublime, na
perspectiva elevada do Amor que cobre e consola, redime e estimula, sustentando na nossa natureza o
desejo de nos mantermos no fluxo da Vida.
Quanto à estrutura da personalidade a que Hillman se refere, se for formada pelos aspectos culturais,
genéticos, fisiológicos, e todas os condicionamentos que daí derivam, ela não corresponde ao que
observamos com a E.A. Se a estrutura da personalidade de um indivíduo, para além destas fontes,
incluir também as imagens que emergem do inconsciente coletivo, podemos entender que já não há
mais como desconsiderar tudo o que observamos sobre a natureza do Si Mesmo, do Macrocosmo e
Microcosmo, e do Eu/Alma. E nesse caso, a estrutura da personalidade inclui aspectos não
comtemplados ou descritos, ainda que intuídos por Hillman ao crer na existência do que chama por
Destino.
13
Esta é a mesma disposição investigativa livre, no sentido de exceder os limites fechados pela razão
instrumental, e abarcar significados subjetivos como estímulos para a intuição também ter espaço na
análise da E.A.
14
Este é exatamente o conteúdo que o modelo matemático oferece como ponto de referência para a
investigação. A análise, portanto, atravessa os pontos nodais de cada período criando o nexo causal que
atua gerando as experiências.
15
Entendemos o termo pessoa utilizado neste trecho por Hillman deve ser referido ao Eu, que de fato é
o núcleo que agrega as experiências através do conjunto de disposições estruturadas na personalidade –
os Arquétipos. O Eu simplesmente É, daí não haver nenhum desenvolvimento, tal como se aplica na
esfera da vida material do homem, que acumula eventos e ganha discernimento gradualmente. O
mesmo processo, pode, por semelhança, ilustrar a via da experiência do Eu no mundo, mas isto não
significa desenvolver, e sim: Ser – exprimir-se tal como essência ou Alma. De forma que o sentido
final da frase atribuída a Pablo Picasso só assume o sentido que observamos pela E.A. se pessoa
equivaler ao Eu.

Esta é uma afirmação que só podemos comprovar pelos efeitos que a escolha desencadeia, sendo
16

extremamente complexo investigar o porquê da escolha, salvo quando fatores vinculados à jornadas
anteriores indicam a influência de um Karma – nesse caso específico, podemos aludir apenas, que um
tipo de compensação (visível) motiva o Eu a recorrer a um conjunto determinado de eventos,
sincronizados com os Arquétipos presentes na estrutura da personalidade, que naturalmente convergem
para retomar, por assim dizer, aspectos que dificultaram o fluxo de sua natureza numa ou mais
encarnações anteriores . Contudo, esta é uma especulação extremamente subjetiva, porque permeia
aspectos que não podem ser observados – até então - com a mesma clareza a partir do método da E.A.
17
Esta é uma distinção que não entendemos do mesmo modo que Hillman, pois o guia da jornada é o
Eu, que é o anjo da guarda em algumas linhas tradicionais esotéricas, e como já citado diversas vezes,
é também designado por Alma. Observamos que a distinção entre Alma e Eu só pode residir num único
ponto, que é a presença encarnada do Eu, mais rente, por assim dizer, ao homem, enquanto a
designação Alma talvez possa referir ao quê, no Eu, está mais rente à esfera do Si Mesmo, seu
Princípio. Estamos aqui falando de ressonâncias que excedem nossa capacidade linguística, daí termos
que apenas ilustrar ou apontar o que na verdade ultrapassa os recursos desta esfera de expressão literal.
O sentido de alguns rituais é provocar estados alterados de percepção de forma a encontrar com o Santo
Anjo Guardião – o Eu -, a despeito de haver encontros para além deste espelhamento do indivíduo – do
homem com o Eu Mesmo. Assim, também encontramos em algumas tradições anímicas sobretudo, a
designação do daimon na mesma função que tais entidades – celestes ou cósmicas – anjos e arcanjos,
descritos na linguagem religiosa, ou mentores e inteligências de outras dimensões noutras correntes.
