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[RYDEN/DALLIAN] Fireproof.

Título: Fireproof.
Autora: Lully.
E-mail: lullyinpanic@live.com
Ship: Ryan Ross e Brendon Urie; Josh Farro e Hayley Williams; Dallon Weekes e Ian
Crawford.
POV: Primeira Pessoa, Dallon Weekes.*
Fandom: Panic! at the Disco, The Young Veins, Paramore, The Cab, Play for Keeps.
Censura: R.
Gênero: Slash, Hétero, fluffy, Romance, Suspense policial, Drama.
Status: Em andamento
Capítulos: 01/20 + Prólogo e Epílogo.
Outras Fics: Sim.
Moderadora que autorizou: Pri.
Beta - reader: Lully
Disclaimer: Apenas as personagens fictícias dessa história pertencem à autora, que
também deixa claro que a história é completamente improvável e fictícia.
Teaser: “Você matou uma pessoa, Weekes?” Brendon falou, erguendo a sobrancelha.
“Quem é você de fato, Dallon James Weekes?”
Capa: http://twitpic.com/5cij6m
Picspam: [link=http://ohswingthefocus.tumblr.com/post/6977526069]Tumblr[/link] &
[link=http://www.orkut.com.br/Main#Album?
uid=12786212746064206453&aid=1307973783]Orkut, álbum aberto[/link]
Nota: 1) A fanfic se passa em 2010/2011. Base de outubro de 2010. Umas duas
semanas antes do halloween, no máximo. Não determinei uma data exata de outubro,
mas a fanfic quando entrar em ordem cronológica começa a entrar em outubro de 2010.
Preciso que você se atente [i]muito[/i] mesmo pro tempo dessa fanfic porque por mais
que ela fale de passado, presente e futuro, ela não tem flashback. O que vem em itálico
vem seguido de uma localidade (geralmente Salt Lake City, que é onde a maioria da fic
se passa) e uma data (na maioria das vezes, 2002). São exatamente [i]oito[/i] anos de
2002 a 2010. Então, como eu mudei algumas idades fica assim: Brendon 16 +8 =24. Ian
14 + 8 = 22. Dallon 21 + 8 = 29/30. Pra quem não conhece a segunda formação do the
cab (DeLeon, Marshall, Ian, Cash, Johnson) fica a dica: exceto o Ian, todos eles tem,
atualmente, 22 anos. O Ian tem 23. Então, na fic, todos têm 21. O Joey, por sua vez, não
faz parte da segunda formação, também tem na realidade, 22 e aqui ele vai ter 21.
* Tirando o Prólogo e o Epílogo quem narra a fanfic é o Dallon Weekes. Certo. Ele não
conhece a história que tá narrando, ele vive a própria história, conta o que ele vê e junta
as peças do que não vê. Ele prova que todo mundo tem seus segredos. Certo, ficou claro
isso. Volta e meia, Mr. Weekes vai soar feito um narrador em terceira pessoa, porque
são cenas que ele não está presente. Pra exemplificar, assista Titanic. Quem conta a
história é a Rose, mas existem cenas no mesmo que ela não estava presente e mesmo
assim aparecem no filme, na parte que ela narra.
** A censura é R por causa do tema, da linguagem. Há menções à sexo, porque cá entre
nós, é uma fic grande e detalhada, não dá pra não mencionar sexo, mas em sua
totalidade, a censura é pelo tema.
2) A fanfic tem um alicerce musical muito forte. Os capítulos têm títulos tirados de
músicas e eu vou postar links do youtube que você escute (veja, quando a música tiver
clipe) a música enquanto lê. Tem uma postagem no meu
[link=http://lullinhax3.livejournal.com]LJ[/link] sobre todas as músicas com
letra/tradução/vídeo/download (e destrinchadas)pra que vocês saibam o quê é o quê.
Essa fic só existe e/ou é possível porque a música nasceu primeiro.
3) Dallon Weekes e Ian Crawford aqui são um ship. Sim, um ship. Que fique claro a
todos os sinners e os de fora da fanbase que não, eu não acredito nesse ship, que a
Breezy é a coisa mais maravilhosa que eu conheço e que a anã da July merece meu
respeito, mas eu os acho fofos juntos. Detesto Weekie (brallon pra mim é Breezy/Dallon
e isso eu shippo hard) então por mais amigos que eles sejam aqui e na vida real, esse
ship não existe, em minha opinião.
4) Gostou. Não gostou. Acha que eu preciso melhorar. Quer elogiar ou criticar. Quer
cobrar postagem ou saber qualquer coisa sobre mim:
[link=http://ohswingthefocus.tumblr.com/ask]go on here: ask me everything you
want[/link]. Eu respondo tudo. Em anônimo, identificado. tudo. Nesse link, respondo
perguntas, também. Quiser me seguir no twitter, pedir avisos por lá, eu sou a
@lullyinpanic (:
5) AU porque se passa num ambiente policial.
Dedicatória: Dedico a fanfic a todas as pessoas que ainda não sabem o que amor e
música podem fazer juntos.
Fireproof.

Prólogo.

<i>Salt Lake City, 30 de agosto.

Ryan,

Eu to escrevendo de novo outra carta para você. Os anos se passam, nossos


corações batem longe um do outro e eu não consigo esquecer certas datas como a de
hoje. Seu aniversário. Meu coração espera que você esteja muito feliz na vida que
escolheu para si, sem meus conselhos, sem meu amparo, sem nossa música. O mundo é
muito pouco sem música e você é ainda mais vazio sem minha música. Só não esqueça
que, por mais romântico que isso soe, eu sou a música em você. Apenas eu. Não
importa quem você está enganando, dizendo que ama, acabando com a vida dele. Você
só quer a mim, porque eu consolo a tua alma e seguro seu coração como quem segura
uma peça de ouro puríssimo. Seu coração é importante pra mim, Ry, assim como tudo
que vem de você.

O silêncio me mata todo dia um pouco mais, Ryan. É por isso que toda vez que
eu juro que é a ultima carta pra você, eu acabo escrevendo mais cinco ou dez com o
mesmo juramento. Escrever, pra mim, tem sido um alento. Minha alma fica mais calma
ao imaginar que essas palavras poderiam estar sendo sussurradas ao pé do seu ouvido,
enquanto eu lhe fazia um carinho em seu peitoral magro. Conheço cada linha que
torneia seu corpo, o corpo que eu descrevo sem me aproximar, com os olhos fechados.
Eu descrevo suas vontades, descrevo seus preceitos, seus medos. Eu aprendi a admirar
o seu silêncio, mas deixá-lo me corroer dessa forma está me matando por dentro não é
justo. Eu disse a você que você era minha música, o motivo do meu canto. Hoje em dia,
eu sou somente silêncio. Escrevo porque dói e dor machuca, mesmo que os machucados
sejam só cicatrizes. Mexer no que está morto só traz ainda mais dor e esse ciclo vicioso
parece nunca mais ter fim. Corações e mais corações feridos, doloridos e seus donos
esperando uma solução.
Uma solução que verdadeiramente é inexistente! Quem conhece a cura de um
coração machucado, doente e infeliz? Alguns solucionam com o ‘não sentir’, alguns
ficam fechados dentro de si mesmos, mas não existem soluções exatas. Porque amar
não é como matemática, não é como química ou física. A exatidão passa longe de um
romance. Ainda mais como o nosso que de matemático só tinha a escala do seu violão e
os meus tons fracionados de voz. Hoje eu dou uma risada nostálgica ao me lembrar dos
nossos momentos, mas atualmente tudo soa como trazer dos mortos algo que não existe.

Essa não é a primeira vez que eu te escrevo, creio que não será a última que sou
ignorado. Ser ignorado assim dói. Dói porque, em minha mente, eu revejo nossos
momentos, aqueles que eu nunca serei capaz de esquecer completamente. Você me
ensinou coisas que eu jamais aprenderia em outros lugares, com outras pessoas. Você
me ensinou que a vida pode ser muito bem vivida e que a dor de perder é tão grande
quanto à dor que eu carrego aqui, que me é companheira quando penso em você. Entra
ano e sai ano, eu procuro por você e sempre tenho seu silêncio como principal
resposta. Porque nessas horas eu me lembro de suas promessas, de quando meu
coração batendo forte quando você me dizia, ao pé do meu ouvido, que não importava
nada no mundo além de mim, que por mais promíscuo que você fosse, eu era o único
dos seus parceiros que você não esqueceria mesmo se tentasse, se pretendesse. Se
existissem outros iguais a mim perdidos por esse mundo e eles o encontrassem,
receberia mentiras de seus doces lábios, enquanto você os possuísse, um por um,
mentira por mentira, estaria pensando em mim.

Será que você não mentia pra mim também? Eu mereço uma resposta, poxa! Eu
fui seu amante, <s>(porque você desconhece a palavra “namorado”)</s>, então tenho
que me contentar com algo sujo feito essa palavra. Algo sujo como o que praticamos, se
eu realmente analisar; você vinha pra mim fedendo vodca, ou eu ficava sendo obrigado
a sentir o cheiro do cigarro que você fumava depois do sexo. Eu fazia amor com você,
mas hoje sou ignorado. Presenteei você com o melhor que eu tinha naquele momento;
meu coração disparado, minhas mãos geladas por medo de não saber o que fazer com
alguém tão experiente, minha virgindade, minha pureza e tudo o que eu recebo de você
é o silêncio. Meu coração não se acostumou ainda com a dor disso, mas acho que ele
deveria. Não é? Seria mais fácil viver dia após dia.
Eu não sei qual o motivo sou ignorado dessa forma, mas eu realmente tento. Eu
tento porque,<s>eu amo você</s>, eu sou idiota, porque sou romântico demais.
Porque eu não sei perder alguém que me fazia tão mal e ser feliz como, em teoria,
funciona. Eu sei que pode parecer um pouco cedo para dizer, para falar de um assunto
tão sério quanto esse. Assunto sério, mas eu já descobri muito cedo que o um
sentimento está acima de tudo. Descobri em você um motivo pra viver. Descobri que se
meu coração bater por você, eu posso ser feliz, mas descobri que um sentimento tão
intenso assim, forte assim, não acaba e justamente por esse motivo que eu sofro sua
ausência e, confesso que, estou tentando me adaptar a ela. Eu me lembro que nós
gostávamos de dividir bebidas, que você era intenso demais e me fazia feliz justamente
por isso. Eu sinto que nunca atingi meus objetivos contigo, porque meu pai – que me
ensinou toda a música que eu tenho tatuada no peito, que não vai passar, mesmo
quando eu precisar abafá-la pra sobreviver – sempre me disse que o que é conquistado
com música, nunca se acaba. Todas as notas que eu toquei pra você tinham o mesmo
objetivo. Meu sonho era ter você pra mim, pra sempre, mas meus sonhos andam se
desmoronando aos pouquinhos. Começando com o fato de eu nunca tê-lo imaginado
mentindo pra mim. Mas agora não tenho tanta certeza de sua lealdade.

Eu prometo que não serei tão exagerado, mas eu precisava demais de você
nesse momento (mesmo que pra você soe como se eu já esteja sendo). Eu precisava que
alguém me apoiasse, me segurasse, que dissesse que tudo o que eu estou passando
agora, vai acabar algum dia, embora eu esteja falando sobre ser prestativo e solidário,
você nunca parou para me olhar com olhos carinhosos, nunca perguntou para mim se
eu estava bem. Você não é de demonstrar o que sente e, o pior, é que se eu contasse
tudo o que eu realmente queria dividir, você riria na minha cara e diria que era mais
uma de minhas idiotices, daquelas coisas que eu fazia pra você me notar. É terrível ter
que confessar o quanto esse seu jeito indiferente e frio faz falta pra mim agora, porque
por pior que você seja, o que fizeram comigo, você jamais faria. Você sempre gostou de
me surpreender de forma boa. Você calava minha música com um puxão de cabelo e
um beijo tão maravilhoso que eu nunca encontrei igual em lugar nenhum – e não que
eu realmente tenha tentado procurar.
O mais triste tudo isso é que eu sinto que isso tudo só vai acabar quando você
voltar pra minha vida, me causar novos conflitos internos, me fazer parar de viver feito
um alcoólatra em recuperação que, longe do seu vício, precisa viver um dia após o
outro e comemorar cada mínima vitória. Eu estou procurando por uma dose grande do
meu vício aqui, com minhas pobres palavras apaixonadas. Então eu perdi mais um
motivo pra comemorar, embora Salt Lake esteja cheia de coisas que me deixam
nostálgico e como se não bastasse, lembrar de você se tornou um vício. Quer dizer que
em minha reabilitação fictícia, eu caio e recaio por você dia após dia. Quando eu
conseguir dizer que, embora você tenha perfume de álcool e cigarro, apesar de que
você tenha esse jeito doce que só eu sabia arrancar, eu sinto que é só assim, com você
por perto, para que toda minha vida normalize. Espero que não demore. Não demore,
porque eu quero minha vidinha pacata de nerd idiota de volta. Aquele nerd que usava
aparelho extra-bucal que vivia de música, que vivia pra agradar você, pra fazer planos
sobre uma suposta vida juntos. Eu quero viver de música com você, como planejamos.

Como eu planejei, na verdade, e você me ria de mim dizendo que era cedo pra
pensar em transformar aquele seu apartamento de solteiro em nossa casa. Enquanto eu
pensava realmente em fazer minhas malas e me mudar pra lá, brigar com a religião dos
meus pais, ser renegado por assumir o sentimento que tenho (eu posso usar tenho?) por
você, você já estudava um jeito de me deixar sozinho. Seu amigo... Carl me contou que
sua viagem já era planejada, seu sumiço da minha vida foi articulado e eu não consigo
me desvencilhar das armadilhas que você deixou. Eu devia ter levado a sério quando
disse, Ross, que quem você possuía, ainda que uma vez, nunca mais deixa de ser seu.
Completamente seu. E eu perdi as contas de quantas foram às vezes que você me
possuiu por inteiro e sem nenhum tipo de reservas.

Sim, é só o que eu espero, porque a cada dia que passa, sem notícias
suas estão fazendo com que minhas esperanças morram e meu sentimento por você
comprima minha vida. Embora eu tenha dito a você depois de cada noite juntos - as
minhas de entrega a meu sentimento solitário e puro, as suas de prazer, iguais a que
você tinha com todos os outros caras que levava pra aquele mesmo apartamento -, que
eu não cogitaria a idéia de esquecê-lo para sempre, porém nesse momento, sem saber
onde você está, com quem está e o que pretende fazer quando crescer, eu fico
completamente sem escolhas e no escuro. Estou cogitando a idéia de esquecê-lo pra
sempre, de comprimir meus sentimentos e talvez ser exatamente igual a você.

Eu queria poder te contar mais coisas, mas eu apenas encheria mais uma folha
com meu drama pessoal e você me ignoraria de novo – mas dessa vez com certo motivo.
Porém, Ryan, eu estou com medo. Eu estou com muito medo mesmo, porque eu sei que
eu não sou à prova de fogo, eu sei que eu não agüento tanto, mas acredite, eu queria
poder ter um abraço. Mas confesso que não é qualquer abraço, não é como as pessoas
à minha volta costumam fazer. Eu quero aquele seu jeito malicioso e despreocupado.
Querendo manter esse coração em uma temperatura baixa, mas eu sei que, por mais
que duvide por alguns momentos, eu consigo alcançá-lo para que ele me mostre o
caminho das coisas. Eu precisava de você mais do que nunca, mas acho que não somos
mais tão conectados como éramos antes. Na verdade, a pergunta que me vem à cabeça
é será que um dia fomos conectados por algum sentimento, mesmo que por uma hora
sequer?

Espero que um dia você escreva pra mim - ainda que seja um bilhetinho de nada
– só para dizer o motivo do qual você nunca me respondeu. Espero fervorosamente o
dia que, de certa forma, um pedaço seu me dará forças e me trará vida de novo. Isso me
lembra que meus pais falaram pra mim que estão preocupados com meu desempenho
na escola, com meu modo depressivo de viver desde que aconteceu tudo o que não
devia ter acontecido. Meus pais disseram que minha ‘amizade’ com você não deveria
ter sido levada tão a sério, mas eu não me incomodo, porque sei que eles querem o
melhor pra mim, mesmo que eles não saibam que você levou embora qualquer mínima
chance de felicidade.

Você não sabe que eu estou vivendo um dia após o outro, um dia de cada vez e
pedindo a Deus que meus pais não achem as minhas garrafinhas de whisky debaixo da
cama ou dentro da minha mochila de aulas. Eu ainda faço música pra me distrair
(inclusive, eu fiz mais uma pra você, mas eu quero cantá-la pessoalmente. Quero que
compreenda o tamanho do meu sentimento espremido em meu peito nesse momento).
Uma pena que cartas não têm como ter áudio, senão eu cantaria algo pra você, só
porque me dizia que gostava da minha voz, do som que eu fazia ao teclado. Esse é meu
motivo de ainda tocar. Eu ainda espero você pra me ouvir, meu anjo. Enquanto isso, eu
ainda vou tomando forças de não sei aonde – talvez suas lembranças me atormentem
ao ponto de tirar as mesmas forças que elas repõe – para continuar vivendo sem você e
sem esse seu jeito encantador.

Talvez eu esteja fazendo tudo errado em não deixar você ir de uma vez por
todas, já que não me responde. Talvez eu devesse parar de, todos os dias, abrir a caixa
do correio na esperança de ter um bilhete lá. Eu nunca esperei tanto por algo. Eu
nunca precisei que as pessoas fizessem algo assim por mim, para que minhas forças se
renovassem e parte dos meus problemas se desfizesse, mesmo que fossem só por um
momento. Desde o que aconteceu – que eu não te contei aqui ou nos milhares de cartas
iguais a essa que já lhe escrevi por uma questão de ética – as únicas pessoas que meus
pais permitem que cheguem perto de mim é o Spencer e a Hayley, acredita? A baixinha
tem se mostrado uma guardiã incrível, anda pior que a minha mãe no quesito super-
proteção. Spencer me contou que está para se mudar. Ele disse que quer fazer algo
pelas pessoas que, como eu, tiveram problemas tão ruins quanto os meus, eu acho
bastante louvável. Ele vai ser federal (dá pra acreditar que um de nós queira mesmo ser
policial? Um bando de músicos sem o que fazer, como seu pai dizia) e vai para
Washington. Espero que ele consiga logo, mas ele disse que ainda precisa ter um pouco
mais de idade.

Eu sempre fui um romântico irremediável, você me conheceu, não é? Eu sempre


fui daqueles que acreditava em almas gêmeas, que não existiam pessoas más no mundo.
A confeitaria de meus pais me fazia comparar pessoas com chocolates; uns amargos e
outros ao leite, mas eu aprendi muito de lá pra cá. Tudo o que você dizia sobre as
pessoas, quando eu estava abraçado a você naquele seu apartamento de solteiro – que
por sinal ainda está fechado e eu guardo a cópia da chave comigo – faz muito mais
sentido agora. Dói muito mais acreditar em tudo isso sem ouvir sua voz soberba me
dizer que tinha me avisado, reafirmando que eu sou um idiota estúpido por acreditar
em algo utópico. Eu preciso disso, Ry. Você não imagina o quanto eu preciso disso. Por
favor, dê sinal de vida antes que seja tarde demais. Antes que eu aja feito um
irresponsável quando você aparecer e, pelo fato de me ignorar na época que eu mais
precisei, eu o expulse da minha vida o dia que eu conseguir estar perto o suficiente de
você.
Hoje é seu aniversário, e eu espero que – de verdade – você esteja feliz, que
estejam te enchendo de presentes. Espero que seu pai já tenha conseguido enxergar a
pessoa especial que você é. Eu sei que já faz tempo, que você não se lembra dos nomes
de seus amantes, mas eu só queria desejar toda a felicidade do mundo, todo o amor do
mundo, todo o sucesso do mundo, independente do que você escolheu pra viver. Quero
que a sua vida seja sempre cheia de música feliz e que em nenhum momento você tenha
sequer um motivo pra chorar. Deixe que eu chore por nós dois, se é que algum dia esse
“nós dois” existiu pra você. Tudo o que eu desejo é que tudo pra você, não só nesse
trinta de agosto de um-ano-que-não-importa é que você seja realizado e feliz em tudo o
que sua mão tocar. Peço que guarde meu coração enquanto não voltar e me devolvê-lo.
E que meu coração te aqueça, que te deixe mais humano, menos mesquinho. Que você
ouça a música que vem do coração que eu te entreguei no meu primeiro olhar. Cuida
bem de mim, enquanto eu procuro um coração gelado por aqui pra cuidar. Sei que esse
coração é o seu.

Do <u>ainda</u> seu, B.</i>

Fim do Prólogo.

Um: That’s last time I fall for you.


Título: Alicia Amnesia, Butch Walker.

<i>2002</i>.

“Carl?” Ryan chamou baixo, enquanto pegava o cigarro que queimava em cima do
criado-mudo. As cinzas se misturavam ao cheiro de sexo recém-feito do quarto daquele
que era chamado por Ryan. Carl virou-se devagar para o que lhe chamava e abraçou-lhe
o corpo. “Tira a mão daí.” Exigiu, irritadinho. “Nosso acordo não inclui ser carinhoso
com você.”

“Não precisa cumprir essa parte tão rigorosamente, gracinha.” Falou o homem, puxando
o cigarro dos dedos magros de George, que tinha a sobrancelha levemente levantada
para a atitude do outro. “Mas eu te conheço e você não me chamou pra isso. O que você
quer, Ryan? Você me cansou, gracinha, e eu ainda não estou pronto pra outra.”
Debochou, ainda enlaçado a Ryan.

“Sai de perto, Carl! Eu já transei com você a noite inteira, agora sai, porra!” Exigiu a
segunda vez, esboçando um sorriso vitorioso ao retirar a mão que lhe abraçava por
baixo das cobertas fofas do garoto. “E tem razão. Eu quero uma cerveja antes de
conversar. Vai buscar pra mim, <i>mulher</i>?” Ross desceu a mão pelo corpo de Carl
– que era um moreno de estatura mediana, de afeições bonitas e rosto delicado, quase
feminino, e olhos verdes – até chegar ao traseiro do garoto que Ryan apertou e depois
bateu, com força para de fato marcar o lugar. Carl gemeu baixo. “Vai logo.”

Carl não conteve a risada estridente ao ouvir o pedido machista – não que Ryan
realmente fosse desses machistas que só fazem da mulher suas empregadas domésticas,
mas naquele momento, Ryan debochou para <i>irritar</i>, para tirar Carl do sério – do
seu acompanhante. Devagar, o homem dono da casa, segurou o rosto de Ryan e
distribuiu beijinhos insistentes pela linha da mandíbula de Ryro que não se afastou
sequer por um momento, mas também não curtiu tanto quanto acharia melhor se o
tivesse feito com <i>outra pessoa</i>.

“Você ta <i>muito mole</i>, Carl. Não está pronto pra outra, não estou vendo minha
cerveja. Que tipo de <i>mulherzinha</i> é você?” Perguntou ainda debochado,
terminando com o cigarro que havia acendido. Ele fez questão de usar “mulher” no
diminutivo para ofender. Para dizer que Carl era só mais um, um cara que ninguém
daria nenhum tipo de valor. Nunca. Decidiu usar o “zinha” porque era assim que ele
ouvia sua mãe gritar aos quatro ventos quando seu pai chegava tarde em casa. O pai de
George jamais a traíra, mas ele nunca a envolveu em seus <i>negócios</i>.

“Sua <i>mulherzinha</i> quer carinho.” Falou, afeminando a voz e deixando-a em um


tom baixinho, voltando a se enroscar em Ross que bufou baixo. “Mulheres gostam de
carinho, Ryan. Se for pra me tratar como uma, faz direito.”

“Se eu quiser carinho, eu sei a quem recorrer, Carl. Anda logo e vai pegar minha
cerveja.” Falou irritado, desvencilhando-se do toque do que ainda era dono da casa que
devagar levantou-se de onde estava. Colocou apenas a Boxer de <i>Ryan</i> e saiu em
direção à cozinha.

Então foi que Ryan recebeu uma mensagem de texto da única pessoa que
conseguia mantê-lo sóbrio após o sexo, porque na verdade, seu próprio corpo o
embriagava aos toques do que acabara de lhe enviar uma mensagem doce para ele
<i>“Aonde é que você se meteu, seu feio? ): Eu to morrendo de saudade de você.”</i>
Ryan não conteve o sorriso ao ler, mas não respondeu. Não ainda. Ele queria conversar
com Brendon, porque ele precisava contar tudo o que estava acontecendo com ele. Ryan
sempre achou que Brendon fosse o único capaz de absorver seus problemas e mesmo
assim chamá-lo de adolescente exagerado.

“Toma.” Disse Carl, após tomar um gole da cerveja. “Agora eu quero carinho.”

“Sai. Eu quero conversar sobre nosso acordo.” Ryan falou rude e o outro suspirou. “Eu
soube que você está de olho no Urie, Carl. Procede?”

“Quem na escola não está de olho em Urie, Ross?” Ergueu a sobrancelha.


“Principalmente, se eles sabem que isso atinge o inatingível do Ryan Ross. Veja, eu
descobri e passei a noite de ontem com você.”

“O que você descobriu de mim é um pouco mais fundo, Carl. Eu passei a noite com
você pelo meu pai. Não foram essas suas garras nojentas tentando se aproximar do que
foi meu ontem, é meu hoje e vai ser pra sempre. O Brendon não é como você, cara.”
Falou Ryan, tomando mais da sua cerveja. “Seus pais não acordam quando você geme
assim, porque vou te contar, hein? Me senti <i>fodendo</i> uma mulher por várias
vezes durante a noite.”

“Você gostou que eu sei...” Carl riu baixo. “Seus pais não se preocupam quando você
dorme fora?” Perguntou, no mesmo tom que Ryan havia debochado e foi por isso, Carl
só recebeu um encolher de ombros como resposta. “Por que, de repente, o idiota do Urie
virou nosso assunto principal? Você tá na minha cama, cara. Podemos fazer coisas mais
<i>importantes</i> que essa.”
“Eu vou pra escola.” Ryan encolheu os ombros. “E eu ainda preciso fazer a minha
exigência nesse nosso acordo. Você disse que não contava a ninguém o que descobriu
da minha família se eu transasse com você, mas eu disse que tinha uma exigência. Que a
faria agora.”

“Você não esqueceu isso...” Girou os olhos. “O que quer, Ryan? Porque eu posso querer
exclusividade de você.” Ryan riu do deboche do outro que sabia que havia atingido
onde queria. Falar de Ryan Ross ser exclusivo, era como dizer que não seria concedido
nenhum outro pedido.

“Fica <i>longe</i> de Brendon Urie.” Ryan deixou a garrafa em cima do criado-mudo,


segurou o rosto do menino, descuidado, para exercer uma força desnecessária para o
momento. Carl olhava pra Ryan, tentando manter a pose de despreocupado, mas sabia
que brincar com o que segurava seu rosto, era como brincar com fogo. “Se eu souber,
Carl, que você tocou no Brendon, mesmo que seja num esbarrão no corredor, sem
intenção nenhuma. Eu acabo com você, certo? E eu nem estou falando do nosso acordo,
eu to falando dessa sua vida idiota e você sabe que eu tenho <i>total condição </i> de
fazer isso sem sequer sujar minhas mãos com seu sangue podre.”

Embora Carl estivesse apavorado, olhando para dentro dos olhos de Ryan Ross,
ele não demonstrava sentir medo algum. Carl <i>gostava</i> de Brendon. Era daquele
jeito porque sabia que aquilo atraia o menor. Sabia que ser daquele jeito poderia
conquistar Urie. Carl <i>gostava</i> de Brendon e foi esse o maior motivo de se
transformar na cópia <i>quase</i> perfeita de Ryan. Quase. Ele foi para a cama com o
Ry original para saber como ele era, para reproduzir quando pudesse ter Brendon, só
que o que o dono daquela casa não podia imaginar é que dentro de quatro paredes, Ryan
e Brendon eram um só e isso mudava o jeito de Ry possuir B.

“Eu sei com quem estou me metendo, Ross.” Avisou Carl.

“Eu acho bom mesmo.” Sorriu. “Então, qual sua resposta?”

“É claro que eu aceito.” Encolheu os ombros. “E não que eu tivesse muita escolha. E,
hm, antes da gente ir pra escola, eu quero você de novo.”
Ryan não negou, mas também não comemorou por aquele pedido. O menino
tinha aos pés <i>todos</i> os garotos que ele quisesse. Todos, sem exceção. Bastava
ele chamar que como cachorrinhos estavam lambendo as mãos suas mãos e pedindo por
atenção. Pedindo por prazer. Ryan havia perdido as contas de quantos “eu te amo”
escutou enquanto ele <i>fodia</i> alguém. “Foder” era a expressão que ele usava toda
vez que fazia sexo sem amor. Toda vez que ele procurava um novo cara pra sair da
rotina, toda vez que ele fazia sexo sem Brendon. Com ele era diferente. Carl era mais
um na lista quilométrica de Ryan que pouco se importava. Durante o banho para ir a
escola, Ryan atendeu o pedido do <i>amigo</i> e o possuiu mais uma vez. Ross estava
preso a Carl enquanto vivesse.

Ryan e Carl chegaram juntos à escola. Carl estava usando um chapéu que era
<i>exatamente igual</i> ao que Brendon havia dado ao Ryan de presente. Vestia a
camiseta de Ryan e uma calça exatamente igual a uma que existia no guarda-roupa de
Ryro que por sua vez, usava suas roupas normalmente. Era inverno, então Ryan usava
um sobretudo verde musgo que dava a impressão de que era um pouco mais velho.
Naquele dia Ryan não sorria e isso era um bocado estranho para Brendon. Ryan sempre
sorria para ele, por maior que fossem seus problemas e ele tinha problemas enormes
diariamente.

“Não gosto do Carl.” Hayley torceu os lábios quando viu os dois rapazes chegarem e
atrair a atenção de todo o colégio. “Não gosto nem um pouco dele. Nem dele, nem desse
Ryan. Eles parecem sempre prontos pra acabar com sua vida, credo!”

“Hayley, o Ryan é um homem maravilhoso.” Brendon defendeu. “E um ótimo músico.


Não dá pra não gostar dele.”

“Sua opinião não conta!” Hayley falou emburradinha. “Você está apaixonado por ele,
Brendon. É claro que pra você ele é lindo, gostoso, maravilhoso e tudo mais que você
quiser. Pra mim, ele é só um idiota com cheiro de vodca, mas um ótimo músico,
confesso.”
Spencer se manteve calado, enquanto olhava o seu amigo – porque ao contrário
de Hayley, Spencer se harmonizou com Ryan pra, de certa forma, cuidar de Brendon –
nada feliz chegando com Carl. Spencer e Brendon pareciam enxergar alguma coisa que
Hayley não via e só para provocar, Carl foi ao Brendon e deu-lhe um beijinho no rosto
dele.

“Oi, B.” Falou baixinho. Spencer viu a expressão de Ryan mudando pra uma pior que
ele já estava. Carl se afastou e foi pra outros lados da escola. Enquanto isso, Brendon
limpava rudemente seu rosto, quase chegando a deixar o lugar vermelho. Ficava se
perguntando o porquê de Ryan andar com aquele tipo de gente, mas o pouco de
sanidade que lhe restava, sabia que o maior não lhe contaria nada. Ainda mais com a
péssima cara que ele chegou à escola.

Spencer, por sua vez, pegou a mão de Hay e afastou-a dos dois antes que ela
ligasse seu instinto materno e nunca mais deixasse os dois sozinhos. Brendon esperou o
suficiente, olhando para o amado em silêncio, até que todos fossem para suas devidas
salas de aula ou fazer alguma outra coisa, para conversar com Ryan, para abraçá-lo e
matar a saudades que sentia apertar-lhe o peito.

“Você não respondeu meu SMS, Ryro.” Falou manhoso, carinhosinho.

“Eu to pensando em me emancipar.” Ryan falou baixinho. “Desculpa não responder. Eu


tive alguns problemas essa noite. Não pude entrar em contato com meu gatinho
favorito.”

Um sorriso de Ryan foi capaz de derreter Brendon por completo. Urie abraçou –
o que secretamente chamava de – namorado pelo pescoço, feminino, e acariciou o local
com uma doçura sobrenatural. “Eu ainda to com saudades.” Brendon murmurou dentro
do ouvido de Ryan, sem se importar realmente com os tais <i>problemas</i> que Ryan
dizia ter e era essa a parte de Brendon que mais lhe atraía. O menino fingia que não
havia nenhuma preocupação no maior e o fazia esquecer. Ao abrir os olhos, Ryan viu
Carl observando o que os dois faziam, com olhos curiosos. Arrisco-me a dizer que o
moreno Carl Windsor se perguntava o motivo que o menino não exigia que B parasse,
não o xingava. O que havia no carinho de Brendon que era suficiente para prender
alguém com o espírito livre feito Ryan? Trocaram um beijo não muito longo e nem
muito profundo e foram para o banheiro. Ryan estava acabado, mas precisava de colo e
de uma conversa franca.

“Você vai mesmo se emancipar?” Brendon perguntou, brincando com a mão de Ryan.
Eles estavam sentados no chão do banheiro, no privado. Embora cansado, Ryan e
Brendon <i>fizeram amor</i> no privativo da escola <i>de novo</i> e por isso,
Brendon estava carinhosamente sentado entre as pernas de Ryan, com as calças
abaixadas, sentindo o chão frio. Assim como Ryan estava sentado, enroscando
protetoramente os braços na cintura de Brendon. Os dois ofegavam muito e o maior não
queria responder aquilo, não num momento que não sabia se iria <i>mesmo</i> fazer
aquilo. “Quero dizer, se você se emancipar, eu faço o mesmo pra ir morar com você no
apartamento de solteiro. Eu faço doces pra vender e você faz música.”

“O que se ganha naquele bar não dá pra manter uma casa.” Ryan suspirou. “Tava
pensando em entrar para os negócios <i>sujos</i> da minha família. Acredite, eu daria
a vida pra não me envolver, mas meu pai tem razão, ou eu absorvo essa porra toda, ou
eu me afasto dela. Se eu me emancipar, não vai ter jeito de me livrar.”

“Quais negócios?” Brendon voltou seus olhos para Ryan. “Você nunca me disse que sua
família tinha esses tais negócios sujos. E eu reafirmo, se você se emancipar, eu vou
contigo. A música vai nos suster.”

“Você mal completou dezesseis anos, Brendon.” Ryan choramingou. “Seus pais não vão
deixar isso acontecer. <i>Eu</i> não vou deixar isso acontecer. Você tem uma família
ótima, uma confeitaria, um futuro. Eu não, B. Eu vou morrer cedo, porque olha onde eu
fui nascer.” Suspirou, mordendo o canto do lábio. “Não posso deixar que você se afunde
comigo.”

“Olha pra mim, eu não sou mais o mesmo. Você já me mudou, Ryro.” Sorriu,
roubando-lhe um beijinho. “Você é a razão da minha vida, da minha música, Ry. Eu
vou perder o sentido sem você. Se for pra afundar, afundamos juntos. Eu não vou me
separar de você, não vou. Agora que você mostrou o que é viver, não posso perder isso
e voltar pra minha vidinha mais ou menos.”
“Que saco, B!” Girou os olhos e apertou o menor, como se o punisse. “Você não pode
falar que eu sou a razão da sua música, porque você é o sentimento em pessoa, porque a
voz está potencializada em seu coração, B.” Ryan falou baixinho no ouvido dele,
deixando uma mordidinha no lóbulo do mesmo. “Eu sou só o cara com quem você faz
amor, não sou sua voz, nem sua música. Voz triste é mais bonita, mesmo que a sua voz
seja maravilhosa demais pra precisar de tristeza pra adquirir beleza.”

“Não vai me convencer a deixar você se emancipar sozinho com esse carinho e a voz
mansa, Ryro.” Riu baixinho, meio bobo. “Eu já disse que o que você mexeu aqui dentro
de mim, ninguém mais vai colocar no lugar.”

Casar nunca passou pela cabeça de alguém como Ryan. Alguém de espírito livre
e coração sedento por si próprio. Alguém que gostava de viver de música e bebidas, sem
ter hora para chegar ou alguém a sua espera. Claro que a família – quer dizer, mãe –
estava sempre esperando por Ryan, mas não passava disso. Casamento remetia à
<i>exclusividade</i> e por mais que Brendon fosse <i>diferente</i>, casamento não
estava em seus planos. Nem mesmo com <i>ele</i>.

<i><u>Um mês depois</i></u>.

Eu nunca fui do tipo que me metia em encrenca, nem fui do tipo que atendia as
ocorrências policiais sem o mínimo de decência. Eu era tão ético, mas tão ético que eu
não me relacionava com as vitimas mais que o que me era necessário. Estava na viatura,
fumando, para não dar mau-exemplo aos alunos quando entrasse dentro daquela escola
e desse minha palestra sobre homofobia, bullying e doenças sexualmente transmissíveis.
Na verdade, eu tinha inventado uma nova técnica pra que eles prestassem atenção em
mim. O famoso “aprender brincando”. Eu estava ansioso, porque falaria para crianças
entre quatorze e dezessete anos e geralmente esse é o público mais difícil de lidar, mas a
secretaria de educação procura militares porque é uma prestação gratuita de serviço.
Nada contra o lugar, de verdade, até era simpatiquinho.
“Você tá pronto pra isso?” Perguntou meu superior e eu dei um suspiro meio resignado,
assentindo. “Bom, eu vou estar ao seu lado.”

Assenti. O pior é que eu não tinha ligado o nome do colégio em Salt Lake ao
garoto que estava me tirando do sério. Ian. Não era muito difícil vê-lo, mas dar uma
palestra para <i>ele</i> era mais complicado pra mim que reconfortante. A palestra era
de um assunto que todos estão cansados de saberem, embora para onde eu pousasse
meus olhos, havia meninas com carrinhos de bebê ou com cara de estar à flor da idade,
mas com barrigas grandes de gestantes. Era muito triste, na verdade. Eu tinha apenas
vinte e um anos e já sabia muito bem que ter filhos cedo era abrir mão da vida. Abrir
mão de tudo o que era importante.

Enquanto andava pelos corredores – fardado – eu sentia os olhares em mim.


Ouvia os cochichos das garotas dizendo que eu era um gato – e outras até falavam que
iam tentar algo comigo – e os meninos torciam os lábios para mim. A maioria dos
garotos, na realidade, não ligava para a minha passagem. Eu mantinha uma postura
completamente ereta e caminhava em passos medrosos. Ian estava lá. Ele e eu nos
relacionávamos em segredo há algum tempo e quando ele me viu, não conseguiu não
sorrir para mim, mesmo que usasse um chapéu que imitava – muito – meu kep policial e
isto impedisse um pouco da visão do baixinho, ele não deixou de sorrir, porque sabia
que seu sorriso me trazia paz. Me deixei conduzir e acabei pousando os olhos em um
garoto que estava com uma menina, tomando um lanche. Eu não sabia exatamente o
porquê me chamaram a atenção, talvez porque eu não via <i>tanto</i> cuidado quanto
aquele em casais hétero. Ela tinha o cabelo colorido de um alaranjado fosco e ele era um
pouco mais alto que ela, de lábios extremamente grossos. E eu tinha a impressão clara
de que o conhecia de algum lugar, mas deixei de lado.

A palestra foi até fácil de ser conduzida, o difícil foi ver o quanto as garotas
ocupavam as três primeiras fileiras de cadeiras do auditório e buscavam participar como
se <i>realmente</i> estivessem interessadas no que eu estava falando. Eu segurava a
risada e Ian, sentado a quarta fileira de cadeiras, escondido entre seus amigos e aquele
amontoado de garotas me persuadia a continuar aquilo com um olhar ou um sorriso. Eu
confesso que estava doido pra correr da palestra, mas o que as crianças sabem sobre
bullying, por exemplo? Pra minha sorte, eu estava procurando um jeito de sair da
patrulha para entrar em algum grupo mais seleto de investigações. Talvez um dia eu
conseguisse fazê-lo. Naquele momento, a educação das crianças era o que mais me
importava (embora elas realmente só ficaram na palestra, porque eu era melhor que seus
professores).

Ao final da palestra, todas aquelas garotas das primeiras filas tiveram alguma
dúvida e ficaram em volta de mim. Mandei algumas delas ir falar com meu superior,
não porque eu não tinha a resposta, mas porque era muita gente querendo minha atenção
ao mesmo tempo. Ian, quando o olhei, sentado em uma das cadeiras esperando por mim,
não sabia se ria ou se tinha ciúmes. Talvez ele soubesse que eu só tinha olhos para ele.
Quando as meninas saíram, com suas professoras ficaram na sala: Alexander DeLeon –
um amigo de Ian -, meu superior, Ian e eu. Provavelmente, Ian estava querendo que eu
conversasse com ele ou lhe desse pelo menos um beijo. Era bastante tentador aceitar a
proposta. Me aproximei cordialmente, me sentando na cadeira ao lado, na posição mais
correta que eu pude e meu supervisor aproximou de onde estávamos, provavelmente
porque notou o olhar do menino pra mim.

“No que posso ajudar?” Falei, formal.

“Ahm...” Respondeu baixinho, fingindo timidez. “Eu queria falar só com o detetive
Weekes. É pessoal.”

Meu superior assentiu e deixou a sala. Alexander foi logo atrás dele,
provavelmente com a missão de afastar as pessoas da porta. Eu estava feliz com um
garoto de quatorze anos. Meu coração começou a palpitar mais forte quando o menino
se aproximou, deixando um beijo delicado no canto dos meus lábios. Fechei os olhos,
percebendo que ele trocou os dois keps.

“Você ficou tão excitante certinho assim que eu <i>quase</i> pedi uma aula prática de
sexo seguro, sabia?” Ele falou em meu ouvido, me arrepiando completamente. Meus
olhos continuavam fechados e meu corpo recebia uma carga extra de adrenalina. Eu não
poderia ser pego naquele estado, então quando uma das mãos de Ian se aproximou da
minha região genital, eu a segurei devagar.
“Aqui não.” Levei sua mão aos meus lábios, carinhoso, e depositei um beijinho lá. Ian
torceu os lábios, contrariadinho, mas logo entendeu. “Hm, pra me desculpar por estar
sendo tão profissional e não realizar sua fantasia com o policial na sua escola, eu tenho
dois ingressos do Elvis Costello pra gente ir. O que você acha, gracinha? Acha que isso
pode compensar seu <i>namorado</i> certinho?”

Foi minha vez de distribuir alguns beijinhos pela região da mandíbula de Ian e
logo descer meus lábios para seu pescoço, que logo foi pendido, me dando espaço. Eu
não tive resposta sobre o Costello, mas no momento não me importei. Crawford parecia
concentrado demais para eu cortá-lo. Terminei meu carinho com um beijo superficial,
mais esticado.

“E então?” Perguntei.

“Você só está me deixando com mais vontade da aula prática de sexo seguro.”
Respondeu, sorrindo. “E, ahn, Costello? É claro que eu vou com você!” Falou
empolgado. “Eu não sei se consigo me livrar dos meus pais hoje, mas será que um
policial gostosinho como você não iria lá em casa dizer que eu tenho que passar a noite
na cadeia?”

“Bobo.” Ri baixinho. “Eu vou esperar você. Qualquer coisa me manda mensagem.”

Ele concordou com a cabeça. Claro que aquele não era o final de palestra que
meu Ian estava imaginando, mas eu sou um pouco mais velho e tenho que ser o chato a
colocar rédeas e realidade na vida dele. Sai com os garotos do auditório, mantendo a
pose certinha. Ian ergueu os pés em minha direção, deixando nossos lábios quase rentes
um ao outro e destrocou os keps. Eu não tinha notado esse mero detalhe.

Enquanto ia pro portão, parei encontrei novamente o menino de lábios grossos e


ele estava sozinho, mas em volta dele estavam outras pessoas que o acusavam de
alguma coisa que eu não podia escutar. Só que a expressão de pavor no rosto do
garotinho já me dizia o suficiente para que não eram grandes amigos. Ian me viu
olhando e franziu o cenho de forma adorável, esperando que eu falasse porque eu estava
olhando tanto.
“Aonde você vai?” Disse Ian, quando eu fui em direção ao garoto.

“Resolver o problema do garoto.” Falei, andando até o garoto em passos rápidos até o
lugar em que as pessoas jogavam-no de um braço a outro, sem ninguém realmente fazer
nada. Um dos meninos segurava os óculos dele e os outros garotos perguntavam cadê a
guardiã que ele tinha sempre, já que agora ele havia sido finalmente apanhado.

“Dallon?” Disse Ian. “Vai ser humilhante pra ele você desfazendo tudo isso. Ele já tá
passando maus bocados...”

“Você o conhece?” Parei no meio do caminho, sentindo o braço de Ian me parando. Ele
negou com a cabeça, suspirando baixo, mas logo argumentou.

“Ele é o garoto que sobreviveu a aquele assalto horrível que <i>você</i> investigou. O
da sua promessa que você sempre diz que vai te assombrar até o caso ser resolvido.”
Explicou, suspirando baixinho. “Deixa que eu vou lá e tiro esses garotos de cima dele.
Prometo, só não dê mais motivos para esses garotos praticarem mais bullying com o
cara.”

“Não dessa vez, Ian.” Me soltei do garoto e pigarreei umas três vezes, mas ninguém me
ouviu. Distribuíam socos e pontapés no garoto encolhido ao chão, com as duas mãos
cobrindo o rosto. Segurei um dos garotos que estavam prestes a dar um pontapé nele e
todos os olhos se voltaram pra mim, assustados. “Polícia de Salt Lake City.”

Só então a cena se esclareceu na minha cabeça. Havia duas pessoas no meio da


confusão que chegaram de repente: a garota de cabelo alaranjado, que era segurada por
outra pessoa, (e ela sempre gritava para pararem com as agressões) e o outro era um
loiro gordinho que era segurado por dois garotos rudes que vez ou outra o ameaçava
também. Quando eu parei a confusão toda, os dois correram até o amigo e o ajudaram
com os óculos e a levantar-se do chão sujo.

“Por quê?” Perguntei.


“Porque ele é uma mulherzinha que precisa desse camaleão pra sua defesa.” Falou um
dos garotos, indignado por tal ato. Ergui a sobrancelha, como se perguntasse a eles se
havia mais um motivo pra eles intimidarem um garoto que era mais fraco que eles, mas
nenhum deles se habilitou. “Crawford, chama a direção da escola aqui, rápido.”

Um pouco contrariado, ele foi e eu segurei os garotos ali. Todos eles até a
secretaria mandar seu representante. Contei o que eu vi com indignação, e disse que
levaria o agredido para casa, a final, ele merecia um descanso depois da enfermaria do
colégio. Eu não sei qual foi a punição aplicada, nunca mais tive acesso a escola de Ian
depois que saí com o garoto de lábios grossos – que depois descobri que ele era filho do
Boyd, um doceiro fabuloso.

“Obrigado.” Disse o menino. “Os adultos daquela escola fecham os olhos para essas
coisas, compreende?”

“Não tem problema.” Falei. “E se tiver em apuros de novo, é só me chamar que eu dou
um jeito de ir lá à sua escola e salvar você, hm?”

“Sim, senhor, detetive.” E um pequeno sorriso apareceu. “Obrigado pela carona,


detetive.”

“Não tem de quê.” Sorri fraco, entregando meu cartão com um número de celular.
“Dallon Weekes. Pode me chamar sempre, mesmo.”

Eu não sabia que naquele dia começava uma história de uma amizade que só
tenderia a crescer. Eu não sabia que poderia existir um lado pseudo-bom em salvar
garotos de bullying. Ser um herói que chega do nada com um kep na cabeça e
defendendo os fracos e oprimidos. Por outro lado, olhar bem para o pai do garoto com
olhar baixo, <i>decepcionado</i> me deixou frustrado e com o coração dolorido. Eu
sabia que quando o garoto entrasse na confeitaria e depois em casa que ele teria
problemas, mas meu parceiro e eu só tínhamos licença pra herói fora das casas das
pessoas e longe dos pais das crianças. Uma pena, na realidade, porque o menino não
tinha feito nada.
“Você encheu a cara de novo, filho?” Boyd perguntou arredio, quase afirmando.
Brendon apenas ergueu os ombros como se não fosse responder a acusação do pai. “Por
que chegou aqui dentro de uma viatura e todo ferido?”

“Porque me bateram na escola, pai. O detetive Weekes me ajudou e se ofereceu pra me


trazer.” Brendon falou acuado, sentindo os braços da mãe lhe envolverem de forma
carinhosa e protetora. Brendon se encolheu por ali mesmo, como se fosse o lugar mais
seguro da terra. “E eram muitos pra eu agüentar. O policial Weekes, aquele mesmo que
veio investigar o assalto, estava na escola dando uma palestra e me salvou. Hayley e
Spencer estavam sendo segurados. Eles não conseguiram fazer nada por mim.”

Talvez esse menino tivesse aprendido que bebida afoga as mágoas muito mais
cedo que a maioria das outras pessoas. Talvez ele tenha voltado a ser só uma criança
para se deixar ser protegida por sua mãe do jeito que ele fazia no momento, fato é que
por mais que seu pai esperasse algum pavor vindo do garoto, nem um sinal lhe
acontecia, porque talvez ele tenha aprendido que expressar dor pode significar fraqueza.
Quem ensinou essa filosofia a ele, eu não sei, mas o menino aprendera muito bem.

Fim do capítulo um.

Dois: It’s getting late and I cannot seem to find my way home tonight.
Título: C’mon – Panic! at the disco feat. Fun.

<u><i>Oito anos mais tarde</i></u>.

Salt Lake City nunca foi meu lugar favorito no mundo. Na verdade, eu nunca vi
muita vantagem em morar em um lugar como Salt Lake. Era um local cheio de regras e
alguns bairros funcionavam como verdadeiras cidades do interior. Como se a cidade não
fosse monstruosa da forma que ela é. A minha sorte – ou talvez azar – eu nasci e cresci
dentro daquele lugar. Embora há oito anos, eu estava começando a aprender da vida,
começando a receber as doses gigantes de adrenalina que eu não recebia antes. Talvez
as coisas só tenham começado a fazer sentido depois que eu troquei de departamento de
polícia. Depois que eu vi parte das coisas que me indignavam se resolver ou ser
amenizadas. O meu coração ainda era inquieto, mas eu sabia lidar bem com essa
inquietude toda.

Com o passar dos anos, eu mudei. Todos que estão a minha volta mudaram mais
que o necessário, porque os segredos doem. Segredos são as piores artimanhas da mente
para machucar o coração. Infelizmente, algumas pessoas acham que os segredos são
melhores que as verdades. Verdade é relativa e influenciada por seus segredos. Eu sou
só um policial que deseja do fundo do coração que as mesmas pessoas que estão a
minha volta sejam felizes. Que influenciem positivamente a aqueles que estão perto de
si. A felicidade está nas pequenas coisas, nós é que não percebemos seus olhos em
nossos atos. Posso soar como um utópico, mas eu acredito em momentos felizes, em
conseqüências do que fazemos. Nosso coração trabalha por nossa felicidade. Nossa
mente trabalha pra esconder nossos rastros, nossas emoções. Infelizmente, ninguém
controla o coração e ele não se dá ao trabalho de tentar uma conciliação com a mente.
Opostos que não se atraem, que não se completam. Opostos que se chocam e que nos
enlouquecem.

Hoje em dia eu tenho grandes amigos e o meu trabalho me realiza quase que
integralmente. Eu saí da patrulha agora estou trabalhando em um departamento especial
de vitimas de crimes violentos, os tais considerados hediondos. O que mais me admira é
o jeito que, agora meu amigo, Brendon Urie, autor pessoal do projeto que sustenta esse
departamento, tratava as pessoas. Eu não conhecia o motivo, eu não conhecia o próprio
Brendon direito, embora fossemos grandes amigos. Eu o admirava por seu modo
<i>único</i> de tratar as vítimas como se a situação que elas vivenciaram trouxesse a
ele lembranças irremediáveis. Por sua autoria do projeto, ele era o cabeça, o líder. E eu
era o sub-chefe, porque segundo Brendon eu tinha alguma coisa no DNA que me
impulsionava a ajudar as pessoas. E de fato, eu concordo plenamente com ele.

Os demais que participavam daquele grupo eram bem seletos. Eu estava ali
porque mexia muito bem com a papelada, com a burocracia, com as leis. Meu
departamento sempre foi olhar e fazer as documentações. Eu sempre fui muito rápido
em conseguir mandados de busca. Era um dom. Brendon lidava bem com as pessoas,
engolia as próprias emoções em sua grande maioria das vezes – e confesso que já vi
Brendon pedir licença para sair da sala de interrogatório e entrar numa crise de choro
sem tamanho. Ou às vezes em que Brendon voltava para casa, porque eu divido o
apartamento com ele e mais uma pessoa, eu o vi cair em um desespero sem tamanho. O
vi beber por várias vezes e entrar em calmantes fortes com álcool para apagar algo que
eu não tinha conhecimento. Brendon Urie era bom no que fazia porque era
<i>humano</i> e não tinha medo de estar na linha de frente contra criminosos cruéis.
Acumulava ameaças de morte por isso, mas e daí? Fazer parte deste lado da polícia só
resulta nisso. Jonathan Walker também compunha nossa equipe, mas ele é médico
legista. Na maioria das vezes ele quem tem o primeiro contato com a vítima, que meio
que prepara a vítima para um depoimento a policiais como nós. Ele está treinando um
outro garoto – porque ele sempre brinca que os crimes hediondos estão aumentando
demais e com isso o trabalho tem dobrado – que eu conheço muito bem. Ian Crawford
era o aprendiz. Acompanhando-o vez ou outra, percebo que ele absorve coisas muito
rápido. Jon estava se dando bem tendo aquele garoto como seu aprendiz. Ian, vez ou
outra, me pedia pra eu ensiná-lo investigar, porque ele tinha faro e também era policial,
só havia decidido terminar a faculdade primeiro antes de se dedicar totalmente à polícia.

Zachary Farro – ou Zac – estava lá porque também era bom com o público, mas
especialmente com desenhos computadorizados, com retrato-falado. Confesso que eu
também brinco com desenhos, mas eu sou dos antigos, prefiro um bom papel e caneta.
Ele ajudava Brendon no campo – na verdade todos nós fazíamos isso – e o banco de
dados de rostos que ele tinha era <i>impressionante</i>. Joshua Farro – irmão do
citado acima – tinha perícia em áudio e vídeo. Ele podia fazer de tudo um pouco com
uma gravação. Ele também era excelente com negociação, dessas que colocam a cara a
tapa quando um seqüestrador entra em contato e faz vários reféns. O trabalho dele é um
daqueles que você admira para sempre. Um daqueles que você agradece pelo resto da
vida por existir enquanto está em situação de perigo. Pra encerrar esse departamento de
malucos – que se aventura em tudo quanto é tipo de crimes – Hayley Williams. Ela
havia se tornado uma mulher de ouro e fibra! Eu tinha orgulho daquela garotinha. Ela
era outra que também sempre deixava todo mundo com aquele quê de que “eu passei
por isso” enquanto investigávamos e ao mesmo tempo conseguia ser racional o
suficiente para mexer com a exatidão da computação. Ela era uma excelente hacker.
Nosso departamento era completo e, por isso, tão eficiente.
As pessoas aprendem com o passar dos anos que viver é matar um leão por dia.
Às vezes, é aprender a transformar estômagos em brejos, já que engolir sapos vira sua
rotina, mas certas coisas nunca mudam, certos medos nunca passam. Os corações nunca
endurecem para o mundo sem motivo. O que faz a diferença entre policiais como nós de
policiais de patrulha ou policiais que usam ternos e gravatas, é que nós nos colocamos
no lugar das vítimas e é por isso que somos desafiados todos os dias. Talvez Jon
estivesse mesmo certo.

Todo mundo tem seus segredos escondidos no mais profundo de seus corações.
Até aquelas pessoas para quem você não dá nada, tem seus segredos, porque todos eles
vêm de algum lugar e muitas vezes de um lugar que lhes causa algum tipo de dor ou
constrangimento. O medo que as pessoas saibam que tem algo errado conosco nos faz
manter tudo em absoluto sigilo, estragando nossa saúde mental. A polícia, às vezes,
mexe com o passado das pessoas e ás vezes é este o motivo que policiais são tão
odiados. Mexe-se com a sujeira moral das pessoas. As expõe como quem expõe carne
para vender, mas sempre as partes mais podres, os lados de maior choque delas.
Engraçado que polícia nunca noticia a subida de um individuo, mas sim a queda dele.
Os segredos moldam nossas personalidades, os segredos moldam nossos sonhos e até
mesmo nosso conceito de confiança. Nós nos sentimos inferiores aos outros graças ao
tamanho de nossos segredos e a nossa insistência em resistir às coisas que não damos
conta sozinhos. Segredos existem para a destruição humana.

Naquela manhã, Brendon, Hayley e eu – que morávamos juntos em meu


apartamento que era relativamente grandinho: três quartos, cozinha grande com uma
mesa por ali mesmo, sala grande, dois banheiros (e meu quarto com suíte, claro), uma
área de serviço e outro quarto que era o extra -, após deixar a pequena filhinha de
Hayley com sua mãe, seguimos a uma Starbucks próxima dali. Estávamos atrasados pra
caramba, e eu era quem dirigia. Brendon comprou os cafés e eu decidi abrir caminho,
colocando o giroflex no capô do meu carro. Funcionou. As pessoas abriram caminho.
Quando chegamos à corporação, havia um clima bastante estranho.

“Os federais chegaram.” Josh falou baixinho, só para Hayley, mas eu ouvi. “E eu acho
que você não vai gostar muito de quem eles são.”
“Quem são?” Perguntou curiosa, mas não obteve uma resposta clara. Brendon e eu nos
entreolhamos e fomos para nossa sala, conversando divertidamente sobre as trapalhadas
de Sarah, uma linda garotinha que consideramos como filha, embora os pais sejam Josh
e Hayely.

Nossa sala era bastante ampla, na realidade. Tinha horas que dava para dizer que
eram duas salas bem distintas. Existiam duas mesas, uma oposta à outra e nelas tinham
computadores posicionados na diagonal das mesas, para que tenhamos uma boa visão
da tela e cadeiras confortáveis. Minha mesa de vidro – a do Brendon também era de
vidro – tinha algumas fotos pessoais espalhadas: uma foto dos meus pais, uma foto da
equipe com quem trabalhava – meus amigos – e uma foto da pequena Sarah. Brendon
tinha fotos também: de seus pais, da Sarah, da equipe, uma foto com Hayley e com
Sarah e, se não me engano, tinha fotos de seus irmãos, também.

Naquele momento tínhamos um bom caso em nossas mãos – não que crimes
hediondos sejam realmente bons – mas esse em particular estava nos dando mais
trabalho que o de costume. As vítimas, quando encontradas, estavam sempre
carbonizadas e nós nunca tínhamos cem por cento de certeza sobre a causa da morte ou
dos sinais de violência sexual. Apenas encontrávamos o corpo enrolado em papel filme.
Começávamos a tratar como um possível assassino serial, porque nossa última vítima
era a segunda encontrada dessa fora. Às vezes a polícia me deixa impotente demais e
isso não tem graça. Acho que porque grande parte do trabalho da polícia consiste em
desvendar os segredos.

Quando chegamos à nossa sala e abrimos a porta, encontramos dois homens e


uma criança sentados nas cadeiras. A criança sentava-se no colo magro de um moreno
que sorria para a criança, como se fosse o pai da mesma, e a protegia com os dois braços
magros em torno da cintura da criança. Os três vestiam um terno sóbrio e bem alinhado,
os três tinham o cabelo no mesmo penteado certinho – essa era a parte que eu mais
odiava no FBI, era essa aparência que eles adotavam de que tudo estava perfeito em
suas roupas e sempre com aquela cara de quem está indo de forma forçada a uma festa
black-tie. A criança – que era um menino – quebrava o visual formal com uns óculos
wayferer pretos sem lente e mantinha os olhos focados no homem moreno e magro que
brincava com ele sem esboçar muitas emoções. O outro que estava sentado na cadeira
ao lado, em uma pose correta tinha um cabelo que variava entre o loiro, o ruivo e o
preto [n/a: quando eu conheci o Spencer, eu jurava que o cabelo dele era loiro *-* e tal.
Aí quando eles vieram ao Brasil, minha amiga que os conheceu falou que o Spencer tem
o cabelo mais puxado pro ruivo, mas tem umas fotos que o cabelo dele está mais pra
preto. Eu não consigo definir isso ):] e encarava a prateleira de livros atrás da mesa de
Brendon. Ele tinha olhos azuis bem chamativos que se destacavam ainda mais com o
terno preto que ele usava.

Quando nos perceberam ali, o moreno soltou o menor e os três se levantaram


cordialmente. Acompanhei com atenção que os três tiraram os óculos escuros que
cobriam seus olhos e o pequeno tirou os wayferers sem lentes de seu rosto, imitando os
federais. Achei uma graça o que acontecia, quebrava bastante o clima tenso que
estávamos naquele exato momento por um motivo desconhecido. Os três abriram o
sobretudo de forma sóbria e tiraram os distintivos dos bolsos, abrindo-os em nossa
direção.

“Agente especial mirim Daniel Heckenberg.” Falou a criança com atitude. Levantei a
sobrancelha, como quem duvidasse do que o menino estava dizendo, mas apertei a sua
mão com firmeza, assim fizeram os outros, meio que entrando na suposta brincadeira do
menino. “Eu lidero a expedição com os agentes Spencer Smith e Ryan Ross. A partir
daqui assumimos o caso em questão, mas seremos felizes e honrados em ajudar os
senhores se os senhores cooperarem conosco.”

“R-Ryan Ross?” Brendon e Hayley disseram juntos, quase que desacreditados. Os olhos
de Brendon procuraram alguém no moreno e parecia ter ficado decepcionado a não
encontrar essa pessoa por trás dos bonitos olhos do agente federal. Abaixei-me a altura
de Daniel e decidi quebrar o gelo da coisa toda, já que os quatro agiam como se vissem
fantasmas. Daniel olhou para os garotos como esperasse se aprovação deles quanto ao
seu desempenho. O moreno assentiu pro garoto que disse:

“Yay!” E riu baixo, mas logo voltou ao normal e segurou minha mão, como se o tempo
tivesse parado no momento em que procurou os garotos.
“Detetive Dallon Weekes, sub-chefe desse departamento. Ao meu lado, estão os
detetives Brendon Urie, que é o chefe do departamento especial, e a detetive Hayley
Williams que é perita em computação” Sorri simpático. “Minha equipe e eu teremos o
prazer de ajudá-lo agente especial.”

Eu conhecia Brendon Urie e Hayley Williams há exatos oito anos. Eu os


conhecia e os vi passando por muita coisa juntos – embora eles sempre diziam pra mim
que o que eu vi era pouco demais para o que eles já tinham passado – mas nesses oito
anos eu podia afirmar com cem por cento de certeza que era a primeira vez que Brendon
não se deixava levar por uma criança e ficava brincando com ela, com o sorriso mais
bobo e mais paternal na cara. Porque tanto Brendon como Hayley eram duas crianças
que cresceram apenas em corpo. Foi a primeira vez que a presença de uma criança fora
completamente ignorada pelos presentes. O agente Smith estava em dúvida entre um
sorriso e um nervosismo aparente. Eu levantei meus olhos e me perguntava de onde o
conhecia, mas eu parecia estar bastante falho, agora o outro não me era familiar.

Brendon ainda estava em choque com o que via. Como se não acreditasse. Foi a
primeira vez que eu o ouvi sibilar na frente de uma criança a necessidade que tinha por
álcool. Me lembro que quando o conheci, Brendon vivia alcoolizado. Era quase uma
regra na vida dele estar sempre com álcool no sangue, mas já havia um bom tempo que
ele não bebia de fato. Sempre o fazia longe dos olhares de crianças e sempre procurava
não influenciar ninguém. Foi então que eu notei que preso ao olhar de Brendon estava o
olhar do agente especial Ross e que ele estava com o mesmo quê de nostalgia e
desconforto que Brendon estava, mas ao contrário de meu amigo, percebi que ele não se
decepcionou – nem um pouco – em ver que B não era apenas um homem feito, mas um
homem feito de sucesso. Um homem que liderava. Talvez pelo estado alcoólico de
quatro anos atrás dê pra entender o motivo da surpresa feliz do agente. Já que o tom era
bem nostálgico, eu podia deduzir que eles se conheciam.

Urie estava simplesmente pronto para desabar em nossa frente somente com
aquele olhar. Foi exatamente nessa hora que o Joshua entrou na sala. Chamei-o com os
dedos e pedi baixinho em seu ouvido que trouxesse o doutor Walker ou o doutor
Crawford pra cá e que ele fosse rápido, porque eu parecia sentir a pressão dos dois
caindo o suficiente. Daniel olhava a cena com curiosidade, como se alguém começasse
a falar o que estava acontecendo. Eu analisava a cena por um ponto de vista mais adulto.
Naquele dia eu percebi que Brendon Urie era um pouco mais <i>humano</i> que eu
imaginava. Apenas naquele olhar percebi que eles tinham segredos e segredos me
movem.

“Ahn, será que eu posso quebrar o protocolo e perguntar se algum dos senhores se
lembra de mim?” Spencer abriu um sorriso e eu os encarei, dando um pequeno passo
para trás. Hayley não conteve o sorriso e Brendon continuava ali, em choque, como se
fosse cair a qualquer momento. Jonathan chegou e não deu bola para a cena em si.
Levou Brendon para uma cadeira e este se sentou, ainda sem saber direito o que estava
acontecendo, como se esperasse acordar de um pesadelo e aquilo não o fazia acordar,
por maldade.

“Eles estão bem?” Daniel perguntou pra mim e eu encolhi os ombros, porque realmente
não soube avaliar. Jon ouviu a pergunta do garoto e assentiu, mas confesso que eu fiquei
na dúvida, já que adultos geralmente mentem para tranqüilizar as crianças. Apenas o
agente Ross e Brendon estavam com aquela cara de morto-vivo, porque Hayley e
Spencer pareciam bem <i>felizes</i> em se verem novamente.

Jon saiu um pouco depois, avisando que o choque logo passaria e Daniel e eu
ficamos no meio do fogo cruzado. Hayley quebrou completamente o protocolo e correu,
abraçando Spencer com muita força que eu achei que o quebraria. Daniel tombou a
cabeça de lado, curioso, como se esperasse uma explicação sobre o que estava
acontecendo. Eu, entretanto, franzia o cenho na tentativa de me lembrar de onde o
conhecia.

“Dallon, é o Spence!” Hayley falou. “Da escola, que foi embora uns meses depois que
você nos conheceu e afastou os valentões de perto do Brendon.”

Puxei na memória aquele dia. Era engraçado porque haviam se passado oito anos
e aquela imagem ainda estava nítida na minha cabeça. Se fechasse os olhos poderia ver,
como se estivesse em uma sala de cinema. A lembrança não era muito agradável; eu
poderia ver meu amigo Brendon caído no chão e os demais a volta dele aproveitando
sua fragilidade para bater. Lembrei-me do menino loiro e gordinho que tentava ajudar
da forma que podia, mas ele estava muito bem preso. Voltei meus olhos pro agente
Smith atual e percebi a semelhança. Sorri.

“Claro, eu me lembro!” Assenti sorrindo. “É que como ele foi embora eu não fiquei tão
próximo dele.”

“O senhor conhece o papai?” Daniel apontou Smith com a cabeça e Hayley ergueu a
sobrancelha ao ponto máximo, como se duvidasse que ele pudesse mesmo ter filhos.
Spencer afagou a cabeça de Daniel e sorriu. O menino, acostumado com o FBI, repetiu
a pergunta: “Conhece o papai?”

“Digamos que sim.” Falei. “Seu pai, a detetive Williams e o detetive Urie foram amigos
de escola, agente Heckenberg.”

Meus olhos se voltaram para Brendon em um gesto automático. Eu estava muito


preocupado com o choque que Brendon levara e o silêncio mortal do agente Ross me
deixava ainda pior. Era como se o choque o houvesse atingido também. Os olhos dos
dois não deixavam de se cruzar, era como se fossem interligados por algo mais forte que
eles e completamente invisível. Como se eles realmente não pudessem mais lutar contra
o que os ligavam tão intimamente. Talvez eu estivesse vendo coisas através dos olhos
de Brendon, mas algo me dizia que existia algo naquele homem que eu não sabia. Havia
se passado oito anos e parte da história de B era jogada ao vento.

Williams parecia não ver Brendon da forma que eu via. Talvez pela preocupação
que emanava em meus olhos, ela se permitira sentir outras coisas. Permitira se felicitar
pelo amigo de infância recuperado. Pelo homem que ele tinha se tornado. Embora com
preocupação, meu coração sorriu ao perceber que uma amizade como a deles não tinha
se rompido ou deixado acumular traças. Eles confiavam um no outro, mas e Ryan? O
que era Ryan no meio daquela história de amizade.

“Você conseguiu! Conseguiu ser o federal metido a besta que disse que seria.” Hayley
disse e o homem riu baixo. Colocando-a no chão, momentos depois. Eu estava como um
espectador de um reencontro tão bonito e amistoso, se não fossem pelos olhos apáticos
de Urie eu jamais saberia de algo daquele jeito.
“Quanta saudade, baixinha!” Spencer falou fechando os olhos, curtindo o abraço longo.
Ao soltar-se do abraço, Hayley caminhou até Ryan e o abraçou de supetão, tirando-o do
transe que estava. Daniel pendia a cabeça para o lado, quando percebeu que Ryan
envolveu a garota num abraço fraco, quase que imperceptível com apenas uma das
mãos. Achei-o frio, mas o sorriso de Spencer me tranqüilizou.

“Hey.” Daniel falou, puxando a barra da camiseta da menina, digno de uma criança
querendo atenção. “Você está abraçando o agente Ross. Ele não gosta.”

<i>Ele não gosta</i>. Ficou bem cravado em minha mente como se fosse um
prego na madeira. Como pode existir uma pessoa que não goste de ser abraçada por um
antigo amigo? Minha mente não conseguiu processar ao certo aquilo, mas o sorriso de
Spencer continuava ali, em brincando com seus lábios róseos, animando a todos que
estavam na sala. Hayley recuou, dividindo seu olhar entre o pequeno e Ross que não
disse uma palavra.

“Mas ele te abraçou.” Falou Spencer. “O tempo o deixou um homem melhor apesar de
tudo, mas ele está <i>feliz</i> em ver você.”

“Bom, eu vou trabalhar agora.” Hayley disse, suspirando. “Algum de vocês quer ir
comigo ao necrotério ver a quantas anda a necropsia da última vitima?”

“Eu vou.” Ryan falou cético. “Acho que o pequeno agente ficaria feliz se alguém
mostrasse as instalações para ele, não é?”

Josh se ofereceu de pronto para levar o pequeno Heckenberg por um tour pela
nossa delegacia enquanto eu tomava posse da minha mesa, em frente à de Brendon e
liguei devagar o computador. Percebi no olhar de Spencer que ele gostaria de falar
alguma coisa para meu amigo. Talvez eu devesse usar do meu bom senso e sair, ir ao
necrotério ou ver se algum dos meninos estava precisando de mim ou dos meus contatos
com juízes e promotores, mas eu continuei ali, num silêncio mortal, observando o
encontro de dois amigos que não se viam há oito longos anos.
Spencer abaixou-se e o abraçou pelo pescoço, sem maldade nenhuma. Eu
poderia ver a ausência de más intenções em seus olhos e escutava os corações batendo
num ritmo diferente se eu apurasse meus ouvidos. Spencer Smith deu um beijo
cuidadoso entre os cabelos de Brendon, como um pai. Brendon pareceu suspirar, como
se buscasse um cheiro em especial. Acho que foi por não encontrar esse cheiro que
percebi o menino relaxando ao abraço do menino que continuava dando apoio
silencioso.

“Eu não sabia que ele vinha.” Brendon falou baixinho.

“Eu não sabia que eu vinha parar aqui.” Spencer murmurou. “Fica bem, tá?”

“Eu preciso de uma bebida pra isso.” Murmurou. “Do tipo como era no passado. Encher
a cara até não conseguir me lembrar que ele está aqui, Spenny.”

“Você é um policial, B. Você tem muito que perder agora. Não vai adiantar mergulhar
no mesmo poço que você caiu antes e depois do <i>acontecido</i>. Você e ele não são
mais os mesmos meninos. Vocês têm razões para se preservarem do que eram.”

Acontecido. Foi mais uma das sentenças soltas naquela manhã de trabalho que
eu retive. Existia um lapso na história de Brendon Urie. Um lapso que ele não
comentava com ninguém e todas as vezes que este verbo – acontecer – era conjugado no
passado, eu sabia que se referia ao monte de mentiras que Brendon me contava. Eu
nunca havia realmente encontrado um motivo para me intrigar com aquilo, mas Spencer
havia disparado o gatilho de minha curiosidade. Na realidade, não era bem isso que ele
havia disparado. Todo mundo tem ao menos um segredo e eu não sou uma exceção.
Meu coração é carregado deles e, de noite, quando eu vou dormir eu me lembro de um
garotinho correndo em direção a uma loja de conveniência de um posto de gasolina
qualquer. O garotinho estava exausto como se tivesse corrido por quilômetros.

O garotinho em questão era Brendon. Eu prometi a mim mesmo que o protegeria


enquanto vivesse. Eu prometi a mim mesmo não sair de perto daquele garoto, mesmo
que nunca mais viesse a vê-lo de fato, mas o ponto é que o Spencer mexeu com uma
antiga dúvida minha: não foi um assalto que Brendon teve naquele dia. Foi algo mais
que a vitima decidira apagar completamente – ou não divulgar – de sua memória. Eu
não consegui resolver o crime, mas a imagem do garotinho ainda estava na minha mente
e vê-lo encolhido nos braços de Spencer desejando bebidas só me fez relembrar uma
antiga promessa. Eu descobriria. Minha mente não descansaria mais enquanto Brendon
Urie não fosse completamente desvendado. Seu assalto assombrava minha mente.

“Como ele está?” Perguntou quando Spencer o soltou e se sentou ao seu lado.

“Frio.” Falou. “E meu enteado – que é como um filho pra mim – está seguindo os
mesmos passos dele. Não gosta de ser tocado, cheio de protocolos e trejeitos. Parece até
um mini-Ryan.”

“E ele tem cheiro de quê?” Suspirou. “Antes ele cheirava vodca e nicotina barata.”

“Ryan? Hm, nicotina barata e perfume amadeirado.” Encolheu os ombros. “Pelo menos
a última vez que eu o abracei. Foi meio num impulso, meu Daniel havia conseguido um
‘A mais’ no paintball do FBI.”

“Você o odeia?” Suspirou novamente. “Digo, a Hayley deve estar cortando o Ryan ao
meio nesse exato momento...”

“Hm.” Spencer suspirou baixinho. “Eu não odeio mais o Ryan. Eu não posso dizer
muito, B, mas o que eu tenho pra dizer é que vocês não têm motivos nenhum para odiá-
lo.”

“Então fala, poxa!” Brendon pediu arrastando a voz de uma forma doce, infantil, que
sempre funcionava com todo mundo, mas Spencer parecia ser imune a aquilo. “Eu
passei a minha vida inteira transformando tudo dentro de mim para odiá-lo, Smith, e
você me diz que tudo o que eu sinto é uma grande injustiça!”

“Olha, o que eu posso dizer pra você é que tudo o que Ryan passou, eu demorei dois
anos inteiros de convivência para conseguir que ele se abrisse um pouquinho. Na
verdade, só Daniel amolece o Ryan, eu só consigo sua amizade depois que Daniel toca o
coração dele.” Brendon voltou a suspirar fraco e Spencer retomou a sua fala. “O Ryan
nunca recebeu uma carta sua sequer. Ele também esteve desamparado quando mais
precisou Urie e nem por um minuto sequer ele te odiou.”

“E de que isso importa agora?” Brendon encolheu os ombros. “Nós dois nos destruímos
sozinhos. Não há mais volta. Quem interceptou essas cartas, Spencer? Quem?”

“B, ódio é um sentimento que machuca. Que mata o que tem de melhor dentro das
pessoas. Pode não importar pra quem você foi antes daquilo, mas não ter ódio no
coração te dá vida. Arranque de você esse sentimento mesquinho que não te deixa ver
os fatos com clareza, querido. Todas as peças do quebra-cabeças ‘Ryan Ross’ estão bem
à sua frente. Monte-o. Desvende esse enigma. E, quanto as cartas... Eu tenho pra mim
que foi o Carl.” Explicou. “Mas é só uma suposição. De qualquer forma, só precisava
dizer isso antes de nós começarmos a trabalhar juntos, B. O Ryan ainda tem muito medo
e por isso é fechado. Muito fechado. Ele é mandão, ele é irritante, mas é o Ryan Ross
que a gente conheceu há anos atrás. Só precisa que alguém o lembre o que é ter uma
vida de verdade.”

“E você já se hospedou?” Brendon disse, meio que querendo mudar o assunto.

“Hmm, não.” O federal negou com a cabeça e eu tombei a minha meio de lado. Brendon
então demorou um pouco para reagir a aquele estímulo. “Ryan e eu mal tivemos tempo
de procurar um hotel por aqui por perto. A gente teve que sair correndo feito dois loucos
pra encontrar logo os caras que nos cederiam os lugares na investigação. E eu tenho que
procurar algo que dê pro Ryan, Daniel e eu. No tempo que ficarmos por aqui.”

“Eu os convidaria para meu apartamento, mas não tenho mais lugar.” Falei baixinho,
meio que me intrometendo na conversa, finalmente, e Brendon riu ao mesmo tom.
“Brendon, Hayley e Sarah moram comigo e o quarto extra pertence à garotinha.”

“Tudo bem detetive Weekes. Nós encontraremos um lugar em breve.” Sorriu.

“Me chame apenas de Dallon, por favor.” Sorri de volta. “Ainda sou o mesmo
patrulheiro que conheceu você na escola.”
“Oh, agradeço.” Assentiu, enquanto Brendon arrebentou de si uma correntinha,
entregando-a na mão do loiro. Urie era doce, gentil em cada um de seus gestos. Eu
nunca o havia perguntado o que era aquela chave, ou de onde era. Achei sempre que
fosse algo que ele gostava muito e por isso estava sempre acariciando-a com certa
doçura. Sempre imaginei que a chave fosse para ele como uma espécie de amuleto da
sorte. Naquele momento, Brendon Urie abria mão daquele amuleto pelos velhos amigos.
“Oh, meu Deus. Achei que isso não existia mais.”

“Todo aniversário dele, eu ia naquele lugar procurá-lo e sempre deixava cartas em cima
da cama e quando as encontrava no mesmo lugar no ano seguinte, as rasgava de raiva.
Todo ano, incansavelmente...” Urie explicou reticente. “Eu sempre limpei aquele lugar,
cuidei de lá como se fosse meu, porque eu sabia, Spenny, que ele voltaria pra aquele
lugar. Eu sabia que um dia ele precisaria desse apartamento de solteiro. É pequeno, mas
deve acomodar bem aos três.”

O loiro de forma lenta negou com sua cabeça. Arrastou a chave pela superfície
da mesa e deu um suspiro maior. Colocou a mão de Brendon sobre a chave ainda com a
corrente que sempre ficava em seu pescoço. Aos poucos, Brendon voltou a segurar a
chave meio sem entender o propósito de Spencer. Eu arqueei a sobrancelha um
momento.

“Você vai devolver o apartamento, Urie.” Smith disse. “Vai devolver essa chave pra ele,
dizer que cuidou do apartamento dele por amor.”

“Ele não é fechado?” Brendon perguntou.

“Ele só mudou.” Spencer suspirou. “Ele se fechou demais, mas você o conquistou com
<i>música</i> da primeira vez. Você pode fazer isso de novo.”

“Eu sou... sou casado com a Hayley.” Abaixou a cabeça, fazendo com que Spencer
começasse a rir baixinho, contido, enquanto eu encolhia os ombros, tentando entender
porque ele queria aplicar aquele golpe que só funcionava com os pais da Hayley e com
os pais do próprio Brendon. Quem estava a volta dos dois conseguia perceber aquele
golpe com toda a facilidade do mundo. Ergui a sobrancelha. “Entrega pra mim, Spence,
eu não tenho condições.”

“Você tem, B. Só não quer confrontar seu passado.” Spencer apertou a outra mão de
Brendon enquanto eu tentava ligar os pontos. Nada fazia o menor sentido em minha
mente, mas aos poucos eu tentava colocar tudo o que eu ouvia em ordem e preferia não
opinar sobre algo que eu não sabia. Salt Lake City nunca havia me soado tão
interessante e bom de se estar. “Ele nunca vai admitir o que eu vou te dizer agora,
detetive. Ele não fede mais a vodka, não fuma mais feito uma chaminé, continua
mandão, continua chato. Só que ele não tem mais música. Ele baniu a música da vida
dele, nem mesmo pra ouvir, nem mesmo por cinco segundos. O rádio do carro dele só
pega a estação policial. Na casa dele em Washington, ele só assina canais de notícias e
esportes. Você se lembra o que me disse sobre o que ele seria sem a música que você
apresentou, Urie?”

“Nada.” Assentiu. “Ele disse que estaria sem sua essência, sem nada que valesse a pena
em sua vida.”

“Pensa bem no que você vai fazer, B.” Spencer disse. “Nós estaremos aqui por<i>
você.</i> Acredite.”

“Nisso eu concordo.” Falei, assentindo. “Todos nós vamos te dar todo o suporte que
você precisar. Hayley, Spencer, Joshua, Zach e eu sempre estaremos por você.”

“Só cabe a você mostrar de novo a música pro Ross.” Spencer insistiu. “E realmente
não consigo crer nesse casamento seu pra inglês ver.”

B e eu caímos na risada. Acho que de alguma forma Spencer ainda o conhecia


bem o suficiente para saber que qualquer coisa que Urie tentasse com mulher teria que
ser falso. Brendon gostava de ser homossexual. Gostava de música e só havia se tornado
um policial, pelo que ele me disse, graças ao seu pai que era terrível com ele. Sempre
distante, sempre pressionador. Eu nunca entendi bem toda a história que B me contou
sobre ele e, quando a palavra “aconteceu” surgia em uma frase, remetendo-se ao
passado de meu amigo, ele simplesmente dava um jeito de desviar o assunto e perdia –
sempre – o sorriso. Eu fiquei quieto naquele momento, não quis desiludir Spencer, a
final, eu sabia muito bem que B não tinha mais o coração na música e se tinha,
camuflava-o numa falta de tempo que sequer violão ele tinha em casa. E se nesse meio
tempo aconteceu algo, eu descobriria.

“Bem, agora a gente tem que ir trabalhar.” B disse. “Antes que o pessoal venha aqui me
puxando a ponta-pés.”

“O Ryan já deve ter delegado um milhão de funções.” Spencer levantou-se com B e os


dois me olharam, porque eu fiquei parado no mesmo lugar. “Você não vem, detetive?”

“Não, eu vou ficar.” Expliquei. “Sempre é bom ficar um por aqui caso apareça um novo
caso e eu preciso terminar de escrever os textos do inquérito do caso passado.”

“Tem razão, Dallon.” Brendon deu-me um beijo carinhoso na bochecha e saiu. A


verdade era que eu não ia a campo hoje porque eu queria pesquisar um pouco sobre
Brendon. Queria saber se ele fora de uma banda famosa em SLC, se ele teve alguma
coisa com música. A final, se ele não me conta nada, meu faro investigativo me deve
servir de alguma coisa.

Talvez eu não devesse estar investigando meu melhor amigo, já que nem da
corregedoria eu sou, por isso foi que eu realmente terminei o inquérito. Eu demorei um
pouco pra encontrar coisas relativas ao passado de Brendon, mas os jornais da época
que Brendon tinha seus quatorze anos eram bem interessantes. Coisas aconteciam nessa
cidade e Brendon estava envolvido em um <i>assalto</i> que eu tinha investigado. Li
minhas declarações a imprensa e suspirei, mas a foto no jornal me chamou atenção. Ele,
Brendon, estava lá dizendo que havia sido assaltado. Sem o brilho dos olhos que ele
sempre tem e eu sentia cheiro de mentira em cada linha. Talvez eu tenha ido à direção
certa. Talvez não. Era só uma questão de tempo.

O clima nostálgico havia se instalado naquela delegacia. Eu não podia ir contra


aquilo, mas sabia que Brendon e o agente Ross estavam tentando fazê-lo. Por horas eles
evitaram se olhar, passarem no mesmo corredor e chego a pensar que um deles parou de
respirar só pra não ter nada do outro em si, mas Brendon sabia que tinha uma missão a
cumprir. Um de seus amigos não havia se hospedado ainda e tinha uma criança linda em
jogo. B queria enfrentar seus medos mesmo sabendo que eles já tinham voltado
completamente à tona.

“Ryan.” Chamou, quase no final do expediente. “Digo, agente Ross. Tem um tempinho
pra mim?”

“C-claro.” Ryan falou, meio gaguejando, deixando o posto em que estava junto à
Hayley – que era profissional o suficiente para separar uma coisa da outra – e suas
máquinas amadas que nos dava localizações e outras pistas importantes pra ir falar com
Brendon. “Ahn, o que quer?”

“Eu não sei se é suficiente, mas...” Brendon estava falho e havia deixado a correntinha
do seu pescoço dentro do bolso. Do molho de chaves que tinha, ele pegou a outra cópia
– que era a de Ryan – e entregou para o agente. “... Spencer me contou que está sem ter
hospedagem. Bem, o apartamento é seu, então nada mais justo que eu devolver sua
chave e você usá-lo no período que passar em Salt Lake. Você comprou com quarto de
hóspedes, então deve dar para abrigar os dois.”

“Obrigado.” Ryan falou fraco, como quem se lembra do motivo pelo qual havia
comprado um apartamento de <i>solteiro</i> com um quarto extra e forçou o sorriso,
para a chave, que guardou no bolso. “Quer dizer, o Tio Sam agradece. Eles não vão ter
que pagar nossa hospedagem.”

“É, foi o que eu pensei.” Sorriu sem vontade. “Olha só, depois eu vou lá pegar os meus
instrumentos que ficaram lá desde aquele tempo em que tocávamos, tudo bem pra você?
Eu tento ir lá quando só o <i>Spence</i> ‘tiver lá pra não incomodar.”

“Você não é mal-vindo, Urie.” Suspirou. “Tem seu aval de entrada quando quiser.”

Brendon assentiu e se afastou do outro ainda suspirando. Ryan não pode


compreender o que aquele suspiro queria dizer. Parecia ser um misto de frustração com
incômodo e nostalgia. Ao mesmo tempo, o mundo todo sabe que um suspiro pode dizer
tanta coisa que talvez nem seu próprio dono saiba decifrar ao certo. O coração tem suas
artimanhas, apenas ele pode nos dizer de fato quais são seus sinais.

<u><b>Fim do Capítulo Dois.

Três: Why would you bring me in if you knew what you’d became?
Título: Stall Me – Panic! at the Disco.</u></b>

Eu não sabia como agir de fato naquela situação. Eu nunca estive numa situação
como aquela. Eu sempre me perguntei se existiam pessoas que se isolava do mundo que
conseguisse – por opção – viver sem sons, sem música. A música está presente na
essência das pessoas, tão presente que as pessoas não podem eliminá-la de sua vida, de
seu cotidiano, mas eu estava numa situação bem estranha.

Brendon havia me pedido para ir interrogar um dos suspeitos do caso e eu fui


com Ian (que estava experimentando novos horizontes) e Ryan. Salt Lake City também
tinha congestionamentos e ficamos mesmo parados no meio do caminho. Ian, que estava
sentado ao meu lado – e eu dirigia – ligou o rádio e estava tocando a tal da Kesha. Ian
me olhou e eu encolhi os ombros e então, começamos a cantar juntos e a nos divertir
daquele modo. Olhei pelo retrovisor e percebi Ryan incomodado, mas sequer me dei ao
trabalho de parar a música. Eu gostava de ouvir Ian Crawford cantando, se divertindo e
o que deixava aquilo ainda melhor era que ele estava se divertindo <i>comigo</i>. Isso
pra mim era demais.

Porém o agente Ross parecia incomodado com o tamanho da nossa diversão e


colocou na rádio-patrulha. Eu ergui minha sobrancelha pra Ian que formou um bico
manhoso nos lábios. Apertei o volante para não seguir o instinto que tinha de mordiscar
o bico que Ian tinha em seus lábios.

“Policiais ouvem rádio-patrulha.” Explicou.

Deixamos como estava, mas e fiquei seriamente incomodado com algo assim.
Como alguém não se diverte com música? Na verdade, Ian continuou a música e eu o
acompanhei fazendo as melodias com a boca fechada, como se fosse um instrumento
musical. Era bom poder imaginar que Crawford ainda gostava de música como eu
gostava. Nós voltamos para a corporação. Prontos para compartilhar com todos o que
havíamos conseguido e voltar ao trabalho.

Enquanto alguns pensam que casamento é para a vida inteira e seguem a teoria
de que é necessário encontrar sua felicidade no amor para se casar, meus amigos
banalizavam o casamento para dar a Sarah uma vida melhor. Eles não se amavam como
grandes amantes, mas sim como grandes amigos. Essa, entretanto, era a verdadeira
história do falso casamento de Brendon. Hayley sempre foi como uma irmã pro meu
parceiro – e olha que desde que nos conhecemos e eles vieram morar em minha casa é
assim – mas a menina começou a sair com outro policial. Na hora Brendon apoiou com
toda sua alma, ajudou-os o quanto pôde, mas num vacilo – que hoje Urie chama de
“vacilo do bem” – Hayley ficou grávida e super-feliz. Foi então que ao contar ao Josh –
sim, o que faz parte de nossa equipe como perito em comunicação áudio-visual – que
não gostou nada da idéia e por isso deixou-a sozinha. Pra amenizar o impacto com os
pais da garota B assumiu a criança e inventou esse falso casamento. Hoje em dia Urie é
o pai mais babão do mundo, enquanto Joshua, arrependido do abandono, tenta na justiça
pelo direito de estar com a filha todo final de semana.

Era minha vez de buscar Sarah e deixá-la em um lugar seguro. Tinha um bom
tempo que eu não via um sorriso daqueles que enchia o rosto do menino de luz. Desde
que Ryan chegou em nossa jurisdição o sorriso dele é raro, como se o menino
escondesse o sorriso que deixava o mundo mais bonito. Sarah era a garotinha que
deixava Brendon como uma criancinha que acabara de ganhar seu doce favorito.

“Bate na porta, Sarah.” Falei baixinho no ouvido da garotinha, sem maldade. Sarah
tinha apenas dois aninhos, cabelos loiros, olhos grandes e espertos. Ela amava a família
fora do convencional que tinha. Amava tanto que ao olhar pra dentro da porta de vidro
da sala de B – que agora era ocupada por Ry, Spencer, eu e o próprio B – o sorriso da
menina cresceu e ela logo soltou um “papai” meio enrolado. Então, ela fechou a
mãozinha e bateu na porta sem obter som. “De novo, pequena.” Pedi, mas dessa vez, eu
bati com ela. Todos os olhares se voltaram pra porta e um sorriso no rosto de Brendon
se formou como se nada daquilo que estivesse passando importava.
“Com licença, senhores.” Brendon disse. “Vou ver minha filha um pouco.”

Urie levantou-se da cadeira – onde provavelmente estava sendo profissional. A


garotinha esticou os braços pra Urie como se ele fosse um daqueles doces que ela
adorava e o quisesse muito. Brendon estava pronto pra pegá-la no colo quando eu
pisquei pra ele e segurei suas perninhas rente a meu corpo, impedindo que ela fosse de
fato com o pai. O olhar da menina voltou-se para mim e seu pequeno cenho franziu-se
em uma expressão curiosa. B torceu os lábios, como se não soubesse que eu estava
apenas brincando.

“Sem meu beijo, eu não deixo a Sarah ficar com o pai dela.” Quando eu disse a
expressão curiosa da garotinha se desfez em um sorriso infantil, bobo e inocente. Quase
não consegui manter um bico nos lábios nem que fosse por poucos instantes. Uma das
mãozinhas da garota foi posta em minha bochecha, enquanto seus lábios tocaram a
minha outra bochecha sem maldade, num beijinho barulhento e superficial. Antes de
realmente entregá-la ao pai que ela tanto queria, dei um beijinho estralado em sua testa e
entreguei-a ao Brendon, que recebeu um abraço apertado da garotinha. Era ela quem
fazia tudo valer à pena. Não só para Brendon como pra mim e pra Hayley.

“Dallon me faz um favor?” Ergui a sobrancelha, como se meu ato dissesse o suficiente,
mas acabei acenando com a cabeça. “Continua passando com os federais tudo o que a
gente já tinha, porque nos últimos dias tanta coisa aconteceu que eles não tiveram tempo
de se informar. Depois você me passa o depoimento que tomou hoje.”

“Tudo bem. Eu faço isso.”

Quando entrei na sala, os olhares se voltaram completamente para mim, como se


eu fosse uma experiência científica e eles estivessem ali para me observar. Spencer
mantinha o cenho franzido e Ryan me olhava com um misto de não se importar com
uma curiosidade quase que doentia. Alguma coisa me dizia que eles queriam saber
quem era a criança e principalmente quem era a mãe da mesma. Eu ignorei os olhares,
porque nenhum deles teve coragem de me perguntar nada, e como o silêncio reinou,
com um livro grosso que tinha em cima da mesa de Ryan, comecei a fazer uma leve
pegada da música Let it Be dos Beatles. Spencer não conteve o sorriso e me
acompanhou na batida. Eu nunca gostei do silêncio e ainda estava intrigado com o fato
do Ryan não gostar e não querer ouvir música. Era simplesmente música e não havia
como ficar sem.

“<i>When I find myself in times of trouble, mother Mary comes to me speaking words of
wisdom: let it be.</i>” Cantei e logo Spencer entreabriu os lábios. Talvez porque ele
não imaginasse que eu conseguisse cantar ao menos um pouco. Assim como ele, eu
gostava de música e Beatles sempre me fazia muito bem. Bem até demais para uma
pessoa que estava no mundo apenas com o objetivo de desvendar o que estava oculto
aos meus olhos. “<i>And in my hour of darkness, she is standing right in front of me.
Speaking words of wisdom: let it be.</i>”

No refrão da música foi quando eu escutei o backing vocal feito por Ryan.
Estava baixo, envergonhado, mas não inaudível. Eu mantive meu tom, fingindo não
perceber que ele cantava também. Spencer estranhou minha atitude diante do não me
pronunciar a respeito do excelente backing que eu ganhei. Já que ele era egocêntrico,
provavelmente só cantaria novamente se recebesse um elogio, mas nenhuma palavra eu
me atrevi a dizer. Continuei a cantoria, sorrindo de levinho:

“<i>And when the broken hearted people living in the world agree. There will be an
answer: Let--</i>”

“Chega.” Ross me interrompeu. “Vamos nos concentrar no caso. Eu quero ir logo pra
minha casa, dormir um pouco.”

Assenti e comecei a fazer o que Brendon me pediu pra fazer com eles. Passei
tudo o que a gente sabia sobre o caso, mas fui interrompido por Hayley e a garotinha
que dormia de forma angelical nos braços da mãe. Quando percebi, pedi licença aos
garotos, a final, havia sido eu quem prometera levar a criança pra casa hoje. Peguei a
criança com meu instinto paternal, esperando que ela se ajeitasse em meu ombro pra
começar a me mover. Voltei a cantar – e meu canto baixo, a música de ninar que
compus de forma espontânea, e aquela música, incomodou Ryan – pra garotinha até que
ela realmente estivesse confortável para começar a andar com ela em direção à porta.
Spencer levantou-se rápido e quanto eu olhei para trás, vi Hayley tentando puxar
assunto com Ross – o que e julguei ser impossível por várias vezes – e foi o agente
especial quem abriu a porta pra mim e saiu, colocando a mão de forma doce na parte
que não era ocupada pela garotinha.

“Preciso falar contigo antes que vá.” Disse baixinho e eu assenti, começando a embalar
a menina em meus braços de forma paternal. “Obrigado. Eu não ouvia o Ry cantar
assim há anos, Weekes.”

“Dallon, por favor... Sei que não ficamos tão próximos quando conheci o B, mas ainda
sim pode me chamar pelo nome.” Sorri de levinho. “De qualquer forma, eu quero ajudar
com a música. É completamente impossível que alguém viva que sem música, viva bem
e feliz. Eu gosto de ajudar pessoas, de trazê-las de volta a vida, a final, música é isso,
não?”

“Tem razão.” Assentiu. “Eu achei que o B me ajudaria com isso. Sempre achei que
quando o encontrasse, ele seria o mesmo garotinho que falava a música é capaz de tudo
e de dissolver o coração mais petrificado existente, mas chego aqui e o encontro tão
zumbi quanto o Ryan.”

“Eu não sabia que o Brendon tocava ou cantava qualquer coisa antes.” Mantinha o
embalar e o tom de voz baixo, embora franzisse o cenho em busca de uma lembrança
recente do meu superior cantando, mas nada me vinha à mente. “As pessoas nunca
apagam as sensações que a música causa nelas, é por isso que eu me disponho a ajudá-
lo com o agente Ryan e vou investir um pouco mais em Brendon. Ele precisa voltar pra
música.”

“Todos nós precisamos.” Suspirou. “Eu não faço música também a muito tempo, mas
não a bani da minha vida. O FBI toma todo o meu tempo na maioria das vezes, mas
sempre que paro um pouquinho, começo a batucar nas coisas.”

“Baterista?” Ergui a sobrancelha.

“Sim. Baterista.” Sorriu.


“Ah, antes que eu me esqueça, agente Smith, como essa é a semana do halloween, todo
o pessoal do nosso departamento vai se reunir lá em casa pra uma noite com filmes de
terror, brincadeiras de faculdade, pijama, pipoca, sorvete e cerveja. Se quiser ir, digo
você e o Ryan, eu ficaria muito feliz.”

“Pode me chamar por Spencer.” Assenti mais uma vez. “E sim, eu vou dar um jeito de
arrastar o Ross pra sua casa. Ah, antes de realmente deixar você ir, a criança é
<i>mesmo</i> filha do Urie?”

“Ele registrou, mas não é o pai biológico.” Suspirei. “É do Josh, mas é uma história
meio triste, já que ele a abandonou quando soube da gravidez.”

“Suspeitei mesmo que não fosse dele.” Riu de levinho e sem maldade. “Quer que eu te
leve em casa, Dallon? Porque não pode dirigir com uma criança deitada no banco de
trás.”

“Eu adoraria.”

Nunca imaginei que Bden tivese amigos tão maravilhosos – fisicamente e


psicologicamente – quanto Spencer. Quero dizer, eu o conhecia, mas convivi menos de
três meses com ele. Não dava para me tornar o melhor amigo dele só nesse meio tempo.
O fato que mais me intrigou ainda mais era o porquê amigos como aqueles haviam se
separado tanto e, principalmente, por que eu só vim conhecer o Ryan agora, depois de
oito anos. Meu faro investigativo me dizia que eu estava caminhando na direção correta,
começando a me fazer aquela pergunta. Eu não tinha intimidade o suficiente para
conversar com Spencer sobre coisas pessoais, então falávamos de música. Deixei a filha
de Hayley na casa da avó materna e levei Spencer para a corporação de volta. Inventei
uma porção de desculpas e fui pra biblioteca pública de Salt Lake atrás de fatos mais
concretos sobre o tal assalto que Urie era vitima. Eu li por várias e várias horas até
meus próprios olhos começarem a se embaralhar e a minha vista cansada me fazer
parar. Não importava, eu estava mesmo caminhando na direção certa.
Minhas próprias declarações nos jornais me chamaram atenção. Percebi que ao
entregar Brendon à sua mãe, eu lhe prometi achar quem assaltara o filho dela, embora
Brendon nunca havia dado queixa. Talvez estivesse na minha frente o motivo que esse
caso me assombrava tanto. Eu não tinha cumprido minha promessa e isso pesava dentro
de meu coração. Mesmo que Grace não se lembrasse mais de minha promessa, ela está
viva dentro e mim e sedenta para que eu a cumpra. Decidi que era hora de voltar à
delegacia e organizar as idéias em textos.

“Psiu.” Ouvi quando saí do carro, no estacionamento da corporação policial. Me virei


rapidamente e vi o baixinho de braços cruzados, como se ele fosse meu pai. “Onde
estava?”

“Fazendo umas pesquisas.” Falei sorrindo de leve. “Nada de mais, doutor Crawford.”

“Eu conheço você.” Ian insistiu, levantando a sobrancelha de forma desafiadora. “Então
não minta pra mim, Weekes. Você foi pesquisar o que e onde?”

“Eu tava na biblioteca, lendo arquivos antigos de jornal.” Encolhi os ombros, ao que
tranquei um carro. “E foi até bastante produtiva a minha visita à biblioteca.”

“Eu posso entrar no seu caso?” Talvez por meu tom evasivo demais, Ian conseguia
captar as ondas de tensão que meu corpo emanava. Talvez esse fosse o motivo de
mesmo eu tendo falado a verdade, o tom desafiador ainda estava lá. Eu neguei com a
cabeça e Crawford não precisou de muito esforço pra saber o que eu tinha ido fazer.
“Você enlouqueceu de vez, não é? Pra que você está mexendo de novo num caso que
você deu por encerrado?”

“Een, você sabe que esse caso me assombra desde patrulheiro.” Mordi o lábio. “Não
entendo porque você não gosta que eu, ao menos, tente resolver de novo esse caso.
Preciso prender quem roubou de Urie a inocência.”

