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Análise do filme Billy Elliot

Depois de muito tempo sem assistir o filme, me questionei qual havia sido o motivo de escolhê-lo para a
discussão assim de supetão. Ao rever, entendi o porquê.

Billy Elliot conta uma história que nos remete à sensibilidade, raiva, saudade, agressividade, mas acima
de tudo, o amor. O amor pela dança, pelo trabalho, pelos amigos e pela família. Amores que se mesclam
todo tempo com a raiva, a saudade e a tristeza pela perda de uma mãe que ainda está muito presente
na vivência de cada membro da família de Billy.

Numa dinâmica na qual seu pai e seu irmão expressam, por meio da fúria e da agressão, a dor da perda
e a intolerância pelas diferenças, Billy encontra na dança uma forma de mostrar sua sensibilidade e de
se encontrar novamente com sua mãe, afinal, foi através do piano, instrumento conservado pela família
e adorado por Billy, que sua atenção voltou-se para algumas meninas que aprendiam uma dança suave
ao lado de suas agressivas aulas de boxe.

O garoto, que desde o início do filme mostra uma grande sensibilidade tanto com seus familiares quanto
com seus sentimentos, descobre na dança uma forma de externalizar suas dores, sua saudade e sua
raiva, de um jeito muito diferente de seu pai e seu irmão. Homens que desde a perda da mãe, estão a
todo momento em contato com a dor, mas sem precisar tocar em seu nome, ou mesmo nas teclas de
seu piano.

É curioso como seus pés falam por si quando está bravo e até mesmo quando está feliz. Billy usa a dança
para mostrar seu movimento interno e também sua raiva por fazer parte de uma família a qual é
marcada pela intolerância, pela dificuldade na comunicação e por valores tradicionais mantidos
tipicamente em cidades pequenas, interioranas. Mas seu desejo e sua identificação com a dança não o
distanciam do prazer de se movimentar e de falar pelos pés, nem mesmo a autoridade e a determinação
de seu pai, um áspero trabalhador que tem dificuldades de lidar com os traidores da greve e com seus
próprios sentimentos. Encontra na professora de Ballet, a “senhorita”, alguém que o acolhe e ao mesmo
tempo o coloca limites para poder encarar as imposições de seu pai. Impossível não pensar numa figura
relativamente materna que se apresenta para Billy para poder acolher suas angústias, sonhos e
dificuldades mas, ao mesmo tempo, dar-lhe um tapa na cara (literalmente), para mostra-lhe que a vida
não pode ser regada de impulsividade e da ideia de que podemos fazer ou falar tudo aquilo que
pensamos. Billy confia nela, e confia a ela seus sentimentos e sua intimidade, quando divide com a
professora a carta tão querida escrita por sua falecida mãe que já é por ele decorada.

Embora tenha medo, no início, de ter o ballet algo a ver com sua sexualidade, Billy entende que a dança
está para além disso em sua vida, não sendo uma questão de preferência sexual, mas sim de uma forma
de expressar-se. Fato esse que o impulsiona a desafiar seu pai, pois já sabia que era por meio do ballet
que concretizaria alguns de seus desejos. Coincidentemente ou não, no Natal em que enfrenta seu pai,
mostrando a ele sua intimidade e desenvoltura para dança, o piano de sua mãe é quebrado para poder
esquentar a família que está numa péssima condição financeira em uma noite tão gelada. Parece que
naquele simbólico ato, a mãe foi definitivamente enterrada, ou melhor, cremada. A dor foi forte, mas
soou como uma despedida. E foi nessa noite que seu pai conseguiu se aproximar de seu filho e deixar
que o amor falasse mais alto do que a rigidez que há tempos marcava essa relação. Desfez-se então do
piano, das joias, e foi em busca de concretizar o sonho de seu filho. A mãe estava então simbolicamente
“enterrada”, permitindo que seu pai e seu irmão se abrissem novamente para o amor e para os desafios
que a vida sempre apresenta.

Billy transcende qualquer discurso racional e conquista sua vaga na escola de Londres não só pela leve e
espontânea dança que apresenta, mas por conseguir expressar sua sensibilidade, seu movimento
interno e seu prazer em dançar em meio a tanta agressividade que o testa a todo o momento
(lembremos daquilo que ocorreu com o colega durante o teste). Sensibilidade essa que permite uma
transformação em sua família, a aproximação de todos e a possibilidade de voltarem a encarar os
sentimentos, os desafios e as experiências que são proporcionadas e inerentes a vida.

Talvez se fosse preciso definir o filme em uma palavra, mesmo havendo a morte, definiria-o com palavra
“vida”. Vida essa que pulsa em todos os personagens do filme, mas que é trazida de volta por um
personagem vivo por completo: nosso impetuoso e cativante Billy Elliot.

Billy Elliot, um garoto de uns 11 anos, mora em Durham, Inglaterra, cidade pequena cuja principal fonte
de trabalho é a mineração de carvão. Em 1984, quando o filme começa, havia uma greve do sindicato
dos mineradores contra o governo de Margareth Tatcher. Mineradores e policiais se enfrentavam todos
os dias nas ruas da cidade.

Billy mora com o pai, o irmão mais velho Tony, também minerador como o pai e a avó, mãe de sua mãe,
que morrera jovem ainda. O pai (Gary Lewis) e o irmão aderiram à greve e por isso a família estava com
dificuldades financeiras.

Como todos os meninos, Billy vai à academia onde tenta aprender a lutar boxe, com o incentivo do pai.
Os outros esportes não o empolgavam e o boxe também não. Ele então ficava distraído olhando as
meninas fazendo aula de balé clássico ao lado do ringue.

Billy tinha a mania de dançar onde quer que estivesse. Até no ringue de boxe e abraçado ao saco de
areia. E tão fascinado estava com a aula na barra, que vai se aproximando e alguém empresta sapatilhas
para ele.

Perdidíssimo no início, Billy começa a gostar e acertar os passos, com a ajuda da professora (Julie
Walters). Ele é o único menino na classe e se sobressai porque é um bailarino natural.

Aos poucos vemos sua postura mudar e ele começa a sentir prazer em exercitar seu corpo em
alongamentos e piruetas.

Claro que a professora percebe o quanto de talento ele tem. Assim, iniciam aulas particulares para que
Billy pudesse fazer o teste para a Royal Ballet School em Londres.

O filme é dirigido com arte pelo diretor Stephen Daldry, que sabe dosar a dança de Billy pelas ruas da
cidadezinha e a luta dos mineiros contra os companheiros que furavam a greve. Esse foi seu primeiro
filme e ele já foi indicado a melhor diretor no Oscar. Depois ele brilhou com “As Horas” 2002, “O Leitor”
2008. “Tão Forte e Tão Perto” 2011 e a série “The Crown” 2016/ 2017.

O filme é também uma história sobre uma relação difícil entre pai e filho, que herdara a sensibilidade da
mãe. A avó meio caduca, repetia sempre que ela e a filha adoravam os filmes de Fred Astaire e que
dançavam juntas na rua depois de assisti-los:

“- Eu poderia ter sido uma bailarina profissional “, repetia ela.

O preconceito na Inglaterra nos anos 80 era muito forte e foi difícil para o pai de Billy aceitar que o balé
não fazia de seu filho um homossexual.

E no final, bem escolhido, vemos um Billy transformado em um grande artista, reconhecido por todos.
Lágrimas vão querer molhar o rosto dos mais sensíveis. Eu chorei.

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