18
Neste trecho se justificam as noções que observamos em consulta quanto às demandas – cenas
específicas que evocam um núcleo em especial - que se manifestam como formas já determinadas pela
natureza do desejo do Eu – daimon – que então flui pelos eventos catalisando em cada qual aspectos
dos Arquétipos na E.A.
19
Este é o objetivo da E.A. O método foi amplamente aplicado para a compreensão da Constelações
Familiares, demonstrando grande eficácia no sentido do esclarecimento que as pessoas em consulta
relataram – confirmando as característica intrínsecas dos demais membros da família, e entendendo que
cada uma destas se voltada para um determinado aspecto nelas mesmas, ou seja, que a natureza de cada
um incidia sobre o outro provocando a eclosão de potencialidades específicas, bem como, reações
instintivas, consideradas boas ou ruins, mas que exigiam alcançar uma determinada solução –
igualmente boa ou ruim do ponto de vista da vida comum. A vocação, por assim dizer, é um ponto de
apoio bastante efetivo durante a reflexão em consulta porque, quando trazida à consciência no plano da
vida material da pessoa, permite demonstrar que há forças internas – Arquétipos - ativando os eventos
da jornada, atraindo os encontros com outras personalidades, além de diversos outros fatores que em
conjunto cooperam para que um talento venha a se manifestar. Nesse sentido, observamos que a análise
atua como forte fonte de entendimento interpessoal, embora, também seja verdadeiro que não basta
tomar consciência da natureza de uma relação, é preciso aplicar a força de vontade dirigida sobre os
impulsos, de forma a minimizar ao menos, o efeito que o encontro de determinadas formas
Arquetípicas tende a produzir. Um exemplo muito observado ocorreu nos relatos de rupturas de
relacionamento, que nos demonstrou que a reatividade instintiva entre substâncias – Arquétipos – é tão
intensa, que as personalidades se exaltam mutuamente, caso este que se manifesta exigindo uma
transformação radical, que no plano elevado do Eu indica o aprofundamento do processo de
Individuação, porém, que dificilmente são postos em questão, culminando num colapso da relação. O
tema ali posto que exige essa transformação radical é então lançado em outro campo, já que a ruptura
entre as personalidades elimina o local onde a reação está ocorrendo. Este mesmo núcleo, desta forma,
se desloca às vezes para expressões mais leves, outras vezes, ao contrário, acumula justamente o fator
que ali deveria se resolver, e que se manifesta num grau mais intenso num campo no qual a ruptura não
é uma opção factível. Vimos, por exemplo, casos nos quais a relação entre um casal encerrava um
núcleo que abarcava diretamente uma potencialidade latente num dos filhos. A incompatibilidade entre
os pais, nascida de fatores na verdade superficiais, tais como intransigência doméstica ou até
divergência política, incidem gerando a necessidade da elevação da consciência para um nível onde tais
fatores simplesmente não possuem valor. A incapacidade de elevar a análise para o nível onde estão
justamente os fatores que uniram aquelas personalidades, recai sobre o modo puramente reativo,
estimulado pelo instinto de sobrevivência do Ego. Assim, o instinto, dada a natureza radical das
substâncias ali presentes, assume grande intensidade e irrompe quando o estado emocional é exaltado,
manifestando as brigas e até confrontos violentos. A ruptura dos pais, em alguns casos observados,
incide sobre a natureza que promove o isolamento sensível do filho, que já possui estas características,
apenas não pode se manifestar no mesmo campo da interação que os pais. Este tipo de evento, em
verdade bastante comum na atualidade, apresenta desfechos que levam a desagregação familiar a
assumir o centro das experiências das personalidades envolvidas, que passam a trabalhar com o mesmo
nível de transformação, às vezes mais intensamente como dissemos, ao se verem em períodos
posteriores marcados por cobranças – claramente emocionais ainda – que cada membro da família faz
do outro, substituindo apenas os lugares onde as cenas ocorriam. Assim, por efeito de uma mudança
decorrente de um relacionamento afetivo, o filho, por exemplo, se instala em outro país, vindo a unir-se
com alguém que representa a mesma natureza Arquetípica que do seu pai, e consequentemente, a cena
se desenvolve agora entre a mãe e a nora, que são obrigadas a alcançar aquela mesma transformação
radical. O mesmo pode ser visto em relação a novos companheiros com os quais surgem
relacionamentos envolvendo filhos de casamentos anteriores, igualmente exigindo a mesma
transformação, porém, cuja relação não permite mais uma ruptura tal como ocorreu entre o casal. Estes
casos foram amplamente observados, reiteradas vezes, demonstrando que é possível – e às vezes,
preferível – perseverar numa mudança pessoal custosa, mas por opção, do que enfrentar essa mesma
exigência sem ter escolha. Evidentemente, como dissemos, não há como generalizar nenhum tipo de
desfecho, pois cada caminho é único, mesmo que possamos, sim, encontrar um conjunto de disposições
que naturalmente tendem a culminar num campo relativamente pequeno de resultados. Este campo se
define ou reduz seus efeitos tanto mais os fatores presentes em cada personalidade cooperam para que
um resultado seja manifestado.