“Brendon não fez denúncia. Ele sempre foi o suposto mais interessado na resolução do
caso. Ele foi quem, supostamente, mais quis esse suposto assaltante na cadeia e você
ignora tudo isso por uma realização pessoal.” Ian girou os olhos. “Pára com esse caso,
Weekes. Pára agora.”

“Mesmo se eu dissesse que tenho um suspeito?” Abaixei a cabeça. “Eu sei que eu tenho
uma obsessão antiga com esse caso. Eu sei que tudo o que aconteceu comigo porque eu
pus esse caso acima de tudo o que há em mim, mas eu tenho um suspeito. Eu não posso
perder essa chance.”

“Nome.” Ian disse, meio irritadinho. “Você apostou sua vida nesse caso e espero que
valha a pena essa tal pista nova que você tem. Qual a prova que coloca o seu suspeito no
crime?”

“É circunstancial e baseada no meu faro investigativo.” Suspirei. “Carl. Carl Windsor é


o nome do meu suspeito. Escutei Spencer falando com B sobre um Carl e fui investigar.
Existia um Carl na escola que estava sempre perto de Ryan e eu mexi nos endereços da
polícia e ele já é fichado por roubo e por perseguir o Bendon.”

“Embora eu te queira longe desse caso, faz sentido.” Ian falou baixo, pensativo. “Eu me
lembro que o Carl ficou meio que ‘chefiou’ o bullying contra o Brendon, embora sua
suspeita tenha certo fundamento, você não tem nada que o coloque de fato na cena do
crime ou que prove que ele foi o assaltante, Dallon.”

“Eu vou seguir essa pista, Een.” Falei firme. “Esse fantasma da promessa está em minha
mente e eu não vou conseguir dormir tranquilamente se não conseguir cumpri-la.”

“Eu te odeio por me obrigar a fazer isso.” Falou, suspirando. Ian se aproximou,
erguendo os pés para alcançar meu rosto. Ele segurou meus ombros e sacudiu-me com
certa força e disse, como quem quer acordar a outra pessoa: “Você não pode se
contentar em ter perdido a sua vida pessoal, ter dependido das suas amizades policiais
para estar vivo e você ainda quer mexer nessa porcaria toda, Dallon James Weekes! Que
tipo de idiota é você? O que mais você quer perder por causa desse caso?”
“Você não vai me convencer, doutor.” Disse eu, dando um beijinho em seu rosto. “Tem
alguém além da gente aqui?” Ian apenas assentiu em meio ao seu suspiro frustrado. “Eu
te contei porque eu preciso que alguém me dê respaldo se algo acontecer comigo.”

“Você acha que agora que eu sei, eu não vou me meter nisso? É claro que eu te dou
respaldo, mas vou ajudar nas investigações. Já que eu to aqui pra aprender, quero
aprender com quem dá o sangue pela polícia e por um caso policial que não passa de um
fantasma em sua mente.”

“Sem deboche.” Ri baixinho, socando-o fraquinho. Nós dois entramos juntos na


corporação, tentando não falar do caso paralelo que estávamos trabalhando, já que tinha
gente a nossa volta. Talvez porque todo mundo naquele dia tinha imaginado que
trabalhar até mais tarde adiantaria seus próprios afazeres no dia seguinte.

Falando no dia seguinte, ele chegou bem rápido e, pra variar, eu não fui para
casa. Nem eu e nem parte da corporação. Passei na sala e disse que estava indo pra casa
tomar um banho e traria café para todos. Quando passei rapidamente pela máquina de
café – porque o cansaço começou a ser maior que eu queria que ele fosse – e acabei
flagrando algo que só me deu gás para continuar meu projeto de investigação sobre o
caso do assalto – que pra mim não era assalto – de Brendon Urie.

“Por que você veio?” Hayley perguntou, cruzando os braços. “Você sabia que o
Brendon estava em Salt Lake e veio do mesmo jeito. Você acabou com a vida dele,
Ross, e ainda tem a coragem de trabalhar com o Urie.”

“Eu sou um funcionário do governo dos Estados Unidos, Williams. Não posso rejeitar
ordens diretas vindas de meus superiores por causa do meu passado.” Foi o que Ryan
respondeu, encolhendo os ombros. “Eu vim pra Salt Lake a trabalho e porque eu tenho
assuntos pendentes e pessoais por aqui. Assuntos esses que não começam com Brendon
ou terminam com Urie. Vê-lo foi uma conseqüência apenas. Me diz como eu poderia
imaginar que aquele músico que só pensava em instrumentos musicais viraria um
policial, hein? Achei que aqui fosse o último lugar que ele estaria.”
“De certa forma, tenho que concordar contigo.” Ela sorriu, nostálgica. “E, aproveitando,
eu to pedindo de novo pra você ficar longe do Brendon. Já que foi inevitável esse
encontro, fica longe dele. Eu não quero perder o pai da minha filha de novo. Porque
você não viu a dificuldade que foi para tirar o Brendon da bebida, pra fazê-lo fumar
bem menos que ele fumava antes. Você não esteve aqui quando ele estava quase
desistindo de viver, Ross. Não estraga tudo de novo. Não seja amigo dele. Seja
profissional, fale sobre depoimentos, as provas, as reuniões e sempre acompanhado,
mas não use o Brendon como apoio. Não sei o que o FBI tinha na cabeça quando
aceitou alguém como você.”

“Eles não tinham você na comissão de seleção.” Ryan usou um tom irônico ao dizer e
Hayley concordou com a cabeça.

“E eu espero que fique de sobre aviso, agente especial.” Falou, dando um toque em seu
ombro. “Se chegar perto do Brendon, se ferir meu irmãozinho de novo e fugir, eu vou
até no inferno atrás de você, capisce?”

“Eu não quero o Brendon.” Repetiu. “Aconteceu de eu vir parar nesse departamento, me
disseram o nome do Weekes, okay? Eu mudei, detetive Williams. Mudei bastante. Não
se preocupe com o Ryan Ross de oito anos atrás. Eu tenho limites agora.”

“É bom saber.” Ela deu um tampinha no ombro e saiu. Fiquei com aquilo em mente,
mas não decidi perguntar a nenhum deles o que estava acontecendo de fato. Suspirei e
fui para casa, tomar meu banho e cochilar uns quinze minutos antes de voltar. Eu
aprendi bem cedo a deixar parte da minha vida com a polícia, mas eu estava no pó e
precisava mesmo descansar, mesmo que intrigado.

Chegar à corporação depois de duas horas foi um bocado estranho. Todos


estavam agitados, devido algo que estava completamente por fora. Brendon também
vinha da rua e quando nos encontramos no estacionamento e ele me disse que tinha ido
resolver umas coisas pessoais e que também estranhava tamanho movimento. Entreguei
o café dele e B me sorriu em agradecimento, quando encontramos com Zac na porta
usando luvas cirúrgicas enquanto segurava uma folha de papel cuidadosamente.
“Aconteceu alguma coisa?” Perguntou Brendon.

“Isso chegou mais cedo.” Zac entregou o bilhete para nosso chefe, que segurou-o com
cuidado usando um lenço que tirou do bolso. A expressão de Brendon mudou
completamente ao ler aquele pequeno bilhete. Por um momento achei que B iria cair por
ali mesmo, mas logo ele voltou a piscar e reagir, isso me deixou mais aliviado. Arqueei
a sobrancelha e não li o que estava escrito, mas parecia monstruoso. “Eu vou analisar
isso agora.”

“Quem trouxe isso?” Falei, suspirando em seguida. “Conseguiram interceptar quem


trouxe? E os agentes especiais foram avisados?”

“Sim, Dallon.” Suspirou. “Pelo que eu soube, eles estão ainda lá com o coitado. Smith e
Hayley. Ryan, me parece, que chegou há pouco tempo e foi na toxicologia ver os
exames da última vítima do caso.”

“Certo.” Falei, assentindo. “Me chama quando tiver os resultados?” Zac assentiu e
Brendon foi para a análise junto com o Farro, eu, por minha vez tomei o rumo de minha
sala, até que recebi uma mensagem de Joshua que dizia que Spencer e Hayley estavam
ainda com o homem que trouxera a mensagem e estavam perdendo o controle
emocional. “Fodeu de vez!”

Exclamei, deixando tudo como estava e deixando os cafés em minha mesa, ao


que comecei a correr feito um louco até as salas de interrogatório. Joshua era
responsável pelas filmagens dos interrogatórios, mas quando nessa função – como um
regimento interno – ele não poderia intervir no que estava acontecendo. Era claro que o
pobre mensageiro não tinha nada a ver com toda aquela história, principalmente depois
que eu vi o quão apavorado o homem de uniforme estava que eu realmente me senti na
obrigação de interromper aquela sessão de tortura psicológica.

“Agente Smith, detetive Williams, posso falar com os dois aqui fora um pouquinho?”
Falei após entrar na sala. Percebi um certo alívio do trabalhador ao me ver. Hayley
virou-se pra mim de forma indignada e, de repente, Ryan também chegou como quem
quisesse salvar o homem de uma sessão de tortura. Quando nossos olhares se cruzaram,
foi como se eu dissesse para ele dar continuidade ao interrogatório, ou seja, dizer ao
homem que ele estava livre, porque sabíamos que ele não tinha nada a nos dizer. “O
agente Ross assume daqui.”

“Tem que ser agora?” Spencer falou contrariado e, ao meu assentir, os dois vieram em
passos pequenos e contrariados. Deixei o microfone aberto e só a falta de emoções e a
cara de poucos amigos usual de Ryan já fez com que o homem desse um depoimento
desesperado. “O que você quer?”

“O que é que você tem na cabeça, porra?” Segurei-o pelo colarinho de forma agressiva.
“Ele é só um funcionário da empresa de correios dos Estados Unidos. Ele entrega o que
lhe mandam e se ele viola as cartas é crime, entende isso? Você pode ser do FBI e o raio
que o parta, Smith, mas nesse departamento você vai tratar as pessoas com respeito e
não vai usar da violência para ter confissões falsas!”

“Você viu o bilhete?” Hayley perguntou meio assustada ao me ver agindo daquele jeito.
As mãos de Spencer estavam sobre meus punhos e nossos olhos raivosos interligados
como se não existisse mais nada além daquilo pra se olhar. Neguei com a cabeça para a
pergunta da menina. “Aquele bilhete traz de volta algo que Spencer e eu lutamos feito
dois idiotas para fazer o Brendon esquecer, Dallon. Traz fantasmas na vida do Ross
também e se nós tivemos uma chance de pegar esse maldito idiota que está fazendo essa
brincadeira de mau gosto, nós tivemos que tentar.”

“Não estou contra isso.” Falei, soltando Spencer que devagar ajeitou seu terno. “Eu
estou contra a atitude terrível de usar violência contra um civil. Só to exigindo que ajam
com coerência e como os policiais descentes que são.”

“Você tá calmo porque não leu o bilhete, é isso.” Spencer disse. “O bilhete ameaça a
Sarah, Weekes. Por isso a Hayley perdeu a cabeça.”

“Como é?” Falei indignado. “O que a Sarah tem a ver com isso?”
“Não temos como saber onde quem redigiu o bilhete está.” Ryan falou. “O homem é do
serviço de correio americano. Nós estamos na estaca zero. Existe algum suspeito para
quase agredirem aquele homem ou vocês fizeram isso por que estavam entediados?”

“Ameaçaram a minha filha, Ross.” Explicou Hayley. “Eu não conseguiria ficar em meu
estado normal achando que o homem estava mentindo. Eu agi mal, agi por instinto
materno, eu sei, mas faria de novo.”

“Não respondeu minha pergunta.” Ross insistiu. “Quero o nome do suspeito.”

“Carl.” Spencer apenas disse me fazendo franzir o cenho. Ryan soltou um palavrão e
uma nova série de xingamentos que chegou a nos fazer nos entreolhar. Chegou a ser
engraçado, mas logo que o acesso de raiva parou, Ross suspirou de forma nervosa e
olhou bem para o garoto que enfiava a mão nos bolsos.

“Carl Windsor?” Ross perguntou e dessa vez Hayley apenas assentiu fraco. “E alguém
sabe do paradeiro ou eu vou ter mesmo que revirar antigos contatos e achá-lo?”

“Esperem. O que faz vocês acreditarem nisso?” Perguntei. “Sabe, uma vez um amigo
meu me disse que eu deveria agir friamente, agir como um policial que eu sou e usar de
provas pra colocar o suspeito daquele caso na cadeia. Se hoje eu to aqui, inteiro, foi
porque eu segui esse conselho. Pelo o que eu peguei no ar por aqui, vocês têm um
passado com Windsor, mas nem tudo de ruim que acontece no mundo é culpa dele.”

“Não o defenda.” Hayley encolheu os ombros. “Ele é um bandido!”

“Isso não responde minha pergunta, Hay.” Suspirei. “O que de concreto nós temos
contra Carl Windsor? É suficiente para detê-lo por alguns dias ao menos?”

“Nós temos, hm, descumprimento de uma ordem judicial. Quero dizer, desde a última
ameaça que o Brendon sofreu, ele tinha que se manter afastado.” Respondeu Hayley.
“Mas quanto ao bilhete, confesso que estamos agindo mal ao julgar a ameaça como
sendo dele, já que não está assinada e não temos o resultado da análise.”
“Era disso que eu tava falando. Vamos agir com cautela e pegar o cara sem deixar
chances sequer para um habeas-corpus.” Falei, otimista.

Ryan foi o único que não ficou muito feliz em revirar aquela história e Hayley
saiu com Spencer de onde estávamos. Ross encostou a cabeça na porta da sala de
interrogatório e a bateu ali como se buscasse por respostas. Num instinto de proteção,
abracei-o por trás e pus minha testa em seu ombro, sem maldade nenhuma. O agente
não se mexeu e eu também não o fiz. Quando nos afastamos, Ross não agradeceu com
palavras, apenas assentiu com a cabeça.

“Acha que a gente vai pegar o cara?” Perguntei baixo.

“Se for o Windsor e você for religioso, reze muito pra eu não achá-lo antes de vocês.”
Falou, me dando um tapinha fraco no ombro, segurei-o pela mão e nossos olhos se
cruzaram de forma amistosa e ele suspirou sem vontade. “Acredite em mim, Hayley,
Brendon e Spencer acham que conhecem o Carl, por causa do colégio, mas ele é muito
pior que isso.”

“Quer minha ajuda pra achar o Carl?” Falei.

“Fica fora disso.” Exigiu. “Carl é coisa minha, do meu passado. Não sou mais o mesmo
homem, Weekes, eu mudei muito desde que fui pra Washington, mas acredite, certos
desejos continuam os mesmos e ter a cabeça de Windsor, pra mim, é questão de honra e
tempo. Eu to torcendo muito pro dono da ameaça não ser ele, porque eu quero pegá-lo
sozinho.”

“Está certo.”

Era claro que ele não sabia que eu já estava envolvido demais pelo nome Carl
Windsor. Era tarde demais pra eu ficar fora daquele caso, daquele nome. Eu ainda não
tinha ido muito fundo com o nome, mas havia achado bastante delinqüência juvenil.
Comemorei sozinho quando meu instinto policial estava certo após Ryan sair e eu
também. Eu tinha muito que fazer no arquivo de crimes da polícia de Salt Lake. Eu
precisava saber exatamente onde estava nos metendo, especialmente, eu mesmo.
<i>Salt Lake City, Oito anos antes.</i>

A campainha tocou e Ryan pôs o violão que tocava em cima do sofá. Sabia de
quem se tratava e por isso abriu um sorriso e antes de atender a porta, deu uma ajeitada
nos cachinhos desajeitados. Quando abriu, encontrou-se com o sorriso grande e ingênuo
de Brendon que mantinha um cigarro aceso na mão esquerda.

Ryan puxou Urie pra si sem nenhuma delicadeza ou cerimônia através do


aparelho extra-bucal. Abaixou-lhe com rapidez e abocanhou-lhe os lábios com
voracidade e destreza, sem perguntar a opinião do outro, sem nenhum outro
cumprimento e Ross só parou com aquilo quando Brendon os separou bruscamente em
busca de ar. Brendon sorria grande, como se tocasse as nuvens do céu com as pontas
dos dedos, enquanto o outro se mantinha sóbrio, com um sorriso sacana ali no canto dos
lábios.

“Eu vim mais rápido que pude.” Falou. “Fugir de casa pra você já está virando um
hábito, sabia?” Sorriu, sem o menor tom acusador na frase.

“Eu roubei vinho da adega do meu pai.” Soltou Brendon, deixando apenas as mãos
entrelaçadas. Chutou a porta do apartamento de solteiro quando tinha Urie dentro e
trancou a porta, deixando as chaves na mesma e prendendo o namorado por ali mesmo.
“E você agora é só meu.”

“E você é só meu hoje ou eu vou ter que dormir sozinho?”

“Vai dormir no sofá se reclamar disso mais uma vez.” Advertiu Ross, prendendo
Brendon na porta de uma forma que ele não pudesse escapar e ao mesmo tempo, com
uma forma sexy de agir que só Ross tinha. “Eu sou viciado em sexo, tenho que
alimentar esse vício gostoso, sabia?”

“E eu não sou suficiente pra isso?” Brendon perguntou no ouvido de Ross, deixando
uma mordidinha por ali, carinhoso. Brendon não sabia que aquela era a última vez que
chegaria tão perto de seu amor, muito menos que ele era o único de quem Ross se
deixava receber carinho e afeto. O resto todo não passava de objetos sexuais que ele
jogava no lixo depois, sem trocar nem um beijo. Era objetivo demais e mandão demais.
Os lábios eram somente de Brendon Boyd Urie que jamais soube disso.

“Não briga comigo hoje? Eu sou novo nessa história de romantismo.” Ryan pediu
baixinho no ouvido dele. “Eu te chamei aqui pra música, vinho e dormir. Dormir de
dormir mesmo. Meu plano é o mais inocente possível pela primeira vez em anos. Não
briga comigo hoje.”

“S-sem sexo?” Brendon falou meio falho, baixo, se deixando arrepiar e extasiar pelo
jeitinho que Ross fazia as coisas, o jeito <i>bruto</i> que o prendia na porta, mas o
carinho que emitia em cada palavra. “O que você fez com o meu Ryan, sua cópia
alienígena?”

“O que você fez com o Ryan, B?” Ryan manteve o tom baixinho, soltando-o aos poucos
da posição que estava – os dois braços pra cima presos à porta por uma das mãos
grandes de Ryan. “Em tão pouco tempo contigo e eu peço pizza pro jantar, roubo o
melhor vinho do meu pai só pra eu poder te dar uma das melhores lembranças
amorosas. Lembranças que você vai guardar aqui...”

“Existe pizza em Marte?” Ergueu a sobrancelha e sorriu em seguida, ao sentir a mão de


Ryan em seu peito e sentiu a carícia que o maior fez. Eles se afastaram relutantes um do
outro. Ryan conduziu os dois à mesa de centro onde tinha uma pizza, velas e vinho.
“Wow!” Brendon falou. “Valeu a pena fugir de casa hoje.”

Ryan conteve a risada, mas não o rubor que seu rosto tinha. Eles comeram
conversando sobre tudo e até sobre a conversa que tiveram no banheiro pela manhã.
Quando Ryan disse que se emanciparia. Brendon não conseguiu ver a tristeza escondida
atrás daquela firmeza. O ato desesperado para que o menor fizesse alguma loucura e
impedisse que ele fosse embora. Que impedisse que na manhã seguinte fosse mais um
dia. Eles brigariam ao acordar, porque Ryan estava bebendo café batizado e Brendon
estava dividido entre os cupcakes que estavam para chegar e o apetite sexual de Ry.
Mas amanhã tudo mudaria.
“Ainda acha que eu sou um marciano?”

“Se você disser que fez a massa da pizza, vou ter certeza.” Brendon falou brincando.
“Todo mundo sabe que você não cozinha nada.”

“Mentira deslavada!” Ryan falou indignado. “Eu nunca cozinhei pra você, mas meu pai
nunca reclamou da minha comida.”

“Porque seu pai te ama e não tem coragem de falar que tá ruim.” Brendon encolheu os
ombros e tomou um gole do vinho que estava na mesa de centro. Ryan, por sua vez,
pegou o violão no sofá e começou a dedilhar por ali. O menor não conseguiu esconder o
sorriso ao reconhecer a música que ouvia.

“<i>Now that I’ve tried to talk to you and make you understand. All you have to do is
close your eyes and just reach out your hands</i>.” Ryan cantou, mesmo que não fosse
do começo, e mesmo assim fazendo o sorriso de Brendon ficar tão grande que só parou
de crescer por falta de espaço. Cada vez que o tempo passava, mais corado o rosto do
maior ficava. “<i>And touch me, hold me close, don’t ever let me go...</i>”

“<i>More than words is all I ever need you to show then you wouldn’t have to say.</i>”
Brendon cantou e logo em seguida, Ryan o acompanhou, por um momento, criando um
dueto de voz perfeito, mágico e quase inevitável:

“<i>That you love me cause I’d already know</i>.”

“<i>What would you do if my heart was torn two? More than words to show you feel
that your love for me is real. What would you say if I took these words away?</i>”
Cantou baixinho e Bredon se arrastou devagar até Ryan, fazendo com que ele parasse
bruscamente de tocar. Brendon então cantou dentro do ouvido dele:

“<i>Then you couldn’t make to things new just by saying ‘I love you’.</i>” E em
seguida houve um beijo romântico, desesperado, mas ao mesmo tempo calmo. Brendon
não percebera nada de tão diferente no amante, mas ele estava gostando demais daquele
Ryan que estavam em sua frente.

E eles tocaram muitas músicas naquela noite, sozinhos, como se cantassem e


tocassem um para o outro. Ryan sabia que na manhã seguinte ele embarcaria para
Washington ou talvez outra cidade e era provável que nunca mais veria o seu amado,
mas sabia que aquela despedida era especial para ambos. Uma despedida que o marcaria
por causa do sorriso sincero de Brendon, o sorriso bobo e apaixonado. O marcou porque
seu pai tinha dito algo muito conveniente, muito verdadeiro. Seu pai havia dito que se o
sentimento fosse verdadeiro e forte o bastante, ele voltaria correndo com a primeira
desculpa que aparecesse.

Pela primeira vez na vida, George II tinha imposto algum tipo de respeito ao
filho, já que na maioria das vezes o filho o via como um idiota completo. Pela primeira
vez, ao falar de amor, Ryan pôde agir como um adolescente desesperado que ele era e
acreditar nas palavras de seu pai. Estava na hora de se tornar um homem.

<i>Salt Lake City, agora. </i>

Ir para casa foi um bocado difícil, já que minhas pesquisas estavam bem
promissoras. Dividi-las com Ian me agradava ainda mais. Estar resguardado pela
promessa de que se algo me acontecesse, ele daria um jeitinho de me achar, me deixava
feliz o suficiente pra ficar numa corporação de polícia por horas a fio. Eram quase duas
quando voltei pra casa com uma caixa de pizza na mão. Acabei por presenciar uma cena
adorável entre dois amigos. Brendon estava sentado na mesinha de centro, segurando
meu violão com certa maestria, enquanto tocava uma melodia que eu desconhecia – mas
que era interessante e bonita – e Hayley estava cantando.

“<i>This is the last second chance.</i>” Hayley cantou.

“<i>I’ll point you to the mirror.</i>” Brendon cantarolou em segunda voz e Hayley
assentiu, pra confirmar que ele estava fazendo tudo como ela havia composto. Percebi
então que ela segurava na direção dele uma partitura.
“<i>I’m half as good as it gets.</i>” Sorriu fraco pra Brendon que assentiu.

“<i>I’ll point to you the mirror.</i>”

“<i>I’m on both sides of the fence</i>.”

“<i>I’ll point you to the mirror</i>.”

“<i>Without a hint of regret I’ll hold you to it.</i>” Os dois cantaram juntos, seguindo
para o que me parecia ser o refrão daquela música e o que mais me chamava atenção
naquilo tudo era que a voz de Hayley estava entristecida, como se estivesse colocando
todas as suas dores e problemas em sua voz. “<i>I know you don’t believe me, but the
way I, way I see it. Next time you point a finger I might have to bend it back or break it,
break it off</i>.”

“<i>Next time you point a finger I’ll point you to the mirror.</i>” Brendon encerrou o
refrão e eu acho que foi o cheiro da pizza que fez com que eles olhassem para mim e
percebesse meu sorriso para toda aquela cena que presenciei. Algo que talvez não fosse
para eu ver, já que raramente os deixava me ver tocando também.

“Eu aplaudiria se pudesse.” Falei, por fim, entrando em casa. “Que música é?”

“Playing God.” Respondeu Hayley. “É minha. É muito ruim?”

“Não, não é.” Neguei com a cabeça, colocando a pizza do lado de Brendon que sorriu
fraco instantaneamente. “Vocês não deveriam esconder talentos musicais com esse nível
de qualidade. A polícia de Salt Lake ganha muito com a investigação de vocês, mas o
mundo está perdendo dois grandes artistas.”

“Há quanto tempo está aí?” Perguntou Brendon, me fazendo encolher os ombros. “E,
ahm, me desculpa por pegar o violão. Não surte comigo, hm?”
“Bobo.” Ri baixo. “Essa não é a guitarra que está na redoma de vidro sempre, então eu
não vou surtar com você.”

“Demorou por quê?” Perguntou Hayley, me estendendo uma cerveja. Peguei e Brendon
pôs meu violão em segurança no sofá, enquanto nos sentávamos em volta da mesinha.
Brendon foi quem abriu a caixa de pizza. “Sarah perguntou por você mais cedo...”

“Eu tava trabalhando.” Falei em resumo.

Terminar meu dia com pizza, cerveja e música era tudo o que eu realmente
queria pra viver. Depois daquela pizza a gente ainda tocou umas três músicas para
aliviar a tensão. Três composições: “Better than Me”, minha. “Brick by Boring Brick”
da Hayley e “Oh, Glory” do Brendon. Eu era quem tocava o meu violão. Brendon havia
pegado o dele no quarto e Hayley segurava as partituras e ajudava na voz. Claro que
cantávamos em tom reduzido por causa da garotinha que dormia, mas cantávamos.

Quem precisava falar de problemas quando a música é capaz de curar qualquer


um deles apenas com as primeiras notas de um bom acordes? Amanhã seria um novo
dia e um dia que, com certeza, seria muito bom, já que a música fizera tudo ficar bem
mais calmo e menos complexo.

<b><u>Fim do Capítulo três.

Quatro: And with my last breath I'll thank you for choking me.
Título: Last Breath, Plain White T’s</u></b>

Depois de um dia longo, correndo feito um maluco pelas coisas que aconteciam
na corporação. Vezes por pessoas convocadas para depor chegando, vezes porque
alguma análise chegava e tínhamos que correr por mandatos ou coisa do tipo. Embora
eu estivesse exausto, peguei a noite de folga pra ajeitar as últimas coisinhas que
faltavam para o Halloween tradicional lá em casa e também porque eu tinha combinado
que eu passaria um tempo com Ian – que ninguém desconfiou por ele ter pegado a
mesma noite de folga que eu, já que nós dois preparávamos os halloweens há anos - e
por isso eu estava muito mais ansioso que o natural.

Após terminarmos os preparativos, Ian deixar em casa sua fantasia para esse ano
– que seria de um não tão adorável Darth Vader – e então fomos a uma locadora para
pegar alguns DVDs de filmes de terror. Halloween estava chegando e a gente curtiria
um pouquinho antes da festinha no meu apartamento. Ian estava morando em um
hotelzinho barato – que ele sabia que me irritava bastante, mas parecia não trocar de
lugar somente pra me infernizar – pra onde levamos pizza, sorvete e violão. Embora as
festinhas sejam excelentes, a melhor parte do meu feriado era poder tirar a noite de
folga e ver filmes de terror com Ian. Ninguém sabia o quão estreita nossa amizade era,
ninguém sabia, porque eu sempre fui muito protetor com quem gosto. E Ian Crawford
estava um degrau acima de tudo o que fosse importante pra mim.

“Mas que filme ruim!” Ian falou indignado. “Eu não fiquei com medo desse psicopata.”

“Eu falei pra você que devíamos pegar todos os Jogos Mortais pra assistir.” Encolhi os
ombros, terminando minha pizza. “Mas você parece uma garotinha escolhendo filmes,
sabia?”

“Você que parece uma garotinha vendo Jogos Mortais.” Ele encolheu os ombros, rindo
baixo em seguida. Passou o indicador pelo molho da pizza e pegou uma das calabresas.
Colocou a calabresa em meu nariz e brincou com o dedo sujo em meu rosto. Eu sorri e a
lingüiça do meu nariz caiu na cama, o fazendo torcer os lábios de forma infantil.

“Jogos Mortais não é terror! Ele está acima disso! Existem filmes de suspense, de terror
e... Jogos Mortais!” Expliquei, encolhendo os ombros.

“Ainda assim você grita e me agarra feito uma garotinha com medo!” Ian riu baixinho,
me dando um soquinho fraco no braço e, como que do nada alguma coisa o fizesse
perceber minha tática para poder tê-lo mais perto. “Você finge, seu desgraçado! E eu
devia ter imaginado! A gente já assistiu essa saga tantas e tantas vezes!”
“Isso não é justo!” Torci os lábios, brincando. “Como é que e vou te abraçar agora? Eu
já tinha que esperar até o halloween para ver um filme contigo e agora você descobre
minha tática, poxa.”

“Manhoso.” Ian deu-me um beijo em meu rosto.

Colocamos outro filme de terror e voltamos a assistir. A pizza tinha acabado e só


nos sobrara a cerveja. Intercalávamos a bebida com o filme e eu desviava meus olhos
para o baixinho ao meu lado. Dessa vez era um clássico do terror e eu estava muito mais
a fim de ficar curtindo a presença de Ian que o filme mesmo.

“Você tá bem?” Perguntou baixinho, quase no meu ouvido, como se estivéssemos numa
sala de cinema e por esse motivo não pudesse aumentar o tom de voz. “Tá me olhando o
tempo inteiro...”

“Hm.” Sorri fraquinho. “Eu to bem, bobo. Só que eu te acho mais bonito que esse cara
aí.” Falei apontando a tela e Ian ergueu as duas sobrancelhas, como se eu tivesse
falando um absurdo muito grande. “Aí meus olhos me traem e se voltam pra você,
doutor.”

Aproximei-me devagar de Ian Crawford que tinha o olhar preso ao meu. Eu


sabia o que aconteceria em minutos, mas não me impedi de tentar. Meu coração
disparava enquanto a pele dos meus dedos tocava a pele do rosto do garoto que fechou
os olhos, se deixando levar pelo meu toque. Meu coração recebia e guardava para si a
entrega que ele me mostrava. Mordi de levinho a linha da mandíbula e quando fui beijá-
lo, Ian segurou meu queixo com gentileza e eu abri os olhos.

“Não faz assim, Dallon.” Falou baixinho, como se lamentasse o que estava fazendo.

“Não tava gostando?” Perguntei, agora desviando os lábios pro ouvido dele. Mordi seu
lóbulo fortinho, como se o repreendesse por não me deixar provar de seus lábios. Uma
das minhas mãos foi à nuca e enrosquei-a em seus cachos bonitos. “Eu perdi a prática,
é?”
“Pára de ser bobo.” Falou, formando um sorriso em seus lábios. “Eu só não estou pronto
pra dormir com você, só isso. O que aconteceu entre a gente, Dallon, me machucou
demais e eu não me preparei pra você. Eu disse que estaria do seu lado e que
continuaríamos de onde paramos se você mudasse.”

“Eu não mudei.” Me afastei devagar, deitando ao seu lado, com os olhos fechados. “Eu
não revi minhas prioridades, mesmo não tendo segredos com você, eu ainda continuo do
mesmo jeito. Igualzinho que você deixou.”

“Está vendo? Eu não posso lutar contra isso, Dallon.” Suspirou. “Eu vou estar aqui por
você, vou te ajudar em tudo o que você quiser de mim, todas as suas investigações,
todos os respaldos que precisar, mas como o seu melhor amigo. Como se eu fosse seu
cúmplice em tudo o que fizer, mas nada mais que isso. Sem ser seu amante, sem ser seu
namorado ou o cara com quem você está saindo. Eu não to pronto pra isso.”

“Desculpa.” Falei. “Eu sei que eu fiz tudo errado, Ian, mas eu só queria saber se você
ainda gostava de mim. Se eu to me esforçando para mudar minhas prioridades, meus
conceitos, mas é difícil pra mim. Eu to no meio de uma investigação e meu coração
precisava de um alento.”

“Falando nessa sua investigação, Weekes, isso é loucura!” Suspirou, como se tentasse
me acordar novamente. “Ainda sou extremamente contra você mexer com isso,
sinceramente. Ninguém deu queixa. Isso pode ser visto como invasão de privacidade e
assédio.”

“Eu sei, meu caro.” Falei. “De qualquer forma, graças ao bilhete de ameaça à Sarah,
todo mundo vai investigar o Windsor, porque vão seguir seus instintos policiais. Eu não
to quebrando nenhuma regra, Ian, só to me adiantando na investigação.”

“A sua investigação não tem nada a ver com a Sarah, Dallon.” Negou com a cabeça. “O
que te assombra toda noite não é a Sarah, é Brendon e a promessa que fez a ele. Uma
promessa que você não foi capaz de cumprir por falta de provas e não por falta de
investigação. Você chegou ao limite de toda lei, cara. Você quase cometeu vários
crimes pra tentar achar esse cara, se não fosse o juiz que você conhece, Dallon, você
estaria preso e o pior de tudo isso é que você não aprende a porra da lição. Deixa esse
caso em paz.”

“Eu prometo que depois que eu remexer na vida do Windsor, eu paro com esse caso.”
Falei. “Exceto, claro, se eu estiver certo quanto a ele, já que você mesmo disse que eu
estava fazendo sentido, porque ele já persegue o B há oito anos.”

“Eu estou nessa contigo, mesmo sendo contra.” Falou, suspirando. “Vou te ajudar, meu
caro. Nós dois vamos mexer na vida do Windsor até o último milímetro e vamos
descobrir que eu estou certo, hm? Aí você abandona esse caso pra sempre.”

“Tudo bem, Ian.” Sorri.

Manhã de Halloween. Enquanto os outros trabalhavam feito malucos, Spencer e


eu ficamos encarregados de levar as crianças para pedir doces. Confesso que até que foi
engraçado ver a felicidade das crianças e ao mesmo tempo conversar com Spencer
Smith sobre qualquer coisa banal. Como já falei, todo mundo tem do que se
envergonhar e todo mundo mantém essa parte de sua vida no mais absoluto sigilo. Você
fica escravo em fazer do seu coração um bom esconderijo. Enterra o segredo e monta
guarda em volta dele, para que ninguém o descubra e ele volte a estragar sua vida.
Segredos enterrados são os piores!

As pessoas costumam ficar felizes em feriados - exceto os patrulheiros, porque


eles têm que montar guarda nas festas - mas Brendon, Hayley, e agora Spencer, sempre
ficavam com umas caras de enterro quando o Halloween, em especial, chegava.
Acredito que usar mais alegorias que as armaduras contra tudo e todos que eles usam
pesam mais nessa época do ano. Brendon só conseguia sorrir quando a bruxinha Sarah
fazia alguma gracinha. Voltar pra casa ao final da tarde foi a melhor parte do dia. Daniel
e Sarah ficaram comparando os doces ganhados e os comendo. Isso fez um bem danado
ao meu apartamento já que todos estavam com aquelas caras de zumbis.

Descobrir que o Spencer é baterista me deu um gás a mais. Estrategicamente,


deixei meu violão junto com minha meia-lua em cima da cama, porque algo me dizia
fortemente que naquele dia faríamos música. O clima não estava dos melhores, mas não
existe nada que música não alegre. Nada! A pior das vidas se faz nova com o som de
um único violão, porque música é feita para o renascer das forças e revelação de
sentimentos de forma implícita.

Os meus convidados – além dos de sempre: Brendon, Hayley, Josh, Zac, Jon e
Ian –, viriam Spencer, Daniel e Ryan para nosso halloween diferente. Nós éramos
policiais e sempre que tínhamos um tempinho juntos, acabávamos fazendo coisas como
essas reuniões. Era engraçado, eu já tinha visto muita coisa naquelas festas do pijama,
mas todo mundo fica bêbado e toda aquela coisa de bêbados são sempre esquecidas. As
melhores horas sempre eram quando Sarah dormia e nós podíamos encher a cara e falar
as maiores bobagens. Voltar a ser adolescentes inconseqüentes e passar trotes nas
pessoas. Nos dias de folga, nós éramos apenas... nós.

“Heyy.” Spencer disse ao entrar. Ele tinha ido tomar um banho e ajudar o filho a ficar
mais composto. Ryan apenas fez um aceno sem emoção e Daniel, quando entrou,
abraçou minhas pernas com muita força. Todo mundo os cumprimentou. Ryan tinha em
mãos alguns donnuts variados, enquanto Spencer trazia um pequeno engradado
contendo seis cervejas. A cor amarelada do líquido atraiu a pequena garotinha que
tentou pular, mas não alcançou, no engradado.

“Não pode, meu amor.” Disse Hayley, pegando-a no colo. “Não é pra crianças.”

“Por que você não mostra seu quarto pro Daniel, Sarah?” Falei e o menino voltou seus
olhos para o pai que assentiu fraco, dando o sinal positivo. Hayley pôs a filha no chão
que de forma meiga e sem maldade alguma, segurou a mão do pequeno Daniel e o levou
pro quarto, onde ela guardava seus maiores tesouros.

É difícil não comentar certas coisas que vi naquele momento, porque eu não
poderia deixar passar essas coisas enquanto tentava ignorar completamente o instinto de
estar perto de Crawford. Não conseguia não me lembrar do que vivemos ontem e do
tamanho do sentimento que eu teimava em guardar só pra ele e parecia aumentar a cada
maldito sorriso que ele dava ao conversar com seu superior, Jon Walker. Houve,
também, uma intensa troca de olhares entre Hayley e Joshua, assim como houve uma
troca de olhar intensa entre Ryan e Brendon. Eu pensei seriamente em deixar tudo de
lado e atacar um donnut, mas decidimos brincar um pouco com as crianças, já que elas
voltaram do quarto felizes e sujas de chocolate. Na manhã de Halloween as crianças
aprenderam o significado de dividir, então os chocolates que ela ganhou, ele também
comeu. A pequena Sarah sugeriu mímica – claro que do jeitinho dela – e nós adultos
combinando que teríamos que nos contentar com canais como Disney, Cartoon Network
e Discovery Kids, a final, as crianças não poderiam beber e nem brincar de Verdade ou
Desafio da forma pesada que fazíamos sempre.

“Uma palavra?” Falei. A menina assentiu, me mandando um beijinho. Pisquei pra ela
em retribuição e ela tentou fazer o mesmo, quase caindo na mesinha de centro. Hayley,
Josh e Brendon se desdobraram para conseguir segurá-la e deu certo. A garotinha deu
uma risada grande, gostosa, arrancando dos adultos exatamente a mesma coisa, exceto
de Ryan que deu um sorriso mínimo, quase inexistente, pelo canto dos lábios. “Uma
palavra, gente. Uma palavra.” Falei empolgado.

Daniel estava concentrado. Colocava a mão em seu queixo enquanto revisava


todo seu repertório de desenhos e filmes em sua mente. Eu não sabia ao certo o que
observar, mas ao desviar meu olhar para Een, percebi que ele sorria como se a Lua
pousasse em seus lábios. Talvez por causa do meu amor por Sarah transparecendo toda
vez que eu brincava com a garota. A menina, por sua vez, encantava todo mundo a sua
volta enquanto fazia seus gestos infantis e seus pequenos braços tentando fazer o
personagem. Enquanto eu olhava – e engolia uma risadinha – e procurava mentalmente
algum filme que tivesse um personagem que fazia “puff” e com uma única palavra.
Ouvi Ryan balbuciar um “Aladdin” bem baixinho, mas acho que todos estavam
prestando atenção a tudo, menos no garoto que só olhava para a garotinha com tédio.
Prestei atenção novamente nos movimentos da garota e o “puff” se referia à mágica do
gênio. Não consegui conter a risada e disse:

“Aladdin, princesinha?”

“Siiiim!” Ela arrastou animada, batendo algumas palminhas da mesma forma. Esticou
seus bracinhos em minha direção e eu os aceitei em um abraço apertado. Logo em
seguida foi minha vez de fazer os gestos. Não me lembrava muito de filmes da Disney e
a única coisa que me veio à mente foi um musical, High School Musical. Comecei meus
gestos, mas quando percebi, minhas pernas estavam sendo cutucadas e eu olhei para
onde vinha aquele leve incômodo. Era Sarah e ela havia trazido a minha meia lua.
“Toca, tio Dallon?”

Todas as risadas pararam quando a menininha esticou-me o instrumento. Eu


nunca fui muito bom com instrumentos de percussão, então entreguei o instrumento
para Spencer, que fez um movimento com a mão que sacudiu todo o metal do
instrumento. Hayley tentou impedir a garotinha, mas Spencer sacudiu a cabeça, dizendo
que estava tudo bem. Percebi o Ross ficar completamente na defensiva envolvendo
Daniel em seus braços, de forma protetora. As mãozinhas do garoto estavam na boca,
como se a garota houvesse feito algo considerado proibido para todos ali. Brendon
também estava na defensiva, completamente. Os demais acompanhavam a melodia
fazendo um “na, na, na” e eu tentava achar uma letra para aquilo. Música parecia uma
linguagem proibida, mas amada por todos os presentes naquela festa. Música
alimentava nossas almas e ninguém mais conseguia se livrar da batida de Spencer na
meia lua.

“Sarah... <i>Help, I need somebody</i>.” Sarah começou a rir quando eu cantei,


porque eu havia ensinado a menina a ouvir Beatles e gostar do que ouvia. Assim como
algo que muito me influenciava, Elvis Costello. “<i>Not just anybody</i>.”

“<i>Help, you know I need someone… Heeeeeelp</i>” Sarah continuou meio enrolado
e foi exatamente Sarah cantando que fez Brendon desfazer a defensiva e começar a
cantar também, junto com a filha.

A garotinha pulou em cima da mesa de centro, na tentativa de ficar mais alta e


me chamou pra dançar. Os demais começaram a bater palmas ritmadas e continuaram a
cantoria começada por Sarah que tinha um sorriso maior do que tudo o que eu já tinha
visto em seu pequeno rostinho. Nascera de dois amantes da música e por isso tão
engajada no meio da mesma. Eu tinha orgulho por moldá-la, por ensinar algumas –
poucas – notas musicais em seu pianinho de brinquedo (o que me lembra quando ela
nos fez vestir smoking pra um recital improvisado. Todo mundo teve que apresentar
alguma coisa; Sarah tocou “What is This?” do Nightmare Before Christmas. Eu toquei
no violão “Pump it up” do Elvis Costello e a Sarah me acompanhou empolgadamente
com voz. Hayley, Josh e Zac tocaram uma música de Presley e Brendon brincou de
apresentar as atrações principais, porque segundo ele, apresentadores de eventos de gala
não fazem nada além de apresentar e foi com esse argumento que ele se livrou de tocar
alguma coisa. Sarah era especial. Daquelas que são preciosas demais para existir).

Daniel foi quem conseguiu tirar Ryan da mesmice. Ele conseguiu fazer com que
Ryan dançasse com ele de uma forma infantil. Sem forçá-lo a nada, sem fazê-lo se
arrepender de nada. Naquele momento, todos nós notamos que Ryan Ross era como eu,
tudo para que as crianças quisessem para serem felizes. Ian, por sua vez, pegou o violão
no meu quarto e acompanhou todo mundo. Ian tocava, Jon arriscava uns passinhos de
danças enrolados e todo mundo parecia se divertir demais. As pessoas que, num feriado
tradicional, se lembraram que o mundo era um playground, que tudo era divertido e que
um pouco de música poderia pôr um sorriso infantil e lunar no rosto de todo mundo. Por
mais adultos e céticos que sejamos.

Quando a música acabou, sentei-me na mesinha de centro e meu pescoço foi


abraçado pela menina com fantasia de bruxa, sem maldade nenhuma. Eu me
considerava um pai para aquela garota. Como que se os dois faltarem, eu estaria lá por
ela. Talvez por eu não ser um pai mesmo, ela fosse tão colada comigo. Deu-me um
beijinho no rosto e foi pro sofá, onde estava seu pai, o Brendon e o puxou para dançar.
Eu me sentei perto de Spencer e nós recomeçamos a música toda enquanto ela
cochichou no ouvido de Daniel e os dois decidiram formar casais para a dança: Brendon
e Ryan, Hayley e Josh, Zac e Jon; Ian e eu, e pra finalizar, Sarah tirou Daniel pra
dançar. Spencer ficou sozinho na música, mas o pior – e talvez o mais engraçado – é
que ninguém conseguia contrariar as crianças travessas com seus sorrisos inocentes e
travessos nos rostos. O baterista olhou pra mim – que dançava empolgado, a final, Sarah
era exigente e ai de mim se não tivesse o mesmo gás que ela naquela coisa toda – e riu
baixo dos demais. Eu consegui compreender a risada, mas continuei a cantar com Smith
e Sarah.

Os olhos de Brendon se cruzavam aos de Ryan e embora eu não consiga


descrever com exatidão o que se passava dentro deles, eu conseguia entender muito bem
o que os olhares diziam. Brendon havia dito que odiava Ryan, mas nunca vi um olhar
buscar tão desesperado a segurança – ou no caso do Ross, a insegurança – do outro. Não
havia nenhum tipo de ódio ali, não havia um fato isolado. Havia amor. Um amor que
resistira ao tempo e as dificuldades que, sejamos francos, nem sei se existem. Eu
poderia escutar o coração de Brendon bater como em um bumbo, ao mesmo tempo eu
conseguia escutar com perfeição o coração de Ross ficando pequenino, apertado em sua
falta de vontade de fazer o que as crianças queriam. Era só pra agradar uma criança, e
eu podia sentir de onde eu estava, o esforço de Ross para não demonstrar nada mais
além da indiferença usual. Para mim, ele não conseguia. Eu podia notar daqui o amor de
Brendon sendo correspondido e o uso dos pequenos como desculpa esfarrapada para
tocar em Brendon. Eu poderia rir daquilo tudo, da situação, mas cantar com Sarah era
mais divertido e quanto mais eu pudesse estender a música, o faria. O amor estava no ar.

E por falar nisso, eu também estava em maus lençóis. Mantinha aquele peso em
meus ombros de ser apenas o melhor amigo de Ian. Eu sempre quis um pouco mais que
isso e sempre deixei muito claro para o doutor bem à minha frente. Eu não troquei uma
palavra sequer com Een, mas deixava a música falar por mim. Eu sabia o que ele sentia,
enquanto dançávamos um pouco mais colados que os outros casais, e eu podia sentir a
respiração do garoto em meu peito, enquanto apoiava meu queixo em sua cabeça. Não
precisava de mais nada para ser feliz.

Outro casal que tinha um passado juntos, mas que apesar das brigas constantes
por causa da Sarah ou por causa de qualquer outra coisa – já que desde o aparecimento
da menina eles fazem questão de <i>fingir</i> discordar em tudo -, naquele momento,
Josh se fazia gentil. Conduzia a dança entre os dois, segurando-a cuidadosamente pela
cintura e, ao mesmo tempo, com a firmeza necessária para mantê-la ali. Ao contrário
dos dois citados primeiro, eles conversavam, mas não alto o suficiente para que eu
pudesse ouvir. Quando acabou a música, eu decidi ajudar o clima não piorar e disse:

“Não está na hora da nossa bruxinha favorita ir dormir?”

"E o Daniel também." Smith disse, pegando o menino no colo. “Dá boa noite pra todos,
campeão.”

“Mas tio Dallon, bruxas não dormem cedo.” Argumentou, enquanto eu a pegava no colo
com cuidado e já começava um embalar leve. Claro que eu fiquei o suficiente para ver
os casais do passado se desfazerem com relutância. Pisquei para Ian e Zac que
decidiram tomar as rédeas da coisa. Brendon também soltou Ryan muito rápido, e
juntou-se ao aos outros dois na intenção de fazer todo mundo rir. Tive a impressão
nítida de que ele só estava fazendo isso para esconder a tristeza que ele emitiu pra mim
o dia todo.

“Sabia, Sarah, que você é muito, muito poderosa?”

“Ela é?” Daniel perguntou curioso. “Tipo, muito mesmo?”

“Eu?” Seus olhinhos brilharam e eu apenas assenti. “Poderosa por quê?”

Quando aquilo aconteceu, eu não contive o meu sorriso. Comecei a lhe contar
uma história de aventura e ela dormiu em meus braços algum tempo depois, sem
terminar de ouvir a história, assim como Daniel nos braços de seu pai. Pouco antes de
voltar, recebi uma mensagem da Hayley dizendo “quando voltarem, usem pijamas” e eu
já sabia bem o que significava. Repassei a mensagem a Spencer, que assentiu em
contentamento. As crianças dormiram e era a vez dos adultos se divertirem com um
pouco mais de malícia. (Abrindo um parênteses rápido aqui, todos nós estávamos
fantasiados. Sarah de bruxa, Hayley de enfermeira, Josh de médico, Zac de um monstro
qualquer, Spencer de Capitão Gancho, Brendon de vampiro, Ryan de múmia e eu de
Harry Potter, atendendo pedidos da Sarah, Jon de Frankstein e Ian de Darth Vader.
Daniel estava de bruxo também.). Não sei quanto tempo exatamente demorei com a
história, tanto que nem vi toda a movimentação no banheiro pra colocar seus pijamas.
Como eu era o dono do apartamento, o quarto com suíte era o meu. Me troquei (e
Spencer também) e me juntei aos garotos.

Nossa alimentação não era das mais saudáveis no dia a dia, no halloween só
tendia a piorar. Na grande maioria dos halloweens, ficávamos apenas com brownies,
muffins, cupcakes e donnuts, e naquele não era diferente. O pai de Brendon ainda era o
responsável por esse suprimento de doces incríveis que tínhamos. Ele podia não ter sido
um bom pai - ao menos nas cenas que presenciei -, mas era um excelente confeiteiro.
Sempre comíamos um dos doces acompanhados de cerveja. Conversando e dando
risadas contidas graças ao sono de Sarah e Daniel, naquele feriado em especial.
Começamos um campeonato de vídeo-game que Brendon venceu todo mundo em
disparada e logo em seguida jogamos “Eu nunca...” com as frases mais constrangedoras
que encontramos. Sexuais, íntimas, amorosas e imorais. Ríamos porque bebíamos e era
esse nosso maior problema.

Outro jogo que ficou imoral em nossas mãos foi Verdade ou Conseqüência.
Todos nós já estávamos meio altos, então toda <i>conseqüência</i> daquele jogo já não
soava mais tão ruim. Até mesmo Ryan jogava e entrava nos desafios de cabeça, sem
perguntar como ou por que até que a tal garrafa de cerveja parou em Jon para Brendon.
Ele estava inocente na história toda e então a conseqüência foi terrível para alguns,
terríveis para outros.

“Seu desafio é beijar o Ryan após fazer um poledance pra todos nós. Estou com uma
puta preguiça de pensar em algo melhor.”

“É zoação, não é?” Disse Brendon, quase choramingando. “Eu não vou beijar o Ross e
como é que eu vou achar um poste aqui nesse apartamento, Jon?”

“Por quê?” Jon ergueu a sobrancelha. “É sua conseqüência, Urie. Se vire pra cumpri-la
e pode trocar o poledance para um lapdance ao som de Pussycat Dolls.”

“Isso é muita sacanagem, Jon!” Suspirou. “Sério mesmo, faço tudo, menos o beijo no
Ryan.”

“Que saco!” Ryan falou, assustando a todos quando se levantou. Puxou Brendon pela
gola do pijama, obrigando-o a se levantar. Os olhos do menor entre os dois ficaram
assustados e ao mesmo tempo, consegui detectar uma <i>submissão</i> que me
assustou vinda de Brendon. Sou acostumado a vê-lo coordenando tudo e inclusive a
própria vida. Naquele dia eu tive uma nova visão sobre B que eu nunca teria sem o
Ryan que enroscou uma de suas mãos nos cabelos da nuca do meu superior e chocou
seus lábios aos dele, começando um <i>beijo bruto</i>, necessitado. Urie parecia não
ter força nenhuma para se afastar daquele <i>beijo bruto</i>. Foi Ryan quem abriu a
boca e invadiu a de Brendon com sua língua. Era <i>Ryan</i> quem o repreendia por
não ser correspondido.
Todos nossos olhares ficaram pregados no casal formado por um Brendon
assustado, meio sem saber como reagir, mas que aos poucos se deixava levar pelo beijo
que lhe era dado, apertava fortemente os olhos como se tentasse acreditar que estava
acontecendo tudo aquilo <i>com ele</i> e, ao mesmo tempo, contornava a cintura do
outro em um abraço possessivo. Eu realmente não notei porque Spencer fez um sinal, ou
pra que ele fez, só sei que a voz de Hayley que dizia que precisava afastar Brendon do
homem que ele beijava cessou. Quando olhei, ela estava empenhada em bater em Josh
que a segurava com certa força e a beijava. Zac estava atento a aquele beijo, já que a
baixinha era muito bem articulada e não queríamos parar aquilo. Spencer,
principalmente, era quem não queria parar aquilo enquanto Ryan não o fizesse. Jon
estava dando seu apoio moral a cena, em silêncio, meio perplexo.

"Posso seguir o exemplo deles e roubar um beijo seu?" Murmurei quando me aproximei
de Ian. "O que você acha?"

"Você nunca colocaria minha segurança em risco por causa disso." Ele falou, irônico.

"Eu tô bêbado, doutor. Não ligo pra conceitos sóbrios." Pisquei.

"Mas eu tô aqui pra ser sua consciência." Ian encolheu os ombros, levantando a cerveja
em tom irônico e como se quisesse fazer um brinde a aquela minha arte de ter conceitos
tão sóbrios que nem mesmo a bebida era capaz de apagá-los. "Não vou deixar você
fazer algo que se arrependa pela manhã, Weekes."

Quando finalmente desfizeram o beijo, me afastei de Ian e pus-me a observar a


cena com mais cuidado, Brendon abaixou os olhos enquanto mordia o lábio. Parecia
estar um pouco mais feliz do que eu o vi até então naquele halloween. Ou mesmo em
qualquer outro, mas algo murchou com um comentário de Ryan estragou toda a magia
do momento.

“É só um beijo estúpido.” Ryan foi quem girou a garrafa e saiu. Eu o acompanhei com
os olhos. Brendon ficou paralisado por um momento e logo em seguida correu até ele.
Eu tive o ímpeto de sair correndo atrás deles, mas me contive bastante. Olhei para o
outro casal que ainda se beijavam. Hayley deu um bofetão que até eu fechei os olhos.
Confesso que eu fiquei com pena dele, mas ninguém agüentou as risadas e Josh ficou
bastante vermelho. O jogo recomeçou a sério e ninguém se atreveu a ir atrás de Brendon
e Ryan, a final, todos sabíamos que eles precisavam conversar.

Saí uns cinco minutos depois, alegando que pegaria uma cerveja e donnut, mas
acabei pegando uma cena incrível. Eu tive um ímpeto muito forte de proteger Ryan, já
que ele estava sentado no parapeito da janela da cozinha, muito bêbado. Isso seria um
problema, porque seria fácil demais ele cair dali. Brendon estava ao seu lado, sem estar
debruçado e sem o usual sorriso. Eles não me viram, mas eu os ouvia – e via – com
perfeição.

“Por quê?” Brendon perguntou. “O Jon poderia ter me deixado apenas com o lapdance,
esquecido esse beijo. Por que insistiu nisso, Ryan?”

“Foi só um beijo estúpido.” Repetiu Ross. “Só isso. Pára de agir feito uma criança
mimada que está sendo contrariada. Não era assim que funcionava o velho Ryan? As
pessoas não tinham vontades em volta dele e castidade não era seu forte.”

“Pra você sempre foram somente beijos, Ryan.” Girou os olhos. “Você nunca me levou
a sério. Nunca olhou pra mim com carinho, com amor. Sempre fui só a porra de um
objeto sexual pra você. Alguém te acalmava quando você chegava de casa com um
cheiro de álcool e nicotina que quase me sufocavam.”

“Por que você tá remoendo essas coisas, Urie?” De longe vi que Ryan franziu o cenho.
Não consigo de escrever com exatidão o olhar dos dois, nem mesmo o motivo daquele
cenho franzido. “Por que pra você eu sempre tenho que querer algo? As coisas que eu
guardo pra mim, são só minhas. Não preciso expor para ferir os outros. Ao contrário das
outras pessoas, as coisas que estão em meu passado são minhas. O que eu fiz por
sentimentos ficou guardado só pra mim e é assim que eu quero que continue. Pare com
esses porquês e suposições malditas. Nunca fale de um lado da história que você não
conhece."
“Porque você é assim, Ross. Você quer sempre algo em troca, você sempre prefere
atacar pessoas da forma que mais as deixa vulneráveis. Olha só pra mim!” Girou os
olhos novamente, quase que como quem está desesperado, mas ao mesmo tempo,
nervoso com toda a situação. “O que te transformou no me-- no Ryan de antes? Dallon
foi quem conseguiu isso, não é? Eu soube que vocês se agarraram quando o Weekes te
apoiou com o Windsor.”

“Dallon? Eu estou aqui porque ele me convidou, sim, mas... por que tocou nele agora?”
Franziu o cenho outra vez e eu também. “O que o Dallon tem a ver com essa conversa
toda? Você decidiu voltar ao passado do nada e agora quer levar alguém do seu presente
junto. E a gente não se agarrou, Urie, ele só me deu um abraço como um amigo faria.
Como nenhum dos meus amigos de antes fizeram. Apenas isso e não que eu deva
satisfação a você, mas o Weekes não merece ser alvo do seu ciúme infantil,
compreendeu?”

“Você está querendo transar com ele, como transava com todos os meus amigos
homens, não é? Como fodeu com metade daquela escola e fodeu até mesmo com aquele
nojento do Windsor.” Cruzou os braços e logo em seguida desfez a pose de durão,
bebendo um gole de cerveja quente que ainda estava em suas mãos. “Fica longe dele,
Ross. Ele é uma pessoa especial e não queria que você fodesse com a vida dele como
fez com a minha.”

“Esquece o Windsor! Fica longe desse filho da puta, B.” Pediu rápido, suplicante. “Não
conte uma história que você não sabe o que aconteceu, só o que eu te peço. Você
também não foi um bálsamo suave pra mim, Urie.” Foi só o que Ryan disse, mas o que
Brendon falou ficou indo e voltando em minha mente, a final, Ryan era mesmo um
homem muito atraente, mas eu jamais ficaria com um homem que era – que é, na
verdade – o amor da vida de um amigo meu. “E eu não transei com todos os seus
amigos homens. Eu não transei com o Spencer. Nem antes e nem agora que estávamos
dividindo o apartamento em Washington, se te serve de consolo.”

Nesse momento, os dois tomaram expressões nostálgicas das quais eu jamais


poderia ter tomado conhecimento, se não fosse aqueles dois apaixonados. Eles evitavam
trocar olhares, evitavam estar mais perto do que aquilo. Quando percebi que Brendon
movia a cabeça para meu lado, apoiei a cerveja no balcão e fingi que a estava abrindo.
As bochechas de Urie se coraram e eu não consegui não sorrir com aquele gesto.
Comecei a andar pra fora dali, quando senti B colocando a mão em meu ombro, de
forma doce.

“Fica longe dele.” Pediu baixinho. “Ele é terrível. Destrói pessoas. Não faz música pra
ele, por favor. Confia em mim de novo. Ele não é do tipo que se conquista com
música.”

“Brendon?” Ryan chamou, e ele virou-se para trás. “Duas coisas. Eu nego até a morte a
existência dessa nossa conversa hoje e... toca sua vida pra frente, <i>querido</i>. Vai
ser melhor pra nós dois. Eu vou dizer a você o que disse à Hayley. Eu voltei pra Salt
Lake porque preciso resolver uns problemas pessoais que não começam com Brendon e
terminam com Urie e só vim porque foi uma ordem direta do governo americano.
Capisce?”

“Eu não tenho escolha, Ryan.” Falou encolhendo os ombros e logo que Ryan passou por
nós, Brendon me convidou para sentar e dividir a cerveja que eu carregava na mão. Sem
maldade, nos sentamos, com ele entre minhas pernas e a minha mão desocupada em
torno de sua cintura. “Só que você tem, Dallon. Não entra nessa do Ryan.”

“A gente não é do tipo que tem segredos um com o outro.” Falei. “Sinceramente, não
sei do que está falando. Eu deveria me lembrar de algo no passado que tenha a ver com
o Ryan, Brendon?”

“Não. Ele foi embora antes de você aparecer em minha vida.” Suspirou. “Não é isso que
eu quero falar. Nós nunca tivemos muitos segredos um com o outro, como você mesmo
disse. A final, nós somos melhores amigos – embora eu saiba muito bem de quanto a
sua relação com o Crawford é estreita – nós temos uma relação especial, certo?”

“Certo.” Assenti. “Por que isso agora?” Dei um gole na cerveja e passei pra B.

“Eu soube do abraço, aquele que você deu nele quando soube que o Windsor me
ameaçou.” Suspirou mais uma vez e bebeu da cerveja.
“Eu só ofereci ajuda pessoal pra encontrar o Windsor, B.” Falei. “Uma ajuda que ele
negou veementemente. Disse-me pra eu ficar bem longe desse caso, que ele não podia
me envolver nisso. Esse é o meu famoso envolvimento com Ryan.”

“Eu sei que você ouviu toda minha conversa com ele. Sei que você percebeu que tem
uma parte do meu passado, que eu te protejo dela. Protejo o Ian dela, porque você
trouxe o doutor Crawford pra nós. Eu só não quero assistir meu melhor amigo
cometendo os mesmos erros que eu cometi quando tinha quinze anos. Eu vou fazer o
que estiver ao meu alcance, Dallon, pra proteger você do Ryan, mas eu preciso que
colabore comigo.”

“Você não tem que se preocupar. Alguém já me tem bem preso a uma coleira.” Falei.
Tomando um gole grande da cerveja. “Eu não quero estar com o Ryan, não quero estar
com ninguém além da pessoa que me tem a coleira.”

“Quem te tem na coleira?” Brendon franziu o cenho. “Eu nunca te vi sair com ninguém
em oito anos! Às vezes eu acho que você ainda é virgem, Dallon.”

“Eu só faço o mesmo que você está fazendo comigo.” Suspirei. “Protegendo-o de tudo e
de todos. Ele me odeia por protegê-lo dessa forma, B, mas é necessário. Não se
preocupe comigo, eu sei me cuidar muito bem.”

“Você nunca falou nada sobre ter alguém.” Brendon mordeu o lábio e eu encolhi os
ombros.

“E você nunca tocou no nome do Ryan em oito anos de amizade.” Sorri de leve. “Todo
mudo tem seus segredos, Bden, até mesmo os policiais. Todo mundo tem do que se
envergonhar e do que se orgulhar ao mesmo tempo.”

Brendon queria insistir mais um pouco, porém o telefone tocou, assustando todo
mundo que ainda jogava verdade ou conseqüência na sala. Quando Brendon e eu
voltamos para a sala, Ian estava tentando convencer os demais que não sabia dançar e
fazer striptease. Sentei-me no sofá, relativamente longe dos demais e quando Een
procurou desesperado por meus olhos, eu mexi a boca, sem som, mas devagar pra que
ele pudesse ler o que estava em meus lábios “Eu quero um striptease desses no meu
quarto.”

“Vai se foder.” Foi a resposta dele, eu sorri enquanto mandava um beijinho. Hayley
bateu a mão no viva-voz do telefone e a voz que soou fez todo mundo recuar. Brendon
sentiu as mãos de Ryan lhe envolver, mas não percebeu o ódio que estava no olhar dele.

“Feliz Halloween pra todos vocês aí.” Falou. “Vocês ainda dão aquelas festinhas idiotas
na casa do Dallon, certo?”

“Nós estamos muito felizes que você ligou e arrancou de nós esse momento feliz.”
Respondeu Hayley, agressiva. “Que merda você quer aqui, seu desgraçado?”

“Ahn, oi, cunhadinha de cabelo indefinido. Não sabia que estavam no viva-voz.” Ele riu
baixo, enquanto eu fiquei em silêncio. “Eu só queria parabenizar o Brendon com nosso
aniversário de oito anos, poxa. Não seja má comigo...”

“Vai se foder.” Foi a vez de Brendon falar e eu senti o olhar de Een sobre mim, como se
eu pudesse explicar a situação e eu só pude encolher os ombros para dizer que eu não
sabia o que estava acontecendo. “Amanhã mesmo meu amigo consegue um mandato de
busca e apreensão contra você, Carl e eu juro que eu vou até no inferno pra te prender e
fazer você pagar pelo que fez!”

“Sabe qual a magia do telefone, meu amor? Eu não estou descumprindo nossa ordem
judicial, porque eu estou muito longe de você nesse momento.” Suspirou. “O que é
realmente uma pena, porque, uh, aniversários como o nosso se comemoram com sexo!”

“Carl Windsor?” Ryan finalmente se manifestou, ocasionando certa surpresa em todos.


“Aconteceu algo que eu não estou sabendo, <i>docinho</i>?” Falou, irônico.

“Claro que aconteceu! Você está em Salt Lake City. Isso é motivo para uma festa de
arromba daquelas que a gente fazia quando a gente se encontrava por essas cidades que
nossos pais viajavam.” Carl riu, como se estivesse bêbado. “Eu te daria um abraço
apertado se eu pudesse, mas eu to meio longe agora e o meu foco não é mais você. Eu
não me preparei para recebê-lo.”

“Esse é o meu forte, cara.” Ryan mantinha o tom irônico. “Achei que nós tínhamos sido
bem diretos da última vez que nos falamos, não acha? Então, por que raio você está
ligando pra casa do Urie?”

“...porque ele é meu e sabe disso.” Falou com descaso. “E nem adianta querer
reintegração de posse, Ross, você o abandonou quando ele mais precisou de você. Isso
foi muito feio, Ryro. Ninguém gosta mais de você nessa casa por causa disso.”

“E você realmente acha que vai me atingir com isso?” Ergueu a sobrancelha. “Não seja
ridículo! Eu superei essa fase da minha vida, meu caro, e isso difere nós dois no dia de
hoje. Me livrei das roupas de quinta categoria e do porte rebelde. Acabou.”

“Continua inatingível, Ryan? Não esqueça que eu conheço seu ponto fraco e sabe que
eu vou atacar justamente aí.” Deboche era a palavra que definiria aquela conversa.
Brendon que estava envolto por Ryan que tinha o olhar desafiador pro telefone. “Ops,
eu já atingi nesse, então, como está o seu papai fracassado?”

“Reza pra eu não te pegar antes desse mandato sair, docinho.” Ryan disse. “Ou você
estará em sérios problemas. E já que você quem é o meu pai, você sabe do que ele é
capaz e sabe com quem eu aprendi a ser noventa por cento do que eu sou. E eu consigo
ser muito pior do que ele é.”

“Eu to com tanto medo que você nem imagina, Ross.” Ele riu. “Eu cresci, nosso
acordinho de merda não me mete medo. Eu não fiz nada de errado, a não ser tomar
posse do que é meu.”

“Ninguém pertence a ninguém, senhor Windsor.” Falei, enquanto meus olhos estavam
voltados pra Brendon encolhido nos braços de Ryan, quase como um bebê assustado.
De onde eu estava, conseguia ver com nitidez – num sentido figurado – o coração
medroso de Brendon implorar por aquele abraço e ao mesmo tempo, tentando não
transparecer tanto medo, mas era vão, o medo de Urie é palpável. “Não conte uma
história que o senhor não conhece.”

“Não conheço?” Carl riu. “Conta pra ele, Ryan. Conta que de quem você é filho, o que
nós dois vivemos na infância e adolescência. Conta o que você fez por medo, Ryro?”

Irritado com o que ouvia, Ryan nos surpreendeu novamente atirando contra
nosso telefone. Brendon meio que acordou e saiu dos braços de quem lhe protegia. Saí
da sala e decidi não ver a briga que começara entre todos eles sobre quem era o pai de
Ryan e qual era esse acordo. Eu me importava, mas eu tinha meus meios de fazer um
homem falar, muito diferente dos demais. Eu interfonei, dizendo que estava tudo bem
por aqui e que só estávamos um pouco mais alterados que o nosso comum.

Depois de refazer as crianças dormir, foi vez dos adultos. Spencer, Zach, Jon e
Josh dormiram na sala. Hayley, Ian e Brendon dormiram no quarto que Hayley ocupava
com Brendon e sobrou para Ryan dormir comigo. Ele suspirava.

“Você não vai me pressionar pra saber o que eu tenho a ver com Carl?” Falou. “Todo
mundo fez isso, eu destruí sua casa, levei uma pancada da Hayley que disse que vi te
pedir um mandato amanhã contra mim.”

“Não.” Encolhi os ombros. “Eu to bêbado demais pra usar a razão, Ryan. Só quero que
pague o conserto do telefone e da parede.”

“Me desculpe por isso.” Suspirou. “Eu tenho ódio mortal daquele idiota.”

“Tudo bem, Ross.” Dei um tapa fraco em seu ombro e fomos finalmente dormir. Nós
dois sabíamos que seria uma noite bem difícil, porque dormir bêbado não é bom e a
carga extra de adrenalina que recebemos nos deixou elétricos. Dormir seria uma tarefa
difícil, mas nós tentamos...

<u><b>Fim do capítulo quatro


Cinco: Don’t you ever wonder how we’ve survived?
Título: Moster - Paramore.</u></b>

Acordar com aquela dor de cabeça foi terrível, até porque eu dormi pouco, tarde
e com um sono de qualidade péssima. Ryan dormiu comigo, na minha cama e também
não teve uma noite boa, já que ele estava mais bêbado que eu, como relatei ontem. Ian
dormiu com Hayley e Brendon, e os demais ficaram em colchões improvisados pela
sala. Estava pensando em ir trabalhar de táxi, porque não conseguia me imaginar
dirigindo com toda aquela dor de cabeça e tal. Eu confesso que demorei mais que o
necessário no banheiro, e quando saí de lá o Ryan não tinha uma cara muito boa – que
eu julguei ser por uma dor de cabeça infernal.

Decidi sair uns minutos depois, Ryan saiu junto comigo e parecia estar
ensaiando algo para me dizer. Fiquei apenas em silêncio esperando que ele dissesse,
enquanto eu procurava por um pouco de café, mas já haviam tomado todo. Xinguei
baixo, cruzando os braços. Minha casa estava nojenta e acho que era por isso a cara
terrível de Crawford sobre mim. Havia vômito para tudo quanto era lado e entre os
outros dois moradores a disputa era sobre quem teria a honra de limpar aquela casa.
Como era eu quem dava a festa, as bebidas e pagava os doces, eu ficava isento da
limpeza.

“Acabou o café.” Comentei com Ryan e com a mesa da cozinha cheia. E lá estava o
olhar repreensivo de Brendon pra mim, por ter saído do quarto junto com Ryan.

“Não importa.” Ryan disse. “Eu preciso muito falar com você. Vi uma Starbucks aqui
perto. Eu pago seu café. To precisando desabafar.” Eu assenti apenas. Foi nesse exato
momento que Sarah chegou e iluminou todo o ambiente com seu sorriso infantil e
despreocupado. Quando elas – Hayley e Sarah – estavam relativamente perto de mim, a
mãe a soltou e ela deu alguns passinhos até onde eu estava, desengonçados, e abraçou
minhas pernas.
“Bom dia, minha princesinha.” Peguei-a no colo e recebi um beijinho longo no rosto.
“Hmmm, que beijo bom!” Entreguei-a de volta pra Hayley após conversar uns minutos
com Sarah. Cumprimentei Daniel com um cafuné, bagunçando o penteado certinho dele
que torceu os lábios. Ryan foi quem recebeu, desconfortável, o abraço do garoto que
logo o trocou pela vasilha atraente e cheia de cereais. Eu estava curioso para saber o que
o agente especial queria comigo. Saí sem dizer nada – apenas acenei em despedida -,
mas Brendon teimou em me lembrar.

“Olha o que a gente conversou ontem, Dallon.”

“Não se preocupa.” Falou Ryan. “É só um desabafo, B. Não um convite pra jantar”

"Você dirige, certo? Minha ressaca não me faz ver nada bem." Expliquei.

"Passa num hospital e pede para te darem uma bolsa de soro glicosado. Em questão de
meia hora você está pronto pra outra." Jon aconselhou e Ian sorriu de leve, concordando
com a cabeça. "Isso vale pra todos nós. Vai evitar a ressaca."

“Obrigado.” Sorri.

Ryan e eu saímos juntos de casa. Ele foi dirigindo o meu carro e, pela primeira
vez em muitos anos, eu dispensei o som do meu carro. Não porque o CD que estava lá
não me agradasse, mas a dor da ressaca era terrível. No carro, eu massageava as
têmporas e dava graças a tudo o que eu conhecia pelos óculos escuros existirem. Ryan
por sua vez estava calmo no volante, já não aparentava mais dor. Se ele fedia à vodka
antes, era um motivo mais que justo para a ressaca não o afetar tanto quanto me afetava.

“Fraco pra bebidas, Weekes?” Perguntou Ryan.

“Não muito.” Encolhi os ombros, quando ele parava no <i>drive-in</i> da Starbucks.


Pedi meu café, e dos demais, e ele fez questão de pagar tudo. “Só fazia muito tempo
mesmo que eu não bebia a quantidade que eu bebi ontem. E eu misturei vodka com
cerveja. Não foi uma mistura muito boa.”
“Isso foi uma loucura, isso sim.” Ryan falou com uma certa indignação. Saímos da
Starbucks e fomos rodando por aí até o Great Salt Lake, na marina do lago. Não
estávamos no inverno, então era uma boa só ficar parado olhando. Eu gostava de vir
aqui no inverno com Sarah. Vira uma pista de patinação no gelo gratuita.

“O que queria desabafar comigo?” Perguntei após um tempo em silêncio. “Quero dizer,
você não me trouxe ao lago pra gente olhar a paisagem. Ontem você deixou claro que
não estava a fim de mim.”

“Você usa mesmo a velha tática de trazer pessoas a esse lago quando sai com elas?”
Ryan perguntou, erguendo a sobrancelha ao olhar pra mim. “Quer dizer, eu nunca fiz
isso, funciona?”

“Esse lago é mágico no pôr-do-sol, meu caro.” Falou. “Devia tentar essa tática.”

Ficamos mais um tempo em silêncio, dentro do carro. Os olhos de Ryan estavam


perdidos na pequena sensação de imensidão que o lago nos trazia. Eu voltei também
meus olhos para o lago e o admirei. Apesar da tática de conquista, era mesmo um lugar
mágico e bonito. Olhei pelo retrovisor e percebi que alguém estava com o carro a uma
distância considerável do meu, mas não vi seu rosto. Concluí que mais pessoas traziam
seus amados ao lago e voltei a olhar Ryan perdido entre o céu e o lago.

“Não está mesmo a fim de mim?” Perguntei brincando. “Então, desabafe, Ryan.”

“Sabe, naquele dia que me abraçou... aquilo mexeu comigo.” Ryan falou, mais baixo,
sem voltar seu olhar pra mim. Eu franzi o cenho e esperei que ele continuasse seu
raciocínio já que eu havia notado uma certa dificuldade em Ryan sobre falar de
sentimentos ou desabafos. “E, quero dizer, não foi algo romântico. Seu abraço me fez
perceber que, tirando o Daniel quando ele me pega de surpresa, eu não deixava ninguém
me abraçar ou me apoiar quando o assunto é minha pendência com o Windsor e percebi
que eu nunca me deixei ter desses amigos que se apóiam por causa dele. Eu nunca me
deixei viver direito por causa dessas pendências.”
“Você tá falando sério?” Questionei. “Digo, você estava em Washington, se formando
para ser do FBI e, de repente, me conta que um carinha qualquer como Carl Windsor te
fez perder uma vida inteira?”

“E sabe qual o melhor de pessoas como você? Elas não questionam.” Riu baixinho. “E
sim, eu estava em Washington, mas eu tive que voltar porque coisas aconteceram e eu
preciso resolver, só que eu percebi que sozinho e apenas com meus contatos eu não vou
conseguir resolver meu problema. Nunca fui muito disso, Weekes, mas eu preciso de
ajuda.”

“Por que eu?” Mordi o canto do lábio. “Tem tanta gente competente entre os seus
amigos. Não tem sentido me escolher.”

“Eu andei observando você, nesse tempo que estamos investigando juntos, Weekes.”
Falou, finalmente me olhando. “Você está sempre observando tudo, sempre atento a
tudo, você guarda sua curiosidade, não importa o quão pessoal esteja envolvido com o
caso. Você é o que tem menos a perder de todos aqueles. Vai me ajudar? Digo, depois
da proposta aceita, você não vai poder contar pra ninguém. Você vai entrar num
submundo que nenhum outro policial dessa cidade já conseguiu entrar.”

“Claro que eu quero.” Sorri fraco, sem emoção. “Só preciso que me diga exatamente no
que quer que eu ajude e principalmente que me dê o máximo de informações que você
puder. Eu o manterei informado sempre que puder.”

“Bom, eu vou até o meu limite, na realidade.” Suspirou. “Eu to confiando em você, algo
meu, que ninguém jamais teve acesso. Eu quero vingar o meu pai e antes disso quero
proteger minha mãe. Antes de tudo você tem que saber, mais ou menos, onde está
pisando, porque realmente não tem como voltar. Meus pais têm muitos inimigos e eu
ainda muito mais que ele por estar na polícia.”

“Eu não vou voltar atrás, não me importa o que eu ouça, Ross.” Falei, firme. “Pare de
enrolar.”
“Meu sobrenome não te lembra nada?” Perguntou, arqueando a sobrancelha. Eu tive uns
segundos dele para pensar, mas minha memória não me trouxe nada a mente, talvez
porque eu tivesse procurando por feitos relevantemente bons, mas antes que eu me
manifestasse. “Bom, eu não fui nascido e criado em Salt Lake City como você, Dallon,
eu vim para cá às pressas como na maioria das cidades que vivi. Eu fui embora daqui
porque meu pai me jurou que faria de mim um homem e que só depois que isso
acontecesse, eu poderia voltar para SLC e recomeçar a minha vida, já que eu gostava
<i>tanto</i> daqui. O caso que eu tenho pra você, se trata de duas gangues arqui-
inimigas que contrataram o serviços do mesmo homem,meu pai, para um serviço. Ele
tinha que matar dois homens em especi--”

“Espera um pouco, eu conheço essa história.” Falei com o cenho franzido. “Você é filho
do George Ross, um dos criminosos mais frios que essa cidade já viu? Um matador de
primeira que ficou quatro meses na cidade, mas que fez um estrago filho da puta e
deixou a cidade num caos terrível entre as duas maiores gangues? Eu me lembro do
caos que isso aqui ficou! Eu tava na patrulha ainda quando isso aconteceu. Tiro em
público e outro tiro sem vestígios. Seu pai é uma lenda!”

“Eu sei. Não me orgulho muito desse dia e muito menos desse título. O dia do
acontecido foi um dos piores da minha vida até hoje e olha que eu já vi muita coisa
nessa minha vida, Dallon.” Falou nostálgico. “Não tem um policial em SLC que não
queira pegar meu pai.”

“Eu sei!” Falei, com um pequeno sorriso. “E cadê ele?”

“Meu pai está a salvo.” Suspirou. “O caso é que eu quero que descubra quem está
ameaçando minha mãe que até pouco tempo achava que nossas viagens eram para que
meu pai tivesse outras mulheres. Eu quero minha mãe viva e sem medo, Dallon.”

“Você tem algum suspeito em mente?” Suspirei. “Como um pontapé inicial. Seu pai
tem muitos inimigos.”
“Eu só sei que eu rastreei o número da última ligação e veio de SLC.” Explicou. “Por
isso aceitei o primeiro caso que me trouxesse de volta pro lugar onde eu fui feliz,
mesmo que só tenha durado quatro meses.”

Confesso que fiquei com pena de Ryan. Eu não estava autorizado a falar nada do
que estava ouvindo a ninguém, mas eu tive vontade de contar tudo aquilo para o
Brendon, pra que ele percebesse que foi amado e quem era o pai de Ryan, mas eu não o
faria. Sempre achei que segredos de amigos devem ser revelados pelos próprios amigos.
A mim só cabe apoiar e tentar impedir que mais injustiças acontecessem. Coloquei
carinhosamente – e sem maldade – a mão sobre a perna de Ryan e sorri para ele, como
quem dissesse que o passado não fosse algo importante para mim naquele momento.

“Você vai me ajudar a descobrir quem está ameaçando minha mãe?” Perguntou
baixinho, colocando sua mão sobre a minha. Apertou-a carinhosamente, me fazendo
sorrir com o canto dos lábios. “Prometo que se conseguirmos eu levo seu nome
indicando ao FBI ou CIA, que ta?”

“Posso pedir algo em troca?” Falei baixo e ele apenas assentiu. “Se eu conseguir, indica
o doutor Crawford?”

“Por que ele?” Franziu o cenho. “Não quer ir pro FBI ou CIA?”

“Todo mundo tem seus segredos, Ryan. Todo mundo tem seus segredos.” Suspirei. “Só
peço que entenda meu pedido e prometa que indicará o Crawford. Ele tem mais faro
investigativo que muito policial que eu conheço.”

Apesar de ele parecer instigado a perguntar o motivo de eu ter citado o nome de


Crawford naquela conversa toda. Manteve-se em silêncio, sem perguntar absolutamente
nada. Talvez se visse obrigado a isso, graças a minha atitude de me manter calado
perante aos acontecimentos de minha casa. Embora eu tivesse todo o direito de
perguntar – porque nada me fazia sentido na cabeça – o silêncio parecia ser minha
melhor arma naquele momento. Ao menos enquanto eu pudesse preservar meu passado
com Ian Crawford.
“Bom, te peço que me mantenha informado.” Ryan falou.

“Hm, claro.” Sorri. “Quer combinar alguma coisa para esse nosso sumiço repentino?”

“A gente pode dizer que eu te chamei pra sair.” Suspirou. “Montar um teatrinho sobre
isso, aí a gente pode realmente se encontrar fora do ambiente de trabalho pra você me
passar todas as informações que eu precisar. É claro que eu vou te ajudar nas
investigações, mas eu tenho que manter o foco no caso dessa vítima que foi
carbonizada.”

“Isso vai dar o maior problema com o Brendon.” Falei sem reclamar, fazendo-o rir de
levinho. “Mas eu não vejo outra saída. Só que você vai ter que passar a ser carinhoso
comigo, hunf. O Crawford me conhece mais que qualquer um no mundo e se você não
for carinhoso comigo, ao menos na frente dele, nós vamos ter um sério problema e
teremos que envolvê-lo nisso. E, conhecendo-o como eu o conheço, ele vai nos
investigar e, acredite, Crawford não vai parar até colocar a sua vida em pratos limpos.”

“A minha vida apenas?” Ergueu a sobrancelha.

“Em oito anos, eu nunca escondi <i>nada</i> dele.” Encolhi os ombros. “Ele me
conhece bem demais para eu conseguir esconder algo dele. Crawford conhece minha
família, meus amigos, meus ex-namorados, meus pretendentes a namorados. Ele
conhece todos os meus segredos, minhas manias, minhas manhas. Não tem o que de
mim ele investigar...”

Ryan sorriu, como se com aquela minha fala houvesse compreendido o motivo
da minha indicação. Talvez porque eu tenha soado mais carinhoso que o necessário,
mais fofo do que me é permitido. Porque eu fico bobo falando daquele garoto de
cachinhos que eu adoro enrolar meu indicador. O sorriso de Ryan se mantinha
escondido ali, como se fosse um pecado aparecer mais que aquilo, como se fosse uma
afronta, como se me pedisse desculpas por aparecer.

“Me diz uma coisa...” Falei. “Me conta sobre o acordo, sobre seu acordo com Windsor.
Nesses últimos oito anos, esse cara vem sendo um problema para Urie e eu queria
entender pelo menos o porquê você destruir minha sala. E por que ele citou seu pai? Ele
sabe que você é filho do George, o matador?”

“Windsor é filho de um matador também...” Mordeu o canto do lábio. “Nos


conhecemos aqui num bar para matadores e criminosos. Nossos pais logo se tornaram
rivais, arqui-rivais, na verdade. Quando ele descobriu, ele me chantageou. Nunca
entendi de fato por qual motivo ele fez aquilo. Pra que raio ele me chantageou e eu fiz o
que ele queria. Cedi a chantagem e impus minha condição. Agora, segundo nosso
acordo, eu tenho direito de enfiar um tiro no meio da testa dele.”

“Você não acha que tem muito a perder, se o fizer?”

“O FBI não está comigo pelo meu faro investigativo, Dallon.” Riu baixinho. “Com
quinze anos, eu tinha a precisão de um atirador de elite da marinha americana e até hoje
eu tenho essa facilidade com armas, porque meu pai tem um arsenal de guerra em casa.
Eu conheço muito bem o lado obscuro do crime para que eles me percam por qualquer
bobagem minha assim. Você tem ética, meu caro, eu não tenho tanta.”

“Mas está pedindo a um policial certinho seguir os passos do seu pai.” Suspirei. “Não
faz o menor sentido na minha cabeça.”

“Eu quero que ache quem está ameaçando minha mãe, meu pai está longe e seguro,
Dallon.” Falou, meio na defensiva e eu decidi não falar mais nada sobre o assunto.
Houve suspiros dos dois lados e eu tinha a sensação clara de estar sendo observado com
uma atenção precisa, quase que com olhos de águia. Mesmo assim, mantive o silêncio.
“Novamente, desculpe pelo aparelho e pela parede que estraguei...”

“Quer falar sobre isso?” Comentei, após assentir. “Digo, aquele maldito persegue o
Brendon há anos, eu não sei por qual motivo ao certo ele faz isso, e você simplesmente,
num repente, atira dentro da minha casa como se fosse pra guardar um segredo de
alguém... Não faz sentido!”
“Espera, ele persegue o Brendon?” Ryan socou irritadinho o volante do carro. “Eu sei
que você é um policial do tipo certinho, mas acredite, eu vou matar Carl Windsor se eu
pegá-lo antes da polícia.”

“Ryan, você <i>é</i> a polícia agora.” Suspirei. “E por que tanto ódio assim?”

“Vou repetir pra você o que eu disse ao Brendon: as coisas que eu fiz movido pelos
meus sentimentos eu guardei só pra mim. Não deixei ninguém, por mais próximo a mim
que fosse, ficar sabendo que eu tinha esse lado sentimental aflorado.”

“Eu não pedi detalhes, eu pedi para entender o que aconteceu quando todo mundo
estava bêbado na minha casa, só isso. Por que eu tenho uma parede e um telefone com
um tiro? Por que a perseguição? Por quê?”

“Quem sabe se um dia você contar sobre o seu passado, Weekes, eu desvendo o meu.”
Falou, ligando o carro. “Vamos embora daqui. Ainda temos que passar no departamento
médico que o Jon recomendou para tomar o soro e ficar bem.”

Assenti. Foi o máximo que eu pude fazer naquele momento, embora achasse que
seria muito bom saber mais desse tal Carl Windsor por quem realmente o conhecia. O
caminho todo foi no mais absoluto silêncio. Chegava até dar um certo medo daquele
silêncio e por puro instinto comecei a cantarolar. Os cafés, a essa altura, deviam estar
completamente frios, mas eu os mantinha junto ao colo, como se segurasse algo
precioso ali.

Era óbvio que eu havia aceitado pegar o caso da mãe do Ryan por motivos muito
diferentes. Eu queria, na realidade, chegar a prender o pai dele, a final, todo criminoso
precisa pagar por seus crimes. Eu disse ao Ryan que ficaria longe disso, mas meus
instintos não me deixariam em paz. Embora eu quisesse falar alguma coisa naquele
momento, eu ainda conseguia sentir o pulsar da minha cabeça e nada estava muito
nivelado. Havia recebido informação demais para uma mente bêbada como a minha
suportar. Nunca mais misturaria tantas bebidas de uma só vez.
Um carro parecido com o de Crawford passou por nós. Percebi que Ryan não
deu importância, mas eu senti um aperto tremendo em meu peito, porque sabia que se
meu coração – que dizia que Crawford estava me seguindo – estivesse certo, eu teria
que contar a ele tudo o que eu ouvi. Teria que envolvê-lo e comprometer a segurança
dele. Investigar o submundo dos matadores profissionais é colocar tudo o que se ama
em risco. Não estava falando em risco de prisão, como seria se eu me metesse com o
caso que mais me assombrava, mas risco de morte, que não era somente para mim ou
para meus parentes, mas sim para a pessoa que mais amo, caso ela soubesse onde estou
me metendo.

Chegar à delegacia foi a parte mais difícil do meu dia, com certeza. Ter os olhos
de todos focados em meu carro, como se ele fosse ligar sozinho e fosse atropelá-los.
Saímos, Ryan e eu, e não sei muito bem o que fiz, mas tropecei em meus pés, caindo
completamente sobre os braços de Ryan. Sorri em agradecimento de forma natural e ele
retribuiu meu sorriso, rindo baixo em seguida de quão fraco para as tais bebidas eu
realmente era.

“Me ajuda a ir pro departamento médico?” Falei, vendo que eu não chegaria sozinho e
ele apenas assentiu.

“Acha que todo mundo tá caindo nessa história de eu estar interessado em você?”
Ergueu a sobrancelha por cima dos óculos escuros e eu encolhi meus ombros, como
quem dissesse que não faz a menor idéia. E eu realmente não fazia.

Quando Ryan me deixou no departamento médico, se a porta não fosse de vidro,


Ian teria passado reto por mim e me ignorado – como aquelas coisas que garotas fazem
quando estão de TPM e falam “vamos discutir isso em casa” – mas ao perceber que não
tinha saída, ele veio me atender. O silêncio entre a gente era quase mortal, quase
irreversível, exceto que eu tentei começar a cantar enquanto o observava aplicar o soro
com suporte – porque ele sabia que eu queria arrastar aquele suporte até minha sala e
voltar a investigar o mais rápido possível.

“Nem começa.” Falou. “Música não vai salvar você dessa vez.”
“Do que você tá falando?” Ergui a sobrancelha.

“Por Deus, Weekes, você não é idiota.” Suspirou. “O que você foi fazer, bêbado, com o
Ross no lago?”

“Conversar...?” Falei, abaixando o olhar. “Digo, Ian, eu não quero te envolver nisso.
Nem posso fazê-lo de fato. E dessa vez nem estou falando das minhas suspeitas sobre
Carl Windsor, eu preciso que confie em meus julgamentos mais do que eu nunca
precisei.”

“Eu vi o jeito que você olhava pra ele, Dallon.” Suspirei baixinho, seguido do médico,
que estava sentado na maca ao meu lado. Apoiei minha cabeça em seu colo. “Eu vi o
jeito que ele te olhava, como se soubesse todos os mistérios que esses seus olhos azuis
escondem. Como se <i>ele</i> conseguisse conviver com essa sua maldita super-
proteção que eu não consigo. É como se ele te aceitasse como você é e eu não.”

“Eu não estou saindo com ele, se isso te consola.” Disse, dando um beijinho sem
maldade no abdome dele. “Eu não fiquei com ele, não o toquei sem ser como um bom
amigo e mantive minha ética acima de tudo, como eu sempre faço, Ian. Você me
conhece o suficiente para saber se eu estou mentindo pra você.”

“Eu sei.” Suspirou e eu notei que ele estava arrepiado. “Brendon tá preocupado com
essa aproximação repentina. Ele me disse que tem certeza que você e o Ryan transaram
ontem, porque... Bem, ele é o Ryan Ross e ninguém escapa do Ryan que ele conheceu.
Eu já ouvi falar do Ryan. Ele é... promíscuo.”

“Ian...” Com a mão livre, segurei seu rosto. “Eu to na coleira e você sabe disso. Confia
em mim, eu não estive com o Ryan ontem a noite. Eu to me envolvendo com o Ryan
assim, em algo tão perigoso, por você. Pela promessa que fiz aos seus pais.”

“Você tem que parar com essas promessas terríveis, sabia?” Suspirou. “Você só vive
para elas.”
“Eles disseram que eu estraguei seus sonhos, Ian.” Confessei baixinho. “Já que eu fiz
isso a troco de nada, eu tenho que tentar resolver a situação da forma que eu posso,
compreende?”

“Eu era uma criança quando começamos, Dallon.” Acariciou meus cabelos, doce, e eu
fechei meus olhos. Estava com saudades daquilo e apavorado ao mesmo tempo, porque
eu sabia que havia perdido o que tanto me fazia bem. “Você só trouxe sentido à minha
vida com o kep, uma viatura e o lago.”

“Te levei no pôr-do-sol do lago, né?” Ri baixinho, falando meio arrastado, meio bobo.
“Espera, eu estou te ouvindo numa crise de ciúmes, é isso?” Me atrevi a dar outro
beijinho sem maldade nele. Crawford por sua vez me deu um puxão repreensivo nos
cabelos e sorriu logo em seguida. Ele estava mesmo com ciúmes. “Você é maravilhoso,
sabia?”

“E você devia ouvir a mim e ao B e não se envolver com esse Ryan da forma que está se
envolvendo.” Suspirou. “Por que, olha, nem dar as caras aqui pra ficar ao seu lado na
ressaca, ele apareceu. Ross é promiscuo e você vai se machucar com isso e eu sou
egoísta e chato. Quando você mudar por mim, não quero você chorando por outro cara e
eu ali, servindo de coadjuvante só pra secar suas lágrimas e consertar tudo o que ele fez
pra você.”

“Eu não estou apaixonado por ele, Een. Confia em mim.” Falei baixinho. “Por favor,
meu ciumento favorito. Confia em mim. Pode parecer um caso, pode parecer tudo, mas
Ryan e eu somos grandes amigos e mais nada. Eu ofereci minha ajuda, ele aceitou e
pronto. É só essa minha relação com ele.”

“Ciumento é a senhora sua avó e com todo o respeito que ela merece.” Torceu os lábios.
“Eu não vou recriminar você se tentar ir com a vida adiante, sem esperar, por alguém
que consiga suportar todas as suas manias e esse seu jeito workaholic, Dallon, e, por
mais contraditório que seja, eu vou estar aqui pra quando se ferir, mas pelo menos pensa
um pouquinho no que eu tô te falando, poxa. Na escola, Ryan era o cara que todas as
meninas queriam estar perto porque ele era estiloso e marrentinho. Os meninos eram
doidos para ir pra cama com ele uma vez e ele proporcionava isso a eles com
freqüência. E diziam, todos eles, que uma vez ter passado a noite com Ryan, você não
queria outro cara, só que ele também não te queria mais. Nunca mais. Eu vi muitos
rastejarem por ele de longe e não quero você nessa situação.”

“E você não deveria desconfiar, nem por um minuto, que eu ainda estou esperando
você. Que eu não to seguindo com a minha vida como está me dizendo. Eu to na coleira,
meu querido, e na outra ponta dela, segurando minha guia, está você.” Falei, dando um
beijinho em seu rosto após levantar. “Eu tenho coisas pra fazer agora. Tem uma reunião
daqui uns minutos sobre o caso.”

“Eu sei. Eu que vou apresentar os dados.” Encolheu os ombros. “Bom, você segue sua
cabeça, querido, eu só quero seu melhor.”

Assenti fraquinho, meio sem vontade. Levantei da cadeira que me sentava e


comecei a arrastar o suporte com o soro glicosado. Não era muito legal arrastar por aí
um suporte metálico para soro, mas era o único jeito de conseguir trabalhar e hoje eu
realmente precisava trabalhar, mesmo que com uma ressaca em processo de cura.

As palavras de Ian ficaram na minha mente, enquanto eu andava pelos


corredores da delegacia. Eu sabia muito bem que ele me seguiria, que ele me vigiaria.
Que cada passo que eu desse – mesmo que pequeno – ele estaria por perto se eu caísse
em alguma cilada, mas talvez um dia ele fosse capaz de entender que eu jamais deixaria
de me envolver em algo sério se no final, minha recompensa, for a felicidade dele.
Quem sabe um dia eu diga tudo o que está entalado em minha garganta e quem sabe
assim ele aprenderia de uma vez por todas que nada que fiz por amor a ele foi vão.
Amar Ian Crawford nunca foi vão.

Percebendo uma agitação no final do corredor, apressei meus passos causando


um barulho mais alto no piso encerado. Aquilo me irritou, mas meu foco era a pequena
briga vinda da sala ao final daquele corredor. Suspirei quando percebi que Spencer tinha
as duas mãos envoltas na cintura de Hayley enquanto Zac segurava Josh com
camaradagem, já que este não se mexia. Não dava um passo a frente ou para trás.
Suspirei e fiquei apenas escutando.
“Por que você está fazendo isso comigo, seu desgraçado?” Hayley falou, enquanto
tentava se livrar dos braços de Spencer, que se mantinha firme. Zac estava em silêncio,
que chegava a ser difícil de acreditar que alguém poderia estar naquela calmaria toda no
meio de uma tempestade.

“Você está tentando substituir minha figura masculina de pai por nossos amigos, não é
justo, Hayley.” Respondeu o garoto, encolhendo os ombros. “Ela é minha filha tanto
quanto sua.”

“Agora ela é sua filha, Joshua. Só agora, né?” Hay dizia em um ranger de dentes. “Sarah
está bem onde ela está, detetive. Você decidiu que não queria essa criança quando eu
engravidei, agora quer ser um pai presente. É claro que eu te substituí, seu idiota.”

De alguma forma que eu não percebi, Hayley soltou-se dos braços de Spencer e
deu uma bofetada na cara de Joshua. Pendi a cabeça para o lado, curioso, enquanto
esperava a reação de Joshua que parecia inerte e frustrado. A frustração estava ali,
preenchia seus olhos e seu ser que sequer fazia os lábios do garoto se mover em uma
defesa sensata. Hayley, então, continuou:

“Se você é mesmo pai, onde você esteve esse tempo todo, hein? Não me ajudou com
uma dorzinha de cabeça, não acordou de noite pra brincar com ela. Se eu coloquei o
Brendon e o Dallon no seu posto, foi porque eles estiveram do meu lado nesse
momento, Joshua, e você não. Nem registrar a criança você quis! Agora que ela já está
crescida e adorável, você vem com esse reconhecimento de paternidade pra cima de
mim... Ela não é mais que seu espermatozóide, porque pai é o que está ao lado da
criança quando ela mais precisa. Nas pequenas vitórias.”

“Só estou lutando pelo direito de passar os fins de semana com a minha filha, Hayley.
Não vou te tomar a guarda dela nessa ação. Leia bem as coisas antes de me acusar. Não
estive presente quando ela chamou <i>nossos amigos</i> de papai, não estive presente
na primeira febre, mas fui eu quem te levou pro hospital, eu fui o cara que deu todo o
enxoval dela, eu faço todas as festinhas de aniversário da minha filha.” Falou em sua
defesa, suspirando. “Eu não to pedindo a guarda dela porque, bem, olha pra mim, eu
ainda não tenho sequer onde morar. Moro com meu irmão, mas eu to pedindo pra ela
passar o final de semana lá em casa. Só. Isso.”

“Josh, já chega.” Girou os olhos. “Eu não vou deixar você ficar sozinho com a minha
filha um fim de semana inteiro. Não vou. Eu gosto pra caramba do Zac, mas não vou
ceder meu único tempo com ela pra você brincar de casinha com a minha filha.”

“Nossa filha, Hayley.” Cruzou os braços, suspirando baixinho. “É meu DNA correndo
nas veias dela, não se esqueça disso. Já não dá mais pra fugir.”

“Mas você queria que eu abortasse a garota, Josh.” Ela repetiu pela milésima vez.
“Você queria que eu a matasse e com isso você matou qualquer chance de ser pai da
minha filha com o <i>Brendon</i>. Brendon e Dallon são mais pais do que você.”

“Eu tô arrependido, poxa...” Joshua tentou um pouco de manha, formando um bico


bobo em seus lábios róseos que eu percebi – e eu estava relativamente longe – que ela
ficou bastante atraída por aqueles lábios róseos. Eu dei uma pequena risada sem ruído,
porque eu tomara o partido de Hayley na briga toda. Porque eu amava Sarah como
minha filha, mas conhecia meu lugar de – como diz a Sarah – melhor amigo adulto.

“Brigar na justiça pra me tomar a razão da minha vida, Farro, não é a melhor das formas
de demonstrar seu arrependimento.”

“Eu já disse que eu estou tentando os finais de semana, não para te tomar a criança,
Williams, mas que porcaria!” Falou, girando os olhos mais uma vez. “Eu quero ser mais
presente pra ela, quero estar com ela em todos os momentos. É meu direito! Você não
sabe as coisas que eu passei e concluiu <i>sozinha</i> que era pra você tirar a menina!
Eu nunca disse isso.”

“Perdeu esse <i>tal direito</i> quando me apunhalou pelas costas.” Falou Hayley.
“Pára de tentar ser o senhor da verdade, Farro, quem sabe assim você entenda o mal que
está me fazendo.”
Hayley Williams passou por mim como um foguete e Spencer foi atrás dela.
Segurei-o pelo braço e recomendei que ele a levasse para tomar água com açúcar ou
algum calmante. O agente assentiu e eu vi Zac consolando o irmão que parecia ainda
mais frustrado ao olhar fixamente Hayley escapar por entre seus dedos, mais uma vez.

“Zac, me faz um favor?” Suspirei e ele assentiu. “Prorrogue em quinze minutos o


horário da reunião para que os ânimos aqui melhorem. Eu quero conversar um
pouquinho com seu irmão sobre o que acabou de acontecer. Sei que vocês são
confidentes, mas eu quero conversar a sós com ele mesmo assim.”