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Estas sugestões de Hillman – literalmente - reiteram completamente tudo quanto pudemos observar
diretamente em consultas com milhares de pessoas.
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Entendemos que aqui há uma sobreposição entre o que é o Eu – chamado por daimon por Hillman – e
o que ele considera por consciência. A afirmação de que o Eu não opera no sentido moral se ajusta
verdadeiramente em muitos casos observados, posto que muitas vezes a potência que denominamos por
Compaixão esteja presente em cenas que em geral envolvem algum tipo de transgressão ou ofensa,
portanto, que pode incidir no plano da personalidade sobre a moral. Neste caso, se o núcleo da cena
orbita a Compaixão, por exemplo, pode ser natural que aspectos e atitudes consideradas imorais ou
amorais, na perspectiva das convenções socioculturais, venham a se manifestar envolvendo
personalidades. Com isso, no entanto, não temos como afirmar que o Eu – daimon – seja isento de
moral, mas sim que naquela personalidade, em específico naquela altura de sua jornada, por uma
demanda que se justifica no contexto que a envolve outras personalidades, aquela ação – do Eu –
motivou uma interpretação moral. Não é possível atribuir moral à natureza da Alma, seria necessário
reduzir drasticamente sua magnitude, tratando-a no comprimento de uma ressonância finita como é a
da jornada de uma personalidade se expressando no homem. Trata-se de compreender que a noção de
Moral, se posta na perspectiva da eternidade, só pode se diluir em favor do que se entende por Ética,
esta sim, encerra uma qualidade perene e imutável, portanto, não sujeita às oscilações morais que cada
cultura estabelece e que vigoram durante um período histórico.
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A explicação dada por Hillman surge pela indução e dedução natural de que algo inato – o daimon
em vista do destino -ativou toda a cena, se ajustando aos elementos em interação do ambiente, que
incluem a data e o lugar, o apresentador, o público, enfim, miríades de fatores interligados que vão se
distanciando em suas singularidades tanto mais nos afastemos do centro observado – o Eu ativo na
personalidade Ella Fitzgerald.
Nesta altura, ainda sem ter conhecimento das formulações do método, o leitor poderá sentir alguma
frustração por não ter como calcular e interpretar o que demonstraremos, por isso, pedimos apenas que
as informações a seguir sejam reservadas para uma comprovação que o leitor, já de posse do método,
possa realizar diretamente.