“Vê se coloca um pouco de juízo na cabeça dele, por mim.” Zac bagunçou os cabelos do
irmão que esboçou um sorriso fraco. Zac saiu daquela pequena salinha e me deixou
olhando direto para Joshua que, de repente, conseguiu um nível de preocupação nos
olhos, como se eu fosse matá-lo pelo que ele estava tentando fazer. “Quer sentar?”

“Não seria má idéia...” Falou, tomando acento. Arrastei o suporte de soro até uma
cadeira que estava perto da que ele ocupava e sorri fraco. “O que quer, Dallon?”

“Que reflita no que está fazendo.” Suspirei. “Eu sei que você está procurando através da
justiça chamar a atenção da Hayley novamente. Vejo frustração nos seus olhos, porque
ela tem um instinto materno muito forte desde a adolescência, mas sei que você está
fazendo um esforço sobre-humano para brigar com ela o tempo todo.”

“É, você percebeu o que ninguém mais notou.” Josh se ajeitou na cadeira. “E também
porque realmente quero a Sarah como filha. Ela me chama de papai, ela sabe quem eu
sou de verdade, Weekes, isso não é justo comigo. Eu tive motivos muito fortes para
deixá-las da forma que o fiz.”

“Você sabe que pode ir lá em casa vê-las quando quiser, não é?” Sorri para Joshua.
“Aparecer lá como quem não quer nada e tomar uma cerveja comigo. Eu amo sua filha
como se fosse o pai dela, mas, como a própria Sarah diz, eu sou o melhor amigo adulto.
“Papai” são só o Brendon e o Joshua. Eu não to aqui pra substituir sua presença, Josh,
nem sequer a própria Sarah aceita isso. Sua filha é adorável, mas quando não aceita
alguma coisa, a personalidade é forte como a da mãe.”
“E linda, como a mãe...” Sorriu, me fazendo concordar com a cabeça. “Aonde você quer
chegar, Dallon? Ainda não consegui entender.”

“Acima de ser seu sub-chefe, nós dois somos amigos. Como eu sou amigo da Hayley e
do Brendon. Acima de tudo isso, eu percebo seu esforço pra voltar a estar com a sua
Hayley. Que numa dessas conversas sobre o quanto a Sarah importa pra vocês dois e até
mesmo essa briga terrível por paternidade é só uma tentativa de que a Hay te note e
volte a te olhar com bons olhos.” Josh apenas assentiu, como se me incentivasse a
prosseguir. “Eu sou a pior pessoa para te dar esse tipo de conselho, porque como você,
eu não sei mais o que fazer para reconquistar uma pessoa, mas eu posso te garantir que
usar a Sarah dessa forma só vai causar dor na Hayley. Eu acho que ela ainda o ama, eu
estava bêbado demais no halloween, mas eu percebi que ela ainda te ama e se eu estiver
– mesmo – certo, por que você não tenta de outra forma?”

“Outra forma?” Franziu o cenho. “Estou aceitando sugestões.”

“Use a Sarah para levá-la para jantar. Leve-a ao pôr-do-sol no lago, para conversar
sobre o futuro da Sarah. Não bata de frente com ela. Acho que se ela se apaixonou por
você uma vez, ela poderia se apaixonar uma segunda. Não acha?” Sorri de leve. “Eu sou
totalmente a favor da Hayley na última discussão, você não esteve tão presente na vida
delas quanto você pensa, mas eu sou do tipo que acredita que quando há amor, tudo
pode acontecer.”

“E por que é que você ainda não reconquistou a pessoa que me disse?” Suspirou.

“Porque essa pessoa quer de mim o que eu não consigo mudar.” Encolhi os ombros.
“Ela quer de mim que eu mude meu modo de trabalhar quase que vinte e quatro horas
sem parar, que eu não me arrisque tanto no trabalho e, ela quer de mim, que eu pare de
protegê-la acima de tudo. Que eu pare de preservar seu nome entre meus amigos, entre
meus inimigos, entre meus familiares, enquanto eu acho que tenho que consertar a vida
dessa pessoa, porque eu a estraguei todo o seu futuro brilhante e não posso,
simplesmente, não preservá-la de tudo isso aqui, mesmo ela sendo parte integrante da
polícia.”
“Isso não faz o menor sentido...” Josh riu, encolhendo os ombros. “Você me diz que tem
tudo para estar com quem ama, mas não está por que... não quer mudar uma convicção
que não tem o menor cabimento?”

“Eu disse que era a pior pessoa do mundo pra te aconselhar nesse momento.” Ri com
ele. “Eu só não me perdoaria se alguns de meus inimigos se vingassem nessa pessoa só
para me fazer mal. Todo mundo que me conhece sabe que se tocar em quem amo, na
minha vida pessoal, nos meus amigos, eu viro fera.”

“Eu sou igual.” Sorriu. “Mal de policial, talvez.”

Assenti. Joshua me ajudou com o soro, depois de um tempinho que ficamos em


silêncio. Ele ajudou para que enquanto eu arrastasse aquele suporte de metal, não
rangesse tanto e não causasse irritação a mim, a ele e aos demais daquele lugar. Ou
Ryan e eu havíamos demorado tempo demais no lago, ou as pessoas não estavam tão
bêbadas quanto eu pensava estar. A segunda opção me atraía mais. Meu coração estava
relativamente mais tranqüilo com a conversa que tive com Josh, porque sabia que logo-
logo o rumo da vida de Hayley mudaria e um sorriso de plenitude estaria estampado em
sua face. Porque, bem, ela merece.

Quando os olhares de Josh e Hayley se cruzaram na reunião, eu tive um certo


medo do que aconteceria. Conduzi Josh por uma ponta remota da mesa e me sentei de
frente pra Ryan que sorriu imediatamente com meu ato, embora sua atenção estivesse
voltada completamente para Brendon Urie que estava na ponta da mesa, com o cigarro
aceso, soltando fumaça por todos os lados. Fato é que ele me preocupara um bocado,
porque B só fumava quando estava muito nervoso ou quando estava completamente
angustiado. Era meu amigo e fumar do jeito que ele estava fazendo não era bom pra sua
saúde. Spencer, por sua vez, estava ao lado de Ryan, confortavelmente ajeitado em uma
posição sóbria, observando tudo com cuidado, como quem tivesse que fazer alguma
coisa a respeito dos policiais presentes e ao seu lado, Hayley abria o seu laptop com
cuidado e carinho. Joshua estava ao meu lado e de frente para Spencer, enquanto Zac
sentava-se ao lado do irmão.
Percebi então que os olhos preocupados de Ryan estavam divididos entre os
lábios de Brendon e os olhos do mesmo. Acabei sorrindo pra mim, porque no final das
contas eu não era o único com problemas amorosos naquele lugar. Vendo Ryan com
aqueles olhos fixos na fumaça expelida, como se tivesse saudade de lá, decidi sacanear
um pouco com ele pelo celular e quebrar um pouco do clima ruim daquele lugar:
<i>”Acho melhor você olhar assim pra mim, gracinha, ou ninguém vai acreditar de fato
que está interessado em mim.”</i> como resposta, obtive um sorriso divertido e um
sincero “vai se foder” pelo celular. Acho que ele quis me dizer que a cena não o deixava
nostálgico, mas eu já havia notado que era mentira. E rimos baixo um do outro.

“Vamos começar e acabar com isso logo de uma vez.” Spencer disse.

“Bom, eu mandei para análise o último bilhete que o homem mandou, mas como eu
previ, ele foi cuidadoso o suficiente.” Zachary começou falando, posicionando-o
melhor. “Ele não assume a autoria dos corpos encontrados e também não nos deixa
muita pista. Ele usou um computador para escrever, usando fonte times new roman e fez
a impressão em qualquer lanhouse. Não há grafia própria ou impressão digital no bilhete
ou no envelope que sejam estranhas, apenas as do motoboy que colaborou demais com a
gente.”

“Filho de uma cadela!” Brendon falou, meio irritadinho. “O que mais temos?”

“Ainda não podemos interligar de forma concreta nosso principal suspeito, mr.
Windsor, aos crimes cometidos aos bilhetes. Tentei procurar uma atualização recente na
ficha dele, mas o desgraçado é muito bom.” Falou Hayley. “Existe uma ficha grande
contra ele, mas nenhum julgamento ou prisão do homem.”

“Qual é o motivo par interligar mr. Windsor a esse caso?” Perguntei, curioso. “Todo
mundo aqui sabe que ele tem uma espécie de passado com o detetive Urie, mas não há
porque tentar interligar o caso em questão – as mulheres mortas e queimadas – ao
homem que tem rixa com o Urie.”

“Não mexe nessa história, Weekes!” Brendon falou. “Meu passado é só meu e claro que
eu tenho minhas razões para crer que ele é o bandido culpado pelos assassinatos e pelo
bilhete. Nós tentamos, detetive Williams e eu, tentamos protegê-lo de se meter com Carl
Windsor, compreenda. Ele é um homem perigoso.”

“Isso é ridículo!” Bati a mão na mesa. “Eu não sou do tipo de policial que vai passar a
mão na cabeça de todos vocês só porque não querem contar para mim ou para essa mesa
o que aconteceu, porque querem me proteger do passado de alguém. Sei que feridas de
passado são dolorosas, todo mundo tem as suas, mas a partir do momento que elas se
fundem com um caso policial, vocês perdem o direito a passado e proteger policial é
ridículo. Quando todos aqui estavam no colégio, eu já estava na porcaria da polícia
servindo e prendendo marginal no meio da rua. Eu sou treinado para isso, treinado para
prender bandido que dê problemas para sociedade. Isso aqui é uma divisão de crimes
hediondos e não há nada que ligue o senhor Windsor a isso aqui. Só porque ele foi um
cretino na adolescência, só porque ele persegue o detetive Urie, não quer dizer que ele
seja mais perigoso que um sociopata qualquer desses que já lidamos.”

“Você sabe que esse bilhete em questão ameaça Sarah Urie, certo?” Perguntou Zac.
“Todos nós aqui temos algum envolvimento com a criança e a maioria de nós motivos
para suspeitar do mr. Windsor, certo?”

“E os senhores acham <i>realmente</i> que um policial como Urie, como vocês só vão
ter um inimigo? Só eu tenho pelo menos uns cem! Tudo porque eu tento combater o
crime da melhor forma possível.” Encolhi os ombros. “O ponto maior é que estamos
desviando as investigações para um rumo egoísta porque achamos que só existe um
homem no mundo que está fazendo tudo.”

“Weekes, eles estão certos em te proteger.” Ryan falou. “Eu conheço Carl desde os
dezesseis anos e, pode acreditar, eu sei muito bem do que ele é capaz, embora concorde
com você sobre não termos nada de concreto para desviar as investigações como se ele
fosse nosso alvo principal. Concordo também sobre inimigos, pode mesmo ter sido
qualquer um nesse bilhete.”

“Um sensato, ao menos.” Suspirei. “Não estou defendendo o Windsor ou querendo


entender os problemas pessoais de vocês, só não acho justo fazer uma manobra como
essa só porque o tal do Carl é perigoso.”
Depois de minha fala, todos os olhos estavam voltados pra mim, como se me
perguntassem se porque eu acabei explodindo com aquilo. Eu sabia muito bem que
Windsor era perigoso, eu havia pegado a ficha dele, as ordens judiciais que eu mesmo
dei um jeitinho aqui ou acolá para Brendon ficar seguro. Eu o estava investigando por
causa da minha própria pesquisa, de um caso que me assombrava mais que qualquer
outra coisa no mundo, mas se eu contasse que estava remexendo naquilo naquele
momento, eu seria um homem morto.

“Que se dane.” Spencer disse, levantando-se da mesa. “Dallon tem razão, não temos o
direito de acusar sem provas. Nós não temos um suspeito de fato, porque sequer há uma
ligação do suposto suspeito com os corpos e com o tal bilhete. Estamos excluindo três
policiais talentosos das investigações por causa de nosso passado. Isso não é justo e
muito menos aceitável. Basicamente o que eu tenho para dizer é que o Windsor é um
perseguidor, que vem incomodando o Brendon por oito longos anos. Ele quis ser o
Ryan quando estávamos na escola, mas de algum modo ele fracassou feio. É isso.”

“Okay, todo esse circo ridículo por uma história que não tem cabimento vocês nos
protegerem de um suposto bandido perigoso.” Joshua se manifestou. “Isso não tem
perfil nenhum de ameaçar crianças indefesas. É só um pobre coitado que não sabe amar
e, por Deus, eu já vi muito piores por aí. Ameaças de crimes passionais não são parte de
nossa alçada, a não ser que ele já esteja cometido e seja bem cruel.”

“Touché.” Falei girando os olhos. “Eu venho com uma bagagem bem extensa de polícia.
Eu já vi bandido de verdade explodir essa cidade e sobrevivi. Eu consigo sobreviver a
esse criminoso.”

“Nunca subestime um ser humano, Weekes.” Spencer murmurou.

“Nós desviamos o foco.” Zachary disse. “O bilhete não é o assunto central dessa
reunião. Temos muito o que confrontar em questão de depoimentos e provas técnicas. O
bilhete é um caso isolado, não é do mesmo cara. O que temos que fazer quanto a
ameaça que Sarah sofreu é protegê-la ao máximo do máximo que pudermos. Nós juntos
podemos evitar que a ameaça se cumpra, agora vamos ao caso, por favor.”
Foi exatamente nessa hora que bateram em nossa porta e devagar entraram. Era
Ian Crawford, carregando as pastas que continha cópias dos laudos médicos. Confesso
que até a postura relaxada que estava antes foi corrigida quando o vi romper a porta e
não contive o sorriso bobo, porém pequeno, no canto dos lábios.

“Me desculpem o atraso. Tive alguns problemas no departamento médico antes de vir
para cá.” Eu apenas assenti sorrindo enquanto sentia os olhos de Ryan em mim. Acho
que ele percebeu que estava na hora de vingar a mensagem que eu havia mandado antes
e então me mandou uma mensagem “<i>Espero que esse seu sorriso bobo seja pra mim,
ou então eu vou ficar com muito ciuminho</i>.” A mensagem me fez rir, mas logo
depois me abriu os olhos. Se Ryan tinha percebido meu sentimento, qualquer um deles
também pode e isso seria problema. “Eu trouxe cópias dos laudos da perícia técnica de
todas as vítimas queimadas para lhes comentar.”

“Cadê o doutor Walker? Ele não deveria supervisionar seu desempenho?” Falou Urie.

“Sim, detetive, ele deveria.” Suspirou, enquanto distribuía as pastas. “Mas o doutor
Walker foi convocado em uma cena de crime, mas logo volta. Ele me mandou pra cá
sem supervisão, porque ele realmente teve que correr para ajudar.”

Ian atenciosamente distribuiu toda a papelada que carregava. Eu olhei-o


detalhadamente, o que ele vestia e como o jaleco branco contrastava muito bem com a
cor de sua pele; o cabelo penteado da melhor forma que ficasse sóbrio; o modo como
ele andava e até mesmo o sorriso nervoso. Olhei-o como se eu não tivesse que escondê-
lo dos outros, mas tudo bem. Eu preferia assim em um momento como esse. Brendon
arrastou a cadeira perto de mim e finalmente sossegou. Até aquele momento, ele andava
de um lado a outro. Agora pelo menos havia se sentado ao meu lado. Tombou a cabeça
possessivamente em meu ombro e Ian parecia estar apavorado por ter que explicar um
laudo sozinho, sem Jon pra interferir se ele errasse. Os olhos de Crawford voltaram-se
para mim, como quem procura apoio e ao mesmo tempo, uma invejinha boba daquele
que tinha a cabeça posta em meu ombro (essa parte aqui, é mais como uma suposição
minha, a realidade é que eu acho que ele estava mais preocupado com o laudo que com
Brendon e sua cabeça tombada em meu ombro). Eu queria abraçá-lo forte para acalmá-
lo, mas ao contrário, lhe apoiava com os olhos.

“Bom, vamos começar pela Lilan Bittencourt.” Ian disse, enquanto todos abriam as
pastas. “Infelizmente, o corpo não tinha muito a nos dizer. O assassino soube muito bem
apagar as provas que o corpo poderia deixar.”

“Sabe me dizer se há algum sinal de violência sexual?” Josh perguntou e meu querido
ergueu os ombros de forma doce.

“Não posso afirmar.” Suspirou. “Como eu te disse, detetive, o corpo não tinha muito a
contar, como todos os outros. Pelo estado de combustão do corpo, eu acredito que a
vitima foi embebedada numa substância inflamável – como álcool de cozinha ou
gasolina – e envolta em uma capa deita em borracha. O rosto que eu fiz com ajuda de
alguns programas de computação e com ajuda de Hayley, segundo o molde do rosto de
Vanessa, ajudou a termos toda a certeza do mundo de quem se tratava.”

“Mas você acredita que ela tenha sido enrolada a essa capa de borracha quando ela
ainda estava viva, doutor Wee--Crawford?” Falei meio atrapalhado, recebendo um olhar
repreensivo de Ian que logo assentiu quando eu abaixei a cabeça. Não sei se alguém
havia notado minha confusão, porque a reunião não parou para virar um interrogatório
do motivo que eu quase troquei os sobrenomes.

“Ela ainda estava viva.” Respondeu Crawford, sem realmente olhar para mim. “Eu fiz
os testes que pude para descobrir mais coisas, mas infelizmente corpos carbonizados
não dão muitas dicas de seus assassinos.”

“Merda!” Suspirou Joshua. “Obrigado, doutor Crawford. Vamos ver o que conseguimos
por aqui. A vítima era de Washington e estava passando as férias com a típica família
mórmon de Downtown.”

“A típica história da garota que não tinha inimigos, mas que é cruelmente assassinada.”
Ryan encolheu os ombros e eu ri baixo, percebendo a insatisfação do homem ao meu
lado, parei as risadas e aos poucos, os demais foram parando. Ryan não havia feito uma
brincadeira, mas sim uma ironia, daqueles tipos que o veneno consegue escorrer do lado
de fora da boca, mas a gente – polícia – está tão acostumada com esse tipo de gente sem
inimigos que se torna cômico. “Bem, temos um padrão que fez desse cara um assassino
serial, certo?”

“A típica garota sem inimigos que é assassinada?” Hayley falou, sem agüentar a risada,
erguendo a sobrancelha. “Digo, hm, um padrão seqüencial de morte...”

“Todos os corpos que eu analisei junto com o doutor Jon, tinham a mesma espécie de
capa de borracha envolvendo a vitima, ela estava dopada e viva quando o fogo foi
ateado.” Ian sentou-se e suspirou. “Esse é o padrão nos corpos.”

“As cenas do crime primárias nunca foram encontradas.” Disse Brendon. “As
secundárias sempre ficam em pontos afastados da cidade. Geralmente cuidadosamente
limpa por nosso assassino que entende pelo menos um pouco de perícia forense.”

“Ou simplesmente é um matador de aluguel, ou parente de um ou de alguém como


traficantes de armas ou drogas.” Ryan suspirou. “Pra quem estava querendo um motivo
para incriminar o Carl Windsor, acho que encontrei um. Matadores profissionais são
treinados para limpar seus vestígios ou deixar o mínimo possível. Obrigatoriamente tem
que estar por dentro das melhores técnicas forense para escapar ileso.”

“Sério?” Spencer franziu o cenho. “O Carl é mesmo filho de quem eu estou pensando
que ele é? Quero dizer, Ryan, dá pra matar dois coelhos com uma cajadada só e...”
Spencer encerrou a frase exatamente nesse ponto, porque continuaria a pergunta do
motivo de ele ter sido envolvido com Carl e isso geraria um novo desvio de assunto.

“Sim, Spencer. Ele é filho exatamente do homem que você está pensando.” Assentiu.
“Acha capaz de conseguir um mandato com o que dissemos aqui?”

“Claro que não.” Falei. “Os Windsor são uma família de matadores, traficantes e
bandidos, mas são bons o suficiente para manipular provas e eu não tenho nenhuma
evidência concreta. Mas, quem analisou a bolsa dela, não tem nada ali que ligue-a a
Carl, mesmo que seja por um momento?”
“Ahn, não... Tem alguns números de telefone numa agenda sem nomeação. Pedi para
que rastreassem, mas são números de taxistas ou desses faz-tudo. Nenhum com real
ligação com o caso e, o principal, todos de Washington.” Zac disse, gesticulando com as
mãos.

Meus olhos se voltaram para o lado de fora da sala e pela porta de vidro, percebi
uma agitação atípica. Pensei ser uma ocorrência e disse que iria ver o que estava
acontecendo ao pedir licença da reunião. Junto a mim, Joshua decidiu sair também,
como se seu instinto policial falasse mais alto. Fomos direto a minha sala, mas não tinha
ninguém lá, o que me era bem estranho, na realidade, porque era para lá que se
mandavam as pessoas que registravam novas ocorrências.

Por mais feminino que possa soar, meu coração palpitava feito bumbo de bateria
de rock e eu sequer havia corrido. Talvez eu tivesse absorvido por osmose toda a
agitação que estava naquele lugar ou o meu instinto estava mesmo querendo me colocar
doido, mas Ian me enviou uma mensagem, que eu deveria ir correndo ao centro médico,
que Jon estava precisando de mim lá. Joshua e eu fomos ver o que estava acontecendo e
eu acabei me deparando com uma cena que nunca mais pensei que fosse viver
novamente.

“Detive Weekes!” Exclamou o senhor de quarenta anos, por nome de Johnson. Sorri de
forma fraca, porém sincera o suficiente, abraçando-o de forma inocente.

“Detetive Johnson, que prazer em revê-lo.” Falei, soltando-o aos poucos. “Esse jovem
aqui é parte da equipe em que sou sub-chefe, detetive Joshua Farro.”

“Olá, detetive.” Sorriu fraco também. “Posso ser indiscreto e perguntar o que faz aqui?”

“Aconteceu de novo, Weekes.” Falou, enquanto nós três nos sentávamos, num daqueles
bancos desconfortáveis do departamento médico. De tantas as situações que eu havia
passado ao lado do detetive Johnson enquanto ele me supervisionava na patrulha, eu
nunca poderia imaginar que justo essa havia voltado a se repetir. Existem coisas na vida
de um policial que nada é capaz de apagar, nem mesmo o melhor dos remédios para dor,
conhecido como tempo. “Eu estava na loja de conveniência que vende aquelas
rosquinhas incríveis que nós partilhávamos. Aquela mesma loja de conveniência que
fica fora da cidade, mas que não tem igual. A loja que eu te mandei há exatos oito anos
e nos deparamos com a cena mais depressiva de nossas carreiras.”

“Eu me lembro da loja, detetive.” Eu sorri fraco, meio nostálgico. “...e da cena,
também.”

“Eu desci da viatura, como um policial normal. Tomei cuidado com a postura, como eu
disse pra você que policiais andavam e eu tive o ímpeto de olhar para aquela estrada
imensa e vi uma figurinha. Um menino que não tem sequer um metro e vinte, andando
em passos cambaleantes, meio que se obrigado a ficar de pé. Ele estava sem camisa,
mas abraçava o próprio corpo com um dos braços, como se estivesse com vergonha de
estar nu. No outro bracinho, que ele andava como se este fosse um peso morto, parecia
sair um misto de sangue com suor ou alguma coisa a mais e sobre meus pés, o menino
caiu desmaiado sem me contar o que havia acontecido.”

Foi exatamente nessa hora que eu tive uma carga emocional nostálgica quase
que sem tamanho. Não foi a uma nostalgia boa, mas sim algo bastante ruim, que me fez
apertar as mãos umas nas outras tentando conter a raiva. Eu me lembrei da cena em que,
enquanto eu fazia os primeiros socorros, o detetive Johnson pedia reforço. Naquela
ocasião de minhas terríveis lembranças, do menino nu na minha frente, de óculos tortos,
sujo, quase desidratado, quem havia caído em meus braços, era Brendon Urie com
dezesseis anos.

“...eu fiz o procedimento padrão, como fizemos com a outra vítima, mas quando o
identifiquei à central, eles mandaram eu vir direto para cá com a criança. Não tenho
idéia de quantos quilômetros essa criança andou.” Ele falava com o olhar perdido,
enquanto Josh tomava o cuidado de anotar tudo como se estivesse tomando o
depoimento dele. “Quero dizer, ao contrário da primeira vitima que achamos, Weekes,
essa tinha suas calças e um distintivo muito parecido com o original de “detetives
mirins” do FBI. Dei crédito e acabei vindo parar no seu departamento.”
“De quem, exatamente, se trata, Johnson?” Perguntei baixinho, só para confirmação das
suspeitas.

“Agente especial mirim Daniel Heckenberg.” Suspirou. “Ele tem uma queimadura no
anti-braço com a letra ‘C’, como se tivesse sido marcado por alguma coisa quente, como
se faz com gado para dizer que pertence à tal propriedade. Não vai ser uma cena que eu
vou esquecer.”

“Você foi trazido pra cá, Johnson, porque aqui é o departamento de causas hediondas ou
especiais e, também, porque o padrasto da vítima – o agente especial Smith – está
trabalhando aqui no caso das garotas queimadas.” Expliquei. “Claro que o caso do
agente mirim é meu, por causa da ligação aparente com nosso caso de 2002 e dessa vez
eu te <i>juro</i> que eu pego esse filho da puta, Johnson. Não vou descansar enquanto
eu descobrir quem era.”

“Eu sei que sim, Weekes.” Suspirou. “Eu quero dar um depoimento oficial para que
você reabra o caso de nossa primeira vítima. Quando nós estávamos investigando, sem
ter muito sucesso, você tava todo enrolado com um monte de medidas por causa do--.”

“Pode não... me comprometer na frente dos novatos, Johnson.” Falei, interrompendo-o.

“...por causa da sua insistência nesse processo. Eu fui a uma sessão dessas que tem para
policiais traumatizados e roubei um desenho do psicólogo. Eu não podia usar algo
roubado como prova nesse caso, mas, por favor, olhe.”

“Ahn, posso fazer uma pergunta?” Josh falou, meio desconsertado. “Quem foi a
primeira vítima?”

“Brendon. Brendon Urie.” Falou Johnson, antes que eu pudesse ultrapassar e amenizar
as coisas. “Soube que ele se tornou policial, mesmo depois de nós termos falhado com
ele.”

“Ele é o chefe daqui.” Falou Josh. “O idealizador do projeto que concretiza uma vara de
vitimas especiais.”
Enquanto eles trocavam informações, eu estava meio anestesiado olhado para o
desenho de um homem moreno, sobre um menor. Estava apavorado com a expressão do
menor, assustada e com as letras que legendava “já tinha feito isso muitas vezes, mas
toda a violência empregada e o rosto do outro, que me fazia cair num abismo cavado
por algo que entrava e saía de mim” que só conseguiram piorar a situação do meu rosto,
dos meus medos e assombrações com aquele caso. Eu tinha chegado ao limite de toda
lei americana atrás de justiça para Brendon e talvez fosse por isso, ele me considerava
seu amigo.

Obriguei meus olhos a irem para o maior. O que cavava o buraco escuro e fundo
que meu amigo seria jogado. A expressão – embora o desenho fosse primitivo, as letras
tremidas, traços desajeitados e o papel enrugado, provavelmente causado pelo choro de
quem desenhava – do maior estava com um sorriso, como se fosse vitorioso em algo
sem vitórias. Não dava pra entender aquela mente perversa e não dava pra entender
porque Brendon não havia dito a mim ou ao detetive o que havia acontecido de fato com
ele. Fomos nós quem o salvamos. Fomos nós quem colocamos a cara a tapa atrás de
provas. Eu quase fui preso e cheguei a receber ameaças de morte e Brendon
simplesmente não falou uma palavra sequer. Me viu sofrendo por perder minha vida
pessoal – claro sem realmente saber que eu tinha uma – e não deu uma palavra sequer.

“Por que não me contou antes?” Falei baixinho.

“Eu estava tão enfiado nas medidas quanto você.” Falou. “Eu fui ao psicólogo por causa
do caso do Urie e, me lembrei que adolescentes e crianças precisam de psicólogos em
determinados casos. Vasculhei o arquivo há uns anos e achei isso. Quando eu vi o
desenho no laudo psicológico do arquivo, eu o roubei. Eu estive às margens desse caso
oito anos. Conheço em detalhes e até hoje não tive um suspeito sequer, mas ver o estado
desse agente mirim me lembrou que eu tinha que te contar, já que a história do assalto
nunca foi suficiente pra você. Esse moleque tem a mesma idade do meu primeiro neto.
Isso me chocou um pouco.”

“Detetive Farro, tome o depoimento dele, excluindo o desenho que já pertence a outro
caso, por favor. Quando passar pela sala de reuniões, chame o doutor Crawford que eu
preciso dele o mais rápido possível comigo, por causa da minha investigação pessoal,
ele vai saber o que é.” Falei, suspirando. “Enquanto isso, eu vou ver com o doutor
Walker se a vítima está em condições de falar.”

“Você contou a um moleque sobre nosso caso?” Johnson perguntou e eu apenas assenti.
Ele não sabia – aliás, ninguém sabia – a respeito de Ian, que não havia como esconder.
“Por quê?”

“Precisava de alguém em quem eu <i>confiasse</i> pra me dar a certeza de que o caso


seria prosseguido caso acontecesse algo a mim.” Falei, olhando para meu ex-superior.
“E todo mundo sabe nesse lugar que não existe no mundo alguém que eu confie mais
que o doutor Crawford.” Mordi o lábio e virei completamente para Josh. “Diga pra mais
um deles vir para cá. Eu preciso de ajuda.”

“Zac, pode ser?” Assenti e logo os dois saíram. Fiquei encarando o desenho por um
tempo, sequer sabia mencionar o quanto de tempo perdi. Olhar aquele desenho
praticamente quebrou-me, trouxe a mim coisas que eu não queria e ao mesmo tempo eu
estava acalmando e instigando meu instinto a continuar naquela investigação.

“Dallon, Deus, você tá pálido!” Zac falou ao sentar-se do meu lado e eu senti as mãos
de Ian segurarem meu rosto, como se procurasse saber se eu estava consciente, a final,
eu consegui esconder o desenho de Brendon. “O que houve?”

“N-nada.” Falei. “Me faz um favor? Veja se com o Jon libera a gente pra conversar com
a vitima que o Johnson trouxe, por favor. Eu preciso falar um pouquinho com o
Crawford.”

“Claro.” Sorriu fraquinho. E quando Ian perdeu Farro de vista, ele assentou-se ao meu
lado e segurou minhas mãos. Talvez ele estivesse sabendo o que se passava comigo
antes mesmo de eu começar a falar.

“Pronto, Weekes.” Sorriu de forma confortadora. “Deixe-me ver esse desenho que
escondeu.” Entreguei para ele, sem realmente perceber qual a expressão de meu amado
ao olhar aquilo. “Vai se foder, Dallon Weekes! O que você fez pra conseguir isso?”
“Você viu o Johnson aqui, Crawford.” Suspirei. “Ele disse que roubou o laudo do
arquivo psicológico de Urie. Eu já tinha visto esse laudo, mas apenas a conclusão. Não
olhei com calma, só pelo fato de constar que o profissional não poderia fazer uma
avaliação exata do que estava acontecendo com ele, já que estava sempre bêbado nas
sessões e que no máximo podia dizer é que o menino estava com estresse pós-
traumático, então, imaginei que fosse apenas por causa do tal assalto pra boi dormir.”

“E você não devia estar um pouco mais calmo por sua teoria ter sido confirmada?” Ian
argumentou. “Quero dizer, eu achei que você estava preparado para tudo quando
decidiu mexer com isso tudo, embora seja um bocado monstruoso, até mesmo pra mim,
ver um desenho como esse e imaginar meu amigo nessa situação.”

“Eu acho que eu não estava pronto pra mexer com certos monstros dentro de mim.”
Falei. “Mas eu vou fazer isso, abusar da minha sorte enquanto policial, porque eu já
perdi tudo, Ian, que eu tinha pra perder com esse caso. Eu perdi meu casamento, o
contanto com meus familiares, perdi muito dinheiro pagando advogados. Perdi o
respeito de seus pais e consegui gerar um ódio velado dos pais de Brendon por mim. Eu
sei que se eu perder a vida nessa investigação – porque as coisas vão ficando piores –
você vai continuá-la pra mim, eu sei que você tem acesso a tudo meu, porque você é
meu apoio e respaldo, mas eu não vou mais parar isso. Nem isso que eu comecei, nem o
que Ryan pôs em minhas mãos.”

“Como eu sei que não há Cristo no mundo que vá te fazer parar, Dallon, só posso te
prometer que se algo acontecer com você, eu vou até ao inferno atrás de justiça por
você.”

“Não esperaria menos de você.” Pisquei, e percebi que Jon chegou junto com Zac.
Tentei forçar um sorriso, enquanto Ian apenas se ajeitou no banco, voltando o olhar para
os dois que acabaram de chegar. “O que têm pra mim?”

“Uh, eu não posso deixar o Daniel depor agora por causa do que houve com ele. O
agente mirim está repousando e precisa muito desse descanso.” Jon disse. “Não tenho a
menor idéia de quanto tempo ele andou, ou por onde, mas acredito que o lugar tenha
sido cheio de pedras porque os pezinhos dele estão feridos. A queimadura no braço com
a letra “C” foi em terceiro grau, mas está sob controle.”

“Algum sinal de maus-tratos ou violência sexual?” Ian perguntou, procurando por


minhas mãos. “Digo, quem estamos procurando de fato?”

“Sim.” Assentiu. “Há violência sexual e das brutais.”

“Mas que grande filho da puta!” Exclamei. “E ele deixou algum rastro?”

“Ahn, não.” Zac interferiu. “Jon e eu vamos avisar ao Smith e o Brendon. Além de
chefe, o menino quer que eu entregue algo pra ele. Não abri ainda, mas tudo bem, eu
vou chamá-lo.”

“Nós vamos também.” Ian disse, apertando minha mão.

“O marginal deixou um bilhete, mas eu ainda não o li.” Falou Jon, tirando o pedaço de
papel do bolso. Ele estava usando luvas e tratou de entregar à Ian, que mais que
depressa, tirou luvas cirúrgicas grossas de dentro de seu jaleco branco e segurou o
bilhete. “É pro Brendon.”

Sair daquele banco pra uma cena triste não era o meu conceito de não deixar que
mais alguém além de Ian me ver triste, mas eu deveria fazer meu trabalho e me fazer
forte o suficiente para apoiar meus amigos num momento difícil quanto aquele. Embora
pouco antes de terminarmos aquela conversa, estávamos de frente a eles. Não
costumava me importar com situações adversas à minha vida, porque são elas que nos
tornam mais fortes, mas volta e meia qualquer situação interna nos mostra o quão falho
somos. Falho, pequenos e dependentes de ajuda. Nunca procurei ninguém pra falar dos
monstros que o caso “Brendon” deixara em mim, e o desenho só trouxe muito mais
deles a tona.

Quando vi que Spencer se aproximava, suspirei profundamente. Eu sabia que


Jonathan e Zachary estavam incumbidos de fazer o trabalho <i>sujo</i>, mas não era
esse o fato que mais me incomodava. Ele vinha ao lado de Ryan, Brendon e Hayley, e
sobraria para eu falar sobre as coisas que aconteceram naquele mesmo corredor. Junto a
Zac, Spencer entrou em seu consultório enquanto Ian, Brendon, Hayley e eu nos
entreolhávamos. Eu não queria falar do bilhete, muito menos do desenho, mas acho que
não teria escapatória.

“Mas que merda tá acontecendo aqui?” Falou Brendon. “A nossa reunião ficou pela
metade quando você veio com Josh, depois o Ian saiu com Zac quando recebeu uma
notícia. Não tem mais condições.”

“Brendon, Hayley, Ryan... Aconteceu que o Daniel Heckenberg foi violentado.” Ian
disse. “Trazido pelo policial Johnson até aqui e aí tudo o que a gente planejou foi por
água a baixo, sabe? Estamos ainda meio atordoados com essa história.”

“Oh, meu Deus!” Hayley disse. “E qual o quadro médico dele?”

“Eu não o examinei.” Encolheu os ombros. “Mas o doutor Walker diz que ele está
estável. Que o menino andou por pedras, provavelmente, e estava com uma queimadura
no bracinho que marcava a letra ‘C’. Diz Jon que foi brutal.”

“Mas que desgraçado!” Todos falaram juntos.

“E Spencer?” Hayley perguntou. “Como é que ele está, hm?”

“Deve estar sendo avisado agora.” Falei, apontando o consultório. “Een está com um
bilhete que foi mandado ao Brendon, estamos querendo evitar contaminações, pra ver se
conseguimos algum vestígio de prova contra o maldito que fez tudo isso. Podem segurar
o bilhete sem tocar nele?”

“Claro.” Brendon tratou de se apressar, achando no bolso um saquinho de evidências.


Ele sempre dizia que era bom ir pra rua com pelo menos um daqueles ao seu alcance.
Naquele saquinho de evidências, que logo em seguida foi lacrado, Ian colocou o bilhete
aberto, e deixou que eles lessem primeiro.
Uma cena me chamou bastante atenção enquanto eles três liam aquele bilhete.
Brendon parecia tão frágil quanto no Halloween e dessa vez, o conteúdo do bilhete
parecia assustador. A expressão de Brendon, ao menos, era. A de Ryan, ao contrário, era
revoltada, como se quisesse assassinar o dono das palavras que faziam mal ao Brendon
e Hayley parecia indignada com a ousadia da pessoa que fez tudo aquilo. O que mais
me chamou atenção, foi que ao olhar para baixo, o choque de Brendon com as palavras
foi tão fortes que havia uma pequena poça de urina aos pés de Urie.

“É tudo isso culpa sua, Dallon.” Falou Hayley. “Por quê?”

“Do que você tá falando?” Franzi o cenho, pegando o bilhete. Ian e eu lemos juntos.
Estávamos bastante surpresos e ao mesmo tempo indignados pela ousadia do homem
em me acusar daquela forma. Senti um arrepio na espinha, ao ter que me explicar pra
uma das pessoas mais teimosas que eu já conheci na minha vida.

“Caro Brendon Urie. Ops, eu devo chamar vossa senhoria de detetive Urie, certo?
Bom, vamos começar a carta de novo. Oi, Brendon Urie, ou eu devo chamar-lhe de
Brenny? Foi assim que eu chamei você naquele dia, não foi? Acho que foi assim que
você gostou mais, porque... bem, não importa. Nossa vida sexual é somente nossa.

A primeira intenção era fazer com que o mini-policial lembrasse a você exatamente o
que você foi nas minhas mãos, naquele dia lindo, mas sabe, eu descobri uma coisa
muito feia, Brenny. Descobri que tem gente dentro do seu departamento me
investigando por conta própria, que está mexendo em terras desconhecias e eu ainda
estou sendo bonzinho ao avisar vocês, mas eu estou extremamente chateado com seus
amigos por não deixarem que eu viva pra você da forma que tem que ser feita, sabe?
Mas que fique claro que da próxima vez que algum idiota ameaçar minha paz, minha
vida pacata eu acabo com uma menina que eu sei que você ama, hm?

Acho que já está na hora de eu ir. Espero que você me defenda, meu amor. Não quero
policial na minha cola e eu nem estava fazendo nada ainda. Bem, fica meu aviso
delicado e doce. Eu o marquei e espero que não ligue de dividir sua semana com o
moleque. Ele é tão meu quanto você, mas se te consola, você é meu favorito sempre.
Ainda tenho o quão você é bom na minha mente.
Carl Windsor”.

“Não foi culpa do Dallon.” Ian revirou os olhos, ao me defender. “Primeiro que o
Windsor diz que o faria como presente de aniversário aos dois, depois que veio o fato da
investigação do Dallon. Não confunda as coisas, Hayley.”

“Mesmo assim, por que investigar o Carl sem motivo aparente?” Perguntou Hayley.
“Não é você o contra fazer esse tipo de coisa?”

“Sou e já me fodi muito por causa disso, Hayley.” Falei, encolhendo os ombros. “Eu
perdi muita coisa por causa do Windsor, mas agora eu tenho provas o suficiente para
acabar com todos os meus pesadelos, cumprir a promessa que eu fiz ao Brendon há oito
anos.”

“Mas a Sarah está em jogo!” Disse Hayley, ainda mais indignada. “Olha o trauma do
Brendon, Weekes! Deixa esse maldito de lado!”

“Exatamente. A Sarah está em jogo!” Falei. “Carl mexeu com o policial errado. Eu não
vou parar enquanto eu estiver vivo, Hay. Você não sabe do que eu sou capaz pra
proteger aquele que eu amo.”

“Você não é um super-herói, Dallon.” Ela falou, irritada. “Talvez um dia você
compreenda isso.”

“Não espere nada disso do Dallon, Hayley.” Ian avisou. “Vai se decepcionar.”

Nenhum de nós, enquanto falávamos da minha capacidade de carregar os


problemas daqueles que amo nas costas, não percebemos que Ryan tirou Urie daquele
nosso ambiente hostil e brigão. Sorri, ao olhar para minha frente e vê-los ao longe indo
em direção dos armários. Hayley estava a ponto de ir atrás dele, mas meu querido Een
segurou-a pelo braço, sem força.
“Deixa os dois.” Disse ele. “Ninguém é ruim o suficiente que não mereça uma segunda
chance.”

“Isso é clichê demais, Crawford.” Ela girou os olhos. “Foi ele quem acabou com a vda
do Brendon. Apresentou-o as piores coisas que ele já viveu.”

“Em nenhum momento disse que ele não fez.” Ian a soltou devagar, dando-lhe um beijo
protetor na testa. “Só que está na cara que ele mudou muito. Ele merece uma segunda
chance, se isso aconteceu. Uma chance de provar que a mesma situação tem seus dois
lados. Confia em mim, Brendon não tem mais dezesseis anos. Ele precisa da pessoa que
ele ainda ama, não da garota que é uma mãe pra ele.”

“Eu concordo.” Falei. “Deixe-os por um momento. Eles precisam conversar sem
interferências. O Spencer deve estar precisando de alguém agora. De um conselho, de
um abraço amigo. Ele vai ter que contar pra mãe do menino o que aconteceu. Ele
precisa da melhor amiga do lado dele agora, muito mais que o Brendon.”

“E vocês?” Ela suspirou vencida. “Não são amigos dele?”

“Somos.” Sorri sem emoção. “Mas acima disso, eu vou colocar Carl na cadeia e acabar
de uma vez por todas com esse maldito pesadelo. O que eu tenho em mãos era tudo o
que eu precisava para colocar as mãos nesse idiota.”

“Tem certeza disso?” Williams abaixou os olhos.

“Não sou covarde feito o Urie, Hayley.” Falei. “Eu não me importo com o que vai
acontecer comigo, sei que ele tem traumas profundos, mas ao contrário do meu amigo,
quanto mais mexem com quem eu amo, mais gás de ir atrás da ameaça e exterminá-la
eu tenho.”

Enquanto eu tentava convencer Hayley que era melhor assim, ou que eu podia
conseguir prender o idiota do Windsor, Ryan estava no vestiário, onde Brendon tomava
banho. Claro que Ross não podia vê-lo nu, mas continuava lá, com os olhos pregados
em um ponto fixo na parede. Ele estava dividido entre sentir ódio do Carl, por ter
mexido com Daniel, pelo Halloween e por tudo mais, ou se apreciava a volta de um
sentimento bom em seu coração. A volta de algo que ele tinha escondido tão bem que
sequer parecia ter existido. Entediado e sentado em um dos bancos, Ross começou a
batucar ritimadamente e ao escutar o maior, Brendon começou a estalar os lábios no
mesmo ritmo. Nenhum deles parou a música, mas haviam se passado muitos anos desde
que cantaram juntos pela última vez.

As teias de aranha em seus corações apaixonados iam desenferrujando os


músculos apaixonados de antes. Talvez fosse por isso que nenhum deles ousava cantar
ou tocar longe um do outro.

“Você já pode ir se quiser.” Brendon falou, quando saiu do banheiro do vestuário já


vestido. Ryan ergueu a sobrancelha e logo negou com a cabeça. “Não precisa fingir que
se preocupa comigo, Ross. Eu aprendi a não ligar para o que você pensa ou para as suas
ações.”

“Você está sendo infantil.” Ryan falou baixinho. “Eu não vou embora. Eu vou te levar
pra casa, vou cuidar de você e te fazer dormir. Depois eu vou encontrar o Dallon pra
ajudar nas investigações contra o Windsor.”

“Você e Dallon tá cada dia pior...” Brendon riu fraco. “Não se contenta em destruir só a
minha vida, tem que destruir a do Dallon também. Se você está fazendo isso pra me
atingir, não está conseguindo mais que despertar ódio e nojo de você.”

“Eu não estou fazendo nada além de ajudar um policial bonitão contra um pedófilo.”
Ryan encolheu os ombros, como se fosse a coisa mais natural do mundo, mas acabou
despertando um xingamento em Brendon. “Está com ciúmes, Urie? Você lidava tão bem
com minha promiscuidade antes.”

“Não tenho mais dezesseis anos. Eu cresci.” Girou os olhos. “Vá embora. Eu
<i>nunca</i> precisei que você cuidasse de mim antes, Ross. Eu nunca precisei do cara
que me abandonou sem motivo nenhum na vida, mesmo eu tendo vivido inteiramente
pra ele.”
“Quem sabe um dia você seja capaz de entender as coisas que eu fiz, Urie.” Ele apenas
sorriu. “A vida não foi muito boa comigo, também, Brendon. Quando eu precisei de
alguém, você também nunca esteve lá e mesmo assim, eu não te odiei nem por um
segundo. Nem por um momento, porque tudo o que eu tava passando naquele momento
era fruto da minha falta de coragem de me emancipar, como eu te disse. Eu me culpei a
minha vida inteira por ter tirado a música de você, mas ao mesmo tempo, eu entendo
tudo o que meu pai fez por mim e pra mim, do mesmo jeito que um dia você vai me ver
partindo outra vez e talvez, mas um talvez distante, você vá ouvir do Dallon toda minha
história.”

“E por que eu não ouço por você?” Brendon disse baixo. “Por que você não se dá ao
trabalho de se preocupar um pouquinho com o que eu sinto, seu egoísta covarde?”

“Porque eu, ao contrário de você, prefiro manter no anonimato as coisas que faço por
alguém.” Ryan falou, suspirando. “Agora me deixe cuidar de você, fazer seu jantar e te
pôr pra dormir. Sem pretensão nenhuma além de cuidar de você da forma que se deve.”

“Por que eu ainda espero algo que não fosse uma fuga?” Brendon falou, indignado.

“Spencer me falou das cartas que eu não recebi.” Ryan falou. “Eu mandei uma pra você,
quando estava em Chicago. Eu conheço esse país todo, Brendon. De ponta a ponta. Eu
não tinha endereço fixo. Talvez fosse esse o motivo de não receber suas cartas. A minha
falava de tudo o que eu tava passando, de quanto eu precisava de um amigo que me
fizesse esquecer tudo aquilo que eu estava passando, só que hoje eu agradeço com todas
as forças que há em meu ser por essa carta não ter chegado a você. Eu estava confiando
a você, algo que eu nunca confiei a ninguém.”

Urie se aproximou do agente do FBI em passos frágeis. Segurou o rosto de Ross


– que estava baixo – pelo queixo e não conseguiu achar o menor rastro de mentira no
olhar do maior. Com isso, Brendon enroscou os braços no pescoço de Ross e fechou os
olhos em um abraço terno, caloroso, e sem palavras. Talvez fosse aquele o maior sinal
de que o amor é comparado à fênix. Ele renasce das mágoas.
<b><u> Fim do capítulo Cinco</u></b>

<u><b>Seis: Who are the trust? Where’s the harmony? Sweet harmony.
Título: (What’s so Funny About) Peace, Love & Understanding – Elvis
Costello.</u></b>

<i>Salt Lake City, 2005.

“Eu tô nervoso.” Joshua confessou baixinho pro irmão, enquanto arrumava sua
camiseta pela milésima vez em frente ao espelho. “Até parece que eu nunca fiz isso na
vida.”

“Meu irmão tá apaixonado. Não posso acreditar!” Zachary riu baixinho, dando um
soco amistoso no ombro do irmão que logo encolheu os ombros como se respondesse
que esse tipo de coisas acontece nas melhores famílias.

“A mamãe não vai gostar dela e nem nosso pai.” Falou Joshua, suspirando. “Você
sabe que isso não é um bom sinal e você sabe que ela é mesmo especial. Não é coisa
minha pra conquistar as pobres garotas indefesas.”

“Os gostos dos nossos pais nunca importou de fato.” Zac falou, sentando-se na cama
do irmão. “Você esteve sempre com quem você bem quis, enfrentou todo mundo por
seus princípios e agora tá aí todo preocupadinho com algo que no final das contas não
vai te importar.”

“Não me importaria se eu não estivesse falando da mulher com quem eu quero


constituir família, compreende? Não quero abandoná-la como eu fiz com a maioria.
Hayley não é mais uma na minha vida e nem nunca vai ser. Tô pendurando a chuteiras,
guardando o mel pra garotas em potes pra que meu herdeiro saiba usar com maestria
como eu uso.”

“Joshua Neil Farro, você está se escutando?” Zachary riu outra vez. Parecia
inacreditável o que uma garota baixinha e sem posses – no sentido financeiro da
palavra – estava fazendo com um garoto que gostava de ter razão, que nunca se rendia
a nada, muito menos a qualquer imposição. “Você tá saindo com essa garota há uns
quinze dias e já está falando em pendurar as chuteiras.”

“Eu disse que ela é especial.” Encolheu os ombros. “Eu to atrasado, meu irmão. Me
deseje sorte. Vou pedi-la em namoro.”

“Meu Deus, meu irmão ganhou uma coleira!” Zac debochou, bagunçando o cabelo do
irmão que levou horas para deixar o cabelo de uma forma legal. O que teve o cabelo
bagunçado xingou, mas logo depois riu. Estava atrasado, mas Zachary precisava saber.
“Ela sabe de verdade quem você é? Digo, da nossa família?”

“Quem não conhece o menos um pouquinho dos Farro?” Respondeu. “Eu vou sair
disso, Zac. Nossa família é grande, as crianças se viram com a continuação dessa
merda toda.Depois de tudo o que eu passei nos últimos meses, tudo o que eu quero é
sossego e honestidade.”

“Estou nessa contigo! Nem tem como eu discordar. Também quero paz e sossego.”
Encolheu os ombros. “Agora vai lá e divirta-se. Eu cuido das coisas aqui em casa.”

Joshua sorriu e agradeceu mentalmente por ter um irmão que poderia chamar
de amigo. Pegou o carro popular de um dos funcionários de sua casa e deixou o
funcionário com as chaves de sua moto que valia pelo menos cem vezes mais que o
veículo emprestado. Eu poderia apostar que o homem pedia a Deus que seu veículo
fosse furtado.

Na sorveteria combinada, Joshua esperou e pensou “eu achei que estava


atrasado!” então, decidiu perguntar a um garçom se uma menina com o cabelo
alaranjado havia aparecido por ali e saído revoltada com sua demora, mas descobriu
que ela não tinha chegado ainda. Sentou-se em uma das mesas da sorveteria e esperou.
Hayley chegou, usando um vestido bonito, colorido que contrastava muito bem com a
pele branca dela. Joshua não conteve o sorriso e, como fora ensinado, levantou-se para
receber a garota que sorriu timidamente.
“Eu te fiz esperar muito, certo?” Ela falou preocupada, ajeitando a bolsa em seu
ombro. Ele negou com a cabeça. Se ele fosse pontual, ela o teria feito esperar.

“Você... wow!” Josh não conteve o elogio. “Está linda, Hay!”

“Obrigada.” Ela sorriu, o deixando ainda mais nervoso. Ela não sabia que aquele
sorriso o desarmava e o deixava como um iniciante. Joshua puxou a cadeira para que
ela se sentasse, bem à frente dele, e a menina tratou de fazê-lo, encantada por seus atos
banhados por um cavalheirismo que ela não conheceu com nenhum outro. Às vezes ela
acreditava que não existia outra igual.

Naquele momento, eles conversaram, tomaram algumas taças de sorvete e


quando o cabelo alaranjado dela atrapalhava sua visão, Joshua esticava sua mão e
colocava aqueles fios enxeridos atrás da orelha dela. Sua mão teimosa aproveitava
aquilo para fazer uma carícia no rosto da menina que havia roubado seu coração em
tão pouco tempo que estavam juntos. Hayle,y por sua vez, deu um beijinho na mão do
garoto quando esta alcançou seus lábios.

Estava ficando tarde e Joshua a levou para casa. Pela primeira vez, em muitos
anos, não se preocupou em subir, não se preocupou em entrar na casa da garota. Ele
só queria estar com ela sem se importar a que família pertencia, sem se importar se
seus pais gostariam da idéia de ele sair com alguém como Hayley: pobre, honesta,
sonhadora e policial. Ele também havia engatado nessa carreira de policial em muito
pouco tempo e fora lá que ele aprendeu a amar uma hackerzinha de fibra. Pela
primeira vez, todo o encontro, o roubo da rosa no jardim, as palavras bonitas não
foram de caso pensado. Ele era só um garoto que estava apaixonado. Mais apaixonado
que nunca.

Dentro do carro do funcionário, Joshua a beijou como se nunca tivesse feito


isso antes, com as duas mãos em seu rosto delicado. Hayley só teve chance de se ajeitar
e receber aquilo, beijando-o de forma tão necessitada quanto ele. Eles estavam
apaixonados. Parecia que nada era capaz de desfazer os laços um do outro.
“Hay?” Falou ele bem baixinho, sem afastar totalmente os lábios dos dela. “Olha pra
mim um pouquinho.”

“Claro.” Meio relutante e sem entender direito, ela reabriu os olhos bem devagar e
encarou os olhos dele. Já sem o cinto de segurança, ele se ajeitou para ficar o mais
confortável possível. O rosto dela ainda estava confortavelmente deitado nas mãos de
Joshua que sorria. Não havia nada no mundo que desejassem mais do que o fato de
nunca mais amanhecer.

“Namora comigo?” Perguntou baixinho. “Eu sei que é meio cedo, estamos saindo há
quinze dias, mas eu sinto que preciso ficar do seu lado mais que como o cara que de vez
em quando te leva pra tomar sorvete.”

“Você diz isso pra todas as que você sai. Eu soube, Josh.” Ela se afastou, ressentida.
“Não precisa dessa tática comigo pra gente entrar lá em casa e acabar com isso. Eu sei
que eu to saindo com um cara cafajeste, aproveitador e que só gosta de roubar
inocências.”

“Minha fama chegou primeiro...” Ele riu, sem maldade. “Eu nunca pedi nenhuma
delas em namoro, eu nunca disse pra elas que precisava de mais tempo pra viver ao
lado dela. Eu nunca tentei te envolver pra te levar pra cama. Eu só quero que você seja
minha primeira namorada e eu te provo que você será a última pessoa da minha vida. A
última que eu vou tocar, a última que eu vou amar. Eu só não quero pensar que quando
eu te deixar em casa, eu nunca mais possa tocá-la de novo.”

“O que você quer dizer com isso?” Ela suspirou, contendo-se para que as palavras
dele não a fizessem mais inocente do que queria parecer. “Joshua, eu não sou nenhum
brinquedo. Nós temos coisas em comum, você é legal, eu também não quero perdê-lo,
mas você está me confundindo.”

“Só quero uma chance pra provar que eu posso fazê-la feliz, sem desapontá-la.” Falou
baixinho, agora dentro do ouvido dela. “Por favor... você é a única que nunca foi um
brinquedo pra mim. Nunca.”
“Tudo bem, Josh.” Ela sorriu. Não tinha como negar o pedido que estava esperando,
mesmo sabendo que estava se metendo em confusão, porque ele não era um menino de
ouro. Ela sabia que ele era uma pessoa de muitas garotas, de muitas experiências e que
ela teria que se esforçar em dobro pra conseguir ser a altura dele, mas acima disso,
Hayley o amava e não podia fugir disso. Era um amor que valeria por uma vida toda.

E eles só iam aprender o que é um amor pra vida toda com o tempo.

<i>Salt Lake City, 2010</i>

Jonathan Walker ficou parado na porta de vidro do quarto de Daniel


Heckenberg. Não sabia ao certo as palavras que eram pronunciadas pelo adulto no
quarto, enquanto este passava vagarosamente a mão por seu cabelo. Spencer Smith não
havia deixado o menino sequer por um instante, mesmo sabendo que tinha algumas
providências para tomar, como o fato de processar a escola por deixar um garotinho de
nove anos sair para uma emergência federal ou coisa parecida. Justamente por isso,
Spencer não teve raiva dos pais de Hayley – que surtaram e imploraram desculpas
quando foram buscar o pequeno na escola e ele não estava. Ligaram para Smith e ele
explicou o que havia acontecido – era horário de aula e nem de longe estava na hora de
buscar o menino. Não houve nenhum tipo de negligência dos pais da policial.

Spencer sabia que teria muitos amigos para tomar essas providências – amigos
como eu, Hayley, Brendon, Ryan... – então, sua única preocupação era estar ao lado do
menino que era como um filho para ele. Um menino tão doce que não merecia aquele
destino trágico. Jonathan, por sua vez, não sabia mencionar a quantidade de tempo que
ficou observando a cena paternal, mas decidiu que já estava na hora de invadir o quarto,
antes que o café que trouxe para o agente do FBI esfriasse. Smith assustou quando a
porta se abriu, mas sorriu tranqüilo ao ver Jon lhe entregando um copo de café.

“Obrigado.” Suspirou.
“Por que não vai descansar um pouco, hm?” Jon falou. “Você precisa ou vai parecer um
zumbi quando ele acordar.”

“Eu liguei pra Haley agora pouco.” Falou Spencer. “Sei que essas coisas não se contam
por telefone, mas eu não tive nenhuma escolha. Não posso sair daqui pra Washington e
deixar o menino sozinho.”

“Não foi sua culpa, Spencer.” Jon falou ao sentir o tom carregado do mais novo amigo.
“Você não é vidente, não pôde prever. Não dava pra deixar todo o seu trabalho aqui e
montar guarda na escola do seu filho sem ter um motivo aparente de desconfiança. As
pessoas não são super-heróis, agente especial. Deixa essa síndrome de culpa e de querer
salvar o mundo pro Weekes. Ele é mestre nisso.”

“Eu não sou um bom pai.” Suspirou. “Desde que eu cheguei aqui, tudo o que eu penso é
em consertar a vida dos outros, erros dos outros, passado dos outros. Eu não o levei pra
tomar sorvete, não o levei no lago. Nós dois não fomos para os parques de diversões. Eu
estava sendo o agente especial Smith em tempo integral e por causa disso, ele quis vir
comigo. Porque queria ser um policial exemplar como eu. Isso não é coisa para uma
criança de nove anos desejar.”

“E não é motivo pra você se intitular um péssimo pai.” Jonathan bagunçou o cabelo de
Smith. “Olha bem pra esse garotinho. Ele é especial, cresceu com um ímpeto gigante de
ajudar as pessoas, porque pra onde ele olha tem gente do bem. A mãe dela é uma
excelente policial, estou certo? O tio Ryan é... O Ryan. Apesar de tudo, de toda a
suposta frieza, ele é um bom policial que ajuda pessoas, acima dele mesmo. E você que
sem dúvidas é um exemplo de caráter a ser seguido.”

“Você está sendo gentil.” Spencer forçou um sorriso sem emoção. “A mãe dele é da
marinha, na verdade. Da tropa especial. Mas mesmo assim, eu me sinto culpado por não
ter ficado mais tempo com ele, sabe? Protegê-lo melhor.”

Ficaram em silêncio um tempo relativamente curto. Jon ousou em se aproximar


do amigo recém-feito e sorriu. Acariciou-lhe os fios de cabelo de forma paternal e
percebeu que era daquilo que Spencer estava precisando no momento, quando sentiu o
rosto do garoto se deitar em sua mão com cuidado.

“<i>Don’t worry ‘bout the things. ‘Cause every little thing is gonna be alright</i>.” Jon
cantou baixinho e Spencer não pôde conter o sorriso que emanou em sua face,
adiantando a música exatamente ao ponto que queria que a música falasse com o
menino ao seu lado. “<i>Saying: don’t worry about the things cause every little thing is
gonna be alright. Rise up this morning, smile with rising sun. Three little birds it’s by
my doorstep singing sweet songs of melodies pure and true saying this is my message to
you.”</i>

“Não sabia que você cantava.” Smith falou, virando-se para o doutor, esboçando em seu
rosto um sorriso que não tinha nenhuma emoção. “E canta muito bem, pra ser sincero.
Você não devia estar enfiado em uma sala com corpos e doentes.”

“Sabe, Smith, aprendi que a melhor hora pra se soltar a voz é quando tem um
sentimento doloroso machucando o seu peito.” Aquelas palavras – tanto as da música
quanto as do próprio Jon – pareciam lhe trazer um pouco mais de alento, de conforto.
Como se no final do túnel houvesse um resquício de esperança. Spencer decidiu que era
hora de se agarrar a aquilo que ele tinha. Então, decidiu que arriscar um pouco no canto,
ajudaria:

“<i>Saying don’t worry about the things cause every little thing is gonna be
alright</i>.” Embora ele fosse bastante afinado, Spencer não era um grande dominador
do canto, mas a idéia de pôr para fora de si um sentimento que ele não queria sentir lhe
atraía mais que qualquer outra coisa. A música não poderia ser mais sábia naquele
momento, as palavras da música eram daquelas que faziam o mundo entender que tudo
ficaria bem um dia. Que as coisas se ajeitam um dia não muito distante. “Bem, eu não
sou nenhum grande cantor. Só <i>fui</i> baterista na adolescência e tem gente que nem
considera isso como ser músico.”

“Você é um músico ainda, Smith. Uma vez músico, sempre músico.” Falou o médico.
“Música cura todas as feridas, extravasa todos nossos medos e alivia qualquer dor. Seja
ela física, seja interna, seja espiritual. A música acalma o ser humano e é por isso que
uma vez músico, você sempre vai ser músico. Não importa para onde você fugir, em
que outra área você vive, sempre será um músico.”

“Você, hm, é músico?” Perguntou o homem. “Digo, ninguém acredita tanto na própria
música guardada no peito quanto aquele que a faz. Ninguém consegue conviver com o
poder dela, de fato, sem conhecê-la profundamente.”

“Sim. Eu brinco com alguns instrumentos de corda.” Assentiu, com um sorriso leve.
“Mas nada profissional, só pra me aliviar de sentimentos ruins mesmo.”

“Compreendo.” Assentiu. Depois daquilo o silêncio pairou entre os dois e apenas os


goles do café eram ouvidos. Mais nada precisava ser dito, a final, toda a música tinha
falado tudo o que precisava ser dito, que estava no coração de ambos. Spencer ainda se
sentia o pior pai do mundo, mas as palavras da música o acalmaram momentaneamente.
Aos poços e bem lentamente Spencer percebia que ele encontraria suporte nas pessoas e
nas coisas que mais amava.

Todos nós estávamos meio loucos com tudo o que estava acontecendo. Eu estava
pendurado no telefone por tantas horas conversando com juízes e promotores que meus
ouvidos doíam. Estava parecendo mais uma atendente de telemarketing com muita
pressa. Eu estava colocando minha carreira em risco e muitos daqueles meus amigos
diziam que eu era maluco de reabrir o caso. Por outro lado, o bilhete me acusando e o
menino violentado foram mais forte. Eu consegui um mandado de busca e apreensão.
Um sorriso vitorioso brotou no meu rosto.

“Hayley, preciso falar com você.” Zachary chegou, sorrindo de leve pra ela, num dos
corredores da minha sala. Tombei a cabeça para o lado e decidi prestar um pouco de
atenção no que estava acontecendo ali. “Era pro Josh vir falar com você, mas ele ainda
está ocupado com o Johnson e logo depois ele vai sair pra tomar o depoimento do
homem da loja de conveniência, então ele não vai ter tempo de falar contigo.”

“O que foi?” Ela franziu o cenho. “O que o canalha do Joshua quer comigo?”
“Meus pais ligaram.” Suspirou. “Eles vão aparecer lá em casa amanhã ou depois e
querem ver a neta deles. Eu sei, mesmo, que eles não são as melhores companhias do
mundo, mas ainda são avós, Hay.”

“Seus pais?” Hayley Williams segurou a risada. “Zachary, você está realmente falando
que seus pais, cheio de pompa como eles são, vão aparecer naquele seu apartamento
minúsculo só pra ver a neta deles? De verdade?”

“Uhum.” Zac confirmou, embora risse de tão absurda que fosse a idéia. “Se fosse eu
quem ouvisse essa história, também não acreditaria, mas eles virão e querem ver a
garotinha. Deixe-a passar um tempo <i>comigo</i> e com o pai?”

“Não a quero perto dos seus pais.” Falou sincera. “Desculpa, Zac, mas não dá.”

“Por favooor?” Zac arrastou, manhoso. “Então, hm, você passa a noite lá em casa. Eu
cedo a cama pros meus pais e nós dois dormimos no sofá. Josh dorme na cama dele com
a Sarah.”

“Nessas condições não dá pra dizer não pra você, hmph.” Ela o cutucou de forma
amistosa e os dois foram para ouros lados conversando. Era muito provável que se fosse
Joshua a pedir aquele acordo, ela teria sacado a arma e dado um tiro bem na cabeça
dele. Novamente as pessoas escondendo seus passados.

Como num ciclo de vida, tudo aquilo parecia caminhar para a sua morte e
finalização. Como se tudo o que eu vivesse, de repente, fosse lançado em um túnel
escuro e frio e, <i>de repente</i>, eu me visse com a obrigação de sair de lá inteiro e
com o menor número de feridas possível. Porém quando se está perdido num lugar e
sequer seus amigos acreditam em você, que você pode chegar inteiro no final dessa
estrada estranha e cheia de armadilhas, não há como sair sem hematomas.

Depois de tantas horas enfiado na minha sala, eu estava doido pra sair de lá. Fui
direto a uma sala comunitária onde nós guardávamos o café e peguei um duplo.
Exagerei mesmo, porque além de cansado eu ainda sabia que teria muito a trabalhar.
Algo me dizia, no mais íntimo do meu ser, que hoje eu sequer iria para casa. Há três
anos, isso me incomodaria demais, porque eu tinha muita coisa a perder. Hoje em dia,
não há mais o que perder, então, eu fico abusando de mim no trabalho, pra compensar a
vida pessoal perdida. Descer ao arquivo seria mais que um trabalho cansativo pra mim,
como todos eram.

O difícil é conviver com o fracasso, se ele não te deixa em paz nem por um só
momento. Mas, às vezes, me convenço que o fracasso só é companheiro insistente
daqueles que ele quer que o vença. Me convenço então de que o fracasso só existe pra
mostrar-me que eu posso triunfar. Não sei quando, não sei onde, mas sei que posso.

Depois que eu desci, foi difícil contar o tempo que eu passei no arquivo inativo.
Eram muitos papeis para ler, muitas letras e lembranças pra remoer. Fui com a desculpa
de ler um pouco mais sobre Carl Windsor, mas acabei buscando sobre a minha
investigação perigosa e pessoal. Uma busca que, com certeza, arruinaria a minha quase
inexistente vida pessoal, mas o que me consolava é saber que por mais que eu não
pudesse buscar ajuda de ninguém, sabia que Ryan iria me ajudar com os rumos a serem
tomados. Eu não entendia muito bem o motivo do meu fascínio pelo caso – talvez por
causa do que houve em Salt Lake City em 2002 – mas eu estava mais animado com o
caso do que eu mesmo achei que estaria.

Demorei um pouco para me situar naquele monte de caixa, porque tudo aquilo
estava por ordem alfabética e eu tive um pouco de dificuldade para me situar entre o
“Ross” e os números. Números vinham primeiro do que as letras e uma da outra eram
corredores e mais corredores de distância. Uma sala fechada, empoeirada, velha e quase
sem iluminação. Quanto mais o tempo passava, mas eu era absorvido por tantos papéis e
casos policiais que acabei sentindo o peso do tempo e comecei a ficar cansado a perder
o foco da visão justamente quando fui ler alguns laudos antigos de perícia técnica.
Cenas de crimes que já haviam voltado a sua função natural, habitando pessoas,
alfabetizando as mesmas. Tudo o que me sobrara foram as fotos.

Cocei os olhos cansados e percebi que estava sem os óculos [n/a:


http://twitpic.com/6k6o4z]. Caminhar estava fora de questão, porque além de grande a
sala, a distância do arquivo para onde eu trabalhava era grande. Eu sempre me adaptei
as diversas situações que a vida me impôs, não é só uma pequena falta de foco que me
tiraria do sério. Havia passando muitas horas que eu estava sentado no chão, lendo
vários arquivos, vários casos ligados de alguma forma a George II, mesmo com meus
olhos implorando por descanso. Eu estava faminto por algo que me levasse ao paradeiro
daquele homem, mas confesso que estava cansado o bastante para desistir. Ainda mais
por ter pegado alguns laudos quase ilegíveis. Estava quase desistindo por aquele dia e
indo pra casa dormir um pouco, mas senti uns braços envolverem meu pescoço e
colocarem meus óculos nos olhos.

“Eu achei que você fosse querer um pouco de café.” Eu sorri grande ao reconhecer a
voz doce do doutor Ian Crawford e relaxei completamente em seu abraço. “E eu não
acredito que você ainda está aqui, mexendo em coisas que todo mundo já desistiu de
uma vez por todas e ainda sem os óculos. Você sabe que tem que usá-los pra ler.”

“Oi, doutor.” Sorri pra ele, cansado e sonolento. “Que bom que veio aqui. Eu tava
querendo ir lá fora buscar, mas só de pensar nisso, me cansa...”

“Quer ajuda?” Perguntou doce, entregando um dos copos de café pra mim. “Você tá tão
cansado que está confundindo todas as palavras desses laudos de necropsia com os de
autopsia. Isso não é nada bom.”

“Eu não posso e nem vou envolvê-lo nisso, Een.” Torci os lábios. “Era pro Ryan estar
aqui comigo, mas ele foi cuidar do Urie, então acho que to sozinho nisso.” Suspirei,
coçando os olhos por baixo dos óculos. “...embora isso não queira dizer que eu não
precise de ajuda.”

“Eu não to gostando nada dessa sua amizade <i>colorida</i> com o Ryan
repentinamente.” Ian confessou, levando um dos copos de café à sua boca, fazendo-me
olhar diretamente pra ele e franzir o cenho. “Brendon está preocupado e eu também,
Dallon. Eu já te vi no fundo do poço só por causa desse coração grande que você tem,
não quero que aconteça de novo.”

“Eu não vou me afundar por causa dele.” Avisei, sorrindo. “Eu já to lambuzado de lama
mesmo por causa de hoje à tarde. Eu não devia estar mexendo com o caso do Brendon,
mesmo com uma confissão assinada do Carl.”
“Duvido que o júri considere aquele bilhete redigido no computador como prova
consistente.” Encolheu os ombros. “Aliás, você conseguiu o mandado de busca e
apreensão contra o Windsor?”

“Consegui.” Assenti, sorrindo. “Eu tive que usar de mentirinhas no telefone, mas
amanhã eu tenho que ir ver o juiz que me deu o mandato pra provar que a vítima fez um
retrato-falado do seu agressor. Ainda que esse retrato-falado não exista.”

“Você é um idiota, sabia?” Ian sorriu, não me ofendia nem um pouco. “Um idiota
doente por justiça. Não entendo porque eu ainda me preocupo com sua integridade se
você não faz questão nenhuma de preservá-la.”

Foi exatamente nessa hora que Ian puxou de mim alguns laudos e colocou os
próprios óculos antes de concentrar-se na leitura. Sempre achei que Ian era uma pessoa
segura para me dar respaldo, mas naquele momento eu não queria que ele o fizesse. Não
queria envolvê-lo na sujeira toda que eu estava me envolvendo. Engraçado, as pessoas
fazem tudo errado e ainda querem que aqueles que amam não sofram as conseqüências
de seus erros, mesmo isso sendo completamente impossível.

“Você não devia estar lendo isso, sabia?” Falei, colocando a mão na frente do laudo que
ele lia, suspirando meio altinho. “É perigoso demais e, ao contrário de mim, você
preserva sua integridade. Deveria estar bem longe de tudo isso aqui.”

“Deveria? Mas, sabe, Dallon, eu não vou, hunf.” Girou os olhos. “Você e essas suas
manias bobas.” Girou os olhos e tirou minha mão um dos laudos. Quando viu o nome
da vítima e o suspeito por causar tantos estragos daquela maneira, começou a rir. “Eu já
estou suficientemente envolvido a partir de agora. Como é que não me avisa que vai
mexer <i>nisso</i>, Dallon James Weekes?”

“Porque o filho do George II me mataria se o fizesse.” Suspirei baixinho. “Mas já que


você se envolveu como um bom xereta que você é, Ian, eu vou lhe contar tudo o que eu
sei.”
“Eu acho bom mesmo, hunf.” Falou baixinho, junto a uma risada. Eu não consegui
impedir que conversássemos sobre tudo o que estava acontecendo em minha vida,
enquanto ele analisava cuidadosamente todos os laudos que não faziam muito sentido na
minha pequena mente policial. Ele soube que, embora eu estivesse trabalhando com
Ryan, meu objetivo era diferente do dele e soube também que eu não poderia contar
para o garoto sobre a participação dele no caso. O fato é que, embora fosse muito
perigoso, eu estava aliviado por poder contar com o doutor Crawford. A verdade era que
por mais que o tempo passasse, eu confiaria minha vida a Ian e sei que ele cuidaria
muito bem de mim. “Psiiu, não acha que precisa dormir um pouco?”

“Quantas horas eu estou enfiado aqui?”

“Sete? Dez?” Encolheu os ombros. “Eu não tenho a menor idéia.”

Quando ele disse isso, conferi o relógio e já passavam das quatro da manhã. Eu
mal conseguia ver o que estava em minha frente de cansaço e sequer a cafeína tinha
algum efeito energético sobre meu corpo. Eu não tinha sono, mas estava tão cansado
que sequer poderia levantar do chão onde tinha me sentado.

“Não tenho sono.” Expliquei, encolhendo os ombros.

“Então me deixa te levar pra casa. Amanhã vocês continuam isso aqui, já que o Ross
não vai saber do meu envolvimento.” Falou baixinho e eu não pude negar aquela ajuda.
Até porque eu precisava dormir algumas horas pra voltar ao trabalho. Ian era uma das
melhores pessoas que eu conhecia, que se preocupava comigo quando eu mesmo me
esquecia de fazê-lo. Cada dia que passava, eu era mais encantado por aquele baixinho
teimoso. Confesso que fui cochilando no banco de trás do carro dele e quando cheguei,
presenciei uma das cenas mais bonitas que eu havia visto naquele dia. Ian sorriu pra
mim – porque eu havia teimado que estava tarde pra que ele fosse pra, o que ele chama
de, casa e eu não tinha condições de dirigir – quando viu e aproveitou aquele clima
romântico abraçou-me fortinho, meio possessivo. Dei uma risada baixinha, sem querer
desmanchar aquela cena e não resisti a roubar um beijinho dele. Um beijinho singelo e
quase imperceptível. “Você vai acordá-los e, com certeza, você não quer que eles vejam
isso, certo?”
“Oh.” Falei, com falso remorso. “A gente vai acordar super-tarde amanhã, sabia?”
Brinquei, sugestivo, levando um cutucão fraquinho e não resisti ao sorriso bobo quando
suas bochechas tomaram um tom rubro. “Porque você e eu vamos estar na mesma cama
e isso é a melhor coisa que podia me acontecer.”

“Idiota.” Me cutucou mais uma vez. “Eu não vou transar com você.”

“Ian, eu tava falando de dormir.” Ri baixinho. “O trabalho me cansou demais hoje.


Mesmo se você quisesse ir pra cama comigo hoje, eu dormiria assim que tocasse nela.”
E nós dois rimos baixo.

Oh. Com Ian por perto, eu quase me esqueço de descrever a cena que vi. Ryan
estava dormindo, abraçado a Brendon de uma forma protetora. Estavam ali mesmo no
sofá, enroscados pelas pernas e protegidos de todo mal em um abraço forte, mas suave o
suficiente para que pudessem dormir juntos, com Urie ouvindo o coração do amado
bater forte para ele. Talvez naquele sono eles pudessem resolver todas as injustiças e
serem felizes. Exatamente como Ian e eu. Não posso nem mesmo imaginar o que Ryan
fez para conseguir aquilo, aquela cena tão bonita, mas também imagino que não deve ter
sido fácil para Ryan que o <i>seu</i> Brendon tivesse sido tocado por mais alguém
além dele.

Sem fazer muito alarde, fui levando o baixinho da minha vida para meu quarto.
Ian tinha um sorriso no canto dos lábios e me segurava possessivamente pela barra da
camiseta, enquanto caminhávamos. Seu olhar era nostálgico, meio bobo, ao perceber
que <i>nosso</i> apartamento estava do jeitinho que ele havia deixado - exceto com o
fato de ter alguns brinquedos espalhados e ter mais gente morando comigo -, como se (e
na verdade era o que acontecia) eu preservasse daquela maneira para ter um pedacinho
de Crawford comigo. Um pedacinho de tudo o que vivemos, como se aquelas sobras
fossem me alimentar o quanto eu fosse o cara que nunca havia mudado por amor.

Mas a questão é: pessoas mudam?


“Eu tava com saudades desse lugar, sabia?” Crawford falou baixinho, enquanto
entramos no quarto e ele sorriu ao ver um de meus instrumentos onde nós havíamos
brigado para deixar. A guitarra que era nossa - agora era nossa -, separada em um
pequeno suporte, e autografada por Elvis Costello era nossa eterna briga desde a
separação, já que a dedicatória do autógrafo tinha os dois nomes: <i>Dallon & Ian</i>.
Aquilo gerava brigas porque a guitarra de fato era do Ian, mas eu apresentei Elvis e
queria uma desculpa boa o suficiente para falar com Ian. “Tudo aqui está tão... Igual.”

“Eu achei que você falaria que estava com saudades do dono do apartamento, mas não...
você prefere ter saudades do lugar.” Falei, formando um pequeno bico e fechando a
porta do quarto com cuidado para não acordar ninguém. O fato era que eu estava
dramatizando e sendo manhoso para ver até onde ele conseguiria chegar sem me tocar.
Crawford sorriu, andando até a guitarra e acariciando-a como se ela fosse um pedaço de
mim que ele não poderia ter de volta, embora eu ainda fosse inteiramente dele. E eu
nunca escondia esse pequeno fato dele. Esconder pra quê? Se mesmo com toda minha
sinceridade de sentimentos, eu ainda era... o melhor amigo, mas pelo menos era melhor
que não ter nada.

Não ter nem mesmo a amizade daquela pessoa que amamos dói. Nada é vazio,
inoportuno, inconseqüente, mas era o <i>nada</i> que dava o que meu Ian queria que
eu tivesse, percebesse e fizesse: um amplo espaço para mudanças.

“Dallon, não seja ridículo, o apartamento é meu!” Disse, brincando, voltando o olhar
pra mim. “E essa belezinha aqui também é minha, Weekes. Eu aprendi a tocar nela. É
totalmente inconcebível você estar com o meu bebê.”

“Ela está melhor comigo e você sabe disso.” Suspirei, me sentando na cama e aos
poucos tirei os sapatos com ajuda dos calcanhares. Acompanhei Ian com os olhos e ele
apenas suspirou de forma tensa. “Você ainda está morando naquele quarto de hotel que
mal cabe a sua cama. Eu ainda acho que você deveria considerar em morar aqui,
comigo. Camas diferentes, mas mesmo quarto e mesmo banheiro. Sem maldade
nenhuma.”
Embora eu tivesse dito que não havia maldade em meu convite - e realmente não
havia nenhuma maldade, eu sei respeitar meus limites e, principalmente, os limites
impostos pelos outros - eu abaixei meu rosto. Eu havia deixado claro os termos da
divisão do quarto, porque por mais que passasse boa parte do meu dia com ele, entrar
naquele quarto todos os dias me deixava louco. Lembranças nunca são boas
companhias para a sanidade.

“Nisso eu sou obrigado a concordar. Digo, sobre quarto de hotel ser pequeno.”
Encolheu os ombros de forma doce e sentou-se ao meu lado na cama. Devagar, ele
trouxe meu rosto pra perto do dele, pelo queixo e eu fiquei sem saber como reagir. Não
sabia o que ele pretendia fazer naquele momento, já que desenterramos a briga
constante sobre a guitarra. “Eu pedi ao Costello pra pôr seu nome na minha guitarra
porque eu sempre achei que a gente fosse pra sempre.”

“E a gente <i>é</i> pra sempre.” Falei baixinho, sem me afastar dele. “Você sabe muito
bem que não acabou, você sabe que eu ainda estou no mesmo lugar que você me
deixou, que eu tento te puxar pra mim de todas as formas que posso, mas você me
escapa pelos dedos em todas elas.”

“Foi você quem me feriu, Dallon.” Ele foi soltando meu queixo aos pouquinhos e eu
puxei a mão dele para um beijinho inocente. Eu estava com os olhos fechados, curtindo
aquele garoto tão próximo a mim, como aquele garoto era quando eu o conheci há oito
anos. “Foi você quem fez de mim o homem que eu sou hoje.”

“Você ainda é o <i>meu menino</i>, Crawford.” Sorri fraco, reabrindo os olhos.

“Eu nunca quis um segundo pai. Eu quis meu homem." Confessou, abaixando a cabeça.
"E eu acho que o perdi e o perco cada dia mais pra esse mundo injusto."

“Você não me perdeu, Een.” Falei quase num lamento por ter perdido aquilo. “Não me
perdeu nem por um segundo sequer. Eu fiz tudo errado, o tempo todo, eu sei, mas eu
ainda sou o mesmo como tudo o que está nesse apartamento.”
“Tem certeza, Dallon?” Ian voltou a me olhar, afastando-se ligeiramente. “Quantas
foram às vezes, só essa semana, que você foi lá em casa me perguntar se eu estava bem
ou me convidar pra um sorvete? Você só me procurou essa semana pra que eu te dê
respaldo, sabendo que eu nunca vou negar nada pra te ajudar, mesmo sendo contra sua
teimosia e, principalmente, quando você se envolve com o caso e fode toda sua vida.”

“Mas você não me deixa provar que eu ainda...” Suspirei. “Você vive me dizendo que
eu tenho espaço pra mudar e não me aponta os erros!”

“Porque ninguém tem o direito de apontar os erros dos outros.” Deu-me um beijinho no
rosto e eu virei o meu, encostando nossos lábios por um momento, então ele murmurou
bem baixinho, sem nos afastar: “Não faz assim, Dallon. Você tem que descansar. Eu
durmo com você hoje, pelos velhos tempos.”

“Você não me deixa escolha. Eu sempre tento aproveitar as oportunidades que eu tenho
pra te falar do que eu sinto.” Murmurei e Ian sorriu meio forçado. Nós fomos deitando
em silêncio, docemente. Não trocamos mais uma palavra sequer, mas foi o suficiente
para deixar vivo em nós o que nunca havíamos deixado morrer. Novamente estava ali
uma prova de que quando o sentimento é verdadeiro, ele ressurge das cinzas como uma
fênix.

Mas na verdade... Ian e eu jamais deixamos nossos sentimentos morrerem,


mesmo afogados em mágoas.

Dormir naquela noite não foi fácil. Não porque eu não tinha cansaço o suficiente
para dormir, mas porque as palavras de Ian decidiram fazer morada em meu coração. Eu
estava cansado demais, mas com Ian ali e depois de termos um tipo de conversa que
raramente tínhamos, me fez demorar um tempo grande pra dormir, mesmo com o
carinho de Ian que parecia não conseguir dormir também.

No dia seguinte, ouvi a pequena Sarah tentar bater na porta de meu quarto,
porque não havia me visto ontem de noite e nem hoje pela manhã. Ouvi Brendon
reclamar da minha suposta irresponsabilidade, mas Hayley acabou pedindo pra mim a
manhã de folga, porque eu estava realmente sem querer levantar dali, ainda mais que
Ian estava dormindo comigo, usando apenas a parte de cima de um dos meus pijamas,
com sua cabeça deitada em meu peito. Embora só existisse policiais naquele
apartamento, eu gostava de manter a minha vida privada em segredo. Não queria ter que
explicar porque ele estava ali. Não queria que meus amigos me vissem como um bobo
apaixonado pelo Ian, estragaria meu plano de investigação com Ryan.

"Sabe, Ryan, eu não entendo o porquê você veio cuidar de mim." Brendon reclamou.
"Eu vi você de risinhos bobos pra cima do Dallon na reunião e o ajudando no carro mais
cedo. Sabe, aquilo não soou amistoso."

"Eu cuidei de você desinteressadamente, B." Ryan apenas falou.

“Ryan, você tá a fim do Dallon, não é?” Ryan, com certeza, levou um belo susto, até
porque ele notou meu olhar bobo pra cima do meu querido Ian. Imagino que ele tenha
continuado inexpressivo (e na verdade, eu apurei os ouvidos para ter certeza do que
acontecia a minha volta, na minha cozinha e para saber o que fazer, a final tínhamos um
combinado). “Vocês ficaram feito dois idiotas rindo da cara um do outro, como o
Brendon mesmo disse.” Hayley era quem perguntava.

“Uh.” Ryan falou, dando uma risada em seguida. “É, a gente combinou de sair juntos
qualquer dia desses, Hayley, pra se conhecer melhor, sabe? Mas, na verdade, somos
bons amigos.”

“Amigos como você e eu fomos, Ry?” B perguntou e apenas por sua voz, conseguia
decifrar sua expressão; sua sobrancelha esquerda com aquela pinta charmosa acima da
mesma erguida ao ponto máximo, enquanto estrategicamente, erguia os óculos de aro
grosso, mas que de certa forma caíam muito bem junto à sua pele tão branquinha.

“Não, Brendon.” Ryan falou num murmúrio tão baixo que eu tive que decifrar as
palavras por um momento. Ian se ajeitou em meu abraço e eu não contive o sorriso
bobo. Reabri os olhos pra ter certeza que o homem da minha vida estava deitado comigo
e procurando por abrigo e coberta. Paternalmente, o cobri. “Amigos como Spencer e eu
somos. Amigos em quem eu posso confiar. Com quem eu posso realmente contar na
hora da angústia. E, aliás, o que o Dallon gosta, hm? Não quero errar no encontro.”
Provocou e eu acabei dando uma risada baixa.

“Downtown*.” Hayley respondeu e ouvi Brendon repreendê-la dizendo:

“Deixe que ele descubra sozinho.”

Devagar eu soltei o Ian Crawford. Foi difícil pra mim, mas eu tive que fazê-lo,
principalmente depois de ouvir Sarah reclamando mais uma vez que queria me ver antes
de ir pra creche. Ela tentava girar a maçaneta da porta, mas não tinha forças pra isso,
então ouvia aqueles resmungos de quem estava fazendo uma força extra pra conseguir
qualquer coisa. Não conseguia esconder a felicidade por ter trabalhado muito com
Crawford na madrugada de ontem e mesmo só tendo dormido por duas ou três horas no
máximo, me sentia o homem mais vivo de todo mundo. Sem falar da conversa que eu
me prometia, seria um marco, porque eu queria aquele homem pra mim de novo.

“Sarah, não bate na porta do Dallon.” Reclamou Hayley, mas eu abri a porta,
surpreendendo-a num sorriso grande e ganhando um abraço tão forte que só completaria
meu estado de espírito. Fechei a porta sem ter certeza se a menina viu Ian lá e a levei
pra cozinha no colo, após dar um beijinho no rosto dela bem demorado.

“Eu tava com saudades tio Dallon.” Ela falou manhosa, enroscando as mãozinhas em
meu pescoço. “Não gosto quando você some e me deixa sem te ver. Eu sempre quero
brincar um pouquinho com você.”

Aquelas palavras me remeteram a Ian. Talvez ele estivesse certo em dizer que eu
estava desfazendo de minhas prioridades reais para me manter um policial exemplar. Eu
tinha família, a final, eu tinha a Sarah e a infância dela para perder. A confiança que ela
tinha em mim. Diferente dos pais dela, eu era o melhor amigo, eu era a pessoa em que
ela confiava tudo o que sentia. Crawford estava certo em dizer que eu não estava
percebendo aquilo que realmente me importava passar por entre os dedos e enquanto
isso não mudasse, ele não seria meu novamente.
“Eu prometo que a gente vai tomar sorvete com o Daniel um dia desses, hm?” Falei,
sorrindo. “Você, eu, o Daniel e o tio Ian.” Entrei na cozinha, onde os três tomavam café
juntos em volta da mesa. “Oi, pessoal.” Falei baixinho. Ryan foi o primeiro a levantar e
dar-me um beijo no rosto, carinhosamente. Na verdade ele só fez aquilo para ser sincero
e dizer um “precisamos conversar” bem baixinho e eu tive que concordar com a cabeça.

“Falando no tio Ian... O que ele tá fazendo dormindo na sua cama?” Falou,
inocentemente e curiosa. Todos os olhares se voltaram para mim e eu coloquei Sarah
em uma das cadeiras, com uma pilha de livros pra que ela alcançasse a mesa. “E ele tá
sem camisa. É feio dormir sem camisa, tio Dallon. A gente fica resfriado.”

“Sarah, você... Ahn, você se lembra quando no halloween você dormiu com o Daniel,
dividindo a cama com ele?” A menina assentiu infantil. “E a mamãe dividiu o quarto
dela com o tio Ian e o papai--”

“Papai Josh ou papai Brendon?” Perguntou, torcendo os lábios.

“Papai Brendon.” Hayley tratou de responder. “Joshua dormiu na sala, meu amor, com
Jon e Zac.” A menina tombou a cabeça para o lado, como se tentasse descobrir onde eu
queria chegar com aquela explicação.

"Então, docinho..." Sorri forçado. "Tio Ian está dormindo na cama do tio Dallon como o
agente Ross dormiu no Halloween. Eu dormi no chão e ele na cama, querida.”

“Oi, detetive.” Brendon falou seco e eu acenei. “Que horas voltou pra casa, Weekes?
Não te vi voltando e, quando eu desci pra comprar o café de todo mundo, vi o carro do
doutor Crawford ali em baixo. Você anda muito rápido pra trocar de--”

“Eu voltei bem depois das quatro.” Expliquei, sentando-me melhor junto a ela, que
tratou de escolher meu café da manhã – até porque Sarah era muito observadora e sabia
muito bem o que estava fazendo – puxando pra mim um dos copos de café, os pães de
centeio e a geléia. “Een ficou na corporação até tarde, também, por causa de uns casos
dele e ele me viu sem ter como voltar e todo atrapalhado com os post-it do meu
computador que ele teve dó de mim e eu o convidei pra dormir no meu quarto.”
“Olha o casal aí.” Falou Hayley, jogando uma migalha em mim. "O casamento sai
quando?"

“Só amizade, Hayley.” Falei, meio lamentando. “Não tem mais nada acontecendo além
da nossa amizade.”

“Amizade colorida, certo?” Hayley insistiu e eu encolhi os ombros, como se isso fosse o
suficiente para encerrar o assunto e responder a pergunta de Hayley ao mesmo tempo.

“Ele sabe que você está de quatro pelo Ryan?” Brendon falou, visivelmente enciumado
e eu guardei minha risada pra mim. Eu estava visivelmente de quatro pelo Ian, deixando
que ele fizesse o que bem entendesse de mim e dos meus sentimentos, porém Urie
estava cego por ciúmes de uma relação que nem existia, mas eu tinha que fingir ao
menos um pouquinho. “É por Ryan que você está na coleira, certo?”

“Ian sabe tudo sobre mim, B.” Suspirei pesadamente, pegando o que Sarah tinha
separado. “Não há nada meu que fique encoberto aos olhos de Ian. Já tem mais de oito
anos que a gente é... amigo. Então, ele sabe sim. Sabe de cada passo que eu dou.”
Confirmei novamente com a cabeça, arrancando um olhar reprovador de todos os que
estavam à mesa, exceto de Sarah que estava feliz ao brincar com sua tigela de cereal. Eu
abaixei os olhos momentaneamente, mas sorri pra mim, pela noite que vivi ao lado do
meu amado. Jamais me arrependeria te der contado, porque readquiri o cheirinho dele
em meus lençóis e poderia me entorpecer com aquele cheiro por mais um período de
tempo.

“A gente <i>realmente</i> precisa conversar, Weekes.” Falou Ryan me fazendo


assentir. Tomamos café da manhã juntos e eu ainda fiquei de pijama. Não tava muito a
fim de ir pra corporação e queria que Ian acordasse para irmos juntos. Brendon foi com
Hayley e me deixou sozinho com Ryan que, antes de eles saírem, me abraçou por trás,
num gesto amistoso, para provocar ciúmes. E ele conseguiu. Me soltou logo que
Brendon saiu. “O que você contou pro Crawford exatamente, Weekes?”
“Não foi fácil tentar esconder, Ryan.” Falei, abaixando os olhos. “Ele seguiu a gente.
Ele sabia que eu não costumo ir ao Great Salt Lake com um cara sem falar com ele. Ele
seguiu a gente porque o Brendon falou que você era perigoso.”

“E isso não me respondeu ainda.” Ryan insistiu.

“Ele sabe tudo.” Respondi. “Ele tá me ajudando. Enquanto você cuidava do Brendon, eu
tava trabalhando e a Ian viu toda minha pesquisa. Não tive como mentir, além do que,
ele é de confiança.”

“Só porque você <i>dormiu</i> com ele, Dallon, não quer dizer que você possa confiar
algo perigoso assim.” Ryan falou arredio, enquanto eu erguia a minha sobrancelha,
como se buscasse uma resposta e, ao mesmo tempo, o que me vinha em mente era que
ele estava jogando algumas indiretas para ter certeza se realmente estava acontecendo
alguma coisa nova entre Ian e eu.

“O Ian é o cara que me dá respaldo toda vez que eu preciso, sabe? Ele salva minha vida
e minha carreira dia a dia, entende? Ele não é de confiança só porque parece que eu
dormi com ele de ontem pra hoje. Ele é de confiança porque ele me ajuda e me sustenta
em tudo o que eu preciso. Eu só estou de pé aqui, porque ele existe.”

“Tem certeza? Nós estamos falando de coisas realmente sujas.” Ryan disse, ainda
receoso.

“Você me contou um segredo seu, agora é minha vez de contar um meu.” Falei, me
sentando perto de Ryan no sofá. “Eu fui casado com o Ian por três anos... Na verdade,
eu sou casado legalmente com ele ainda. Por isso ele me conhece tão bem. Eu comprei
esse apartamento pra morar com ele e pro casal de filhos que pretendíamos adotar
juntos. Por isso é que ele me seguiu quando ontem, ele investiga todos os que se
aproximam de mim e eu dele. Tenho certeza absoluta que ele desceu ao arquivo, não só
por estar preocupado com minha demora, mas porque queria saber quem era Ryan
Ross.”
“E eu pedi o divórcio, que ele não deu – e eu não me importei com esse detalhe
minúsculo - porque ele tinha essa mania ridícula de me proteger. Só que isso me
sufoca.” Ian falou, ainda usando só uma calça de meu pijama que ficava enorme para
ele. O médico em formação me abraçou por trás, pelo pescoço, mantendo seu olhar no
Ryan. “Além dessa mania de proteção que ele tem, ele me trocava por trabalho. Fazia
esses turnos iguais aos de ontem diariamente, me deixando sozinho. Então eu decidi me
divorciar dele, mas nem assim ele se atentou pra vida.”

“Deixe-me ver se eu entendi.” Ian deu a volta no sofá e sentou-se em meu colo,
timidamente. Eu enlacei possessivamente sua cintura e nós dois mantivemos o olhar
fixo em Ryan que acompanhava a cena, meio perplexo. “Vocês são um casal, estão
casados legalmente, moram separados porque o Ian quer atenção e o Dallon não cuida
bem do casamento de vocês? Isso soa... ridículo.”

Ian e eu nos entreolhamos. Ninguém nunca havia reduzido nossos problemas à


falta de cuidado e necessidade por atenção. E falado da forma que foi, parecia que tudo
era tão banal, tudo era tão pequeno e tão infantil. Ian sorriu ao que nossos olhares se
encontram e eu torci os lábios. Estava tentando absorver as palavras de Ryan.

“Eu to falando isso porque se eu tivesse uma pessoa e fosse com ela <i>metade</i> do
casal que vocês são – e olha que eu to aqui há poucos dias e já enxerguei o quanto vocês
se gostam – eu me mataria para não deixar acabar.”

“Josh disse quase a mesma coisa. Que eu sou utópico em tentar protegê-lo do mundo em
que vivo.” Encolhi os ombros e Ian franziu o cenho.

“Você contou pro Joshua da gente?” Perguntou. “Tô começando a me orgulhar de você,
Dallon.”

“Não disse seu nome ao Josh, Ian.” Suspirei. “Só contei nossa situação, pra que ele se
encorajasse a mudar a tática para conquistar a Hayley de novo.” E o silêncio reinou por
mais alguns momentos até que Ryan voltou a falar, com um tom indignado.
“Vocês realmente terminaram por causa da mania de proteção do Dallon?” Ryan
perguntou meio constrangido. “Quero dizer, eu vi na reunião como vocês ainda se
gostam e como vocês deviam, <i>muito</i>, estar juntos. Não tem mesmo outro motivo
pra ter acabado um casamento de três anos?”

“Viu só, Ian...” Brinquei e ele apenas me mandou um beijinho de brincadeira. Ryan
corou instantaneamente. “Não sou só eu que acha que você devia ficar comigo de uma
vez.”

“Eu não falo mais nada, Dallon.” Todos nós rimos enquanto Ross arqueava a
sobrancelha, como se esperasse a nossa resposta. Nos entreolhamos novamente e eu dei
um suspiro maior, respondendo:

“Não, não teve outro motivo.” Neguei com a cabeça. “No início, quando ele me pediu o
divórcio – que eu não dei até hoje – eu fiquei bastante irritado, achei que era uma
desculpa pra ter outros caras e qualquer coisa relativa a isso, mas depois ele me explicou
que nós estávamos casados pela metade se não fôssemos grandes amigos antes de
sermos amantes.”

“Eu volto a repetir, se eu formasse um casal tão cúmplice quanto vocês, com aquele que
eu amo, estaria defendendo meu casamento com unhas e dentes.” Ryan encolheu os
ombros. “Eu queria ter metade do que vocês desprezam com o homem que amo.”

“Brendon?” Ian perguntou baixinho. “Você nunca foi a pessoa mais atenta do mundo,
Ross, mas eu estudava na mesma escola que você e Brendon. Eu vi de longe o romance
de vocês, então eu vi como você era com os outros e como era com Brendon. Eu disse
ao DeLon que vocês seriam pra sempre.”

“Está tão na minha cara assim?” Mordeu o canto do lábio.

“Tanto quanto está na cara do Dallon que ele me ama.” Ian encolheu os ombros, como
se fosse a coisa mais normal do mundo a se dizer. Eu acabei rindo da situação, mas
minhas bochechas estavam mais coradas que o normal. “E eu gosto dele também,
confesso, mesmo ele tendo roubado minha guitarra autografada pelo Elvis Costello.”
“Você tem uma guitarra autografada pelo Elvis Costello?” Ryan franziu o cenho, mas
logo esboçou um pequeno sorriso.

“Tenho.” Ian choramingou, manhoso. “Diz pra ele, Ryan, que fui eu que comprei a
guitarra, que eu aprendi a tocar nela. Diz que ela é minha, Ryyyyan.”

Eu mandei <i>carinhosamente</i> o dedo do meio para Ian que entreabriu os


lábios, brincando. Nós éramos exatamente daquele jeito quando estávamos juntos,
sempre rindo um da cara do outro, sempre mostrando que nossa amizade estava acima
do amor que sentíamos um pelo outro. Ryan concordou com a cabeça e não ficou muito
satisfeito com eu ter envolvido o Ian em toda aquela história, mas no final, não achou
ruim. Talvez porque não fizesse parte da personalidade dele externar tudo o que estava
sentindo. Confesso que fiquei receoso quando Crawford foi tomar café da manhã e
depois se trocar, porque ele poderia se sentir lesado e descarregar enquanto estávamos
sozinhos. Ele não tinha a expressão boa enquanto me ajudava com a louça usada por
meu amado.

“Eu fiquei de cantar pro Brendon hoje.” Falou baixinho, enquanto enxaguava aquilo que
eu lavava. Virei meu rosto em sua direção, sorrindo de levinho para ele. “E eu não sei o
que cantar.”

“Escute seu coração falando.” Expliquei. “Todo músico guarda em si, uma canção para
cada ocasião. Você ainda é um músico, porque ninguém consegue ser feliz sem fazer
com que seu coração bata um ritmo musical, Ryan.”

“Esse é o grande problema.” Suspirou outra vez. “Eu bani a música da minha vida há
muitos anos, Weekes. Bani pra sempre. Eu não tenho um repertório, não tem como eu
cantar algo.”

“Hmmm.” Torci os lábios momentaneamente, pensando em que música se encaixaria


bem na situação deles. Claro, eu não conhecia a história, então seria um bocado
complicado para eu acertar em cheio algo como aquilo, mas eu sabia que Ryan sentia
algo por Brendon. “Na primeira vez que eu tentei me reaproximar do Ian e que ele me
mandou passear de novo eu toquei ‘I Believe in You’ do Bob Dylan pra ele. Tudo bem
que ele fingiu que não ouviu e não voltou pra mim, mas pode funcionar pra você.”

“Dylan?” Ergueu a sobrancelha. “Você tem algo dele pra eu ouvir? Faz muito tempo
que eu não lembro mais como cantar.”

“Tenho.” Assenti. “Dylan, Costello... Sempre tenho perto de mim. Mas sabe o que seria
bastante significativo? Se você tocasse uma música que já tocou pra ele, se você o
fizesse lembrar o que aconteceu enquanto você tocava pra ele essa música.”

“More Than Words, Extreme?” Ryan mordeu o cantinho do lábio. “Acho que essa sua
idéia pode dar certo. Ele achou que eu era um alienígena, mas pode dar certo.”

“Você tocou essa música pro Brendon, mesmo?” Franzi o cenho. “E mesmo assim ele
acha que você não dá a mínima pra ele? Mas que porra acontece com o Urie? Ele é
cego!” Ryan apenas deu uma risadinha fraca.

Para um homem frio, Ryan até que estava lidando muito bem com a idéia de
estar musicalmente interligado a Brendon. E o fato de ele se preocupar com o que
poderia fazer por Brendon, agora que ele parece ter caído em um poço, onde ele não
consegue enxergar as cordas que os amigos jogavam pra ele. Talvez o som da voz
grossa de Ryan Ross, o amor de sua vida, o faça voltar a ver a luz que há no final do
túnel.

Ryan foi sozinho para o departamento de polícia. Ian e eu demoramos um pouco


mais porque ficamos brincando um pouco de fazer música. Ian também deixou algumas
dicas para que Ryan seguisse e ninguém desconfiasse de que nossos planos de sair para
nos conhecermos era falso, de que era tudo forjado para que nós conseguíssemos nos
ver e conversar sobre o caso sem nenhum outro policial se intrometer no meio.
Crawford me conhecia bem demais. Era ele o manual perfeito de como me conquistar!
A verdade era que eu não queria ser conquistado por outra pessoa. Eu só queria ser do
Ian e de mais ninguém.
Ir para o nosso departamento já foi bastante difícil com tudo o que aconteceu.
Passei com Ian no hotel que ele chamava de quarto e tive que me segurar bastante
quando ele trocou de camisa em minha frente. Não era algo sexual, valia diferenciar. Eu
só queria abraçá-lo sem que nossas peles estivessem cobertas. Cada dia que passava eu
ficava mais certo de que Ian Miles Crawford era o amor da minha vida. Ir pro
departamento era uma prioridade e ao mesmo tempo uma necessidade que eu tinha que
fazer. Eu pegaria o retrato falado de Daniel e levaria ao magistrado atrás de um mandato
de busca e apreensão. Tudo o que eu queria era colocar as mãos em Carl antes de Ryan,
para que ele pagasse por seus crimes na cadeia.

Quando eu cheguei ao lado de Ian, Zachary já estava em minha sala com uma
cópia do retrato falado do homem. Daniel havia falado tudo o que sabia, como um bom
agente. Dado o máximo de detalhes do crime que conseguira, acolhido nos braços do
pai e da mãe – que eu não conhecia, mas gostaria -, assistido por uma psicóloga e frente
ao Brendon. Soube que houve um juramento de Brendon e de Spencer, sobre pegar Carl
acima de qualquer outra coisa. Ele havia mexido com o esquadrão errado de policiais.
Daniel ficaria internado mais uns dias e Spencer sequer pensava em se mexer dali.
Assim que tive o trabalho de Zachary em mãos fui ao juiz. Eu tinha motivos o suficiente
para ir atrás de Carl.

Sorri formalmente ao ser chamado na sala do juiz Marshall. Andei


vagarosamente – mas não menos seguro de mim mesmo – até chegar às poltronas em
frente à mesa de vidro, onde me sentei. Entreguei meu iPad ao magistrado com cuidado,
sem ser ofensivo.

“Esse é o retrato-falado que a vítima Daniel Heckenberg fez de seu agressor.” Falei.
“Quero um mandato contra ele.”

“Achei que você e eu tínhamos um trato. Que ficaria longe de Carl Windsor.” Falou o
juiz, erguendo uma sobrancelha. “Por que isso agora?”

“Não estou reabrindo o caso, estou te entregando uma evidência.” Encolhi os ombros.
“Eu estou aqui, com uma evidência de uma vítima que tem pais policiais. Para o próprio
bem do acusado, meritíssimo é melhor que meu departamento o pegue logo e o coloque
em novo programa de proteção.”

“Novo caso?” Perguntou curioso. “Qual o caso?”

“O nome da vítima é Daniel Heckenberg. Ele é filho de um marinheiro morto em


combate e de uma marinheira, Haley Heckenberg que assumiu a criança sozinha depois
da morte do garoto. Atualmente, ela é casada com o agente federal Spencer Smith.”
Falei, mordendo o canto do lábio, continuando em seguida. “Daniel Heckenberg foi
achado pelo policial patrulheiro Johnson, meu ex-parceiro, que trouxe o menino pra
mim. Eu agi completamente dentro da lei, meritíssimo.”

“O que aconteceu com a vítima, detetive?”

“Após ser achada, a vítima foi conduzida ao hospital de nosso departamento como
prioridade como o deve ser feito quando se trata de uma criança. A vítima tem apenas
nove anos, doutor e é um desses agentes mirins do FBI.” Suspirei, mais para tomar
fôlego que pra qualquer outra coisa. “No hospital, o doutor Walker constatou abuso
sexual e com objeto cilíndrico pontiagudo, que pode ser desde cabo de vassoura à
vibradores comprados nessas lojas especializadas, ou também pode ter sido o próprio
órgão genital do homem de mais de vinte anos. Pedimos a vitima que fizesse a descrição
do homem e o pequeno o fez, resultando nesse retrato-falado.”

“Mais alguma coisa?” Marshall perguntou.

“O menino apareceu com uma queimadura no anti-braço direito, feita com algum objeto
fino e pontiagudo que se tratava de uma letra ‘c’ que eu acredito ser a inicial do
primeiro nome do homem que quero incriminar por esses crimes. Pra mim esse ‘c’ é de
Carl Windsor, como no bilhete assinado por ele.” Expliquei. “Eu to colocando a minha
cara a tapa aqui, correndo o risco de ser preso, porque no bilhete ele me acusa
diretamente de estar investigando-o. O caso bateu em minha mão por causa da
semelhança que há entre o caso dele e do assalto que investiguei sem muito sucesso.”
“O caso de Brendon Urie.” Falou e eu assenti. “E além do testemunho da vítima, o que
mais você e sua equipe têm?”

“O bilhete assinado claramente por ele.” Falei. “Tudo bem que as letras sejam de
computador, mas por que alguém ia querer incriminar Carl Windsor dessa forma?”

“Certo.” Marshall demorou um pouco mais que eu esperava conversando comigo sobre
meu casamento com Ian e sobre qualquer outra coisa. Éramos amigos e por isso ele
havia me dado respaldo judicial em algumas coisas que precisei fazer. Enviou
diretamente ao meu e-mail e me deu uma cópia do mandado. Do fórum mesmo,
enquanto saía, liguei para Ian e pedi para que ele distribuísse as copias dos mandatos
aos demais.

A temporada de caça ao monstro estava aberta. Achá-lo era o grande problema.

<i>Salt Lake City, 2002.

Algumas conclusões a gente chega enquanto adulto, como por exemplo, que em
nossa adolescência não damos o real valor à felicidade que temos e transformamos as
menores coisas em dramalhões provenientes de novelas mexicanas. Brendon Urie era
pleno demais em sua adolescência para existir outro igual no mundo todo. Brendon era
diferente do resto do mundo, porque tinha em si um sentimento que de tão puro, nunca
havia existido outro igual. Seu coração disparava na presença do seu amado. Sim, ele
amava um garoto. Um homem que lhe completava, embora naquele momento, nunca
havia chegado perto dele, sequer conhecia seu nome, sua idade ou seu telefone. Só
sabia que quem ele amava, estudava no mesmo colégio mórmon que ele e que era muito
atraente. Mais atraente que tudo o que já vira e que tudo o que desejava.

Mas o frágil coração de Brendon já estava enviando sinais a sua mente de que
aquele sentimento estava forte o suficiente para durar para o resto da eternidade. Um
sentimento que começava a tomar o controle de Urie, como se de repente, seu cérebro
não servisse para mais nada além de cobrir seu corpo com hormônios de puro amor.
Ele não continha o sorriso nos lábios e nem se impedia de sentir todo aquele turbilhão
de emoções novas. O amor amava Brendon, como Brendon desejava que o amor
mudasse seu mundinho adolescente para melhor.

“Brendon?” Spencer chamou baixinho, enquanto a professora velha e de óculos


tentava explicar alguma coisa sobre matemática avançada. Uma aula que Urie era
realmente bom, mas que naquele momento não tinha graça nenhuma, porque ele só
tinha cabeça para o aluno novo e cheio de marra que havia chegado à escola.
“Brendon, você vai sair hoje?”

“Hmm?” Perguntou balançando a cabeça. “Não, não, não, Smith. Eu ainda tenho que
convencer meu pai que eu sou bom demais na música pra fazer qualquer outra coisa,
sabe? Aliás, eu quero fazer aulas de piano, mas ele não me paga pelas horas que eu
passo na confeitaria, e não me deixa arranjar emprego pra conseguir dinheiro em
outro lugar.”

“Seu pai é um saco, às vezes.” Spencer encolheu os ombros. “É que eu soube, pela
outra turma, que o carinha por quem você está suspirando vai tocar num bar em
Downtown. Sabe, nesses bares de karaokê e essas coisas musicais toda. Dizem que
nesses bares, eles pagam uma grana alta pra quem faz música bem.”

“E eu faço música bem?” Brendon perguntou, como se por um momento tivesse


duvidado do que afirmara a momentos atrás. Spencer riu baixinho e voltou a atenção
para a professora velha que ignorou a conversinha paralela dos dois. Talvez porque
eles fossem os melhores da turma.

Era a primeira vez que o coração de Urie o mandava ser louco daquele jeito, ou
talvez fosse a primeira vez que Urie fosse ouvir seu coração de fato. Colocar um violão
nas costas, pronto para tocar qualquer coisa que lhe fosse pedido e ainda ganhar por
isso. Se desse sorte, conseguiria fazer amizades por lá, ou conseguiria um dueto com
seu amado. Era sonhar demais, mas Urie nunca tinha se incomodado em ser chamado
de sonhador, por mais tolo que soasse. O menino contou as horas para que a noite
chegasse, para que seus pais e seus quatro irmãos dormissem e ele pudesse fugir com
tranqüilidade para o tal do bar que Spencer tinha conseguido para que seu amigo fosse
um pouco mais feliz. No momento, Urie não estava feliz, ele estava... ansioso.
E houve mais tantas discussões entre Brendon e seu pai naquela noite que
roubou por um momento sua felicidade de tocar para um público verdadeiro, um
publico que com certeza aplaudiria seu trabalho com a guitarra e com voz também.
Brendon se arriscava cantar, embora quando eles se juntavam num parque ou na casa
de Hayley – que tinha os pais mais liberais quando o assunto era música – a maioria
das tais vezes quem fazia voz, mas naquele momento Urie realmente não se importava.
A música parecia ainda mais forte dentro de Brendon e esse era o motivo de ele querer
fugir correndo para o bar, claro que depois do garoto da outra turma que tocaria lá
naquela noite. Como descer pelo telhado e usando a bandeira dos Estados Unidos de
tirolesa não seria muito fácil levando uma guitarra, Brendon Urie decidiu deixá-la em
casa mesmo quando deu a hora de ir. A adrenalina que corria em seu corpo era
combustível o suficiente para que ele enfrentasse seus medos, porque até aquele exato
momento, nem ele e nem o amigo que havia pegado emprestado o carro de seu pai
(escondido), não havia cometido nem um loucura sequer. Quando os pés de Brendon
tocaram ao chão, ele calou um grito silencioso de “yay” por ter realmente conseguido
sem fazer nenhum barulho. Correu ao carro e foram ao tal bar.

Não era um lugar dos mais aconchegantes, mas tinha lá seu charme. Era um
lugar simplório, quase que como um desses bares para motoqueiros que os filmes dos
mesmos. Brendon não reprimiu o sorriso e os dois – Spencer e ele – colaram bigodes
falsos no rosto para ficar com cara de mais velho. Passaram uma meia-hora, ou menos,
ou mais, nunca teria um tempo exato, rindo um da cara do outro, antes de Brendon
Urie bagunçar seu cabelo e ajeitar sua jaqueta de couro que o deixava com cara de um
adolescente mentiroso. Spencer não ficava atrás com um bigode desproporcional a
coloração de seu cabelo, deixando claro que era de mentira. Suspiraram baixinho e
entraram no bar, deparando-se com tudo muito rústico. Urie infantilmente ergueu os
pés em busca do menino que lhe encantava, mas era difícil ver alguma coisa, já que os
homens eram grandes o suficiente para tapar o campo de visão do pequeno Urie.

Apossaram-se de uma mesa e pediram algo sem álcool. Spencer justificou que
estava dirigindo e que não podia abusar do álcool e Brendon encolheu os ombros,
como quem dissesse que não tinha motivo, ele só não queria beber por hora. Ele queria
sentir o som que vinha de seu coraçãozinho inundado de coisas boas até o exato
momento. Sentia o coração disparar com tudo o que ouvia naquele lugar e o coração
de Spencer batia com a bateria que estava atrás do piano.

“Por que está aqui?” Perguntou um dos garçons que trouxe as bebidas. “Geralmente
são sempre pessoas mais velhos ou adolescentes problemáticos que vêm pra cá...”

“Eu vim pela música.” Urie falou. “Meu pai não me dá dinheiro pra fazer aulas de
piano. Soube que se eu fizer um showzinho relativamente bom, vocês pagam por meu
show e eu posso pagar as primeiras aulas, o resto eu me viro.”

“É uma boa causa.” Encolheu os ombros. “Boa sorte, senhor.”

Os garotos assentiram, tomando das bebidas que haviam sido postas em sua
mesa há poucos minutos. Ryan ainda não havia chegado ou eles não conseguiam ver
sua presença. Aquilo frustrava demais o menor, mas sair dali com dinheiro lhe
agradava muito. A noite era reservada aos temas de filmes. Tocaram bastante coisas
naquele palco. Uns ruins e uns excelentes. Ryan tocou “Help” dos Beatles, do filme de
mesmo nome. Brendon levantou-se pra tocar também e muito poucos deram crédito a
apresentação do menino disfarçado. Mas ele foi muito bem. Muito bem mesmo com o
seu Marsh-up de Singing in the Rain com Forever Young. A voz de Brendon e seu
violão – que na verdade era do bar – fez com que todo mundo dançasse, já que mesmo
usando só dois instrumentos (Spencer tocou bateria) eles conseguiram um bom
dinheiro.

Voltaram pra mesa e encontraram um menino sentado lá. Um menino que


disparava o coração de Brendon, um menino que o havia tomado para si e agora
beliscava uma cerveja. Brendon acompanhou o movimento eficaz da garrafa e sorriu,
voltando a se sentar esparramado na cadeira, segurando consigo o maço de dinheiro
que seria dividido por dois.

“Você foi muito bem.” Falou o que bebia. Brendon sorriu doce. “Eu não sabia que
você tocava.”
“Toco desde criança, mas ultimamente meu pai não quer que eu toque mais.” Torceu
os lábios de forma infantil, beliscando de sua bebida com destreza, mantendo a postura
desleixada mesmo perto do amor de sua vida. O menino viu uma certa semelhança
consigo mesmo e por isso deu um sorrisinho.

“Quem é seu pai?” Perguntou o homem. “Você tem talento e não devia desperdiçar
isso fazendo outra coisa. Vocês dois têm talento, na verdade. O arranjo ficou excelente,
embora com só dois instrumentos.”

“Obrigado.” Spencer disse, sorrindo. Pegou o dinheiro e foi para outra mesa contar
quanto tinha. Mas foi mesmo para a outra mesa porque sabia que Brendon era louco
por aquele garoto.

“Meu pai... Hm, ele é um matador profissional temido pelo resto do mundo!” Exclamou
o pequeno com bigode, bem baixinho, mas brincando. Ryan, por sua vez, deu uma
risadinha ao identificar a travessura infantil do garoto. “E você? O que faz aqui?”

“Eu sou filho de um empresário rico que não tem dinheiro pra nada e freqüenta lugares
como esse pra conseguir dinheiro pra financiar a venda de órgãos humanos e de
animais pra fora do país.” Respondeu em tom de brincadeira, fazendo com que o outro
erguesse a sobrancelha. “Eu gosto de tocar. Eu fico vazio sem música.”

“Por favor, me chame de Brendon.” Sorriu grandinho, tendo as bochechas coradinhas


pela timidez, tendo que finalmente se desfazer da personagem brincalhona que havia
criado caso o outro se aproximasse.

“E eu posso te pagar uma cerveja ou você é do tipo que fica só na água?” Brendon
ponderou por um momento. Era menor de idade e estava naquele lugar escondido do
pai, mas por um minuto ele pensou que não poderia decepcionar o homem em sua
frente, que sentava desajeitado, quase que jogado em cima da cadeira, espaçoso e ao
mesmo tempo com um quê imponente que tirava Brendon do chão com a mesma
facilidade que fazia suas bochechas corarem como as de uma criança tímida por ter
feito a gracinha que seus pais acham bonitinho . “Tudo bem, eu já tenho minha
resposta.”
O acompanhante de Brendon fez um gesto pro garçom, que sorriu ao ver o
homem chamando e veio ao encontro dele, sem quase pestanejar ou sem desfazer o
sorriso. O garçom se aproximou, ganhando um forte aperto de mão. Meu amigo
Brendon imaginava consigo mesmo que aquele lugar era freqüentado por seu
acompanhante a mais tempo que ele, já que tinha algum tipo de relacionamento por
ali. Pra disfarçar o ciúme que esse pensamento lhe trouxe, o menino sorriu para o
garçom, acompanhando o pedido do maior com todo cuidado:

“Traz pra cá uma vodka e um suco de laranja para os meninos.” Apontou Spencer na
outra mesa e Brendon apenas sorriu. Ele estava querendo arranjar um motivo para
beber, mas ainda parecia não ter achado o motivo certo pra beber. Seu acompanhante
colocou algumas notas generosas no bolso do garçom, aproveitando para deixar-lhe
um aperto na região traseira que o fez sorrir com cinismo e fez o outro se ajeitar na
cadeira. Percebeu que precisaria engolir seus ciúmes – que não tinha o mínimo direito
de sentir – com um pouco de bebida.

“Ele não vai poder sentar por uma bela temporada...” Brendon encolheu os ombros,
arrancando uma gargalhada gostosa do acompanhante, embora concordasse que tinha
usado muito mais força que o necessário, mas sabia também que muitos garotos
gostavam dos apertos bem mais fortes que o necessário.

“Mas ele gosta assim.” Encolheu os ombros pra explicar. “E eu só sei fazer forte.”
Brendon sentiu um arrepio indevido por sua espinha e sorriu com um deleite quase
inexplicável, mas ainda sim sem usar de malícia. “E você também, por seu sorriso, eu
posso concluir.”

Brendon Urie corou instantaneamente e quando as bebidas chegaram, o maior


as pagou e adicionou parte da sua vodca ao suco de laranja do que mais parecia um
tomate em sua frente. Ao tomar a bebida batizada, tossiu, revelando ser sua primeira
vez com bebidas fortes e destiladas.
“Um virgem em bebidas!” Sorriu com o canto dos lábios, transformando aquele sorriso
em uma risada superior, que fez o menor ter se envergonhado de não conseguir beber
como o acompanhante que sequer sabia o nome. “Mas eu ensino você, garotinho.”

“Sabe o que eu notei uma coisa?” Perguntou, deslizando o indicador pela borda do
copo de bebida com cuidado, sem coragem para olhar para o homem que tomava sua
bebida pelo gargalo da garrafa com uma confiança sem tamanho. “Eu não sei seu
nome.”

“E você quer meu nome pra quê?” Ergueu a sobrancelha na defensiva, mas o sorriso
tímido de meu amigo, desfez qualquer possibilidade do acompanhante manter a pose de
durão. O homem empurrou a cadeira, pra ficar bem ao lado de B e despejou um pouco
mais da sua bebida no suco de laranja. Colocou sua garrafa ao lado do suco de laranja
e com a mão livre, enroscou na nuca de Brendon de uma forma indelicada, mas
sensual. “Ryan. Pode me chamar de Ryan.”

Urie sentiu um arrepio lhe correr com o gesto que Ryan fez. Não só pela mão,
ligeiramente gelada fazendo uma carícia gostosa no princípio de seus cabelos, mas sim
por estar se deixando levar por alguém que parecia conhecer a arte de seduzi-lo como
ninguém. Não houve mais conversa, enquanto Brendon bebia o suco de laranja e Ryan
se entretinha entre goles longos de sua vodca, carinhos quase sexuais em Brendon e a
música que continuava, como tinha que ser.

Ir embora do bar foi um problema. Brendon tinha um dinheiro considerável,


mas deixar Ryan sozinho não lhe agradou. Então ele convidou um estranho pra ir com
ele para casa. Por mais que fosse só o menino novo de sua escola, ele tinha dentro de si
uma necessidade que o mandava ficar perto de Ryan o máximo que ele conseguisse.
Havia tomado, pelo menos, mais três daqueles sucos batizados com Ryan, então era
sensato. Spencer os levou pra casa e eles subiram pela janela. Brendon estava altinho
demais pra raciocinar qualquer coisa, mas Ryan não. Ryan tinha um quê de sedução,
um mistério preso em seus olhos que atraía e matavam todos aqueles que se
aproximassem, mas Brendon era uma criança inocente que só queria viver sua vida,
para transformá-la em música.
Roupa por roupa, Brendon se deixava levar pelos toques do mais velho. Desde o
toque mais inocente como um carinho na nuca até algo malicioso, como os apertões
que ele levava na região traseira. O dono da casa não poderia ser acordado, mas Ryan
não ligava e Brendon não conseguia conter pequenos gemidos de satisfação e protesto
ao mesmo tempo.

Ross percebeu o nervosismo do menino ao tirar suas roupas e imaginou o


motivo daquilo. Deixou que o corpo dele emitisse seus sinais de medo e respeitou-os
pela primeira vez. Havia sido o primeiro cara te tantos outros que não entendia o
motivo de com aquele ser tão especial. Brendon os conduziu pra cama, os deitou, e foi
se acalmando quando percebeu que eles ainda tinham as duas roupas de baixo. Ross
colaborou até certo ponto. Não fez muito, mas também não fez pouco.

Foi nesse dia que Ryan percebeu que havia uma diferença grande entre foder
com alguém até se cansar e ter um cuidado com alguém que ele nutria algum tipo de
bom sentimento. Brendon marcou Ryan intimamente.

Ryan e Brendon aprenderam naquele dia que o coração tem seus caminhos
loucos para chegar aonde quer. O coração sempre sai ferido em romances, mas eles
não precisavam mais nada para ser felizes além de si mesmos. Começava naquele dia
uma história, mas a verdade era que nenhum deles queria que aquela noite terminasse.

Salt Lake City, 2010</i>

Voltar para casa não foi fácil pra nenhum de nós. Spencer ficou sabendo que
agora o homem que estuprara seu enteado era foragido da polícia local e que estávamos
mandando o alerta às outras cidades, para que todas as polícias nos devolvam o homem
caso ele tenha fugido para alguma cidade vizinha. Era uma caçada e nós não queríamos
perder nossa presa.

Eu só consegui ir pra casa depois das três da manhã. Sozinho. Eu ainda fiquei
procurando ajuntar algumas peças a mais do quebra-cabeça que era o pai do Ryan e
porque, naquele caso, ele era conduzido à família de Windsor? As coisas pareciam
ainda mais embaralhadas em minha mente e decidi que precisava dormir.

Acredito que para todos nós fora difícil voltar pra casa sem Carl Windsor preso,
mas nada foi pior que para Joshua e Zach que encontraram os pais parados na porta de
seu apartamento, reclamando da hospitalidade do porteiro, já que os filhos não haviam
deixado claro que seus pais chegariam, reclamando que o lugar era pequeno e ridículo.
Hora era um prédio de quatro andares e pequenos apartamentos. Nada era luxuoso ou
confortável, mas dava para viver. Pra amenizar as coisas, Isabella Farro estava lá.

“Porra!” Joshua disse ao ver a família acomodada na portaria, mas principalmente ao


ver de novo uma das irmãs. Esticou os braços pra ela que correu em sua direção e o
abraçou. Zac correu da garagem até a portaria e não conteve o sorriso ao ver a irmã por
lá. “Não pensei que você viesse.”

“Mamãe disse que vinha passar um tempo com vocês e minha sobrinha que eu nunca
conheci, decidi ver.” Sorriu. “Então, Josh, cadê minha sobrinha e a Hayley?”

“Eu te conto a história deles com muita calma, depois.” Zac falou, abraçando a irmã,
enquanto Joshua foi cumprimentar a mãe. Agradeceu à portaria e os cinco subiram para
o apartamento dos garotos, quase matando os milionários de desgosto, enquanto Isabella
achava tudo muito charmoso.

“Cadê minha neta?” Perguntou a senhora Farro a Zachary que ergueu a sobrancelha pra
irmã e logo mordeu o canto do lábio.

“A mãe dela disse que a virá passar o final de semana conosco e filha. Logo elas
chegam, só foram buscar umas coisas necessárias para isso.” Respondeu. “Pelo menos
na frente da Sarah, vocês duas deviam esquecer essa briga mesquinha por motivos do
passado.”

“Mesquinha?” O pai finalmente se manifestou. “Se não fosse esse meio-confete-de-


carnaval seu irmão e você não estariam deserdados e nessa espelunca que chamam de
apartamento.”
“Com todo respeito, senhor Farro, se eu não faço mais parte dessa família, por que estão
aqui pedindo para ver a minha filha, chamando-a de netinha?” Joshua ergueu a
sobrancelha e Isabella entrou no meio da briga dois. Briga essa que vinha durando anos
a fio, porque... bem, porque as histórias do passado não deveriam dividir famílias assim.
“Não faz sentido.”

“Se tivesse se casado com a Jenna, filho, como tínhamos combinado antes não estaria
assim.” Respondeu a mãe, causando ainda mais fúria no menino, que assentou-se no
sofá, indignado com que ouvia. “Ela ainda está solteira e talvez ainda aceite um policial
falido com uma filha sem registro.”

“Não vou me casar com ela!” Joshua disse. “Se eu sou o que eu sou hoje, foi porque eu
ralei pra caralho pra chegar bem onde eu estou agora. Num esquadrão policial muito
bem sucedido. Olha pra mim, estava numa caçada até agora junto com meu irmão e
tudo o que fez foi reclamar de como essa hospitalidade é ruim, de como a casa do
Zachary é ruim, porque minhas escolhas foram ruins! Eu não quero falar do passado,
não vou usar um casamento como moeda de troca. Eu <i>amo</i> a Hayley e a minha
filha do jeito que elas são. Agora se vocês me derem licença, eu vou tomar um banho e
esperar minha filha e minha <i>ex</i>-namorada chegarem pra recebê-las com cara de
gente.”

Todos na sala ficaram meio perplexos com o que Joshua disse, mas
principalmente por ele admitir na frente dos pais que ainda amava Hayley. O homem
que era conhecido por sempre usar a razão, acabara de perdê-la pelo simples fato de sua
mãe falar de um passado recente que ainda o machucava. Isabella, ao contrário,
comemorou bastante ao ver o que uns anos de poder aquisitivo menor fizeram com o
irmão que era orgulhoso, que era mesquinho, que gostava de humilhar as pessoas só
porque ele era bom com palavras, bom em analisar fatos, fotos e vídeos. Só porque ele
era bom em argumentar. Agora estava defendendo com unhas e dentes aquilo que
perdera. Isabella e Zachary que improvisaram um jantar que os pais fizeram questão de
recusar.
Hayley chegou com Sarah uns quinze minutos depois da briga e Joshua ainda
estava no banho. Sarah, só pra variar um pouco, iluminou novamente o ambiente. Com
seus brinquedos, suas músicas. Sarah havia aprendido comigo que não existia no mundo
alguém capaz de resistir a uma boa música. Isabella ficou feliz ao ver que a menina
havia captado o gênero artístico de sua família e ajudou com a voz, assim como Hayley
e Zac. Josh veio de dentro do quarto com um violão embalado a todos.

“Papai!” falou a menina, enlaçando as pernas de Joshua. Todos pararam de tocar


inclusive Josh que pegou a garotinha no colo. “A mamãe disse que nós vamos passar o
fim de semana aqui, juntinho com você e o tio Zac, é verdade?”

“Claro que é, meu amor.” Falou Josh. “E a gente vai passar o dia com a vovó e o vovô e
a tia Bella.”

“Eu não a conheço.” Torceu os lábios, mas logo abriu o sorriso.

Qualquer um ali era capaz de enxergar um desconforto naquela família, mas


Sarah era poderosa e insistente. Ela sabia muito bem como fazer as coisas ficarem mais
fáceis, mesmo sem saber quais eram as tais coisas. Pela filha, a presença dos pais de
Joshua foi completamente ignorada, mas Hay gostava de Isabella e vice-versa. Isso
deixou tudo um pouco mais fácil.

Enquanto Hayley ia suportando a ex-sogra, eu arrumava minha mala. Inventei


um bocado de desculpa esfarrapada pra Brendon, mas falei pra Ian que queria deixar
Ryan e Brendon se entenderem. Disse pra Ian que se ele, Ryan, queria ser só metade do
que nós somos, eu não podia atrapalhar. O bom é que minha desculpa foi bastante aceita
por meu amado. Talvez ele quisesse um tempinho comigo também.

Olhei pro céu enquanto no carro de Ian, depois de pegar minhas coisas
necessárias para passar a noite, percebi então que ia chover. A chuva me traria boas
lembranças, porque fora na chuva que Ian e eu demos o primeiro beijo. Eu tinha
convidado-o para um sorvete e ele não recusou sequer por um momento. E então eu o
levei pra casa, fomos andando, já que a sorveteria era muito perto e começou a chover
bruscamente. Ian escorregou na própria calça e caiu. Levei a sério o tombo até que ele
começasse a rir. Nessa hora, eu estava muito perto dele, procurando ferimentos. Ian
puxou-me e nos beijamos. Eu não sabia que naquele momento estava abrindo a porta do
céu, mas também a do inferno.

“Vai chover...” Falei reticente.

“Filho da puta.” Ian falou, batendo no volante com força.

“Que foi?” Franzi o cenho, voltando meu olhar para Ian da forma mais rápida que
consegui.

“Você. Fica aí falando da chuva como quem não quer nada.” Justificou, me fazendo rir
baixinho, sem maldade. “Eu conheço todos os seus truques, Weekes, compreenda isso.”

“Tudo bem.” Encolhi os ombros. “Eu me lembrei da chuva, mas eu não estava
intencionado a machucá-lo dessa vez. Eu não controlei o volume da minha voz. Sem
mentira.”

“Sabe, desde mais cedo, eu não consigo parar de pensar no Ryan.” Suspirou de forma
longa. “Digo, no que ele nos falou. Eu nunca tinha notado que tudo o que eu queria esse
tempo todo era a atenção que eu tinha quando você era patrulheiro, sabe?”

“Crescer faz parte da vida, <i>querido</i>.”

“Faz tanto tempo que não me chama assim...” Sorriu fraco, nostálgico. “Eu gostava de
ser chamado assim quando você ainda... é. Deixa isso pra lá.”

Ian entrou no carro e eu o segui, meio sem jeito. Deu a partida sem perguntar se
eu queria continuar aquela conversa, mas o tom da mesma e sua atitude foram
suficientes para que eu percebesse que aquilo deveria morrer ali. Pode até fazer parte da
vida crescer, mas faz parte da vida machucar quem mais amamos? E pra que amar, se
no final das contas vamos ferir a pessoa que amamos tão profundamente, tão sem
intenção, que vai doer o resto da vida?
Essas perguntas existenciais nunca têm respostas.

“Você, hm, não quer passar na confeitaria do Boyd e comprar algo pra gente comer?”
Perguntei, quebrando o silêncio que havia se estabelecido entre a gente. Eu nunca gostei
de silêncio e sempre tive medo do seu poder. “E que tal alguns filmes pra passar o
tempo, hm?”

“Desde que não tenha nada a ver com Jogos Mortais.” Reclamou, me fazendo rir e
assentir baixinho. “É que a gente já assistiu essa saga demais, Dallon, chega. Vamos
escolher outra coisa.”

“Policial?” Falei, enquanto ele tomava o rumo da locadora.

“Não basta as nossas investigações comuns, temos que ver filmes disso, também?”
Franziu o cenho, desviando momentaneamente os olhos pra mim. “Sei lá, vamos aos
lançamentos e sorteamos alguns. Sem preferência.”

“Certo.” Falei. “Que tal se me deixasse aqui, enquanto vai buscar nossos doces e
cervejas? Sei lá, pra gente ganhar um pouco mais de tempo. Prometo que serei aleatório
nos lançamentos e sem Jogos Mortais.”

“Tudo bem, confio em você, Weekes.” Piscou.

Depois de um tempo conversando sobre gêneros de filmes e coisas inúteis, mas


que na hora pareciam engraçadas e valiosas, eu fui deixado na locadora. Entrei e olhei à
minha volta. Nada parecia fora do lugar, então fui em busca da sessão de lançamentos.
Peguei uns cinco títulos me deixando levar pelos títulos. Se fossem chamativos o
suficiente, eu os levaria e faria Ian assistir um por um, já que ele não quis escolher por
gênero ou um que já tínhamos assistido antes. De certa forma, até era compreensível.

A sessão de lançamentos ficava nos fundos da locadora então eu percebi bem


quando alguns homens brancos entraram no estabelecimento. Senti um estranho arrepio
na espinha e eu sabia que meu instinto policial estava apitando por algum motivo
maluco. Por esse mesmo instinto que levei a mão às costas, onde escondia uma arma, e
peguei o celular. Precisava comunicar a central de que havia algo muito estranho
acontecendo, mas preferi esperar. Tombei a cabeça levemente e consegui ver que havia
alguns elementos fazendo uma cobertura contra policiais ou qualquer coisa assim.

<b>“Isso aqui é um assalto! Todo mundo pro chão e sem olhar pra minha
cara!”</b> Gritou um deles, e as pessoas, apavoradas, deitaram no chão como lhe eram
pedidas. Eu fiz o mesmo, deitando-me no chão e como eu estava no fundo da loja, teria
certo tempo, então, liguei pra central.

“Central, aqui é o policial 14375, Dallon Weekes.” Falei, alto o suficiente para que a
central escutasse, mas baixo o suficiente para que os ladrões não pudesse me ouvir.

<i>“Prossiga, policial 14375, Dallon Weekes.”</i>

“Eu estou na locadora de vídeo, na Quinta com a Sétima rua onde está em andamento
um assalto a mão armada com reféns. Repito, assalto a mão armada com reféns em uma
vídeo-locadora na Quinta com a Sétima rua.”

<i>“Entendido, policial 14375.”</i> Respondeu. <i>“Há uma unidade de polícia a


quinze minutos de onde está. Está a caminho. Pra registro, quantos são os
elementos?”</i>

“Eu faço parte dos reféns, central. Consigo ver ao menos três assaltantes. Os homens
são brancos e usam máscaras ninja.” Mantive o tom. “Novamente, peço reforços.”

<i>“Entendido, policial 14375 Dallon Weekes. O reforço está a caminho.”</i>

Foi exatamente nessa hora que eu percebi um cano na minha cabeça. Eu estava
debruçado sobre meu telefone e ao desligar, entreguei-o junto com a carteira. Não
imaginava que aquilo fosse realmente acontecer, talvez atrás de dinheiro, o assaltante
abriu minha carteira e acabou por encontrar minha carteira de motorista militar e aí, me
puxou pela jaqueta.
“Esse filho da puta é polícia.” Avisou o cara, me fazendo andar com ele e uma calibre
25mm., que costuma ser de uso restrito, apontada discretamente nas minhas costas. Eu
estava sendo usado como escudo humano. “Cadê a sua arma?” Os outros da quadrilha
arregalaram os olhos e a operadora de caixa parecia sorrir um pouco mais aliviada.
Dentre todos os reféns, eu era o que estava mais calmo, mas mantinha as duas mãos
levantadas para que o que me conduzia pudesse ver.

“A gente tem que dar o fora daqui, cara.” Comentou um deles. “Se ele é mesmo policial,
a gente se fode.”

“Não sem dinheiro.” Dizia enquanto arrumava uma sacola com a quantia achada no
caixa. O terceiro, que estava me segurando, não participou da conversa, mas concordou.
Mexer com policiais nunca fora uma coisa boa.

“Cadê a sua arma?” Perguntou novamente, entre os dentes.

Lembrei-me que uma vez eu estava conversando com Joshua e ele me disse que
o princípio básico de uma negociação em caso de reféns é deixar que o bandido acredite
que ele está no controle da situação. então, era exatamente isso que eu ia fazer, deixar
que os bandidos me controlassem até ter todos os reféns em segurança.

“Nas costas.” Falei, sentindo o homem puxar bruscamente minha arma e a guardar para
si. Precisava me lembrar de registrar a ocorrência do roubo da minha arma. Nunca se
sabe o que um bandido é capaz de fazer para sujar seu nome.

Nessa hora eu vi muitas pessoas chorando em desespero. Muitas delas pareciam


se arrepender por estar naquele lugar, outras se encolhiam no chão, como se estivessem
prontas para morrer. Eu mantinha meu silêncio momentâneo, enquanto eles ameaçavam
várias vezes por tirar minha vida se reagissem.

“Vocês estão cercados.” Disse a voz que veio de fora, assustando os homens ainda mais.
“Rendam-se agora, não há como fugir!”
“Você chamou a polícia, seu desgraçado!” Foi exatamente nessa hora que eu senti uma
coronhada brusca na minha cabeça, o suficiente pra cortar e me deixar meio tonto.
Percebi então que os caras não estavam pensando em matar ninguém ou muito menos
em transformar aquilo em um seqüestro, como eu tinha feito naquele momento.

“Ninguém mais precisa sair ferido.” Falei. “Vocês são quem tem a arma, vocês são
quem mandam. Só que se vocês se entregarem agora podem poupar esses civis de
passar por isso.”

“E quem vai garantir nossa integridade?” Perguntou um deles. Eu ainda tinha uma mão
levada ao corte, que não deveria ser muito profundo, mas também não era tão
superficial assim.

“Eu tenho contatos na promotoria e com os principais juízes do estado de Utah. Se


vocês se renderem agora, liberar os reféns, eu mesmo converso com os juízes e tudo
termina bem.” Argumentei e eles ponderaram entre si. Uma senhora de uns trinta e
cinco anos se aproximou de mim e me ajudou com o ferimento, usando a frauda de um
bebê de colo que estava com uma mulher que eu acreditei que era sua filha, ou algum
parente. “Obrigado.” Falei baixinho.

“Shh, eu sou enfermeira.” Explicou. “É minha obrigação.”

“Mesmo assim.” Falei. “É minha obrigação proteger vocês e eu sou o primeiro a estar
ferido--”

“Vocês dois estão me enojando, ergh.” Falou um dos assaltantes.

“Com licença?” Disse a operadora de caixa. “Os policiais querem falar com o Dallon
Weekes, pode ser?”

“Pode.” Todos os assaltantes falaram juntos. Fizeram um sinal pra que eu me levantasse
e eu o fiz de pronto, embora meio tonto, segurando a frauda na cabeça pra que o
sangramento se mantivesse daquele jeito. Fui ao telefone e novamente com uma arma
apontada pra minha cabeça. A <i>minha</i> arma apontada pra cabeça.
“Pois não?” Falei.

“Sou eu, Ian, como você está, <i>querido</i>?” Falou, meio desesperado. Eu sorri ao
ouvi-lo me chamando carinhosamente depois de tantos anos sem aquilo. “Eu liguei pro
Joshua, mas ele ainda está a caminho, enquanto isso, eu mesmo faço a negociação pra
você sair daí o mais rápido possível.”

“Está tudo bem.” Falei, tentando manter a calma e a formalidade que a situação exigia.
“Não tem nenhum civil ferido e os assaltantes pedem apenas que sua integridade física e
moral sejam preservadas enquanto eles saem. Não há mais feridos além de mim que
levei uma coronhada na parte posterior da cabeça. O sangue foi estancado com uma
frauda por uma enfermeira gentil.”

“Peça também a cobertura da imprensa como garantia de integridade.” Assenti.

“E pedem a presença da imprensa.” Falei. “Eu estou completamente desarmado e sob a


mira da minha própria arma. Nada que se preocupar. Faça contato quando conseguir as
exigências.”

Desliguei. Eu queria ter falado pro Ian não se preocupar, que ele podia passar as
negociações pro Joshua ou pra qualquer outro policial, mas eu conhecia Ian Crawford.
Eu sabia que ele só não tinha entrado ali porque sabia que se o fizesse era muito pior. O
treinamento que recebera o manteve fora da porta da locadora. Eu poderia descrever de
cor tudo o que estava acontecendo do lado de fora, mas do lado de dentro, as pessoas
fingiam calmaria enquanto os assaltantes andavam impacientes de um lado ao outro.
Sabiam que a solução dali era a cadeia.

Apesar de tudo, eu estava feliz. Feliz porque Ian estava preocupado, feliz porque
ele havia feito tudo o que podia e uma hora dessas Joshua já havia chegado e estava
fazendo ligações para atender todas as exigências. Ouvi uma sirene e deduzi que fosse
uma ambulância, já que Ian era bastante exagerado e ao me ouvir dizer que estanquei o
sangue com uma frauda, deve ter pirado. Tudo estava muito tenso, até o telefone tocar.
“Eu atendo ou você?” Perguntei. Eu não queria e nem podia fazer movimentos bruscos
tendo uma arma apontada para minha cabeça. O homem autorizou que eu atendesse ao
telefone. “O que tem pra mim, Ian?”

“<i>Oh, desculpe, é o Joshua Farro.</i>” Riu baixinho e eu olhei pela porta, erguendo
os pés consegui fitar o detive Farro. Fiz um gesto pra que o assaltante olhasse e
entendesse o que eu ia fazer. Percebi que Joshua usava binóculos e mandei o dedo do
meio pra ele que justificou assim sua risada. As pessoas a minha volta não entendiam
muito bem como eu poderia estar brincando numa situação como aquela, mas o fato é
que eu queria – muito – amenizar as coisas ao máximo. “<i>Bem, eu consegui tudo o
que pediram, mas peça que para mostrar boa vontade que soltem um refém. Conhece o
procedimento, o que está ferido primeiro.</i>”

“Eu pedirei, mas dane-se o procedimento, Josh. Eu não vou sair daqui.” Falei,
mordendo o canto do lábio. Coloquei a mão no fone do telefone e me virei em direção
do assaltante. “Olha só, a polícia conseguiu o que queriam. A imprensa pra preservar a
integridade física de vocês, e pra demonstrar boa vontade, vocês têm que liberar ao
menos um refém.”

“Certo.” Suspirou. “Vá à senhora e a criança que está no seu colo.”

“Joshua, vai sair uma senhora de, aparentemente, vinte e três anos, filha da enfermeira
que me ajudou a estancar o sangue.” Falei. “Sairá ela e uma criança de colo. Crianças
são sempre prioridade no procedimento, eu quero ficar aqui e ajudar essas pessoas o
máximo que eu puder.”

“<i>Você é uma mula mesmo, Weekes</i>.” Desligou. As reféns indicadas no telefone


por mim saíram e logo foram amparadas pela equipe do lado de fora. Tanto a mãe
quanto a criança em seu colo. Ligamos a TV por ordem do assaltante, para conferir se
havia algo sendo divulgado naquele assalto e tinha um canal jornalístico transmitindo ao
vivo, passo a passo, daquele assalto.

Talvez Joshua em sua brincadeira inocente tivesse falado a verdade. Eu era


mesmo uma mula. Se não tivesse avisado a central, esse fuzuê todo não estaria
acontecendo. Talvez eu, inconscientemente, ficando naquele lugar mesmo ferido era a
minha forma de me punir por ter armado todo aquele circo. Um a um fomos
conseguindo tirar os reféns daquela locadora e quando faltava apenas eu e mais um o
assaltante me fez ligar para um juiz – que por coincidência eu escolhi o Marshall – e
lhes dar o respaldo que eu havia prometido. Eu fiz. E fui usado como escudo humano ao
sairmos do lugar.

“Dallon!” Quando a polícia prendeu o bandido atrás de mim. “Deixe-me ver esse seu
ferimento.”

Eu sorri fraco. Estava cansado, mas novamente, repito que estava feliz. Ian me
guiou até a ambulância, segurando minha cintura, como um pai bondoso faz para seu
filho. Parecia que toda força que eu usei para me manter de pé dentro da locadora,
vazava por meus poros assim que Ian tocou em mim. Eu não precisava mais salvar a
vida de ninguém e conforme a adrenalina ia baixando no meu corpo, eu começava a
sentir a dor da coronhada de fato.

“É isso que você chama de estar bem, Weekes?” Ian disse, irritadinho, quando eu me
sentei na porta da ambulância. Não sei dizer quem me atendeu, só sei que a dor foi
aliviando aos poucos. “Você vai passar a noite no hospital em observação.”

“N-não quero.” Reclamei, manhoso. “Quero ir pra sua casa.”

“Dallon, você tá agindo feito uma criança mimada.” Ian disse, rindo baixinho, mas logo
em seguida deu-me um beijinho na ponta do nariz, paternal. “Tudo bem, eu cuido de
você lá em casa.”

“Eba!” Brinquei, o fazendo rir. Eu gostava do som da voz de Ian. Gostava do barulho
que a risada dele fazia. Meu coraçãozinho era pequeno demais para guardar o tamanho
do sentimento que eu carregava por aquele homem maravilhoso. O homem que,
segundo ele, eu ajudei a moldar. Parecia ser a primeira vez na minha vida que eu parecia
ter motivos para sentir orgulho, sem me culpar por ser mesquinho.
Ian conversou uns quinze minutos com Joshua, depois ele me explicou que pediu
para não contar pra ninguém do que eu vivi. Não tinha motivo pra fazer alarde. Cada um
estava lidando com os próprios problemas e não precisava se preocupar comigo ou com
minha imprudência. Passamos o caminho para o hotel num silêncio quase mortal. Eu
comecei a cantar qualquer coisa e isso fez com que meu amado sorrisse de uma forma
doce, boba, quase apaixonada. Devagar, ele segurou minha mão e levou até a boca,
dando um beijinho nela.

“Você está terminantemente proibido de me assustar desse jeito outra vez.” Falou,
deixando um apertão na minha mão, e eu ri baixinho. “Você não tem um colan por
baixo da roupa, Dallon, não precisa salvar o mundo.”

“Eu não podia deixar aquelas pessoas nas mãos dos bandidos.” Encolhi os ombros.
“Está contra meus instintos, meu treinamento, Ian, não me pede uma coisa dessas.”

“O que você fez pra ganhar a coronhada?” Mordi o canto do lábio.

“Avisei a central e pedi reforços.” Falei. “Eles não me viram fazendo isso, eu não fiz
alarde. Quando viram minha carteira de motorista, que é a militar, eles perceberam
quem eu era e aí... Não reagi ao assalto em momento nenhum, nem por um segundo
sequer, Ian.”

“Que seja.” Girou os olhos. “Eu não quero mais achar você com uma arma apontada pra
cabeça. Se você entrar numa dessas, eu mesmo te mato, compreende?”

Eu apenas dei uma risada baixinha e Ian voltou para direção. Primeiro fui
obrigado a registrar a ocorrência e depor por cerca de uma hora. Coisa pouca. Depois
nós, Ian e eu, fomos para o hotel de fato, onde ele tratou de me acomodar em sua cama
com todo o cuidado do mundo. Eu, manhosamente, estiquei meus braços em direção a
Ian e a chuva, que eu achei que não mais viria, caiu.

“Você tá cuidando de mim, por isso tá chovendo.” Brinquei, Ian riu.


“E você é um idiota completo, sabia?” Ele ergueu a sobrancelha, me cutucando de
levinho. Eu fingi dor e ele deu-me um beijinho no rosto, como se fosse fazer parar de
doer. “Acho que nunca fiquei tão apavorado quando a central pediu reforços para o
policial 14375. Cheguei a pensar que nunca mais fosse te ver, querido. Eu fui correndo
pra lá, porque essa sua síndrome de Clark Kent só me dá trabalho.”

“Você tava mesmo ouvindo rádio-patrulha?” Perguntei. “Tá falando sério? Era seu carro
que estava a quinze minutos de mim e respondeu à central?”

“Era.” Assentiu. “Eu te disse que estava pensando muito no Ryan desde que
conversamos com ele daquela maneira tão franca. Eu acho que estava agindo feito um
adolescente, mesmo quando já devia estar agindo feito um homem.”

“Eu gosto do menino.” Murmurei, corado. “O Ross também mexeu comigo quando
disse que eu não cuidava do casamento, como o Joshua também me deixou encabulado
quando disse que te proteger não fazia o menor sentido.”

“Só que foi esse o ponto.” Suspirei, acompanhando-o com os olhos. “Eu estive
pensando com calma e frieza. Eu sempre pus a culpa de tudo em você, sempre na sua
falta de atenção, sempre você chegando cansado por ter varado a madrugada
investigando e não ter vontade de mim. Não ligar pro meu instinto de te fazer feliz, isso
magoou. Mas hoje eu sei que eu tive culpa.”

“No quê?” Ri baixinho, sem maldade nenhuma. “Nunca te culpei de nada, Ian. No
máximo, por você ter exigido aquilo que lhe pertencia. Eu não fui um bom homem,
então, nada mais justo, correto? Eu que sou egoísta, porque sei que você merece coisa
muito melhor que eu e mesmo assim, eu nunca me incomodei em assinar os papéis do
divórcio, só pelo fato de querer que continuasse sendo meu.”

“Pára com isso.” Ian se ajeitou perto de mim, deitando a cabeça em meu peito. “Pára de
achar que toda a culpa do mudo está posta em suas costas, Dallon. Eu tive culpa, porque
era uma criança intolerante. Não tinha conhecimento de como funcionava seu trabalho,
de como você era atribulado e sem tempo pra nada. Eu não entendia que o problema não
era comigo e sim com o como você trabalhava.”
“Sabe o que me motivou a sair vivo de dentro daquela locadora? Sabe por que eu quase
caí nos seus braços quando saí de lá? Porque, Ian, tudo o que eu desejei enquanto estive
lá foi que você não precisasse me perder de fato. Eu fiz tudo no máximo padrão de
regularidade, porque você me conhece. Se fosse em minha época de patrulheiro, teria
muita gente morta ali. Eu só desejei que quando eu saísse de lá, pudesse te abraçar de
novo.” Confessei baixo. “Essa não foi a noite que eu tinha planejado pra nós dois.”

“Eu não me importo.” Murmurou, me dando um beijinho no rosto. “Eu to nos seus
braços, então vou me importar por quê? Eu só espero que não tenha que passar por
outras dessas.”

“Depois sou eu quem é idiota.” Eu ri baixinho, levando mais um dos cutucões de Ian.
Nesse momento nossos olhares se cruzaram e nossos corações bateram mais fortes. O
sorriso em meus lábios permaneceu e o de Ian também. Segurei seu rosto com
delicadeza e cuidado, acariciando ali com a maior doçura que conseguia. Eu não queria
me mexer, a prisão do olhar de Ian poderia me suster o resto da vida. “Você não cansa,
não é?” Perguntei, sem intenção de repreendê-lo.

“Eu não canso de quê?” Ergueu a sobrancelha.

“De me deixar apaixonado assim...” Falei, encostando nossas testas. “De me fazer feliz
com tão pouco.”

“Não canso.” Respondeu, fraquinho, fechando seus olhos enquanto as mãos acariciavam
meu rosto como duas plumas suaves. “Você é incrível demais pra existir, Dallon.”

Eu não disse mais nada. Pra que eu diria depois do que estava acontecendo entre
a gente? Claro que eu jamais imaginei aquele momento depois de um assalto com reféns
onde eu salvei o dia (ok, exagero meu) e estou machucado o suficiente para reclamar da
vida, mas pra que, se ela está me dando algo tão lindo pra me contentar. Juntei nossos
lábios e não senti rejeição nenhuma ao fazê-lo. Esperei um pouco mais de tempo antes
de aprofundar o contato logo correspondido. Talvez eu não fosse tão idiota quanto eu
pensava ser. Talvez eu merecesse a recompensa que a vida estava me dando por salvar o
dia e fazer algumas famílias felizes.

Ian segurou-me pelos cabelos, tomando um cuidado quase extremo com minhas
ataduras na cabeça. Ali mesmo, ele começou um carinho bobo, um carinho delicado,
quase imperceptível de tão medroso. Eu estava tão concentrado em Ian que sentia
qualquer mínimo movimento de seus dedos. Senti-lo me correspondendo com a mesma
calma e necessidade que eu tinha de seus lábios foi, com certeza, a melhor coisa que me
aconteceu em anos.

Eu o beijava como se fosse a primeira vez que o fizesse. Ouvia o barulho da


água na janela do hotel, recordando-nos do nosso primeiro beijo, de como nossos
corações batiam fortes e de agora percebíamos que o barulho da chuva estimulava
nossos corpos a agirem feito a primeira vez. Nunca havia esquecido o sabor daquele
beijo, mas não era fácil pra eu viver só de lembranças. Ninguém de fato consegue amar
alguém e se manter vivo só com as lembranças, porque elas não revigoram nossos
corações, elas nos ferem, elas nos acusam e fazem questão de nos mostrarem o quanto
somos culpados por não termos mais aquilo conosco. Rolei na cama, o suficiente para
ficar por cima de Crawford e apoiar minhas mãos no lençol. Percebi que suas mãos
deslizaram por minhas costas e começaram um carinho ali, arrepiando-me por
completo.

Eu estava sensível a ele. Ao seu beijo, ao seu toque. Não me importava se minha
cabeça latejava de dor, ou se meu corpo queria descansar, eu só seguia o meu coração
que pedia para que eu deixasse aquele momento o mais longo possível e por isso, só
parei o beijo quando me faltou ar. Abri os olhos devagar e os de Crawford se
mantiveram bem fechados, mas lá estava o sorriso grande, bobo, em seus lábios.
Revelando a mim que os anos haviam se passado, mas não haviam sido suficientemente
fortes para acabar com que sentíamos um pelo outro. Seus lábios levemente inchados
pelo beijo, me davam ainda mais orgulho, por terem sido eu quem os fez ficar daquela
maneira.

“Que sorriso lindo.” Falei baixinho, dentro do ouvido de Ian que apertou minhas laterais
fortinho, ao que murmurou, só pra mim.
“É você o problema do sorriso.” Respondeu. “Você é quem me deixa bobo assim e nem
devia! Você tinha que estar dormindo, descansando.”

“Com um beijo desses, eu tenho condições de enfrentar mais umas quinze coronhadas
iguais a essa.” Mordi seu lóbulo ao dizer, mas ao contrário de receber um carinho,
recebi um cutucão repreensivo. Era claro que ele tinha ficado apavorado com o medo
iminente de me perder pra morte, mas eu estava apenas dizendo o que sentia.

“Você tem que dormir, Dallon.” Suspirou baixinho. “Repouso vai fazer bem pra você.”

“Mas eu quero curtir você...” Falei. “Por favor, Ian.”

“Boa noite, Dallon.” Sorriu fraquinho. “Descansa.”

“Boa noite, <i>querido</i>.” Murmurei, vencido.

Quando me despedi, Ian começou a cantar baixinho no meu ouvido uma música
de ninar, e o sono foi se apoderando de mim, porque eu estava mesmo cansado, com
dor, mas estar ali com Ian pra mim, superava qualquer coisa. Eu estava cada dia mais
apaixonado e meu amado sabia disso, e Crawford sabia também que não havia me
esquecido, porque eu podia sentir quando dormi em seu peito, ouvindo sua canção de
ninar e seu coração disparado.

Depois de todo o tumulto causado, do meu boletim de ocorrência registrado, da


minha querida arma apreendida para ser periciada – e foi o próprio Joshua quem fez o
teste pra saber quantas balas havia e quantos tiros haviam sido disparados –, ele
finalmente pôde ir pra casa e tentar pelo menos fazer a filha dormir, mas não foi
possível. Quando ele chegou em casa, eram quase duas da manhã. Estava encharcado da
chuva que caía sem piedade do lado de fora, embora estivesse feliz de não ter que me
condenar por ter disparado nenhum tiro – e por Deus, eu havia recarregado o pente da
minha ponto 40mm naquele mesmo dia, então quando ela foi apreendida, não tinha nem
muito o que periciar – e por ter colaborado com mais um final feliz naquela locadora.
“Qual foi a ocorrência?” Hayley perguntou baixinho, enquanto entregava uma toalha
para o ex-namorado que não notara quando ela o vira chegar, já que ele tomou todo o
cuidado pra não perturbar ninguém.

“74732.” Encolheu os ombros.

“Assalto a mão armada com policial entre os reféns?” Franziu o cenho. “E o policial
reagiu? Digo, é instinto. Não tem policial que não reaja.”

“Eu acabei de chegar do laboratório e ele não disparou uma bala sequer do pente dele.”
Encolheu os ombros, sorrindo pra ela, fraquinho, enquanto passava a toalha pelo corpo.
“Se importa se... eu tirar a camiseta?” Perguntou, baixinho, sem alguma maldade em seu
ato.

“Não, Josh.” Sorriu fraquinho, virando-se de costas. Ele aproveitou e fez o mesmo,
livrando-se das roupas molhadas. Hayley mordeu o canto do lábio, confessando
mentalmente que Joshua ainda a atraía, mas resistia à tentação de olhar atrás de si.
“Ahn, Joshua? Qual o nome do policial?”

“Promete que não vai surtar?” Joshua disse, sentando-se de toalha no sofá. A garota
franziu o cenho, suspirando baixo e ele viu que não poderia contar com aquela
promessa. “O policial era o Dallon. Foi naquela locadora da Quinta com a Sétima que
ele gosta de ir.”

“E o Dallon não atitou nenhuma vez? Estamos falando do mesmo Dallon Weekes?” Ela
riu baixinho, arrumando os óculos que usava para descansar os olhos.

“Não.” Josh encolheu os ombros. “Mas, hm, ele foi desarmado e ainda levou uma
coronhada que fez um corte de 3mm ou um pouco menos. Ele foi bem útil na locadora,
porque ele foi calmo e me ajudou a negociar...”

“<b>Como assim o Dallon está ferido e você só me fala agora, seu bastardo!</b>”
Williams finalmente deixou com que a ficha caísse. Não era porque não havia tido
tiroteio que ninguém havia ficado ferido. Farro, por sua vez, colocou as duas mãos nos
ouvidos e então ela percebeu que havia exagerado no tom de voz e ela abaixou em
seguida. “É o Dallon, poxa.”

“Ian pediu pra que eu não comentasse com ninguém, pra não preocupar.” Encolheu os
ombros. “Dallon está bem. Ele está bem e sendo cuidado pelo Crawford, que eu acho
que ele é um pouco mais que amigo do Weekes, mas é só uma dedução boba.”

“Você tá falando sério?” Ela franziu o cenho. “Nunca vi Dallon falando nada a respeito
disso, mas sempre suspeitei do cuidado que eles têm um com o outro. E, quer saber, se
você estiver certo, Joshua, vai ser bom pro nosso amigo.”

“Eu espero que esteja certa, Hay.” Sorriu Joshua, sentando-se no sofá de forma
relaxada. “Dallon me disse que não era o melhor exemplo a ser seguido em
relacionamentos e... hm, ele me disse que está preso a alguém. Acredito que seja o Ian,
principalmente pela reação do doutor quando o Dallon saiu ferido da locadora.” Hayley
sorriu, encolhendo os ombros.

“Sarah queria dormir com você e ela tá lá na sua cama.” Falou, sentando-se próxima a
ele. “Ela entende que você foi salvar alguém que estava em apuros, mas ela disse que
queria te ver porque faz tempo que ela não dorme abraçadinha com você.”

“Eu também to morrendo de saudade de abraçar minha filha.” Falou, quase sem som.
“Acho que amanhã cedo, vou convocar uma reunião pra falar dos casos. É fim de
semana, eu quero minha filha, mas tenho que agir feito um policial.”

“Eu to topando tudo pra não ver a cara da sua mãe.” Hayley riu baixinho. “Vou perder a
cabeça com ela qualquer hora dessas na frente da Sarah e isso não vai ser legal, Josh.
Nós dois temos nossas diferenças, mas nossa filha é nossa filha. A gente sempre acha
algum ponto comum.”

“Até eu já surtei com ela.” Encolheu os ombros. “Não se preocupe, eu tapo os ouvidos
da Sarah quando você perder a cabeça com ela.”
Hayley levou Joshua até a porta do quarto. Carinhoso e sem maldade, ele deu
um beijo no topo da cabeça dela e agradeceu-a, baixinho, por ter deixado a criança
passar esse final de semana com ele. Joshua se trocou e assim que deitou na cama, Sarah
se aproximou, abraçando.

“É você, papai?” Perguntou enrolada, com a voz banhada de sono.

“Sou eu, meu amor.” Ele sorriu bobo. “Aconteceu algo?”

“Deixa a luz do abajur acesa pra espantar o lobo-mau?” Perguntou, abrindo os olhinhos
grandes, curiosos, e cheios de medo. Joshua acendeu a luz pedida imediatamente.
“Lobo-mal tem medo de luz, não é? Tio Ian sempre fala isso pra mim.”

“Sim, meu amor.” Joshua continuava um pai bobo, começando uma carícia entre os fios
de cabelo castanho da pequena. “Lobo-mal tem medo de luz acesa e de papais policiais,
sabia?”

“É?” Ela sorriu, abraçando forte. “Então nenhum lobo-mal vai mexer comigo, porque
meus dois papais são policiais, minha mamãe é policial, meu melhor amigo gente
grande é policial e o tio Ian é medico <i>petiro</i> policial. Sou uma menina de muita
sorte.”

“Se diz perito, meu amor.” Ele riu baixo.

“Foi o que eu disse, papai, petiro.” Ela repetiu e ele riu baixo, enquanto reprimia um
bocejo. “Tá cansadinho, papai?” Ela perguntou baixinho, vendo o pai assentir. “Então
eu te faço dormir. Vou cantar baixinho.”

“Mas antes, me dá um beijinho?” Josh pediu, e ela o encheu de beijos enquanto repetia
sucessivamente as palavras “Boa noite.”

Josh dormiu com a menina cantando pra ele. Não havia sensação melhor que
aquela, naquele momento. Era uma plenitude a ser sentida que não podia ser comparada
a qualquer outra. Um momento único, somente deles que ninguém mais poderia tirar.
Ryan e Brendon acompanhavam em silêncio o seriado que tanto gostavam na
televisão. The Closer era o nome do seriado. Brenda Lee e seus homens formavam um
excelente esquadrão contra crimes hediondos e contra a vida.

“Psiu.” Ryan chamou baixinho. Brendon estava esparramado no sofá, com a cabeça
encostada em algumas almofadas e essas encostadas na perna de Ryan que, por sua vez,
tinha o braço no encosto do sofá. “Quer comer alguma coisa? Eu faço pra gente.”

“Quero, claro.” Sorriu fraco. “Quer ajuda pra não queimar a cozinha toda?”

“Eu sei cozinhar, bobo.” Mostrou a língua e Urie não conseguiu enxergar nada além de
infantilidade em seu gesto. “Mas eu aceito a sua ajuda. Eu não sei o que vocês
costumam ter na geladeira.”

Urie riu baixo e os dois se levantaram, comentando sobre o episódio que


estavam assistindo. Brendon gesticulava apontando um dos suspeitos do caso,
argumentando veementemente possíveis motivos para aquilo, enquanto Ross
concordava com a cabeça e expunha alguns detalhes bastante interessantes que B havia
deixado passar, então, vez ou outra, fazia questão de usar a frase “Você pode ter razão,
pensando assim.”

Ryan abriu a geladeira e pegou alguns ingredientes para fazer uns sanduíches
para os dois. Brendon ficou responsável pelos pães. Fazer a comida foi tão divertido
quanto assistir um seriado juntos – aliás, eles sequer viram a propaganda acabar e a série
recomeçar. Continuaram interessados mais em seus sanduíches que em qualquer outra
coisa, sendo interrompidos pelos próprios risos, quando Ryan decidia passar maionese
pelo rosto de Brendon, sem maldade alguma.

“Hey, psiu.” Brendon chamou. “Não me esqueci da minha música, sabia?”

“Ah, caramba!” Ryan torceu os lábios.


“Eu não ia esquecer uma coisa assim.” Falou baixinho. “Não depois da nossa conversa
aquele dia. Não foi muito, mas foi suficiente pra eu saber que precisamos de música.”

“Só vamos comer antes?” Ryan disse, assentindo.

“Está certo, bonitinho.” Brendon falou, levando pra sala duas garrafas de cerveja,
enquanto Ryan levava os sanduíches para sala. O maior não estava pronto pra tocar
novamente, ainda mais a única música que lhe vinha a cabeça num momento como
aquele. Havia olhado a cifra, mas não tentara tocar e embora tenha oito anos que ele não
pegava num instrumento, a música parecia fácil.

Era o sorriso do menor que o impulsionava a pensar naquela música pra tocar,
pra remexer num passado enterrado e tão doloroso quanto a morte precoce de um
parente querido. Ele ainda almejava ser como Ian e eu. Ser inabalável quando seu
amado precisasse e <i>hoje</i> ele seria.

O seriado prendeu-lhes a atenção por mais um tempo e quando o episódio


acabou eles terminaram as cervejas em um brinde e desligaram a televisão. E depois de
um tempo em silêncio, Urie disse baixinho.

“Você não vai escapar.”

“Eu nem sei se ainda toco alguma coisa...” Encolheu os ombros, corado. “A última vez
que eu toquei alguma coisa, foi quando você me chamou de alienígena.”

“Ninguém consegue ficar tanto tempo sem tocar.” Brendon argumentou. “Além do que,
Ryan, tocar tá no seu sangue. É só pegar o instrumento de novo e dedilhar. É como
andar de bicicleta pra você.”

“Que otimista, baixinho!” Ryan riu. “Tem um violão por aí, então?”

Urie assentiu de forma infantil e correu ao seu quarto. Pegou o violão que ficava
sempre no apartamento de Ryan. Dedilhou carinhosamente algumas notas e o levou
para sala. Parou perto da TV e fez sua melhor pose de rockstar frustrado. Ao Ryan
coube apenas rir de toda brincadeira e aquele som também era um tipo de
<i>música</i> para Urie. O som da risada reprimida de Ryan.

O detetive local dedilhou algumas notas aleatórias no violão ao sentar-se ao lado


de Ryan. A música era nostálgica para ambos os ouvidos, era quase como reformular
um romance, reformular um coração. Apenas as notas daquele violão eram capazes de
refazer uma bela história de amor, porque a música era simplesmente <i>ela</i>,
poderosa e espectadora. Que agrada aos ouvidos e amansa o coração. A música trazia de
volta a intensidade de sentimentos que existia entre eles, mas eles estavam contidos,
tensionados em uma redoma feita de <i>silêncio</i> e vazio. Havia uma pitada de medo
em seus olhos e um nó intolerante em sua garganta. Não existe nada no mundo que uma
boa conversa não resolva!

“Por que...” Brendon falou baixinho, meio receoso, e o outro assentiu para que ele
continuasse. “Ahn, por que você parou com a música?” Os ombros de Ryan estavam
tensionados, o próprio Ryan emanava uma tensão atípica, porque falar daquilo ainda
doía. Era como mexer em uma ferida ainda aberta. Os dois suspiraram, juntos. “Você
era tão... musical.”

“Eu perdi minha disponibilidade, B.” Respondeu baixinho. “Eu n-não conseguia mais
tocar sozinho e tudo o que eu tocava me lembrava o que eu vivi em Salt Lake City e eu
precisava esquecer pra sobreviver.”

“E você esqueceu?” Boyd perguntou baixinho. “Digo, você conseguiu esquecer


abolindo a música da sua vida?”

“Até eu voltar pra cá, eu conviva bem com isso...” Foi somente o que Ryan respondeu,
meio reticente, como se fugisse da resposta, mas ao mesmo tempo, sendo corajoso o
suficiente para encarar seus maiores receios. Que as dúvidas de Brendon fosse
derramadas em si, mas com medo de saná-las de uma vez por todas.

Brendon olhava a reação de Ryan, mesmo que ainda mantivesse aquelas notas
aleatórias, como se elas fossem o combustível que Ryan precisava para quebrar o
silêncio, para quebrar tudo aquilo que o movia a guardar para si a sua própria
experiência de vida. Dizem que o melhor jeito de calar uma dor é colocando-a pra fora
de uma vez por todas. Talvez as pessoas sejam como as regras. Elas têm exceções!

As notas de Urie ficavam ecoando em sua mente, como se ele fosse uma caverna
vazia e escura. Como se Brendon gritasse a vida de volta até que sua voz se perdesse
dentro do maior. As mesmas notas batiam nas paredes do coração mal cicatrizado pelo
tempo, mostrando-lhe que Salt Lake City era mais que uma lembrança viva e era
também bem mais a melhor parte de sua vida.

“Você ainda vai tocar pra mim, não é, gracinha?” Boyd brincou, na tentativa de
amenizar a expressão entristecida de Ross que sorriu de forma fraca e sem muita
expressão de sentimentos. Era um sorriso quase imperceptível, mas não menos sincero.

“Bem, já que eu não vou escapar, vamos logo com isso.” Ryan riu baixinho,
constrangido. “Eu morei com o Spencer por dois anos e ele nunca me deixou ficar sem
música. Claro que eu sempre dava um jeito de acabar com a música perto de mim, mas
era uma luta que eu era vencido com muita facilidade. Foi <i>nesse</i> meio tempo
que meu jejum de música se quebrava e eu conheci algo que me fazia lembrar o cara
que eu fui aqui. Eu era tão preso quando tocava essa música que eu não conseguia
simplesmente desligar o som. Eu a escutava <i>inteira</i>. Eu até cheguei de tentar
tirar a cifra dela uma vez, mas eu não tinha instrumento.”

“Que música é?” Murmurou, entregando o violão pra Brendon.

“Só... escuta com atenção.” Pegou o violão e com todo o cuidado do mundo, passando
os dedos pelas cordas. Dedilhou as primeiras notas, sem serem realmente pertencentes à
música que havia escolhido. Tocar era bom e o deixava feliz, o fazia ser pleno. “<i>Will
you listen to my story? It’ll just be a minute. How can I explain whatever happened here
never meant to hurt you? How can I cause you so much pain?</i>”

Ryan cantava sem olhar para Brendon, sem encarar tudo aquilo que ele estava
ressuscitando com aquela música. O menor apenas conseguiu prestar atenção na letra e
se encolher no sofá, tentando não se deixar envolver por aquela música, pela letra que
fazia o menor entender porque Ryan era levado à Salt Lake City quando a escutava. O
maior falhava vez ou outra ao tocar, porque não havia praticado, mas aquilo não era
suficiente pra estragar toda a música.

<i>“When I say I’m sorry will you believe me? Listen to my story, say you won’t leave
me. When I say I’m sorry can you forgive me? When I say I will always be there will
you believe? Will you believe in me?”</i>

As palavras da música pareciam compostas pelo próprio Ross, tamanha a


precisão de palavras cantadas naquele momento. Não dava para ignorar tamanha
precisão de sentimentos colocados ali. O olhar do que tocava ainda estava baixo,
medroso, no instrumento. Como aquele principiante que para não errar as notas olhava
bem para a posição de seus dedos. Não dava pra ignorar a coragem mascarada de
covardia com aquelas palavras.

<i>“All the words that I come up with they’re like gasoline on flames. There’s no
excuse, no explanation. Believe me if I could undo what I did wrong I’d give away all
that I own.”</i> Ryan mordeu os lábios. Estava ali, exposto, brincando de ser o antigo
garoto que só buscava em Brendon e em sua música um pouco mais de paz, embora
naquele momento a música só lhe trouxesse um tom de nostalgia. <i>“If I told you I’ve
been cleaning my soul and fF I promise you I’ll regain control. Will you open your
door? And let me in <u>take me for who I am and not for who I’ve been, who I’ve
been.”</i></u>

Brendon Boyd Urie não sabia se ficava feliz por descobrir cantando que Ross
sentira sua falta daquela forma. Que ele se sentia culpado por ser quem ele era e feito o
que fez com seu pobre coração. Ou não sabia se ficava triste, por causa da expressão do
rosto de Ross. Pela primeira vez, B decidiu não ser egoísta, percebeu que Ryan tinha
uma história pra contar, mas que cada passo era para ser dado de forma devagar, já que
dois feridos se ajudavam.

Ao final da música, Ross deixou o violão de lado e continuou onde estava, em


um silêncio absoluto. Nem uma mínima palavra era dita. O menor segurou o rosto do
maior com cuidado e disse bem baixinho:
“Obrigado.” Deixou um beijinho no canto dos lábios de Ryan. Um beijinho demorado.
“Quando quiser falar do que guarda aqui dentro, eu vou estar pronto para ouvir você e
falar aquilo que precisa ouvir. Como sempre foi entre a gente.”

Ryan manteve o silêncio e assentiu. Palavras não eram necessárias.

Enquanto cada um de nós se preocupava com seus conflitos internos e


relacionamentos mal-sucedidos, Spencer estava perto do enteado com o coração
enegrecido por um ódio destruidor daquele que havia roubado a inocência do seu
pequeno Daniel. Um menino lindo que, definitivamente, não merecia o que lhe
acontecera. Mas quem merecia aquilo? Quem merecia um coração acusador e uma
cabeça juíza, que assinava as piores sentenças sem penas alternativas?

Ian sempre disse que eu tenho uma síndrome de Clark Kent acentuada. Que dou
trabalho a ele por causa disso, por agir como se o peso do mundo estivesse em minhas
costas e eu fosse obrigado a carregá-lo sozinho, mas heróis não são de verdade. Heróis
salvam as pessoas da morte, dos homens ruins, de catástrofes, mas não é capaz de salvá-
las de seus próprios conflitos internos. Só queria poder abraçar Spencer e dizer que
sentia muito. Que a culpa não era dele, mas não era assim que acabaria a sua dor.

Nada era capaz de tirar Spencer Smith de perto da criança. Haley, a mãe do
garoto, era quem cuidava para que o marido fizesse aquelas necessidades básicas.

“Spence, aqui.” A mulher entregou um copo de café para ele que sorriu em
agradecimento. “Você devia parar de se sentir culpado, querido. Você não tem culpa
disso tudo que está acontecendo.”

“Eu sei, docinho, mas dói.” Spencer explicou. “Eu vi esse menino crescer, praticamente,
e mesmo assim nós dois só ficamos juntos no trabalho. Eu sequer ensinei bateria para
ele, porque tudo parecia um pouco mais importante.”

“Mas foi você quem ensinou a ele a ser corajoso. Você ensinou a ele que nunca se deve
desistir de lutar, mesmo que o final da guerra esteja longe de acontecer e que a sua
vitória pareça inexistente, meu amor.” Spencer estava sentado em uma cadeira e a
mulher envolveu o pescoço dele, por trás, maternalmente, deixando um beijinho no
canto dos lábios dele, sem maldade. “Você ensinou tudo a ele e quando eu estive em
missão, você foi quem deu suporte ao meu filho. Ele te ama, Spencer. Te ama como se
você fosse o pai dele.”

“Eu também o amo, querida.” Spencer forçou um sorriso e roubou um beijinho rápido
dos lábios dela. Foi exatamente nessa hora que Daniel começou a se mexer vorazmente
na cama. Os adultos desfizeram o abraço, abraçando a criança e chamaram o médico por
causa da agitação apresentada. Uns segundos depois, Daniel acordou gritando, sendo
envolvido pelos braços de Spencer e Spencer fora envolvido por Haley.

“Tira ele daqui, papai! Tira ele daqui!” Falava Daniel, apavorado, mantendo o rostinho
apertado contra o peito de Spencer, que mantinha o abraço paternal. “Ele veio me
buscar, veio me levar pra ele! Veio fazer maldade comigo de novo.”

“Ele não tá aqui, campeão.” Spencer disse, baixinho, enquanto Jon ficou parado na
porta, ao ver a cena. Queria sedar o garoto, mas ao mesmo tempo sabia que o garoto
precisava se sentir protegido pelos pais. Nem Haley, nem Smith perceberam que
Jonathan os olhava. “Eu nunca mais vou deixá-lo chegar perto de você de novo, Daniel.
Nunca mais.”

“Se esse monstro feio vir de novo pra cima do meu garotão, nós dois vamos acabar com
ele!” Haley afirmou, tentando passar otimismo. “Deixa eu te contar um segredo, meu
amor. A mamãe trouxe o rifle dela e você sabe que a mamãe não erra usando-o né?
Então se esse monstro vier pegar meu menino vai levar bala.”

Jon não viu necessidade de um sedativo, ao perceber que com cuidado dos pais,
com carinho, o menino se acalmava. Só então Spencer viu que Jonathan observava tudo
em silêncio e ao mesmo tempo não o condenou por não ter agido. Crianças não podem
ter doses altas de calmante. Smith e Heckenberg sabiam que não seria fácil para o
menino conviver com o trauma, mas eles teriam que ser capazes de fazê-lo superar.

“Querida...” Spencer chamou.


“Sim?” Ela mordeu o lábio.

“Você trouxe <i>mesmo</i> o rifle?” Ergueu a sobrancelha.

“Não. Eu disse só pra acalmar meu garotinho.” Suspirou. Os dois voltaram juntos para a
poltrona e ela sentou-se sem malícia no colo dele que passou seus braços por volta da
cintura dela. Os dois tinham as expressões cansadas de uma batalha que estava apenas
começando. “Isso não vai acabar nunca?”

“O quê?” Suspirou. “Esses pesadelos? Daniel é forte. Ele vai superar isso e a gente vai
ajudar, docinho. Nós faremos de tudo para que o nosso Daniel cresça com menos
seqüelas possível.”

“Você me disse uma vez que tem um amigo que passou por isso.” Spencer assentiu,
enquanto ela mordia o lábio. “Ele superou isso com a ajuda dos pais e amigos? Digo, ele
já deve estar crescido e feliz, se superou.”

“Infelizmente, os pais dele não deram crédito ao garoto e isso só afundou-o ainda mais.
Diferente de nós dois, que vamos fazer nosso filho esquecer, vamos trazê-lo ao mundo
da música, das brincadeiras e mostrar a ele que ainda existem pessoas boas no mundo.”
Argumentou.

“E se a gente não conseguir?” Ela disse, preocupada.

“A gente vai lutar, sem se importar com quão distante nosso final feliz esteja.” E deu-
lhe um beijinho na ponta do nariz da garota, colocando-a em seu peito para que ela
dormisse. Não havia mais o que ser dito, os dois estavam cansados, mas sabiam que
precisavam estar o <i>menos pior</i> possível para garantir a felicidade do filho.

No dia seguinte, não percebi Ian saindo do quarto e muito menos da cama. Eu
estava cansado o suficiente para não teimar com qualquer coisa e a dor era tamanha que
chegava a ser difícil prestar atenção em qualquer outra coisa ou pessoa. Não foi muito
difícil deduzir que Ian Crawford fora trabalhar e eu não o condenei por isso. Na minha
ausência, ele sabia exatamente o que fazer e como me representar.
Crawford chegou um pouco atrasado na reunião. Acredito que por minha culpa.
Quero dizer, acredito que ele tenha me avaliado clinicamente antes de sair do hotel e ir
para o departamento de polícia.

“Me desculpem o atraso.” Falou ao entrar, todos assentiram. Todos os que pertenciam a
equipe estavam lá: Hayley, Brendon, Zac, Joshua e Ryan e exceto os que já sabiam do
meu estado, não estranharam minha ausência. “Ahn, eu to aqui principalmente como
representante do detetive Weekes.”

“Cadê o Weekes?” Ryan perguntou, fazendo Brendon cruzar os braços, visivelmente


abalado pela pergunta.

“Ahn, ele... Teve um pequeno contratempo e pediu para que eu viesse em seu lugar. Ele
me deixou orientações expressas sobre o que fazer nesses casos.” Ian explicou, enfiando
as mãos nos bolsos.

“Mas ele está bem?” Perguntou Hayley, preocupada.

“Está sim, Hayley. Obrigado.” Sorriu fraco. “No que depender da medicina, ele vai ficar
cada vez melhor.”

“Aconteceu alguma coisa?” Brendon perguntou contrariado ao ouvir as respostas de Ian


que não lhe faziam o menor sentido. “Que contratempo foi esse? Dallon não costuma
perder reuniões de trabalho como essas.”

“Dallon foi assaltado ontem, B.” Zachary começou explicando, encolhendo os ombros.

“E como é que ninguém avisa uma coisa dessas pra gente?” Ryan falou, indignado.
“Como foi isso?”

“Eu deixei o Dallon na locadora da Quinta com a Sétima e pedi pra ele escolher alguns
filmes, enquanto eu comprava cerveja e doces pra gente e de repente, na rádio patrulha e
a central pediu reforços pro Weekes, porque ele estava passando um 74732. Liguei pro
Joshua e resolveu-se a situação.” Ian falou, puxando uma das cadeiras para si. “Na
verdade, ele não sabe que eu vim pra cá.”

“O detetive Weekes não quis preocupar mais que os amigos dele.” Zac falou. “Porém
ele teve um corte na cabeça de mais ou menos 3mm devido a uma coronhada que levou
durante esse assalto. Nada muito sério, ele só precisa de descanso pra se recuperar.”

“Bem, o Dallon está sedado, porque senão ele ia querer vir pra cá e fazer parte dessa
reunião.” Ian explicou, encolhendo os ombros. “Ele sequer quis ficar aqui no hospital,
por isso está comigo no meu hotel. Por isso demorei pra chegar. Estava vendo como
está e fazendo o curativo.”

“Tudo bem.” Brendon suspirou fraco. “Leve minhas condolências ao Weekes. Diz pra
ele tirar uma semana de folga enquanto a gente continua as investigações por aqui.”

“Eu direi.” Sorriu fraco. “Mas eu creio que amanhã ele estará aqui, porque ele é uma
mula empacada.”

“Bem, vamos ao ponto da reunião.” Joshua disse. “Nossa equipe está muito abarrotada
de trabalho e eu acho justo dividirmos. São dois casos complexos e bem distintos um do
outro.”

“Concordo.” Hayley disse, ajeitando os óculos no rosto. “Posso sugerir uma divisão e aí
vocês me dizem se concordam. Aí uma vez por semana fazemos reuniões como essas
para nos colocar a par de seus casos.”

“Seria ótimo.” Ryan falou. “Qual sua sugestão?”

“Hm, acho que o Dallon, o Ian, o Brendon e o Zac ficariam bem no caso das garotas
queimadas e os demais no caso do Daniel.” Hayley disse.

“O Dallon não pode ser tirado do caso do Daniel.” Ian falou, frustrado. “Eu o conheço
como ninguém e se eu aceitar essa divisão vai ter briga séria entre ele e eu. Na verdade,
já vai ter briga entre a gente com o que eu vou falar aqui, mas não dá pra eu argumentar
com vocês sem contar parte da situação do Dallon. O agressor do Daniel pode ser
considerado serial e o detetive Weekes tem uma segunda vítima e provas concretas para
isso embora essa vítima não tenha registrado ocorrência do estupro, por medo ou
qualquer coisa parecida com isso. Porém uma nova prova foi encontrada recentemente
que o fez remexer nesse caso.”

“Qual o nome da vítima?” Perguntou Joshua.

“Brendon Urie.” Ian disse, engolindo em seco.

“Como é?” Brendon levantou-se, irritado. “Não quero ninguém remexendo nesse
inquérito policial, nos meus segredos e no meu passado! Nem mesmo o Dallon!”

“Desculpa, Brendon, já é tarde demais.” Suspirou. “Eu não queria que o detetive
mexesse mais com isso, fiz o que pude pra afastá-lo, mas não deu. Não deu mesmo.”

“Quem o autorizou a mexer nisso?” Boyd continuou, indignado.

“Você realmente acha que os dois policiais que te encontraram aquele dia, iam mesmo
deixar esse caso morrer, Urie? Me desculpe a franqueza, mas eu vi dois amigos se
destruindo pessoalmente e profissionalmente por <i>sua</i> culpa, Urie. Eles dois
esperaram dia após dia, para se livrar dos fantasmas que causou a eles, mas não
conseguiram. Estão com sede de justiça por <i>sua</i> causa e agora, por causa de
Daniel. O Weekes é muito pior que uma mula empacada e não vai parar enquanto não
colocar o Windsor na cadeia, doa a quem doer. Foi uma promessa que ele fez pra
<i>você</i>”. Ian dizia, indignado, e ao mesmo tempo raivoso. “Eu odiei você por anos
a fio, B. Não me faça voltar a isso. Não gosto de sentir ódio.”

“Então avise pro Dallon Weekes que meu passado é só meu.” Disse Urie. “Se eu não
denunciei como estupro, é pra continuar dessa forma!”

“Ele não vai parar, Brendon, nem que você implore pra ele de joelhos. Entende de uma
vez. Eles nunca pararam de te investigar, você é quem nunca soube.” Suspirou
nervosamente. “Dallon sempre diz que o seu passado só é seu até o momento que ele
não se entrelaça com um caso policial.”

“Mas tenho certeza que ele não vai gostar se for com ele!” Brendon falou mais alto,
entre os dentes.

<b>“Investigue-o, então, Urie!”</b> Ian perdeu o controle de si, e encarou Brendon de


frente, como se não fosse subordinado a ele. “<b>Quem sabe você investigando-o
entenda o tenebroso mundo em que ele vive e principalmente, você descubra o
quão mesquinho e egoísta você é com as pessoas que te valorizam, maldito
bastardo!</b>”

“Ok, já chega!” Ryan interferiu antes que Brendon pudesse responder. Ian voltou a se
sentar, passando as mãos pelos cabelos. Ele sabia que tinha deixado coisas demais
aparecer, coisas que ninguém precisava ficar sabendo, mas ao mesmo tempo, havia
soltado coisas que carregava em seu peito. Isso o deixou sem um peso grande nas
costas. “Dallon, Ian, Josh e Zac ficam com o caso de Daniel, enquanto Brendon,
Hayley, o Jon e eu ficamos com as garotas queimadas e fim de papo. Somos uma
equipe, somos amigos e vamos agir como tal.”

Brendon resmungou baixo qualquer coisa, tentando se acalmar, sendo obrigado a aceitar
aquela divisão de equipes. A delegacia não podia parar. Confesso que tenho
<i>muito</i> a esconder, mas nunca proibi ninguém de me investigar. Não houve mais
condições de continuar com aquela reunião, porque Ian estava por um fio para matar
Brendon e este estava por um fio para lutar por sua vida. Ao mesmo tempo, B queria
entender tudo o que tinha escutado naquele dia.

“Ian, e-eu... Posso falar com você?” Brendon disse baixo. “Eu sei que exagerei, mas
acho que a gente precisa esclarecer umas coisas.”

“O que você quer?” Ian disse baixo, mantendo o olhar em seus pés.

“Por que me odiar?” Perguntou, enfiando as mãos nos bolsos.


“Porque você foi o motivo da obsessão do Dallon. A obsessão que destruiu muitas
chances na vida dele.” Suspirou. “Você não precisa saber mais do que isso. Eu não vou
traí-lo assim. Conversa com ele depois, com calma.”

“O que o Dallon fez pra conseguir as provas?” Perguntou ele.

“Estão no seu arquivo.” Encolheu os ombros. “Qualquer um tem acesso.”

“Você sabe qual é a prova?” B perguntou e Ian assentiu. “Me diz?”

“Seu desenho.” Encolheu os ombros outra vez. “Aquele em que você está narrando o
fato... O juiz deu um mandato ao Dallon por causa dele e por causa da ligação que seu
caso tem com o Daniel. É exatamente igual!” Brendon apenas suspirou e Ian fez o
mesmo, mordendo o canto do lábio. “Me desculpe, Brendon, eu falei demais. Você não
sabe como será enfrentar o Dallon depois desse meu desabafo, mas eu preciso ir ver as
ataduras dele.”

“Diga a ele que eu mandei lembranças e que vou vê-lo assim que puder.” Brendon
disse.

“Tudo bem.”

Ian acompanhou Brendon sair da sala de reuniões e saiu logo em seguida, cabisbaixo.
Falar pra mim que finalmente soltara explosivamente toda a raiva que tinha em seu
coração em cima de Brendon, me deixaria chateado. Ele sabia disso, sabia que ele havia
um reparo a fazer, mas um reparo que não tinha solução. Ele sabia que se eu nunca tinha
comentado de uma parte negra da minha vida pessoal era por que minha síndrome de
Clark Kent não me deixava em paz. Só dava trabalho e o colocava em situações como
essas, mas ao mesmo tempo, ele devia estar acostumado.

<u><b>Fim do Capítulo Seis.

Sete: It’s a lullaby gonna kill my dreams.


Título: Temporary Bliss – The Cab. </u></b>
<i>Salt Lake City, 2007.

Era três da manhã de um dia de trabalho que deveria ser normal, mas não era.
Era o dia que Ian e eu comemoraríamos um ano de casados. Eu pedi dispensa da
corporação e foi negada, pedi pra sair mais cedo – já que eu não passaria o dia com
meu amado –, mas novamente me foi negado. Era aniversário de casamento que
simbolizava muito pra nós dois. Tínhamos vencido várias barreiras, vários inimigos e
continuávamos apaixonados.

Cheguei em casa quase dormindo em cima do volante e sob o efeito de muita


cafeína, tanta que mal conseguia distinguir quem era o Dallon sem cafeína e o meu ser
sem ela. Ian não gostava que eu dirigia naquele estado, porque eu mal conseguia
controlar a mim mesmo, quem dirá um carro feito o meu. Era quase quatro da manhã e
eu sabia que teria que enfrentar um homem irritado em casa. E eu simplesmente não
poderia tirar a razão dele. Ian diria tudo o que tinha pra dizer e eu ouvirei tudo em
silêncio.

Passei antes por uma loja de doces e comprei o cupcake que ele mais gostava, e
depois sim eu fui para casa. Quando entrei em nosso apartamento, a cena que
encontrei me deixou ainda mais entristecido que eu já estava. Ian estava pronto pra
sair, usando uma calça jeans nova, uma camiseta que eu tinha dado a ele de presente
na minha última folga – meses atrás –, os cachos estavam relativamente controlados,
mas dormia jogado no sofá da sala. Tirei o kep da cabeça e joguei no sofá livre,
observando-o dormir mais uma vez. Percebi em sua mão uma garrafa de vinho pela
metade e algumas marcas de respigado na camisa branca de meu amor. Como se ele
tivesse bebido por raiva, em goles maiores que a capacidade de sua boca. Segurei meu
sorriso ao prender os lábios, embora uma cena que fosse triste, era uma cena bonita e
Ian parecia um anjo com seus cachinhos jogados nos olhos. Eu deveria me conformar,
porque isso era exatamente Ian Miles Crawford-Weekes: um anjo em miniatura que me
protege e me salva de mim mesmo.
O fechar da porta chamou a atenção de meu anjo, que acordou assustado,
deixando a garrafa de sua mão cair. Ele não me olhou ainda, recolheu a garrafa,
colocou-a em cima da mesa de centro e coçou os olhos, meio manhoso, por baixo dos
óculos de aro grosso – que eram meus – e me olhou com um sorriso pequeno e sem
emoção. Suspirei fraco, retribuindo esse sorrisinho com um igual e me aproximei dele
que parecia mesmo esperar alguma satisfação que veio em forma de música. Segurei o
cupcake em minha frente, ajoelhando perto do sofá onde ele ainda estava deitado e
cantei bem baixinho, perto do ouvido dele:

“...she just wants it more than she’d have you believe” Ian apenas sorriu, fechando
momentaneamente os olhos. Coloquei o cupcake em cima de seu peito, começando uma
carícia inocente no rosto do meu garoto que estava arrepiado. “Eu não esqueci da
gente, meu anjo. Não esqueci o dia de hoje e muito menos das nossas reservas, mas o
Johnson não me liberou mais cedo pra vir pra você... Eu tava pegando uma viatura, pra
relembrar nossos velhos tempos, mas o Johnson me pegou com a mão na massa e eu
não consegui vir.”

“Você não vai resolver todas nossas datas comemorativas com cupcake e música,
Weekes.” Falou baixinho, pegando o cupcake de sua barriga. Passou o dedo por ali e
me sujou com o dedo, divertido. Comeu o que lhe sobrou e com os lábios ainda sujos,
pressionou-os aos meus e disse, novamente sem emoção: “Feliz aniversário, Dallon.”

“Você... não vai falar mais nada?” Me sentei no chão, abraçando minhas pernas.
Limpei com os dedos o cupcake de meu rosto, mordendo o lábio. Ian encolheu os
ombros por um momento, me fazendo franzir o cenho por um momento. Ian havia
arranjado um jeito que me machucaria muito mais que palavras com repreensão.
Porque o ódio não é o oposto do amor, mas sim a indiferença. O fingir que não se
importa com aquele que um dia amou – ou que te ama tanto – é o que mais mata. “É
indiferente pra você?”

“Claro que não.” Ele disse. “Eu só me cansei de pedir que você mude por mim,
querido. Eu to bêbado demais pra falar o que eu to sentindo, eu to manipulável. Você
vai vencer, se eu começar a falar tudo o que está preso em mim.”
“Odeio te ver assim por minha culpa, sabia?” Comentei baixinho.

“Me deixa falar com você quando eu estiver sóbrio?” Pediu e eu neguei com a cabeça.
“Tudo bem, vamos fazer as coisas do seu jeito pra variar um pouquinho. Poxa, Dallon,
olha pra mim agora. Eu tenho só dezenove anos, to cursando medicina, to me matando
pra passar num processo de seleção para ser investigador e quais dessas duas vitórias
você esteve ao meu lado. Quero dizer, você não foi à minha festa de aniversário porque
estava de plantão – que, por Deus, você pega todo dia. Contei sobre a aprovação em
medicina, depois de dois dias que meu comunicado chegou aqui, porque você não
voltou pra casa. Quando você voltou, deu-me um abraço, tomou banho e dormiu.
Quando acordou, você já tinha quinhentas ligações do Johnson pra você voltar e você
foi correndo. Eu me casei com você pra ter companhia. Me casei com você, porque
escolhi te amar a minha vida inteira, mesmo tendo perdendo os meus pais, mesmo que
se a gente se separar, eu não tenha mais pra onde correr. Agora eu procuro você, seja
na cama, seja pra me abraçar, seja apenas atrás de carinho e nunca te encontro. Poxa!
Isso é muito injusto.”

“Eu não deixei de te amar nem por um segundo. Eu te amo muito, Een.” Suspirei.
“Desse jeito, parece que você vai embora da minha vida logo que ficar sóbrio. Eu não
quero te perder, não posso...”

“Eu te amo tanto, Dallon, mas tanto que dói aqui...” Ian segurou sua camiseta com
força, como se estivesse com raiva daquele sentimento. Eu o abracei desajeitado,
voltando a me ajoelhar, deixando um beijinho sem maldade em seu rosto. “Eu não
quero ir embora da sua vida. Eu não tenho nada além de você, querido, mas eu preciso
que você me ajude a ficar do seu lado, por favor...”

“Tudo bem, querido. Eu não vou voltar ao trabalho hoje.” Falei, deitando a cabeça em
seu peito.

“Já é um começo, querido.” Falou desanimado. “Pode ser exigir muito, mas eu queria
meu marido comigo mais do que só por hoje. Eu queria contar com você quando eu
precisasse, no dia-dia. Mas do que eu to reclamando, não? Eu faço medicina e mal
tenho tempo pra mim.”
“Não precisa de ironia.” Falei baixinho, me ajeitando deitado ao seu lado, no sofá,
enroscando as pernas às dele. Creio que pra acabar de vez com aquela discussão que
não nos levaria a nada além de mais ferimentos. Eu sabia que ele estava certo, mas não
gostava quando ele usava a ironia pra me ferir. Eu sabia que ele não estava medindo
conseqüências e talvez por isso estivesse ainda perto dele naquele momento. Eu sabia
que ele não podia simplesmente sair de casa e ir pra casa dos pais. Estava tudo
destruído.

Crawford sorriu fraquinho, enroscando minha cintura com os braços com toda
sua doçura. Ficamos um pouco de tempo naquela posição, até que nós nos levantamos
para ir para a cama. Eu sempre fui espichado demais para caber em um sofá apenas e
precisava descansar. A cafeína começava a perder o efeito sobre meu corpo e o
cansaço foi se apoderando de meu corpo e tudo o que eu pedia era minha cama e o
abraço de Ian pra dormir em paz.

Ele ergueu os pés após levantar do sofá e se aproximou de mim. Começou um


beijo necessitado ao qual eu não pude resistir. Como se nada mais importasse, Ian
conduziu aquele beijo. Segurei em seu rosto cuidadosamente, mas logo perdi minhas
duas mãos em seus belos cachos despenteados e os acariciei, bagunçando-os ainda
mais. Ian nos conduziu ao quarto às cegas sem se importar se fôssemos bater em
qualquer canto. Meu querido sentiu as costas baterem na porta de madeira e deu um
gemidinho dolorido, abafado por meus lábios.

Aproveitei que paramos de andar e comecei a me livrar peça a peça das roupas.
Tanto minhas quanto as dele. Eu estava saudoso daquele toque. Era praticamente uma
necessidade explorar cada pedacinho de pele do baixinho que eu segurava e também
sentir as mãos dele tocando meu corpo. Apalpei seu traseiro com um pouquinho mais
de força e ele deixou meu nome escapar por seus doces lábios, enquanto pendia a
cabeça para trás quase que completamente. Nada no mundo poderia me fazer mais feliz
do que meu nome dito daquela forma.

Impulsionei Ian para cima e suas pernas rodaram minha cintura quando ambos
já estávamos nus. Estávamos ofegantes, inebriados pelo prazer proporcionado um ao
outro, um pelo outro, mas principalmente, um estava apaixonado pelo outro. Estava
escrito em nossos olhares, tatuado em nossas peles. Simplesmente impossível de ser
apagado. Havia dito que não tinha trabalho pra casa, que naquelas horas eu seria só
dele, mas meu celular começou a tocar. Estava deitado na cama, sobre o corpo de Ian,
que ainda tinha as pernas enlaçadas em meu corpo.

“Não atende, hm?” Ele pediu suplicante, no meu ouvido, deixando uma mordida no
meu lóbulo.

“Mas...” Falei, mordendo o lábio fraquinho por causa do toque do meu marido. “E se
for importante, meu amor?” Eu estava inebriado demais pra planejar alguma coisa,
estava agindo por instinto e realmente foi uma pena que Ian não conseguiu diferenciar
minha racionalidade do meu instinto e me soltou quase que imediatamente. A expressão
de felicidade que estava em seu rosto se desfez. Eu o tinha decepcionado novamente.

“Claro que é, Weekes. Sempre é mais importante. Qualquer coisa é mais importante do
que ficar cinco minutos com seu marido.” Falou, irônico.

“Eu não vou atender.” Murmurei. “Eu disse a você que não voltava mais hoje pra
corporação e vou cumprir o que eu disse, mesmo que eu tenha que dormir no sofá.”

“Você não vai dormir no sofá.” Ian falou, ainda com o tom desapontado. “Eu nunca
tenho você aqui, meu caro, quando tenho e brigamos, não posso me dar ao luxo de não
dormir acompanhado. Eu preciso aproveitar as raras oportunidades.”

Eu não consegui falar mais nada além de concordar com a cabeça. Levantei e
fui tomar um banho, meio longo. Essa era a primeira vez de fato que eu ouvia meu
amado frustrado com minha ausência, porque quando sóbrio, ele jamais falaria o que
estava sentindo. Era meu trabalho que estava acabando com minha vida pessoal. Agora
minha prioridade era cuidar do Ian bêbado na minha cama e deixar que o tempo
apagasse as feridas que eu diariamente causava.

Salt Lake City, 2010</i>


O final de semana ainda não tinha acabado. Era domingo e embora já fosse por
base de nove horas da noite, ainda era nosso final de semana. Eu ainda estava na cama
de Ian sentindo umas dores infernais por causa do corte, mas com meu marido cuidando
de mim, como se eu fosse um pouco mais que paciente. Hayley ainda estava na casa de
Zac e Josh, segurando tudo o que tinha que dizer a ex-sogra que a tinha provocado por
todo aquele final de semana e Hayley mantinha seu silêncio pela filha.

O clima do jantar fora péssimo, mas mesmo assim, por Sarah, todo mundo fingia
estar feliz e bem com tudo o que estava acontecendo. A verdade era que Sarah gostava
quando o pai e a mãe dela se relacionavam bem e por isso ela fazia de tudo o que podia
para juntá-los e fazê-los ficar em paz, mesmo que essa paz seja forçada. Após o jantar,
Zac chamou Hayley em um canto da sala e sugeriu bem baixinho:

“Por que você não vai dar uma volta, hm? Senão você e Josh vão transformar isso aqui
em uma guerra e a Sarah não merece isso.”

“Não é uma má idéia.” Suspirou. “Mas a Sarah precisa dormir.”

“Isabella e eu cuidamos disso, hm?” Zachary disse. “Só que isso aqui tá ficando
insuportável. Tá ficando pior que a Guerra Fria.”

“Exagerado, você.” Ela riu baixinho. “Eu vou, eu vou sim. Mas e o Josh?”

“Eu não sei. Ele tá se arrumando, acho que vai sair também.” A menina assentiu contra
a vontade e de um beijinho em rosto de Zac, erguendo seus pés pra isso.