O que temos evidente neste caso de Ella Jane Fitzgerald, nascida a 25/4/1917, é que na E.A. em
processo em sua jornada estão ativos elementos absolutamente vinculados às Artes, focalizados
literalmente na voz, porém, ressoando uma oscilação emocional, uma dúvida intrínseca que poderia
gerar a sensação de não estar perfeita ainda para se exprimir. Mais que isso, também ativos em seu
processo estão Arquétipos que a tornam uma personalidade em evidência, que por natureza, portanto,
ocuparia o palco, enfim, seria extremamente visível. O mesmo fator, no entanto, no setor emocional
desta vez, poderia lhe causar imensa culpa e sensações de ser vítima de circunstâncias que a
obrigassem a ter que escolher um dentre pelo menos dois caminhos pelos quais se sentia apaixonada,
daí haver sempre uma perda que deveria ser sublimada, pela voz inclusive, exprimindo seu drama
interno nas Artes – ressonância que se instala naturalmente nesses casos – veremos a vida de outros
grandes artistas que tiveram jornadas semelhantes - como ponto de apoio supremo para que a
personalidade não seja totalmente esmagada pela intensidade dos Arquétipos que a personalidade deve
experimentar, intensidade esta que em geral chamam de dom ou talento, e que Hillman atribuiu ao
daimon. As trágicas cenas da jornada de Ella Fitzgeralg no plano das experiências da persoanlidade, a
megaestrela da voz do jazz, demonstram também a outra face da moeda – a vítima -, dificilmente
compreendida segundo o senso comum, ocultando um sentido que só pode vir à luz na perspectiva de
uma experiência, a Individuação, que o Eu/Alma exprimiu no teatro do mundo. É inevitável que
tenhamos uma sensação desconcertante ao pensarmos que isto, uma oposição tão radical no modo de
interpretar as cenas da vida, possa ser real, mas considerando as bases que nos situam no quadro da
“normalidade” do mundo, vemos que há muito mais situações “normais” desconcertantes, do que a
ideia de haver um Eu e um Destino que nos orienta a Ser tal como ele – o daimon - se manifesta no
tempo e espaço terrestre. A genialidade, como dissemos, é um dos fatores que assumem maior
evidência lógica para demonstrar através da E.A. que este algo inato é real e nosso modo de caminhar
no mundo se apoia em experiências que venham a revela-lo sucessivamente.
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A Individualidade, no sentido do que dela resulta no plano da personalidade, nem sempre
corresponde ao que estamos denominando por Eu, posto que a Individualidade se manifesta em graus
distintos. Podemos dizer que a Individualidade que uma personalidade exibe seja autocentrada,
independente e realizadora no quadro das aspirações terrestres. Neste caso, a Individualidade, referida
pelos Antigos ao símbolo Solar, é coesa e capaz de organizar um sistema a seu redor, mantendo o
controle das relações a partir de um centro, qual seja, o Eu se manifestando no nível Solar/terrestre. A
distinção que este tipo de personalidade manifesta em detrimento de outras personalidades ainda sem o
mesmo grau de coesão - de suas metas/desejos/meios/condições terrestres – é a que a torna um centro
de referência neste plano, que pode ir desde um tipo de liderança familiar à de uma comunidade,
estado, global inclusive. Nesse plano surgem grandes expressões do Eu voltado para a realização no
plano terrestre – impulsionam transformações nesse sentido, sejam atuando em quaisquer áreas, desde
o esporte às ciências e artes. Trata-se de uma Individualidade que atingiu um grau de coesão de suas
aspirações no ambiente terrestre. Isto, no entanto, não significa que a Individualidade corresponda ao
que denominamos Individuação, embora esta abarque a realização no plano terrestre se assim for o
destino daquela personalidade. Essa aparente confusão entre o que seja uma coisa e outra, se ambas
incluem a conquista de realizações está na hierarquia de valores que uma cultura estabelece para o que
seja: realização. Do ponto de vista dos brilhantes cientistas ocidentais, que descobriam as propriedades
da matéria, desvendando estruturas atômicas que hoje nos permitem escrever estas linhas, os axiomas
taoístas, as teses de místicos mergulhados na Alquimia, e sobretudo as práticas de Xamãs no seio das
florestas era algo considerado como uma realização em benefício da humanidade? Podemos ver que
alguns, Einstein, dentre poucos, soube compreender que as distintas linguagens sobre os Princípios do
Universo não alteravam este Princípio, apenas mostravam facetas diferentes da mesma Ordem. Jung
também exprimiu imensa consideração quanto às práticas ritualísticas de povos que eram considerados
selvagens. Enfim, podemos observar que esta hierarquia de valores já há muito não convence nem
mesmos grandes pensadores – para citar apenas dois autores que discutem esse aspecto, sugerimos que
o leitor conheça as obras de Fritjof Capra ( O Tao da Física) e Ken Wilber (O Espectro da
Consciência), que explicitam estas razões que nos permitem afirmar que a individualidade nem sempre
corresponde à plenitude da Individuação.