Após esse beijinho, a menina saiu com as mãos nos bolsos e Josh saiu logo em
seguida. Estava com um ar preocupado, sem realmente notar que a garota estava por ali,
chamando o elevador. Suspirou baixinho quando viu a menina, dando um sorriso fraco
quando sentiu o olhar dela sobre suas costas.

“Você tá me seguindo?” Perguntou ela.


“Não.” Falou, os dois entrando no elevador junto com ela. “Eu só preciso relaxar um
pouco e decidi trabalhar pra isso. Devo achar alguma coisa pra fazer por lá. Preciso
parar de pensar que minha mãe está tentando envenenar nossa Sarah.”

“E desde quando nosso trabalho é relaxante, Josh?” Hayley ergueu a sobrancelha por
cima dos óculos de aro grosso. Ele não respondeu em palavras, só encolheu os ombros
como se dissesse que qualquer coisa serve. “To pensando em ver o Dallon, mas eu to
com uma fome do cão.” Comentou, após um tempo curto em silêncio.

“Não vi o Dallon desde o acontecido.” Joshua saiu do elevador quando este se abriu,
seguido por Hayley. “Bem, vou trabalhar.”

“Tudo bem.” Sorriu. “Mando lembranças suas ao Weekes.”

Os dois assentiram e assustaram um bocado quando um raio cortou o céu em


dois. Nenhum deles estava esperando uma chuva que veio logo em seguida. Não era
nenhuma tempestade, mas também não era fraquinha. Josh tirou sua jaqueta, sem
maldade e protegeu a cabeça de Hayley, conduzindo-a até o seu carro. Ela sorriu pra
agradecer e ele sorriu encantado.

“Você vai mesmo trabalhar com essa chuva?”

“Você não se importa.” Brincou ele, encolhendo os ombros, o que lhe rendeu um
soquinho sem força em seu braço. Agora a jaqueta de Josh estava nos ombros dela e o
menino estava novamente encharcado.

“Devia subir e se trocar.” Falou a menina. “Vai pegar um resfriado.”

Farro passou as mãos pelos cabelos molhados e molhou os dela que correu atrás
dele sem se importar com a chuva que molhava os dois. Não se importavam se estavam
correndo feito crianças pelo jardim do prédio, só precisavam se divertir um pouco, já
que do lado de dentro do prédio, tinha a mãe de Farro pra ser enfrentada. Com o tempo,
a correria se transformou em um banho na chuva e juntos eles brincaram feito crianças
com a água e quando a chuva foi passando, se deitaram na grama molhada e ficaram
abraçados.

“Atrapalhei você ir pro trabalho, hunf.” Comentou baixinho, em meio a uma risada. “E
te deixei mais molhado do que já estava.”

“Uh...” Ele disse, sorrindo. “Não tem problema. Isso me deixou mais leve. Talvez mais
leve que procurar alguém pra salvar.”

“Você e o Dallon têm que parar com essa mania de achar que precisam salvar o
mundo.” Ela falou olhando para o garoto, séria. “Existem mais lugares pra ir que o
trabalho.”

“Eu sei, mas a maioria dos bons lugares precisa de companhia e uma companhia legal.”
Mordeu o lábio ao desviar seus olhos. “...e esse tipo de coisa anda bastante raro pra
mim.”

“Qual é! Você é Joshua Farro. Nunca falta companhia pra você!” Ela falou, dando um
beijinho no rosto dele pra, na verdade, esconder o rosto do menino. “Me parece que a
novata do hospital gosta de você. Sabe o que eu acho?”

“Hmmm?” Ele resmungou meio arrastado.

“Por que não chamá-la pra sair?” Torceu os lábios. “Você fica lá de conversinha com
ela por horas e horas.”

“Você tá falando sério?” Ele riu baixo, sem maldade, puxando o rosto da garota pra si.
Queria vê-la com aquele tom ciumento que percebeu, mas com muito esforço, ela
voltou a sorrir antes que ele conseguisse vê-la. Então, o menino ignorou a proposta real
e disse: “A única mulher na minha vida é a Sarah e ela não gosta muito de dividir esse
posto com outras.”

“Ela é mesmo assim com você?” Hay não segurou a risada e olhou curiosamente para o
ex-namorado que assentiu.
“Lembra daquela menina que eu ia levar ao cinema ano passado? Depois eu ia jantar
com ela. Sarah veio pra minha casa e não me deixou sair daqui, fez manha, disse que
queria dormir comigo e eu tive que ligar pra menina desmarcando, dizendo qualquer
coisa sobre babá não ter vindo.” Contou, frustrado, causando ainda mais risadas na
menina ao seu lado.

“É realmente sério isso?” Perguntou novamente, em meio às risadas e após o assentir


dele, ela continuou: “Sabe, eu tinha me esquecido o quão era divertido passar um tempo
ao seu lado.” Sorriu, sincera.

O sorriso sincero de Hayley Williams foi o maior presente que o menino


recebera. Seu coração não poderia estar mais feliz que naquele momento, saltando em
seu peito como se quisesse arrebentá-lo. Nunca havia conseguido mais nada desde que
voltara para vida de sua amada. Lembrou-se de quando eu o aconselhei; eu estava
mesmo certo.

A chuva era sempre uma boa opção pra romance e causava uma música
interessante quando batia na janela. A música está em toda parte. Não há como fugir
dela, não há como não se atrair por ela, a música sabe como cativar os corações com
esperteza, rapidez e sem volta.

Ryan terminava de servir um café na corporação e Urie estava ao seu lado,


segurando o seu copo de café com as duas mãos e pensava na música que seu ex tinha
tocado. Ainda se lembrava de cada nota e de cada sensação provocada por essas tais. Já
estava perto da meia-noite e ambos estavam cansados de um dia inteiro de trabalho
duro. Trabalhar ajudando pessoas sempre era gratificante, mas no momento Urie só
pensava que isso o faria estar mais perto de ter a adolescência que lhe fora roubada. Que
Ryan Ross era um mal necessário e que, depois de ouvi-lo tocar, percebeu que o estava
sendo injusto porque não tinha dado a ele direito de se defender. Direito de explicar sua
situação, porque talvez ele também estivesse sofrendo.

“Ryan?” Brendon chamou baixinho, servindo a si mesmo mais um copo de café.


“Hmm?” Respondeu sem tirar o copo da boca.

“Não consigo tirar você da cabeça.” Confessou baixinho, corando as bochechas. “...a
música, na verdade.”

“Por quê?” Falou, meio baixo, com a tentativa de deixar a voz fria, como se aquilo não
lhe afetasse. “Foi só uma música boba.”

“Músicas nunca são bobas, Ry.” B disse sorridente. “Música vem de dentro do seu
coração. São notas entoadas da alma, Ryan. Foi você quem me ensinou isso e sei que
não tocou aquilo pra mim por acaso.”

“Você não sabe o que eu tive que superar aqui dentro pra chegar perto de um violão
outra vez, B. Eu nunca fui do tipo que enfrenta os próprios demônios. Não sóbrio. E eu
toquei pra você sem uma gota de álcool no sangue... Quero dizer, o que é uma garrafa
de cerveja pra um cara que vivia sob o efeito de vodca? Eu não estava pronto pra isso.”
Falou baixinho, com o olhar perdido no copo de café vazio em suas mãos. “Me
desculpe, eu não queria te ferir de novo. Não quero te ferir de novo.”

“Sabe o que eu quero agora?” Brendon disse após um tempo em silêncio. Segurou o
ombro de Ryan cuidadosamente, mas firme. Ryan não conseguia sequer respirar.
“Quero te chamar pra sair. O Brendon nerd, sorridente, inocente e o Ryan mandão,
egoísta que bebia e fumava mais que seu corpo é capaz de agüentar.”

Ryan não segurou a risada de nostalgia e sem maldade, mordendo o canto do


lábio, meio pensativo. Urie aproveitou-se da situação para deixar um beijinho estralado
no rosto do maior, demorando mais que o necessário pra afastar os lábios grossos da
pele do maior.

“Esse Brendon não vai se importar que você sinta alguma coisa pelo Weekes. Ele
precisa de uma última vez e precisa de uma conversa.” Brendon falou, ainda com os
lábios grudados na bochecha de Ryan que mantinha seus olhos fechados.
“B, eu não quero... n-não quero ferir você outra vez.” Falou baixinho, temeroso. “Meu
antigo eu já te machucou demais. Ao finalizar todos esses casos aqui, serei obrigado a
voltar pra Washington e vai acontecer de novo.”

“Eu não tô pedindo pra ficar para sempre, Ry, eu to pedindo para você sair comigo pra
gente conversar.” Sorriu fraco,se afastando. “E, de qualquer forma, eu vou entender se
você não quiser. Estamos falando em trair o Weekes que é um dos meus melhores
amigos.”

“Eu topo.” Ryan falou fraco. “A gente sai pra beber alguma coisa quando quiser. Só
saiba que eu não posso prometer não te ferir. Se for nossos antigos “eu” nós dois
sabemos onde isso vai parar e quanto pode nos envolver.”

“Eu não ligo.” Encolheu os ombros e roubou um beijinho do amado. Estava feliz,
porque teria a oportunidade de colocar pra fora tudo o que sentia, o que guardava a
tantos e tantos anos. Ele estava sendo egoísta, pensando em si mesmo, mesmo sabendo
que Ryan estava certo. Brendon ainda estava perto do amado, agora segurando sua
cintura como se fosse seu namorado.

“A gente tem que voltar a trabalhar.” Ryan falou, meio sem vontade e o outro riu
baixinho, assentindo.

“Só... me diz algo antes de ir?”Suspirou. “Por que o Dallon? Você poderia ter voltado
pra mim, mas pra que usar o D?”

“Olha pra você, B.” Ryan sorriu, orgulhoso. “Você tem uma filha agora. Tem a Hayley
que supostamente é casada com você. Você tem amigos. O Dallon não tem família, ele
rompeu todos os contatos, ele não tem mais um casamento, só pedaços de um. Ele já
não tem quase nada a perder. Tem coisas sobre mim e minha passagem por SLC que
você só vai entender depois do Windsor preso e de ouvir pelo Dallon.”

“Você tá fugindo de novo.” Brendon respondeu sem vontade.

“Como o Dallon sempre diz: todo mundo tem do que se envergonhar, meu caro.”
Passaram-se alguns dias desde tudo o que estava acontecendo. Eu bem que tentei
ir pra corporação, mas não consegui! A cabeça doía muito e eu quis ficar mais tempo
sob os cuidados de Ian, como um bônus por não conseguir trabalhar. Era o último dia de
minha licença e eu já tinha voltado pra casa. Sarah tinha ido ao hotel de Ian por dias
seguidos, cuidado de mim com música e eu estava me acostumando a dormir com o
homem que amava todos os dias, mas eu sabia que isso estava acabando, como tudo o
que é bom.

“Tio Dallon!” Sarah invadiu meu quarto, deixando um clima estranho entre Ian e eu que
novamente discutíamos a posse da guitarra. Ela estava sorridente, pulou na minha cama
e engatinhou sem maldade nenhuma até onde eu estava. Abraçou-me com força me
fazendo sorrir e Ian também sorriu. “A gente ainda não foi no parque como prometeu!”

“Pergunta pro Een se eu posso ir, querida.” Falei e a menina saiu do meu abraço,
virando-se pra meu amado de forma mais doce que conseguiu – o que era muito simples
pra minha pequena Sarah.

“A gente pode ir ao parque hoje, tio Ian?” Falou, sentando-se no colo dele. “O tio
Dallon prometeu ir comigo, com o Daniel e com você pra tomar sorvete.”

“Claro, Sarah. A gente passa no Daniel pra saber se ele pode ir.” Falou.

“Eba!” Sorriu grande, dando um beijo estralado no rosto de Ian e começou a nos puxar
pra fora da cama. Tivemos que fazer o que a menina queria, só conseguindo com um
pouco de conversa, um tempo para que eu me trocasse para ir a casa do Spencer – que
eu nem comentei que o menino havia saído do hospital e ido pra casa.

Spencer estava tenso ao lado da mulher. O que eles estavam enfrentando não era
uma das coisas mais fáceis do mundo de se passar, mas eles conseguiriam sair dessa. Ou
ao menos era o que eu esperava, Quando Spencer me viu na porta, junto com Ian e
Sarah, ele me abraçou forte, sem maldade e fechou os olhos. Correspondi ao abraço e
afaguei seus cabelos de leve. Era uma mistura de desespero por querer um amigo que
conversasse, que o distraísse por um momento dos próprios problemas e ao mesmo
tempo, alívio por eu estar vivo. Ian segurou delicadamente o quadril de Spencer, sem
maldade, e apertou delicadamente.

“Eu sinto tanto, Spencer. Tanto.” Falei baixinho no ouvido dele. “Me desculpa, me
desculpa mesmo.”

“Você não tem culpa de nada, Dallon.” Spencer falou ao me soltar, nos convidando pra
entrar. “O cara pegou meu menino pra atingir o Brendon, não sei por qual motivo que
você o investigou primeiro, mas se tem mesmo provas contra ele, eu vou te apoiar pra
sempre.”

“Eu te conto se quiser...” Falei e ele assentiu. Sarah havia saído da sala para brincar com
Daniel e a mãe dele, depois que esta nos cumprimentou e trouxe as cervejas que
Spencer pediu a ela que nos trouxesse. “Eu descobri sobre o que o Windsor fez com o
B, Smith. Johnson me trouxe algo que me deixou em estado de choque. Na verdade,
Johnson e eu perdemos tudo o que tínhamos por investigar esse caso por conta própria e
ele achou um desenho que o Urie acusava o Windsor com veemência.”

“Meu Deus!” Spencer ficou assustado com o que ouviu. “Brendon não tem motivo para
estar tão chateado com você. A culpa foi minha que estava sendo relapso enquanto pai,
D. mas me diz algo... você tem ódio do Ry? Digo, todo mundo que conhece esse
estupro, acaba com ódio do Ry.”

“Não.” Discordei com a cabeça. “Eu conheço os dois lados da história. Ryan não teve
culpa de nada. Se Ross tivesse ficado aqui quando o B foi violentado, Carl estaria morto
e Ryan preso.”

“O que você sabe sobre o Ryan?” Spencer perguntou, meio desconfiado.

“Mais do que você realmente pode imaginar.” Falei, encolhendo os ombros.

Spencer ficou um bocado pensativo após minha fala. Era como se eu soubesse o
que ele tanto escondia ou até mesmo tivesse conseguido arrancar mais coisas de Ryan
do que o próprio melhor amigo havia conseguido nesses anos todos de convivência.
Para todos os efeitos, Ryan estava completamente apaixonado por mim. Continuamos
com nossas cervejas em silêncio até que Ian o quebrou:

“Sarah quis vir chamar seu filho pra ir ao parque, mas a gente entende senão deixar...”

“Eu daria tudo pra que ele saísse de casa, mas ele anda com muito medo da rua.”
Explicou Spencer, mas nós todos sabíamos que Sarah era sutil, que era divertida, que
ela sabia como conseguir o que queria apenas sorrindo e sendo gentil. “Eles estão
brincando aqui, mas se o Daniel quiser ir com vocês depois da nossa cerveja.”

Assentimos. Terminar a cerveja era algo bom, mas pra mim o melhor era saber
que Spencer apoiava meu trabalho e não me culpava, ao mesmo tempo era ruim saber
que ele se culpava por algo que ele não havia feito. Doeu ouvir que ele se achava um pai
ruim, sendo Daniel um menino tão amável. Preferia que ele me acusasse.

“Ian?” Chamou Spencer. “Não entendi seu ódio pelo Brendon. O que aconteceu de
verdade?”

“Ahhnn...” Mordeu o lábio e me olhou como se me pedisse algum tipo de autorização


pra contar sobre o ódio que ele teve por Brendon e, de certa forma, se eu contei para
duas pessoas, porque ele também não poderia?

“O que você contou, Een?” Perguntei baixinho.

“Eu... falei algo errado?” Spencer perguntou, constrangido. “Digo, achei que vocês dois
não tivessem segredos um pro outro. Por isso que eu comentei aqui.”

“Nós não temos segredos um com o outro, mesmo, Spence.” Suspirei fraquinho. “Eu só
não esperava que ele contasse sobre isso pra alguém, algum dia. Eu conheço a história,
Spencer, só não esperava que alguém mais fosse saber disso além de nós dois.”

“Eu só queria entender... Porque nunca conheci alguém que declarasse um ódio por
Urie. Sempre foi o queridinho, o defendido e o mimado.” Smith explicou. “Vocês vão
me contar o que aconteceu pra esse ódio existir ou vou ter que descobrir sozinho?”
“Eu conto.” Ian suspirou. “Eu conheço o Dallon antes do Brendon. Antes daquela
palestra do Dallon sobre DST que vocês o conheceram, antes de ele se envolver
policialmente com o Brendon, o Dallon já era meu amigo. Estranho, não, porque eu só
tinha quatorze e o Dallon vinte e um. Eu era o cara que tinha consigo o valor de uma
amizade forte e cúmplice. Eu era o cara mais feliz do mundo só por ser premiado com
algo tão valoroso em minha época de adolescente. Mas quando o Dallon encontrou o
Brendon, a vida do Weekes mudou de cabeça pra baixo. Ele perdeu praticamente todos
os amigos dele, perdeu boa parte dos escrúpulos, “prendeu o rabo” com muita gente
inútil. Ele perdeu a vida pessoal, o respeito que meus pais tinham por ele, perdeu o
casamento com o amor da vida dele e ainda assim não desistiu do B. Eu o odiei por isso,
Spencer. O Brendon e essa sua mania maldita de achar que só ele foi o abandonado e
merece pena. Que só ele tem o direito de sentir tristeza por isso e ainda não consegue
enxergar quem esteve do lado dele e agora ainda cospe no trabalho do homem que
desistiu de tudo o que realmente valia a pena pra cuidar dele de perto.”

“Eu não o julgo, Een.” Suspirou, assentindo. “Só que o B pediu que eu acessasse os
arquivos da FBI pra investigar o Dallon. Ele disse que queria entender o ódio e que o
Dallon sentisse a respeito da investigação. Querem me contar, ou eu uso meus meios e
entrego todo o ouro a Brendon?”

“O que você disse ao Brendon, Ian?” falei meio indignado. Estava tentando não me
afetar com aquela situação, mas estava complicado pra mim. Entender o Ian e não me
deixar levar pela frustração; como se minha vida toda, eu estivesse confiando na pessoa
errada. “Eu achei que poderia confiar em você...”

“E você pode!” Ian afirmou categoricamente. “E de qualquer forma, eu não disse muita
coisa, mas falei que ele poderia te investigar pra deixar de ser egoísta e mesquinho,
disse que não queria odiá-lo novamente. Sempre achei que o Marsh e o DeLeon
tinham--“

“Een, por Deus!” Falei, batendo a mão na testa. “Você sabe do sentimento do Marsh por
você. É claro que eles fizeram o que eu pedi, porque sua felicidade era o prêmio do
Marshall e o DeLeon faz tudo pelo namorado. De certa forma, você tem razão, mas se
ele revirar muito na minha vida, ele vai achar sarna pra se coçar.”

“Eu sei!” Een falou, tombando a cabeça me meu ombro. “Eu falei tudo sem pensar...”

“Psiiiu, gente...” Spencer interrompeu. “Vão me fazer mesmo mexer na vida do


Dallon?”

Não foi possível esconder de Spencer a parte “criminosa” de minha vida. Não
foi possível esconder o que eu fiz para que meu nome fosse completamente limpo, mas
não citei muitos nomes. Não podia envolver mais um naquela lama toda. Não contei
sobre Ian – como punição, porque eu sabia que tudo o que meu amado queria era que eu
não tivesse medo de contar às pessoas o que somos – e não contei uma das coisas que
poderiam ser consideradas a mais grave. Pedi que ele não contasse tudo aquilo a Urie.
Todos os meus problemas com a polícia haviam sido resolvidos e tudo o que é morto
deve permanecer morto.

Pois veja; quando locamos filmes com zumbis, por exemplo, eles raramente são
aqueles mocinhos querendo salvar o mundo. Eles geralmente são os inimigos dos seres
humanos. São mortos-vivos que querem se alimentar de carne humana e causam muitos
problemas de ordem pública e privada. Não quero trazer de volta à vida aquilo que eu
fui. Passado fica melhor no passado e mortos ficam melhores em seus devidos túmulos.

Jogar álcool em uma ferida mal cicatrizada ainda machuca. Eu estava


desapontado com Ian, mas ao mesmo tempo, tentava compreendê-lo. Não foi algo
premeditado, e ele não falara tudo aquilo para me ferir. Porém, estava sendo uma
batalha interna muito difícil. Eu nem sequer sei quem estava ganhando.

Após uma longa conversa, levei Sarah pros braços da mãe e decidi levar Ian
Crawford pra jantar em um lugar calmo e neutro. Eu sabia que ele tinha alguma coisa
pra me dizer, mesmo que fossem pedidos de desculpas que não fossem totalmente
sinceros. Eu sabia que algo estava incomodando o coraçãozinho de meu amado.
Sentamos em uma mesa do restaurante e fizemos nossos pedidos, o silêncio entre nós
dois era grande, até Ian decidir começar:
“Dallon...” Começou ele. “Me desculpa?”

“É claro.” Falei no automático. Era sempre assim, quando Ian me pedia desculpas, eu
sempre o perdoava, mas meu amado percebeu que eu havia falado por falar e suspirou
baixinho um palavrão.

“É sério, Dallon... eu perdi a cabeça com o Brendon. Eu soltei o que eu guardei durante
oito anos em cima dele.” Justificou. “Sabe, eu acho que não agüentava mais o ego do
Urie sendo alimentado por todas as pessoas em volta dele, não agüentava mais só ele ser
o coitadinho e as pessoas agirem como se ele fosse mesmo! Tudo nessa vida se supera,
poxa! Isso tudo só porque o Ryan foi embora e aconteceu tudo o que aconteceu.
Brendon nunca deu o valor real que sua amizade merecia.”

“Eu sei que eu não deveria, mas de certa forma, me sinto... traído.” Falei baixinho,
brincando com o dedo na borda da cerveja. “Primeiro porque eu não estava lá pra te
segurar, pra pedir pra você se calar. Depois porque eu tenho muito receio de
descobrirem a ação que seus pais moveram contra mim, me acusando de pedofilia e eu
perca a Sarah e ainda pior, se descobrirem que--”

“Você não é pedófilo, meu amor...” Ian segurou minha mão, fortinho. “Todas as vezes
que eu estive contigo, foi por amor. Foi por que eu quis. Você não me induziu a nada
que eu não quisesse <i>muito</i>. É isso que deveria ser contado.”

“Nós dois sabemos que até eu explicar que focinho de porco não é tomada, eu já perdi
toda a infância da Sarah.” Suspirei, dando um beijinho bobo a mão de Ian. “Isso sem
falar nas coisas que eu fiz com ajuda do Weston, do Marshall e do DeLeon.”

“Eles não vão descobrir essa parte, meu amor.” Crawford apertou minha mão,
confortador. “O Spence não vai deixar depois das partes que ele ouviu.”

“Será? Eu não tive muito sucesso em pegar o Windsor até agora.” Falei, abaixando os
olhos.
“Agora nós estamos trabalhando pra um federal que tá envolvido até o pescoço com
Windsor. Eu sei que não tinha o direito de abalar a imagem perfeitinha que o B tem de
você e falar pra ele te investigar, mas sem isso, eles tirariam você do caso do Daniel. Sei
que se eu atuasse em silêncio, você descontaria em mim.”

“Tudo bem, querido.” Eu ri baixinho, sem maldade. ”Eu só quis proteger você de toda
essa merda que está sendo atirada ao ventilador.”

“Mesmo sabendo que eu não sou mais um menino...” Ian falou, meio indignado.

“Mesmo sabendo que você não é mais um menino.” Concordei. “Mesmo sabendo que
você é um homem incrível, gostoso e encantador.”

“Idiota!” Ian riu baixo, coradinho. “Mas saiba que você também dá pro gasto. Por falta
de opção melhor...” Brincou.

“Por falta de opção melhor?” Fingi estar ofendido. “Poxa, Ian. Eu imaginei que você
fosse dizer algum elogio, dizer que eu também sou encantador... mas você prefere me
xingar assim.”

“Pára de ser manhoso.” Ele riu baixinho, tomando um gole da cerveja. “Você sabe que é
minha primeira opção sempre.”

Concordei com a cabeça. Era engraçado perceber o quão diferente Ian e eu


éramos de todos os outros casais que tinham por aí. Nós tínhamos nossas diferenças,
nos magoávamos, mas sempre conversávamos e resolvíamos essas diferenças antes que
as feridas criassem raízes. Nós simplesmente nos amávamos acima de tudo e éramos
muito sinceros em relação a isso e, em especial, éramos sinceros um com o outro. O fato
de não haver nada escondido um do outro, era que nos fortalecia enquanto casal.

O dia seguinte, na corporação, foi bem tenso. O clima naquele lugar estava
péssimo, era como se eu fosse um soldado americano sozinho, entrando direto nos
alojamentos inimigo em plena Segunda Grande Guerra. Todos os olhos estavam
voltados pra mim, por causa de tudo o que Ian tinha declarado aos quatro ventos. Talvez
o que me fortificasse nesse momento era saber que só se vence uma guerra se mostrar
armas mais potentes que seus inimigos e enfrentá-los sem nenhum medo.

O medo só existe porque o desconhecido existe!

Mas um dia de reunião. Queria ter tempo pra conversar a sós com Brendon antes
de cair numa rede e ser servido aos tubarões. Entendi a atitude de Ian depois de muito
fazer com que minha cabeça compreendesse que não havia outra saída. Falar na frente
de todos a respeito do que me aconteceu era tudo o que eu não queria.

Todos se sentaram em seus devidos lugares e eu esperei que algum deles


começasse de uma vez por todas aquela reunião, a falar do que realmente levava-nos
aquele lugar. Como todos mantiveram o silêncio, me vi obrigado a começar:

“Como andam as coisas por aqui?”

“Hm, Dallon, eu estava precisando de você.” Hayley disse. “O fato é que eu não queria
te aguçar a voltar enquanto estivesse repousando. Inclusive, me desculpe por não ter ido
visitá-lo, eu ando tendo uns dias meio cheios. Voltando ao nosso assunto principal, eu
preciso de um mandado. Creio que o laptop da vítima pode ter informações importantes,
já que soubemos que ela era prostituta em Washington e veio pra SLC a passeio. A mãe
da Bittencourt está com o laptop e não quer nos entregar.”

“Assim que acabarmos aqui eu tentarei ligar pros juízes e ver no que isso vai dar.” Sorri
fraco. “Mas o que exatamente tá acontecendo?” Perguntei.

“Joshua achou em uma câmera de segurança pública a entrada de nossa vítima em uma
lanhouse. Queremos que o provedor de internet da lanhouse nos dê acesso ao histórico
do que ela viu naquele dia e queremos também que a mãe dela nos forneça o laptop.
Tenho a impressão de que a Lillian Bittencourt era muito mais que uma vítima, acho
que ela era uma prostituta que se cansou dessa vida.”

“Acredito que com isso, eu consiga um mandado.” Falei, assentindo. “Me conte mais
sobre o caso.”
“Acho que estamos fechando o cerco. Acredito que se conseguirmos esses dados do
computador de nossa vitima, é provável que nós peguemos esse assassino serial.” Ryan
falou.

“Excelente.” Sorri. “Alguém continuou o caso do Daniel?’

“Eu estava meio perdido, mas o Ian me ajudou bastante a esse respeito. Aliás, não
compreendo o motivo de Ian ser médico forense, ter credencial pra trabalhar conosco e
fica enfiado num necrotério.” Suspirou Zac. “Fato é que não vamos conseguir achar
nenhum Windsor pela região. Queria estender o mandato para um nível federal.”

“Os Windsor são uma família muito perigosa.” Ryan falou. “Estão muito bem
escondidos. Eu conheço o endereço de onde era a casa do pai do Carl, mas não lhes dou
esperanças. Pessoas como os Windsor não ficam mais que quatro meses em uma cidade.
É uma norma de segurança.”

“Vai ser uma chance, Ross.” Sorriu Zac. “Até então, não tínhamos nenhuma.”

“E quanto a mim?” Brendon perguntou. “O Daniel e eu somos vítimas e ninguém cita


meu caso.”

“Você é diferente, B.” Falei. “Eu quero te explicar com a maior cautela possível. Tem
um jogo de interesses muito sério no seu caso, Brendon e a ameaça a Sarah é somente a
ponta do iceberg.”

“Fale de uma vez!” Brendon disse. “Não foi você quem reclamou que estávamos
preservando policiais experientes e competentes.”

“Tem muita gente envolvida nisso.” Een falou baixinho. “Eu não sou do tipo de
proteger pessoas, nem coisas, mas dessa vez, o Dallon tem razão em não te contar. Não
dá pra te envolver em algo que você, primeiro, não tinha o menor interesse e depois é
algo sujo.”
“Saco!” Brendon disse irritado.

A reunião não terminou num dos melhores resultados. Brendon ainda parecia
não ter engolido os argumentos de Ian e nós não podíamos envolver as pessoas numa
história assim sem preparar os envolvidos. Demorei um pouco mais para sair da sala e
Ian ficou comigo, me dando toda a força que eu não sabia onde encontrar em mim.

“Você vai mesmo contar pra ele?” Perguntou.

“Qual a chance de Brendon descobrir tudo isso? Ele é um bom investigador...” Suspirei.
“Eu não quero perder a Sarah.”

“Não seja bobo, meu querido.” Ian falou. “Se você contar quem é a suposta vitima de
pedofilia, daquele processo patético e que essa vítima é o amor de sua vida, ele não vai
te arranjar problemas.”

“E se estiver errado?” Perguntei, inseguro.

“Eu sei me cuidar.” Ian deixou um beijinho em meu rosto. “Brendon é dependente de
você, ele te respeita. Ele é grato a você por causa da casa, da chance que você mostrou a
ele de viver feliz sem álcool, apenas com a filha linda que ele tem e todo nosso
suporte.”

A melhor parte de ter medo era ter Ian agindo como um esposo deve agir. Um
esposo que sempre soube de todas as minhas inimizades, que sempre soube eu tinha um
alvo desenhado na testa e esperava alguém acertar um tiro nele. Ele sabia que esse era
meu maior motivo de protegê-lo.

Os pais de Joshua e Zac estavam – finalmente – voltando para sua casa. Zac e
Joshua saíram correndo da corporação para ajudá-los, mas tudo parecia ter um clima
mais estranho que o comum. A parte ruim, era que Isabella também ia pra casa.

“Até mais.” Isabella apertou o abraço em Josh. “Eu volto pra ver a pequena em breve.”
“Só a Sarah, poxa? E o Zachary? E eu?” Josh disse, meio manhoso.

“Vem de bônus!” Brincou.

“Boba.” Ele riu baixinho, “A casa é sua, mana.”

“Eu sei.”

Enquanto Zac se despedia de sua irmã, Joshua era abraçado pelos pais,
indignados com a situação dos filhos. Os filhos estavam em uma situação ruim,
trabalhando feito uns loucos pra conseguir pagar todas as contas da casa, pra dar uma
educação decente à filha tudo por causa do orgulho. Porque ainda assim, preferiam amar
alguém que eles escolherem do que quem lhes fora escolhidas.

“Eu não quero que me entenda mal, querido.” Falou a mãe de Joshua, segurando os
ombros do garoto. “Eu não consigo engolir aquela baixinha ridícula, mas é pela minha
neta.”

“Do que você tá falando?” Perguntou. A mulher tirou da bolsa um cheque assinado e
entregou ao filho que imediatamente torceu os lábios e rejeitou a ajuda. “Que porcaria é
essa, mamãe?”

“É pra comprar uma casa decente, meu filho.” Explicou, encolhendo os ombros. “Minha
neta não tem sequer um quarto em sua casa, Joshua. Só estou fazendo isso pela minha
neta. Ela não merece essa vida ridícula que você e seu irmão vivem. Essa é sua parte na
herança.”

“Sempre achei que vocês me deserdaram...” Josh disse, frustrado. “Eu não quero seu
dinheiro. Faça algo útil com ele.”

“É para minha neta, Joshua.” Insistiu. “Você deveria parar de ser orgulhoso! Já que
preferiu a baixinha ridícula, aceite ao menos nossa ajuda pra criar essa menina com
maior dignidade. Pare de pensar em você mesmo e pense na sua filha e pare de pensar
que vai ficar com aquela baixinha horrorosa que não serve pra nada!”
“Minha filha não vai provar a sua riqueza suja! Não vou obrigar minha filha a nada ao
contrário do que vocês tentaram fazer comigo e com meu irmão. E limpe tua boca pra
falar da Hayley, senhora Farro. Ela é cinco vezes mais limpa do que você!” Falou
devolvendo o cheque.

“Já chega!” Disse o senhor Farro. “Meu filho, eu gosto da Hayley. De verdade e sem
hipocrisia, me hipnotiza a forma que você defende seu amor por ela, do amor que ela
tem por nossa neta, mas não admito que fale assim com sua mãe!”

“Preferia ter um filho gay que ter gerado você, Joshua.” Falou a mulher com ironia.

Nada machucou Joshua mais do que aquilo. Não que ser gay fosse uma ofensa,
mas o jeito que a mãe lhe falou. O suspiro de Josh ao sair condenou-o completamente.
Condenou tudo o que ele sentia, mas aquele garoto não se entregava. Teve tantas
daquelas brigas com seus pais que aquela dor não deveria existir, certo?

Joshua procurou a resposta em um cigarro. Não encontrou.

<b><u>Fim do Capítulo Sete</u></b>

Oito: And you said I’d never get things right (I never said it was the best thing for
you).
Título: Zzzzz – The Cab.

[n/a: graças a cold case eu descobri que na Filadélfia é permitido casamento gay e eu
não sei se em utah é. Então, decidi não arriscar.]

<i>Filadélfia, antes.

Eu não podia me conter em mim! Meu coração batia ansioso ao lado do juiz de
paz. Era tão acelerado que por várias vezes pensei que meu coraçãozinho bobo fosse
arrebentar meu peito. Era um dia muito especial pra mim e pra todos aqueles que
estavam a minha volta. Uma cerimônia simples, mas bastante feliz – ao menos boa
parte dos convidados e os noivos. Estavam presentes: Alex DeLeon e Alex Marshall,
sendo eles testemunhas de Ian e as minhas: Weston Weekes, meu irmão, e Johnson, meu
parceiro.

Do outro lado de uma porta castanha, eu conseguia ouvir o choro desesperado


da senhora Crawford. Marshall estava com ela e tentava pedir para que ela fizesse
silêncio. O juiz de paz chegou a me perguntar se tudo isso era porque a senhora estava
feliz com o meu casamento. Ela não estava feliz e foi o que eu disse a ele; o choro era
de uma mãe que não queria que o filho se casasse comigo. Talvez eu pudesse entender
o choro da mulher. Eu havia quebrado com o investimento dela de uma vida toda.

Na época, DeLeon era assistente da promotoria. Ele tinha seus dezenove anos e
já estava estagiando porque seus pais eram do mesmo meio, enquanto Marshall era só
um estudante de direito que devorava livros. Seus pais também eram juízes e este era o
sonho dele porque a banda dos três – Ian, Marshall e DeLeon – não decolou. Ian me
mostrara algumas músicas e eu realmente me perguntei porque nenhuma gravadora
havia assinado com aquela banda. Agora Crawford está se casando (e comigo, o que é
uma sorte imensa) e Marshall havia começado a namorar DeLeon e estavam parecendo
bem felizes, apesar de eu sempre saber o amor que Alex Marshall tinha por meu Ian.
Não conhecia a história – e de fato não me importava porque eu confiava no meu
baixinho – mas sabia que ela existia.

“Se tem alguma coisa ou pessoa que seja contra esta união, manifeste-se agora ou
cale-se para sempre.”

Percebi que os olhos da mãe da senhora Crawford procuravam


desesperadamente algo ruim sobre mim ou minha conduta como policial para gritar
que era contra pra me desmoralizar e livrar o filho de mim. Os três (Weston, DeLeon e
Marshall) sabiam o que faziam para salvar minha pele, mas ela em especial, não
encontrou nada. Admirei Alex Marshall e sua calma ao ver o seu grande amor se
casando, sendo testemunha dele e ainda ter um sorriso no rosto. Ele sabia perder e isso
era admirável.
“Você não vai fazer nada?” Perguntou baixinho a senhora Crawford a Marshall que
negou com a cabeça. “Por quê? Não ama meu filho mais?”

“O Ian é um menino muito forte, senhora. Ele não me perdoaria nunca se eu tentasse
tirá-lo de quem ele ama, pra começo de história.” Alex se pronunciou, enquanto eu
tentava prestar atenção na cerimônia. “Depois eu estou namorando um homem incrível
que me ama, senhora Crawford. Não vou parar essa cerimônia a troco de solidão. Alex
vai me deixar se eu o fizer e o Ian vai me expulsar da vida dele. Eu quero a felicidade
do seu filho e a minha também.”

Por Deus, eu nunca gostei tanto do Alex Marshall quanto naquela noite. Não sei
dizer se Alex DeLeon escutou o que seu namorado disse, mas eu tenho certeza que se
escutasse se apaixonaria ainda mais. Ele estava preservando o seu namoro antes de
pensar no Ian – ainda que estivesse pensando ele – e isso era um grande passo. A
cerimônia prosseguiu e eu já estava acreditando que não ia caber em mim tanta
emoção ou felicidade. Meus olhos emocionados continham as mais puras lágrimas de
felicidade, então, foi a hora dos votos e aí sim eu quase desmanchei nas palavras de
Ian:

“Dallon James Weekes... quando eu te vi pela primeira vez, com um brilho nos olhos e
sede por justiça, eu sabia. Eu sabia que você era diferente de todos os que estavam ao
meu redor. Eu sabia que meu coração já tinha sido capturado por você, mesmo sem eu
saber seu nome, sua idade, telefone pra contato... o tempo passou e esse amor só fez
crescer. Hoje eu já não sou mais um adolescente, meu sentimento também não, porque
o seu amor é o que me faz crescer. Eu hoje não sou uma criança com um pensamento
corruptível – como disseram várias vezes pra mim, pra você – eu sou o homem que
decidiu te amar intensamente como um adolescente e que te estende a mão como um
amigo faria nas horas mais difíceis. Nós estamos fazendo desse amor mais forte do que
nunca. Dallon James Weekes, sim, eu quero ser teu esposo, pra ser seu pra sempre; seu
melhor amigo, seu eterno namorado, seu menino que de peito aberto aceita suas
ordens, seus desejos, seus sentimentos. Quero ser seu melhor amigo como nós sempre
fomos, quero ser seu abrigo no meio das tempestades que vamos enfrentar e quero que
me aceite como o amor de sua vida. Aquele que vai te jurar fidelidade eterna,
sinceridade e cumplicidade. Você, Dallon James Weekes, é tudo o que eu quero pra
mim e essa aliança é o símbolo que eu escolho pra te fazer meu.” E colocou a aliança
em mim.

“Ian Miles Crawford...” Ele sorriu pra mim, doce, mantendo o olhar em meus olhos.
Com a mão que não segurava a aliança, acariciei seu rosto com doçura. Meu Ian, meu
noivo, meu amor e tudo o que eu queria pra mim. “Eu sempre levei a minha vida com
muita música, muita bagunça. Música faz bem pros ouvidos, é uma filosofia de vida.
Música mexe com o corpo, mexe com a alma e faz uma morada eterna no seu coração.
É isso que eu quero ser pra você, quero soar como música, fazer morada em seu
coração. Eu quero ser seu porto-seguro (mesmo sendo eu quem precisa disso na
maioria do tempo), quero ser seu amado. Quero te fazer dormir em meu peito e dormir
com suas carícias. Quero acordar pra ver seu rosto ouvir um ‘bom dia’ arrastado pelo
sono só pra eu, ai sim, ter um bom dia. Porque é isso que o meu coração chama de
plenitude e estar completo. Eu quero que me aceite como eu sou, cheio de defeitos,
cheio de inseguranças. Quero que me aceite, por amor, porque é tudo o que eu
realmente tenho pra oferecer. Enquanto coloco essa aliança em seu dedo, aceite meu
coração com a promessa de fidelidade, proteção, amor, sinceridade e cumplicidade. Eu
só quero que receba, com o coração aberto, esse bobo apaixonado que agora se torna
seu esposo.” E coloquei a aliança.

“Com os poderes a mim concedidos, eu os declaro legalmente casados.” Falou o juiz e


assinamos nossos papéis que nos tornaria casados. Então o juiz simpaticamente
autorizou o nosso beijo. Segurei meu amado com cuidado e roubei um beijinho singelo
em respeito à senhora Crawford. Nunca pude ser mais feliz em toda minha vida. A
felicidade maior foi ver o documento com o nome “Ian Miles Crawford-Weekes”.

<i>Salt Lake City, 2010.</i>

Lá estava Ryan, vestido feito seu antigo <i>eu</i> e pronto para ir com Urie
onde ele quisesse ir. Estava pronto para encarnar um personagem que ele havia
abandonado há muito tempo. Uma personagem que atualmente, ele queria distância.
Estava, na teoria, pronto para encontrar Urie no local combinado. Vestir-se daquela
forma, depois de crescido, de tudo o que foi vivido, fez o garoto se perguntar onde
estava a atitude que ele vivia proclamando. Sua adolescência o frustrava, na verdade,
mesmo tendo partes boas, como estar com Urie.

Enquanto isso, eu estava observando Brendon se arrumar, e Sarah estava deitada


na cama dos pais, vendo televisão e entretida com uma mamadeira grande. Apesar da
idade, Sarah gostava de ser mimada e de tomar leite na sua mamadeira. Brendon estava
vestido feito o garoto que eu conheci na escola, o Brendon que estava radiante por algo
que eu não sabia exatamente o que era.

“Psiu, aonde você vai assim?” Perguntei, me afastando levemente da Sarah.

“Não tá bom?” Perguntou ele, ao invés de responder. “Se não tiver, eu troco. É
rapidinho.”

“Vai sair com alguém?” Perguntei novamente e Brendon só fez questão de encolher os
ombros, como se minha perguntinha fosse óbvia demais até para ser respondida.
Imaginei que o menino fosse sair com Ryan e não estava me falando por causa do meu
suposto relacionamento com o agente federal. Eu não podia contar para ele o motivo
daquela mentira tão absurda, mesmo querendo dizer para ele que Ryan tinha dono e não
era eu.

Queria mesmo que todos saíssem e me deixassem trabalhar sozinho de uma vez
por todas. Estava a fim de tentar juntar as provas e invadir alguns arquivos a partir dos
computadores de Hayley. Talvez a partir deles eu conseguisse mais alguma coisa sobre
o George II e sua lenda toda. Eu queria entender toda sua história e, ao mesmo tempo,
descobrir qual a ligação entre todas as histórias com o fato de Ryan ter ido embora na
adolescência. Talvez o passado dele tivesse muito mais a mostrar do que ele quisesse
que as pessoas soubessem.

“Tchau, pequena.” Falou Brendon e a menina acenou.

“Papai?” Ela chamou baixinho e Brendon não ouviu.


“Brendon?” Chamei um pouco mais alto e ele voltou correndo. “Sarah tá chamando.”

“Sim, querida.” Ele deu a volta na cama para ficar perto dela.

“Tava saindo sem me dar um beijo.” E formou um bico infantil adorável.

Brendon estava fantasiado de sua adolescência. Vestindo roupas estranhas – e


não menos bonitas – com um brilho tímido nos olhos. Eu podia perceber a quilômetros
de distância que o que eles dois pretendiam fazer era uma burrada das grandes, mas
decidi não avisar. Ninguém deve desenterrar o passado dessa maneira. Porque amor é
amor e nada mais importa. Desenterrar o passado só vai trazer dor. Eles não podem
viver algo olhando para o que eles foram, mas devem olhar para o que eles serão juntos.

“Que idiota esse seu papai!” Sarah me entregou a mamadeira vazia e Brendon encheu-a
de beijinhos, lembrando-se brevemente de seu presente. Por um momento, por menor
que ele fosse, achei que Brendon fosse desistir para ficar com a menina – mesmo eu
tendo sido sorteado dessa vez e não que isso fosse algo difícil ou entediante -, mas ele
levantou-se da cama e se olhou no espelho. “Eu to bonito, Sarah?”

A menina franziu o cenho ao olhar pro pai, passou os olhos por ele e eu falei baixinho
no ouvido da menina que era pra ela dizer que sim, mas ao contrário do que eu pensei,
ela disse: “Essas roupas não parecem suas.” Brendon não se agüentou e riu com a
expressão da menina. Ele não estava tão estranho assim com uma camiseta da Sublime.
Era uma boa banda, a final. A camiseta só tinha um aspecto velho, mas mesmo assim
caíra muito bem em meu amigo.

“Foi você, não foi, seu bastardo?” Brendon disse brincando, pulou na cama e começou a
me fazer cócegas. Comecei a rir e Sarah, ao invés de me ajudar, ajudou Urie a me punir
com as malditas cócegas que me tiraram o ar. Parecíamos a antiga (moderna, claro:
Hayley, Brendon, Sarah e eu) família de antes. Antes de começar a surgir meu passado e
este incomodar Brendon, antes de Ryan voltar e Brendon decidir agir feito um ciumento
comigo.
Quando ele parou, eu consegui sorrir simplesmente. Sarah apoiou a cabeça no meu peito
de forma doce e infantil e B fez o mesmo, fechando os olhos. Puxei o celular que estava
em cima do criado-mudo e bati uma foto daquele momento. Os dois franziram o cenho,
como se me perguntasse o que eu estava fazendo com o celular. Encolhi os ombros e B
levantou-se devagar. Olhou-se no espelho pra conferir o visual e correu pra atender o
interfone. Acho que ele queria que eu não soubesse que Ryan ainda mexia com ela a
aquele ponto.

Ao ponto de ele esquecer nossos conflitos, de brincar comigo e com a Sarah, ao ponto
de não me perguntar ironicamente qual o direito que eu tive de mexer na vida dele e,
conseqüentemente, ele tem algum direito sobre minha vida. É engraçado quando você
perde certas coisas, você acaba dando um valor bastante grande a isso. Eu sinto falta de
como tudo era quando eu estava morando com Ian, mas também sentia falta das risadas
que éramos antes de Ryan voltar.

Talvez eu devesse odiar o Ryan por isso.

Ryan estava esperando Brendon do lado de fora do nosso prédio, fumando seu cigarro
em silêncio. O homem ficara muito mais bonito que o adolescente, muito mais elegante.
Brendon percebeu isso, percebeu que aquele jeito crescido do seu Ross poderia ficar
ainda mais incrível. O aspecto levemente envelhecido – que seria melhor denominado
como experiente – do agente do FBI, fez o menor manter o lábio preso por mais um
momento. Quando foi descoberto, Brendon sorriu tímido e foi de encontro ao seu
amado.

“Wow!” Ryan disse ao notar a camiseta envelhecida do menor. “Você ainda tem isso!”

“Como posso não ter? Foi você quem me deu com tanto carinho que eu não tive
coragem de me livrar dela.” Falou Urie. “Sem falar que sublime é uma banda excelente.
Você sempre teve um gosto excelente pra boa música.”

“Quem me apresentou Sublime foi você.” Encolheu os ombros de forma doce, quase
inocente que encantou Brendon. Era como se o menino tivesse voltado a ser o
adolescente cheio de sonhos em um piscar de olhos, só de ver Ryan encostado em um
carro, fumando e esperando por ele. “Você tocou Boss DJ na segunda vez que foi ao
bar, certo?”

“Não.” Ele riu. “Eu toquei “Back to Your Heart” do Dinosaur Jr. quando fui naquele bar
pela segunda vez e você me entupiu de vodca.”

“Você bebeu menos de um copo, seu fraco!” Ryan falou, como se fosse absurdo. “Eu
tive que te carregar você no colo, subir você para o segundo andar da sua casa e você
ainda pediu bonificação!”

“E eu sei que você gostou da bonificação que eu pedi, Ryan.” Ross riu baixo, junto a
Urie. O primeiro prendeu Urie na porta do carro e roçou os lábios nos de Brendon, de
uma forma bruta, quase necessitada, e Brendon chegou a pedir passagem para a sua
língua, mas Ryan simplesmente se afastou. “O que foi?”

“Eu quero te levar numa lanchonete aqui perto, poxa.” Falou Ryan. “Agora entra no
carro que eu tenho que dirigir e ainda tenho que beber umas a mais.”

“Saco essa história de ser da polícia e não ir ao <i>nosso</i> bar.” Brendon torceu os
lábios de forma infantil e Ryan ergueu os ombros, começando a dirigir para a
lanchonete onde passariam um tempo agradável juntos.

Eu tinha um mau pressentimento nessa história toda. Eu sabia que não poderia estragar
os planos de Ryan de tentar se reaproximar de Brendon – quer dizer, eu sabia que ele
não tinha essa pretensão de começo, mas acho que o trauma evidente em Brendon
reacendeu uma chama que nele ainda existia, mas era mantida em fogo muito baixo – eu
não podia fingir ser ciumento, porque nunca realmente fui. Ian sabia disso e
provavelmente riria – muito – caso eu tentasse agir feito uma menina com ciúmes. Eu
tinha um mau pressentimento da saída dos dois, por causa de Carl.

Sarah estava ainda aconchegada em meu peito e eu comecei a cantar baixinho qualquer
coisa quando percebi sua sonolência. Era tudo o que eu queria para tentar invadir o
computador da garotinha em meu peito. As pessoas costumam agir por impulso, por
intermédio das emoções. Carl era calmo, mas era passional demais. Ele teria que ser
pego em algum erro desses, mas a parte que me toca era que eu pouco havia descoberto
sobre George II, e não que eu tivesse me empenhado tanto quanto isso realmente
merecia.

Eu conhecia o caso por cima; George II era um grande matador que conseguia ter muito
mais inimigos do que eu. Ele parecia ter nascido com um alvo desenhado na testa e a
frase “mate-me se for capaz” pregada nas costas. Não era um homem bom e estava
sempre bêbado. Seu amor por sua esposa era sem tamanho, mas por seu filho Ryan era
muito relativo. Percebo que Ryan conhecera o país inteiro junto com o seu pai, mas a
esposa pouco era citada nos inquéritos policiais. Lembro-me que no dia em que
estourou quase uma guerra em Downtown e eu estava requisitado para o trabalho.
Naquele dia, da guerra entre duas facções criminosas, vi muitos amigos meus morrendo
aos meus pés. E eu sobrevivi. Sobrevivi com a missão de descobrir o porquê de tudo
aquilo.

Descobri que George e o filho estavam na cidade naquele dia. Estavam envolvidos
como dos bandidos que mais precisávamos pegar e agora Ryan estava no FBI. Nunca
saberia precisar o que Ryan estava fazendo na polícia, mas eu sabia que ele tinha caído
em muitos golpes, porque filho de matador não pode ser tratado como X9. Eu estava a
fim de ter uma conversa com DeLeon. Ele estava na promotoria e tinha acesso a lugares
que eu nunca chegaria sozinho. As pessoas são burras. As pessoas cometem loucuras
por amor e George não era exceção. O entrelaçar de Ryan com o Windsor não era ao
acaso e eu deveria descobrir exatamente o que desencadeou aquela guerra. Windsor e
Ross nunca foram famílias de grandes criminosos que se davam bem.

Esperei que Sarah dormisse em meu peito para sair da cama. Como um pai cuidadoso,
cobri-a com doçura, mesmo eu não sendo o pai dela, eu a amava como se fosse.
Aproveitei para pegar o laptop da Hayley, mas como era de se esperar, eu mal consegui
sair da área de trabalho. Ela era uma hacker, a final. Ela sabia bem como proteger seu
computador de leigos como eu.

Liguei para o meu adorado Ian e pedi que ele desse um jeitinho de me conseguir alguma
coisa, alguma informação adicional nos arquivos da polícia ou mesmo com Spencer. Eu
estava começando a enlouquecer porque parecia que por todos os cantos que eu corria, o
sobrenome “Windsor” me perseguia.

Não era uma questão de se fazer de desesperado, eu realmente estava ficando


desesperado. Como havia perdido o telefone do DeLeon, decidi ligar mesmo pra Ian
que, de repente, parecia não querer me atender. Ele me atendeu depois de várias das
minhas tentativas com um:

“Acho bom ser importante, gatinho.”

“Eu gostei do “gatinho”, mas o que é que está fazendo pra ser arredio assim comigo,
hein?” Perguntei, meio manhoso.

“Eu to no meio de uma autópsia com o Jon, mas não é nenhum caso que seu
departamento está envolvido.” Falou meio rápido. “Vamos, detetive D, me diz o que
você quer.”

“Eu descobri que o Windsor pai está envolvido com o George II em alguma coisa meio
grande e meio feia.” Expliquei. “Eu não sei ao certo o que é, mas é aí que eu preciso de
alguns favores seus, porque primeiro você é quem está aí e está comigo nessa
investigação paralela. Segundo que eu to preso aqui com a Sarah e com um medo do
caramba de deixá-la sozinha pra fazer umas pesquisas.”

“Abrevia, Dallon.” Disse em um suspiro maior.

“Eu preciso que você, hm, me consiga o telefone do DeLeon. Eu preciso falar com ele a
respeito do George II. Ele tem acesso aos arquivos da promotoria e eu soube que lá tem
de tudo em relação aos crimes. Soube que o Colligan conseguiu ser desembargador e
vez ou outra aquilo vira uma sujeira só.” Falei e Ian acabou dando uma risada maior.

“Cash e DeLeon já pararam de se pegar, rádio-fórum.” Ian brincou. “Passe a diante ou


perderá a língua. DeLeon firmou com o Marsh desde nosso casamento e estão até
morando juntos naquela casa em que o Marsh me convidou--”
“Como é? O Marshall te convidou pra morar com ele?” Franzi o cenho. “Como é que
você não me contou isso antes, cara?”

“Foi há tanto tempo. Quando ele descobriu que eu estava morando sozinho naquele
hotel chinfrim, mas cá entre nós, eu gosto do Alexander e quero que ele faça o Marsh
feliz.” Ian então falou e eu confesso que me tranqüilizei um pouco com o que ele disse.
“O que você quer além do número do DeLeon?”

“Eu preciso de uns arquivos lá do nosso arquivo. Acho que se conseguir mexer um
pouco na família Ross, então achar quais são os inimigos-amigos do George. Acha que
pode roubar algumas cópias pra mim?”

“O que eu não faço por você, Dallon?” Ian riu baixinho. “Aproveita que eu to bonzinho
contigo e pede o que mais quiser...”

“Vem pra cá me dar um beijo então.” Falei de pronto. “Eu to morrendo de saudades do
seu beijo, sabia?”

“Você não perde uma oportunidade sequer de tentar me levar pra cama, credo.” Ian riu e
eu corei. Não tinha pensado em arrastá-lo pra cama e fazer amor com ele, mas
sinceramente, não achei a idéia ruim. “Ahn, você sabe que se pedir uma pesquisa pro
DeLeon, você vai ter que contar pra ele do que se trata.”

“Ele tem rabo preso comigo, Een, não acho que ele vai me negar qualquer coisa.” Falei,
suspirando. “Ele não tem respaldo de ninguém e se algo me acontecer, ele sabe que
perde muito mais que o amigo de escola.”

“Confiança demais, estraga.” Suspirou. “Ele tem contatos e até onde eu soube é coisa
meio da pesada e muito além do colarinho branco. Tem a ver com a Narcóticos.”

“Quem é a rádio-fórum agora?” Brinquei e ouvi uma série de xingamentos. Sorri pra
mim ao imaginar o jeito bravinho que Ian estava naquele momento, porque sempre
achei que ele ficava lindo com as bochechas coradas, seja de timidez ou de raiva por
alguma brincadeira. “Quando vier aqui na <i>nossa</i> casa me dar o beijo que eu pedi,
vou precisar que me conte um pouco mais disso.”

“Eu não quero te envolver em problemas.” Suspirou mais uma vez, mas ele sabia que
estava realmente fora de questão. Ian Crawford-Weekes sabia que eu nunca tive medo
de me sujar com a corrupção alheia, apesar de combatê-la com unhas e dentes, vez ou
outra. “Agora me dá umas duas horas pra eu roubar o arquivo da família do Ryan e
terminar minha autópsia?”

“Claro, vou te deixar em paz de uma vez.” Suspirei contentinho. “Ian?”

“Hmm?” Respondeu meio alongado. “Diz, querido.”

“Você vai me dar mesmo o beijo quando vier entregar essa caixa?” Perguntei
apreensivo. “Sabe que eu... nunca rejeito nada que vem de você. Nada. Nem mesmo o
seu desprezo eu rejeito, querido.”

“Quem sabe.” Suspirou e eu encolhi os ombros. “Até mais ver.” E desligou antes que eu
pudesse falar qualquer coisa. Eu não gostava de perder os poucos momentos que eu
tinha sozinho com Ian. Não gostava de guardar só pra mim o que sentia por ele, e
principalmente, queria que ele fosse meu de novo. Só meu mesmo.

Claro que eu conhecia o pequeno – pequeno mesmo, ao estilo mínimo – que Ian teve
com Marshall e sabia que uma amizade com DeLeon me traria lucros na investigação
paralela que faria. Eu queria poder alcançar o Cash para ter uma linha plena de
investigação, mas talvez eu nunca soubesse o quão disposto a cooperar Colligan era.

Enquanto eu cuidava de Sarah e revia tudo o que eu tinha sobre o caso do Ryan + Carl,
Ryan estava aproveitando para comer vagarosamente os lanches que haviam pedido.
Brendon por sua vez não conseguia tirar os olhos da postura altiva e auto-suficiente do
Ryan Ross por quem havia se apaixonado uma vez. Aquele homem, daquela maneira,
ainda mexia com todo o seu interior, lhe deixava com vontade de se entregar para o
agente dentro do banheiro daquela lanchonete.
“Você vem sempre aqui, gatinho?” Ryan falou, com um sorriso no canto dos lábios.
Despejou a vodka que bebia no suco de laranja de Brendon – como era nos velhos
tempos – e depois deu uma golada na mesma. Claro que o Ryan havia levado a própria
vodka, porque a lanchonete não oferecia aquela bebida.

“Sempre eu venho, é só pra ver se te encontro.” Brendon respondeu, desviando o olhar


para o copo de vodka na mesa. Ele sabia que se os dois começassem a beber, eles não
conversariam. Ryan o levaria para seu apartamento de solteiro e os dois transariam até
não haver mais efeito de álcool em seus sangues. O que meu amigo Brendon queria era
entender Ryan o máximo que pudesse. “Ahn, posso perguntar algo que está me
incomodando há oito anos?”

“Claro.” Suspirou incomodado.

“Por que sumiu da minha vida sem deixar aviso prévio? Deixou uma caixa postal
aleatória e nunca respondeu nenhuma das minhas cartas. Spencer diz que elas foram
extraviadas, mas, caramba, não custava me mandar alguma coisa pra dizer se estava
vivo ou bem?” Começou a falar feito um desesperado e viu, depois de muito tempo –
desde o halloween lá em casa – o seu ex-namorado beber um gole de vodka pura. Um
gole longo, como se na garrafa contivesse alguma coisa que dissolvia nós de garganta.

“Eu precisei.” Respondeu sinceramente. “Olha, B, eu sei que nada que eu fale aqui vai
te fazer o menor sentido, porque eu ainda não posso te colocar assim no meio de uma
lama baixa como essa. Me desculpa. Eu prometo que um dia eu autorizo o Dallon a
contar tudo o que ele sabe sobre mim, sobre o meu passado e sobre minha família.”

“Você foi a porra de um adolescente normal com um pai alcoólatra Ryan Ross!”
Brendon falou, exaltado. “Entenda de uma vez que eu fui abandonado. O seu melhor
amigo vem fodido minha vida por oito anos e tudo porque você fugiu de mim.”

“Carl nunca foi meu amigo, que fique claro.” Encolheu os ombros. “Ele se aproveitou
do que ele sabia, ele se aproveitou do meu sentimento por você, Urie, mas eu já te disse
uma vez, vou repetir: o que eu já fiz na vida movido por sentimento é uma coisa que eu
guardo pra mim e pra mais ninguém.”
“Tudo bem, Ross, eu não vou insistir mais.” Suspirou fraquinho.

“Sabe o que dizem que é legal em Salt Lake?” Brendon levantou a sobrancelha ao ouvir
o ex-amante e deu um sorrisinho. “A praça do templo de noite. Dizem que são muitas
luzes, muitos encantos.”

“E eu achando que você estava mesmo a fim de me levar pra cama.” Brendon riu e foi
acompanhado por Ross levemente corado. O fato de ter saído de toda a lama que ele
saiu, de estar vivo, verdadeiramente o havia mudado e ele não sabia mais como ser o
seu antigo eu destemido, quase onipresente e onisciente.

“Posso confessar uma coisa?” Perguntou sem maldade, Urie assentiu. “Você foi a
melhor coisa que aconteceu pra mim na adolescência e na fase adulta. Ter convivido
com você apenas aqueles meses mudou minha concepção de tudo. Eu não poderia
estragar seu futuro brilhante por problemas meus. Eu me emanciparia, mas meu pai
interveio a tempo que eu cometesse uma loucura e eu não to no FBI porque eu quero,
mas to porque ou é isso ou--”

Bem quando Ryan terminaria sua frase em uma confissão preciosa pra Brendon,
coisas que ele sempre quis ouvir sairiam de vez dos lábios de Ross, ouviu o telefone
tocar – o do Ross – que pensou em não atender, mas quando viu “número restrito”
resolveu fazê-lo porque poderia ser algo sobre seus pais, mas surpreendeu-se ao
reconhecer a voz de Windsor do outro lado da linha. Ryan segurou a mão do ex-
namorado para que ele olhasse o número do código e rastreasse aquela ligação.

“Oi, Ryan Ross. Quanto tempo não nos falamos.” Carl falou sarcástico. “Eu senti
saudade, poxa, isso não se faz.”

“Abrevia, Windsor. Não to com um pingo de paciência de aturar seu sarcasmo barato.”
Sorriu de leve, com a piada mental que fez, mas guardou-a pra si. Voltou a segurar a
mão de Brendon que encostou o ouvido no aparelho de Ryan e entrelaçou sua mão à
dele.
“Tudo bem, eu vou dar dois avisos. Primeiro que o pessoal daquele bar que você ia – e o
resto dos assassinos de SLC - descobriu de que lado você está, sabe, essa história de
mocinhos e bandidos. Bem, ninguém mais tá muito a fim de papo contigo. Sobrou só eu
e olha que você tá perdendo a minha amizade e respeito.”

“Jura? Porque você perdeu meu respeito quando tocou no Brendon!” Falou, meio entre
os dentes. “Você sabe o que te vai acontecer.”

“Olha quanta ingratidão, Ryro. Eu arriscando a vida pra te avisar que tem um alvo nas
suas costas e um na cabeça daquele gostosinho do seu amigo Dallon e é assim que você
me agradece? Poxa, Ryan. Aliás, isso me lembra que se esse seu amigo Dallon tá
mexendo com quem não deve. Soube que ele começou a xeretar o território dos Johnson
e o Alex não ficou muito feliz. Sabe como é o Alex, o único policial que ele engole é o
Cash (que nem é policial de fato).” Comentou, como se fosse a coisa mais natural do
mundo. “Eu sei que tem dedo seu nessa história e como a gente teve um breve passado
juntos eu decidi avisar. Faça-o parar. Foi só um boato que correu aqui”

“Ele tá mexendo com Alex Johnson? Jura?” Ergueu a sobrancelha. “O Dallon é um


gênio, Carl, pode falar. Adoraria ver o Johnson com toda aquela marra dele atrás das
grades. Mas você disse que eram dois avisos, eu só ouvi um que, porra, me deixou feliz
pra caralho.”

“Ah, sim, claro. Eu não vou aturar você desfilando por aí com o meu Brendon Urie.
Achei que o aviso no molequinho do Smith fosse suficiente, mas já que não foi, eu faço
picadinho da tal Sarah se você chegar perto do Urie de novo, entendeu? Ele é meu e
você não passa de um policialzinho ingênuo, filhinho de papai. É meu último aviso.”

“Você já tocou no Brendon, seu filho da puta. Já tocou no Daniel e se ousar em tocar na
Sarah, eu juro que eu vou até o inferno atrás de você e juro por tudo o que você quiser
que você vai implorar ter sido preso por um profissional ético e de escrúpulos.”

“Agora eu tenho que desligar, né? Porque você é otário e mandou rastrear meu número.
Eu gostava tanto desse aparelho, sua bicha. Enfim, Ryan Ross, mande um beijo no meu
Brendon e cuidado com o alvo nas costas. O Brendon pode revelar que me ama e
apunhalar você lá...” E desligou. Brendon estava apavorado do lado de Ryan que me
ligou imediatamente e eu passei tudo o que sabia para Hayley porque como estava
cuidando de Sarah, já tinha minha missão e Ian já estava comigo e os papeis do Johnson
e de outros criminosos. Achei bem interessante que eu teria que mentir pro Brendon
sobre o caso que trabalho ou o Ryan vai mesmo querer me matar.

“Brendon e Ryan vêm pra cá.” Avisei enquanto recolhíamos os papéis. “Carl ligou
ameaçando a Sarah e me ameaçando. Dizendo que já vazou que eu estou mexendo nos
arquivos do Johnson.”

“Eles têm gente dentro da polícia de Salt Lake, é isso?” Ian levantou a sobrancelha pra
mim, guardando os papéis dentro do meu armário que tinha chaves. “Mas que grande
filho da puta! Eu juro que tentei ser o mais discreto que pude, D.”

“Eu sei, querido. Você sabe muito bem que eu confio em você com os olhos fechados.”
Eu disse, abraçando-o gentilmente por trás. Imaginei que ele fosse desviar de mim, mas
ao contrário, Ian se aconchegou como uma criança no abraço de um pai. Eu não
consegui esconder o sorriso com aquele abraço. “Você não precisa ter medo, Ian.
Ninguém sabe que você tá nessa comigo. Ninguém mesmo. Só o Ryan sabe.”

“Eu tenho medo de te perder, Dallon.” Ele confessou baixinho. “E sei, não é de hoje,
que você tem uma sorte do cão, porque todo criminoso em Salt Lake City quer sua
cabeça. A ameaça do Carl não me apavora, o que me apavora é perder você pra
qualquer um deles.”

“Você não vai. É uma promessa.” Falei baixinho dentro do ouvido dele, como se
confessasse um segredo importante. “Ninguém nesse mundo vai ser capaz de me
impedir de te convencer a voltar pra mim, Ian. Ninguém. Não importa, mesmo, quantas
armas estejam apontadas pra mim, você sempre vai ser o motivo que eu vou sobreviver
a todas elas.”

“Ninguém sobrevive pra sempre, Weekes.” Ian virou o abraço apenas para que pudesse
me apertar com certa força. “Ninguém é pra sempre e eu canso de dizer isso. Eu quero
só que você reveja suas prioridades antes de se meter nessas investigações malucas.”
“Não precisa se preocupar comigo, hmm?” Falei baixinho, encostando nossas testas.
“Eu sei lidar com bandido e se o Alex Johnson ou qualquer um quiser briga, eu to
pronto e de peito aberto.”

Nessa hora, Ian ergueu os pés e juntou nossos lábios por um período relativamente
longo. Eu aprofundei superficialmente o beijo e Een murmurou baixinho perto dos meus
lábios: “Eu quero meu esposo inteiro, Weekes. Eu quero meu esposo com vida e só pra
mim. Eu amo meu esposo inteiro do jeito que ele está agora. Por favor, fica inteiro pra
mim?”

“Não precisa pedir duas vezes. Depois dessa investigação, nunca mais me meto com
coisas da pesada assim.” Falei baixinho, mordendo de levinho meu lábio. Eu só podia
estar pisando em nuvens ou sonhando para que o meu Ian não se importasse em ficar
comigo do jeito que eu era. Com todos os meus defeitos, meu amado ainda se
considerava casado comigo, ainda me queria são e salvo. Às vezes eu achava que se
levasse uma bala na cabeça, ninguém se importaria, mas momentos como esse me
diziam que não. <i>Ian</i> começou um novo beijo profundo, devagar, nostálgico e
intenso. Eu podia viver daquele momento.

“Dallon!” Ryan gritou e eu me separei relutante de Ian, meio sem vontade, torcendo os
lábios pra ele. “Dallon, por Deus, aparece! Eu preciso falar com você.”

“Aqui.” Ian falou, pondo a cabeça pra fora da porta e eu ainda o abraçava de leve. “Eu
vou trancar a porta quando entrar.”

“Obrigado.” Sorriu fraco, encontrando nossa situação. A cama bagunçada, o quarto sujo
de embalagens da Starbucks e mais milhares de papéis e nossos laptops em cima da
cama. “O que te deu na cabeça de espalhar pro mundo que estão investigando o pessoal
do Alex Johson?”

“Hey, calma lá, Ross.” Ian falou antes que eu o fizesse. “Eu roubei os arquivos do
Johnson e mais fui eu que acabei não sendo discreto o suficiente. De qualquer forma,
nossa teoria é que tem alguém dentro da polícia que faz trabalho duplo pro pessoal do
Johnson que tem envolvimento com seu pai.”

“A minha idéia era investigar, Ryan, todas as ligações que o seu pai tinha aqui para
poder identificar qual a mais provável causa para sua mãe estar sendo ameaçada por
antigos contatos.” Falei. “Só que alguém deu com a língua nos dentes. Eu já sei o que
falar pro B.”

“Cadê ele?” Franzi o cenho e nós todos saímos do quarto. Quando fomos pra sala, Ian
sentou-se distante de mim e Ryan ao meu lado e este respondeu que ele estava no
banho. Suspirei, me lembrando do beijo que Ian e eu havíamos trocado pouco antes dos
meninos interromperem.

“Ele nunca fica muito bem quando o Carl dá sinal de vida.” Suspirou. “Quando o Carl
ameaçou a Sarah, o Brendon quis vir correndo ver à filha.”

“De certa forma, eu entendo.” Ian falou baixinho. “Agora vocês precisam ser
convincentes de que estão interessados um no outro. Porque, gente, tá difícil.”

“O que eu faço pra conquistar o seu Dallon, Crawford?” Ryan perguntou baixinho,
brincando e acabou levando o dedo médio como resposta de meu esposo. Tomei a mão
de Ryan e a entrelacei a minha, apenas para fazer ciúmes em Ian, mas ele acabou rindo
da situação. Estávamos um do lado outro, de mãos dadas. Brendon saiu do banho logo
em seguida, já vestindo outra roupa.

“Deus, minha filha correndo perigo de vida e vocês pensando em si mesmos.” Brendon
falou, quando viu nossas mãos entrelaçadas. Ian fechou a cara na hora como se fosse
ajudar Brendon, como se não soubesse de nada entre Ryan e eu. “Pervertidos ridículos.
Usem ao menos o quarto.”

“Uh.” Falei baixinho, apertando a mão de Ryan. “Desculpa, Brendon, mas eu também
tenho um alvo na testa por causa de <i>você</i>. Eu não precisava estar investigando
algo que pode me matar”
“A minha filha é uma criança, Weekes, não se compare com isso.” Suspirou. “Por que
está mexendo com o pessoal do Johnson? Não basta tirar o Ryan de mim e agora quer
tirar de mim minha filha e meu melhor amigo.”

“Não!” Falei e quando fui me levantar pra ir atrás dele, Ryan me segurou e o Ian foi
atrás de Brendon dentro de seu quarto. Suspirei meio longamente com a situação. Eu
não gostava nada de saber que Ian Crawford estava no mesmo quarto que Brendon Urie
e que a situação toda daria uma excelente vingança. “Odeio quando o Urie age feito
uma criança mimada, Ross. Odeio.”

“Eu também, Dallon, mas não dá pra deixar que ele faça parte disso.” Ryan disse
baixinho. “Nem ele, nem ninguém. Hoje mais cedo, eu quase confessei pra ele quem era
meu pai e as investigações. Foi por muito pouco mesmo, mas o Carl ligou e me salvou
de fazer uma besteira.”

“Uma vez você me disse que queria ser metade do que Ian e eu somos, certo?” Falei e
ele assentiu fraquinho. “Minha relação com ele se baseia em nunca mentir um pro outro.
Não importa a gravidade da situação. É claro que nem todo mundo suportaria tudo o que
ele passou por amor a mim, mas é isso que nos torna diferente de tudo o que você já viu
em questão de relação amorosa.”

“Vocês são cúmplices de tudo juntos.” Ryan sorriu fraquinho e eu assenti. “Mas acha
que ele suporta tudo isso?” Encolhi os ombros.

Enquanto eu tentava convencer o Ryan de que a melhor forma de se ter uma


relação boa era a conversa, Ian estava no quarto de Brendon, sentado em sua cama,
tentando conversar com ele o mais baixinho que podia pra não acordar sua Sarah.

“Eu sei que você não deve querer me ver depois das coisas que eu te disse naquele dia,
mas você tá agindo feito um bebê mimado.” Falou Ian cruzando os braços. “Lembra-se
do que eu disse sobre você ser egoísta?”
“Você não acha que o Dallon não devia deixar esse meu passado quieto e com isso tudo
o que acarretou? Porque até onde eu sei, você não fica muito feliz com essa história.”
Brendon disse. “Eu não quero perder meu amigo, não quero ver minha filha morta.”

“Eu sei que foi traumático pra você, B, mas pode confiar em mim.” Falou Ian. “Tudo o
que vier de bala, de ameaça, de medo em sua direção vai ser vingado em triplo por
aqueles dois lá na sala e se tocarem na Sarah, eu não quero imaginar o que o Dallon é
fazer por ela e muito menos o que ele é capaz de fazer com a pessoa.”

“Não é você quem sempre diz que o Dallon não é um super-herói? O Ryan é um
covarde que só sabe fugir quando a coisa aperta, Ian. Não dá pra confiar em nenhum dos
dois.” Suspirou. “Eu tenho medo de perdê-los.”

“E o Windsor não é um super-monstro onipresente que, do nada, vai pegar tudo o que
você ama e vai transformar em matéria radioativa, B.” Falou, acariciando de levinho o
rosto de Brendon num gesto amistoso e sem maldade. “Se não quiser confiar no Dallon
e no Ryan, confia em mim. Eu to afundado até o pescoço com as investigações do
Dallon e sei muito bem do que eu to falando.”

“Obrigado, Ian.” Ele sorriu de leve. “Mas como é que eu vou confiar em um cara que
me odeia?”

“Eu não odeio mais você, de verdade. Se eu te odiasse, eu mesmo já teria te matado.
Coragem pra fazer essas coisas é o que não me falta e conviver com Ryan só tem
aprimorado essa minha coragem. Fato é que o que eu vou te contar, vai ser o mais
próximo do passado do D que eu vou poder te dizer. Você se lembra de quando, um mês
depois de conhecer o Dallon, ele salvou você do bullying que estava sofrendo? Bem,
Brendon, eu tinha implorado pra ele não se meter de novo com você, porque eu achei
que você podia dar conta. Depois ele me contou que te levou em casa, me contou que
viu o jeito que seu pai reagiu. Eu achei que fosse algum tipo de piada do Dallon porque
qual é o pai que recebe o filho machucado achando que ele está bêbado? Foi depois
daquele dia que ele se aproximou de você, foi depois daquele dia na nossa escola que
ele resolveu que simplificar a sua vida ao máximo seria a missão dele até que ele
resolvesse seu caso.”
“Por que eu o assombro tanto?” Brendon perguntou baixinho. “Eu tinha dezesseis anos,
Ian. Não era nenhuma criança que o assombre tanto assim. Não estava tão desfigurado e
nem tão sujo.”

“Não sei, B. Só sei que depois disso, ele nunca mais foi o mesmo.” Suspirou. “Agora
vamos sair daqui antes que sua filha acorde.”

“Sabe o que eu acho, Ian? Que ninguém é capaz de conhecer o outro tão bem quanto
você o Dallon se não amar profundamente.” Brendon falou baixinho. “Não é difícil
amar o Dallon. Ele é sempre o cara que apóia você acima dos próprios princípios, e
principalmente, ele é um doce de homem--.” [n/a: olha o Ian com ciuminho, olha. *-*]

“Aonde, exatamente, você quer chegar, hm?” Ian falou, cruzando os braços. “De
verdade, eu gosto muito da minha relação com o Dallon e tenho sorte de ter um...
<i>amigo</i> como ele ao meu lado.”

“Eu só to dizendo que se você o ama, mesmo que seja como amigo, você precisa salvá-
lo do Ryan. É sério, eu nunca deixaria de lutar por alguém que amo.” Falou Brendon.
“O Ryan destruiu minha vida, mas mesmo assim, eu to tentando – e muito – trazer ele
de volta pra minha vida. Eu já to todo ferrado mesmo, Een, mas o Dallon não. O Dallon
não pode ser iludido pelo Ross. Eu não sei se eles foram pra cama, mas eu posso
garantir com propriedade, se eles forem pra cama, Ian, nunca mais você conqui--.”

“Dallon não é nem louco de ousar ir pra cam---“ Ian falou, cruzando os braços no peito,
com um biquinho daqueles que eu encheria de pequenas mordidas se estivesse por
perto, porque Ian com ciúmes era adorável. “Digo, não acho que o Ryan suporte o D
tanto tempo assim pra eles irem pra cama. Pode confiar em mim, você não vai perder o
seu Ross pro Weekes.”

“Eu sabia que você o amava.” Brendon riu baixinho, abrindo a porta do quarto. Como
ele olhava para Ian, não viu muito bem as coisas acontecerem, mas Ian viu muito bem e
não gostou nada de me ver recebendo um selinho amistoso e sem maldade (apenas nós
dois sabíamos que era algo que não significava nada). “E depois eu sou o egoísta.”
“Porcaria!” Resmunguei e Ryan concordou com a cabeça. “Desculpa.” Murmurei pra
Ian e pra Ryan ao mesmo tempo, mas sabia que além de ter que me explicar para meu
marido, teria que enfrentar a fúria de Brendon Urie. Fúria não, mas ciúmes sim.
Brendon passou pra cozinha e eu tinha meus olhos fixos em Ian que com um gesto de
cabeça, pediu que eu fosse atrás de Brendon e ficou ali na sala mesmo com Ian.

“Brendon.” Chamei, ao entrar na cozinha. “A gente tem que conversar rapidinho.”

“Eu não quero papo com você.” Ele disse, enquanto abria uma cerveja. “Você me disse
que não se envolveria com ele, caramba e na primeira oportunidade que tem está aos
beijos com ele.”

“Foi só um selinho. Desses que a gente trocava depois de conversar.” Falei, abaixando
os olhos. “Desculpa, poxa, eu não sabia que você ia ficar com ciúmes dele. Não achei
sequer que você fosse se importar com uma coisa tão mínima.”

“Eu ainda sou seu melhor amigo, não é?” Falou, entregando a cerveja pra mim. “Digo,
depois do Ian. Porque vocês dois são inseparáveis e porque eu sei que ele é apaixonado
por você e por isso ele não desgruda de você.”

“Tá falando sério?” Franzi o cenho com falso espanto ao ouvir o que Brendon estava
tentando me dizer a respeito do dono de meu coração. “Eu nunca notei isso o que você
tá falando, B. eu sou dependente do Ian pra tudo o que você for capaz de imaginar – em
questão de amizade – mas nunca sonhei em ir além da amizade com ele.”

“Você devia. Ele é um homem e tanto.” Encolheu os ombros. “Assim você fica longe do
meu, hunf.” Brincou. “Mas agora sério, D, por favor, toma cuidado. Eu sei que ele é
apaixonante. Que o sexo dele vicia, mas---“

“Eu não fui pra cama com ele, B.” Falei rápido, o interrompendo e Brendon franziu o
cenho, como se eu tivesse dito algum tipo de absurdo sem tamanho. “Sério, eu não
transei com o Ryan ainda. Quem sabe um dia, se der tudo certo.”
“Dallon, é do Ryan Ross que estamos falando.” Ele retrucou. “Da mesma forma que o
Ian te conhece, eu o conheço. O Ryan vai pra cama com um cara antes de perguntar o
nome dele. Não tenta me enganar, não, porque não dá. Nós estamos falando do homem
que eu infelizmente amo.”

“Só que nós estamos falando de mim também, B. eu sou chato com esse tipo de coisa,
eu demoro horrores quando to conhecendo alguém. Não tem nem dois meses que a
gente se conhece direito.” Falei. “Pode confiar em mim, ele é seu homem. Não vou te
decepcionar.”

“Você <i>já</i> o fez, D.” Suspirou.

“Desculpe.” Fiz o mesmo que ele. “Só preciso que você compreenda que eu não posso
me afastar do Ryan agora. Mesmo se eu quisesse, mesmo se não houvesse essa coisa
toda de estarmos juntos, eu não posso me afastar dele. Eu vou ser a garantia de que você
pode ficar com ele, que tal?”

“Do que você tá falando?” Franziu o cenho. “Ryan e eu somos bons ex-namorados e
acho que ele gosta dessa posição. Não posso culpá-lo, ele não está aqui por mim. Ele
não voltou pra mim, ele voltou pelo caso.”

“Eu espero que você um dia consiga compreender o que o Ryan e eu estamos fazendo
agora. E, olha só, se eu fingir que estou com ele pros outros, você pode ficar com ele
sem o Carl saber. Aí a Sarah fica protegida, o que acha?” Falei. “Ryan e eu nunca
saímos, sabe? A gente não trocou mais que abraços e o beijinho que você viu. A gente
pode sair uma vez – sem cama, por Deus – e você tenta reconquistá-lo.”

“Eu não quero perder toda a minha vida pelo Ryan, que saco.” Ele disse, meio irritado.
“Mas isso aí é melhor que nada. Eu não gosto de dividir o Ry com ninguém.”

Suspirei, voltando a tomar a cerveja que estava em minhas mãos. Eu não sei ao
certo porque falei sobre fingir emoções para Brendon, mas acho que só então havia
percebido que sair com Ryan tava soando uma tremenda canalhice, já que eu sempre
soube – desde que Ryan voltou – do amor que eles tiveram um com o outro. Eu só não
queria ficar no meio de uma relação bonita.

<i>Salt Lake City, 2002.

Brendon estava sentado no colo de Ryan, confortavelmente ajeitado, enquanto os


outros dois decidiam que música queriam tocar. Os dois meninos dividiam uma garrafa
de vodka. Ryan era daquela forma, mas naquele dia em especial, ele não queria decidir
nada. Ele só queria ser um adolescente problemático nos braços de seu namorado.

Decidiram que tocar “I Write Sins Not Tragedies” seria ótimo. Cada qual pegou seus
instrumentos e tocaram com tudo o que estava em suas almas. Era a música que os unia
e a banda era incrível. Ryan podia não ser nem de longe o favorito dos outros dois, mas
era um excelente músico e ninguém negaria. Cantar deixava todos de bom humor,
deixava todo mundo com uma felicidade extrema. Após três ou quatro músicas – entre
elas covers – os outros dois foram embora. Deixaram o casal sozinho e Ryan
pressionou o menor contra a parede, quase que necessitado.

“Gosto pra caramba da nossa banda, B, mas cá entre nós, eu tava louco pra te pegar
de jeito.” Ryan falou baixinho e Brendon sorriu para o seu quase namorado. O beijo
voltou a se fazer e eles foram às cegas para o quarto. As peças de roupa caíram
sensualmente e eles se tornaram um só como de fato eles eram. “Wow!” ele disse ao
final, caindo do lado de Brendon na cama. “Você vai me matar, um dia desses.”

“Pára de ser bobo!” Brendon disse meio ofegante. “Vem cá me dar um abraço
direito.” E esticou os braços.

Ryan foi de imediato e se enroscou apaixonadamente nos braços de Brendon que o


apertou com força. Parecia que estava com medo – e ele realmente estava – de perder
aquele garoto aninhado em seus braços.

“Você vai passar a noite comigo, certo?” Ryan perguntou baixinho, dando alguns
beijinhos pela mandíbula de Brendon que não conseguiu negar. Ryan parecia saber
exatamente o que ele pensava em um olhar, tanto na cama quanto fora dela. Brendon se
manteve abraçado ao Ryan por mais um tempo, até que este se ajeitou e acendeu um
cigarro. “Quer?”

“Claro.” Respondeu, desfazendo o abraço com certa relutância. Olhou pra Ryan que,
de repente, pareceu completamente distante de uma hora para outra. Brendon
contemplou o rosto preocupado de Ryan por alguns minutos. “Que foi?”

“Não é nada, eu só achei que te amava bem menos.” Ryan disse baixinho, quase em
tom de confissão e o menor franziu o cenho. “Você nunca entendeu porque eu durmo
com outros caras além de você não é?”

“Eu realmente não entendo.” Brendon falou. “Você me cega, me vicia, me leva ao céu
e depois faz o mesmo com tantos outros que... eu não entendo. É como se eu não fosse
capaz de satisfazer você na cama. Talvez porque eu estou começando a viver agora, por
e ser ingênuo e inexperiente.”

“Psiu, Urie.” Ryan chamou baixinho. “Eu gosto de você do jeitinho que você é.” Ryan
soltou a fumaça do último trago e juntou seus lábios aos do menor rapidamente. “Eu
não deveria me apegar a ninguém, mas te amar é inevitável.”

“Não deveria se apegar por quê?” Brendon voltou a abraçar seu amado, agora
sentindo uma pontinha de medo. “Poxa, Ryro, eu quero você só pra mim, pra sempre.”

“Só que... eu vou embora de Salt Lake City pra nunca mais voltar a qualquer momento,
B.” Ryan avisou. “Eu não sei pra onde, não sei pra que cidade. Tudo o que eu sei é que
meu pai fica pulando de galho em galho pra burlar a previdência americana.”

“Eu não quero perder você, Ryro, entende isso.” Ele deu um beijinho no maior. “Nem
que eu tenha que fugir contigo. E coragem pra isso – e um trailer – é o que não me
falta. Se você me ama e se eu te amo, como sabemos que é assim que funciona, nós
vamos ficar juntos pra sempre e ninguém vai ser capaz de separar.”
“Essa sua ingenuidade me encanta, sabia?” Falou baixinho, mordendo a bochecha do
outro. “Quando eu for embora, eu vou contar os dias pra quebrar a regra do ‘nunca
mais’ e vir correndo pro seus braços, B.”

“Eu vou esperar.” Brendon decidiu encerrar a conversa por ali, sem pensar em mais
nada pra curtir o garoto que estava em sua cama e se entregava pra ele em cada toque.
O que Ryan quis dizer com cada palavra não importava. Seria ingênuo, porque
ingenuidade encantava Ryan.

Enquanto isso num outro ponto da cidade, Ian estava com os amigos (Cash Colligan –
o menino que era rico por ter pais que trabalhava em repartições públicas importantes
–, Alex Marshall – que os pais eram juízes da vara criminal –, Alex DeLeon – que tinha
os pais trabalhando numa promotoria e ele e o Cash tinham um dom nato pra ter
encrencas. Cash costumava ter talentos inimagináveis de desenho e falsificação de
documentos secretos, mas poucos sabiam disso – e Alex Johnson – o baterista
misterioso que ninguém sabia sua origem, mas estava sempre envolvido com Ryan Ross
e toda sua sujeira.) em sua casa, me esperando. Eu me arrumei o máximo que pude,
deixei apenas uma arma dentro do carro – porque não dava para sair sem ao menos
uma arma.

“Ele não vai dar uma de policial no bar, não é?” Alex Johnson perguntou pra Ian.

“Ele me prometeu.” Ian respondeu. “Pode acreditar. O Dallon faz tudo o que eu
pedir.”

“Espero mesmo.” Alex falou e eu encostei o carro. Ian veio correndo na frente e me
roubou um beijo rápido e meio desajeitado. Disse ele que era por causa do Marshall
que ainda era completamente apaixonado por ele. Não condenava o amigo dele por
amá-lo, mas confesso que tinha um pouco de ciúmes. Porque o Marshall tinha total
acesso ao meu Ian sem restrições. Os meninos vieram logo em seguida e se
acomodaram em meu carro. “Me deixa dirigir.”

“Você não tem cara de ter dezesseis.” Franzi o cenho. “Me dê as coordenadas e eu
chego nesse bar.”
“Já vai começar a ser policial na saída?” Alex perguntou e Ian ergueu a sobrancelha
pra mim e logo depois deu uma risada.

“Não, Johnson. Senta essa sua bunda no carro.” Falou Crawford. “O Dallon não gosta
que ninguém dirija seu carro. Com ou sem carteira. Ele odeia. Nem eu mesmo dirijo o
carro dele. Acho que é coisa de gente velha, porque meu pai é igualzinho.”

E depois daquilo, nós fomos para o bar. Era óbvio que eu sabia que Alex Johnson era
um delinqüente juvenil, um dos mais procurados pela polícia de Salt Lake City e era
claro que eu sabia qual era o segredo de todas as portas se abrirem pra ele e pra quem
ele quisesse com treze anos. Não gostava nada de Ian envolvido com tipos como aquele,
mas o bar foi até divertido. Eu me senti como se estivesse num ninho de cobras já que
ali estava reunidos os piores criminosos e eu desarmado.

Correu tudo a maioria do tempo bem, até que um dos criminosos me apontou “Dallon
Weekes, o que está fazendo aqui?” e mais que depressa tirei a perna de Ian de cima da
minha e ergui a sobrancelha.

“Tô desarmado, sem mandato e vim ouvir música.” Falei. “Sem crise, cara. Eu não vim
com a polícia.”

“Você é a polícia, cara.” O homem falou. “Não tem tanta diferença assim. Vamos,
coloque-se daqui pra fora ou isso aqui vai virar uma guerra.” Eu conhecia aquele
criminoso, era Joseph Brobeck, um criminoso e tanto. Traficante da pesada que estava
tentando dominar a região de Utah. Levantei-me da cadeira que ocupava e comecei a
seguir pra porta sem fazer mais nada. Sentia os olhos franzidos de Ian sobre minhas
costas. Eu não era, mesmo, de engolir desaforos daquele tipo, mas nada me impediria
de ter Ian pra mim.

“Weekes!” Um dos Alex me chamou depois de um tempo. “Pode ficar.”

Não sei até hoje o que foi oferecido pela minha permanência ali, mas com certeza deu
certo. O bar era o mesmo em que Ryan conhecera Brendon, o mesmo que ajuntava
delinqüentes juvenis e outros caras da pesada como o caso de Joseph Brobeck, o pai. O
filho com certeza também estava por ali, mas não o vi. Divertir, eu me diverti, mas
podia sentir todas as armas do lugar apontadas pra minha cabeça. Um passo em falso
e eu estaria morto.

E ninguém me impediria de ficar com Ian.

<i>Salt Lake City, 2010</i>

Todos nós fomos para a corporação e Sarah foi comigo, em meus braços. Ela estava
manhosa e só queria ficar em meu colo. Como se eu fosse seu bichinho de pelúcia eu ela
usa pra dormir. Por mais que eu estivesse indo pra corporação, eu sabia que estaria
longe das investigações porque Sarah precisava ser protegida. Eu tinha as palavras de
Brendon em minha cabeça, por tê-lo decepcionado e de certa forma estava contente por
ter aberto o jogo, por dizer que Ryan e eu somos uma grande farsa.

Chamei o Ryan meu ma sala para poder conversar com ele a respeito da proposta que
fiz ao Brendon e o fato de ele ter aceitado. Estava me sentindo culpado pelo fato de
separar um casal tão bonito e tão apaixonado. Eles ainda se amavam e o fato de eu não
saber o motivo real de tamanha distância e insistência de não ficarem juntos.

“Eu acho que o Ian tá bravo.” Ryan falou, entrando na sala enquanto eu ajeitava Sarah
em meus braços. “Por causa do selinho.”

“Eu não duvido.” Falei, rindo baixinho. “Ele não sabe que eu faço isso com o Brendon e
não sabe que foi por esse motivo que eu pude roubar vários desses na frente dos outros
sem que desconfiassem.”

“Essa menina é linda.” Disse, tocando docemente a face da menina, quando encostou-se
na ponta da mesa e ficou próximo de mim. “E sortuda, por ter gente tão dedicada
cuidando dela.”

“Concordo plenamente.” Suspirei. “Ela é brilhante!”


“Não foi pra falar dela que me chamou aqui, certo?” Ryan perguntou.

“Certo.” Suspirei. “Eu disse ao B que nós dois temos um acordo de fingir que nos
gostamos pra tirar o Carl do pé dele e proteger a Sarah de qualquer ameaça.”

“Por que fez isso?” Franziu o cenho, meio indignado. “Tá dando um trabalho danado
fingir que somos mais do que amigos pra maioria enquanto eu sou ameaçado de morte
pelos olhos do seu esposo.”

“Porque o Brendon veio com um papo do Ian estar apaixonado por mim e também me
disse que estava decepcionado por eu estar competindo com ele por você.” Suspirei
fraquinho. “Ele te ama, Ry. Ele te quer de volta e eu dou o maior apoio. Você sabe que
eu dou a maior força pra que vocês voltem e fiquem juntos.”

“A Hayley vai te matar quando souber do seu apoio, sabia?” Falou, enquanto eu
simplesmente encolhia os ombros com uma expressão doce. “E você sabe que eu to
torcendo pra que você largue essa manha de lado e fique com Ian de uma vez por todas.
Agora tá todo mundo começando a enxergar o amor de vocês que está escrito na testa de
cada um.”

“Eu apoio o Josh com a Hayley. Não é só pela Sarah, mas porque ele a ama de
verdade.” Falei, suspirando. “Sabe, eu acho que teve um motivo grande para abandonar
essa coisa linda nos meus braços, só que é mais confortável acreditar que o Josh
abandonou as responsabilidades de pai.”

“Por que você foge quando o assunto é o Crawford?” Ryan bagunçou meu cabelo.

“Mecanismo de defesa, eu acho.” Falei. “Ninguém nunca notou o que sentíamos um


pelo outro até você chegar, cara. Você é um destruidor de disfarces!” Brinquei e ele
começou a rir. Inclinou-se pra mim e deu-me um beijo no rosto, sem maldade nenhuma.
Ian estava olhando por trás da porta e viu o beijo. Suspirei e comecei a rir baixo.
Novamente, meu menino estava com ciuminho.

“Que foi?” Perguntou.


“Ian, entra se quiser.” Falei, olhando pra porta. Meu esposo estava corado com minhas
palavras e entrou. E embora estivesse corado, ele estava bem nervoso. Não percebi
quando o baixinho pressionou violentamente Ryan na porta pelo colarinho, assustando
Sarah em meus braços que olhou os dois violentamente presos um ao outro e
<i>quase</i> chorou. “Calma, meu amor. Eu to aqui com você.” Falei pra ela, bem
baixinho, e comecei a embalá-la novamente.

“O que tá acontecendo, tio Dallon?” Perguntou.

“O Een ficou bravo com o Ry, meu anjo.” Falei meio por cima e ela suspirou. “Vamos
sair daqui e deixar esses dois bobos se resolverem.”

Quando disse aquilo, Ian parece ter caído em si e soltou Ryan que tinha o nariz
sangrando. Coloquei Sarah no chão e a levei para fora da sala, rindo baixo comigo
mesmo por causa da crise de ciúmes do Ian. Me lembro que uma vez tive uma igual,
mas foi com Marshall, porém eu tinha meus motivos. Alex Marshall nunca escondeu
seus sentimentos por Ian e ele foi o ex de Ian. Até onde eu sei, não tiveram nada sério e
foi antes de mim, então foi com esse argumento que Ian conseguiu me acalmar.

“Nunca mais, Ryan, nunca mais vá beijando o meu Dallon sem pedir permissão pra
mim antes.” Falou Ian, com os braços cruzados. “Sua sorte que na minha casa o
Brendon tava lá, mas eu não seguraria um soco se não fosse por isso.”

“Sua casa?” Ryan franziu o cenho, apenas para provocar. “Você não mora mais lá, não
dorme mais abraçado com o gatinho do Dallon. Não tem mais direito nenhum sobre ele,
Ian. Se ele quiser me beijar eu vou acei--”

Antes que Ryan pudesse terminar a frase, Ian o socou com o máximo de força de força
que conseguiu empregar e Ryan acabou resmungando um pouco por causa do osso
quebrado, o nariz, mais especificamente. O agente federal, agora com a camisa suja de
sangue, vendo Ian balançando a mão por causa do impacto, começou a rir.

“Você bate feito uma garota, Ian, por Deus.”


“Vai se foder, Ross.” Ian falou, irritadinho, cruzando os braços. “Você já interrompeu o
meu beijo com o Dallon e agora quer tomá-lo de mim, hunf.”

“Pára de ser bobo. Eu to falando isso pra deixa você com ciúmes.” Ryan riu baixo.
“Agora você tem que me ajudar com esse tanto de sangue antes que o Brendon apareça
e a gente tenha que mentir que eu tava te ensinando a bater como um homem.”

“Droga, eu exagerei.” Ele começou a rir e se aproximar do Ryan. “Eu perco a cabeça
quando se trata do Dallon. Eu tenho medo de perdê-lo, embora confie na maioria dos
julgamentos dele. O Dallon não faria nada que me ferisse, de qualquer maneira.”

“E eu levei o soco de graça!” Ryan negou com a cabeça.

Eu sabia que Ian não gostava muito que eu ficasse fingindo porque de certa forma, na
cabeça dele, eu estava testando uma nova pessoa para um lugar que ele ocupava.
Ninguém seria capaz de ocupar aquele lugar e muito menos eu deixaria. Era meu
marido, o homem que eu amava mais que tudo no mundo.

Dando uma volta com Sarah pelo departamento, percebi que todos estavam agitados
graças ao Carl e sua nova ameaça. Todo mundo desesperado para achá-lo e quando
finalmente conseguiram localizar, todo mundo saiu correndo com sede, mas eu sabia
que nada ia acontecer. Sarah e eu não fomos atrás, nós ficamos brincando e acabamos
dormindo num dos quartos que estavam vazios da enfermaria com a ajuda de Jon.

No dia seguinte, Haley arrumou o pequeno garotinho para a escola. Estava na hora do
menino entender que a convivência com outras crianças seria o melhor pra esquecer as
coisas que lhe aconteceram. A casa era silenciosa. Ninguém realmente falava sobre o
assunto e isso era prejudicial.

Spencer sentia falta de investigar. Adorava estar com o filho, claro, mas também queria
se ocupar de alguma coisa que não lhe trouxesse a mente algo tão brutal. Spencer
percebera que acusar Boyd de negligência com o filho foi completamente desnecessário
e precipitado. Ninguém nunca era capaz de compreender a dor de um pai ao ver o
estado que a criança pode chegar depois de um trauma como aquele.

Daniel havia gostado da idéia de rever os amiguinhos a final, todas as crianças foram
visitá-lo para mostrar que o menino era amado como nunca. Estava animado porque era
difícil pra ele ver que era o motivo do sofrimento de seus pais. Haley sorriu após muito
tempo e Spencer estava confiante. O menino decidira, sem pressão, que queria ver os
amiguinhos e a professora. Daniel se sentia parte da escola e isso era bom.

A ida pra escola foi fácil, mas ao ver todas as crianças correndo e os pais ficando para
trás, Daniel começou a encolher-se no carro. Como se aquilo lá fosse um desafio muito
grande para ele enfrentar. “<i>Sou um agente especial, eu posso dar conta</i>.” era o
pensamento do pequeno Daniel, mas o medo era grande demais. Na sua pequena mente,
as crianças que lhe oferecia a mão com doçura para ele saiu do carro, viraram pequenos
monstros e, conseqüentemente, a professora adquiriu a feição de Carl.

<b> “Ele está aqui mamãe! Mate-o!</b>” Gritava o pequeno ferozmente seguidos de
abraços apavorados no papai Smith. Toda a coragem do menino evaporara.

Smith acolheu-o em seu abraço e o protegeu paternalmente. Trocou de lugar com a


mulher e o menino continuava encolhido nos braços do padrasto como se acordasse de
um pesadelo muito assustador. As crianças ficaram assustadas ao verem que o menino
chamava seu agressor de “Lobo Mal”. Nada mais recuperaria a infância do pequeno,
mas vingança seria feita. Todos ali tinham certeza disso.

Estávamos no meio de uma reunião, eu estava visivelmente cansado de ter cuidado da


pequena Sarah. Todos ali estavam com cara de quem estavam sobrecarregados com
trabalho demasiado. Urie estava assustado com o gesso no nariz de Ryan que afirmou
categoricamente que estava brincando com Ian e de repente, ele exagerou na força.
Todo mundo sabia que tinha mais história ali, mas todos ficaram quietos.

Estávamos apreensivos, porque ainda não havíamos chegado nem perto do Carl ou de
sua família. No máximo, sabíamos que por algum motivo, havia um Windsor com Alex
Johnson e as duas famílias não se batiam mesmo. Eram extremamente rivais. Alex
Johnson queria minha cabeça e eu queria prendê-lo o mais rápido que pudesse, junto
com Joey também.

Ryan então se levantou absurdamente rápido para atender o celular. A expressão que ele
tinha no rosto enquanto falava no telefone não era a melhor, mesmo, e eu fiquei bastante
preocupado com aquilo. Confesso que não prestei a mínima atenção nenhuma na
reunião, sobre os contatos daquele celular, sobre as fotos ostentando armas de fogo e
essas coisas que bandido adora fazer.

“Dallon, posso conversar um pouco com você?” Falou, colocando só a cabeça pra fora.
Levantei da cadeira e fui ao seu encontro. A expressão dele continuava carregada. “Eu
vou precisar voltar pra Washington num período curto. Surgiu um problema meio grave
com meus pais e eu preciso resolver.”