Quanto à afirmação de Hillman: A individualidade está numa causa formal – entendemos que a causa
formal refira diretamente à imagem do Arquétipo – o Humano – tal como explicam as tradições
herméticas, donde surge a hierarquia do Ser, definida pelos Quatro Mundos da Kabbalah, conforme
apresentamos já noutro documento: Arquétipo, Forma, Criação e Expressão – respectivamente:
Fonte/Vida, Ideia/Mente, Desejo/Ser e Corporeidade ou Vida, Eu, Vontade e Homem e ainda: Mistério,
Si Mesmo, Eu, personalidade.
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A sobreposição que o Ser manifesta por natureza, exprimindo sua existência em múltiplos níveis,
gera na afirmação de Hillman a inter-relação de aspectos de camadas distintas como se estivem num
mesmo plano: atribui a essa imagem inata [plano Arquetípico/Formal] uma intenção [plano
Formal/Criativo] angélica ou daimônica, como se ela fora uma centelha [plano Formal] de
consciência [Arquetípico/Formal]; e, sobretudo, sustenta que ela se preocupa [plano Expressivo –
instinto psicofisiológico] com nosso bem-estar porque nos escolheu por razões suas. [plano do Si
Mesmo em processo de Individuação no Eu]
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Este trecho remete novamente ao que discutimos na nota anterior quanto as diferentes linguagens
discutindo o mesmo Princípio, sem que isto signifique a necessidade de se estabelecer uma hierarquia
que as separe em termos de validade ou não naquilo que afirmam, mas apenas de tempos e modos de
expressão do que nos revela diferentes aspectos de nossa natureza infinita, o Macro no Micro. É
importantíssimo alcançar esta conciliação, sem o que estamos apenas discutindo com um espelho sobre
qual dos dois, a imagem ou a matéria é real.
A noção de Providência é vital para o que estamos investigando, porquanto ela se assenta na limitação
que nos obriga a ser o que somos, seja isto o que se deseja no plano da personalidade ou não. A noção
de Karma e Dharma se assentam absolutamente na existência da Providência, daí entendermos muitas
vezes que este termo se aplica também como Destino – o fator Providencial: sorte ou azar. No sentido
do que foi investigado em consulta pela aplicação do método, há um indicativo específico que revela a
ação da Providência, ou seja, observamos que dentre algumas manifestações que a personalidade exibe
e ou experimenta em sua jornada, a presença deste fator representa um tipo de aceleração do processo
da Individuação, sem que isso se associe necessariamente a algum Karma ou Dharma, que incidem
independentes na ativação de seus respetivos processos. Com isso, observamos que a Providência pode
facilmente assemelhar-se ao que chamamos por sorte ou azar. A atribuição abarca diretamente a noção
de acaso também, considerado um fenômeno concomitante ao evento que altera – sem razão aparente –
o curso da jornada.
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Este fenômeno tanto surge do pouco grau de condicionamento material/social/cultural sobre a
criança, quanto à fase que a encarnação apresenta, deixando à vista, por assim dizer, aquilo que está
mais diretamente relacionado às metas do Eu – daimon – do que a energia que o aparelho
psicofisiológico tende a irradiar no modo expressivo da criança, ou seja, em sua personalidade. As
potencialidades inatas, os Arquétipos, portanto, ainda que nada tenham relação com o que aquela
jornada parece condicionar, podem deflagrar eventos tais como a genialidade ou patologias também,
referidas por Hillman como a autenticidade imanente do Ser, originada e predeterminada pelo domínio
do daimon.