“Quer conversar?” Perguntei e ele assentiu. Começamos a andar pelos corredores, sem
realmente ir para algum lugar. Apenas queríamos um pouco mais de privacidade.

“Bem, meu pai não é mais um cara grande.” Ele riu baixinho. “Meu pai começou a
beber muito cedo e agora na velhice tem cirrose hepática. Como sei que posso confiar
em você, to contando. Ele está em segurança, mas minha mãe está ainda sob ameaças.
Alguém tentou invadir minha casa, onde meu pai é cuidado e meu irmão, Jordan, deu
um jeito no bandido. Só que meu pai piorou de saúde com o estresse causado e eu quero
vê-lo antes de morrer.”

“Ele pode sair dessa, Ry.” Falei, tentando soar otimista Ross encolheu os ombros.

“Eu vou pegar o próximo vôo pra lá e espero, muito, que não comente nada disso com
ninguém. Fale que meus superiores me mandaram resolver algo ou deixe como está.
Fugir é bem característico de mim pra alguns deles.” Suspirou.

“Tudo bem, Ry.” Assenti, dando-lhe um beijo no rosto. “Volte pra me dar notícias,
<i>amigo</i>.”

“Pode deixar, D.” Sorriu. “E cuide do Ian, hm? Ele é um bebê mesmo.”
Ri baixo e o acompanhei até seu carro. Eu não gostava nada da idéia de perder um
amigo, mas compreendia o apego que ele tinha ao pai, em parte. Eu conseguia
compreender que as pessoas não eram nada do que diziam ser sem suas famílias, mesmo
que ela fosse uma dessas famílias ruins que mal sabem de sua existência.

<i>O gramado do vizinho sempre é mais verde que o seu. </i>

<b><u> Fim do Capítulo Oito

Nove: They say before you start a war you better know what you’re fighting for.
Título: Angel With a Shotgun, The Cab. </u></b>

Salt Lake City, 2002.

Salt Lake City estava um caos só. Todas as gangues de todos os gêneros estavam nas
ruas, disputando território e buscando matar o maior número de pessoas. Lá estava eu,
lutando feito um louco por minha sobrevivência e ao mesmo tempo tendo que encarar a
morte de frente. Eu sabia que meu único combustível pra viver era saber que se eu
sobrevivesse a algo tão infernal quanto aquilo, se eu sobrevivesse à guerra, eu me
casaria com Ian. O amor de minha vida. Sequer me importava com o fato de ele ter
catorze anos, eu sabia que um rapaz tão jovem me faria bem o resto de minha vida, não
me importava o quão volátil a adolescência dele pudesse ser.

Os fatos vêm em minha mente, mas enquanto eu lutava como um inferno para
sobreviver, havia um atirador que estava escondido entre as altitudes da cidade. Eu não
o conhecia, mas ele também estava atento para não perder a vida. Estava
demasiadamente triste em ter acontecido aquilo em sua estada por minha cidade natal.
Estava triste porque em minha cidade natal havia alguém que ele amava e ele estava
decidido que faria o que seu coração mandasse. Ficaria em Salt Lake City e seria feliz
ao lado de seu grande amor, mas os sonhos são completamente diferentes. Diferentes
demais da realidade.
Na manhã seguinte, enquanto eu ajudava o IML a reconhecer os corpos e recolhe-los
das ruas, o atirador, por nome de Ryan Ross andava em sua casa de um lado a outro.
Sentia a vodka queimando a garganta como a muito não sentia e esperava seu pai sair do
banho para fazer o mesmo e comunicar que não fugiria de Salt Lake, que ele poderia ter
uma vida por aqui, ser um assassino conceituado, entrar em alguma gangue – a de Joey
e Alex, pra falar a verdade – e conseguiria se manter feliz por aqui. Ele havia se
apaixonado verdadeiramente e não podia perder isso. Não podia perder a plenitude que
sentia quando estava ao lado do outro garoto.

“George.” Falou o menino ao bater na porta do quarto do pai. “Podemos conversar um


momento?”

“Claro, Ryan, entre.” Sorriu fraco e o menino entrou. O pai já estava devidamente
vestido. “Você não quer tomar um banho? Essa noite foi cheia pra caralho e, no
máximo, em uma semana nós vamos embora pra Chicago e vamos voltar pra casa.”

“Eu não quero ir, pai.” Ryan falou. “Eu gosto da cidade, ela me recebeu bem. Eu fiz
amigos, eu tenho uma banda. A gente é muito bom, sabe? E você me deu um
apartamento aqui, eu tenho onde morar.”

“E o que mais a cidade te deu, Ryan?” Perguntou. “Sente-se um pouco na cama, vamos
conversar. Eu sei que eu nunca fui o homem mais paternal com você, que parece que eu
tenho um apego com Jordan e ele é que não é meu filho, mas eu quero o seu bem.”

“Eu tenho alguém, também.” Confessou baixinho, sentando-se na cama. “Você pode
achar que eu to exagerando, que eu sou um garoto idiota por pensar assim, mas eu sei
que o que eu tenho com essa pessoa, não vou encontrar mais em lugar nenhum. Em
nenhum lugar mais desse país. Com essa pessoa, pai, eu me sinto pleno e não posso
perder isso.”

“Mas você pretende viver de quê? Digo, você tem uma banda, mas e se isso não der
certo? Sem falar que se der certo, você estará exposto. Alguns fãs são fanáticos, se
descobrirem o que você é agora, acha que a banda se sustém mesmo assim?” Perguntou
ele, calmo. “Eu sei que você gosta muito dessa pessoa, pelo que me fala agora, você está
sendo capaz de deixar um ramo que te consideram um prodígio, filho, por ela. O fato
maior é que você só sabe atirar e fazer música. Se eu deixar você aqui, você estará
indefeso, nos braços de quem ama e esses caras vão te manipular por causa disso.”

“Já o fizeram, George.” Falou. “Eu fiz um acordo vitalício com o Carl por causa dessa
pessoa. Eu sobrevivi no tiroteio ontem por causa dessa pessoa, porque eu quero ser um
homem normal e ter uma família normal. Eu quero encerrar o ciclo, sabe? Essa coisa
dos primogênitos serem recolhidos como soldados de algo que não querem.”

“Como é?” Franziu o cenho. “Você tem um acordo com o Windsor filho? Você só pode
estar de brincadeira comigo! Por que caralho você fez isso?”

“Carl me pegou com essa pessoa na escola.” Suspirou longamente, abaixando os olhos.
“E ele sabe quem nós somos e correu um boato, que ele me confirmou depois, que ele
estava querendo o meu garoto e ameaçou que nos separaria contando tudo o que sou:
soldado do crime organizado desse país, que vivo fugindo da cadeia e que se eu for
pego, é pena de morte em alguns estados. Sabe, meu garoto acha que eu sou um
adolescente comum revoltado por causa do pai alcoólatra, mas eu sou um pouco mais
que isso. Sei que o certo era enfiar uma bala na cabeça dele, mas não pude. Tudo o que
eu não quero mais é que esse garoto tenha uma imagem de mim que eu nunca fui com
outras pessoas, só com ele. Porque ele é especial, George. Especial demais pra eu deixá-
lo escapar como areia.”

“Meu filho, olhe um pouco pro teu pai...” Ryan acabou por fazer o que lhe foi pedido.
“Eu não sou o melhor cara pra falar de relacionamentos. Você esteve comigo boa parte
da minha carreira e nunca me viu com uma mulher, enquanto eu te vi com um cara
diferente a cada noite desde os treze anos. Não foi por falta de oportunidade, meu filho,
mas eu sempre respeitei sua mãe. Sempre amei sua mãe como nenhuma outra e se eu
bebi o tempo todo – e acabei te dando esse hábito – foi porque eu tinha que cuidar de
você e tinha que viver a minha vida sem a Sandra. Se você diz que esse menino é
importante pra você, eu não posso mesmo te deixar aqui, sabendo apenas atirar. Eu não
vou te emancipar enquanto não fizer de você um homem, simplesmente porque eu não
quero que você seja como eu.”
“Então faça de mim um homem aqui, pai. Não quero viajar de Utah a Illinois pra mais
um crime. Eu estou bem aqui, eu vou sobreviver! Você sempre foi o melhor e me
treinou pra sobreviver.” Ryan falou. “Eu sempre sobrevivo. Se for pra ser matador o
resto da minha vida, que seja. É negócio de família. Não tenho muita escolha.”

“Só que é impossível manter um relacionamento harmonioso com seu amado sendo
matador, Ryan.” Falou. “Você vai me odiar ainda mais se eu te emancipar. Não posso
deixar que você simplesmente fique. Eu te prometo que depois dos dois serviços que eu
tenho para fazer, Ryan, a gente nunca mais atira em nada que tenha vida. Está na hora
de parar, de sossegar. Acredite ou não, sou bom com carros de corrida. Dá pra abrir um
negócio de kart e te dar um rumo na vida. Pode confiar em mim uma vez?”

“Por que eu confiaria?” Ryan questionou. “Você nunca se preocupou comigo de fato.
Eu sou mais uma doméstica aqui em casa e o prodígio num revólver. Eu gosto de tocar,
pai. Gosto de ter banda.”

“Porque eu já trilhei parte desse caminho.” Falou. “Sua mãe me traiu diversas vezes por
carência, por achar que eu também a traí. Sua mãe não me aceita mais, age como se me
odiasse, eu transformei meu filho numa infeliz máquina de matar e são os caminhos que
você vai trilhar se tentar fazer a única coisa que sabe. Se eu marcar mais algum
assassinato, você pode me dar um tiro na cabeça. E também tem algo que você não
sabe... Meus inimigos, a maioria deles na verdade, nunca souberam do meu casamento,
embora eu tenha treinado Jordan pra proteger sua mãe, filho, você não sabe quantos
atentados ela já sofreu só nesses meses que estamos em SLC. Nada que Jordan tivesse
que atirar – até porque nunca vi ninguém pior que ele na pontaria – mas assusta. Seus
inimigos, Ryan, podem tentar descontar em seu casamento enquanto você viaja pra
matar. Imagine você voltando pra casa e encontrando apenas o corpo do seu garoto?”

“Mas eu não quero ficar sem ele.” Falou, mesmo com o coração falhando a batida
quando George expôs a situação de sua mãe como a possível situação que Brendon
viesse a ficar. Fora claro que quando conversou sobre emancipação com Brendon há
uma semana pretendia protegê-lo disso, mas até quando era a pergunta. “Eu sei que nós
nunca mais vamos voltar a SLC e aqui eu fui feliz. Não quero me sentir vazio de novo.”
“Eu deixo você voltar quando for alguém a mais que o filho do matador.” Suspirou.
“Me deixe te ajudar, por favor. Não quero que você tenha a mesma sorte que eu tive.”

“Tudo bem, já que eu não tenho muito que escolher.” Suspirou. “Vamos embora
quando?”

“Hoje de noite, acho.” Falou George. “Arrume suas coisas e depois eu quero conhecer
esse garoto, pedir que ele te espere e que você vai voltar.”

Ryan assentiu sem vontade, mas deixou ser guiado pelo pai. Pela primeira vez, Ryan viu
o seu pai de uma forma completamente diferente. Seu pai não era só um bêbado que
tinha o prazer de lhe contrariar. Ele era um homem experiente que estava lhe apontando
um caminho alternativo e pedindo que ele fosse feliz, depois que fosse alguém na vida.

Ryro imaginou que o pai fosse fazer algum tipo de alvoroço por causa de ele ter
escolhido um garoto para constituir família (mas como o pai não era cego, já sabia da
opção sexual do filho sem ter sido oficialmente comunicado. Falar de garotos ou de
garotas, pra George dava no mesmo, já que ambos têm sentimentos). Ryan pensou que a
censura começaria dali, mas ele só quis ajudar o filho a ser feliz. A entender que as
armas e a vida das pessoas não é uma forma honesta de ganhar a vida. Se ele estivesse
disposto a se emancipar por amor, seu pai não queria ferir Brendon, mas queria que
Ryan não o perdesse.

Arrumar sua mala foi difícil demais. Lembrava-se da última noite juntos. De quando ele
havia roubado o vinho de uma pequena adega que seu pai tinha e pedido pizza.
Lembrou-se de “More Than Words” e de quanto aquele menino manhoso faria falta. Ele
sabia que seu Brendon o odiaria, mas não poderia contar absolutamente nada do que
havia acontecido. Escreveu um bilhete pequeno pra Brendon com o número de uma
caixa postal – a caixa postal que falava com sua mãe e irmãos – e voltou a se imergir
nas suas lembranças de antes de ontem. De quando tomaram vinho roubado e comeram
pizza. Ryan nunca havia se orgulhado de seu pai, mas a tentativa dele e seu desespero
por ajudar era o que lhe enchera de orgulho.
Pensou em pedir pro pai mais uma noite com seu namorado, mas ligou a televisão para
se distrair e acabou deixando na CNN. A noite em Salt Lake havia se transformado em
notícia mundial e a polícia (eu não apareci na televisão esse dia. Ian me disse que ficou
na CNN só pra tentar me ver ou saber se eu estava morto) dizia com veemência que as
gangues um dia acabariam por suas mãos. Ryan deu uma gargalhada, mas percebera que
se continuasse daquele jeito, seu destino final seria a morte. Nem todo mundo tem a
destreza de viver tanto tempo como seu pai nesse ramo. Com aquele noticiário, Ryan
percebeu que não tinha mais tempo para ficar em SLC. Que cedo ou tarde achariam
quem são os donos de cada bala e aí ele acarretaria uma pena de morte nas costas.

“Ryan.” George chamou, arrebatando a atenção do filho.

“Sim?” Respondeu rápido.

“Me leve à casa de seu garoto.” Ryan franziu o cenho quando seu pai falou. “Quero
conversar com o pai dele, me certificar de que estou fazendo a coisa certa com você,
filho. Não quero mais peso na minha consciência por sua infelicidade.”

“Ele é filho de um confeiteiro.” Suspirou. “Eu o levo lá quando quiser. Quero mesmo
comprar alguns doces pra viagem, já que nós temos que parecer sóbrios na estrada.”

George deu uma risada mais alta com a resposta do filho. Parecer era a palavra-chave
porque nenhum dos dois realmente era sóbrio. Nenhum deles ficava sem beber um
pouco de álcool por mais que duas horas. Pai e filho eram tão parecidos e nem sabiam.
Ryan achou digno levar o pai para conhecer a vida de Brendon, como funcionavam os
hábitos das pessoas normais e ele não queria se mostrar tão abatido.

As horas passaram lentas. Nunca havia se sentido triste por ter que deixar uma cidade.
Era tão mecânico pra Ryan. Chegar a uma cidade, infiltrar em meio aos estudantes,
fingir ser um adolescente problemático com pai alcoólatra que não sabe o que quer da
vida, executar a ordem de assassinato de uma pessoa junto ao pai. A naturalidade que
Ryan tomava a decisão de quem ia morrer ou viver espantava até seu pai. Talvez ele
devesse isso à infelicidade e insatisfação explícita nos olhos de Ryan Ross. Sentimentos
não se abafam totalmente. Sentimentos são sempre sentimentos, sempre estão
estampados para quem quiser ver, mesmo quando tentamos nos manter inexpressivos
diante de uma situação difícil ou desencorajadora.

Tem gente que diz que o ser humano veio ao mundo pra buscar a felicidade plena, mas
ninguém sabe se essa felicidade plena existe. A vida é feita de momentos felizes e talvez
buscar esses momentos é o que torna nossa vida interessante. Aliás, talvez o que torne
nossa vida interessante de fato são os obstáculos que temos que enfrentar diariamente
atrás desses momentos de felicidade plena. Enganam-se quem acha que o amor é apenas
a felicidade disfarçada de algo complexo, o amor é a chave, mas a sabedoria e o tempo
são as mãos que lapidam um sentimento tão bonito.

Por volta das três da tarde Ryan dirigiu para seu pai até a confeitaria de Boyd. Na frente
da mesma, encarregada do atendimento, estava Kara, uma das irmãs de Brendon. Ryan
entrou com o pai, sem tirar seus óculos escuros. A menina ergueu a sobrancelha e o
mais velho disse a ela:

“Posso falar com seu pai, mocinha?”

“Boyd é o nome do pai e Brendon é o meu garoto.” Ryan falou os nomes deles,
baixinho no ouvido do pai e suspirou. Ele estava ali pra comprar doces e talvez por esse
motivo que os dois não pudessem ser expulsos do lugar. O mais velho assentiu para o
filho e a irmã chamou a outra, Kayla, pra atender quando Ryan falou: “Pode me mostrar
alguns cupcakes, brownies e muffins? E café, vendem aqui?”

“Eu vou chamar meu pai na cozinha, minha irmã está chegando para lhe atender.”

A casa de Brendon era atrás da confeitaria e por isso, a família toda se empenhava em
ajudar. Os três garotos: Boyd (o pai), Matt e Mason trabalhavam na cozinha; e as
meninas Grace, Kayla e Kara cuidavam do atendimento, revezando-se entre si para que
os clientes não se desgastassem e Brendon era completamente alheio aos negócios da
família e Ryan o invejava nesse ponto. Queria ser alheio a tudo o que viesse de sua
família. Kayla veio o mais rápido que pôde e sorriu para Ryan meio forçado.
Kayla conhecia Ryan. Sabia quem ele era na escola e sabia de sua fama de promíscuo.
Sabia da fama de que, se ele quisesse ficar com um homem, ele simplesmente faria
acontecer sem se importar com mais nada. Vendo-o de perto, Kayla entendeu o porquê
de ele conseguir tudo o que queria. Simplesmente além de bonito, era sedutor. Ela não
se interessou por ele, mas admitiu que se ele forçasse um pouco a barra, ela não
conseguiria sair.

Boyd chegou da cozinha, tirando as luvas de borracha descartáveis dentro do lixo


especializado para essas luvas. George observou cuidadosamente os cuidados de higiene
que a família tinha ao conduzir o negócio. Pedindo um cupcake e café, pediu uma
mesa. Boyd caminhou até o homem, sem entender exatamente o que ele queria.

“Pois não?” Disse Boyd.

“Sente-se comigo e coma algo.” Falou, quase em tom de ordem. “Eu pago.” Boyd
franziu o cenho, mas fez o que o homem havia lhe dito. Pediu um cupcake com um au
lait e apoiou os cotovelos na mesa. “Meu nome é George Ross e eu quero conversar
com você sobre seu filho, Brendon.”

“B-Brendon? Mas que merda ele fez dessa vez?” Boyd disse na defensiva. “Me
desculpe, senhor Ross. Seja lá o que for, não vai mais acontecer.”

“Se acalme.” O tom de quase ordem retornou a voz de George que finalmente arrebatou
os olhos escuros. “Eu quero ser o mais franco que eu puder com o senhor, mas tem que
me ajudar com isso. Prometo que não é absolutamente nada que o senhor tenha que se
envergonhar, pelo contrário. Não o conheço pessoalmente, Boyd, mas posso afirmar que
ele é extraordinário.”

“Você se refere ao meu filho mesmo, senhor Ross?” Boyd disse. “Há alguns meses, eu
só tenho desgosto com meu filho mais novo. Não se enganou de endereço?”

“Meu filho me trouxe aqui e nós não temos tempo pra enganos.” George avisou,
tomando um gole longo do seu café. Boyd tomou um gole também, com os olhos fixos
no visitante. “Eu sou o pai do Ryan Ross e eu posso te afirmar que eu vi meu filho se
autodestruir por anos. Eu tentei detê-lo de várias maneiras que me vinham à mente,
tentei fazer com que ele fosse feliz. Eu falhei nisso, falhei como pai, mas juro que não
quero falhar como amigo dele nessa única chance que tenho. Digamos que de novo eu
fui transferido de cidade no meu trabalho e eu preciso me mudar, por seu filho, o meu
quis ficar aqui, mesmo sabendo que eu nunca concordaria com isso. O que eu quero
dizer, Boyd, é que eu amo o meu filho o suficiente para vir aqui e conversar com você
sobre eles.”

“Não seja ridículo, senhor Ross. Não há amor entre eles.” Falou Boyd, cruzando os
braços, visivelmente incomodado. “Sabe que, o fato desse <i>Ryan</i> estar indo
embora finalmente da minha vida me dá uma esperança? Meu filho e eu éramos amigos,
meu filho e eu conversávamos sobre muitas coisas quando veio esse Ryan e roubou meu
filho. Brendon tem quinze anos e bebe feito um adulto, foge de casa durante a noite pra
dormir com o Ryan, pra freqüentar bares e eu fico indignado que a polícia permite que
menores entre em bares. Eu perdi meu filho pro Ryan. Eu perdi meu pequeno prodígio
pro seu filho e não gosto nada disso. Viu o que aconteceu ontem? Essa cidade tem
gangues até os dentes e meu filho fica vagando por aí atrás desse Ryan.”

“Eu perdi o meu também para o seu.” Falou, suspirando. “O Ryan sempre teve horror a
prender-se a alguém. O Ryan sempre foi egoísta o suficiente pra desfrutar a companhia
de alguém, mas ele estava falando em emancipação para ter família pra mim hoje mais
cedo. Uma família constituída com seu filho. Entenda o tamanho do passo que meu
filho deu para o seu. Não concordei, mas quero que me escute. Meu filho vai embora
comigo ainda hoje e eu preciso que você entregue algo ao seu filho. Quero deixar com
você, porque nós dois somos pais e sei que você quer o bem do seu filho tanto quanto
eu. Sempre aconselhei o Ry a não se apegar, porque nós sempre nos mudamos.
Entregue ao Brendon. Nós vamos responder tudo o que vier nessa caixa postal.”

Boyd pegou o papel contra vontade e não o abriu. Sem mais delongas e após pagar
todos os doces, saíram. Os dois Ross jamais souberam o que aconteceu, mas Boyd leu o
bilhete e, assustado, queimou parte dele. Entregou para o filho apenas a caixa postal e os
dizeres “Ryan <3” para o filho. Brendon nunca soube que o seu amado tinha ido embora
por necessidade, mas no dia seguinte, foi ao serviço postal depositar a primeira carta
para seu amado. A primeira de muitas! Só sabia uma coisa, Ryan podia não ter dito, mas
voltaria na primeira oportunidade que tivesse, ele voltaria.

E só voltaria por amor. Enquanto eu sabia que nada poderia me separar de Ian se eu me
esforçasse, Ryan sabia que se tentasse depender de Brendon um pouco menos, mataria
os seus sonhos, mas permaneceria vivo e viveria para escolher o dia e o ano certo pra
voltar pra seu namorado. Sabia que ao ler o bilhete, ele o esperaria. Sabia que quando
desse os seis meses que tinha escrito, diria que precisava de mais até ganhar tempo para
conseguir voltar depois e ser alguém na vida. Era essa sua única promessa para si
mesmo.

<u><b>Fim do Capítulo nove

Dez: If I was a killer with blood in my hands.


Título: Killer – Plain White T’s</u></b>

<i>Salt Lake City – 24 de Dezembro 2010.</i>

Depois do halloween, o natal é a data mais importante aqui em casa. Ver as


pessoas reconsiderando seus problemas é sempre uma coisa bonita de se ver, se você
não soubesse perfeitamente que o dia seguinte a hipocrisia se faria presente na face das
pessoas. Sarah sugeriu uma ceia diferente. Enquanto as pessoas em suas casas
preparavam a ceia grande (aqui a gente preferia comprar tudo pronto, já que ninguém
tinha uma habilidade extraordinária na cozinha) e sentar-se em volta do piano pra cantar
músicas natalinas, Sarah quis fazer um recital. Ela sugeriu e dividiu todo mundo
certinho: Ian e eu, Josh e Hayley, Daniel e Spencer, Zac e Jon, e ela cantaria com o
Brendon. Ela obrigou todos a ensaiar a música que quisesse. E Haley seria a
apresentadora do evento.

Spencer gostou da idéia mais do que todos nós e nem era por causa da música, mas sim
porque em meses o filho dera um sorriso sincero e animado para algo que lhe era
proposto. O pai e Ryan o haviam ensinado a amar a música e Ryan havia ensinado o
menino a tocar guitarra. Spencer estaria na bateria e o filho na voz e na guitarra. Ensaiar
com o filho e a mulher fora divertido. Spencer às vezes errava a música
propositalmente, acidentando-se com a baqueta pra ouvir a risada do filho. Estava
saudoso daquele som, assim como a risada da mulher. Juntos eles decidiram tocar uma
música que nunca morreria; “The Pretenders, I’ll Stand by You.” Foi nesse dia que o
Daniel descobriu que a mãe arranhava um pouquinho no piano.

Ian e eu fomos um impasse sem tamanho. Eu queria tocar alguma coisa do Blur ou do
Costello, mas Ian insistia em Costello. Costello, claro, além de uma grande influência
para minha vida musical, era um grande marco em nosso casamento. Por outro lado,
existia algumas músicas no mundo que falariam mais sobre nosso atual momento. Ian e
eu estávamos de volta ao namoro e acabamos tocando uma música do Daughtry
chamada “What About Now”. Ian ficou na guitarra e eu fiquei encarregado do baixo e
dos vocais. Confesso que tive que moldar uma coisa ou outra pro meu tom, mas foi
muito interessante. Ian e eu (como todos os outros) gravamos alguns instrumentos a
mais do que tocamos no palco pra dar um efeito melhor na música e Hayley nos ajudou
com o piano, só pra começo.

Meu ensaio com Ian foi bem engraçado, porque como estávamos sozinhos em meu
quarto, com a porta trancada, era difícil me fazer soltá-lo para realmente ensaiar alguma
coisa, mas ao mesmo tempo, quando conseguíamos tocar, geralmente o fazíamos um
pro outro. No final das contas, Ian também cantou algumas estrofes e foi realmente
muito expressivo. Era difícil não dizer que estávamos apaixonados ao cantar olhando
um pro outro a música. No último refrão, decidimos que cantaríamos no mesmo refrão e
a última frase seria minha, sem os instrumentos. No ensaio, pareceu perfeito, no dia, eu
não pude conter a emoção.

<i>“What about now? What about today?”</i> Cantou sozinho e eu me aproximei do


microfone do Ian que era muito mais baixo que o meu. Ele sorria, soltara a guitarra e eu
soltei o baixo. Apenas o piano gravado de Hayley nos era necessário. <i>“What if
you’re making me in me all that I was meant to be?”</i>

<i>“What if our love never went away? What if it’s lost behind words we could never
find?</i>” Cantei, também sozinho, mas como usávamos a mesmo microfone, nossos
olhos estavam pregados um nos olhos do outro e talvez nossa platéia pudesse sentir o
quanto nos gostávamos naquele momento. Nem precisava ser muito observador pra
perceber (ao menos eu acho e provavelmente eu negarei até a morte quando me
perguntarem).

<i>“Baby before it’s too late. Baby before it’s too late, baby before it’s too late.</i>”
Cantamos juntos. O piano então parou e minha voz não saía. Como se de repente, ela
tivesse se perdido na garganta e percebendo minha dificuldade, Ian cantou:

<i>“What about now?” </i>

Nossa platéia nos aplaudiu de pé. Nós devíamos mesmo ter arrasado naquilo ou
demonstrado sentimentos demais. Dado motivos para que nossos amigos acreditassem
num amor que nenhum deles sabia que existia de fato.

Mas voltando ao assunto principal, engraçado mesmo foram os ensaios de Sarah e


Brendon. Sarah dizia ao Brendon que queria tocar música de verdade e não Disney (e
não que a Disney não tenha música bonita, mas tem música muito melhor com outras
bandas, convenhamos) e Brendon insistia infantilmente em cantar a música tema do
Aladdin. Com isso, sugeri que ele fizesse uma apresentação solo e que tocasse algo mais
consistente com Sarah. Juro que se o B estivesse armado, ele morreria. Sarah sabia
escolher músicas muito bem e eles acabaram tocando a música “Behind Blue Eyes do
The Who?”

Devo confessar que quase chorei na apresentação deles. Essa música feita em acústico
baixo [n/a: quando o tom do instrumento está abaixo da voz, que geralmente é feito em
música lenta] com um piano tocado por Brendon e Sarah na meia lua ficou maravilhoso.
Brendon estava com a voz sentida, porque ainda estava sentindo a dor de perder Ryan
depois de tentar reconquistá-lo com todas as suas forças. No natal, além da voz triste,
todos nós percebemos que ele fez questão de afundar nas músicas e nas bebidas. Sarah
também tinha a voz sentida por causa do pai Brendon. Ela odiava nos ver triste! E todos
nós sabíamos que cada nota ali era para Ryan e sabíamos que Sarah escolhera aquela
música para ele pôr pra fora tudo aquilo que sentia dentro de si.
Quem não faz música, não sabe o valor de cada nota. Quem não faz música, não
entende quando ela realmente fala de você. Quando as notas são parte de você. A
música não se importa com seu estado de espírito. Ela não se importa com a dor de seu
coração. A música consola, a música perdoa, a música ama. Você só precisa ter ouvidos
e sentimentos para entender cada nota e deixar que seu coração seja marcado com
música. Quem não ama a música, não sabe amar, porque a música é sublime, é doce e
eficaz. A música toca nas feridas de forma sutil e mostra o caminho, basta que você siga
ao mesmo e deixe a música ir aonde quer que você vá.

A verdade é que eu não compreendi muito bem a escolha do Jon e do Zac. Acho que
eles quiseram mesmo foi entrar no clima depressivo em que estávamos (embora o
arranjo fosse animadinho e fez com que a gente pulasse). Talvez, arrisco-me a dizer,
que era o natal mais depressivo de todo Utah. Não vi grande parte dos ensaios deles,
mas eles se divertiram um bocado, testando combinações no teclado para trazer para
aquele recital. No final, a música escolhida foi “We Are Golden do Mika” e confesso
que foi o melhor arranjo de todos nós. Quem cantou foi Jon e nós ajudamos
verdadeiramente.

Talvez as pessoas não reparem muito nas letras das músicas animadinhas. Só mexem
um pouco o corpo. Às vezes as pessoas dizem mais com músicas agitadas do que as
pessoas querem realmente ouvir.

Pra encerrar as apresentações de natal sem músicas natalinas, Hayley e Josh tocaram
juntos mais um acústico baixo. Um desses emocionantes que nos deixa felizes apenas
por poder escutar. Confesso que eu não vi os ensaios, mas Sarah vinha me contar que
ela teve que ficar sentada em cima do piano para fazer a coisa toda funcionar. Os dois
estavam magoados um com o outro e ao mesmo tempo Josh queria sua doce Hayley de
volta.

A escolha da música também foi complexa. Hayley queria tocar algo que os dois
tivessem composto juntos como Brick By Boring Brick [n/a: eu não sei te dizer se eles
compuseram essa música juntos, mas eu coloquei porque eu realmente gosto dessa
música u_u], mas Josh simplesmente preferia tocar Bring me to Life do Evanscence.
Hayley reclamava que não tinha voz o suficiente para chegar ao tom da música e isso
seria um problema grande se eles fossem cantar. Fato é que Josh engoliu aquilo como
desculpa pra não tocar Bring me to Life. Não sei o que Sarah fez, ela nunca me mostrou
seus truques, mas conseguiu fazê-los tocar bem na ferida, tocando uma música pop de
uma cantora que não estava entre o top dez de nenhum dos dois (de nenhum dos da
platéia, na verdade).

Até aquele acústico, eu não tinha parado pra notar uma nota sequer daquela música, mas
quando prestei atenção no objetivo de Sarah ao me focar na letra, pude sorrir. A música
parecia ter sido feita pro casal, de fato. Cutuquei Ian e comentei que havia entendido o
propósito da pequena Sarah.

“<i>I lose my way and it’s not too long before you point it out. I cannot cry because I
know that’s weakness in your eyes.</i>”

<i>“I’m forced to fake a smile, a laugh every day of my life. My heart can’t possibly
break when it wasn’t even whole to start with.”</i> Josh olhou para os olhos de Hayley
quando cantou. Na verdade, eu sabia qual era a da Sarah com todo aquele natal-não-
natalino. Eu conseguia sentir o cheiro de armação à distância, mas participei, porque
música é sempre música e liberar sentimentos é a arte da vida.

Sarah e Daniel foram dormir perto da meia-noite. Todos nós estávamos bêbados pra
caramba, sem ter muito raciocínio do certo e errado. Esperamos as crianças irem dormir
para revelar nosso amigo secreto. Foi engraçado, porque sempre sacaneávamos a cara
um do outro antes de dar os presentes sérios. E havia sido sorteado por Hayley e ganhei
um vibrador cor de rosa (porque ela não achou laranjado) antes de ganhar um abraço,
uma bela camisa manga-longa e entradas para um show do Blur [n/a: segundo a breezy,
blur é uma das bandas britânicas favoritas do dallon]. Eu sorteei o Brendon e, como
sacanagem, lhe dei um CD de uma banda tão ruim que ele quase me bateu, mas depois
me redimi dando a ele a primeira e segunda temporada de Dexter que eu sabia que ele
ainda não tinha comprado. Ele havia passado o ano todo em busca daquilo, mas sempre
que tentava comprar estava esgotado.

Brendon sorteou o Ian e deu pra ele uma boneca inflável e um chicote. Acho que nunca
ri tanto de um presente quanto aquele. Brendon deu a boneca com cinto de castidade e o
chicote. A boneca estava cheia de ar, então ficou ainda mais engraçado. [n/a: preciso
dividir, perdi o ar enquanto imaginava a cena de tanto que eu ri.]

“Vai se foder, Brendon Urie!” Ian falou, desacreditado, quando a boneca veio ao som
do Brendon cantando “Don’t Cha” das Pussy Cat Dolls.

As risadas foram, como uma cachoeira, uma atrás da outra, sem que ninguém
conseguisse segurar. Manipulando a boneca, Brendon sentou-se no colo de Ian,
colocando os braços da boneca em volta do pescoço do meu esposo e eu tava vermelho
de tanto rir. Quase caí do sofá literalmente. Haley – que não era acostumada com esse
nosso jeito de brincar-, escondia o rosto no pescoço de Spencer enquanto tentava não rir
das nossas risadas.

“Você vem sempre aqui, cachinhos de ouro?” Perguntou, com voz afeminada, mas logo,
Brendon soltou a boneca e pediu desculpas pela brincadeira. Ian não havia, mesmo, se
incomodado, mas Urie pediu mesmo assim. “Assim, Een, esse é seu único presente.
Aproveite.”

“Sério?” Franziu o cenho. Todo mundo <i>quase</i> acreditou quando Brendon disse
que não tinha outro presente pra Ian, mas logo lhe presenteou com a bela Nikkon que
ele queria tanto. Ian, por sua vez, sorteou Josh (e depois da boneca, todo mundo achou
difícil superar a sacanagem de B) e lhe deu o primeiro presente: um kit dragqueen com
maquiagem, vestido brilhoso, peruca, langerie e um CD do Village People. O detalhe da
peruca: laranjada. Josh disse que no próximo halloween sua fantasia seria de Hayley e
todos acabaram por rir. Josh por sua vez tirou o irmão e o sacaneou com uma piada
interna antes de realmente entregar o presente; um iPhone que o irmão precisava.
Zachary, por sua vez, sorteou Spencer e como a mulher dele estava ali, o sacaneou
muito pouco. Deu apenas um kit de maquiagem – até porque Spencer não estava a tanto
tempo conosco, era amigo de Hayley e Brendon há mais tempo – e logo depois ele
ganhou uma bateria e entradas para o show do Blur, também. Spencer por sua vez, tirou
Hayley que se livrou da sacanagem porque Spencer não sabia do nosso ritual e ela
ganhou um violão elétrico e uma viagem com todas as despesas pagas com
acompanhante pra Disney.
Uma hora da manhã nossas crianças acordaram perguntando pelo papai Noel. Sarah
argumentou veementemente que havia feito tudo certo e que merecia presente, mas nós
dissemos a ela que o papai Noel ainda não tinha chegado e que amanhã de manhã todos
nós teríamos presentes.

“Vão pra cama todos vocês!” Exigiu a garotinha, tomando de nossas mãos as cervejas e
nos empurrando gentilmente pro quarto. “Quero meus presentes na árvore, poxa!”

“Papai?” Daniel chamou, puxando a barra da calça de Spencer que o pegou no colo
imediatamente. “Será que eu mereço presente?”

“Oh, campeão, mas é claro!” Falou Spencer, pegando-o no colo. “Você tem sido um
menino e tanto nesses últimos meses e principalmente nesses anos todos. O papai Noel
jamais se esqueceria de você, porque você é uma criança boazinha.”

“Mas papai, se o tio Ryan que me prometeu nunca me abandonar, me deixou. Como é
que o papai Noel não vai? Ele nunca falou comigo na vida, papai!” Daniel o olhou com
olhos curiosos e eu parei no meio do caminho. Spencer me olhou como se me
perguntasse o que diria para o filho e eu mordi o lábio.

“O Ryan não te deixou.” Eu falei, acariciando o cabelo de Daniel que estava com o
rosto escondido no ombro do pai. “Ele teve que ir ver umas coisas com uns superiores
de vocês. Ele não me disse nomes.”

Spencer franziu o cenho pra minha resposta, mas me deu suporte. Saiu para o quarto de
Daniel, onde ia dormir, com o menino no colo e logo depois de alguns minutos e o
deixar na cama, ele voltou a mim pra conversar. Eu fiquei com certo receio, não sabia
até onde ele sabia sobre o pai do Ryan, então suspirei.

“Eu sei que ele não sumiu daqui pelo FBI, Dallon.” Falou, suspirando. “O que
aconteceu de verdade? Se o Brendon vier acusar o Ryan como ele vem fazendo desde
que ele fugiu de novo do compromisso de amá-lo, eu o ajudo, se me contar a verdade.”
“Hmm. Tudo bem. Não sei onde o pai dele está escondido, mas sei que vocês são muito
amigos, vieram de Washington juntos.” Falei, coçando os olhos. “O pai dele piorou da
cirrose e me parece que o irmão dele se meteu em encrencas e ele foi correndo. Como
nós estamos falando de <i>Ryan</i>, ele me pediu segredo absoluto porque a encrenca
– que ele não disse – sobre o irmão era vergonhosa pra um policial.”

“Caralho!” Mordeu o lábio. “Eu dou cobertura pra você e sejamos sinceros, o George
não é pra ser exposto por todo mundo.”

Spencer tentou disfarçar que aquilo se tratava do Ryan filho, mas eu sabia que ele falava
do pai. Apenas assenti fraquinho e fui pro meu quarto, me agarrar ao meu esposo. Eu
precisava mesmo dormir e zoar um pouco mais da cara de Ian com a boneca inflável.

Um pouco mais de tempo se passou e o ano de 2011 entrou com tudo em nossas vidas.
Hayley foi com a filha e Josh para a Disney. Não me pergunte como foi que a menina
conseguiu fazer com que Josh fosse com eles e nós adoramos a idéia de eles se
divertirem um pouco mais. Spencer voltou a investigar com força total, deixando a mãe
com Daniel em tempo integral. Depois de que o pai de Josh descobriu a viagem,
obrigaram os dois a levar a netinha lá e eles tiveram que voltar. A menina ficaria uma
semana por lá.

Tudo parecia normal, exceto que Hayley estava andando de um lado para o outro com o
fato da criança estar sozinha com os pais de Joshua enquanto ele também não parecia
satisfeito, mas seja lá como for, eles tiveram que embarcar para Salt Lake e nos ajudar
com o caso. Todos nós estávamos atolados de coisas para fazer desde o natal. Fazer
plantão a base de café e pressão tinha virado uma espécie de rotina entre a gente e
Hayley falou que estávamos parecendo com zumbis graças a nossas olheiras e falta vida
social.

Confesso que essa época até eu tava irritado, porque eu sentia muita de ter um tempo
sozinho com o meu amado e ao mesmo tempo estava grato demais por aquele trabalho
existir e encobrir alguns dos meus atos. Soube que Cash estava furioso comigo por eu
estar mexendo novamente no caso de Brendon que na verdade queria dizer se afundar
nos podres de colarinho branco – incluindo eu mesmo – daquela cidade aparentemente
tão puritana.

O dia de Sarah voltar pra casa foi muito aguardado por seus pais e por mim também, a
final, eu sou um pouco pai dessa garotinha. Sarah fazia falta em casa, fazia falta a voz
infantil, a correria pela casa, todo mundo esquecendo os problemas perto da menina. A
ausência era o que mais doía. A ausência, a falta de alegria, a falta do jeito infantil da
garota. Era bastante engraçado quando eu imaginava que estava a um passo de voltar de
vez para Ian Crawford. Não consigo mais imaginar a minha casa sem Sarah, sem
Brendon ou Hayley e quem casa, supostamente, quer casa. A minha família eram eles,
porque eu gostava de estar com eles! Simples assim.

O dia da Sarah voltar pra casa estávamos todos tão ocupados que era difícil descobrir
quem buscaria a menina no aeroporto junto aos pais de Joshua. Eles só vinham trazer a
garotinha e depois voltariam pra Califórnia porque tinham muitos negócios a tratar.
Naquele momento, achamos prudente que os pais da garotinha fossem buscá-la, a final,
ela deveria estar morrendo de saudades.

O vôo previsto para trazer Sarah parecia estar atrasado. Hayley e Joshua começaram a
ficar preocupados, porque ninguém chegava. A numeração do vôo foi anunciada e
conforme os passageiros desembarcavam e nada do senhor e da senhora Farro. Hayley
tratou de ir ao guichê da companhia aérea enquanto Josh esperava aos seus pais e a filha
no portão de desembarque.

“Com licença. Sabe me dizer se Sarah Urie embarcou?” Falou a menina, erguendo um
pouco dos pés e mostrando o distintivo.

“A menina consta em algum cadastro de desaparecidos que não podíamos ter deixado
embarcar, detetive?” Perguntou defensivamente a atendente e Hayley ergueu a
sobrancelha e negou com a cabeça.

“Não, ela é minha filha e era para ela ter chegado nesse vôo.” Explicou. “Tô usando o
distintivo porque eu queria uma informação rápida e mais precisa.”
“Oh, detetive Williams, deixe-me ver aqui o que posso fazer para a senhora.”
Debruçada sobre o guichê, Hayley esperou um veredicto, mas aquilo demorou mais do
que ela esperava. A menina tinha os dedos coçando para hackear aquele sistema e
acabar de vez com aquela dúvida. “Senhora, espere um pouco. Pelo que me consta a sua
filha embarcou acompanhada pelos avós neste vôo. Acredito que em seguida eles
aparecerão.”

“Obrigada.” Hayley afastou-se e foi até Joshua que apenas ergueu a sobrancelha para
demonstrar seu interesse no que atendente tinha dito. “Eles embarcaram, Josh. Vamos
esperar mais um pouco.”

Menos preocupados, Joshua Farro ofereceu a Hayley um café. Ela ficou esperando
enquanto ele correu a uma cafeteria e comprou os dois copos. Mais meia hora havia se
passado desde que tomaram o café e nada dos três desembarcarem. Hayley começou a
achar que a mulher tinha mentido sobre o embarque de sua filha e, já nervosa, Hayley
quis sacar sua arma e ameaçar até que a atendente dissesse a verdade de uma vez por
todas. Os pais de Joshua não queriam devolver sua filha. Ela tinha certeza disso.

Joshua voltou ao guichê e perguntou, pedindo para que ele pudesse ver os registros.
Percebendo que havia costado o embarque de seus pais e da criança, algo muito ruim
tomou seu coração de pai. Percebeu que finalmente Carl Windsor havia cumprido a
promessa de tomar sua filha, de tomar a menininha que mais machucaria ao Urie e
começou uma nova busca pela lista de passageiros até encontrar um anagrama da
palavra Carl. Não teve dúvidas:

“Hayley!” Gritou Joshua. A menina ainda praguejava um bocado a respeito dos pais de
Joshua e ela voltou sua atenção pra Joshua imediatamente. “Windsor pegou nossa
menina! <b>Desgraçado, filho de uma puta!</b>”

“Como é?” Hayley recebeu como um choque a pancada que teria levado. “Como? O
Windsor é procurado do FBI como ele pode ter atravessado várias fronteiras assim! Isso
é um absurdo!”
“Foda-se o FBI, Hayley, eu quero a minha filha e os meus pais!” Falou, chutando uma
das poltronas. Hayley parecia não estar assimilando as coisas que estavam acontecendo
em sua volta, como se seu cérebro não tivesse processado o fato de Carl Windsor,
aparentemente sem motivo, tentar fazer qualquer merda com a sua filha.

“Filho de uma puta!” Foi tudo que Hayley conseguiu pronunciar quando a ficha
finalmente caiu. Logo em seguida, descontrolada, Hayley começou a acusar os pais de
Joshua de qualquer coisa que não conseguia sequer achar lógica em suas próprias
palavras. O choro contido dentro dos olhos foi solto conforme Joshua recebia os socos
que a menina distribuía em seu peito. Joshua estava em estado de choque e tudo o que
conseguiu foi sentar-se com Hayley e prender o choro. Ele queria ser forte.

Ele queria ser forte, queria ser a base de Hayley, em quem ela se apoiaria. A parte mais
difícil seria contar para todos nós, para o irmão. Seu coração sabia com certeza que
nunca mais veria seus pais, mas como avisar isso pro irmão. Zach e Joshua eram as
ovelhas negras da família e estavam brigados. As últimas palavras que ouvira de sua
mãe fora que preferia não ter tido um filho que ter dado a luz a alguém como Josh e isso
doeria para sempre.

“Eu vou te matar, Windsor!” Pronunciou, baixinho, com o resto de forças que tinha em
seu interior. Hayley ergueu a cabeça e deu um suspiro, limpando os olhos. Era hora de
agir feito policiais e não como pais. Hayley caminhou até a junta policial do aeroporto
enquanto para Josh coube a tarefa de nos avisar.

Josh ligou direto para seu irmão. Estávamos todos tomando um lanche quando a ligação
veio, assustando todo mundo. A expressão pálida do menino nos fez compreender que a
situação que vinha não era nada boa. A gente sabia, mas não queríamos acreditar.
Quando ele desligou, todos os olhares estavam em cima dele, mas ao contrário de
contar, Zach nos disse:

“Preciso que ajam feito policiais.”

“Não está ajudando.” Falei, cruzando os braços. “O que merda tá acontecendo aqui?
Cadê a Hayley e o Josh?”
“Cadê minha filha?” Brendon foi direto ao ponto, enquanto o que tinha a informação
olhava para seu pé. Aquela atitude estava piorando a situação de todos ali. Estávamos
Spencer, Brendon, Zac, Ian e eu e, digo por tudo o que quiser, eu estava prestes a socar
Zac até que ele falasse tudo o que havia acontecido.

“Josh... Josh acha que o Carl a seqüestrou.” Revelou, mantendo os olhos baixos. “Como
acha que meus pais estão mortos em algum lugar do aeroporto. Eu não quero acreditar,
mas ele disse que imprimiu a lista de passageiros e pediu uma força-tarefa pra localizar
os corpos de meus pais e a criança.”

“Certo. Desaparecimento de uma criança é decretado Estado de Emergência e o caso é


nosso.” Avisou Smith. “Vou comunicar a sede de Salt Lake City e providenciar todo o
necessário pra o FBI acompanhar o caso de perto.” [n/a: assistir muito the closer dá
nisso. Quando uma criança é seqüestrada/desaparece sem motivo o caso é
imediatamente tomado pelo FBI até que a criança seja encontrada viva ou morta. Não
tem essa história de esperar. É imediato.]

“Certo, Spencer. Eu vou com você. Vão precisar de um legista se encontrarem os


corpos.” Disse Ian. Spencer assentiu e os dois começaram a correr. Brendon estava
estático, como ficava a maioria das vezes que o nome de Windsor é pronunciado. Falei
qualquer coisa para Zac e ele foi tratar de ver o irmão e a ex-cunhada. Nós não tivemos
tempo de nos entristecer. Agimos feito policiais, mas cá entre nós eu estava com ódio
mortal de Carl Windsor. Depois de Ian, é a Sarah a pessoa mais preciosa de minha vida.

“Ele roubou minha princesinha, Dallon...” Falou Brendon, escorregando em meus


braços, encolhendo-se no chão. Me sentei ao se lado, passando os braços por trás de
seus ombros cuidadosamente e Urie se aninhou. “Por quê? Eu não tenho o Ryan, não
tenho ninguém amorosamente falando. O que ele quer de mim, poxa?”

“Shh...” Pedi baixinho, dando um beijo na cabeça dele. “A gente vai encontar a nossa
Sarah e acabar com a vida desse cara, ou eu não me chamo Dallon James Weekes.”
“Não mente pra mim só pra me consolar.” Pediu, se aninhando. “Você sabe muito bem
que tem procurado pelo Carl por oito anos e nunca o pegou. Nunca.”

“Porque eu nunca quis ser sujo pra isso.” Falei baixinho. “Mas agora está na hora de eu
ir atrás de antigos favores com Cash Colligan e trazer nossa menina de volta. Eu sei que
o Cash sabe onde eu encontro o Carl como sei que com o mandado que eu já tenho, não
vai ser muito difícil. Não pode ser muito difícil.”

“Qual sua relação com o Cash?” Brendon se assustou – como acontecia com a maioria
quando Ian e eu deixávamos escapar o nome do desembargador. “Os boatos que correm
sobre ele são terríveis. Não se sabe de que forma ele virou desembargador. Dizem que
teve até bandidagem.”

“Nepotismo puro.” Eu ri baixinho. “Como o promotor DeLeon. Só de nepotismo, mas


eu os conheço já tem oito anos. Desde quando eram adolescentes e tinham uma banda
com Ian. Os conheço antes de eles terem colarinho branco.”

Eu não posso te dizer se apenas isso foi suficiente para Brendon, mas eu creio que não.
Creio que ele vai querer buscar meu nome interligado ao do Cash. Mais do que nunca
eu precisava proteger meu passado e a enxurrada de crimes que vem junto a isso. Nesse
momento, não ligo, porque em tudo o que consigo pensa é em ter Sarah sã e salva em
minha casa.

<i>Salt Lake City, anos atrás

Nada poderia trazer mais felicidade para Joshua Farro do que a última notícia que
tinha recebido de sua namorada. O sorriso da menina ao lhe dizer que esperava uma
criança, fruto de um sentimento verdadeiro e real era o que mais lhe deixava feliz.
Concordava com ela. O sentimento era verdadeiro, era puro e ao mesmo tempo tinha a
malícia que era necessária. A final, ele era Joshua Farro, o menino que mais tinha
facilidade em possuir um harém de mulheres felizes. Cômico o suficiente para dizer que
nenhuma mulher está feliz pertencendo a um harém, trágico o suficiente para dizer que
de todas elas, ele só queria a mãe de seu filho (que na época não sabia que era uma
linda menina).

Contaria para o irmão – seu confidente – o quanto estava feliz, mesmo com todas as
dores abdominais que estava sofrendo nos últimos meses. Lembrara-se que fora ao
médico e que já pegara o resultado da biopsia. Sabia de qual doença estava falando e
sabia que precisava de uma intervenção cirúrgica. Pensou em mentir para os pais,
dizer que queria um novo carro, mas se ele saísse do país pra comprar uma Ferrari
italiana vermelha que por várias vezes ele sonhou e voltar sem ela, será algo muito
suspeito. Joshua sabia que tinha um câncer maligno no estômago e que precisava
reagir logo, mas ao mesmo tempo pensava em Hayley e na criança que vinha por aí. No
momento, se focaria na alegria de ter um filho e viveria de morfina.

O que Joshua não contava era que a irmã, Isabella, achasse o resultado antes de
qualquer outro membro da família. Antes mesmo de Zachary. Era claro que seu intuito
era contar ao irmão para que ele lhe ajudasse no que fazer. Queria simplesmente pedir
ajuda pra ver o filho crescer, mas não sabia se queria ajuda que viesse de seus pais.
Pensar nisso lhe causava calafrios, porque seus pais nunca foram pais de fato para ele;
estavam ocupados demais com seus negócios para se importar com seus filhos. Quer
dizer, somente quando acreditavam que seu dinheiro estava ameaçado era que agiam
como pais. Pais do dinheiro.

Quando Joshua chegou em casa, a família toda estava em volta da mesa. O senhor
Farro segurava os papéis com cuidado, na cabeceira da mesa. Sóbrio, fez um gesto que
indicasse para o menino se sentar. Josh estava tenso, com o corpo rígido feito pedra.
Sentou-se onde lhe deram assento e tentou manter a postura ereta. A dor incomodava
um pouco enquanto estava nervoso.

“Você não ia nos contar, certo?” Perguntou o pai, empurrando o papel para o filho
que pegou o papel ao ler seu conteúdo, suspirou longamente. “Isabella achou e... com o
susto que ela tomou ao ler esses exames, ela não conseguiu esconder de nós.”

“Não pretendia mesmo contar pra uma parte da família.” Falou, dando um suspiro.
“Mas agora que descobriram, o que pretendem fazer? Não sou eu quem vai continuar o
negócio da família, então se eu morrer, pra vocês, é menos um com quem dividir a
herança.”

Isabella não conteve a mão e a espalmou no rosto de Joshua. Os filhos do casal Farro
– Zac, Josh e Isabella – eram os únicos que não ligavam para o dinheiro dos pais, por
isso eram tão unidos. Não ligavam mesmo, tanto que estavam dispostos a largar tudo
por um amor. Joshua preferia amar Hayley com toda a dor que havia em seu ser que
tratar-se e ter uma vida longa. Bastava uma cirurgia e umas duas ou três sessões de
quimioterapia. Nada que realmente assustasse, mas Joshua não queria depender de sua
família. Estava procurando um apartamento que seu salário de policial em treinamento
pudesse lhe pagar, mas estava difícil.

Joshua não ligava – mesmo – pra dinheiro, mas estava acostumado a viver no luxo.
Apartamentos de dois quartos, dois cômodos não costumavam lhe agradar tanto quanto
ele queria e, por isso, estava pedindo ao Zac ajuda. Naquele momento, ele odiou a irmã
mais do que tudo no mundo, mas compreendeu que qualquer um levaria um susto.

“Nem o Zac tava sabendo desse exame, pai.” Joshua falou. “Eu fico feliz que tenham
encontrado e que me ajudem a comprar morfina depois que eu comprar meu
apartamento. Eu vou morar com a Hayley.”

“Como?” A senhora Farro olhou para o menino, indignado. “Aquela pivete de cabelo
indefinido convenceu você a nos esconder essa doença e quer que você morra cheio de
dores de estômago até que o câncer se generalize por todo o seu corpo.”

“A Hayley não sabe do câncer, mãe.” Falou. “Se nem o Zac sabia, você pode confiar,
ninguém mais sabia. O Zac é meu irmão, mas meu confidente. O que eu não conto antes
pra ele, ninguém fica sabendo além de mim. Meu plano era contar minha situação pro
meu ir--”

Zac sorriu de forma terna, tocou o rosto do irmão, interrompendo sua fala. “Faz o
tratamento e não só fique enganando a dor com morfina. Eu não quero perder você,
meu irmão.”
“Não tenho dinheiro pra isso e a fila pública é grande.” Josh deu um beijinho nas
costas das mãos de Zac que a tirou devagar. “Eu saio de casa em alguns meses, e não
quero a ajuda de meus pais. Eu só quero viver em paz e feliz com a minha Hayley.”

Joshua se levantou e foi para seu quarto. Houve uma discussão na mesa entre os
irmãos e os pais de Josh, enquanto Zac fora o único que de fato se preocupou com o
irmão e foi atrás dele para conversar. De que adiantaria ser arredio em um momento
como aquele? E se chegar um ponto que ele não conseguir mais ser feliz como ele tanto
quer? [n/a: câncer de estômago; é a segunda fic que eu uso esse tipo de câncer. É raro
dar em pessoas jovens e não tem uma causa bem determinada. Não é um câncer tão
agressivo quando descoberto no início – o que raramente acontece porque o paciente
jamais pensa que suas dores de estômago podem ser câncer – e seu tratamento é feito
através de cirurgia e em algumas vezes o paciente é submetido a quimioterapia e/ou
radioterapia.]

Ouviu baterem e não respondeu. Zac entrou no quarto em seguida e encontrou o irmão
deitado na cama, com uma garrafa prata de whisky na mão, aberta. Zac soube que o
irmão estava entristecido naquele momento e queria – mesmo – compreender porque o
irmão não queria fazer a cirurgia, ou ao menos sequer deixara os pais propor qualquer
coisa para que ele melhorasse.

“Hey, Josh.” Chamou e o irmão sequer olhou para ele.

“Por que ela mexeu nas minhas coisas, Zac?” Perguntou manhoso. “Não era pra
ninguém estar sabendo disso. Seria esse o motivo de eu ter uma notícia tão boa e ter o
pior dia de minha vida praticamente ao mesmo tempo?”

“Esse tipo de coisa não se esconde da família!” Falou Zac, soando um bocado
professoral. “Por mais que eu não goste da forma que nossos pais tratam seu
relacionamento com a Hay, mas eles podem ajudar você a viver mais, cara. Não
entendo essa sua postura de comprar morfina e morrer em casa.”
“Eu não quero dever nada a eles.” Encolheu os ombros. “Você sabe como eles são.
Eles querem uma chance de me aprisionar a eles e eu prefiro morrer que viver preso a
um acordo ridículo deles.”

“Os Farro ainda são seus pais, Joshua.”Zachary falou. “Entenda de uma vez que eles
têm a obrigação de cuidar de você uma vez na vida, meu irmão.”

“Você os conhece tão bem quanto eu.” Joshua argumentou. “Por mais que sejam
nossos pais, Zac, eles vão cobrar depois se me operarem. Vão me chantagear a me
afastar da Hayley e assumir os negócios da família. Eu não quero isso, não agora que
eu vou ser papai.”

“Você vai...?” Zac franziu o cenho e Joshua bebeu um pouco mais. “Meu Deus...”

“É, eu fui mesmo um inconseqüente tendo os pais que tenho.” Encolheu os ombros.
“Ainda mais suspeitando de um câncer, como eu suspeitei nos últimos meses. Eu quero
ver essa criança crescer, mas sei que meu salário de policial mal dá pra eu pagar a
operação, quem dirá o resto do tratamento. Atualmente, prefiro muito mais
acompanhar a gravidez que...” Josh se interrompeu e o irmão o abraçou com certa
força. Os dois sabiam qual era o certo a fazer, mas sabiam também que Josh não se
dobraria tão fácil a aquela situação. Com um suspiro, meio sem saber o que faria,
Joshua adormeceu.

Seu destino era incerto, mas ora... quem se preocupava no momento?

Salt Lake City, Janeiro de 2011.</i>

As buscas nos arredores do aeroporto eram incessantes e exaustivas. Joshua não saía de
perto de Hayley que, em estado de choque, havia sido medicada da mesma forma que
Brendon. Provavelmente, Josh e eu somos movidos com uma espécie de preocupação
diferente das outras pessoas, porque as protegemos com nossa intensidade. O menino
apenas se juntou às buscas quando teve a certeza de que sua amada estava bem.
Spencer liderava as buscas por Sarah, nos arredores do aeroporto e já começava a
providenciar mais coisas como equipamentos de grampo. Dei uma forcinha com
Marshall, explicando o que havia acontecido e o porquê da ordem judicial do grampo
nos nossos telefones – e de minha casa – com tanta sede. Ian foi com Spencer pra minha
casa ajeitar o que como seria o contato enquanto eu, Joshua e Zac liderávamos as buscas
pelo senhor e senhora Farro. Nós só tínhamos uma certeza, eles estavam mortos.

Eu não estava nas melhores condições de trabalho, por causa dos filhos ali, mas não
podia me dar ao luxo de reclamar. Eram bons profissionais. Fora eu quem achou o
corpo dos pais. Não foi algo muito cruel, um tiro rápido na cabeça e junto aos corpos
havia um bilhete ao estilo Carl Windsor, assinado da mesma forma. Usando um lenço
em meu bolso e a câmera do celular, fiz os primeiros registros antes mesmo de chamar
atenção dos outros.

“Aqui!” Gritei. Todos os policiais vieram correndo, inclusive os Farro. Quando eles se
aproximaram tudo o que pude fazer foi mantê-los afastados o suficiente para que Ian e
Jon fizessem uma primeira avaliação. Usando luvas, Ian me entregou o bilhete antes de
começar a realização de seu trabalho. Reli o bilhete, soltando um xingamento meio
brusco. Joshua e Zac leram o bilhete em minha mão – já que eles estavam sem luvas e
eu tinha que agir meio que friamente – e isolamos o local. Foi uma questão de tempo
para o local estar cheio de repórteres enxeridos.

“Eu sinto muito.” Murmurei depois de um tempo, ao abraçar Joshua que era
visivelmente o mais abalado dos dois. Minha cabeça só tinha espaço para pensar em
Sarah, mas o baque para o menino fora triplo e eu podia compreender aquela dor. Perder
alguém que se ama, é difícil. Josh falou um quase sem som “obrigado” e eu os deixei
em paz para tratar de preparar o enterro e achar Carl Windsor. Todos nós sabíamos
quem era o culpado, mas queríamos achar Sarah. Será que ela ainda estava viva?

Na verdade, nem sequer antecipar o plano de Carl para tranqüilizar os pais, tio e amigos
da garotinha, mas eu não conseguia. Era como se tirar a Sarah era perder parte da visão,
era perder o que me fazia um bom policial. Ian me chamou e me deu o primeiro laudo.
Não havia muito tempo de morte, nem era tão cruel quanto imaginávamos.
Simplesmente soava como se os Farro não fossem mais necessários e Carl os jogou fora
como lixo. Ouvi atentamente as informações e que me eram passadas e saí para ligar aos
Farro e comunicar com voz de policial treinado o que havia acontecido, Zac tomou a
frente à preparação do velório e enterro.

Ninguém gosta de velórios. As velas que são relativamente confundidas com o cheiro da
morte me dão um pouco de constrangimento. Acho que nunca vi tanta gente influente
em minha vida quanto naquele dia. Cash estava lá e eu não sei exatamente o motivo que
um desembargador estava lá, com sua pose auto-suficiente de quem conseguiu entrar no
fórum por nepotismo e segurando uma xícara de café, ele veio até mim, discretamente.
Bem no momento que eu havia me sentado em um canto sozinho, cansado. Tinha
passado boa parte do dia e da noite – aquilo deveria ser umas duas da manhã –
trabalhando atrás do paradeiro de Sarah. Hayley e Ian estavam em casa junto com
alguns técnicos do FBI e a gente se revezava para ajudar nossos amigos e cuidar do
desaparecimento da menina.

“Eu não sabia que você conhecia os Farro.” Falei, quando Cash se aproximou,
arqueando a sobrancelha desinteressadamnte.

“Meus pais conhecem, vim trazer as condolências.” Encolheu os ombros, sentando-se


ao meu lado. “Sua cara tá horrível. Quanto tempo você não dorme direito, Dallon?”

Encolhi os ombros antes de responder. “Natal, talvez ou um pouco menos, ou um pouco


mais. Não me lembro direito da última vez que dormi muito tempo.”

“Cadê o Crawford que eu não o vi hoje?” Colligan tomou um pouco de seu café e
levantou a sobrancelha pra mim. “Quer que eu empreste minha super-cola pra vocês
andarem igual era antigamente?”

“Ian tá ajudando com o seqüestro da filha do Farro, a gente tá se revezando lá em casa,


por hoje.” Falei. “Mas eu tenho certeza que você não veio aqui apenas pra me oferecer
sua super-cola. Você sempre quer alguma coisa, sempre que aparece é pra alguma
coisa.”
“Que impressão ruim você tem de mim.” Cash torceu os lábios, rindo em seguida. “Eu
não deveria estar aqui, mas que historia é essa do seqüestro a filha do Farro tá causando
um impacto num pessoal errado aí e Johnson me pediu pra te procurar. Quero dizer,
Alex Johnson e não o patrulheiro seu parceiro. Ele não tem nada a ver com isso, cara.
Nada mesmo.”

“O que <i>exatamente</i> você pode me dizer sobre isso? Até onde eu sei, o Carl está
envolvido até o pescoço com o pessoal do Johnson e isso é muito esquisito se tratando
de ele ser quem ele é...”

“Eu disse pro desgraçado do Johnson tomar cuidado, mas o sardento não me escuta.”
Falou encolhendo os ombros. “Ele não pôde sair por aí a torto e a direita e vir num
velório de pais de policiais. Outra coisa que meu amigo quer que você saiba é que ele é
contra esse seqüestro e também não sabe que porra deu no Carl.”

“Creio que seja meio pessoal.” Falei e Cash ergueu a sobrancelha. “Soube do caso
antigo que o Carl tem com o Brendon, certo? As perseguições, as investidas, as
liminares do Urie contra ele... É uma longa história e se arrasta por oito anos inteiros.”

“Jura?” Cash riu um pouco alto. “Mas é uma bichona mesmo esse Urie! Devia ter
resolvido o problema dando um tiro bem no meio da fuça desse porco. Se fosse eu, já
teria feito e pronto. Todos os meus problemas simplesmente acabariam de uma vez por
todas.”

“Eu não seria tão radical, mas já teria feito algo.” Encolheu os ombros.

“Vamos trocar de assunto antes que a gente chame atenção. Eu sou um desembargador e
não posso dar tanta sopa. Muita gente por aí quer minha cabeça.” Suspirou, ajeitando-se
onde estava sentado. Embora Cash estivesse sentado e relaxado, não deixava aquela
pose de auto-suficiência sair de si. Era como se Cash dissesse para todo mundo através
daquela postura que ninguém era capaz de derrotá-lo porque, poxa, ele não demonstrava
sequer um ponto fraco. “Eu soube que você tava querendo falar comigo, é verdade?”
“Na verdade, eu precisava do DeLeon, mas você também serve.” Falei, encolhendo os
ombros, Colligan pareceu levantar a sobrancelha, indignado com meu descaso à sua
essencial presença. “Eu tava querendo dar um jeitinho de sumir com alguns papéis que
me incriminam. Que incriminam o próprio DeLeon.”

“Ahn, eu não tenho acesso a muitos desses rastros.” Encolheu os ombros. “Você quer
que eu destrua exatamente o quê? Por que tanta preocupação com algumas coisinhas tão
inofensivas quanto documentos antigos que tenho minhas dúvidas se foram
digitalizados.”

“Eu também duvido disso. A falsificação de muitos deles é tão primária e amadora que
qualquer leigo que pegasse o documento, no notaria que aquilo é um protótipo bem
grotesco.” Falei, suspirando. “Fato é que Brendon Urie está cavando esse buraco,
Colligan, eu preciso estar um passo a frente dele. E, mesmo depois desse meu pedido
sobre esses papéis – que você sabe quais são, você estava lá quando os meninos o
providenciaram – eu tenho uma outra coisa pra mexer e o seu chefe... aquele de quem
você é pau-mandado, Cash, vai ficar furioso.”

“Não me ofenda, Weekes.” Falou, erguendo a sobrancelha como se eu tivesse falado


algum tipo de besteira muito grande. “Se me ofender assim, eu não vou ajudar você com
porcaria nenhuma, compreende?”

“Oh, claro.” Mantive meu descaso, apenas para irritá-lo. “Mas, olha só, eu to numa
investigação que é somente minha – e do Ian – e que eu não quero que chegue aos
ouvidos do Johnson ou do Brobeck Jr., compreende? Eu preciso do DeLeon comigo e
soube que ele ainda tinha uma quedinha por você. Talvez você pudesse ser caridoso
com esse mero policial. Como eu te disse, eles não vão gostar nada de saber que eu to
mexendo com essa história. Vou me foder legal se descobrirem e eu ficarei,
eternamente, em suas mãos.”

“Gosto dessa parte. Um policial como você pode ser muito útil.” Cash deu um sorriso
perverso, ajeitando-se na cadeira, pra que ele pudesse me olhar melhor. Sentia que as
íris verdes me queimavam como nunca haviam feito antes. “O Johnson não precisa ficar
sabendo de tudo o que a gente conversar aqui. Eu sou generoso pra caramba. Além do
que, eu não sou da gangue de nenhum deles, eu sou tão neutro nisso como seu adorado
Ian.” Soou sem dar a mínima importância aos fatos como eles realmente mereciam.
Quase desisti de pedir ajuda, mas eu precisava. “Fale, peça o que quiser... eu tenho
homens que fazem o trabalho sujo pra mim. Posso até achar a menininha pra você.”

“Sua gentileza me assusta, de repente.” Ri baixinho, terminando meu café. Relaxei os


ombros logo em seguida, me virando para olhá-lo melhor. “Eu to mexendo na história
de George II, Cash. Atendendo aos pedidos do filho dele, eu estou enfiado até o pescoço
com essa história do George e sei que tem um monte de gente doida pra pegar o cara,
acabar com a vida dele. Não tenho nada de concreto pra descobrir quem está ameaçando
a Sandra, mulher dele.”

“Não sabia que existia alguma mulher pra aquele monte de merda.” Cash falou, meio
desacreditado. “Tudo o que eu sei são os boatos que correm daquela guerra, eu to
completamente por fora. Na época, meus pais me proibiram de pôr os pés na rua. Eu
soube que o Ryan matou o pai do Joey a sangue frio. Corre nos bastidores que o George
matou o filho por causa desse erro, embora eu não entendi muito bem, porque eles
trabalhavam pro Johnson e nada era mais justo que matar o grande Brobeck.”

Apenas encolhi os ombros em resposta. Eu realmente não me lembro de ter visto Cash
nas ruas aquele dia, mas se seus pais fizeram o mesmo que os de Ian, explicariam essa
minha ausência de lembranças. Entre proteger civis e matar bandidos, eu estava enfiado
em uma guerra, atirando para todos os lados e tomando todo o cuidado do mundo para
não atingir ninguém que eu me arrependesse depois. Sei que essa história não merecia
tanto empenho de minha parte, porém eu precisava ajudar Ryan a manter uma inocente
viva. Eu queria prendê-lo, dar-lhe voz de prisão pouco antes de seu último suspiro, já
que ele é simplesmente um dos homens mais procurados de todo os Estados Unidos.

“Eu sei que você sabe mais do que quer contar, Colligan.” Falei encolhendo os ombros.
“Você só não quer me contar por algum motivo. Onde é que eu vou chegar se continuar
com minhas investigações, hm?”

“Você ficou bêbado com café, Weekes?” Ele disse em meio a uma risada, relaxando
seus ombros aos poucos, mas sem sair da posição defensiva mal disfarçada. “Eu sei o
que todo mundo sabe, cara. O Joey está seco por vingança e ele vai atrás do Ryan até no
inferno. Ele tinha desistido, até o Ross voltar e foi ótimo que ele tenha sumido
novamente, mas cá entre nós, você é tão malvado Dallon. Eu sei que foi você quem
meteu uma bala no pai do cabeça de fogo.” Deu um sorriso cínico. “Se quer acesso aos
processos que tramitam, é coisa da promotoria. O DeLeon é quem pode te ajudar, eu
vou entrar em contato com ele e ver o que faço por você. Torce pro DeLeon me atender,
porque desde que ele firmou com aquele Marshall, ele se recusa a me atender.”

“Oh, pobre Cash.” Falei, debochando. O desembargador me mostrou o dedo. “Até onde
eu soube, o DeLeon estava a fim de você, mas o Ian me disse que ele te deixou mesmo
pra escanteio. Acho que ele queria um pouco de tranqüilidade que com você ele não
tinha.”

“Talvez.” Encolheu os ombros, fingindo não dar importância. “Fato é que quando eu
preciso, ele não me atende. Isso pode ser um problema pra você, mas eu vou dar um
jeitinho. Nem que eu tenha que aparecer na casa deles com o otário do Marshall
presenciando nossa conversa.”

“Eu espero sua resposta, então.” Falei e Cash assentiu. Sem maiores despedidas, Cash
se afastou e eu lhe acompanhei com os olhos. Eu voltei a ficar sozinho e me sentir
acuado no meio de tanta gente estranha.

Lembrei-me de quando atirei em Joseph Brobeck, pai de Joey, e aquilo me deixou


bastante satisfeito já que era um bandido perigoso que apontava uma arma pra minha
cabeça. Não conseguia compreender como culparam o Ryan por algo que ele não fez e o
fato de Cash me chamar de mal por causa de minha covardia de não assumir que foi eu
quem matou Joseph estava acarretando em muitas coisas. Se fosse esse o motivo de
Ryan ter fugido a primeira vez, eu nunca poderia me perdoar. Suspirei audivelmente e
fechei os olhos. Lembranças daquele dia também me assombravam como o estupro de
um de meus melhores amigos.

O velório se seguiu e eu comecei a sentir tédio. Ainda estava exatamente no mesmo


lugar que Cash havia me deixado, quase que sem me mover. Brendon chegou com Ian e
Joshua um pouco depois e Zac pôde ir pra casa. Eu percebi Zac agitado, como se tivesse
com algo entalado na garganta, mas não conversei com ele. Talvez a última coisa que
ele quisesse era de um amigo como eu, cheio de problemas e um pensamento distante.
Brendon e Ian se aproximaram de mim e logo ele se aninhou feito um bebê em meus
braços, sentando-se em meu colo, como se eu fosse capaz de fazer parar de doer, algo
que incomodava a nós todos. Ian sentou-se ao meu lado, deu-me um beijo demorado na
bochecha e eu juro que tive que fazer um esforço sobre-humano pra não roubar um
beijo dele. Abracei a cintura de Brendon, ligeiramente possessivo e olhei pra Ian, que
torceu os lábios de levinho.

“Carl deu sinal de vida?” Perguntei, bem baixinho.

“Não.” Brendon respondeu, tão baixo quanto eu. “Tenho medo que ele tenha matado
nossa garotinha, D.”

“Se ele encostar um dedo sequer na nossa garotinha, B, ele vai saber o que é ser
verdadeiramente caçado por mim.” Falei, meio entre os dentes. “E, acredite, eu posso
fazer um estrago muito grande.”

“Deixa disso, D. Pra que sujar as mãos?” Ian então disse, me olhando
momentaneamente. “Não gosto de me gabar por isso e não me orgulho por isso, mas eu
conheço algumas pessoas. Se o Windsor ousar em tocar na Sarah, eu cobro alguns
favores de meus amigos de infância e ele está literalmente fodido.”

Urie ergueu a sobrancelha, como se não acreditasse nas palavras de meu esposo. Juro
que segurei minha risada no cantinho do lábio, para que Brendon não pensasse que era
mentira de Ian e quando ele me olhou, confirmei com a cabeça. Ian era mesmo bem
relacionado com as maiores potências criminais de Salt Lake City. Percebi que Cash
ainda estava ali e aquilo me deixou gelado. Tentei sorrir pra Brendon, para disfarçar
meu incômodo, mas Ian me conhecia bem demais, então engoli em seco.

“Nunca mais brinco com você.” Torceu os lábios, escondendo seu rosto infantilmente e
sem maldade nenhuma em meu pescoço. Een ergueu a sobrancelha pra mim e eu fiquei
em silêncio. Não podia condenar Urie por achar em mim um porto-seguro, quase como
eu fazia com meu amado. “Não quero morrer cedo.”
Nós três demos uma risada baixa, a final, estávamos em um velório e não era um bom
lugar para rir. Ian viu Cash e depois de dar a desculpa de que ia buscar café para nós,
saiu de encontro ao desembargador. O que realmente me incomodou, foi um suspiro
alto vindo de Brendon. Não pude identificar se era um suspiro de tensão por Sarah ou de
saudade de Ryan, então, falei baixinho dentro do ouvido dele:

“A Sarah vai ficar bem.”

“Eu sei. Confio em você e no Ian. Não sei o que estão fazendo, mas sei que vai dar
certo.” Falou tão baixinho como eu, se ajeitando melhor para poder me olhar. “Mas eu
tava pensando em Ryan. Na fuga dele, só porque ele estava se envolvendo outra vez. Eu
fui um otário, D, eu me iludi de novo. Fiz planos bestas de novo de que fôssemos ficar
juntos pra sempre.”

“Você não sabe o quanto ele desejou, B, poder ficar e reestabelecer a vida contigo.”
Argumentei, recebendo o olhar curioso de Bden sobre mim. “Ele não foi embora pra
fugir de um envolvimento. A história do Ry é complicada, mas como você sabe, o pai
dele foi alcoólatra e tem cirrose hepática.”

“Você não sabe o quanto eu odeio o pai dele, D. Ele fez o Ryan sofrer demais com suas
crises alcoólicas e o Ry também o odeia. Duvido que ele mova um dedo pra salvar o
pai.” Falou, encolhendo os ombros. “Assim como eu odeio o meu pai. Meu pai é um
idiota.”

“Não vou discordar de você. Não tomei sua guarda de seus pais pela sua mãe por
respeito a ela.” Encolhi os ombros. “Só que você desapontou seu pai e se algum juiz
visse o tanto que você bebia, você teria sofrido muito mais. O Ryan tem motivos, por
outro lado, pra saber que o pai mudou. Eu odeio o George, mas é por motivos bem
diferentes que os seus, mas o Ryan e os familiares dele o protegem nesse momento, mas
até onde eu sei, ele está pra morrer, escondido em algum lugar desse país. Quisera eu
poder te contar tudo o que eu sei, B.”
“Por que não me conta? Eu já perdi a minha filha por conta dele.” Urie falou em um
tom quase debochado. “Já não há mais nada pra perder.”

“Cash Colligan esteve comigo, B.” Falei e Brendon suspirou fraco, olhando pra mim
com curiosidade e até com um pouco de cinismo enquanto eu tentava comunicar sobre o
recado que o desembargador havia me passado. “Eu não sei se você conhece bem o lado
podre de Salt Lake City com precisão, então vou te explicar mais ou menos. Existem
duas grandes gangues na cidade, uma delas é comandada por Joey Brobeck, filho de
Joseph Brobeck que foi morto em dois mil e dois. A outra é comandada por Alex
Johnson, pra quem Carl trabalha. Cash, Carl, Ian, Joey e Johnson fizeram a mesma High
School. Tudo ali é meio que em família, com exceção do Carl e como o Alex Johnson
nunca gostou de mim e sabia que eu seria o primeiro a acusá-lo de seqüestrar nossa
menina e se ele aparecesse em minha frente, eu daria voz de prisão imediata como
noventa por cento dessa sala faria junto comigo. Cash veio em nome do amigo dele me
avisar que ele não tem nada a ver com o que tá acontecendo conosco. Aproveitando o
gancho Joey pediu pra ele fazer o mesmo. Só que o Joey tem uma história com o Ryan,
falsa, mas tem. O Brobeck acha que foi o Ryan quem matou o pai dele e na verdade
quem o fez foi eu, mas por legítima defesa. O que em suma eu quero dizer que os dois
não tem nada a ver com isso, que os dois desaprovam os métodos usados por Carl...”

“Você matou uma pessoa, Weekes?” Brendon falou, erguendo a sobrancelha. “Quem é
você de fato, Dallon James Weekes?”

“Certo, vou te contar.” Suspirei longamente, meio medroso. A final, você nunca sabe
como uma pessoa reagirá aos seus segredos. “Há oito anos, não sei se você lembra,
houve uma briga de gangues por território. Eu já era policial e estava na linha de frente,
no meio de uma guerra e só tinha uma coisa que eu prezava naquele momento: minha
vida. Eu tava empunhando uma submetralhadora naquele dia e em um dos tiros acertei o
Brobeck pai na cabeça. Não costumo falar das coisas que aconteceram comigo aquele
dia, B. Nem mesmo com o Ian.”

“Falar faz bem, sabia?” Brendon disse carinhoso, dando-me um selinho rápido. “O que
mais aconteceu naquele dia? Por que você acreditou que queriam vingar na Sarah algo
que você fez por defesa?”
“Eu já falei demais desse dia com você, B.” Falei arredio. “O Joey acha que quem
matou o pai dele foi o Ryan e eles têm uma richa terrível. Espero apenas que você
compreenda que tem muito do Ryan que você simplesmente não conhece. Que tem
muito de mim que você não conhece e essa parte obscura de SLC que você é meio
alheio. Seus amigos e eu sempre o protegemos o suficiente para deixá-lo de fora das
brigas de gangue. Você já teve problemas demais na sua adolescência.”

“Isso é muito injusto!” Brendon torceu infantilmente os lábios e eu sorri de leve. “Eu
sou um policial também, eu fui treinado pra suportar esse tipo de coisas. Mexo com
crimes hediondos, D.”

“Só que crimes hediondos não são apenas estupros. Você ficou péssimo com o que
aconteceu com o Daniel e ele nem foi tão hediondo quanto o que essas gangues
praticam.” Falei, olhando pra ele. “Confia em mim, B.”

“Eu confio, Dallon, nunca deixei de confiar.” Falou, assentindo. “Só não consigo
entender o que tudo isso tem a ver com o Ryan, com a fuga dele acontecendo de novo e
sempre nos meus maiores momentos de dificuldades. Eu só... queria que ele me
apoiasse uma vez na vida.”

“Não foi premeditado.” Mordi meu lábo ao dizer. “Ele te ama demais pra isso. Coloco
minha mão no fogo pelo sentimento que ele tem por você, B. Sem hipocrisia.”

Acho que depois do que eu disse, Brendon compreendeu que eu não falaria mais nada
daquele dia ou de Ryan, porque ele parou de insistir. Acho que ele não acredita no amor
que Ryan Ross tinha por ele, embora estivesse escrito na testa do garoto tamanho
sentimento. Ian não tinha uma cara boa enquanto conversava com Cash e imaginei que
viria bomba quando pudéssemos conversar sozinhos.

Em minha casa, toda a parafernalha do FBI estava montada. Spencer tinha a pose séria e
a gravata afrouxada relaxando em uma das cadeiras. Havia mais dois agentes
controlando toda a parafernalha que não tinha utilidade nenhuma se Carl não tivesse a
boa vontade de nos ligar primeiro. Hayley não conseguia mais chorar, seus olhos
estavam vermelhos e ardentes graças ao pranto quase que incessante, sentindo os braços
do ex-cunhado lhe dar forças. Zac havia perdido os pais e ainda assim estava ao seu
lado, sem reclamar em momento nenhum.

“Ela vai voltar pra cá.” Zac falou, abraçando a menina fortinho. Ela tava na cozinha,
sentada no chão com os cotovelos apoiados nos joelhos.

“Por que a Sarah, Zac? O que uma menina tão doce quanto a minha filha fez pra
merecer isso?” Perguntou baixinho, arrastando as palavras devido ao nó que estava
preso à sua garganta. “Por que matar seus pais? O que o Joshua tem a ver com isso?”

“Josh não tem nada a ver com isso. Não que eu saiba, pelo menos.” Suspirou, trazendo
os olhos da menina para os seus, a fim de que ela acredite em tudo o que ele tinha pra
dizer. “Já que você tocou no assunto do Josh, eu queria conversar com você um
pouquinho. Acho que já que meus pais faleceram mesmo, não há nada que te impeça de
saber a verdade de uma vez por todas e meu irmão merece a felicidade plena depois de
tudo.”

“Do que você tá falando?” Perguntou ela, olhando-o. “Josh é só um pai que não liga pra
filha.”

“Você nunca se perguntou quais foram os motivos para o Joshua te deixar sem a menor
satisfação depois de dizer que você havia lhe realizado um sonho?” Zac perguntou de
forma direta e a menina encolheu os ombros. Claro que ela já tinha parado pra pensar no
motivo que havia feito Joshua simplesmente sumir de sua vida e quando voltou, fez o
estrago que fez.

“Por que estamos falando disso agora?” Hayley suspirou baixinho. “Minha filha sumiu,
seus pais faleceram. Não sei por que estamos falando de algo superficial como isso. Ele
move uma ação pra me tomar minha menina de mim!”

“Eu quero te contar ao menos uma parte, Hay.” Zac falou. “Você concluiu que ele fosse
mentiroso sem perceber a injustiça que comete com ele diariamente. Ele mudou por
você, de verdade. Uma pena que você não pôde aproveitar completamente essa
mudança.”

“Aonde você quer chegar com essa história?” Hayley soou, ajeitando-se no abraço do
ex-cunhado protetor, que suspirou baixinho. “Dói demais saber que eu sou apenas mais
uma para seu irmão, que eu fui só a mulher que ele engravidou antes de sair do país.”

“Você foi muito mais que mais uma pro Josh, pode confiar em mim.” Suspirou, fazendo
com que Hayley encarasse os olhos de seu amigo. “Meus pais sempre quiseram fundir
as fortunas dele e dos pais de Jenna, casando meu irmão com ela. Joshua disse não
veementemente, por amor. Meus pais quiseram dar um novo apartamento pro Josh, a
parte dele na herança – que acredite é grande – e ele se recusou; as últimas palavras que
ele ouviu da minha mãe foram: eu preferia ter um filho gay que gerar você, só porque
ele voltou a te defender, só por te amar. Minha mãe morreu ouvindo o Josh confessar
esse amor imaculado. Meus pais eram sujs e quiseram dar o mundo ao meu irmão e ele
negou. Ele e eu sempre odiamos isso e por isso somos policiais. Odiávamos nossas
família mais que tudo e nossa família nos repreendeu por nossa escolha. Ele está vivo
por amor a você e a Sarah.”

“Se ele me ama tanto, por quê?” Ela falou, vendo que não havia como fugir de Zac e
seus comentários. Ela queria ter forças para se desvencilhar do abraço do outro e sair
correndo dali, mas o seqüestro de sua querida filhinha lhe drenara todas as forças. “Ele
me abandonou quando eu fiquei grávida, Zac! Ele se recusou a assumir minha filha e
agora procura reconhecimento de parternidade e guarda compartilhada. Não faz
sentido!”

“Meus pais agiram.” Mordeu o lábio. “Ele não se via no direito de prejudicá-la. Antes
de você, Josh era o orgulho da família Farro. Ele gostava de ostentar dinheiro fácil,
instigar as pessoas a se aproveitarem dele enquanto ele se aproveitava delas, mas ao
voltar pra casa, o Joshua reclamava que ele queria alguma coisa que preenchesse
algumas lacunas em sua vida. Ele queria se casar, ele queria ter filhos. Só que minha
mãe achava que a única mulher para meu irmão era a Jenna. Só que depois que ele te
conheceu, nossa vida virou um inferno! Eu vi as forças do meu irmão se renovando em
você dia após dia, só por te amar. Então os problemas financeiros começaram a surgir e
ele começou a passar certos apuros; não só de finanças, mas de ordem pessoal. O tempo
escasso que ele tinha contigo, Hay, eram os únicos momentos que ele tinha paz! A
saúde dele foi a zero e eu pedi que ele se cuidasse. Ele o fez e quando... bem, isso você
descobre com ele. Minha irmã descobriu o problema e contou pros meus pais. O plano
do Joshua era morrer enquanto curtia a sua gravidez, usar o dinheiro que meus pais
dariam pra ele comprar uma Land Rover, o sonho de consumo dele, e compraria
morfina pra que você não desconfiasse que ele estava morrendo.”

“Por que ele não me contou?” Ela falou, segurando as lágrimas que agora vinham por
causa de seu amado e não por causa de seus probelas. “Eu teria dado a minha vida pra
que ele ficasse bom! O que ele tinha?”

“Meus pais ameaçaram te prejudicar e ele nunca, nunca deixaria isso acontecer.” Falou
finalmente. “Meus pais nunca ligaram pra mim – porque eu sempre fui o mais alheio
aos negócios – e muito menos pros meus irmãos, mas o Josh... O Josh era o prodígio da
família, tinha tudo para dar certo, mas ele não sabia que o Josh odiava aquilo tudo.
Quando ele ficou doente, agiram como pais. Eles conheciam os Colligan e poder sempre
foi o que mandou no mundo real. Meus pais ameaçaram a sua vida, a vida da Sarah se
ele não se tratasse. Meu irmão se recusou, mas eu tive que convencê-lo de que ver a
criança crescer era melhor que curtir a gravidez. Então ele saiu do país e quando voltou,
a merda toda já tinha sido jogada no ventilador. Eu me senti culpado todos esses anos,
mas o Joshua me proibiu de contar a você. Fiz o possível pra que Josh construísse uma
relação amistosa com a filha e ensinei a ela que ele devia ser chamado de papai. Com
um aninho, ela pegou muito fácil. Me desculpe, Hay.”

“Droga!” Ela fechou os olhos, deixando um pouco mais de lágrimas caírem. “Agora não
tem mais volta, pra ele e eu. A gente já fodeu com toda nossa relação.”

“Eu não disse que era pra vocês voltarem.” Falou Zac. “É só pra você saber e não ser
injusta com meu irmão.” Ele deu um beijo no topo da cabeça dela e a ajudou a se
levantar.

Talvez, a pior parte de descobrir o segredo do outro, é que você vê tudo em que
acreditou até aquele exato momento eram apenas mentiras. A dor de descobrir segredos
é muito maior, porque é a verdade jogada em sua cara, e você se sente como um idiota
por ter acreditado em uma mentira tão meticulosa. As pessoas não sabem, mas segredos
machucam muito mais que a verdade em si.

No dia seguinte, todos nós estávamos desesperados atrás de notícias da Sarah.


Havíamos feito buscas pela cidade, procurávamos qualquer pista leve, mas parecia
divertido pra boa parte dos bandidos nos ver desesperados. Nada era certo, nada dava
certo. Eu estava desesperado ao ponto de me oferercer como recompensa pra o bandido
que me dissesse, com precisão, onde está a Sarah, mas Ian não deixou eu cometer essa
loucura. Foi no meio de uma discussão como essa que Carl ligou.

“Olá, FBI. Vocês não têm mais o que fazer?” Ergueu a sobrancelha e suspirou em
seguida. “Eu não vou demorar muito, então nem é necessário ligar essa parafernalha
toda aí. Não vai dar tempo. Eu queria falar com o gostosinho do <i>meu</i> Urie ou
com a mãe da Sarah, pode ser?”

“Fala.” Disse Hayley. “Cadê minha filha, seu vira-latas?”

“Hey, calma aí!” Riu baixinho, com ar de falsa inocência. “Assim eu fico ofendido. Eu
só liguei pra avisar que ela está bem, mas se não querem saber, não precisa me xingar.
Eu não ligo mais.”

“N-não!” Hayley falou, suspirando profundamente. “Me diz, por quê? Por que a minha
filha? O que o Brendon te fez de errado?”

“O B me conquistou, me deu um fora e isso não se faz! Mas dessa vez, eu to a serviço
do Joey.” Falou de forma displiscente e eu me vi obrigado a interromper a conversa –
que claro, fora atendida no viva-voz – e Ian me olhou, suspirando.

“O Joey mandou o Colligan me avisar que ele e o Johnson não têm nada a ver com
isso.” Falei mordendo o canto do lábio. “E, oi, é o Dallon Weekes falando. Vamos ser
sinceros por aqui, qual o motivo verdadeiro de você seqüestrar a Sarah?”
“Bem, é culpa do Ryan. Ele que chamou atenção pro nossos acordos. O primeiro pra
proteger o B, mas tudo o que o Ryan faz é um tremendo fracasso, não deu certo e o
segundo foi uma aposta. Alguém tem que pagar, hm?” Falou Carl, rindo em seguida.
“Se bem que eu tenho novos planos.”

Ouvir o nome de Ryan proferido com todo aquele deboche me fez perceber o Brendon
cheio de frustração. Por mais que eu tivesse contado a ele que o Ryro não era um
monstro como ele o imaginava, Brendon ainda o via com capacidade de fazer tamanha
atrocidade. Eu conseguia discernir a mentira do meio daquele deboche todo. Eu estava
enojado com a capacidade de uma pessoa mentir somente pra ferir a outra que, por
despeito, ter ao menos uma mínima chance de ter a pessoa amada apenas para si.

Percebi que Hayley, maternal como sempre, proferiu um palavrão contra a situação e ao
contrário do que esperávamos, Carl Windsor deu uma risada cínica. Ian olhou pra mim,
como quem busca respostas, mas eu não as tinha. Só tinha certeza absoluta de que Ryan
não podia estar acomunado para um mal tão grande. Sabia que por mais sujo que o
passado de Ryan fosse – e o meu também era – eu só podia ter a certeza que não houve
nenhuma aposta alegada. Encolhi os ombros para mostrar que eu não sabia.

“Sequestradores, geralmente, querem algo de resgate.” Joshua disse profissionalmente,


olhando os agentes do FBI trabalhando incansavelmente na localização do telefonema.
“Qual o seu preço?”

“Fiquei tempo demais.” Falou, suspirando. “Só fiquem sabendo que a Sarah é uma
menina linda. Tchau polícia.” Desligou.

Ian me abraçou e me disse que eu havia feito as escolhas erradas ao dizer que Cash
havia se aproximado de mim daquela maneira. Todo mundo da polícia tinha um pé atrás
com aquele desembargador, mas mesmo assim, ele era ainda a pessoa que mantivera sua
essência sem se expor. Às vezes, eu o admiro por isso.

“É blefe.” Falei. “Essa aposta não existe.”


“Você acha que conhece o Ryan, D, mas na verdade não o conhece!” Rebateu com
frustração. “Devia parar de defendê-lo dessa forma. Eu já o fiz uma vez e quebrei a
merda da cara! Ele era amigo desse <i>tipo</i> na adolescência, claro que ele pode ser
bem capaz de ter feito essa aposta. Ele só aparece mesmo pra destruir minha vida.”

“O Ryan não é assim, B!” Exclamei com indignação. Ian chegou a se afastar
ligeiramente, mas acabou concordando comigo sobre Ryan não ser o que ele parece. “O
Ryan nunca teve a intenção de estragar a sua vida. Ele só quis te proteger quando fugiu
e um dia ele vai te contar todos os motivos dele que o fizeram fugir, mas eles não foram
amigos. Nunca.”

“Por Deus, D.” Hayley girou os olhos. “Eles sempre andavam juntos, sempre ficavam
de segredinhos um com o outro. Aquilo era uma amizade que eu jurava que duraria pela
eternidade.”

“O Ryan era apenas um adolescente comum com pai alcoólatra e amizades erradas.”
Falou Brendon por fim, encolhendo os ombros pra disfarçar o rancor misturado com
frustração que tinha em sua voz. “Eu convivi com esses dois caras, eu sei o que eu to
falando.”

“Só que eu lido com fatos e não com pontos de vista.” Falei, assustando Ian.

“Você não vai fazer isso, Weekes.” Falou, colocando as mãos em meus ombros. “Você
não vai foder tudo agora, por Deus!”

“Não, Ian, não vou falar nada que comprometa demais.” Encolhi os ombros. “Brendon,
Hayley, eu lido com fatos policiais, fichas criminais da família do Ryan Ross e ele não
foi, mesmo, um adolescente comum. Confia em mim, B. Acredita em mim, ele não foi
nada comum.”

B desviou os olhos pra Ian que suspirou baixinho, assentindo: “A gente te protege, B, de
toda a sujeira do mundo que você vive. A gente faz todo o trabalho sujo pra que você
não tenha inimigos – ou tantos inimigos como Dallon e eu – e eu coloco a mão no fogo
pelos julgamentos do Weekes. Pode confiar nele, Bden. Não seja egoísta dessa vez ao
ponto de não enxergar o que as pessoas fazem por te amar. As aparências <i>podem</i>
te enganar, como estão engando.”

Ninguém conseguiu falar mais nada depois da sentença de Ian. Ficamos em silêncio
enquanto os agentes do FBI e Josh trabalhavam na localização do sinal, mas não houve
sucesso. Eu não tive esperanças quanto a isso. Carl é suficientemente esperto pra não se
deixar pegar. Ian chamou Josh e Zac pra conversar na cozinha e aquilo me causou certa
estranheza. Decidi que deveria ouvir o que falariam por precausão apenas.

“Eu não vou ficar parado aqui enquanto a Sarah está sei-lá-onde.” Ian falou nervoso.
“Não sou assim, não sei ser espectador!”

“O que sugere?” Joshua disse. “Estamos fazendo todo o possível pra trazer minha filha
de volta.”

“Você é o cara da anti-sequestro!” Ian continuava indignado e eu sorri pra mim.


Continuava escondido, olhando o amor de minha vida. Era engraçado, porque eu via
muito de mim nele, talvez pelo fato de eu ser... o espelho dele desde a adolescência.
Não é um título que eu gosto muito, porque eu sou falho demais pra tamanha honra.
“Esperava que a sugestão partisse de você.”

Zac mantinha-se em silêncio, era quase como se ele não existisse naquele lugar. Estava
assim, aério, há pouco tempo. Ao mesmo tempo, era como se o menino desse razão ao
Ian, mesmo sem se expressar. Se não fosse feito nada, Carl só teria a liberdade que bem
quisesse para colocar seu plano em prática.

“Faremos algo.” Zac disse convicto. “Ele matou meus pais e mexeu com minha
sobrinha.”

“Está certo. Se querem tanto fazer algo pra ajudar, vocês farão, mas eu não vou tirar
meus pés daqui.” Falou Joshua. “Não me leve a mal, mas quero estar com a Hayley
quando esse desgraçado der notícias. Eu os coordeno daqui.”

“Compreendemos.” Falaram juntos.


Eu acabei me distraindo depois disso. Não percebi que enquanto eu tava escondido
perto da geladeira, pegando uma cerveja, quando Ian saiu com Zac. Logo depois fui pro
meu quarto – com a cerveja – e meu telefone começou a tocar, era de número restrito e
imaginei que era Cash Colligan com alguma novidade pra mim. Gostava da eficiência
dele e foi por isso que recorri a ele todo esse tempo. Cash podia ser o que fosse, mas era
eficiente. Ninguém podia negar isso.

“Weekes.” Atendi com falsa firmeza.

“Nós nunca fomos muito próximos, cara, mas eu disponibilizo meus homens pra fazer o
trabalho sujo e achar a sua quase filha.” Cash falou. “O Ian é quase como um irmão pra
mim e ele está sofrendo com seu sofrimento. Você sabe como funciona a irmandade,
certo?”

“Olá, Colligan.” Falei, suspirando. “O Ian é da irmandade e eu não sabia?”

“Para de ser idiota. Ian é da polícia e, desde que vocês começaram a sair, ele preferia
ficar fora das nossas conversas.” Cash falou. “Digo, que tanto pra mim, quanto pro
Johnson e pro Joey, o Ian é um irmão e que se mexer com um dos nossos irmãos, mexe
com todos nós. Somos assim com o DeLeon e o Marshall, embora esse juiz mereça um
chute na bunda muito bem dado.”

“Um chute que você faz questão de dar, certo?” A única coisa que eu escutei do outro
lado da linha, foram risadas altas, divertidas e debochadas, como Cash realmente era. Ri
baixo também, me jogando na cama de cansaço. Eu durmo pouco, na maioria das noites,
mas nesse caso... com Sarah longe, ainda sou pior. Durmo bem menos do que o
necesário. “Ahn, Carl ligou e tentou culpar o Joey sobre o seqüestro, mas agora diz que
ele tem outros planos pra menina. Você mentiu pra mim, Colligan?”

“Eu já disse... Eu prefiro ter um policial como você por perto do que contra mim.”
Suspirou longamente. “Carl tá ficando previsível demais, hunf. No mais, Joey e Luke
querem sim vingança pelo pai morto cruelmente – segundo eles – por Ryan, mas eles
são mafiosos das antigas. Honra. Mulheres e crianças ficam de fora disso. Admiro isso
neles. Admiro mafiosos decentes e com código de conduta.”

Assenti. Eu concordava com Cash. “Eu tava brincando quanto à mentira. O que tem pra
mim? Falou com o DeLeon?”

“Eu tentei, mas como eu previ, o Marshall falou pra mim que eu não tenho nenhum tipo
de pendência que agrade o garoto dele e que não era mais para eu o procurar. Eu não
quis estragar os dois, sabe como é o amor, não é?”

Não agüentei a risada ao perceber o tom debochado da última frase. Todo mundo que
conhecia – ao menos por cima – o sentimento que Marshall tinha por Ian não
compreendia essa possessividade dele. Ao mesmo tempo, quem falava, ainda que
pouco, com Cash conseguia perceber o ressentimento na voz do garoto, como se ele se
arrependesse das escolhas e ao mesmo tempo fosse orgulhoso demais pra reconhecer
isso. Deixou seu amado, simplesmente, amar outro. “Mas olha só...” Cash continuou,
arrebatando minha atenção novamente. “Consegui algo importante pra você.”

“O que foi?” Falei, franzindo o cenho.

“Precisei cobrar alguns favores, mas vale a pena. Gosto da sua amizade.” Colligan
disse. “Conversei com um amigo, Cameron Dettman. Ele é da CIA e faz parte dos meus
contatos. Cammy é um excelente cracker nas horas vagas e acabou conseguindo uns
arquivos bem interessantes mexendo nos arquivos da CIA e Interpol. Além do que, eu
soube que ele está numa investigação atrás do Windsor maior.”

“Que tipo de arquivo?” Mantive a expressão curiosa. “E, wow, já vi que vamos nos dar
super-bem.”

“A ficha completa e lista de clientes de Matthew Windsor.” Cash falou vitorioso. “E a


dos inimigos dele que, pelo que eu li, vai ficar surpreso em encontrar o pai do Alex lá.”

“Qual o preço?” Perguntei. “Ou você vai deixar as informações só mesmo pela amizade
e ligação que contruímos no velório dos Farro?”
“Por enquanto, fica pela amizade.” Falou. “Um dia eu vou precisar de você e você vai
saber sobre o quê estamos falando, certo? Ótimo. Preciso que me encontre naquela
Starbucks perto do fórum pra eu te entregar um pen-drive e umas pastas. Você sabe que
isso é altamente confidencial, certo?”

“Claro, Cash.” Sussurrei. “Pra todas as perguntas.”

“Cammy vai comigo.” Falou ele, suspirando. “É um homem leal e de confiança.”

“Quer me ver quando, Cash?” Falei e ele demorou um tempinho pra responder.

“Uma hora.”

“Perfeito.” Suspirei longamente. “Até mais, Colligan.”

Desliguei. Eu deveria que inventar uma desculpa bem bolada para poder sair, mas
apenas disse que não suportava mais o clima e que daria uma volta. Brendon estava tão
concentrado no computador que chegava a assustar. Não ia falar nada, mas ele sorriu
fraco em minha direção e suspirou em seguida.

“Eu...” Falou baixinho “Fiz uma busca policial por Ryan Ross e não achei nada. Mentiu
pra mim, Dallon?”

“Não, B. Nunca.” Neguei com a cabeça. “Você pesquisou os arquivos do FBI, certo? Os
digitais?” O menino mexeu com a cabeça em sinal de positivo. “A ficha policial do
Ryan está no Arquivo Morto de Salt Lake City, na nossa responsabilidade. O FBI
apagou a ficha dele porque agora ele é um agente que além de investigar os crimes de
homicídios, orienta o FBI em questão bélica e estratégia de matadores.”

“Mas se ele tem ficha, ele não deveria estar preso?” Ergueu a sobrancelha.

“Sim, eu sei.” Assenti. “Eu nunca disse que não. Eu disse que ele não era quem você
pensava que ele era. Que ele nunca foi um adolescente comum por seu profundo
conhecimento bélico. Já notou que... Ele é o único agente do FBI que eu conheço que ao
invés de andar armado com uma com uma .40 S&W, ele anda com uma Glock 18?”
[n/a: Glock é uma marca de pistolas austríacas que são consideradas “safe action”. o
modelo que cito é uma arma especial, que é capaz de disparar até 1200 tiros por
minuto. seu uso é focado em lugares fechados, em alvos de curta distância, por causa
de seu difícil controle, no caso da pistola do Ry, você imagine uma dessa
http://www.youtube.com/watch?v=kBjUDCyDCuI&feature=player_embedded, certo?
uma pistola metralhadora Glock 18. Glock é uma família de pistolas amada por amantes
(e leigos) de arma de fogo. A .40 S&W é uma arma que foi fabricada sob encomenda
dos agentes do FBI que reinvindicavam uma melhor condição de trabalho e uma arma
que os diferenciasse dos demais policiais.] Brendon ergueu ligueiramente a sobrancelha,
como se não acreditasse que Ryan andasse por aí tão bem armado. Era uma arma de
guerra!

“Sério?” Brendon deu uma risada sem emoção ao me olhar, curioso. “Por que ele
recusaria uma arma policial pra usar uma metralhadora dessas diariamente?”

“Sério, B. Ele não é um agente do FBI comum, como o Spencer.” Falei. “Ele só não tá
preso porque ele tem muito a oferecer ao FBI. Só o pessoal da Marinha recebe
treinamento de atiradores de elite, B, e o Ryan tem isso. Tudo dele é muito bem
escoltado, devido que os familiares dele precisa de proteção. Vai ler a respeito dele, B.
Vai conhecer seu amado pelo lado policial.”

“<i>O que é o Ryan, D?”</i> Ele me perguntou, olhando-me cabisbaixo. “Que tipo de
monstro ele é? Por que eu nunca tivesse essas respostas dele?”

“O Ross é filho de um grande matador que ainda está escondido. Ele é filho do George
II, sabe?” Falei, fazendo com que Brendon praticamente desse um pulo do sofá, com os
olhos arregalados. “Eu quero dar voz de prisão ao pai dele. É meu sonho de
patrulheiro!”

“Ele é filho do George II? Meu Deus...” Suspirou, como quem não acredita que algo
<i>daquele</i> porte acontece. “É por isso que ele nunca usa o primeiro nome!”
“Uhum.” Resmunguei. “Agora eu tenho que ir. Essa casa sem a Sarah não é a mesma
coisa. Não suporto mais isso.”

Brendon assentiu e inconformado voltou seus olhos para o computador. Acho que ele
tava muito mais atordoado com o que eu lhe dissera do que com o que leu naquele
computador. Eu sabia que era culpado por deixá-lo daquela maneira, mas sabia que um
dia ele teria que conhecer melhor Ryan Ross e parar de implicar comigo.

Quando cheguei a Starbucks combinada – uns dez minutos atrasado – Colligan estava
sentado em uma das mesas com o Agente Dettman que estava concentrado em um
netbook enquanto Colligan estava devidamente à vontade com os pés em cima da mesa.
Dei um sorriso da cena e me aproximei.

“Desculpa o atraso. Brendon não me deixava sair.” Falei e Cash fez um gesto para que
eu me sentasse. Cameron me acompanhou em silêncio, com seu computador aberto. “E
eu não queria falar que vinha ver você.”

“Por quê?” Perguntou Cash, com um sorriso soberbo no canto do lábio. “E, quanto ao
seu atraso, devia te dar pena de morte por causa disso.”

“Idiota.” Ri baixo. “Eu não quis contar pra Ian agora. Eu faço isso quando ele tiver
menos ocupado com o seqüestro da Sarah. Aliás, você quer oferecer seus homens a ele?
Acho que ele vai precisar seriamente.”

Cash encolheu os ombros, mantendo o sorriso. “Esse é o agente Cameron Dettman. Ele
me ajudou em algumas coisas pra sua investigação.”

“Dallon Weekes.” Sorri, apertando sua mão cordialmente. “O que tem pra mim?”

“Leia.” Ele virou o computador pra mim o netbook. “Ainda estou terminando de fazer o
download para você no pen-drive. O fato é que você tá mexendo com muita gente
perigosa e meticulosa. Matthew Windsor é um dos matadores mais procurados de todos
os tempos. Está foragido – ou morto – e arquirival do George II, a maior ameaça dessas
bandas. O que eu descobri é um bocado sério já que ele desafiou o poder paralelo das
ruas dessa cidade.”

“Ele está morto.” Falei e Cash ergueu a sobrancelha. “Não, não foi eu que matei, mas é
conversa de polícia. É o que corre nos corredores lá do departamento.”

“Eu não duvido.” Cameron encolheu os ombros. “Ele tem vários inimigos segundo essa
ficha aqui na Interpol. O fato maior é que a CIA não deu o caso como encerrado e ainda
procura os dois inimigos: Windsor e Ross. Eu estou atrás dos passos de Ross há pouco
tempo, mas as pistas sobre ele são falhas.”

“De fato.” Falei. “Ainda não achei nada que me levasse à localização do Windsor, nem
do pai e nem do filho, que atualmente me interessa mais. Achei algumas coisas sobre
ele no arquivo de Salt Lake que não foi digitalizado. Quanto a George, tudo o que eu
tenho são nomes desconexos, cartuchos não preciados.”

Dettman e eu tínhamos uma compatibilidade de investigações muito boas. Ficamos


conversando a respeito por um tempo relativamente longo e Cash debatia conosco a
respeito – porque pode não parecer, mas ele realmente entendia de investigações – e
acabamos não vendo o tempo passar. Até que algo nos chamou bastante atenção.
Dettman e eu empunhamos nossa arma quase que ao mesmo tempo, quando percebemos
um tiroteio ali por perto. O fórum estava sendo roubado e a troca de tiros entre os
policias e os bandidos fora inevitável. Mostrei o distintivo quando necessário e Dettman
também.

“Central aqui é o policial 14375, Dallon Weekes.” Falei no telefone.

“Prossiga policial 14375, Dallon Weekes.” Respondeu. “Qual a situação?”

“Eu estou no fórum de Salt Lake City em Downtown e este acabada de ser atacado.
Código 12653. Repito, estou entrando num 12653.”

“Entendido, policial 14375 Dallon Weekes.” Confirmou. “Informe-nos se há feridos e


se está com alguém.”
“Não vejo feridos, central, mas acredito que deve realmente ter alguém.” Abaixiei um
pouco o tom de voz, conforme entrava entre as balas e ajudava Cash achar um lugar
seguro. “Tenho um desembargador comigo e o Agente Cameron Dettman sob meus
cuidados. Preciso de urgência em reforços para controlar a situação.”

“O reforço está a caminho.” Respondeu. “Enviando todas as unidades para o fórum


central de Salt Lake City. Repetindo, todas as unidades devem encaminhar-se para o
fórum de Salt Lake City. Temos um 12653, incluindo civis.”

Os tiros não pararam tão cedo. Não sei por quanto tempo ficamos presos na recepção do
fórum – porque foi o lugar mais seguro que encontrei pro desembargador. Foi de
Dettman a idéia de entrarmos com tudo nesse tiroteio. Levei um tiro no braço esquerdo,
o braço de apoio, coisa que não me atrapalhou muito. Mas como toda a rua fora tomada
por policiais e bandidos atirando para todos os lados, demos sorte de conseguirmos nos
proteger e proteger ao Cash que estava desarmado.

Voltar pra casa foi o mais difícil. Estava, claro, com o pen-drive, mas o que seria difícil
era explicar porque eu estava desarmado e com um tiro no braço. Fato é que os CSIs
investigariam se houve abuso e se quantos tiros foram disparados. Ian arregalou os
olhos quando me viu chegar com a camisa partida e um curativo gigante. Puxei-o pro
lado de fora da casa, fechei a porta e o beijei sem pensar em mais nada. Een
correspondeu ao meu beijo, não reclamou, mas se surpreendeu com minha atitude.

“Que porra é essa?” Perguntou, referindo-se ao braço machucado.

“Essa foi pelo Colligan.” Murmurei com um sorriso. “Acabei de sobreviver a uma carga
extra de adrenalina. Quero dizer, fui me encontrar com o Colligan perto do fórum e este
foi assaltado. Os assaltantes começaram a disparar e eu tive que protegê-lo. Acabei
encontrando com Dettman, mas isso é algo que eu te conto com mais cuidado quando eu
te mostrar tudo o que eu tenho nesse pen-drive.”
“Certo.” Suspirou. “Você tem que parar de se envolver nessas coisas, sério. Toda vez
que você sai volta com um ferimento feito com arma de fogo diferente. Eu não quero
ser babá sua por imprudência, Weekes.”

“Sim, mamãe.” Ri baixinho e ele me cutucou. Entrei ainda rindo de Ian que brincava de
fazer um bico grande e infantil. Abracei-o momentaneamente por trás e logo me joguei
no sofá. Estava cansado de correr, de atirar e até de pensar. Ian inventou uma história
pra minha presença em um tiroteio – que pra ser sincero eu não prestei a menor atenção
sequer – e acredito que eles aceitaram como verdadeira.

Expliquei pra Ian a respeito de Dettman e ele não pareceu gostar muito. Acredito que
ele está assim por causa do tempo que ele conhece Colligan. Eu confesso que não queria
ficar preso assim a alguém que não mede esforços para seu benefício. Ao mesmo tempo,
nós dois sabíamos que era o único modo de ter informações mais precisas.

Passaram-se três dias desde o tiroteio. Não tive notícia alguma sobre Cash, sobre
Dettman e havia me afundado tanto nessas pesquisas que não percebi o tempo passar.
Revisei tudo o que eu tinha até aquele momento. Era pouco demais para apresentar ao
Ryan. Sequer havia chegado em um nome pra quem queria sua mãe morta. A mulher
que passaria por uma civil qualquer, já que não existia ficha policial em qualquer parte
do mundo. Matthew Windsor me intrigava. Havia indícios de que ele havia começado a
guerra entre as guanges. Não é qualquer um que faz o papel de agente duplo.

Carl finalmente entrou em contato, me fazendo pular da cama e ir correndo até a sala.
Deixei tudo do jeito que estava, sem me importar com nada além da pequena. A
situação em casa era crítica. O desespero já era total. Hayley já havia adquirido olheiras
e o cabelo continuava despenteado. Ela não dormia mais, apenas sob medicamentos que
Ian ou Jon aplicavam (como nesse momento) e Josh a mantinha em seu colo, protetor.
O telefone tocou, Ian estava voltando para a delegacia, voltou a entrar no apartamento e
escutar o que o homem tinha pra falar. Novamente, no viva-voz:

“Alô?” Brendon atendeu.


“Eu achei que policiais devessem atender com seus sobrenomes. Vamos fazer de novo.”
Falou, desligando. Nos entreolhamos e esperamos. Carl só poderia estar com algum
plano mirabolante na cabeça para debochar de nós em um momento tão delicado. O
telefone tocou novamente, Urie atendeu.

“Urie.” Atendeu novamente, segurando o nervosismo.

“Ahn, melhorou. Olá, meu amor.” Carl falou. Se eu fechasse os olhos, conseguia ver um
sorriso cínico no canto de seus lábios. “Sabia que eu to morrendo de saudade de você?
Precisamos nos encontrar depois e ver se matamos essa saudade toda, uh?”

“Cadê a minha filha, seu desgraçado? O que você fez com a minha filha, seu merda?”
Perguntou Brendon, agressivo. Na maioria das vezes, o tom cínico assustava Brendon o
suficiente para que ele urinasse na roupa, ou ficasse com medo da própria sombra.
Naquele dia ele soltou todo o ódio que sentia do homem de olhos verdes que –
realmente – havia destruído sua vida. Ao invés de medo, escutei uma risada vinda de
Carl do outro lado da linha.

“Calma, bonitinho. Guarda esa fúria toda pra minha cama.” E ele continuava rindo.
Algo que variava entre o deboche e a diversão, entre uma risada apaixonada e boba com
uma pitada de algo extremamente macabro e bem calculado. Não sei se o motivo de eu
ouvi-lo dessa forma é o fato de eu odiá-lo com todas as minhas forças ou se ele
realmente soava assim. “Amor, se acalma que nós vamos falar de negócios. Tenho
umas condições a fazer antes de soltar a menina. Como o Dallon Weekes deve ter feito,
também quero fod--”

“Se terminar essa frase eu vou acabar com você!” Falei entre os dentes. Novamente, a
risada soou, dessa vez sem estar apaixonada. Claro, eu não era o B.

“Eu quero foder a Sarah também, poxa.” Falou, soando manhoso. “Não é só você que
pode, Weekes.”

“Eu nunca toquei na Sarah, seu filho de uma égua.” Falei entre os dentes novamente,
apertando meus punhos tamanha era a minha raiva. “Mentiroso.”
“Seu processo de pedofilia na sua ficha policial não é da Sarah? Puxa, me frustrei.”
Falou, rindo em seguida. Percebendo que eu estava ficando furioso com as provocações
de Carl, porque ele havia achado meu ponto fraco, Ian apertou a alça de sua maleta,
tentando não se deixar levar também, mas logo soltou seu equipamento de trabalho no
chão e vindo até mim. Os olhos de Joshua e Brendon eram como brasas recém-tiradas
do fogo sobre minha pele, jogados. Abaixei a cabeça e antes que eu pudesse conter
minha fúria, Ian começou a falar.

“O Dallon não é você. Ele não é um criminoso registrado e muito menos sem registro!
Não te interessa, nem um pouco, o que aconteceu com essa maldita acusação de
pedofilia ridícula. Não te interessa quem ele é, quem ele foi ou quem ele será. E agora o
aviso é meu: se tocar na Sarah, você vai ter muito menos furos que um queijo suíço,
estamos entendidos?”

“Alô-alô, Ian Crawford!” Ele riu novamente,escandaloso. “Eu gosto de você, desse seu
jeitinho. Exceto quando todo mundo decide que você tem que ser protegido do mundo.
Não vou tocar na Sarah, de qualquer forma, é injusto comigo.”

“Vai se foder!” Crawford falou.

“Agora eu tenho que ir. Queria falar de negócios, mas tudo ao seu tempo. A Sarah tá
bem comigo. Ela gosta de mim, mas olha, foi bom. Eu ouvi a voz do meu amor. Enfim,
até a próxima!” E desligou.

Quando ele desligou, os olhares curiosos e dolorosos estavam em mim, Ian segurou
meus ombros de uma forma carinhosa, protetora, quase paternal. Não queria contar do
casamento, nem de nada, mas me vi na obrigação de contar ao menos uma parte, para
que não me afastassem de Sarah.

“Eu fui acusado de pedofilia pelos pais do Ian.” Falei num fôlego só, meio cuspido,
como se tivesse algo muito dolorido – e tinha – me incomodando a garganta.
“Conheci... C-conheci o Ian quando ele tinha treze anos. Há uns dez anos mais ou
menos, fui chamado pra resolver uma briga de gangue, coisa pequena em porta de
escola. Ian e eu ficamos amigos quase que de imediato. Eu o levei pra casa, expliquei
aos pais dele e os cativei...”

“Meus pais ficaram gratos ao Dallon por ter me tirado das minhas más amizades. Pra
eles, os únicos amigos que eu tinha que valiam a pena eram Cash e Marshall. Eu me
senti atraído por ele e enquanto não consegui, exatamente, o que eu queria, não
sosseguei.” Falou baixinho, agora segurando minha mão, ainda protetor. Eu não
conseguia olhar pra nenhum deles que escutavam a história em silêncio. “O D tinha 21
quando o nosso relacionamento começou...”

“Foi algo rápido, arrasador, destruidor.” Falei, suspirando, um pouco mais calmo.

“O Dallon me ensinou a viver, durante nossos encontros. Me ensinou que eu não


precisava escolher uma das gangues pra poder ter a amizade das pessoas que mais me
importavam no mundo. Só que meus pais descobriram meu jeito com Dallon, minha
proximidade ia além do aceitável pra um adolescente de quatorze anos. Eles fizeram da
vida do Dallon um inferno e acusaram-no de pedofilia, corrupção de menores e estupro
de incapaz.” [n/a: ‘estupro de incapaz’ é um termo usado no Brasil para quem se
relaciona com crianças menores de 14 anos que, em teoria, são incapazes de conhecer o
certo e o errado]

“Meu irmão, Weston, é juiz e me ajudou a conseguir um acordo para eu poder viver
normalmente, já que não havia provas contra mim e o Ian afirmava com veemência que
eu não era capaz de coisas tão ruins, ainda mais sendo da polícia. Eu fui absolvido com
a condição de nunca mais me aproximar do Ian enquanto ele não tivesse sua
maioridade. Eu nunca toquei em nenhuma criança, eu não toquei na Sarah como vocês
ouviram!”

“Por que não... falou antes?” Brendon perguntou. “Você disse que nunca tinha notado o
olhar apaixonado de Ian em você. Você mentiu pra mim, Dallon.”

“Falar que fui acusado de pedofilia pra o pai de uma criança? Não, Brendon, não dá.”
Falei, suspirando. “Não é algo que se fale todo dia. Eu... não menti pra você, porque
depois que fui punido, não me aproximei mais dele até que ele veio fazer estágio no
departamento.”

“Ele só não queria ser separado da Sarah por uma... besteira que ele fez no passado.”
Falou. Eu sabia que Ian estava magoado por eu não falar a verdade de uma vez por
todas, por eu não dizer sobre o tamanho do amor que eu guardava em mim e que até
mesmo a pequena Sarah já havia percebido. “Eu fui apenas um erro do Dallon, mas
agora espero que vocês não errem ao afastar a Sarah dele. O Weekes ama a Sarah como
um pai e se acontecer o que ele temia, acredito que ele vá morrer de tristeza.”

“A gente nunca faria isso, cara.” Joshua soou. “Crianças abusadas têm comportamentos
parecidos quando seu agressor é de casa, o que Sarah jamais apresentou. Não há o que
temer. E depois você deu abrigo à Hayley quando eu não pude estar próximo. Não
posso ousar em fazer isso.”

“Obrigado.” Sorri fraquinho pra Josh.

“Você me deu abrigo quando eu fugi de casa, se for contar por gratidão.” Sorriu
Brendon, doce. “Sarah nunca reclamou de você, mas não deviam ter escondido isso da
gente. Se quiserem retomar o passado, podem ficar a vontade. Eu te disse, D, o Ian tá
caidinho por você.”

“Pra falar a verdade, eu notei quando estava no seqüestro da locadora o jeito que o Ian
cuidou do Dallon e toda a preocupação do Ian do lado de fora. Comentei com a Hay de
que havia algo entre vocês.” Josh falou, me fazendo suspirar e sorrir mais um pouco.
Era bom saber que meus amigos aceitavam bem melhor aquilo do que muitos de nossos
familiares. “Hayley até chegou a dizer que seria bom pra você ter alguém como o Een.”

“E você não ouse, nunca mais, se chamar de erro na minha vida.” Falei, voltando os
olhos para o baixinho ainda perto de mim. Ele levantou a sobrancelha e eu dei um
sorriso.

Os meninos começaram a conversar entre si e então, o puxei pro quarto comigo. Estava
tudo bagunçado – e eu pouco me importava – eu só queria que ele entendesse que era
pro bem dele. Een Crawford é o que há de mais importante em minha vida e como todos
os nossos amigos estavam notando nosso sentimento, tava ficando difícil protegê-lo do
mundo em que eu vivia. Não é algo que me agrade.

<i>Salt Lake City, 2002.

Havia um show de calouros na escola de Ian e eu estava devidamente convidado. Não


sabia exatamente o que fazer, porque nunca havia sido convidado pra esse tipo de
coisas. Essas são os tipos de shows que só vão familiares e pessoas importantes pra
quem vai se apresentar. Era como levar um filho pra uma competição de dança, se
coloca ele no palco e fica corujando – se é que este verbo existe – na primeira fila. Era
como eu me sentia em relação a Ian.

Ao contrário de mim, os pais de Ian eram terrivelmente contra sua música, sua banda.
Diziam que música era hobby e não era para ser levado tão a sério, mas eu estava lá,
cheio de orgulho do meu garoto, do meu menino, do meu amado. Eu tinha orgulho de
sobra, dava para dividir até pros pais desgostosos que por sinal não foram vê-lo. Os
pais de Cash, DeLeon, Marshall estavam lá pra apreciar seus filhos. Reverenciei-os na
medida do possível, dizendo a eles que eu fazia a segurança do local.

Nesse show de calouros havia de tudo; desde tirar melodias de copos cheios d’água –
porque eu apoio August Rush quando ele diz que tudo o que existe faz música, basta
que nós paremos nossa vida agitada para escutar – até magia. Estava ansioso por Ian e
talvez até mais do que eu.

Naquela época eu não conhecia Brendon. Não o havia visto ou investigado sua vida.
Meu foco era minha carreira e meu namorado secreto. Naquele show de calouros, só
queria poder bater palmas com todas as minhas forças e gritar que o guitarrista de
cabelo bagunçado é o meu namorado, é o amor da minha vida e nada vai mudar isso,
mas eu não podia. A banda de B foi uma das primeiras que tocou; Hayley estava no
vocal, Ryan na guitarra, Brendon no baixo e Spencer na bateria. Tocaram umas três
músicas no máximo, mas saíram do palco radiantes!
Enrolar os pais de Marshall, Cash e DeLeon foi muito simples. Disse que precisava
fazer uma ronda e consegui correr ao camarim. Queria que ele relaxasse, que ele
fizesse aquilo por amor e que procurasse por mim, eu estaria dando todo meu amor,
cantando todas as músicas e tietando o máximo que conseguisse. Quando ele veio até
mim, estava se trocando, com uma camisa branca – que era minha e estava gigantesca
pra ele – com os botões abertos. Dei um beijinho rápido nele, antes que alguém notasse
minha presença e o ajudei com a camisa.

“O que vocês vão tocar?” Perguntei ao encerrar o beijo.

“Bounce e I’ll Run.” Respondeu sorrindo.

“And I’ll run. Have a little faith in me.” Cantei bem baixinho, dentro do ouvido dele e
Ian sorriu. “You’re scared and alone I’ll run this is where we both break free. I’ll bring
you home.”

“Obrigado por vir.” Falou baixinho. “Sei que é um policial ocupado e ainda se
preocupa em dar atenção pra uma apresentação boba de um namorado bobo e ainda
saber cantar as músicas da banda do namorado.”

“Hey, é uma honra pra mim.” Falei pra ele. “Eu te amo, te amo demais. Eu amo
música, eu acho que a sua banda – não é porque é sua – é excelente e ainda não
entendi porque nenhuma gravadora não gravou vocês e por fim, querido, eu me
orgulho do meu namorado bobo de cabelo bagunçado.”

Ian procurou dos dois lados para saber se havia alguém e me beijou. Erguera os pés
pra se ajudar a me alcançar, enquanto eu segurava seu rosto com delicadeza. Enquanto
isso, Ryan Ross descia do palco e sentiu-se ser agarrado por um Brendon Urie
completamente molhado de suor. B estava radiante o suficiente, como se estivesse
descendo do melhor lugar do mundo. Assim como os demais integrantes da banda, mas
Ryan estava apático, apagado. Como se tudo estivesse errado.

“Aconteceu algo, hm?” Brendon sussurrou baixinho no ouvido o outro. “Nós somos
uma boa banda, Ryro. Pode acreditar. Suas composições são muito boas.”
“Eu sei. O que me deixou assim, não importa.” Falou se acomodando ao abraço do
menor. “Agora vem cá, hm?”

Ross puxou Urie para o camarim aos beijos. Possivamente, arrastou-o até um banheiro
que ficava ali perto. Empurrou o menor contra a porta e este não tinha nem condições
de reagir, nem queria reagir! Sentia as mãos do amado de forma ágil atravessar a
camisa da Sublime marrom que tanto gostava e cravava-lhe as unhas curtas ali.
Brendon deixou um gemido curto sair.

As mãos do maior conduziam ao pequeno e inocente Brendon Urie ao pecado da


entrega total. Brendon não conseguia se livrar das mãos e dos toques que o envolviam
o suficiente. Quando percebera, estava completamente nu, diante de um homem
experiente – sexualmente falando. E quem era Brendon? Ora, ele não era ninguém.

Ryan tirou a arma escondida da cintura, colocando em cima da pia. Brendon arregalou
os olhos ao ver a pistola de plástico [n/a: pistola de pástico é um apelido usado para as
Glock, porque fora uma das primeiras a conter plástico misturado ao metal] em cima
da pia, apontando pra ele. Ryan não deu uma explicação sequer, mas também Brendon
não teve coragem de perguntar por que seu amado tinha algo tão grotesco. Não
importava, ele era Ryan Ross e nem tudo precisava fazer sentido! Eles não se
importavam com mais nada além de si próprios, apenas se amavam e isso é o que
mantinha ligados o tempo inteiro!

<u><b>Fim do Capítulo Dez.

Onze: All these things they force you to do aren’t fair.


Título: I’ll Run, The Cab.</u></b>.

Salt Lake City, Janeiro de 2011.


O inverno em Salt Lake City sempre foi bastante rigoroso. Principalmente na região
montanhosa onde ficam as estações de ski de nossa cidade, nossos principais pontos
turísticos. Eu já havia ido algumas vezes às montanhas de minha cidade. Não conhecia
meu amado Ian quando fiz essa pequena viagem. Tudo lá de cima era incrivelmente
belo e eu era jovem demais pra compreender o quanto aquilo significaria num futuro. Se
fecho os olhos, enquanto debruçado na janela de meu apartamento, ainda consigo sentir
o vento frio das montanhas em minha pele.

Lembro-me bem de um dia que eu estava debruçado sobre a janela do quarto de Ian –
quando seus pais ainda não sabiam de nosso relacionamento – e ele perguntou
docimente o que eu fazia, sem camisa, num frio de dezembro debruçado em sua janela
com os olhos fechados. Disse que gostava daquela sensação do vento em meu rosto.
Não tinha lembranças amorosas. Eu tinha uma vida normal naquela época e eu acho que
é exatamente isso que me deixa tão nostálgico! <i>Ter uma vida normal</i>.

Que fique claro que minha vida mudou radicalmente por causa de Ian, mas eu só queria
ser um homem que encontra uma pessoa especial, com ela constiui família e zela por
esse bem acima de qualquer coisa. Queria eu trabalhar, voltar pra casa e encontrar o
amor de minha vida, beijar-lhe com ternura após um dia massante; receber um abraço
que quase me fizesse cair no chão de tão forte que seria e ao olhar para baixo, ver uma
pequena criança e afagar-lhe os cabelos. Eu não tive o privilégio de ter uma vida
normal. Uma vida <i>tediantemente</i> normal. Ian mudou tudo em mim, me envolvi
com coisas que jamais me envolveria sem ele em minha vida, jamais conheceria tão
intimamente pessoas como Alexander DeLeon. Ian mudou o rumo de muitas vidas, na
verdade.

Então, se eu paro pra olhar minha própria história, percebo que boa parte de meus
sonhos amorosos se realizaram. Eu tinha a Sarah, que era como uma filha, tinha uma
família diferente, já que Brendon sempre fora como um filho pra mim, Hayley é a
pessoa que mais se aproxima de uma esposa – embora definitivamente nunca tivemos
nenhum envolvimento – e Ian... Digo que com Ian fora tudo dando errado graças à sua
idade. Não que eu me importe com os sete anos de diferença entre meu amor e eu, mas
havia pessoas que o faziam. Quando começamos, eu fiquei visivelmente envolvido com
uma criança, eu <i>fiz amor</i> com uma criança e isso pode ser perturbador pra pais.
Se acontecer o mesmo que houve com Ian a Sarah, eu vou agir igual aos pais dele, de
certa forma. Claro que entenderei o lado relacionado ao homem (entenda “homem”
nesse ponto da história como ser humano) com quem ela estiver se relacionando, mas
até que ponto ela não foi envolvido por um falso sentimento? Até que ponto uma pessoa
de quatorze anos sabe dicernir o amor do sexo depravado com menores?

Mudou minha vida, sim, pra melhor, mas conheci o infeno ao amar Ian dessa maneira.

Atualmente, enquanto Sarah não estava com a gente e uma camada muito fina de neve
descia do céu cinzento de Salt Lake City, todos nós já estávamos apavorados, com
olheiras e nervos à flor da pele. Eu parecia – só parecia – calmo enquanto segurava
minha caneca com chocolate quente e esperava encarando o telefone que o maldito Carl
Windsor decidisse conversar conosco. Geralmente, seqüestradores agem com um
padrão, eles não querem se identificar para que eles não sejam pegos pela polícia, Carl
se identifica, tamanha a certeza de sua impunidade. De repente, percebo que, feito uma
criança de cinco anos, com os cachos bagunçados (e, definitivamente, Ian nunca teve os
cabelos ageitados) e com as roupas grandes – que eram minhas – Ian segurava o braço
de minha guitarra com firmeza e destreza, causando-nos certo receio.

“Para que isso?” Perguntara Hayley.

“Sarah ama a música.” Respondeu Ian quase que de pronto. “Imagino que se a Sarah ao
menos soubesse que estamos assim por sua ausência, ela daria uma de suas risadas mais
engraçadas, infantis, pegaria uma meia-lua, mexeria e diria: ‘puxa, a gente não pode
tocar algo agora?’, porque assim como eu, ela aprendeu com o Dallon que a música não
deve estar presente só nos momentos felizes. Aprendeu que a música e os instrumentos
musicais soam de acordo com os sentimentos de quem os toca.”

Eu sorri fraco, tomando um gole longo do chocolate. Ian Crawford estava coberto de
razão! Música estava em nossa vida para nos transformar por pior que sejam as
situações e seus problemas, a música sempre vai ser seu apoio, seu toque de vida.
Naquele dia, esperando que Carl ligasse, estavam todos lá em casa, todos espantados
com a sugestão de Ian. Até eu estava surpreso com uma atitude dele; eu que o conheço
tão bem me surpreendi com uma atitude infantil e desprendida do meu amado que olhou
pra mim, como se buscasse respaldo de suas palavras.

“Tem razão.” Foi tudo o que eu disse. “O que tem em mente?”

Ian colocou a guitarra no colo ao se sentar, suspirou. Meio trêmulo, seus dedos
começaram a tocar uma música que eu reconheci antes que sua voz dissesse a primeira
palavra. <i>“As I walk through. This wicked world searching for the light in the
darkness of insanity.”

“I ask myself is all hope lost? Is there only pain and hatred and misery?”</i> Cantei e
Ian sorriu, quando percebi, Spencer acompanhava Ian nas palmas. Continuei: <i>“And
each time I feel like this inside. There’s one thing I wanna know: what’s so funny about
peace, love and understanding?” </i>

Quando parei para olhar, todos nós estávamos sentados em volta da guitarra de Ian,
cantando tristemente a música que ele havia escolhido e acompanhando-o nas palmas.
Fora o único momento, desde o natal, que eu tinha percebido o quanto a música nos
fazia falta. Não estávamos felizes enquanto cantávamos aquela música de Costello –
que de longe é uma de minhas favoritas –, mas nos sentíamos renovados a cada nota.
Percebemos que a molecagem de Ian renovara nossas forças e que se gravássemos
aquela tristeza para mostrar à Sarah quando ela voltasse, ela perceberia que realmente
sentimos sua falta e sua verdadeira importância.

Novamente, Ian teve a idéia de mudar todo o arranjo. Cada qual ficou com uma parte.
Spencer ficou com toda a percursão e bateria da música. Brendon, Jon e Zac ficaram
com a questão de vozes, tons e escala [n/a: que acredite, é terrível.], eu fiquei
responsável por toda a parte de baixos e graves da música, Ian e Josh ficaram com as
duas guitarras – a de base e a solo – e Hayley ficou com o piano. Montar aquilo foi o
melhor acontecimento desde o natal. Ríamos como se nada estivesse acontecendo,
quando errávamos. Demoramos dois dias para acertar absolutamente tudo, mas quando
aconteceu, foi mágico! Fez bem para todos nós de forma uniforme e instantânea.
Poderia eu viver naquele mundo para sempre.
<center><b>And as I walk on through troubled time</b>
E enquanto eu caminhava através desses tempos difíceis
<b>My spirit gets so downhearted sometimes.</b>
Meu espírito ficava tão desanimado, às vezes.
<b>So where are the strong and who are the trusted?</b>
Então onde está a força e quem é a confiança?
<b>And where is the harmony? Sweet harmony!</b>
E onde está a harmonia? Doce harmonia!

<i> Salt Lake City, 2002.

Ryan caíra sobre Brendon que tinha um sorriso satisfeito no rosto. Uma das mais belas
obras de arte que Ross já tinha visto, embora naquele momento ele preferisse ficar
abraçado ao namorado, com o rosto bem escondido no pescoço dele e os olhos bem
fechados. Precisa tomar um pouco de fôlego.

“Precisamos tomar banho.” Brendon falou, bem baixinho, após recuperar o próprio
fôlego.

“Eu sei.” Respondera Ryan. “Os garotos logo vêm pra tocar com a gente. Não
podemos estar fedendo, hm?”

“Uhuum.” Brendon estendeu manhosamente. “Mas se tomarmos banho juntos, vamos


demorar. Porque tudo o que quero fazer com você no banheiro, não tem nada a ver
com sabonete e água.”

“Mas olha só que safadinho esse meu garoto gostosinho...” Ryan falou, rindo baixinho.
“Eu tomo banho primeiro e depois você toma, aí já vai aquecendo a voz lá dentro,
hm?”

“Não é uma má idéia.” Brendon falou, roubando um beijinho do namorado. “Mas


antes, eu preciso conversar com você sobre o Carl. De verdade, Ryro, ele me incomoda
muito! Não gosto de te ver junto com ele, da forma com que ele te imita; seja nas
roupas, seja nesse teu jeitinho arrogante e liberal que eu tanto amo, mas eu não
suporto mais conviver com ele ao seu tiracolo.”

“Você já ouviu falar que seus amigos, você mantém perto, mas seus inimigos, você os
mantém mais perto ainda, B?” Ryan perguntou, sentando-se na cama. Brendon
assentiu, a contragosto. Nunca havia tido um inimigo sequer, não sabia como lidar com
pessoas assim. Nunca havia imaginado que podiam existir pessoas que se opunham
umas às outras a esse ponto.

Ryan – assim como Ian fez comigo – mudou a vida e quebrou conceitos de Brendon.
Fez com que ele compreendesse a respeito de muitas coisas, ensinou-lhe a amar com
sexo, a precisar e depender do outro pra tudo. Brendon gostava o suficiente pra se
entregar todo momento naquela aventura deveras arriscada.

“Inimigos, Ryan?” Brendon franziu o cenho. “Vocês andam tão colados que eu tenho
sérias dúvidas sobre ser o seu único fixo.”

“Uhrg.” Resmungou Ryan, segurando Brendon pelos ombros, de forma bruta (embora
Ryan não conseguia ser tão bruto assim com Brendon, por causa do amor que ele
guardava para si) que quase tirou o ar de meu amigo. Brendon se adequou a
brutalidade de seu namorado, o desafiando espantosamente com o olhar. “Nunca mais
diga um utrage desses, Urie. Você é meu fixo e sabe disso! Carl é meu inimigo, um
verme que quero, mas não posso, matá-lo. Acredite, se eu pudesse, ele estaria no
inferno sendo o churrasco do capeta.”

“Credo, Ryan.” Brendon girou os olhos. “Ninguém é ruim o suficiente para não
merecer uma segunda chance. Não precisa de morte ou de uma maldade tão grande
quanto ela. Acredite em mim.”

“Você é bom demais pra entender as coisas que se passam o mundo.” Ryan deu um
beijinho no rosto de B e falou baixinho ao seu ouvido, quase que silencioso, mantendo
os pulsos de Brendon presos a cama usando as suas mãos. Ryan roçou a ponta do nariz
pelo lóbulo do amante ao dizer: “Você precisa entender que nem sempre eu vou estar
presente pra te proteger e que as pessoas que fazem parte do meu ciclo social podem te
mudar pra sempre. Você não conhece a maldade das pessoas, B, mas só porque as
pessoas poupam você disso, elas me poupam também.”

“Ninguém é ruim o suficiente que mereça uma pena tão cruel.” Repetiu Brendon,
recebendo um suspiro de Ryan como resposta. Não adiantava insistir; Brendon jamais
conseguiria assimilar que seu inocente, sexual e beberrão Ryan Ross fosse um prodígio,
um prodígio que mexia com armas e era um exímio atirador. Felizmente, B ainda não
havia conhecido o verdadeiro poder destruidor de Ryan Ross.

Ryan finalmente foi para o banheiro e premiou seu amado com uma música sendo
cantada a plenos pulmões enquanto Brendon Urie decidira arrumar o apartamento do
amante que estava mesmo uma bagunça. Camisinhas espalhadas junto com restos de
bebida e caixas de comida feita em delivery. Brendon chegou a rir do amante quando
este tentava lhe convencer que cozinhava muito bem, que seu pai não gostava de gastar
dinheiro com delivery. Então como é que Ryan mantinha um apartamento a parte, com
boas bebidas, comida congelada e... como conseguir dinheiro pra tanta camisinha?

Aquelas perguntas incomodavam Brendon, mas ele ficava calado. Ao abrir a gaveta do
criado para guardar uma caderneta de Ryan onde ele compunha músicas e achou uma
arma lá. Uma Glock, a mesma do show de calouros. Brendon ficou meio assustado com
a arma, mas decidiu que sentiria ao menos o peso da arma, Ryan sequer notaria sua
intromissão. Com as duas mãos, B segurou a arma e apontou, meio trêmulo, em
direção do banheiro. Ele mantivera os dedos longe do gatilho, não entendia de armas
para saber com um olhar se ela estava carregada. Ryan saiu do banheiro, com passos
lentos e a toalha envolta em sua cintura e com um sorriso no canto dos lábios. Urie
estava vestido com uma boxer segurando uma arma, graciosamente medroso, em sua
direção.

Ross caminhou vagaroso, até que o cano da arma encostasse em seu peito molhado. Os
olhos quase verdes de Ryan estavam fixados em Brendon que segurava mais firme a
arma, agora com um apoio adicional. Ryan não falava nada, muito menos Brendon que
se deixava embriagar pelo cheiro de sabonete de Ryan.
“Está carregada.” Ryan falou baixinho, quase num sussurro, juntando os lábios aos de
Brendon de forma rápida. “Você pode me matar, se apertar o gatilho. Isso não... excita
você?”

“Por que excitaria?” Brendon perguntou receoso. “Perder você me amedronta.”

“Deveria excitar, eu acho.” Ryan roubou mais um beijinho de seu amante. “Entenda
isso, querido, você quase irresistível segurando essa Glock, B.” Ryan foi puxando a
arma das mãos de Brendon, até que ele a segurasse por completo. Deslizou
carinhosamente a arma sobre o rosto de Brendon que se sentiu gelar com a nova
informação; tinha uma arma carregada passeando por seu rosto delicado.

“P-por que tem isso?” Perguntou meio gago, quebrando o clima romântico da parte de
Ryan e amedrontado da parte de Brendon. “Não compreendo porque você precisa de
uma arma, meu amor. Essa é a esportiva?”

“Não, Brendon. Não é a Glock esportiva.” Respondeu Ryan, colocando a arma de volta
em seu devido lugar. “Se quiser, eu te ensino a atirar qualquer dia desses. Você fica
bem com uma arma em punho.”

Brendon apenas assentiu. Não poderia mesmo dizer não ao seu amante e de qualquer
forma, ele bem queria aprender a atirar. Era algo que seria últil algum dia de sua vida,
ainda mais que ele se via cada dia mais afundado em bebidas e cigarros que achava
que teria que contrabandear os mesmos para alimentar seu vício. Mal sabia ele que ele
ainda não havia atingido o fundo do poço.

Tocar depois daquela cena em sua mente, foi difícil. Sempre se lembraria da voz
sensual de Ryan em seu ouvido, informando que a arma estava bem carregada, que
poderia matá-lo. Cantando “Lying is the most fun a girl can have without taking her
clothes off” a voz de Brendon pareceu mais sensual que os demais da banda não
conseguiram entender o motive de tanta sensualidade. Ryan quis rir, mas não queria
contar aos amigos que tinha uma arma ali. Não contou mesmo, preferiu ficar em
silêncio, era o melhor por hora.
Salt Lake City, Janeiro 2011. </i>

Cash Colligan batia a mão na mesa, como se fosse simplesmente um pandeiro, e


esperava orientações do advogado que não havia chegado para tomar qualquer
providência. Enquanto isso, Zac que estava tomando o depoimento dele sobre o tiroteio
que envolvera até um membro da CIA, já havia até desistido de fazer qualquer pergunta.
Soube pelo próprio Cash que me mandara um torpedo com um “911”. Quase tive um
ataque, porque se Zac perguntasse qual o envolvimento que ele tinha comigo e ele se
sentisse ameaçado, ele com certeza, destrincharia meu passado para quem quisesse
ouvir.

Existem um milhão – ou mais – de ditados populares nesse mundo, mas talvez nenhum
deles faz tanto sentido quanto “desgraça pouca é bobagem”. Não bastava eu ter uma
filha de consideração seqüestrada, um amigo pra defender, uma investigação perigosa
ainda tinha que socorrer Cash Colligan e me socorrer. Não podia dizer que estava
pronto pra isso, mas era obrigado a sair correndo pra resolver.

Ian ficara encabulado com o pulo que dei para sair. Não fiz nada além de correr para o
carro e seguir para a coorporação. Avisei Dettman também, para que trouxesse alguém
para intervir no interrogatório, porque ninguém podia prosseguir com aquilo. Claro, eu
tinha um álibi pros tiros que disparei, eu avisei a central, mas ainda tinha um pequeno
detalhe: o que eu estava fazendo perto do fórum?

Claro, nada mais justo que ir visitar de surpresa o Weston!

Dettman chegou junto comigo, na verdade. Nós dois tivemos que dar uma de herói e
salvar nossas próprias peles. Chamei Zac e tentei convencê-lo de que aquilo não era
realmene necessário, mas não fui convincente o suficiente. Zachary me disse que
entrevistaria nós três. Suspirei longamente e maquinei exatamente o que diria, até que
Dettman teve algum tipo de força.

“Isso psasa a ser uma investigação pertencente à CIA, detetive Farro.” Avisara. “Não
aja como se não soubesse, meu caro.”
Zach se viu obrigado a deixar de lado aquele pequeno infortúnio enquanto eu respirava
aliviado devido ao aperto que passei muito perto de ser obrigado a desvendar mais uma
parte de meu passado. Não que eu escondesse muita coisa, mas nós todos tínhamos,
verdadeiramente, do que nos envergonhar. Eu não era uma exceção, de fato.

“Vá pra casa, Zac. Vá saber sobre sua sobrinha e me mantenha informado. Vou ficar por
aqui um pouco.” Falei. “Preciso ver se descubro alguma coisa sobre o Carl que me
ajude a encontrá-lo.”

“Quer ajuda?” Falou, suspirando. “Ian, Josh e eu estamos investigando o seqüestro


dela...”

“Não se preocupe comigo, Zac. Eu vou ficar bem.” Sorri e ele assentiu, agradecido. Era
claro qe eu queria mesmo ter dito a verdade, mas eu não podia dizer que Dettman
perseguia Windsor e Ross há muito mais tempo que eu. Quando descemos ao arquivo
para eu mostrar os arquivos ao Dettman, Cash já havia ido para casa e eu encontrei Ian
lá mexendo nos tais arquivos.

“Qualquer um tem acesso a esses arquivos?” Perguntou Cameron, referindo-se ao Ian.

“Na verdade, sim, mas o detetive Crawford é uma peça-chave em minha investigação,
agente Dettman.” Falei, suspirando longamente. Cameron encolheu os ombros e Ian
levantou-se do chão quase que imediatamente para receber-nos. Acho que ele tinha
adivinhado muito bem o que íamos fazer. Conversar sobre nossas descobertas e
descobrir muito mais.

“Então, ele conhece as informações que eu te passei sobre o Matthew?” Assenti. “Certo,
eu andei investigando mais um pouco e segundo a Interpol, ele foi dado como morto em
2005. Parece-me que tem mesmo a ver com aquelas gangues daqui. Já que fora ele que
desencadeou a ‘Guerra de Salt Lake’, ele teve o que merecia.”

“Mas até onde afetaria a vida do Ross?” Ian ergueu a sobrancelha. “Eles são arquirivais,
disso nós sabemos, mas porque descontar em uma mulher. Não sei se você sabe, agente,
mas a mulher do George II está sob proteção do FBI porque tem gente atrás dela, pra
matar. Ryan Ross acha que vem daqui, de Salt Lake, como conseqüência, dos Windsor.”

“Não, não creio.” Cameron disse, encolhendo os ombros. “Segundo a ficha dele na
Interpol, que acredite, são arquivos ultra-secretos, o George está impossibilitado de
fazer qualquer atentado aos Windsor e Sandra Ross nunca fora mencionada em nada.
Tenho pra mim que é coisa do pessoal do Brobeck, pela morte do pai.”

“Uh.” Girei os olhos. “De qualquer forma, acho que estamos mais perto que nunca de
conseguir algo concreto. Essas aqui são as balas que eu disse que não foram perciciadas
e eu sei que você vai dar um jeito nisso, certo?” Peguei o saco de evidência de dentro da
caixa e Dettman assentiu.

“Eu acho que a chave desse mistério todo está na Guerra.” Dettman falou. “Tudo o que
temos até agora, de alguma forma, deságua na Guerra. Não importa por quais caminhos
andamos, sempre paramos na mesma tecla; a Guerra de Salt Lake.”

“Tem razão, agente Dettman.” Ian falou. “O Weekes estava como patrulheiro naquela
guerra. Talvez se ele conseguisse falar um pouco sobre isso, ajudaria muito nossas
investigações e resolveríamos o mistério.”

“Nada do que eu me lembro vai ajudar coisa alguma.”

Confesso, eu menti. Lembrava-me de detalhes de tudo o que eu vivi. Eu havia mesmo


dado voz de prisão a Matthew Windsor, havia sido aclamado por meus colegas por ter
colocado as mãos naquele sujeitinho, mas ele escapara quando o filho nojento dele me
pôs uma arma na cabeça e só não me matou porque conhecia como funcionava.
Ninguém me matou porque eu tinha recomendação; eu era o namorado de Ian, eu era o
cara que era namorado do homem que conhecia bem o submundo do crime, e seria um
excelente motivo pra mais uma guerra.

Eu não gosto de me lembrar daquele maldito dia, do dia em que por várias vezes na
minha noite, sentindo várias armas em minha direção e, por várias vezes, acuado como
um bicho sobre a mira do caçador, com meu alvo fixado em Ian, eu sobrevivi. Quando
dizem que uma guerra deixa marcas, eu sou a prova viva. A guerra deixa marcas
dolorosas nas pessoas, nas mentes. As coisas que vi e vivi jamais sairia de minha
mente.

“Eu... prendi o Matthew. Eu dei voz de prisão a ele, o conduzi...” Falei, meio
suspirando, meio baixinho, mordendo o canto do lábio. “Eu o conduzi como deveria ser
feito, mas então eu senti uma arma na cabeça, me obrigando a soltá-lo. Nunca vou me
esquecer do tom de voz forte que veio ao meu ouvido, me mandando soltar um dos
meus maiores troféus. Pra minha sorte, alguns policiais viram meu constrangimento,
mas estavam preocupados demais com as próprias vidas para me ajudar. Então eu fui
obrigado a liberá-lo para sair e continuar com aquela merda toda. É uma questão de
honra pra mim. Quero saber se estar vivo ou morto. Quanto a Ross, o filho, eu não
posso deixar que as gangues descontem nele uma coisa que ele não fez.”

“V-você prendeu um Windsor e o deixou escapar?” Dettman franziu o cenho. “Que tipo
de otário é você, Weekes?”

“Do tipo que precisa voltar inteiro pra casa.” Encolhi os ombros. “Tudo o que eu não
queria naquela noite era morrer. Quando o Carl Windsor me pôs uma arma na cabeça,
eu soltei o desgraçado e atirei na perna dele. Sei que isso pode ser um motivo pro
seqüestro da Sarah, mas acredito que essa guerra não tenha muito a ver. O Cash me
falou que o Carl tá trabalhando pro Brobeck, por incrível que pareça.”

“Deus!” Dettman falou, surpreso.

“Dettman, eu conheço as gangues por dentro.” Falou Ian, observando nossa situação
com cautela. “Tenho amizade com os dois lados, tanto Johnson quanto o Brobeck,
porque o último teve um relacionamento com a minha irmã. Aquilo ali é uma hipocrisia
sem tamanho. Tendo um pouco de talento, acaba entrando. Eu mesmo estava quotado
para entrar nas duas, só precisava escolher e eu continuaria amigo e tendo proteção
deles. Acredite, a inimizade maior veio dos pais desses garotos e por território. De vez
em quando, eles são civilizados. Acho, de verdade, que o que o Carl está tentando é
fazer uma nova guerra.”
Conversar aquele dia sobre os objetivos do Carl e mostrar nosso arquivo sobre o Ross
para nos ajudar a desvendar alguns mistérios sobre tudo aquilo o que preocupava meu
amigo. Que deixava um pouco mais grave toda aquela investigação; a mãe de Ryan não
merecia sofrer em nada. A mãe de Ryan havia passado por muita coisa e mesmo assim
ainda era ameaçada de morte por algum idiota querendo vingança. Mãe nenhuma
merecia isso.

Enquanto eu me enfiava no submundo, corria meus riscos pra manter a senhora George
Ryan Ross II sã e salva, Carl estava em algum ponto da cidade com Sarah. Eu poderia
imaginar tanta coisa, menos o que realmente estava acontecendo por lá. Talvez por
pensarmos sempre o pior vindo de Windsor, mas nunca sonhávamos com objetivos tão
simples da parte dele. Naquele ponto de Salt Lake City (que todos nós daríamos tudo
para saber qual era) Sarah contemplava o lugar estranho e tinha os olhos cheios d’água.
Estava estranhando a cama e a solidão, já que em minha casa estava sempre cheia de
gente. Josh, que vez ou outra aparecia lá em casa pra tomar uma cerveja e ver a filha.
Zac que aparecia junto com o irmão. Brendon e Hayley que quando se juntavam a
Sarah, pareciam mais duas crianças. Tinha a mim, que sempre tinha uma música na
ponta da língua, que a ensinava a depender de música como se depende do ar que se
respira, exatamente como eu. Tinha o sábio Ian que estava sempre preocupado com sua
saúde, mas era sempre tão musical como eu, que dançava ao seu lado e aprontava.
Smith também aparecia, levava Daniel, que aos poucos se recuperava do trauma sofrido.
O mundo parecia ir muito, muito bem quando estávamos todos juntos e Sarah sentia
falta disso, da casa sempre cheia, dos barulhos e até de Ryan.

“Vamos, querida, pare com o choro.” Carl pedia, pintando ligeiramente a ponta do nariz
da menina com tinta guache. Carl havia preparado um quarto para a menina naquele
lugar, mas tudo o que a criança queria era:

“Papaaaai!” Chorava, aos gritos. Carl não queria chamar atenção, então, abraçou a
garotinha e a balançava com doçura. “Quero meu papaaai!”

“Eu to aqui, meu amor.” Ele tentava dizer sereno, mas a menina estava tentando rejeitar
o abraço do seqüestrador e rejeitava que ele lhe chamasse de pai.Então, ele atingiu o
ponto mais fraco de Sarah, começara a cantar uma música dos Beatles baixinho em seu
ouvido. Aquilo foi acalmando a menininha e a deixando mais dócil. A garotinha deitara
a cabeça no ombro de seu seqüestrador e aos poucos foi dormindo, o que deixava Carl
menos receoso. Percebera que conquistar Sarah era fácil, ela só queria música.

Era óbvio que ele a queria consigo enquanto pedófilo que sempre fora, mas ele sempre
preferiu garotos. Ele tivera vários problemas em sua adolescência por causa de seu pai,
por causa dos inimigos que fora obrigado a ter. Aprendera a atirar ainda na infância e se
sentia como uma criança iraquiana fadada ao fracasso. Ainda hoje existia inveja de
Ryan, porque além de ele ainda ter o coração de Brendon, Ryan havia saído daquela
vida horrível. De ameaça a segurança pública à agente especial do F.B.I. e depois de
tudo, ainda se lembrar de algo que, pra ele, era ínfimo.

Carl Windsor era natural de Salt Lake City. Viajava com o pai vez ou outra, mas sempre
voltara pra casa, SLC. Quando nascera, fora muito festejado por seus pais e familiares,
porque além da famíilia estar crescendo – finalmente – ele poderia ajudar o pai nos
negócios sujos da família. No começo, para Carl, era divertido ter uma ligação diferente
com seu pai e ser dono de seu próprio dinheiro, mas aos poucos, isso começara a ser
incômodo.

Ao crescer, percebera que sua família não era ideal. Ele não demorou tanto para
aprender a atirar, foi aos dez anos que seu manejo de armas de fogo fora suficiente para
acompanhar o pai e aprender tudo o que lhe era necessário. Nesses dez anos, então, ele
percebeu vários homens sair e entrar em sua casa, ouvir sua mãe transando com vários
diferentes e acordando, algumas vezes, com hematomas. Poderia escrever um livro de
contos eróticos com a imaginação que tinha e os hematomas de sua mãe. Ele realmente
tentou; uma ninfomaníaca que não se contentava enquanto não vivesse todas as
experiências sexuais possíveis e imagináveis, mas não conseguiu dar continuidade,
porque era muito novo e não conhecia o sexo. Além de, claro, seu pai ter pego e o
surrado por causa disso.

A idéia da ninfomaníaca era boa. Carl sabia que a arte estava dentro de si, mas teve que
escondê-la. Quando fez doze anos, conhecera um menino de seis anos que daria um
trabalho danado. Carl acabou apegando-se muito ao garotinho, cuidava dele como se
realmente fosse seu pai. Não sabia ao certo se o menino era seu irmão pelos dois lados,
mas não se importava. Com o dinheiro que conseguia cooperando com o pai, Carl
gastava com o pequeno e o ensinava que o melhor era ser nerd e não ser como ele.

Eles passavam pouco tempo em casa, mas vez ou outra, Carl ficava um ano parado para
ficar com o irmãozinho e educá-lo. Vez ou outra, o pai também ficava por ali para ver o
crescimento do menino que ficava cada vez mais apegado ao irmão. Carl vira Mattew
entrar em algo sem volta; vira seu pai se afundar nas bebidas. Os hematomas de sua mãe
começaram a ser diários e seu irmãozinho estava sempre assustado. Não fazia o estilo
do pequeno e Carl começou a ficar irritado, a observar em silêncio as coisas que
acontecia.

Lembrava-se muito bem de quando sua vida mudou. Tinha dezesseis anos quando ele
viu um menino na escola. Um menino de cabelos e olhos castanhos, de sorriso fácil.
Daria tudo para se aproximar daquele menino, mas não sem estudá-lo, sem descobri-lo e
analisá-lo da melhor forma possível. Queria ser o amigo ideal e, pela primeira vez, quis
ser o homem que lhe fizesse feliz. Carl seria um bom pai (a final, ele já tinha um
menino como filho), seria um bom esposo e com certeza, um bom amante. Carl
Windsor não tinha bagagem apenas de armas, Carl tinha uma bagagem muito maior.
Quando ele viu o menino que tinha o nome de Brendon Urie sabia de uma coisa: era o
homem de sua vida.

Lembrava-se também de um dia em que um maldito Ross entrou em sua vida.


Transformou qualquer chance dele em nula de ter aquele homem. Carl percebeu que a
mínima chance que teria era se transformando em um maldito Ross para possuir o anjo
que chamava de Brendon. Seu irmãozinho achou absurdo! Ora, porque ser como alguém
tão nojento, mas compreendeu o tamanho do sentimento do menino. Ross era
exatamente como ele, no final das contas. Ross era filho de um matador, só que melhor
que Carl em absolutamente tudo.

Era melhor nos tiros (a final, era um prodígio com armas de fogo), era melhor com os
garotos (tinha quem ele bem queria, com um estalar de dedos e os jogava fora como se
fossem lixo!), era melhor até no campo familiar. Sem revelar seu sobrenome, Carl se
aproximou de Ryan e tentou uma amizade. Percebera que com Brendon, o seu Brendon,
Ryan estava demorando tempo demais para jogar Brendon como lixo, seu plano de
consolá-lo como bom amigo e conquistá-lo seria demorado demais.

Carl Windsor tinha medo de Ryan Ross porque ele tinha um quase filho, porque poderia
ser descontado no seu menino – o que ele jamais perdoaria – mas acima de tudo, tinha
medo da forma com que Ryan manipulava suas armas, da falta de remorso que tinha ao
matar uma pessoa. Era coisas dos Ross ser exatamente assim, cruéis e meticulosos por
isso nunca eram pegos!

Só depois de ir pra cama com um Ross, descobrira como agir; violento e sem piedade.
Nunca imaginava que o amor mudaria um nojento de um Ross. Ser um Ross não
poderia ser coisa boa, nunca seria. Seus pais tinham adquirido uma richa extremamente
forte, porque eles tinham os mesmos clientes e trabalhavam para homens diferentes.
Matthew não costumava poupar o filho de nada! Esfregava os olhos do pequeno às
cenas mais cruéis para que ele desenvolvesse um mecanismo de defesa, mas ele estava
encantado com a inocência de Brendon e de certa forma queria preservar um pouco da
sua própria inocência para encantar o amado. Ser como um Ross era como uma afronta!
Mas ele o faria, por amor.

Sua vida virou de ponta cabeça quando Ryan fora embora. Finalmente teria seu Brendon
apenas para si! Estava cansado de esperar. Aproximou-se de fato de Brendon, iludiu-o
com música e fez dele o que bem quis. Avisara que pertencia a ele, perseguira, frustrara
qualquer chance que Brendon tinha de ser feliz. Com garotas, com homens. Quando
Hayley ficou grávida, foi um problema. Ela foi atacada por Carl diversas vezes, porque
se casara com o amor de sua vida e só depois que soube que o casamento era de
fachada, deixou os dois em paz. Brendon só podia ser de uma pessoa: dele.

Em dois mil e três, Carl descobriu algo que mudou pra sempre o relacionamento com
seu pai. Ele era um bom escritor e, agora, conhecendo o sexo, a história da
ninfomaníaca estava pronta em seu computador, mas jamais seria lida por alguém,
porque ele era um menino foragido da justiça. Ryan Ross poderia ter uma família
complicada – e ele tinha – mas nesse quesito, Carl superava qualquer um. Em dois mil e
três Carl chegara em casa, bêbado junto com seu pai. O menino, que era como um filho
para Carl, abraçou o irmão com força, escondendo o rosto nas costas dele. Carl
estranhara a reação do garoto. Nunca o havia visto tão assustado! Sua mãe, apesar de ser
uma coroa com seus quarenta e tantos, estava em plena atividade. Matthew ouvia os
gemidos, a cama ranger e saiu em direção ao quarto do casal.

“Eles vão brigar de novo.” Dissera o menor.

“Claro que vão, filho.” Respondeu Carl, virando para o irmão. “Mas nós dois não temos
culpa de nada, hm? Quer... dormir no meu quarto hoje? Abraçados.”

O menino apenas assentiu e perguntou: “Por que quando... q-quando eles brigam, papai
vem descontar em mim?” Medroso, o irmão menor de Carl olhou para ele que
imaginou, em um primeiro momento, que ouvira coisas por causa do excesso de álcool
no sangue. A aquela altura do campeonato, o cliente pagante da senhora Windsor já
havia passado por eles, de cabelo desarrumado e os gemidos da mãe eram dolorosos,
porque apanhava por manter a profissão. Carl e o irmão ouviam os pais se ofenderem e
a questão sendo levantada: os meninos eram mesmo filhos de Matthew?

“O que o papai faz com você?” Perguntou, protetor. “Eu não vou brigar com você,
querido. Só quero proteger você de tudo, lembra? Eu prometi que te protegeria de
<i>qualquer</i> monstro e se nosso pai for um, eu vou... acabar com ele.”

“Você tem uma arma. Eu vi no seu criado-mudo.” O menino desviou ligeiramente o


assunto. “Me ensina a atirar?”

“Você nunca se interessou por armas, meu querido.” Falara Carl, franzindo o cenho. “O
que ele fez com você pra você se interessar por tiro? Já disse, não ficarei bravo com
você.”

“Isso d-depende do quanto a mamãe o magoou.” Falara por fim, assustando o irmão
maior. “E-ele já fez de um tudo comigo. Tudo mesmo o que imaginar, mas não conta
pra ele não, Carl. Não faz a coisa piorar!”
“Vá pro meu quarto e liga o som.” Deu um beijinho no rosto de seu irmão. Assegurou-
se de que ele estava a salvo antes de acertar suas contas com seu pai. Estava disposto a
inventar um punhado de mentiras para irritá-lo até que ele tentasse algo contra si.

Foi o que Carl fez! Definitivamente, eles se enfrentaram, mas Carl não controlou a
raiva. Bateu em seu pai até quase matá-lo e só não o fez porque seu irmão o segurou.
Sua mãe também implorou pela vida do homem. Depois, nunca mais ouviu-se falar da
família de Carl. Ou nem tanto.

Hayley havia acordado meio grogue. Percebia que sua cabeça estava deitada sobre o
colo de Joshua e que estava sozinha. Brendon havia ido à cozinha para comer alguma
coisa. Joshua não conteve um sorriso frágil, sem muito humor, mas não menos
apaixonado.

“Ooi.” Josh murmurmou. “Quer ajuda pra levantar?”

“N-não, eu to bem.” Respondeu, coçando os olhos. “Cadê <i>nossa</i> garotinha,


Josh?”

<i>Nossa garotinha</i>. Embora tanta coisa ruim houvesse acontecido com Joshua
nos últimos dias, estar sem Sarah acabou fazendo algo que ele não esperava realmente.
Seu plano inicial era fazê-la notar sua presença, impondo-a através das formas mais
desagradáveis para que ela o notasse depois. Após falar comigo, o plano mudou; ele
estava tentando fazê-la recordar dos bons momentos, tentava lembraá-la do quanto ele
era divertido, dos planos que fizeram juntos. Ele nunca soube que ela soubera do câncer.
Hayley estava lá, olhando pra ele, buscando desesperadamente uma resposta para aquela
pergunta que ela sabia que ele não tinha a resposta.

Hayley estava lá, chamando Sarah de nossa garotinha. Desde quando Joshua ressurgiu
em sua vida, uma das coisas que ela menos admitia era que Josh referisse à garotinha
como “<i>nossa</i>” e desde quando eles começaram a se falar a respeito disso, da
paternidade da garotinha, sempre vinha um monte de nomes na frente do seu. Josh
estava feliz, apesar de tudo. Depois desses dias com coisas ruins acontecendo em sua
vida, uma atrás da outra, ser o apoio de Hayley lhe renovava as forças.
“Zac, Ian e eu estamos tentando encontrá-la, Hay.” Foi o que ele respondeu. “Eu decidi
ficar aqui pra cuidar de você e ter notícias quando o desgraçado ligar, mas coordeno
daqui. Ajudo no que posso.”

“Não agüento mais essa ausência.” Hayley reclamou. “Sei que está todo mundo fazendo
o que pode, conheço os procedimentos, mas parecem que não funcionam! Eu quero
minha filha, Josh.”

Joshua levantou o rosto da ex-namorada, fazendo com que a menina olhasse


diretamente pra ele, pra que como uma confissão, ele disse: “Nós vamos achar nossa
menina nem que seja a última coisa que eu faça no mundo. Nem que eu tenha que
procurar o desgraçado à margem da lei, mas ele vai devolver nossa filha.”

“Eu mesma te mato se você virar bandido.” Advertiu Hayley, cutucando-o de leve.
“Falando em notícias, quanto o desgraçado pediu de resgate?”

“Nada.” Respondeu. “Esse é o motivo da dificuldade de encontrá-lo e ele sempre


desliga antes dos dois minutos que precisamos pra rastreá-lo. Ele sabe muito bem o que
está fazendo e, ainda por cima, conhece as fichas policias de cada um aqui com
destreza.”

“Eu não tenho passagens.” Encolheu os ombros. “Você tem?”

“Algumas. O Ryan tem, o Dallon tem ficha, o Brendon então...” Falara, suspirando.
“Vamos ver como a gente vai lutar com alguém que não é comum.”

A menina apenas suspirou, assentindo. Não havia muito que fazer. As horas eram
longas e árduas. Eu tinha muito que fazer e me desdobrava, Deixei Dettman com Ian no
arquivo, discutindo sobre os Windsor, sobre o seqüestro e sobre outras coisas (vulgo:
eu) e subi as escadas, indo pra parte de atendimento, fazer cópias dos arquivos que
estavam no pendrive e na minha sala que divido com Brendon, Alex DeLeon estava
sentado em minha cadeira.
“Oi, Alex.” Falei, me sentando na cadeira de visitas. “O que devo a honra?”

“Oi, Weekes.” Suspirou. “Você mandou, mesmo, o Cash lá em casa ou o


desembargador foi lá em casa com essa desculpa do seu pedido pra me ver?”

“Eu, atualmente, estou com o rabo muito bem preso ao Colligan, infelizmente.” Relaxei.
“Eu realmente pedi que fosse te procurar porque eu preciso muito de sua ajuda pra
encobrir alguns rastros que nós todos deixamos e somente você tem acesso ao que eu
quero.”

“Não sabia que você podia descer tão baixo.” Falou com ar de decepção e eu encolhi os
ombros, abaixando meus olhos. Eu não queria, nem de longe, ter o rabo preso com Cash
Colligan, mas não tive muita escolha. “Pois, diga-me, o que quer?”

“Dois favores. O primeiro, que eu tenho certeza que você terá algum interesse.” Falei,
meio desconsertado. “Lembra-se dos papéis que falsificamos quando você não era
promotor no nome de seus pais? Tem gente mexendo na minha vida, Alex, e eu não
posso deixar que achem isso tudo. Nós todos vamos presos!”

“Quem é o desgraçado que tá fazendo isso?” Falou meio irritado. “Eu vou dar um jeito
nos papéis, claro, eu tenho meus interesses neles, mas... Por que porra alguém ia querer
ir tão fundo em você? Pra quê? Você anda tão acima de suspeitas nos últimos anos.”

“Brendon. Ian pediu pra que ele me investigasse, num momento de raiva.” Suspirei.
“Nós dois sabemos a bosta que isso vai dar se ele achar alguma coisa minha.”

“Certo, eu já disse que eu vou dar um jeito nisso e uma surra no Ian.” Girou os olhos.

“Se tocar no Ian eu acabo com você.” Falei, apontando o dedo pro rosto dele. “Estamos
conversados, DeLeon?”

“Calma, gatinho, eu tava brincando.” DeLeon riu baixo. “Faltam dois favores que disse.
No que posso ajudá-lo.”
“Acesso. Preciso de acesso aos arquivos da promotoria sobre os Windsor e sobre os
Ross. Eu to metido até o pescoço numa investigação perigosa, paralela e sigilosa junto
com Cash e Ian. Eu quero colocar as mãos nesses bandidos, mas preciso ter acesso a
coisas mais precisas que o que eu tenho. Me ajuda, por favor.”

“Você só pode ser louco! Não era pra você estar mexendo com <i>nada</i> que viesse
com o sobrenome de Windsor!” DeLeon falou irritado. “Você sabe que se te pegarem
mexendo nisso vai dar cadeia e o tanto de gente que quer te matar, Weekes! Entenda de
uma vez que você só está vivo por causa das amizades do Ian e ser preso não está em
questão.”

“Eu sei! Mas é uma questão de honra prender o Windsor pai. O Matthew! É questão de
honra prender o George II [n/a: nessa hora que o Ryan chega e mata do D –NNN, parei]
e eu preciso desse acesso pra conseguir! Nem ouse me pedir pra te pôr a par das
investigações. Eu sei que o fórum foi roubado e eu preciso saber tudo o que a
promotoria tiver pra me ajudar sobre isso. Os arquivos dos Ross foram praticamente
todos apagados, porque o Ryan está no FBI, mas... Por favor.”

“Depois dessa investigação você vai parar de mexer com qualquer coisa que tenha
Windsor no nome, certo?” Falou. “Eu não quero mandar te prender por violação do
acordo que a promotoria fez com você quando você investigou por conta própria o
assalto de Brendon Urie.”

“Estupro.” Corrigi. “Foi um estupro, aquele dia, do Brendon e eu reabri esse caso.”

“Eu tenho que esperar pra te matar ou aqui mesmo tá bom?” Alexander disse irritado.
“Que tipo de retardado é você, caralho? Quem te deixou reabrir esse caso?”

“Alexander Tanner Marshall.” Encolhi os ombros. “Eu tenho provas que ligam Windsor
ao Brendon e ao enteado do Smith, Daniel, de que o Carl violentou os dois com estrema
frieza, sendo o último, DeLeon, apenas para comemorar oito anos da violação do
primeiro. As provas que mostrei pro Marshall caracterizaram reincidência o que me deu
total direito de reabrir o caso do Urie sem ser preso.”
“Ponto pra você!” Alex girou os olhos. “De qualquer forma, eu vou ver se acho alguma
coisa interessante pra te mostrar dos arquivos da promotoria. Só lhe peço que não
mande mais o Cash; primeiro que o Alex fica irritado, segundo que eu não gosto de
voltar a tudo o que ele me fez passar na mão dele. Quero uma vida calma, Dallon e ao
lado do Cash eu só consegui o oposto.”

“Tudo bem, me desculpe por isso.” Suspirei.

As coisas pareciam piorar a cada dia. Poque eu sempre tinha que envolver mais um na
minha investigação e fazê-los correrem sérios riscos de ir pra cadeia. Eu nunca tive
muitos freios quando algo me fascina, talvez eu devesse atentar a um pequeno detalhe:
nem tudo é o que parece e pessoas inofencivas não são tão inofensivas assim.

<b><u>Fim do Capítulo Onze.

Doze: The last thing I see you are never coming home.
Título: The Ghost Of You, My Chemical Romance.</b></u>

Egoísmo. É a palavra que mais tem me perseguido nos últimos dias. Quanto mais tenho
pensado na minha vida medíocre, mais tenho percebido que é o egoísmo o que acontece
comigo. Amo em demasia e como se fosse uma sereia, afundo meus amigos e namorado
para o fundo de um mar de problemas. Engraçado, Ian fala que Brendon é egoísta por
não ver tudo o que eu fiz por ele desde que o conheci, mas eu não fico atrás! Não
mesmo.

Às vezes eu paro para pensar em toda a minha tragetória de vida, penso que envolvi
pessoas demais e vivi minhas coisas pela metade. Talvez meu casamento seja o exemplo
mais claro de que está tudo errado na minha vida. As pessoas não compreendem o
tamanho de meus atos, mas o fato de não pensar em mim não me tornaria egoísta, certo?
Talvez. Talvez pelo fato de eu sempre envolver pessoas demais.

Lembro-me bem das coisas que eu já fiz por amor e lembro-me bem de uma frase vinda
de Ryan que me marcou bastante: “As coisas que fiz por amor são só minhas. Não
preciso exibi-las.” E então creio que devia ser mais como ele; que se deixa ser pisado
apenas pelo orgulho de não dizer que o amor o move como faz com a maioria das
pessoas, mas Ian jamais me deixaria eu agir com essa nobreza.

Até que ponto vale a pena ser nobre, se os olhos verdes de Ian me recriminam, então
sempre acabo mostrando o jogo, falando o que faço por amor. Eu faço tudo o que está
ao meu alcance, a final, por um sorriso e os olhos verdes brilhantes de Ian. O inverno
sempre foi a estação que mais senti falta de Ian durante os anos de separação. No
primeiro ano da mesma, lembro-me bem, que meu amado mandou-me tomar naquele
lugar quando cheguei em seu hotel com uma garrafa de vinho. Claro que quando
terminamos, nunca deixamos a amizade e a proximidade de lado, mas eu tive que me
contentar com isso.

Era mais um dia que amanhecia e eu estava na coorporação, caído sobre meu
computador sozinho. De verdade, eu não vi quando Ian entrara em minha sala, só
percebi quando carinhosamente acariciava meu cabelo e o puxava – acredite, foi bem
gentil vindo dele – meu cabelo para que eu acordasse.

“Hm, ooi?” Arrastei sonolento, deparando-me com o sorriso de Ian.

“Você precisa dormir de verdade, sabia?” Een falou, bagunçando mais meu cabelo. “E
precisa fazer a barba e tomar um banho, você tá fedendo!”

“Eu to?” Franzi o cenho, e então Ian riu baixo, abraçando meu pescoço carinhosamente.
Relaxei em seu abraço, com os olhos fechados, sem me importar com nada pela
primeira vez desde que conheci Ian Crawford. “Sabe por que eu gosto tanto de você,
baixinho?”

“Diz.” Falou baixiho no meu ouvido. “Eu gosto de te ouvir e você sabe muito bem
disso.”

“Porque você descobre com um olhar rápido todas as minhas necessidades, sem que eu
tenha que dizer nada a você.” Falei, tão baixinho quanto ele, virando meu rosto. “Você
não tem noção do quanto eu precisava de um tempo sozinho com você, pra ser abraçado
dessa forma. No meio desse furacão de problemas, Ian, é você e esses seus pequenos
gestos que fazem tudo o que há de errado na minha vida parecer menos egoísta e valer a
pena. Sem hipocrisia nenhuma.”

“Isso é covardia, D.” Ele riu baixinho, mas aquele sorriso bobo que eu tanto amava
estava em seu rosto e seus olhos pareciam mais duas raras esmeraldas tamanho era o
brilho que tinha neles naquele momento. “Eu não tava pronto pra isso, poxa.”

“Você me acordou e puxou meu cabelo, Een, era o mínimo que eu poderia fazer pra
retribuir.” Sorri, roubando um selinho rápido. “Quer carona pra casa? Eu to fedendo
ainda, preciso de um café e um energético e quero pegar o Carl o mais rápido possível.”

“Eu te deixaria dormir, mas eu preciso ir pra sua casa. Carl ligou e disse que queria que
você ouvisse o que ele tem a dizer. Ele disse que se eu te contasse, eu poderia distorcer
toda a situação ao meu favor, já que eu sou amigo de tanta gente importante pra ele.”
Encolheu os ombros, me fazendo rir baixinho. “Do que você tá rindo, seu desgraçado?”

“De você, seu bobo.” Encolhi os ombros, cuidadoso, recebendo um soco fraco no
ombro. “É que eu tava aqui, todo apaixonado, falando do quanto você me conhece e
você me fala uma coisa dessas e acaba com meu clima e meu discurso.”

“Foi você quem começou, seu bobo.” Ian riu baixinho, me fazendo rir junto. “A gente
pode deletar essa minha resposta e começar tudo de novo. A gente recupera seu clima
de romance, hm?”

“Não, deixa isso pra lá. Agora eu quero saber o que aconteceu pro Carl te ligar.”

Acho que Ian não gostou muito da insitência, porque ele me soltou aos poucos e sentou-
se na mesa. Confesso que me senti em uma cena de filme pornô barato, em que a garota
senta-se na mesa de seu professor e o provoca com pequenas e ingênuas (falsamente
ingênuas) atitudes. Seus braços estavam cruzados em frente ao peito, relaxei na cadeira
e comecei a balançar de um lado para o outro, como se estivesse entediado, esperando
que ele dissesse alguma coisa.
“Ele soube que estamos procurando a Sarah, foi por isso que ele ligou, mas ele queria
falar com você, sei lá por qual motivo que ele quer você.” Ian disse. “Me dá as chaves
do carro, eu te levo pra casa. Você tá com cara de quem tomou um porre enorme. O
Carl vai ligar no meu celular de novo, eu acho.”

“Mas não seria lógico que nós estaríamos procurando a Sarah?” Falei, entregando as
chaves pra meu querido esposo e fomos juntos pro estacionamento. Ian apenas encolheu
os ombros. Talvez ele estivesse escondendo alguma coisa de mim e eu não conseguiria
tirar dele, talvez fosse mais óbvio do que eu pudesse pensar. Ele soube da nossa
investigação paralela.

De qualquer forma, me passou algo pela cabeça. Algo maluco, mas talvez fosse nossa
única chance. A única coisa que eu queria no momento, era a alegria de Sarah correndo
pela minha casa e me fazendo rir com as enrascadas que ela colocava seus pais.

A Sarah é um pouco minha filha, mas apesar disso, meus planos de constituir família
com Ian estão cada vez mais firmes. Depois que Sarah surgiu, eu percebi que ser pai é
tudo o que eu realmente queria. Acordar no meio da noite pra cantar pro meu filho, pra
que ele se acalmasse e voltasse a dormir, mas isso me remeteu ao dia que Ian e eu
fizemos esse tipo de plano. Ian apenas riu na minha cara e disse:

“Você só pode estar brincando comigo!” e depois alongou a risada. “Eu não vou cuidar
sozinho de uma criança, D. Eu faço medicina e não tenho tempo nem mesmo pra cuidar
de mim, quem dirá de uma criança.”

“Você não vai cuidar sozinho.” Eu repliquei na época. “Eu quero encher nossa casa de
crianças e amar você o resto da minha vida.”

“Só que você, Dallon, trabalha quase que vinte horas por dia e vai acabar sobrando pra
mim. Eu não vou poder fazer as duas coisas bem e vou me estressar. Quando você
raramente estiver em casa, eu vou te usar pra reclamar de não estar conseguindo fazer
nada. Não me entenda mal, meu querido. Eu quero ter uma família com você, mas antes
disso, eu quero ser um bom profissional e quero você realmente comigo num momento
desses.” Lembro-me bem que Ian me deu um beijo meio longo, calando qualquer
possibilidade de revide. “Deixa esses <i>nossos</i> planos pra quando nossa vida
estiver estável e a gente tiver, pelo menos, tempo pra dormir nós dois juntos.”

Naquele dia eu achei bem ruim a atitude de Ian, mas hoje eu o compreendo. Ele tinha
razão em cada palavra que dizia. Por mais que eu ame a Sarah, que brinque com ela e
que molde seu gosto musical, ela não é minha filha. Eu passo pouco tempo demais com
ela. Não sou eu quem cuida dela quando está doente ou quem perde o sono quando ela
tem pesadelos. Eu geralmente trabalho muito pra conseguir pensar em ser pai. Eu sou o
melhor amigo grande da Sarah.

Chegar em casa tem sido um desafio pra mim e o meu amado percebe até isso. Todas as
vezes que saí de casa nesse meio tempo em que Sarah está sobre poder do Carl, tem sido
Ian quem me coloca pra dentro de casa e me obriga a me cuidar. Sinto falta da casa
alegre e dos sorrisos depois de um dia difícil de trabalho. Chegar em casa, sem Ian, seria
impossível. Quando abri a porta, todos estavam com aquela cara de descrença, meus
amigos estavam todos olhando para minha entrada e então, perguntei.

“Carl ligou?”

“Ligou.” Brendon respondeu. “Disse que queria falar contigo e só contigo.”

“Ótimo.” Respondi irônico, coçando os olhos. “Ian disse que ele ligou no celular dele
procurando por mim. Sinceramente, não entendo porque eu. Desde que Ryan veio pra
cá, minha amizade com o Brendon não é mais a mesma e tudo o que esse maldito faz é,
de certa forma, pra atingir o Brendon!”

Todos se entreolharam nesse momento. Eu realmente estava pronto para cair na


primeira cama que eu visse e dormir o resto da minha vida, mas eu sabia que tinha
muita coisa em jogo. Ian apenas foi a cozinha e demorou mais que eu imaginei que ele
fosse. O clima na minha casa está bem pior do que eu imaginava que estivesse, todos
tinham olhos que me acusavam de alguma coisa e eu confesso que estava com medo do
que aquele maldito Windsor sabia sobre mim.
Então, por sorte ou azar, o telefone de Ian tocou. Como ele havia deixado o celular
comigo enquanto dirigia, eu atendi. Era Carl e eu não fiz a mínima questão de colocar
no viva-voz. Eu queria saber o que ele queria comigo, mas não ia deixá-lo me
constranger.

“Weekes!” Atendi, meio apreensivo.

“Então vocês voltaram mesmo, poxa.” Falou Carl, debochado. “Agora ele deixa o
celular contigo. Que gracinha vocês.”

“Eu quero falar com a Sarah.” Me adiantei e Joshua assentiu. Era isso que tinha que ser
feito. “Quero uma prova de que ela está bem e está viva!”

“Você está agindo feito um civil que você não é. Vamos conversar primeiro sobre o que
eu tenho pra dizer e depois eu dou uma prova pra vocês de que minha boa vontade é
infinita. Aliás, a Sarah está bem feliz por aqui e não se preocupe tanto, eu já cuidei de
crianças.”

“Vamos falar de negócios então.” Suspirei. “Você ligou pra falar sobre o quê? Por que
tinha que ser <i>eu</i>? Não cansa de me infernizar, de remexer o mais profundo dos
meus monstros?”

“O celular está no viva-voz?” Perguntou. “Quero que todos ouçam o que eu vou falar.”

Suspirei, colocando o celular no viva-voz. Ian então me entregou um copo com café e
algumas aspirinas. Talvez não fosse o correto tomar aquilo com a velocidade que o fiz,
mas eu precisava me acalmar. Precisava dormir, tomar banho e de um abraço de Ian.

“O Brobeck quer o Ryan e eu quero saber onde o Ryan está.” Falou, sem o usual tom
debochado. “Nós dois sabemos por que o Brobeck quer o Ryan, Dallon, e eu quero
mesmo é vê-lo sofrer. Você compreende, não é? Faria o mesmo se fosse com--”

“Abrevia.” Falei, cortando-o. “Eu não durmo há dias, meu humor está péssimo. Se
continuar com essa ladainha, eu mesmo desligo na sua cara.”
“Muito engraçado.” Debochou. “Eu quero saber onde o Ryan está pra entregar ao
Brobeck e você sabe onde ele se meteu! Ou é isso, ou eu mato a Sarah.”

“Eu não sei onde o Ryro se enfiou, na verdade.” Falei. “Inclusive eu precisava bastante
falar com ele, mas eu realmente não sei! E eu não ia poder deixar você entregar o
paradeiro do Ross pro Brobeck, é algo injusto! Ele não matou o Brobeck pai e você sabe
disso!”

“Sei, claro que sei. Mas eu tenho contas pra acertar com o Ryan e ele estragou minha
vida.” Suspirou. “Ou me entrega o Ryan ou me entrega o Brendon para ele e eu nos
casarmos e sermos felizes para sempre. Eu sei que ele me amou e que pode voltar a me
amar.”

“Não, Carl.” Brendon interferiu. “Eu sou casado, tenho uma filha. Mesmo que eu aceite
ser entregue, eu não vou deixar de amar o Ryan nem por um segundo e cada dia que eu
estiver ao seu lado, cara, vai ser uma farsa. Cada vez que me possuir, será o Ryan quem
vou ansiar e imaginar que está me fodendo. Nunca o deixei de amar, infelizmente.”

Carl apenas suspirou mais alto e desligou. Fechei os olhos e contei até mil. Eu tinha
uma piada na ponta da língua e antes que eu pensasse em soltar, o telefone tocou
novamente. Atendi, sem falar nada, e Carl tomou a frente: “Ao menos eu sei que você
me entregaria esse desgraçado, não é, Brenny?”

“Claro.” Disse Brendon. Suspirei inconformado. “Eu quero minha filha, Carl, a
qualquer preço. Eu não sei se chego a amar você, mas pela vida da Sarah, eu faço
<i>qualquer coisa</i>.”

“Bom saber, mas agora eu tenho que ser um pouquinho chato porque eu ando
contatando umas pessoas e descobri uma investigação meio estranha do senhor
Crawford. Não quero ninguém me atrapalhando, compreende, senhor Weekes?” Ele
falou, como se tivesse algum tipo de consideração por nós. “Eu sinto dizer que se vou
ter que acabar com esse romancezinho de forma lenta, dolorosa. Já que matar a Sarah
não parece ter importância nenhuma pra nenhum de vocês!”
“Presta bem atenção no que eu vou te dizer, Windsor maldito.” Falei, antes que
qualquer um pudesse falar qualquer coisa. “Não sei de qual investigação estamos
falando, mas se quer atingir o Crawford está pegando pelo lado errado e se tocar no
<i>meu</i> garoto, não vou responder por mim! Foda-se minha reputação, meu
passado, minha vida, minha casa! Se tocar no Ian eu vou até o inferno e qualquer coisa
que qualquer um dos amigos do Ian fizerem com você vai ser três vezes melhor do que
eu farei quando te pegar. E você sabe muito bem como eu sou, seu filho de uma puta.
Você sabe que se eu começo uma caçada, eu vou até o final. Se você soube de uma
investigação, meus parabéns, mas essa porra toda é minha.”

“E você acha que eu tenho medo de um policial que não tem coragem de fazer porra
nenhuma, Weekes?” Ele riu debochadamente. “O único que faria meu pêlo arrepiar
seria o Ryan, mas ninguém sabe o paradeiro dele, supostamente.”

“É injusto você querer tanto o Ryan por uma merda que ele não fez!” Falei, quase
gritando. “<b>Leva a mim e devolva a Sarah! Eu suporto tortura! Eu suporto
qualquer merda, só não agüento mais olhar meus amigos morrendo aos poucos por
uma coisa ridícula dessas! Eu matei o Brobeck, eu prendi o seu pai! Acaba o
serviço que começou, seu filho de uma égua!”</b>

“Não seria uma má idéia terminar o que eu comecei. Conversamos depois sobre isso.
Agora vocês têm duas horas pra me conseguir o Ryan ou a Sarah morre.”

“Você não mataria a Sarah.” Debochei. “O Ryan destruiu sua vida, sim, sobre sua óptica
distorcida, mas se você matar a Sarah, qualquer mínima chance do Brendon te amar vai
por água abaixo! Brendon jamais amaria o homem que matou a filha dele por vingança.
Confia em mim, eu sou o melhor amigo dele e se quer conquistá-lo, está fazendo tudo
fodidamente errado.”

Antes que qualquer coisa pudesse ser feita ou dita, Carl desligou. Hayley que finalmente
parecia ter melhorado o clima de tensão, capturou o celular de Joshua e começou a ligar
pra Spencer. Levantei-me rápido, capturando o telefone dela estupidamente.
“Hayley, não!” Falei. “É injusto! Ele não pode querer entregar o Ryan pro Brobeck Jr.
pra ser torturado, espancado e morto por algo que <i>eu</i> fiz. Eu me entrego pra ele,
não ligo em morrer! Mas é injusto.”

“Dane-se, Dallon, é a minha filha em jogo!” Disse a menina, pulando desajeitadamente


para pegar o celular de minha mão, mas logo percebi que Ian mesmo estava falando
com Spencer no telefone e que logo depois saiu de cena. Não sei ao certo o que ele fez,
o que ele falou, mas quando voltou, avisou que Spencer estava chegando.

Entrei no meu quarto batendo a porta com força. Estava irritado de ter deixado a coisa
escapar daquela forma, por entre meus dedos. Chutei fortemente a cama enquanto
tentava pensar em uma solução. Não sei o que Ian havia feito pra resolver a situação, se
havia feito algo. Nós sabíamos que o único que realmente sabia onde Ryan estava era
Spencer e talvez ele fosse o único que pudesse realmente me ajudar.

“Você.” Brendon entrou também batendo a porta. “Sempre achei que você amasse a
Sarah, Dallon, mas fazer isso é mesquinho, ridículo! Você tá pensando mais num cara
que você conheceu há menos de três meses do que na menina que você viu nascer!”

“Porque é injusto o Ryan pagar por uma merda que eu fiz! É injusto que ele sinta a fúria
do Brobeck por minha culpa!” Falei para Brendon, suspirando, ao que olhava em seus
olhos. “Eu vou me oferecer pra ir no lugar dele. Não tenho medo de morrer, não tenho
medo da fúria que eu vou enfrentar. Eu não matei a sangue frio, era ele ou eu. Era uma
guerra Urie e eu tenho um resquício de esperança que o Joey compreenda isso. O
Johnson nunca gostou de mim e ambos gostam do Ian. Acho que eu to vivo por causa
que o Ian esteve por perto todos esses anos. Compreenda que eu tenho mais chance de
sair vivo dessa porra toda, que eu tenho família perdida em SLC e se eu ficar aleijado ou
vegentando, terei alguém pra cuidar de mim e o Ryan não! Ele é sozinho no mundo
Brendon! Ele não pode expor a família dele nem mesmo por um segundo!”

“O Ryan odeia a família dele, Dallon compreende isso!” Falou. “Eu li a ficha dele, está
certo? Eu to <i>muito</i> assustado com as acusações que tem ali e se o Brobeck acha
que foi ele, eu não--”
“Não termina essa frase!” falei, olhando para Brendon com fúria. “O Ryan pode ter sido
um maldito matador profissional que entrou pro FBI como agente duplo, mas antes
disso ele é um ser humano que estava em uma guerra naquele maldito dia! Não ouse
julgá-lo por uma coisa que eu fiz! Nunca falei com ninguém sobre aquele dia mais que o
necessário. As coisas que aconteceram nas ruas de SLC, eu guardo só pra mim, mas eu
matei o Brobeck! Mataria de novo naquela situação, Brendon!”

“Me conta o que houve, então?”

Suspirei longamente. “Senta.” Disse, andando até a porta para trancá-la. “O que eu vou
te contar, fica aqui, só aqui e ninguém mais precisa saber desse maldito dia.”

“Tudo bem. Eu nunca contei nada do que me disse a ninguém. Você é meu melhor
amigo, Dallon. Amigos contam uns com os outros e não confessam segredos uns dos
outros pra terceiros.”

Contei a Brendon parte do que eu vivi naquele dia. Contei que vi a morte por diversas
vezes naquele dia e logo Brendon estava me abraçando com força enquanto contava.
Não gosto de chorar na frente das pessoas, mas naquele momento não era fácil segurar.
Falar que eu matei uma pessoa que eu queria ter prendido, que dei voz de prisão. Joseph
vira a cena de quando a arma de Ryan fora disparada junto com a minha, mas eu havia
atirado na perna daquele homem e eu estava em sua frente. Nunha conseguiria imaginar
– ou mesmo ver – que existia um dos dois filhos do Brobeck olhando a cena.

Mesmo caído no chão, praticamente rendido, a arma continuava sendo firmemente


segurada por ele. Joseph Brobeck pai estava resistindo firmemente e eu tinha que ter
cuidado com pessoas daquele jeito. Com a arma dele apontada pra minha cabeça, fui
obrigado a atirar pra matar e ainda tentar fazer os primeiros socorros. Acho que foi
nessa hora que ele me viu, quando fui tentar socorrer quem eu sabia que já estava morto.
Talvez esse seja algo que tenha me redimido com o Brobeck Jr até os dias atuais, mas
esse é só meu trabalho.

Mas mesmo com minha confissão detalhada, com meu desespero, Brendon não teve dó
de Ryan, queria entregá-lo ao Carl. Às vezes, eu me indigno com as pessoas ao meu
redor. Me indigno com o tal egoísmo delas. Até mesmo Ian que eu costumo admirar,
naquele dia, me decepcionou e de certa forma eu o compreendo, em seu lugar também
esqueceria meus princípios.

Falando em Ian, eu realmente não sei o que aconteceu depois que conversei com
Brendon. Eu estava nervoso e irritado o suficiente pra apontar a arma pra cabeça do
idiota que falasse em entregar Ryan. Eu não estava confessando um sentimento pelo
garoto, como Brendon dizia, só estava querendo ser justo o suficiente! Não sei qual
acordo fizeram com Carl, mas sinceramente não acho que nas seis horas que dormi
graças ao tranqüilizante, ele não tenha ligado.

Quando acordei, não disse a ninguém e saí. Estava precisando pôr a cabeça no lugar e
conversar com alguém de fora. Não ousei a ligar pra ninguém, mas encontrei DeLeon
pelo meio do caminho com um violão. Havia muito tempo que eu não o via cantando e
tocando. Com certeza, um pouco de música valeria muito a pena. Me aproximei, fiquei
ouvindo cantar uma música que eu não conhecia. Logo imaginei que fosse uma de suas
composições mais recentes. Estávamos na Temple Square e ninguém havia parado pra
escutá-lo.

“Isso aqui não é New York, promotor.” Brinquei e ele se assustou.

“É, eu sei.” Ele sorriu em seguida. “Eu gosto de vir aqui quando quero compor longe do
Alex. Quando é algo que eu não quero que ele saiba da existência até eu mesmo avisá-
lo.”

“Compreendo.” Suspirei. “Eu vim pra cá porque precisava de um tempo só pra mim. Lá
em casa tá o caos completo. Eu não agüento mais, de verdade. Não só o sumiço da
Sarah, mas tudo em geral; as investigações, as suspeitas, o Brobeck. Tudo me cansa.”

“O Brobeck?” Alex segurou melhor o violão, franzindo o cenho. “O que tem o Brobeck
que eu não sei?”
“Nada não. Quero dizer, nada além do usual.” Encolhi os ombros. “E por que você não
quer que o Marshall saiba que você tá compondo? Você é tão bom com as notas e
palavras, que eu realmente acho difícil ele discordar.”

“Ele não gosta muito de música. Não mais. Desde que a banda acabou por motivos de
força maior, o Alex silenciou a voz da música. Ele não encosta em um piano desde
então.” Eu ergui a sobrancelha e ele suspirou resignado. “Isso não me agrada em nada,
mas compreendo que ele mal tem tempo de respirar, quem dirá tocar alguma coisa.”

“E isso não responde minha pergunta.” Falei.

“Certo. Eu to compondo pra ele.” Alex mordeu o cantinho do lábio, corando as


bochechas. “Eu quero que ele saiba que ele conquistou meu amor e que eu me firmei
com ele não por ser confortável, como ele pensa, mas por gostar mesmo. Eu quero
mostrar a música pra ele no aniversário dele e to imaginando alguma coisa no piano,
mas eu não sou bom com isso.”

“O Brendon é. O Brendon e a Hayley.” Encolhi os ombros. “Se quiser me dar as


partituras, eu peço pra um deles ajudar nas escalas com o piano.”

“Obrigado. Eu vou aceitar a ajuda.” Sorriu. “Acha que ele vai gostar?”

“Claro que vai. Você é o homem que mais o ama nesse mundo, certo?” Ergui a
sobrancelha e Alex DeLeon mordeu o lábio. “Talvez esteja na hora de ele deixar esses
ciúmes do Cash de lado e entender que você só tem olhos pra ele. Não deixar o
desembargador se aproximar de você ao meu pedido foi impedir a realização de um
sonho. Ver o Colligan agindo feito pau mandado.”

Alexander riu baixo e concordou com a cabeça. “Eu não tinha visto por esse lado,
Dallon! Cash nunca agiu como um pau mandado de ninguém, exceto quando você
ordenou que ele me procurasse. Ele deve ter um interesse muito grande em seus
serviços e é isso que me mete medo, porque eu sei até que ponto um Colligan pode te
sujar.”
“Esse é o meu medo também.” Suspirou. “Falando no Colligan, você fez o que eu pedi
com as falsificações?”

“Não é tão fácil quanto parece.” Falou. “Mas eu estou tentando de fato. Bem, quer ouvir
a música que eu compus pro Alex? Eu preciso relaxar um pouco.”

“Claro. Você sempre teve uma excelente voz.”

A composição de Alex DeLeon estava ficando maravilhosa. Melhor até do que eu


imaginava que estava ficando. Às vezes, eu chegava a pensar que era culpa da voz
maravilhosa que ele tem. Alex cantando é algo que prende, vicia, ainda mais quando ele
está cantando com todo aquele sentimento! Eu fiquei completamente inebriado pela
música, fiquei tão apaixonado que eu pedi a Alexander para que eu tocasse pra Ian. Ele
deixou, mas acho que foi por causa que eu vou ajudar com o piano.

Passamos um tempo relativamente grande, sentados e falando sobre a música.


Cantamos, tocamos, rimos juntos. Percebi, mais do que nunca, que o que eu precisava
era de um tempo curto para fugir de todos os meus problemas e pensar um pouco em
música e em como compor daquela maneira me faz falta. Relaxa como se eu tivesse
acabado de sair de uma praia ou de um final de semana no Salt Lake. Era mesmo tudo o
que eu precisava.

Eu me arrastei até em casa, praticamente. Sugurava cuidadosamente as partituras de


Alexander, como se fossem muito valiosas. Não cumprimentei ninguém, até porque eu
não queria discutir com ninguém. Encontrei com Spencer e Ian conversando em meu
quarto e silenciosamente guardei as partituras. Os meninos me olhavam e eu apenas
mantinha o silêncio, lembrando-me bem que gaurdar segredos é desgastante, irritante e
prejudicial à saúde.

Conversamos um pouco e o Spencer me consolou. Ele havia dito que entregara o Ryan,
falara qual era o telefone que ele atenderia, mas disse que era porque entendia os dois
lados. Ele teve o filho nas mãos do Carl. Me consolou em saber que Ryan poderia ter
tirado os pais dele daquele lugar. Soube também que as ameaças à família dele não
haviam parado. Me intrigava pra caramba o fato do Ryan não gostar da família quando
era jovem e protegê-la dessa forma depois de envelhecido.

De repente, somos atrapalhados por Brendon com algo. Brendon segurava a roupinha
suja de sangue de Sarah. Brendon, com uma certa razão, me puxando aos gritos pra fora
do quarto, onde eu fui acertado por um soco muito bem dado bem em meu rosto. Eu
senti os lábios doerem e imediatamente o sangue sair da minha boca, tentei revidar, mas
Ian passou na frente de Joshua e eu não consegui bater no meu menino. Suspirei
longamente:

“O que deu em vocês?” Gritei. “Por que estão me pegando pra saco de pancadas?”

“Porque sua culpa!” Joshua respondeu. “Você tá fora Dallon, não vai mais negociar
com o Carl. Sua atitude idiota <i>matou</i> minha filha, desgraçado!”

“Do que você tá falando, Josh?” Falei, irritado, sendo segurado por Ian, pela cintura. Eu
estava tão descontrolado que estava quase batendo em Ian para que ele me deixasse
extravasar minha raiva em Joshua. Brendon estava segurando Joshua e Hayley olhava
tudo, meio apavorada. Nunca havíamos agido feito animais. “Eu não fiz porcaria
nenhuma!”

“Solta!” Spencer exigiu de Brendon, chamando a atenção de todos nós. Brendon soltou
a sacola que segurava e este foi andando em direção à porta. “Enquanto vocês se
matam, eu vou agir como um policial e mandar esse sangue pra análise e descobrir de
quem ele é.”

Às vezes apenas a sensatez de Spencer poderia colocar um fim na nossa bagunça e no


nosso descontrole. Eu estava sob efeito de cafeína e sem várias noites de sono. Eu
parecia nunca parar em nenhum momento e isso estava me deixando menos maleável
possível. Foi a fala de Spencer que me fez voltar para o quarto com Ian e lá ele começou
a cantar uma música de ninar. Quando percebi, já estava dormindo.

De novo eu volto à palavra “egoísmo”. Às vezes eu via tudo de um ângulo tão diferente
que chegava a ser ridículo. Às vezes isso era um dom e solucionava nossos problemas
nos crimes, às vezes eu resolvia os casos nos detalhes, mas acho que essa dependência
da equipe para comigo me deixou mais chato e mais idiota. Talvez eu esteja exagerando
um bocado.

A maioria das pessoas gosta de ganhar todas as batalhas e se conciderar um guerreiro


vencedor nas tais guerras da vida. Essas tais pessoas jamais estiveram em uma guerra
real. Essas mesmas pessoas não sabem o que é, de fato, ter um olho no peixe e outro no
gato. Enquanto você tenta salvar seu amigo, você tem que atirar para se proteger.
Aprendi a gostar de regras, no dia que matei o Brobeck.

Só havia um modo de fazer justiça. Apenas um e ela seria feita. Eu queria a análise que
o Spencer fora fazer, mas eu queria que o Brobeck Jr. saísse dessa caçada errônea.
Queria que ele apontasse as artilharias pra mim! Eu sobrevivo como sempre sobrevivi.

Spencer, por sua vez, havia alugado um apartamento perto do de Ryan assim que a
esposa viera morar com ele em SLC. O caso estava demorando muito pra ser resolvido
– talvez porque nosso foco fora completamente desviado – e a violência contra seu filho
impedira todos os seus planos. Eu tive poucas notícias de Daniel nesse meio tempo,
porque eu geralmente o via quando levava Sarah para visitá-lo. Spencer havia se
desfocado do filho novamente.