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Identificamos as condições deste tipo de autocensura ou autolimitação na E.A., fenômeno que pode se manifestar em
muitos níveis e setores da vida da personalidade, sobretudo incidindo sobre a auto avaliação e consequentemente sobre a
autoestima. A maior parte dos casos analisados demonstraram que este fator Arquetípico incide diretamente inibindo o
prazer criativo/expressivo em detrimento de uma suposta necessidade de aperfeiçoamento formal que justifique esta
liberdade de criação/expressão. Podemos dizer, grosso modo, que se encontram aí aquele limite que se atribui ao
perfeccionista em desequilíbrio, no sentido de se tornar tão rigoroso na autocritica que acaba por interditar suas chances
de expressão, mantendo assim a energia realizadora no plano apenas ideal – Formal – onde suas aspirações realizam
efetivamente infinitos procedimentos associativos que transformam ininterruptamente o objeto da ideia, num contínuo
aperfeiçoamento. Essa mutação permanente da ideia, não permite que a realização no plano terrestre se manifeste. Com
isso, a insatisfação tende a surgir, alimentando através da energia emocional esse ato de aperfeiçoamento contínuo.
Temos aí, neste fator Arquetípico, a causa donde nascem formas naturais de conduta/reação e ocorrência de eventos na
jornada da personalidade, dentre as mais evidentes incluímos: fatores fisiológicos vinculados ao aparelho reprodutor,
incidindo diretamente em casos de infertilidade, bem como do nascimento, da personalidade, ser marcado por alguma
intercorrência clínica; presença de insegurança e forte instabilidade emocional, donde derivam mudanças súbitas de
planos, mesmo depois da personalidade já ter uma decisão sobre o fato; supressão ou limitação do prazer sexual, em geral
em detrimento de metas, sejam intelectuais ou vinculadas a formas convencionais – familiares ou sociais ou
religiosas...Vimos também que este tipo em especial de insatisfação está na base de separações afetivas, em particular
vinculadas a alguma sensação na qual a mulher sente-se subjugada de alguma forma, tanto pelo parceiro, como pelos
filhos, pelo pai, mãe, irmãos, amigos, enfim, há a incidência de interferências na cena da vida íntima, compelindo a
personalidade a exprimir seu potencial no nível que puder, sem que tenha que provar nada com isso – demonstrar sua
perfeição, como se já pudesse ter tal direito criativo/expressivo. Devemos compreender que embora tenhamos
mencionado a questão num exemplo feminino, não se trata de uma questão de gênero, pois o fator Arquetípico se ativa
como experiência Humana e não exclusivamente num ou noutro sexo. Isto foi observado reiteradas vezes, casos em que a
infertilidade ou limitação do prazer sexual se manifestava no homem. Nesse sentido ainda, aproveitamos para destacar a
complexidade da interpretação que surge naturalmente quando tentamos fazer um raciocínio linear - instrumental –
sobre o que não possui esta natureza, ou seja, quando tentamos dar justificativas lógicas no plano material para o que
está ocorrendo numa interação multidimensional enlaçando personalidades em suas jornadas. Em termos práticos, por
exemplo, temos registros de casos de casais que mesmo desejando ter filhos, mesmo se submetendo a exames clínicos
que demonstram que não há nenhum fator fisiológico que impeça a gravidez, passam anos mantendo relações sexuais
sem que haja a fertilização. Observamos que a natureza da cena quando vista numa perspectiva mais alargada, da
Individuação, demonstrava que ambos, homem e mulher, só viriam a ter filhos quando atingissem a maturidade sobre
questões ainda irresolutas no plano do Ego – da personalidade reativa psicofisiológica. A razão oculta na relação
Arquetípica do casal, demonstrava que outros tipos de ambição sobrepunham – inconscientemente – o desejo de terem
filhos. O fator oculto na E.A. exibia, portanto, energias promotoras da oscilação e insegurança, do perfeccionismo, da
autolimitação e alienação, enfim.

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