Não por maldade, que fique claro. Smith nunca fora um homem mal, apenas por
cansaço. Por lutar por algo que não dava resultados. Com o passar das semanas, Daniel
percebera a tristeza dos pais em relação a sua falta de progresso, aos seus medos. No
começo, seu pai lhe mostrava música, dançava com ele, evitava o assunto, mas Spencer
havia voltado a sua rotina massiva para esquecer a dor do filho. A mulher era pega
chorando pelos cantos por não conseguir ser uma boa mãe.

Havia uma prova de fogo imposta para todos nós.

Depois de um dia longo de trabalho – porque Spencer preferia rever os papéis do caso
da Bittencourt novamente ao ir pra casa – ele decidira que estava mais do que na hora
de ir pra casa, tomar um banho e dormir. Spencer Smith somente queria um abraço para
ter forças pro dia seguinte. O dia seguinte é sempre o mais difícil quando se decide
viver um dia após o outro, sempre como se fosse o último. É bem na hora de dormir que
sabemos que sempre terá um próximo dia, mas às vezes não sabemos de onde vamos
arrancar forças para viver.

O agente federal estranhou bastante a movimentação no prédio. As cirenes da polícia


eram silenciosas, mas iluminadas. O escuro da noite de inverno não facilitava em nada
– mesmo – o menino que apenas tentava se aproximar da linha amarela e preta. Os
guardas não o queriam deixar passar, mas o distintivo de Spencer afastou qualquer
impossibilidade. Havia um arrepio insistente na espinha do agente, que tentava manter a
calma. Então Jonathan com uma jaqueta azul escrito “legista” saía da portaria em sua
direção e o abraçou, sem lhe explicar nada.

“O que houve?” Perguntou Smith agoniado.

Jon olhou as mãos de Spencer, cobertas por grossas luvas de couro pretas, antes de
entregar um pedaço de papel escrito com a grafia de sua amada esposa. Uma atiradora
de ponta que se rendera a dor do filho, deixara apenas um bilhete para dizer que o
amava e que sua morte havia sido completamente indolor. O agente federal não havia
caído até então, desmontou. Sua mulher e seu filho estavam mortos, sufocados por gás
de cozinha. Ela havia planejado muito bem sua morte e como disfarçá-la e seu marido
não sabia se ficava decepcionado por não ser um amigo como Ian e eu, com sua esposa,
ou se ficava revoltado consigo mesmo.

Naquele momento, Smith sentou-se no chão e começou a chorar feito uma criança. Jon
fez um sinal para que o outro legista levasse os corpos enquanto ele ajoelhava-se perto
de Spencer e o abraçava. Baixinho, em seu ouvido, Jon repetiu o que já havia feito no
hospital. Cantou Tree Little Birds.

“Obrigado, Jon, mas nada vai ficar bem.”

“Não é porque agora está ruim que vai cotinuar pra sempre, Spencer.” Jon falou pro
amigo. “Não parece agora, mas um dia, isso vai ser apenas uma lembrança difícil.”
Spencer assentiu sem vontade. “Eu quero ver a autópsia deles.” Soou e Jon não disse
nada. Apenas foram juntos pra coorporação. Não é que Jonathan quisesse esse
espectador tão envolvido, mas ele tinha medo de que Spencer pudesse agir por impulso
e cometer alguma loucura.

Quando acordei daquele dia estranho, com olhos inchados de tanto dormir – e eu devia
ter dormido umas dez horas seguidas – recebi a notícia do que havia acontecido com
Spencer e da mesma forma que fizemos com o enterro dos pais de Josh, fizemos escala
para estar sempre apoiando o nosso amigo. Percebi que Jon estava com ele e me
mantive ligeiramente afastado. Liguei para Cash e falei que queria uma reunião com o
Brobeck Jr, mas tudo o que ele me disse era que eu devia ir ao bar. E eu realmente
pretendia ir.

“Dallon, não sabia que você ainda tava compondo.” Ele disse, me mostrando as
partituras.

“Não é minha.” Sorri, puxando o violão pra mim. Naquele momento, estava apenas Ian
e eu em casa esperando que Carl entrasse em contato (além dos incansáveis agentes do
FBI que monitoram o equipamento. Gosto deles, porque eles são silenciosos e
invisíveis. Estávamos no meu quarto e Ian sentava-se em minha cama. “As partituras
são do DeLeon. Ele me pediu ajuda pra arranjar no piano.”

“...E o Alex?” Suspirou longamente.

“Não toca piano desde o fim da banda de vocês.” Encolhi os ombros e ele espalhou as
partituras pela cama. “Mas eu gostei da letra, da poesia do DeLeon e decidir trazer. Eu
gostei porque ela me lembra você e tudo o que nós somos.”

“Toca pra mim.” Ian pediu baixinho. “Não precisa ser inteira, só um pedacinho.”

Eu assenti, nunca dispensaria uma música, ainda quando era um pedido especial de Ian
e ainda mais uma música que falasse tanto de mim. Eu não poderia escrever nada
melhor para Ian do que o que Alex tinha feito. Eu me deixava levar pela melodia bonita
e pelos sentimentos que queria passar a ele.
“I can’t help it. I’m addicted but I can’t stand the pain inflicted. In the moring you’re
not holding on to me.”

Ian estava atônito, como se ouvisse um pedido meu, como se cada palavra fosse uma
espécie de juramento que eu proferia. Os olhos de meu amado se enchiam em cada uma
das notas, da mesma forma que meu coração se aprontava para receber cada sentimento
transmitido por seus olhos.

Cada segundo era como se meu amor por ele multiplicasse por quinhentos. Cada olhar
que ele me dava era suficiente pra alimentar meu coração por horas, porque eu sabia que
ele me correspondia com a mesma intensidade ou talvez até mais!

“<i>Tell me what’s the point of doing this every night? What you’re giving me? Is
nothing but a heart? It’s lullaby gonna kill my dreams, oh. This is the last time baby
make up your mind.

“‘Cause I can’t keep sleeping in your bed if you keep messing with my head.”
</i>Cantou Ian baixinho e eu assenti, falando que ele estava indo bem nas notas, para
que nunca tinha ouvido a música.

Ian tinha os olhos cada vez mais cheios. Eu não precisava chegar mais longe para saber
que ele estava tão envolvido naquele sentimento quanto eu. Talvez fosse aquilo que o
tornava ainda mais especial pra mim. Aquela necessidade estar sempre por perto, de
cuidá-lo, mas de deixá-lo me cuidar, principalmente. Eu sei que eu devia estar
esperando um telefonema ou velando Haley e Daniel, mas aquele seria o último
momento que eu tinha junto com Ian. Sei que era arriscado, mas eu queria ter a certeza
de que ele me amava ainda da mesma forma que antes.

“Before I slip under your sheets, can you give me something please? I can’t keep
touching you like this if it’s just a temporary bliss.” Apontei com a cabeça que ia passer
pra última estrofe, para que ele compreendesse, pra que eu pudesse tocá-lo por fim e
dizer que estaria esperando por ele para todo o sempre. Eu poderia esperar, mas o fato
era: eu não queria. “I can’t keep sleeping in your bed if you keep messing with my head.
I can’t keep feeling love like this it’s not worth a temporary bliss.”

“Wow!” Ian disse meio rindo, ainda coradinho. “Tem certeza que a música é do
DeLeon? Porque ela parece ter sido feita baseado em nós dois.”

“É dele.” Confirmei baixinho, colocando o violão de lado. “Eu só quero que você saiba
que não importa o que acontecer – e acredite vai acontecer – eu vou te amar, sempre.”

“O que você vai fazer?” Ian falou baixinho. “Eu sei que você me ama e eu também te
amo mais do que tudo, D. Mais do que a mim mesmo!”

“Volta pra mim?” Pedi, ignorando a primeira pergunta.

“Mas a gente está junto.” Ele torceu os lábios. “Esqueceu?”

“Eu to falando do casamento, bobo.” Ri baixinho, olhando pra ele. “Volta pra esse
apartamento, pra nosso quarto, pra minha vida de vez, por favor. Eu não quero mais
esconder você de ninguém!”

“E-eu... Não sei se eu to pronto pra isso.”

Assenti, suspirando. “Eu entendo, vou respeitar seu tempo.”

<u><b>Fim do Capítulo Doze

<u><b> Treze: Celebrate the night, it’s the fall before the climb.
Título: C’mon - Panic! at the Disco feat. fun.

Salt Lake City, 24 Dezembro de 2002.

Quando começo a contar minha história para as pessoas, ao menos a pessoal e amistosa,
elas geralmente perguntam pra mim porque eu insisto em voltar sempre em dois mil e
dois. Foi um ano difícil pra mim, na verdade. Ao mesmo tempo em que coisas boas
aconteciam comigo, como estar cada vez mais próximo a Ian, aconteceram coisas
terríveis. Por causa do ano de dois mil e dois, hoje eu tenho que viver cobrando favores.

Nesse ano eu era muito inconseqüente. Em novembro, eu ainda tinha o idealismo de


salvar todas as pessoas no mundo de si mesmas. Entre tudo o que eu vi naquele
novembro, nada me marcou mais quanto aquele natal. Quero dizer, agosto tinha sido um
mês difícil, mas dezembro eu tinha um amigo e eu começara a ver sua decadência diante
de meus olhos. Brendon era o amigo.

Eu o conheci em outubro de dois mil e dois, depois de uma tragédia que eu ainda não
tinha engolido. Em novembro, eu já tinha virado quase um membro da família pelo fato
de eu ter sido autorizado a fazer amizade e cuidar de Brendon, entretanto, ele não queria
ser cuidado em nenhum momento. Ele queria um amigo e é isso tudo o que eu poderia
oferecer para o momento. Eu não queria ser chato com ele e perder o amigo, mas eu não
podia simplesmente fingir que não havia nada errado com ele. Havia e havia algo sério.

Naquele dia em especial, eu havia trabalhado até as dez da noite. Passei em casa
rapidinho para tomar um banho e, como havia combinado com Boyd, passei para pegar
a sobremesa que havia incomendado pra ir ao banquete na casa de Crawford. Era
daqueles dias onde eu me sentia pequeno por ser apenas um policial da patrulha. Queria
poder dizer que eu era do alto escalão da polícia ainda não havia chegado a aquele
ponto.

Os Colligan, Beth e Scott, eram desembargadores. Sabiam o que combinava com o que
à mesa e por isso havia perguntado a eles o que levar pra sobremesa. Os Crawford eram
médicos conceituadíssimos, estava na nata da nata da sociedade, os Marshall eram
juízes do fórum criminal e os DeLeon eram promotores. Todos estavam reunidos em
uma única casa pra comemorar o Natal.

Quando cheguei nos Crawford, vestindo uma camisa de seda tecida artesanalmente azul
marinho, gravata e colete branco de um tecido especial e calça de linho puro, social (eu
friso esses atributos, porque para famílias importantes e em ocasiões importantes, eu
precisava impressionar e eram vestimentas que eu só usava perto dos Crawford e levava
anos pra pagar), Ian fora quem me recebera e eu acabei dando de cara com algo que eu
realmente não queria; Luke e Joey Brobeck. A tensão tomou conta de meus ombros, a
final, fazia muito pouco tempo que eu havia matado o pai deles numa guerra horrível.

“O que eles estão fazendo aqui?” Perguntei baixinho.

“Joey é o namorado da minha irmã.” Falou baixinho. “E, por favor, apesar de mafioso,
ele é muito legal e cuida de mim e da minha família. Você sabe, D., o tamanho do
perigo que a gente corre.”

Assenti meio contra a vontade, entregando a sobremesa pra Ian. Tive vonatade de
agarrar meu namorado ali mesmo, mas não o fiz. Logo que cheguei, a simpática
desembargadora Beth me chamou e eu acabei me envolvendo em uma conversa sobre o
judiciário com eles. Todos os adultos também se envolveram na tal conversa.

Por sorte, eu era muito bem informado sobre o Forum e a Promotoria da cidade.

“Então, Weekes, eu soube que você estava na guerra.” A senhora Crawford perguntou.
Eu senti um arrepio fora do comum pela espinha e assenti fraquinho, meio sem vontade.
Ela conseguira pegar no meu ponto fraco.

“Foi terrível.” Respondi sinceramente. “Nunca vi tanta gente, tanta SWAT, tanto
exército juntos. A Marinha estava lá com seus atiradores. Não tinha tanto como se
proteger das balas, mas eu já estou bem. Consegui sair de lá praticamente ileso.”

“Joey, o namoradinho da Paige, perdeu o pai nessa batalha horrorosa.” Beth falou.
“Coitado, a mãe dele se matou logo que soube que o marido tinha levado um tiro, mas
cá entre nós... Numa família que a fonte de renda é o tráfico, eu também cometeria
suicídio.”

“Não seja boba. Ela se matou por besteira.” Scott finalmente disse. “Tráfico de drogas,
apesar de ilegal, é uma atividade muito lucrativa. Principalmente se você opta pelo
tráfico internacional de intorpecentes. Aquela pasta-base de cocaína que vem do Brasil.”
[n/a: assisti uma reportagem esses dias do tráfico de drogas internacional. A verdade é
que a maior parte da droga que está em são paulo na verdade veio de fora do país, como
os produtores maiores que geralmente são países como Bolívia e, se não me engano,
peru. Essa droga vai para o rio de janeiro que abastece o mercado de drogas europeu. A
metafetamina que é uma droga potente e destruidora feito o crack, que é rara no Brasil e
epidemia nos Estados Unidos geralmente vem do México. E “escama de peixe” é uma
qualificação da cocaína rara e muito, muito pura. Um quilo dessa cocaína pode valer
milhares de reais que geralmente é consumida em países da europa]

“A cocaína do Brasil é até boa, mas a escama de peixe que vai pra Europa sai ainda
mais lucrativa.” Marshall se manifestou. “Outro ponto é que eu não compreendo como
esses traficantes não estão todos presos. Nós sabemos que esse Brobeck aqui tem tanta
ficha policial que deveria estar preso. Por que, Weekes, ele não está?”

“Eu posso dar voz de prisão agora com o número de mandatos que tem contra ele e a
família, mas eu estragaria o natal de todo mundo com uma prisão.” Falei, encolhendo os
ombros. “Inclusive, meretíssimo, existem mandados contra ele expedidos pelo senhor,
mas o fato maior é que--”

Antes que eu terminasse de falar, meu celular começou a tocar e eu fui obrigado a me
interromper. Pedi desculpas e me afastei, era Boyd, o pai de Brendon o que me deixou
ainda mais assustado. Embora eu soubesse que aquela conversa sobre o Forum ia
acabar em como eu me envolvia com os casos, agradeci por ter saído de lá.

“Weekes.” Atendi.

“Me desculpe atrapalhar seu natal horas. Eu to preocupada. Boyd fica dizendo que eu
estou exagerando, que ele está bem e que volta logo como ele sempre faz desde que...
enfim.”

“Quantas horas fazem que ele sumiu?” Perguntei, meio de costas pras demais pessoas
na casa dos Crawford, mas porque eu ia ter que pedir ao Brobeck que me ajudasse com
Brendon. Até aquele dia, eu não sabia o quanto o Brobeck Jr tinha visto sobre a morte
do pai e isso me deixava ainda mais tenso de teer qe pedir ajuda para ele.
“Desde cedo. Boyd acha que ele está hibernando, porque desde o assalto é tudo o que
ele faz! Se trancar no quarto com bebida e sair pra buscar mais quando as dele acaba.
Nessas saídas eu não sei o que ele faz que passa três dias fora, volta acabado e apenas
deita na cama sujo e moribundo.”

Era de partir o coração. Eu já havia presenciado essa cena de Brendon chegando em


casa depois de ter usado drogas e bebida por dias seguidos. Sempre com a expressão
cansada e com olhos tristes, eu levava Urie até seu quarto que se recusava
terminantemente a tomar banho, mas Hayley chegava e conseguia fazê-lo tomar banho
antes de deitar em uma cama de verdade e deixá-lo dormir. A cena, de partir o coração,
só não era pior ao choro abafado da mãe que geralmente vinha de um travesseiro e os
gritos do pai com o garoto. Eu ouvia Brendon repetir sempre e com toda ênfase
possível:

“Assim que possível eu vou enfiar uma bala na sua testa pra você calar essa boca!” ou
de vez em quando ele variava o repertório dizendo que sabia atirar e que tinha um
policial armado lá em baixo.

Brendon mudou o modo com que eu enxergava os drogados. Geralmente, policiais


vêem drogados como marginais, como escória. Brendon fez com que eu humanizasse
essas pessoas novamente dentro de mim. Ver o abalo da família nas diversas vezes que
eu levava o menino pra casa me mostrava que, na verdade, quem mais sofria com o
drogado era quem precisava conviver com a família dele.

Eu, ao contrário de muitos, não vejo a menor diferença entre drogas e bebida. Até os
dias de hoje eu não sei quais foram as drogas que Urie usava, mas sei que coisa pouca
ou fraquinha não deve ter sido. Por mais que não pareça, eu o conheço o sficiente para
saber que ele não me contaria algo tão tenso assim para não prejudicar minha vida
policial.

“Eu vou ver o que posso fazer, senhora Urie.” Suspirei. “Vou encontrar seu filho.”
Depois de desligar, fiz um sinal para o Joey que franziu o cenho. Meu interesse
repentino em Brobeck tinha um efeito reverso em Ian que me olhava de longe. Joey
andou até mim, segurando elegantemente uma taça contendo suco de laranja. Joey era
um menino que já bebia há algum tempo, mas não o faria na frente de pessoas que
querem prendê-lo.

“O que você quer, hunf?” Ele perguntou, levemente emburrado por ter sido tirada de
perto de Paige.

“Brendon vivo.” Suspirei. “Eu acredito que ele está naquele bar que você frequenta e eu
preciso buscá-lo agora. Os pais dele estão preocupados.”

Joey assentiu meio irritado. Nós dois sabíamos bem que naquele bar eu não podia
entrar. Eu estava armado aquele momento e confesso que tinha um certo medo, porque
eu não sabia se ele tinha me visto matando seu pai e ao mesmo tempo, eu estava indo
com ele a um lugar onde todos me odeiam pelo simples fato de eu ser policial. Brendon
nunca soube o tamanho do perigo que eu corri aquele dia que fui buscá-lo, mas eu não
costumo me vangloriar disso. Eu sabia que podia entrar, mas talvez não sairia.

Quando eu desci do carro, todas as armas possíveis e imagináveis se apontaram pra


minha cabeça, e mesmo com o Brobeck saindo do carro, não fez com que os bandidos
tirassem o alvo imaginário de minha cabeça. Suspiramos os dois e encaminhamos para a
porta. Naquele momento eu tinha deixado minha arma no carro e só depois de muita
conversa e lábia de Joey dizendo que se responsabiliziaria por qualquer conduta
indevida de minha parte, entrei. Procurei Urie com os olhos e o encontrei debruçado à
uma mesa, segurando uma garrafa de vodka pela metade entre as pernas, sujo, com o
cabelo despenteado. Encontrei-o dando a última tragada em um cigarro de maconha.
Até hoje eu não descobri quais mais foram as drogas que ele estava usando naquele dia,
mas eu sabia que foram muitas.

Naquele momento eu não consegui ficar bravo ou decepcionado com ele, eu só tive o
ímpeto de protegê-lo de tudo o que estava a volta dele e pricipalmente eu tive vontade
de protegê-lo dele mesmo. Brendon, por algum motivo que eu desconhecia, era um
perigo para si mesmo e para os outros. Foi com Brendon Urie que eu aprendi que
aqueles que usam algum tipo de substância para dopar a dor que sentem ou preencher o
vazio existencial precisam de cuidados e não de acusações. Quando os olhos de meu
amigo se cruzaram aos meus, pude sentir que ele se envergonhara de estar naquela
situação, num dia que muitos consideravam especial.

“Psiu.” Me aproximei, sorrindo sem humor pra ele.

“O que você tá fazendo aqui?” Brendon perguntou atordoado.

“Eu vim te buscar, B.” Mantive meu sorriso e segurei em sua mão, conseguindo afastar
um copo de suco de laranja que fedia a vodka de perto dele. “Vou te levar pra casa e
cuidar de você.”

“Não quero ir pra casa.” Afirmou categoricamente, negando com a cabeça ao que
tentava não falar tão enrolado. Toquei seu rosto num carinho paternal – que muitos
interpretaram diferente – e arrastei a cadeira até o menino. “Não quero atirar no meu pai
num dia pelo qual ele espera o tempo todo.”

“Eu vou levar você pra <i>minha</i> casa, Brendon.” Falei. “Eu aviso pra sua mãe que
você está comigo, eu só quero ajudar você. De verdade, Brendon, me deixa te ajudar.”

“Você é polícia. Não devia se encrencar por minha causa.” Falou o menino, virando o
rosto devagar. “Eu não vou deixar que você cuide de mim, Dallon, sendo policial e
podendo se encrencar desse jeito.”

“Tudo o que eu tinha pra perder hoje, eu já perdi, B.” Falei um pouco mais irritado.
“Agora levanta daí e me ajuda a cuidar de você antes que seus pais tenham um ataque e
antes que eu tenha um ataque aqui. Eu te prometo que não vai acontecer nada.”

Como eu dissera, tudo o que eu tinha pra perder aquele natal, estava completamente
perdido. Ian deveria estar furioso comigo porque eu sequer fiquei para o jantar ou
qualquer coisa assim. Devia estar furioso comigo porque além de eu sair correndo, levei
Joseph e Luke comigo. Nessas horas eu odiava o meu trabalho, porque sabia que Ian
não estava feliz e a felicidade do Ian sempre foi minha prioridade suprema desde
quando eu era apeanas o cara com que ele saía.

Naquele dia, levar Brendon pra minha casa não foi fácil. Seus olhos estavam tão
vermelhos que eu poderia imaginar que ele estava usando drogas pesadas, mas cheguei
a temer a resposta. Decidi não perguntar dentro do bar – ou mesmo fora dele – eu ia
acabar descobrindo de um jeito ou de outro. Dirigi com Brendon até meu apartamento,
ajudei-o com o banho, com a ressaca forte. Passei a noite de natal ao lado de um
bêbado e comendo comida chinesa ao invés de um banquete com a elite médica e
jurídica de Salt Lake City.

Eu não costumo reclamar daquele natal em especial. O presente de Ian estava guardado
ali em casa, mas eu sabia que teria que ser esperto o suficiente para não deixar o meu
namoro ir pelos ares. Não culpo o Ian por se sentir trocado por meu trabalho, até porque
entendo que Ian é apenas um adolescente cuja prioridade é tocar guitarra o melhor que
puder, enquanto eu já sou um adulto cheio de problema pra resolver. Não é justo com
ele eu ser exatamente assim, mas não é justo comigo viver sem Een.

No dia 25, Brendon acordou como se tivessem matado a mãe dele de tão agressivo.
Tentei ficar calmo com ele, a final de contas, eu sabia como era uma ressaca. Suspirei
longamente, entregando pra ele uma xícara de café que me agradeceu com um sorriso
sem humor.

“Eu te dei muito trabalho.” Falou B, encolhendo os ombros.

“Só o suficiente pra um bêbado.” Encolhi os ombros também e sem maldade, perguntei.
“Quer que eu te ajude a tomar um banho antes de ir pra casa?”

“Eu não queria ir pra casa, na verdade.” Confessou, suspirando. “Eu não gosto de lá.
Meu pai me trata como um lixo, minha mãe acha que seria muito melhor se eu sumisse
da cidade pra não lidar com os fatos de que eu, com dezesseis anos, tenho um problema
sério. Ambos não aceitam que eu seja gay e que tudo isso é cul--”
“Hey.” Chamei a atenção dele. “Você pode ser o menino-problema pra eles, mas pra
mim você é meu melhor amigo. Você sabe que eu arrisco muita coisa por você todos os
dias, mas sabe que eu não ligo em me arriscar pra colocar atrás das grades quem te
<i>assaltou</i> e te deixou depressivo. Só que, poxa, se embebedar assim não faz
sentido.”

“Quando eu bebo, D, a dor aqui pára.” Brendon segurou minha mão e a colocou sobre
seu coração. “Dói demais saber que todos aqueles que deviam te amar, te tratam feito
um lixo. Dói como um inferno saber que eu sou esse lixo de pessoa e que até você está
se sujando comigo.”

“Sabia que lixo pode ser reciclado, Brendon?” Segurei a xícara vazia. Brendon estava
sentado em minha cama e depois do café, deitou sua cabeça em meu colo. “E é nisso
que eu acredito. Se a vida inteira as pessoas te trataram como um lixo, que eu sei que
você não é, você tem um valor inestimado pra mim e eu vou te tirar desse fundo de poço
ou eu não me chamo Dallon James Weekes.”

“Você é quem me faz não desistir de mim de uma vez por todas, sabia?”

“Você tá apaixonadinho por mim, é?” Brinquei, baguançando o cabelo dele.

“Não, seu bobo.” Brendon riu fraquinho “Eu vou mudar e parar de te colocar em
encrencas.”

“Eu espero que sim.” Falei baixinho. “Mas não por mim, por si mesmo.”

<i>Salt Lake City, 31 de Março 2003. </i>

As pessoas que nunca conviveram com adictos, geralmente confunde os familiares


dessas pessoas como loucos, porque alguns deles têm paciência e outros simplesmente
imploram e tomam medidas desperadas. Alguns deles, precisam apenas de um pouco
de atenção, um pouco de cuidado. Esse era o caso especial de Brendon Urie.
Me aproximei de Hayley com facilidade e ela me contou que Brendon não se afundou
depois do assalto, que ele já vinha em decadência e aquilo me assustou um bocado. Não
conhecia a história dele, só não achava justo que um menino sofresse tanto daquela
maneira.

Em março muita coisa aconteceu na minha vida. Acho que uma das coisas que mais me
marcaram foi perceber como a velocidade com minha vida andava. Sei que não é ético,
mas eu, policial, era cunhado de um dos bandidos mais perigosos de todo o país. Todos
os dias eu era tentado a prendê-lo, mas não o fazia. Eu gostava da Paige, porque ela
acobertava o irmão pra sair comigo.

Naquele dia em especial, eu estava morto. Havia chegado em casa depois de um


treinamento e, consequentemente, estava a uns três ou quatro dias sem dormir direito,
então, ao encostar no sofá, acabei dormindo por ali mesmo. Eu estava mesmo morto. Só
que naquele dia, acabei escutando um barulho vindo do meu quarto e me fazendo pular
do sofá e engatilhar minha arma. Andei devagar ao meu quarto, xingando mentalmente
o porteiro porque eu sempre tive regras muito rígidas quanto minha segurança e quando
cheguei ao quarto e abri, encontrei Ian sentado na cama, com a guitarra no colo. Ele
levou um susto tão grande com a arma que deixoou a guitarra cair no chão.

“Porra!” Gritou.

“Een? Mas por que você tá aqui? Eu estava em treinamento!” Mordi o lábio,
escondendo meu sorriso e guardando a arma. Estiquei os braços pro garoto assustado,
que correu até a mim e me abraçou como se eu tivesse voltado de alguma guerra ou
coisa parecida. Eu estava sujo, fedendo, suado pra caramba, com olheiras gigantescas
por causa do treinamento no meio do deserto da Califórnia, mas Ian não se importou
nem sequer por um segundo. Apoiei meu queixo sobre a cabeça de Ian e o protegi
momentaneamente. “Hey, o que houve com meu pequeno, hm?”

“É só saudade do meu policial gostosinho.” Respondeu baixinho, me fazendo rir.


“Saudade do seu tom de voz, do abraço que me faz deixar de ser o adolescente sem
valor nenhum pra ser o homem da sua vida, saudade de ouvir seu coração assim, do seu
beijo, do tom da sua pele... Eu fico desesperado quando está em perigo.”
“Era só um treinamento, coisa boba.” Respondi. “Seu policial voltou inteiro pra você. O
motivo de eu viver cada dia.”

Ian ergueu seus pés devagar e juntou nossos lábios. Deixei que ele fizesse o que bem
entendesse por ali, mas logo meu celular começou a tocar insistentemente. Escutei o
suspiro longo de Ian e ele me soltou visivelmente irritado. Eu atendi o celular
suspirando. Odiava ver o meu Ian daquela forma, mas sabia que eu não podia fazer mais
nada.

Hayley era quem estava ligando, desesperada atrás de Brendon. Ela falou que até havia
tentado entrar no bar que ele freqüentava – aquele que era neutro pras gangues de SLC –
mas não conseguira. Era baixinha e seu rosto doce não inspirava ser uma menina
problemática e muito menos que ela era tão boa com piano quanto eu hoje sei. Música é
simplesmente música e não importa a sua expressão facial.

Hayley me contou que Brendon havia sumido. Calculei que era por causa do dia 31 de
março, mais um mês havia se passado desde que ele fora <i>assaltado</i> e de certa
forma me machuca. Eu sabia que ele estava comemorando as avessas, mas soube que
ele não podia mais colocar os pés no bar, porque estava endividado. Aquilo mexeu um
bocado comigo.

Uma criança de quase a mesma idade que Ian, com problemas bem maiores que os dele.

“Eu tenho que ir.” Falei pra Ian quando desliguei o celular.

“O que houve?” Perguntou, cruzando os braços. “Você mal chegou em casa, tá


parecendo mais um morto-vivo e tá pensando em ir salvar quem nesse estado?”

“Brendon.” Falei e Ian deu um sorriso cínico. Sei que era muito cedo pra dizer, mas
sentia que o ódio de meu namorado por Brendon só aumentava. “Ele está em apuros,
querido. Você sabe que ele deve ao Joey e ao Johnson, e a única fonte de dinheiro dele é
a música.”
“Dallon, você simplesmente não tem condições de correr pra salvar ninguém.”
Replicou. “E é bom saber que ele tem dívidas com meus amigos. Assim eu peço pros
meninos matá-lo de uma vez por todas e você conseguir ter um tempo pra mim na sua
vida!”

“Ian!” Repreendi indignado. “Ele é só um alcoólatra que precisa desesperadamente de


ajuda. Se eu não lhe der apóio para sair dessa vida, ninguém mais vai dar. Ele foi
renegado pela família que não aceita o fato dele ser gay, ter sido violado e ser um
adicto. Por favor, Ian, não faça essa besteira.”

“Sabe que esses dias eu liguei pro bar dos meninos e perguntei como estavam as coisas
e eles disseram que o boato mais quente que tava rolando era que eu estava levando um
par de chifres, querido.” Ian ironizou e eu não consegui segurar uma risada tão irônica
quanto a informação que me passava. “Me traindo com o Brendon, Weekes?”

“Eu não preciso ouvir isso.” Dei um beijo no rosto dele e do jeito que estava saí para ir
procurar por Brendon Urie. Eu sabia que ee não estava no bar, então com o carro,
comecei a rodar por todos os lugares da cidade, todos os bares, escolas e marquises que
pudesse encontrar; o descobri tocando bêbado em uma praça, com uma mochila nas
costas, o violão aberto, uma garrafa de whisky pela metade entre as pernas enquanto
tocava uma das músicas que eu mais amava no mundo: Still Loving You, da banda
Scorpions.

“If we’d go again all the way from the start. I would try to change the things that killed
your love. Your pride has built a wall, so strong that I can’t get through.”

Me aproximei dele com um sorriso, e ele estava tão concentrado em sua música que não
me viu chegando ali e o apreciando cantar, até que por fim, eu cantei com ele:

“Is there really no chace to start once again. I’m still loving yooou.”

Eu tive que usar a força pra tirar Brendon dali e levá-lo pra casa. Não sei quantas vezes
tive que mostrar meu distintivo para que as pessoas não entendessem minha ação errada.
Por mais cansado que eu estivesse e por mais que a maioria dos meus pensamentos me
traíssem e me levassem ao Ian e em quanto ele estava bravo comigo – e com certa
razão, porque eu podeiria sofrer um acidente de trânsito – eu sabia que estava agindo
certo com Brendon. Não ia deixá-lo se afundar ainda mais.

Quando cheguei à confeitaria de Boyd, o homem arregalou os olhos ao ver o filho


envolvido em meus braços. A confeitaria estava bastante cheia e talvez fosse por isso
que desse tanta vergonha chegar um policial todo de preto, com visíveis sujeiras feitas
com barro por todo seu corpo, agarrado ao filho doido para correr o mais longe daquele
lugar possível! Grace, a mãe de Brendon, era muito submissa ao marido, mas era a
única que ainda tentava aninhar Brendon entre seus braços e cuidar dele.

“Dallon, o que aconteceu?”

“Encontrei seu filho na praça, bêbado, tocando pra ganhar dinheiro e abastecer o vício.
Eu sei que pode parecer complicado lidar com isso, mas eu tenho que te dar um
ultimato. Ou você resolve a vida do Brendon, o reabilita, ou se eu o pegar na rua
novamente, nesse estado, eu mesmo o internarei em nome do estado de Utah.” Falei.
“Seu filho precisa de ajuda.”

“Ele não é meu filho, policial, ele é um problema.”

“Se ele é um problema, resolva.” Avisei. “Não deixe o estado de Utah incapacitá-lo de
cuidar de seu filho. Eu não sei até quando vou poder interferir enquanto amigo do
Brendon que eu sou. Eu tenho vida, mr. Urie, por incrível que pareça, eu tenho uma
vida. Eu acabei de deixar minha... namorada em casa pra socorrer o B, eu só na sofri um
acidente por milagre, porque eu acabei de chegar do deserto.”

“Eu não pedi pra você vir correndo atrás do meu filho, policial.”

Talvez aquela fosse a gota d’água. Sem pensar duas vezes, usei as forças que me
restavam para dar um soco no meio da cara de uma pessoa mais velha e que deveria
estar agindo com sabedoria. A verdade é que eu realmente o soquei como se não
houvesse amanhã e como se aquilo fosse realmente resolver todos os problemas de
Brendon. Os clientes de Boyd se assustaram com minha agressividade, com o vômito de
palavras que depois sobre viciados e toda aquela conversa que todo mundo fala, mas
que na hora fez sentido. Sempre fui contra discursos pré-feitos, mas naquele momento,
tudo parecia clichê, mas necessário.

“Aquele seu maldito amiguinho.” Boyd entrou, deixando a confeitaria sob os cuidados
dos filhos mais velhos.

“Ele não é um anjo?” Brendon debochou, com a fala embolada.

“Ele é seu namoradinho, Brendon?” Boyd questionou e a mãe envolveu os braços no


filho. Haivia certa tensão no ar, Grace apenas queria proteger o filho menor da fúria de
seu pai com o nariz quebrado. Era decepcionante para eles ter um filho gay e era ainda
mais decepcionante ainda ter um filho adicto em álcool. “Ele é seu namorado, seu
bastardo?”

“Infelizmente eu não tive essa sorte!” Exclamou Brendon. “Não tive a sorte de acertar
você e muito menos de ter Dallon como um namorado, mas meu coração pertence ao
desgraçado do Ryan. Aquele que me fez o homem mais feliz do mundo e o mais fodido
dele.”

Boyd levantou a mão para o filho mais novo, mas Grace entrou na frente do filho e
segurou a mão do marido. Sem irritação, sem idignar-se, apenas com a sabedoria de
uma mulher que convive com filhos e marido há muitos anos. “Shh, Boyd, não ouse. Há
de se arrepender depois. Brendon é uma criança atrevida, mas só uma criança.”

Embora fosse difícil de crer; Brendon era apenas uma criança. A partir daquele dia,
Brendon fora regulado em tudo. Nas horas de sair, nas horas de voltar pra casa. Joey e
Johnson receberam seu dinheiro – a final a mãe de Brendon quitou essa dívida – e os
dois deixaram de caçar Brendon que bebia escondido, mas freqüentava o psicólogo.

A vida seguia, dois mil e três foi um ano difícil. Enquanto eu driblava a segurança para
viver cuidando de Brendon, realizando minhas buscas por quem o violou. Por quem
torna meu trabalho difícil. Com a vida que Brendon levava, com Spencer indo pra
Washington, a banda acabou e isso deixou meu amigo pior.A vida passa e a gente
aprende que não importa o caminho esculhido, qualquer um deles têm conseqüências.

<u><b>Fim do capítulo Treze

Quatorze: I dodge the blast and apologize for collateral demage.


Titulo: Mercenary – Panic! at the Disco. </u></b>

As coisas estavam completamente fora de órbita. Às vezes chego a pensar mesmo que
elas nunca tiveram uma órbita realmente se estivermos falando de minha vida. Eu nunca
fui uma pessoa tão comum quanto pareço. Ian apenas me completou e me mostrou que
eu posso viver mais se meu temperamento explosivo estiver melhor controlado. Pode
soar engraçado, mas eu me lembro de tanta coisa do meu passado que eu poderia
escrever um livro para instruir policiais de patrulha a como não viver sua vida. Cada
caso é mesmo um caso, mas o temperamento do soldado ajuda muito no desfecho do
mesmo.

Eu ainda tenho um insitinto de rapidez, de impulsividade, mas eu procuro controlar tudo


muito bem. Quando percebo meus erros tento não agravá-los muito, como foi o caso em
que tive que proteger Cash do tiroteio. Aliás, acabou não dando em nada, o que me faz
pensar que as pessoas que trabalham para Colligan têm uma eficiência um tanto quanto
assustadora. Isso ainda me lembra que, de alguma forma, <i>eu</i> trabalho pra ele e
não tenho mais como fugir. Exatamente como Ian me disse: estou nas mãos dele.

Carl não é do tipo que faz muito contato e Spencer se viu obrigado a se afastar mais
uma vez das investigações. Spencer ainda tentava se recuperar das duas perdas que
sofrera. Seu coração estava em pedacinhos como era de se esperar e todos nós
pensávamos se nós teríamos que cuidar tanto assim de Sarah, se conseguiríamos fazê-la
superar o trauma de estar com um perigoso bandido. Assustei quando meu celular
tocou e era um número restrito. Atendi com rapidez e longe de todo o alvoroço: meu
quarto.

“Weekes?”
“<i>Agente Dettman</i>.” Falou em seguida, me tranqüilizando. “<i>Preciso te ver,
acho que descobri algo relevante de George II.”</i>

“Relevante quanto?” Falei mordendo o canto do lábio. “Eu to cheio de problemas por
aqui, fica difícil despistar as pessoas que eu to me encontrando com um agente da CIA
em investigação paralela como essa.”

<i>“Relevante o suficiente pra eu te ligar.”</i> Dettman falou seriamente. <i>“Talvez


isso mude toda a concepção que você tem sobre Ryan Ross.”</i>

“Certo, eu te vejo daqui a alguns minutos naquela mesma Starbucks que encontrei o
Cash, pode ser?”

Não era crime eu ter uma amizade com um agente da CIA, como não era crime eu me
encontrar com ele em alguns minutos perto do fórum para falar com ele sobre as nossas
investigações, mas essas investigações sim eram criminosas. Não tínhamos autorização
pra fazer nenhuma delas e estávamos a todo vapor com todas elas. Eu sabia que eu
podia morrer em uma dessas, mas eu não ligava, prender o pai de Ryan era o que mais
me obcecava naquele momento.

É como se eu precisasse de motivação pra tudo; perigo no trabalho e um motivo pra


voltar inteiro pra casa. Talvez por isso eu seja tão corajoso assim. Ian e sempre ele me
deixando completamente desarmado em qualquer situação.

“Pode ser.” Respondeu Dettman. “Te vejo lá em meia hora. Tente não se atrasar.”

“Conviver com o Colligan tá te fazendo mal.” Rimos baixinho antes que eu desligasse o
telefone. Me arrumei, me armei e sai do quarto momentos depois pronto para sair
correndo dali e descobrir tudo o que Dettman tinha pra me contar, mas antes que eu o
fizesse, a campanhinha tocou. Era Spencer acompanhado por Jon. “Spencer!” Abracei-o
gentilmente.

“Tá de saída?” Franziu o cenho.


“É,to...” Suspirei. “Sabe, água, luz, telefone, o gás...”

Spencer assentiu, rindo baixo ao que me conduziu pra perto do sofá onde estavam os
demais. Só então percebi que eu não havia sequer me despedido de tão pensativo que eu
estava. Esqueci simplesmente que o mundo existia porque estava sedento por
informação.

“Eu trouxe o laudo do sangue que estava na roupa da Sarah.” Spencer explicou.
“Demorou porque eu mandei o caso pra Las Vegas, mas eles dizem que estão atolados
pra pegar de outros distritos. Tive que dar enfoque que era de uma criança seqüestrada e
desaparecida.”

“E de quem é o sangue?” Joshua perguntou aflito. Eu estava de braços cruzados e sai de


meu transe de necessidade por informações quando ouvi o nome da minha princesinha
perdida. Acredito que o motivo de eu estar tão cego por informações a respeito de
qualquer outra coisa não seja simplesmente me sentir impotente diante de um fato. Sei
que Carl está brincando conosco, nos querendo fazer sofrer talvez porque sejamos
contra o relacionamento estúpido que ele diz ter com Brendon.

“Uma mistura.” Respondeu Jon. “Isolamos cada DNA que encontramos, e nenhum
deles é da Sarah, mas tem umas quatro amostras diferentes de maioria animal.”

“Desgraçado!” Brendon extravasou. Com aquela roupinha de Sarah, ele havia entregado
tudo o que sabia sobre Ryan e seu paradeiro. Brendon por um momento pequeno sentia-
se culpado por de alguma forma ter prejudicado o amado.

Isso é um tanto quanto engraçado, não? Porque mesmo sendo o Ryan o cara que
Brendon sempre amou, sempre desejou e sempre jurou nunca mais amar e desejar era o
mesmo que o prejudicava, que fugia dele, que o fazia chorar em cada uma de suas idas e
voltas. Mesmo com tudo isso, o amor que Brendon sente continua vivo dentro dele e
mesmo que próprio Brendon seja somente dentro dele.
Dei um jeito de sair de fininho. Não queria que ninguém soubesse o que estava fazendo
e muito menos que Ian tivesse tempo de perceber que eu estava mentindo sobre as
contas ou qualquer outra coisa parecida. Ian era rápido quando se tratava de minhas
mentiras.

Não gostava – e nem sabia – de esconder nada dele, mas naquele momento era
necessário. Necessário demais até. Se fora tão relevante quanto Dettman jurava, eu tinha
mais era que saber e agir da forma mais cautelosa possível... ou nem tanto, no final das
contas.

Chegar à Starbucks depois que consegui sair de casa foi bastante fácil. Dettman que
estava bem concentrado em seu laptop enquanto me esperava com dois copos de café.
Ele não me conhecia tão bem para saber qual era meu café favorito, mas meu alívio por
Sarah estar viva – que eu sequer pude aproveitar do alivio direito – pedia por um copo
grande de cafeína.

“Achei que você tinha se esquecido de mim, Weekes.” Dettman disse ao me ver,
apontando a cadeira em sua frente na qual me sentei sem pensar duas vezes. “Seu café
esfriou, eu acho.”

“Desculpe. Spencer chegou lá em casa com notícias da Sarah.”

“Oh, como a menina está?” Dettman desviou os olhos. “Ainda viva?”

“Graças a Deus.” Respondi aliviado. “Não sei o que o maldito Windsor está tramando,
mas ele não está com Sarah pra resgate e isso meio que me assusta. Eu tenho acreditado
que ele acha que Sarah é uma filha e que está faltando Brendon pra completar a
família.”

“Isso é perturbador.” Cameron afirmou com categoria. “Mas às vezes eu acho que ele e
Ryan estão juntos nesse seqüestro, às vezes isso é perturbador pra eu acreditar.”
“Por que isso agora, Dettman?” Perguntei com o cenho franzido, suspirando meio
longamente para aquela afirmação. “Eu gosto do Ryan, mesmo com a ficha corrida dele,
tem uma índole boa apesar disso.”

“Ah, por favor, Weekes, achei que você fosse um pouco mais esperto.” Dettman girou
os olhos, debochando de mim que neguei com a cabeça. “Deixe de ser idiota e eu vou te
provar. Depois de me ouvir, você vai mudar completamente – ou parcialmente – de
opinião a respeito de Ryan.”

“Pois desembuche.” Puxei meu copo de café, tomando um gole. O café estava bastante
frio e isso me fez torcer os lábios, afastando o café de mim. “Disse-me que tinha algo
relevante a me dizer.”

“Oh, sim. Há indícios de que a tal Sandra não é tão santa quanto parece. Dizem que em
Washington ela se envolveu com um homem – que não era o George, que sabe-se lá
porque motivo ele a protege desse jeito – e este homem era inimigo do George, mas que
o filho mais novo dela o protegeu.”

“Então esta foi a encrenca que Jordan se meteu.” Suspirei. “Ryan tinha me contado por
cima, mas disse que a mãe estava mesmo sendo ameaçada por gente que vinha daqui.
Creio que seja o Brobeck querendo vingança. Aliás, acho que ele não tem mais tantos
inimigos por aqui.”

“Engano seu.” Disse Cameron. “Esse tipo de gente, digo, assassinos, matadores,
gangues, nunca se esquecem de suas dívidas e favores, Weekes. Não importa o tempo
que leve. Não sei se você leu toda a ficha dele, mas ele não foi assassino apenas aqui,
Ryan e o pai correram o nosso país matando todos os que foram contratados.”

“É, eu sei. Reduzi os inimigos apenas a nossa cidade.” Assenti. “Aonde exatamente
quer chegar?”

“Andei checando a conta bancária de Ryan. Como ele se tornou policial, acharam que
seria mais fácil esconder as coisas na conta dele, e percebi que a quantidade de dinheiro
lá é completamente incompatível com o salário que ele ganha enquanto agente do FBI e,
pior, o fatoramento do negócio de kart que serve de fachada pros Ross não consegue dar
esse lucro todo.”

“A quantia é tão exagerada assim?” Franzi o cenho, agora verdadeiramente interessado,


ao que Dettman virou a tela do laptop pra mim. Assustei-me ao ver a quantidade de
dinheiro que havia naquela conta hackeada por Dettman era impressionante; beirava aos
bilhões. Havia sim algo errado com a família de Ryan e ainda pior, ele estava
escondendo alguma coisa grande. “Deus!”

“É, meu caro. Quer um chute informal: Ryan é agente duplo. Esteve na cidade por
algum outro motivo diferente do caso que ele veio investigar. Acertar contas com Carl
também não me cai bem, até acho que ele é o menor dos problemas de Ryan.”

“Brendon.” Murmurei sem pensar. “Acho que o problema era o Brendon. Eu soube que
eles tiveram algo no passado. Algo bastante envolvente e ele soube que Carl o
violentara. Acredito que assim que ele souber as coisas que se passam aqui, ele volta
correndo.”

“Não, meu caro! Tem mais coisa por trás disso. Acho mesmo que ele é um agente duplo
que trabalha para o FBI e para o crime organizado da capital. Não acho que ele seja
infiltrado do FBI nas gangues, mas acho que ele é das gangues. Ele não deixou o
passado. Ele é temível.”

“Mas isso pode mudar tudo. Por que ele faria uma coisa dessas?” Suspirei, meio
atordoado. “Tudo o que ele me contou não faz menor sentido. Era claro que ele me disse
que o jogo em que eu estava me metendo era algo extremamente perigoso, mas eu sei
que tinha algum fundo de verdade no amor que ele tem por Brendon.”

“Não estou duvidando disso, mas não colocaria minha mão no fogo por ele, não
mesmo.” Girou os olhos. “Posso abrir um leque de possibilidades aqui, como o fato de a
família dele estar sendo ameaçada para que ele aceite suborno, ou ele é um policial
corrupto. O fato é que o FBI limpou a ficha do Ryan – mas não a Interpol – e mesmo
assim, ele usa o mesmo nome.”
“De fato. Não teria motivo para usar o nome de um fugitivo para trabalhar com a
polícia. Tem algo podre nessa história.”

Fato é que todas as evidências que tínhamos até então eram irrelevantes para levar ao
paradeiro de George. Era claro que a polícia foi atrás dele na pista de kart, mas a única
pessoa que estava lá era Sandra que por mais que se envolvera com homens sujos, ela
jamais teve qualquer mancha em sua ficha. Os filhos e o próprio George II cuidavam
pessoalmente de que a mãe fosse uma civil fora de qualquer guerra.

Mas nem todo mundo pensava como nós. Polícia nunca torturaria uma mãe de fugitivo
– ao menos não uma polícia com ética.

Ficamos Dettman e eu algumas horas na Starbucks decidindo o que fazer e qual


estratégia seguir. Precisávamos achar quem ameaçava a mãe de Ryan para chegar
exatamente onde nós dois queríamos: prender George Ross II.

Enquanto eu me preocupava com Ryan, Brendon foi a um bar qualquer. Após tantos
anos sem beber sequer uma gota, Brendon fez questão de tirar o atraso. Estava
complicado suportar a ausência da filha, do amado. Hayley praticamente morta e as
brigas que tínhamos todos os dias lá em casa.

Não gosto dos termos que usarei, não para defender ou definir um melhor amigo – ou
mesmo um simples colega –, mas Urie sempre fora o mais fraco de todos e descontava
essa fraqueza em álcool e drogas. Naquele momento em especial, Brendon se afundava
em litros e mais litros de vodca barata sem pensar em mais nada além de si mesmo e na
dor que sentia. A ficha corrida de Ryan (que estava no arquivo morto da polícia local de
Salt Lake City e que não havia sido requisitada pelo FBI, embora muito pequena para as
proezas de Ry) o acordara um bocado; lembrara das inúmeras vezes que os dois
discutira sobre Ryan ser apenas um adolescente normal com um pai alcoólatra. A
<i>sujeira</i> que Ross sempre dizia esconder era mesmo como a de um chiqueiro.
Aquilo lhe rasgava o peito como uma navalha.

Brendon era sensível e era doloroso demais para ele carregar aquilo. Existiam “talvez”
demais dentro de um cérebro frágil e atordoado. Naquele momento o “talvez” que mais
doía a respeito de Ryan Ross era: “Talvez se eu tivesse confiado um pouco mais nas
palavras do meu Ryro, eu estaria ao seu lado, com uma família bonita e morando em um
trailer longe daqui.”

Era claro que Brendon Urie não sabia que o sonho de Ryan era ser matador até que
tivesse uma quantidade boa de dinheiro para que a banda deles pudesse gravar um CD e,
como eles eram bons, seriam conhecidos em todo o país, tocando e encantando o
mundo. Ryan Ross não fora feito para uma vida calma; seu corpo exigia adrenalina
todos os dias em que existisse.

Meu melhor amigo e chefe decidiu que era hora de correr atrás do prejuízo, mas antes
precisava esclarecer alguns pontos de seu próprio passado com os pais. Mesmo com
álcool no cérebro – e não era pouco, havia passado horas seguidas naquele bar, no
balcão, jogado como se fosse a dois mil e dois novamente. Como se o tempo desse a ele
uma linha negativa de tempo e espaço, só que dessa vez eu não estava lá para procurá-
lo. Eram mais de dez da noite quando B saira sem rumo algum, mas em seu cérebro
alcoolizado, estava indo pra <i>casa</i>.

Casa. Não a minha casa, o lugar que morava com a mulher de fachada e a filha
seqüestrada. Casa, onde morava seu pai e sua mãe e que tinha em frente uma confeitaria
bem sucedida. Naquela casa onde passara bons momentos como a sua primeira vez com
um cara incrível, como quando Brendon descia com Ryan pelas escadas e roubava
doces para eles comerem juntos no quarto, no carro de Ryan ou mesmo para coisas mais
pervertidas, mas também foi naquela mesma casa que ele viveu depois de Ryan ir
embora; o inferno da depressão, o inferno de seu pai lhe enchendo a cabeça por ter
voltado na viatura acompanhado por mim, o inferno das bebidas serem reguladas e da
minha presença insistente para dizer que ele não podia continuar vivendodaquela forma.
Depois de quase seis anos, Brendon Boyd Urie voltava pra casa.

“Pai!” Gritou Brendon quando chegara finalmente na porta de casa. “Boyd!”

A luz de fora se acendeu ferindo os olhos de um Brendon completamente bêbado que


mal conseguia prar sobre seus pés. Boyd olhou o filho mais novo lá, gritando a plenos
pulmões, com certa pena que logo fora substituída por um sentimento mais forte e mais
insensato: <i>culpa</i>.

Culpa sempre fora um sentimento obscuro, que deixa as pessoas completamente


atordoadas, faz com que elas ajam sem realmente pensar no próximo. Culpa é sempre a
culpada pelos piores desfechos e descasos, pelas tentativas de ser indiferente ao
sentimento do outro. A culpa nos faz preocupar um pouco mais em mostrar pro outro
que estamos bem, quando na verdade, não estamos.

“O que é que você quer aqui, seu bêbado nojento?” Boyd perguntou duramente, sem
abrir a porta. Grace achou aquilo absurdo e por isso pegou as chaves e abrira a porta.

“É o seu filho mais novo, Boyd, não seja insensato.” Falou, enquanto ajudava Brendon a
subir um pequeno lance de escadas. “É o <i>nosso</i> filho caçula.”

“É, <i>papai</i>, finge que se importa com <i>seu filho caçula</i> por uma vez na
vida.” Brendon debochou ao entrar em casa, se apoiando na mãe cuidadosamente e fora
impactado por inúmeras lembranças ruins naquele exato momento; como daquela noite
fria em que com uma mochila na mão fugira de casa e sem nunca entender o motivo,
nem mesmo sua mãe ficara preocupada com ele.

Mas tem coisas nessa história que eu nunca lhe contei. O erro é realmente <i>meu</i>.
Grace era uma mãe preocupada e dedicada aos cinco filhos. Quando Brendon saiu de
casa, dei-lhe todo o respaldo possível para que ela acompanhasse o tratamento do filho
em clínicas de recuperação – e ele fora em duas -, ela fez o tratamento ao meu lado
como co-dependente, mas ele nunca soube por pedidos dela. Errei e essa é uma das
maiores <i>culpas</i> que eu podia carregar comigo.

“O que você está fazendo aqui?” Grace o ajudou a sentar-se no sofá, mas Brendon
parecia estar em alto-mar mesmo sentado e sem perigo algum de cair. Ela saiu da sala
para preparar um café quente e forte pra ajudar a curar a bebedeira. “Vejo que o tempo
não adiantou de nada para que você tomasse jeito nessa porcaria de vida. Não passa de
um bêbado sujando o nome da minha família!” Exclamou.
Sem muito jeito, Brendon puxou o distintivo do bolso, jogou em cima da mesinha de
centro. “Eu sou policial. Esse é meu distintivo e pertenço a uma divisão que investiga
crimes hediondos. Como o atentado violento que <i>eu</i> sofri.”

“Não sabia que a polícia aceitava alcoolatras nojentos feito você.”

“Mas eu estou recuperado.” Falou ironicamente. “Só ganhei o direito de beber até cair
quando meu namorado foi embora por <i>minha</i> culpa, quando minha mulher...”
Brendon tirou a aliança e jogou na cara do pai que assustou-se com a irreverência do
filho. Boyd estava acostumado aos outros filhos que aceitavam sua palavra como a final
e a válida, mas sabia que com meu amigo as coisas sempre foram bem mais difíceis.
“Está completamente dopada em casa – aliás, você sabia que eu tinha me casado com
uma <i>mulher</i>? Claro que não. -, e você sabe porque ela está dopada,
<i>papai</i>? Porque minha única filha foi seqüestrada por um maldito que só quer me
atingir.”

“Brendon, não me faça rir.” Boyd girou os olhos enquanto Grace trazia a xícara com
café. “Você sempre foi um veadinho. Seria incapaz de tocar em uma mulher, quem dirá
casar e ter filhos.”

Ao escutar que Sarah havia sido seqüestrada e o estado em que Hayley estava, a xícara
das mãos de Grace caíra ao chão. Brendon queria um abraço de alguém – e lá em casa
estava complicado alguém se importar mais com a própria situação ou a situação da
Sarah para perceber que Brendon não fora preparado por um golpe daqueles -, mas
Grace era mãe e conhecia seu filho muito bem. Seus passos frágeis pelo susto
caminharam até o filho e seus braços o abraçaram protetoramente.

“Foi o Carl maldito que tirou minha neta de você, foi?” Grace murmurou e ele assentiu,
meio espantado.

“Acredita nessa mentirada toda que o seu filho ta contando Grace?” Boyd perguntou.
“Aposto que ele deve estar casado com o quadrúpede do Dallon.” E girou os olhos.
<b>“Você limpa essa boca podre, Boyd, pra falar do Dallon!”</b> Brendon reagiu,
levantando-se rapidamente do sofá e mesmo sentindo uma tontura muito forte, não caiu.
Cambaleou bastante, foi amparado pela mão da sua mãe, mas não caiu. “O Dallon foi,
em oito anos inteiros, o pai que você não tem sido pra mim há vinte e quatro anos! Se eu
me casaria com ele? Casaria, mas eu já tenho uma esposa e ela tem peito e vagina feito
a sua!”

<b>“Brendon!”</b> Grace falou, repreensiva. Brendon apenas encolheu os ombros e


quase perdeu o equilíbrio.

“Você veio aqui por que, Brendon?” Boyd falou. “Não foi pra defender o Dallon que
você veio na minha casa, perturbar meu sono só pra isso.”

Brendon hesitou um pouco, girou os olhos e percebeu que tudo rodava ao seu redor e
voltou a sentar perto de sua mãe que também estava bastante curiosa em saber o que seu
filho queria. Estava querendo entender porque se aproximara de uma pessoa que jurara
nunca mais respiraria o mesmo ar que ele.

“Quero saber o que estava escrito no bilhete que o Ryan te entregou.” Brendon falou,
encostando melhor no sofá. “Eu percebi o bilhete queimado, mas estive tão triste que
não pensava em mais nada além de afogar a maldita dor que tinha no meu peito.”

“Agindo como uma <i>moça</i> virgem, Brendon.” Replicou Boyd. “Depois de tantos
anos, pra que raio você quer saber?”

“Ryan esteve na cidade há algum tempo. Ele não quis falar sobre o passado, mas eu
quero saber: o que aconteceu pra ele nunca mais dar notícias? Onde está a carta que ele
me mandou ao longo desses anos todos porque ele me disse que mandou uma carta e foi
estraviada. Ele me disse que suspeitava do Carl estraviando nossa correspondência, mas
o Carl, <i>papai</i>, é um bandido de altíssima periculosidade e não ia perder seu
tempo com correspondência.”

“Por Deus, achei que o que você queria era algo com importância.” Boyd girou os
olhos, e se levantou, indo em direção ao quarto. “Feche a porta quando sair, Brendon.”
“O que... O que o Ryan fez pra ter seu ódio?” Brendon gritou, fazendo o mais velho
voltar com um sorriso cínico na cara. “N-não foi ele quem me destruiu, meu pai. Eu ia
superar a falta dele, como hava superado antes, mas... o que me destruiu foi o que
aconteceu em dois mil e dois. Na primeira vez que eu voltei pra casa de viatura. Eu
estava tão assustado, mas ao contrário de encontrar abrigo na casa do meu pai, encontrei
mais motivos pra ficar assustado. <i>Você</i> me destruiu tanto quanto o Carl.”

“Não foi esse tal de Carl que te ensinou a beber, nem a se drogar, nem a se envolver
com gangues, Brendon. Foi o Ryan.”

“D-depois que o Ry foi embora, pai...” Brendon começou sem forças, abaixando os
olhos pra que o outro não os vissem cheios e muito menos a tristeza que estavam em
seus olhos. “Eu cheguei a trabalhar um ou dois dias como entregador da loja. Tinha se
passado quase um mês e por mais q-que eu tivesse bebendo demasiadamente e
fumando, eu estava me apoiando ali pra entender o que eu tinha feito de errado pro
Ryan pra ele me deixar daquela forma. Não quero entrar em detalhes, são fortes, são
difíceis de acreditar que eu tenha mesmo vivido tudo isso e é por isso que eu nunca
contei pra ninguém – nem pra polícia ou pro Dallon, ou pra psicólogos e, acredite, eu
passei por muitos deles pra estar falando disso tão abertamente –. O Ryan me protegia,
nada de mal me acontecia ao lado dele e sem ele, eu fui brutalmente violentado por
<i>esse tal de Carl</i>, como você chamou. Quando eu achei que estava de pé, papai...
ele violentou o filho do Smith pra me atingir e hoje o menino está morto, porque ao
contrário dos meus pais, os pais dele se envolveram e a mãe não suportou o
envolvimento com o sofrimento do filho que se recusava ir pra escola, conviver com
outras crianças que não fosse a minha Sarah que por sinal está seqüestrada pelo mesmo
homem e eu não sei se ela está bem ou não.Carl Windsor me destruiu, pai.”

Boyd manteve o silêncio e saiu daquela forma, como se as palavras do filho não o
afetassem. Não discutiu, mas estava completamente decepcionado. Ao olhar pra sua
mãe, meu chefe sorriu fraquinho, consolando-a em um abraço desajeitado. Por mais que
ele quisesse afetar ao pai dele com um tiro bem no meio do coração, ele conseguiu
afetar a sua mãe. Ele nunca soube que ela estava por trás de quase tudo o que eu fazia
por ele.
“Vem, meu filho, me deixa cuidar de você.” Falou Grace, carinhosa.

“Não.” Respondeu Brendon. “Você cuidou de mim quando eu morava aqui, mas depois
que eu pus o pé pra fora de casa, eu nunca recebi uma ligação sequer sua. Você nunca se
importou tanto comigo de fato.”

“Não é porque você não vê algo, filho, que ele não exista.” Grace falou docemente,
suspirando em seguida. “Eu estive com você em tudo, mas de longe. Se seu pai
descobrisse que eu tava ajudando o Dallon, era capaz de ele me matar. Compreenda,
meu filho, eu ajudei você quando o Dallon mais esteve ausente, trabalhando feito um
louco e cuidando da vida pessoal quase inexistente dele.”

(Por quase inexistente, ela quis dizer completamente inexistente).

“P-por que ele nunca me falou nada?”

“Porque você contaria ao seu pai numa dessas tantas brigas que já tiveram um com o
outro.” Explicou pesarosa. “Eu sei que precisava de mim mais ativamente, desculpe,
querido.”

“Uhum.” Brendon falou com certo descaso. “P-pode me contar algo? Sobre a carta com
a caixa postal do Ry. Por que ela tava queimada?”

“Kara foi quem viu seu pai lendo e depois de algum tempo de insistência eu consegui
tirar dele. Era uma carta de amor, dizendo que ele preciava ir com urgência para um
lugar porque aqui não era seguro. Dizia que te amava e que toda carta que chegasse pra
ele, ele responderia. Seu pai disse que a carta estava manchada, como se ele tivesse
chorado bastante ao escrever e que era muito maricas.”

“Deus!” Brendon suspirou. “Ele é um bandido, mamãe. Descobri a pouquíssimo tempo


e não sei se fiz certo em odiá-lo por todos esses anos.”
“Não confunda o que você tem com o que odeia, meu filho.” Grace disse sabiamente.
“Você nunca odiou o Ryan nem mesmo por um segundo. Odiou a falta que ele te faz, a
dor que ele te causa todos os dias porque você tenta esquecê-lo diariamente. Ao Ryan
não. Ele é o amor da sua vda.”

“Mas ele me causou muito mal.” Ele replicou, ainda com lágrimas nos olhos. “Me
causou mal demais, na realidade.”

“E mesmo assim você o amou se ele fosse como o ar que você respirava, Bden.” A mãe
de Brendon o deitou em seu colo. “O Ry nunca foi embora porque não te amou, ele foi
embora porque te amava demais pra te deixar viver mudando de um lado pro outro. Eu
tenho certeza que se ele te pedisse pra largar tudo aqui e seguir com ele, você largaria
sem pensar duas vezes, amor.”

“Por que acha isso?” Brendon sentiu as mãos de sua mãe acariciar-lhe o rosto e secar as
poucas lágrimas que caiam. Brendon era muito frágil e muito sensível, como disse
antes, mas era orgulhoso o suficiente pra não chorar por amor.

“Porque se você disse que ele é um bandido, talvez esse seja o grande mistério. Ele te
afastou pra te proteger e agora ele é a sua caça enquanto policial.”

“Por que ele fica brincando com minha cabeça assim?” Brendon perguntou como se sua
mãe pudesse ter todas as respostas do universo, como se ele ainda fosse uma criança que
acarbara de perguntar de onde vinham os bebês.

“Não sei, Brendon, mas tudo na vida tem uma razão.”

Urie nunca havia levado para aquela forma de pensamento. Nem por um momento
acreditara que a fuga de Ryan fora egoísmo e não em benefício de Brendon. Urie nunca
havia tentado sair de seu mundinho e testar novas possibilidades. Ele estava
completamente bêbado e no colo de sua mãe. Nada mais de mal poderia lhe acontecer.

Mas se ele era a caça, por que não tratá-lo como tal?
Eu demorei muito mais que o previsto para falar com Cameron. Não que eu não me
preocupasse com a Sarah – que provavelmente era o que estava parecendo aos olhos dos
outros – mas eu descobri coisas bastante interessantes a respeito dele. Ryan não era tão
bonzinho como muitos pensavam e muito mais maléfico do que eu imaginava. Eu não ia
conseguir comentar aquilo com o Brendon e talvez seria a primeira vez que eu
preferisse ficar sem respaldo algum.

Ian me conhecia demais e isso seria o meu maior problema.

Pouco antes de chegar em casa, meu celular tocou e eu atendi pelo dispositivo do carro,
em viva-voz. Sequer tive tempo de olhar o identificador de chamadas e também pouco
me importei com isso.

“Weekes.”

“Ah, oi, Dallon.” Carl falara em tom de deboche. “Já conseguiu achar o Ryan?”

“Pra que você quer isso, idiota?” Girei os olhos. “Matar o Ryan não vai te fazer ser
amado pelo Brendon. Ele te odeia e sempre vai ser assim. Compreenda isso, meu caro e
toque sua vida pra frente. Matar o Ryan só vai fazer as coisas piorarem pra você.”

“Ele é Ryan Ross, lembra? Ele merece toda a punição necessária por estragar minha
relação com o Brendon.” Falara o Carl e eu girei os olhos, encostando o carro. “Matar o
Ryan é uma questão de justiça pra mim. E de qualquer forma eu não tenho medo algum
dele.”

“Eu não sei onde está o Ryan, de verdade.” Falei em um tom quase suplicante. “Mas
talvez haja um jeito de ele voltar correndo pra cá. O Ryan tem assuntos importantes
comigo assim como sei que o Ian é completamente dramático, talvez seja mesmo o
único jeito de você chegar ao Ryan.”

“Me troca pela Sarah.” Expliquei. “Eu sei do seu plano de ser uma família com o
Brendon, que, sei lá, tá esperando ele sentir falta o suficiente da criança pra te implorar
casamento. Mas eu sei que isso não vai dar certo, mas se você me trocar pela Sarah,
você tem muitas possibilidades.”

“Tenho?” Suspirou. “Eu quero o Brendon e pronto. Não me importa nada do resto.”

“Não haja feito um adolescente de quinta enquanto estamos tratando de negócios. Quero
a minha vida pela da Sarah. Veja pelo lado bom, eu conheço o Ian como a palma da
minha mão. quando ele descobrir que eu fui seqüestrado no lugar da Sarah e que o
resgate é o Ryan, ele não vai descansar até achá-lo e talvez ele já até saiba por onde
começar a procurá-lo. Você pode me entregar ao Brobeck Jr. e na mão dele, eu não
tenho a menor chance de sobrevivência. Eu matei o pai dele e não o Ryan, você fica
numa excelente situação com os Brobeck.”

“Você tá barganhando com a vida da minha filha com o Brendon?”

“Estou.” Falei com firmeza. “Eu amo essa garotinha e sei que ela está morrendo aos
poucos sem a mãe, sem o pai e sem todas as pessoas que ela está acostumada a
conviver. Aliás, ela está viva, certo?”

“Está.” Suspirou outra vez e eu dei um sorriso aliviado. “Embora eu não goste de
barganhas, você pode ter razão. Você quase prendeu meu pai uma vez e não que ele
mereça ser vingado, mas talvez valha a pena a diversão.”

“Me deixa falar com a Sarah pra saber se ela tá viva?” Perguntei. “Não vou me entregar
pra você de mãos atadas, desarmado, sem a certeza da vida da Sarah.”

Foi completamente emocionante falar com Sarah no telefone. era tarde da noite e ela
falava com a voz enrolada pelo sono. Embora meus olhos se enchessem de lágrimas e
eu pudesse falar com ela ali para sempre, eu fiquei com pena e fui breve. Queria minha
Sarah viva e descansada e sabia que Carl jamais negaria a minha proposta. Ele disse o
lugar da troca logo depois e seria feita pela manhã. Tentei não dar bandeira pra ninguém
e ao subir pra minha casa, guardei tudo o que tinha descoberto sobre o Ryan em um
lugar fácil, mas não tão a vista. Queria mesmo que fosse encontrado. Preparei o bilhete
que Sarah levaria ao Ian pela manhã e fui tentar dormir.
Antes de todo mundo acordar eu fui pra Corporação. Não que todo mundo estivesse em
seu sono mais profundo ou deitado em quartos e/ou camas como geralmente é em festas
aqui em casa. Todo mundo só cochilava levemente porque uma hora os circuitos do
corpo piram de vez e você acaba dormindo em qualquer ponto. Só precisei ser um
pouco mais esforçado. Eu sabia que Ian estava empenhado em achar o Carl e a Sarah de
volta e por isso que eu sabia bem que ele não estava em casa.

Eu só tinha uma incerteza: eu não sabia quando voltaria pra casa. Ao mesmo tempo em
que tinha uma vantagem em todos estarem dormindo e Ian fora de casa, eu os queria
acordados e me abraçando. Queria poder roubar um beijo de Ian pra que ele me desse
forças de suportar tudo o que eu estava pronto – eu estava pronto? Talvez nem quanto
eu imaginava – pra enfrentar depois que Carl Windsor colocasse suas mãos em mim.
Aliás, eu sabia de uma coisa: Carl era o menor dos meus problemas.

Segui de táxi até um final de mundo. Um lugar abandonado perto da área rual,
praticamente fora de Salt Lake City. O taxista estava apavorado, mas ele tinha minhas
devidas instruções e eu tinha pagado a ele uma corrida com bandeira três, então ele não
falava absolutamente nada.

“Espera um momento aqui, eu vou uns dez passos à sua frente. Se ouvir tiros, acelera o
carro sem pensar duas vezes. Eu sou policial, mas to desarmado nesse momento. Daqui
a uns cinco minutos, eu vou te trazer uma criança chamada Sarah Urie. Quero que a leve
para a corporação de polícia onde você me buscou e a entregue ao doutor Ian
<i>Crawford-Weekes</i> junto com esse bilhete. Ele vai te interrogar e diga apenas a
verdade. Tudo o que ver você fala, sem exceção. O doutor Crawford-Weekes pode
parecer nervoso ao te interrogar, mas mantenha a calma e diga tudo o que aconteceu
aqui e tudo o que você vir, sem medo algum. Quando eu te entregar a criança, por favor,
acelere e dê o fora daqui. Não pense em mais nada... Eu não volto com vocês.”

“Sim, senhor.” Respondeu, pegando o bilhete. “M-mas se me permite, não seria melhor
se o senhor voltasse comigo e a tal Sarah?”
“Eu adoraria, mas não posso.” Neguei com a cabeça. “Agora mantenha o carro ligado e
fique preparado pra qualquer coisa. Lembre-se, a prioridade é tirar a Sarah daqui o mais
rápido que conseguir.”

O homem concordou sem muita vontade. Acredito que ele havia percebido que corria
algum tipo de risco, embora não soubesse exatamente com quem eu estava lidando
exatamente. Não era ruim pra ele que soubesse o mínimo. Caminhei os passos que disse
ao homem e esperei. Alguns minutos depois da hora combinada e logo o moreno
chegou. Estava na hora de começar a compreender que eu estava vivendo meus últimos
dias de vida. Não me importava em morrer pra fazer todos os meus amigos felizes com
a pequena Sarah, livrar Ian do carma de ter que me respaldar sempre. Eu simplesmente
<i>não me importava</i> em morrer.

A única coisa que realmente doía em mim era o fato de eu saber que não veria o Een
voltando pra mim e não veria a pequena Sarah crescendo, se tornando uma mocinha.
Não poderia orientá-la sobre o amor incondicional e sobre como esse sentimento pode
mudar a sua vida. Eu queria estar do lado dela para ser seu melhor amigo grande até
ficar bem velhinho, mas eu não ia ter essa oportunidade. Minha vida estaria, com toda
certeza, acabada na mesma hora que Joseph Charles Brobeck Jr colocasse as mãos em
mim. Ver Carl caminhando em minha direção, com a pequena Sarah deitada em seus
braços me dera uma sensação de dever cumprido, mas acima disso começara a vir o
pânico.

Parecia que agora estava mais claro que eu estava me sentenciando à pena de morte por
uma garotinha que eu amava. Que depois de morto eu ia perder o acesso à sua vida e ao
seu coraçãozinho. Que os seus sonhos seriam conquistados sem meus conselhos. Eu
sabia que ela estaria bem amparada, mas não poder estar presente, dói.

“Tá sozinho?” Perguntou, me fazendo assentir.

“Sozinho e desarmado.” Respondi. “Sem distintivo, sem celular, sem relógio. Sem
qualquer dispositivo de rastreamento ou escutas. Somente eu.” Disse, levantando a
camisa.
“Bom garoto.” Sorriu cinicamente. “Mas sabe como é, preciso te revistar.” Carl fez um
gesto para um homem de máscara ninja saísse do carro e me revistasse. E foi
exatamente o que ele fez, soltando um “Limpo” quando acabou. Eu não queria arriscar a
vida da Sarah que finalmente acordou com o rostinho apavorado. “Que táxi é aquele?”
Apontou.

“É pra Sarah.” Falei, tentando deixar que minhas lágrimas ficassem dentro dos olhos.
“Não quero que ela fique a deriva, andando por aí sozinha. O motorista tem ordens de
levá-la ao Ian.”

Quando Sarah ouviu minha voz, ela mexeu-se no colo de Carl até que ele a soltasse.
Com passos desengonçados e alguns cortes que eu não entendi exatamente o porquê –e
naquele momento não me importei – a menina correu até mim. Abraçou-me as pernas
até que eu me ajoelhasse e a abraçasse com um pouco de força. Era o mais próximo de
uma despedida que eu teria daquela garotinha.

“Que saudade que eu tava da minha princesinha.” Falei baixinho, dando um beijinho em
sua bochecha. “Como você tá, hm?”

A menina encolheu os ombros, acariciando meu rosto com cuidado, debaixo das
enormes bolsas que tinha ali e rindo baixinho ela disse: “Seu rosto pinica assim, sabia?”
referindo-se a barba por fazer que eu tinha naquele momento.

“Eu prometo fazer a barba direito quando... quando for pra casa.” Falei, abaixando os
olhos. “Mas agora você precisa ir pra casa, amorzinho. Eu encontro você depois, hm?”
Meu tom de voz era choroso, arrastado, quase manhoso, como se chorasse baixinho por
dentro (e na verdade era assim que eu me sentia).

“Por que tá chorando, tio Dallon?” Agora suas mãozinhas faziam um caminho de uma
lágrima imaginária, como se a enxugasse. “A gente vai se ver outra vez, não vai?”

“C-claro, Sarah.” Falei. “Mas agora você tem que ir ver papai e mamãe. Eles estão
morrendo de saudades de você, quase loucos atrás de você que sumiu sem dar notícias.”
“Duh. São uns bobões mesmo.” Brincou, rindo baixinho em seguida. “Mas eu também
to com saudade de todo mundo lá.”

“Sarah me promete uma coisa?” Ela assentiu, me fazendo sorrir de leve. “Nunca deixe a
música, por mais que seu coração doa. Prometa pra mim que vai tocar, cantar, mesmo
que valha a sua cabeça. A música vem do coração, meu amor, e eu quero que você
guarde isso como um mantra. Promete?”

“Prometo prometido.” Assentiu outra vez, esticando o mindinho. “Com dedinho e tudo
mais.”

“Linda.” Dei mais um beijinho nela antes de olhar pra Carl que apontou o relógio.
“Agora você tem que ir, amor.”

Embora contra a própria vontade, Sarah foi ao táxi. Ajeite-a no banco traseiro com o
cinto de segurança e dei um último beijinho nela. Esse era mesmo o último. Ela não
sabia que essa era a única promessa que eu não cumpriria.

O táxi ameaçou sair, rodando alguns metros do lugar, mas acredito que ele tenha se
chocado com a cena subseqüente. Senti o comparsa de Carl me bater nos joelhos com
um bastão de baseball e comecei a ser amarrado. A dor que eu senti ali piorara bastante
porque eu caí ajoelhado na frente deles. O próprio Windsor vendou meus olhos
enquanto eu era amarrado. As amarras eram feitas com um resistente nylon, difíceis de
soltar. Parabéns, eu fui realmente pego. Talvez o que tenha impressionado o taxista era
que por mais que eu fosse xingado e humilhado, eu não oferecia nenhuma resistência.

Quando ouvi o cantar dos pneus só tive certeza de uma coisa: pela primeira vez na vida,
eu estava completamente sozinho.

Acredito que eles demoraram mais ou menos uma hora para chegar a corporação. Sarah
deveria ter tagarelado com o homem assustado a viagem toda, mas acima de tudo
acredito que o homem mal tinha cabeça para falar com a menina. Queria guardar pra si
os detalhes do que vira pra ajudar meu amado a me encontrar com vida. O que eles não
sabiam é que sequer eu mesmo tinha esperanças.
“Por favor, o d-doutor Ian Crawford-Weekes.” Falou ao chegar à recepção da
corporação. “É urgente.”

“Não tem nenhum Ian Crawford-Weekes aqui, senhor.” Avisou a mulher, educada.
“Tem um Dallon Weekes e um Ian Crawford.”

“Desculpe, moça, eu preciso falar com Ian Crawford-Weekes com urgência.”


Reafirmou o homem. “Por fav-vor, moça, eu sei que ele trabalha aqui.”

“Chama o tio Een.” Disse Sarah, meio exigente, mas a mulher era uma novata na
recepção e não conhecia quem era o tio Een de Sarah Urie. “Por favor, ou eu mesma o
levo até ele.”

“O senhor está bem? Eu vou chamar o doutor Crawford pra te atender” Perguntou
educadamente a moça enquanto tocava o telefone do ramal de Crawford. “Está branco
como papel.”

“Por favor, senhora, eu preciso muito falar com o Crawford-Weekes.” Avisou, meio
trêmulo. Não demorou muito tempo para que Ian aparecesse na recepção e quando isso
aconteceu, Sarah correu e abraçou as pernas do meu amor como se fosse um dos seus
ursinhos de pelúcia. Meu amor nunca achou que fosse tomar um susto daquele tamanho
quando visse a garotinha praticamente inteira em sua frente.

“Quem é você?” Perguntou Ian, praticamente dando voz de prisão ao homem. “Como
encontrou essa criança? Pra quem você trabalha?”

“D-doutor Crawford-Weekes?” O taxista colocou as mãos para cima, Ian arregalou os


olhos por ver outra pessoa o tratando pelo nome de casado que ele nunca usara. “Eu
preciso conversar com o senhor. Contar-lhe tudo o que aconteceu como minhas ordens.”

“Pra quem trabalha?” Repetiu a pergunta, aproximando-se do homem com


irritabilidade. “Tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser pode, será e
deverá ser usado contra você no tribunal. Tem direito a um advogado, se não puder
pagar, o estado de Utah arranjará um pra você. Ouviu e está ciente de seus direitos?”

“Sim.” O taxista, embora nervoso e branco como um papel por tudo o que vira, não
resistiu ao ato impensado de Ian, que sequer respeitou a pequena Sarah pra colocar as
algemas no homem e a apertar. Ela, então, puxou a calça de Ian pra chamar atenção dele
que olhou pra menina.

“Eu vi o tio Dallon hoje. Ele pagou o táxi, tio Een.” Sorriu, mas mesmo assim, Ian
levou o homem pra uma das salas de interrogatório. A recepcionista foi responsável por
cuidar a pequena Sarah enquanto Ian tomava o depoimento do pobre homem que eu
tinha metido nessa furada toda.

“Diga seu nome e soletre-o pra registro.” Disse Ian, andando de um lado a outro.

“Meu nome é Alec Perez. P-E-R-E-Z.” Dissera.

“Ótimo.” Suspirou. “O que você estava fazendo com uma criança que fora vitima de
seqüestro, senhor Perez?”

“Trazendo-a em segurança para uma delegacia de polícia.” Respondeu com os olhos


baixos. “O senhor pode me dar um copo d’água, doutor? Não estou me sentindo bem.
Eu vi coisas hoje que nunca mais na minha vida hei de esquecer.”

Ian estranhou a afirmação do homem e só então parou pra notar que a postura do
homem não era de nenhum bandido. Tinha um respeito em cada palavra que bandido
algum apresentava. A grande maioria dos bandidos tem um topete mais alto que o
mundo e temos que cortá-los mostrando provas. Aquele homem era honesto e sua
conduta perante Ian apenas ressaltou isso.

“Como o senhor soube do meu sobrenome?” Ian perguntou, colocando um copo


descartável com água sobre a mesa. “Digo, o ‘Crawford-Weekes’? Quase ninguém
conhece isso.”
“Eu quero colaborar, doutor, mas, por favor, não levante a voz pra mim.” Pediu o
homem. “Me sinto intimidado o suficiente.”

“Responda a pergunta.” Ian disse, meio irritadinho.

“Dallon Weekes.” Suspirou. “Aproveitando, ele pediu que eu lhe entregasse isso em
mãos.” Com certa dificuldade, Perez tirou do bolso minha pequena carta e colocou
sobre a mesa. “Ele me ordenou que contasse tudo o que eu vi e ele me orientou dizendo
que o senhor seria hostil comigo, mas que mesmo assim eu deveria insistir e lhe contar
o que vi.”

Ian puxou a carta para perto dele e não a leu. Assentiu ao ver minha letra onde dizia
“Para: Ian Miles Crawford-Weekes, para ser entregue em mãos.”

“Como encontrou a pequena Sarah?” Perguntou.

“O policial Weekes ligou pra minha companhia de táxi e pediu pra que mandasse um de
nós para cá. Quando cheguei, ele perguntou se eu queria receber uma corrida com
bandeira três. Aceitei na hora porque eu sou casado e preciso sustentar meus filhos.”
Falou bebendo um pouco d’água. Suas mãos ainda estavam bastante trêmulas. “Ele
entrou no carro e me entregou 500 dólares – e vale dizer que a corrida deu 250 e ele não
aceitou troco – e em seguida me disse para levá-lo pra fora da cidade. Não sei precisar o
lugar, mas era um bocado longe. Ele me deu as instruções de te procurar dizendo
veementemente que a prioridade era tirar a menina de lá em segurança.”

“O senhor está me dizendo que o policial Weekes foi quem encontrou a garota e disse
para que o senhor a trouxesse? Não faz o menor sentido!” Girou os olhos. “Essa
menina, pro policial Weekes, é como uma filha.”

“O policial Weekes trocou. Eu não sabia do que se tratava exatamente até que um
homem encapuzado derrubou o Weekes com uma paulada em seus joelhos. Eu não vi
mais coisa, doutor, porque eu tinha minha prioridade.”
“A minha teoria do que aonteceu de verdade, sabe qual é?” Ian não recebeu qualquer
resposta, então continuou: “O senhor seqüestrou a menina e agora vem aqui com essa
cara mais lavada devolvê-la.”

“N-não, não fiz nada disso. Sou inocente dessas acusações!” Respondeu o homem quase
imediatamente. “Eu fui lá, recebi a menina das mãos do próprio Weekes junto com essa
carta. Ele me disse que o doutor ficaria nervoso comigo que não me ouviria de primeira.
Depois que a menina estava no meu carro, que outro homem a soltou, o policial Weekes
apanhou bastante. Eu não consegui ver toda a brutalidade que fizeram e decidi que
aquilo não era lugar pra uma criança.”

“O p-policial Weekes apanhou sem reagir?” Ian sentiu um nó na garganta, sufocando-


lhe a respiração, mas logo um sorriso sem humor lhe brotou nos lábios. “Não faz
sentido. Não o Dallon Weekes que eu conheço. Não o <i>meu</i> Dallon!”

“Eu não tenho nada ao meu favor, doutor.” Disse o homem meio amedrontado,
abaixando o olhar. “Só a carta que eu sequer sei o que está escrito. Só que eu to lhe
contando tudo o que eu vi.”

“Eu vou lhe dar o benefício da dúvida se... se o senhor me fizer um retrato-falado do
homem que estava com a garota no colo. O senhor me ajuda?”

“Ajudo. Eu consigo fazer um retrato-falado do homem que estava com a garota.”

Meu esposo chamou Zach o mais rápido possível, mas o tio estava curujando a pequena
e logo ele a deixou com os médicos responsáveis pelo corpo de delito. Precisavam
descobrir se tudo aquilo havia acontecido mesmo comigo. Enquanto Zac colhia as
informações, Ian afastou-se o suficiente para ficar completamente sozinho. Ele queria
saber o que eu tinha escrito de tão importante e se, principalmente se minha carta
inocentaria ou acusaria o pobre motorista de táxi. Abriu o papel e começou a ler
baixinho:

“<i>Para: Ian Miles Crawford-Weekes, para ser entregue em mãos.


Meu amor. Meu Ian, meu esposo, minha vida.

Eu sei que nunca falei dessa forma contigo. Que por mais vezes que eu tenha me
declarado a você, nesse momento de tristeza profunda e sem poder te dar um abraço
forte e um beijo de partida, eu preciso escrever sem tentar amassar o papel com minhas
lágrimas. Espero que um dia você possa me perdoar por todas as minhas besteiras, por
todos os meus atos heróicos - como você sempre diz - e por parecer que sempre dei
mais valor ao meu trabalho, ao Brendon que a você e aos seus sentimentos. Mas não se
deixe enganar pelas aparências, meu querido, eu só nunca quis te colocar em perigo.

Você sempre foi maravilhoso demais para que eu pudesse te perder. Aliás, você sempre
foi muito mais do que eu merecia ter, muito mais do que eu tinha condições de
sustentar. Não foi a toa que eu agi feito um idiota contigo por várias vezes. Me perdoe
se eu não fui o que você realmente merecia ter. Me perdoe se eu não pude olhar em
seus olhos e dizer todas essas minhas palavras. Acredite, eu te amo mais do que tudo
nesse mundo e sinto muito, muito mesmo, por não ter sido o homem que deveria ser pra
você.

Quer saber meus planos pra nós quando toquei Temporary Bliss pra você? Eu sonhei
com você voltando pra mim. Voltando a morar comigo e dormir na mesma cama que
eu. Sonhei em sentir seu cheiro de cabelo bem lavado durante a noite toda e dormir
bem agarradinho. Meu sonho era poder exibir você aos nossos amigos e te provar que
eu superei meu medo idiota das coisas te acontecerem. Eu ia parar de agir como seu
pai e agir como o seu homem. Só que você não aceitou como eu queria. Meu plano
maior era quando eu ficasse bem velhinho, você estaria cuidando de mim, me fazendo
carinho enquanto eu te pedia da boca pra fora pra você ir se relacionar com outras
pessoas.

Como previsto, eu morrerei antes de você. Ao contrário de mim, o mundo precisa de


você.

Eu sei que deve estar nervoso com o taxista que levou Sarah até você. Acalme-se, ele
não sabe de nada além do que eu o deixei saber. Isso quer dizer, meu querido Een, que
ele não sabe onde é o cativeiro e sequer o tamanho da prericulosidade de Carl
Windsor. Não o detenha, é meu pedido. Agora eu vou realmente falar tudo o que está
engasgado e tudo o que eu preciso que faça por mim. Preciso também explicar como foi
que nossa Sarah está sendo conduzida até você por um taxista. Ontem à noite, Carl me
ligou para conversarmos e eu fiz uma proposta para ele. A minha vida pela de Sarah,
porque nós dois sabemos o quanto ele é odiado pelo Brendon e seu sonho de ter uma
família feliz ao lado dele acaba sendo um bocado ridículo. Ele aceitou a proposta e
depois disso eu não sei exatamente o que acontece.

Não precisa me respaldar e nem gastar seus esforços em minha busca. É muito
provável que eu morra por aqui mesmo, então, minha ordem a você é que viva sua vida
sem mim. Como eu te disse nos votos do nosso casamento, Een, eu ia morrer te
amando, ia viver por você. Meu último ato de heroísmo é pra fazer todos vocês viverem
felizes ao lado de uma garotinha incrível. Nunca se esqueça que eu te amo, que eu te
amei, e que mesmo depois de morto eu vou continuar te amando. Não me importa mais
nada além de te amar e de sentir que eu ainda sou amado apesar de todos os meus
erros, defeitos, manias e superproteção. Apesar de eu ser teimoso o suficiente pra não
te avisar o que estava acontecendo comigo. Eu, Dallon Weekes, estou te mandando esse
bilhete para te dizer que Sarah está a salvo e que você não precisa me procurar. Em
três ou quatro dias eu vou estar morto.

Cash me apresentou um garoto - acho até que o conhece - chamado Cameron Dettman.
Ele é agente da CIA e eu andei conversando bastante. Eu sei que Carl vai me torturar
para saber tudo o que eu sei do Ry - e acredite não é tão pouco quanto eu alego ou
parece - e eu descobri com ele que todo mundo fala depois algumas horas de tortura.
Eu não pretendo falar nada a respeito disso, mas todo mundo fala após alguns dias de
tortura extrema. Dettman é da CIA e treinado pra suportar tortura, mesmo assim ele
falaria depois de cansado de lutar. Eu não tenho esse treinamento e eu não vou fugir da
minha responsabilidade. Peço também que todo o meu material investigativo seja
queimado e que você não continue a investigação que eu estava metido. A minha ordem
a você, enquanto seu subchefe, é para não continuar as investigações. Proteja o
Brendon dele mesmo por mim. Ame a Sarah como um pai e esteja por ela quando
ninguém mais estiver, mas principalmente, que não me busque. Que viva a sua vida sem
mim. Essa é minha morte, Ian, e eu quero ver você feliz. Sugeriria o Marshall, mas eu
gosto do DeLeon, então, você pode ficar com a pessoa que quiser. Eu o libero pra
sempre. Outra coisa, meu amor, nunca deixe de tocar. Por mais que seu coração esteja
dolorido, nunca deixe a música.

Bem, agora vou lhe deixar algumas instruções. Quanto aos meus arquivos, por favor,
suma com todos eles. Não quero ninguém envolvido ou machucado por causa de minha
imprudência. Eu sei que ao entrar em meu quarto, você será o único que vai conseguir
encontrar esses arquivos. Fique também com meu apartamento, decidindo então se vai
deixar nossos amigos continuarem a morar lá. Se decidir não morar lá - porque aquela
casa é cheia de mim e cheia de nós - entregue meu quarto a Josh. Eu sei que está na
hora de Zac ter alguém pra ele e o irmão ficar realmente perto da filha. A Hayley ainda
o ama demais pra isso. Quando puder, sente-se com Brendon e conte a ele que Ryan
Ross foi embora por necessidade, pra não atrapalhar seu futuro promissor. Conte a
Brendon que Ryan é um bandido disfarçado de herói, mas que de nunca mentiu quando
falava de amor, enquanto tentava ser feliz ao lado dele. Quando Sarah crescrer, não a
deixe esquecer como fui importante pra ela e nem a deixe me esquecer. Não precisa
contar que eu fui morto pra salvá-la, só que eu fui seu melhor amigo grande.

No mais, tente achar o Ryan. Diga a ele o que aconteceu comigo e ele sim há de me
vingar. Não quero que você suje as mãos e o Ry tem as mãos com mais sangue que o
Jack, o estripador. Eu espero que você se apaixone por um homem muito menos
complicado que eu. Alguém com quem você possa formar uma família bonita e viver
com calmaria. Peço que me guarde no seu coração, mas que não viva por mim. Eu te
amo mais do que você é capaz de imaginar, Crawford-Weekes.

Do homem que é eternamente seu, só seu e de nenhum outro mais,


Dallon James Weekes.</i>”

Ao terminar de ler meu bilhete, Ian reuniu as poucas forças que lhe sobravam para
correr o máximo que pudesse. Foi a primeira sala vazia que encontrou e logo descobriu
que era a minha com Brendon. Ele estava sozinho, mas acima disso, ele se sentia
sozinho e partido por dentro. Aquilo poderia ser motivo o suficiente para causar revolta,
mas naquele momento a única coisa que havia em seu interior era culpa.
Culpa por não ter percebido como eu era e os tais sinais que eu dava. De repente,
minhas saídas se tornavam mais cheias de sentido e ele se culpava por não ter percebido
meus sinais iminentes de que eu estaria prestes a fazer besteira. Ele não conseguiu ficar
de pé e escorregou porta a baixo. Abraçou seus joelhos e os apertou. Apoiou sua cabeça
nos joelhos e não deixou que ninguém percebesse que ele estava chorando e não era um
choro calmo, ele soluçava quando as lágrimas pareciam travar em seus bonitos olhos.

Ian Crawford queria achar alguém pra contar naquele momento antes de entrar em
pânico, alguém que não precisasse de um resumo prévio de nossa história pra entender a
dor que Ian sentia. Era uma dor que nada faria passar, a não ser minha volta. Era uma
dor de ausência, de culpa e de medo. Talvez pela primeira vez na vida ele percebesse
que estava sozinho e que precisava se cuidar sozinho. Não haveria mais uma super-
proteção pra reclamar. Ele não gostava de chorar, se sentia infantil por precisar de mim,
por me amar da forma que me amava.

“Você tava muito conformado, desgraçado!” Ian falou consigo mesmo. “Agora faz
sentido! Tudo faz a merda do sentido! Como é que eu pude ser tão burro? Tão idiota de
acreditar que você ia simplesmente esperar tudo isso acabar, Weekes? É de você que se
trata! Você não sabe ficar longe do perigo! Droga, droga, <b>droga!</b>”

As lágrimas de Ian enquanto ele tentava dar uma bronca em si mesmo eram limpas com
a mão mesmo e com uma extrema violência. De todas as orientações que eu deixei só
uma era viável o suficiente: caçar Ryan.

Levantou-se do chão e decidiu fazer algo por mim. De repente, o vazio tornou-se sede;
sede de me ter ao seu lado, de confessar que me amava aos quatro ventos. Sede de ter
tudo o que ele tinha antes sem esforço. Daria valor a tudo o que eu era pra ele – e não
que não desse, mas era como Een se sentia naquele momento. Foi até o telefone e
depois de engolir seu próprio choro ligou pra casa e marcou uma reunião de urgência.
Naquele momento era como se Ian sentisse a maldita morte tentando nos separar aos
poucos, mas ele sabia de uma coisa: ele não ia deixar. Lutaria até as últimas
conseqüências. Ele tinha três dias pra isso, não é? Três dias e nada mais. <i>Três. </i>
Quando a meta de três dias se infiltrou na cabeça de Ian, ele engoliu qualquer tipo de
arrependimento e fez o que seu coração mandou: desobedecer. Todas as minhas ordens
para que me deixasse em paz foram substituídas por um coração desesperado por minha
vida. Discou o número de casa.

“Williams.” Atendeu, nervosa. “Cadê minha filha, seu desgraçado?” Gritou, Hayley.

“É o Ian Crawford-Wee... Crawford.” Mordeu o canto do lábio e suspirou. “Preciso que


todos escutem bem o que eu vou dizer. Eu preciso conversar com todos pessoalmente na
corporação com a máxima urgência. Todos. Joshua, você, Spencer, Jon, Brendon...
Todo mundo mesmo.”

“E quanto a Sarah?” Respondeu Hayley, meio surpreendida. “Ela pode aparecer a


qualquer momento. O Carl pode ligar e não vai ter ninguém pra atendê-lo.”

“Sarah está segura. No hospital da nossa corporação. Nesse momento ela deve estar
fazendo triagem. Fato é que eu preciso de vocês todos aqui. Eu tenho algo um bocado
sério pra tratar.”

“Ah, meu Deus! Finalmente!” Hayley disse, tendo um sorriso enorme no rosto. “Esse
inferno acabou! Mas você não parece tão feliz com a volta da Sarah.” Falou a menina,
engolindo a alegria que estava naquele momento para dar o amparo ao amigo que lhe
deu cuidados médicos enquanto ela esperava a filha voltar para seus braços.

“Pra ter a Sarah de volta, o Dallon se deu como resgate.” Ian falou, meio choroso, como
se aquela malditas lágrimas de culpa o quisessem dominar novamente. “Ahn, eu ainda
não tenho certeza a respeito do plano do Windsor, mas sei que, no mundo do crime, o
Dallon vale muito dinheiro. Tem muito Gein querendo ficar com um pedacinho dele e
ele acredita que vai morrer em três dias, mas eu o quero de volta, conosco, seguro em
três dias. Nem que eu morra tentando!” [n/a: a referência que o ian faz é sobre um dos
maiores assassinos em série que o mundo já viu chamado edward gein que usava pele
humana como, por exemplo, abajur. esse serial killer inspirou o personagem hannibal]
“Meu Deus!” Exclamou a menina com espanto. “Eu vou conversar com todo mundo
aqui e em menos de vinte minutos estaremos todos aí. Darei o meu máximo pra retribuir
o que ele fez pela minha Sarah.”

“Eu também.”

Nos tais vinte minutos, todos estavam lá, exceto Brendon – o que deixou Ian bem
nervoso. O juiz Marshall estava abraçando e amparando o pequeno Ian que precisava
exatamente daquele apoio. Na teoria, Ian seria forte o suficiente pra ir me buscar onde
quer que eu estivesse, mas ele sequer tinha forças pra se mexer na sala de reuniões.

Marshall e Ian atraíram bastante olhares quando nossos amigos chegaram, porque a
maioria deles sabiam do nosso envolvimento – supostamente – rápido no passado, e
acreditavam que havia um relacionamento além do amigo entre a gente, por isso, todo o
cuidado de Marsh causou um pouco de estranheza.

“Sejam todos bem vindos, apesar do momento triste.” Marshall fora quem tomou a
frente da reunião já que Ian ainda estava tentando reestabelescer as forças. Ele queria
ser forte como foi quando falou com Hayley no telefone, mas contar o que houve pra
Marshall o fez perder a falsa força. “Ian, eu tomei a liberdade de avisar o juiz Weekes
sobre o que houve e ele disse que está a caminho.”

De toda a minha família, Weston foi o único que permaneceu ao meu lado sem se
importar com essa minha mania de isolar as pessoas que eu gosto da minha vida
cotidiana e perigosa. Sem falar que nenhum deles gostou muito da idéia de eu me casar
com um menino de quase metade de minha idade. Weston deveria estar em pânico
absoluto.

“Obrigado.” Ian murmurou quase sem som.

“Bem, eu sou o juiz Alex Marshall e sou amigo de infância do Ian.” Explicou,
suspirando. “Mas antes, cadê o detetive Urie?”
Hayley negou com a cabeça e os demais – Spencer, Jon, Ian, Zac e Josh – encolheram
os ombros, e ela continuou: “Vamos logo com isso, meretíssimo. Eu quero fazer algo
rápido por ele.”

“Se acalme. Me diga, onde está o Urie?” Perguntou o magistrado com uma das
sobrancelhas arqueadas para Hayley que sequer deixou de encará-lo por um só
momento. Como eu já havia descrito em outras oportunidades, Hayley é uma mulher
muito forte e determinada que não se deixa vencer facilmente. “Ele que é o chefe
daqui?”

“Sim, ele é.” Respondeu, suspirando baixinho antes de retomar a sua frase, abaixando a
cabeça. “Porém ele não dormiu em casa essa noite, ele não atende o celular e não tem a
menor idéia que estamos aqui. Deixei um monte de recados na caixa postal dele e até
agora nada dele. Pensei em ligar pros pais dele, mas os pais dele o odeiam, então ele não
deve estar lá.”

“Então vamos começar sem ele.” Marshall deu mais um suspiro assentindo antes de
continuar. “Como todos vocês sabem o Weekes foi seqüestrado pelo Carl hoje mais
cedo. O doutor Crawford tomou o depoimento do taxista que trouxe Sarah aqui.”

“Eu estive com ele e o mesmo pareceu bem sincero. Eu fiz o retrato-falado do homem
que ele viu com a Sarah antes do próprio D a entregar ao taxista.” Zac colocou o papel
impresso sobre a mesa junto a uma foto da ficha criminal de Windsor. “É idêntico.”

“Eu não sei o que o Dallon propôs, a final.” Joshua argumentou “Se foi o Carl mesmo
como esse senhor afirma, ele estava irredutível quanto a saber em que lugar do mundo o
Ryan Ross estava mesmo escondido. Outra coisa que eu queria saber era porque o Ryan
saiu fugido daquele jeito.”

“O Ryan tem família.” Spencer respondeu, suspirando. “Ele teve que cuidar da família
dele. Sei, ele odiava o pai, mas o Dallon me deu uma passada rápida na situação e pelo
que eu entendi, o irmão dele, Jordan, aprontou das suas e o Ryan teve que correr pra
salvá-lo. E me parece que a mãe dele também está em péssimos lençóis. Tudo o que eu
sei é que – talvez – ele está em Washington, mas eu não sei. O Jordan sempre ficou
muito bem escondido.”

“Então talvez ele não esteja protegendo o pai que ele odeia?” Hayley perguntou.
“Porque pelo o que vi do Ryan durante todos esses anos (segundo o que o B dizia) ele
daria um tiro no pai sem pensar duas vezes.”

“Ele era exatamente assim, mas oito anos mudaram muita coisa no Ryan.” Spencer
falou, sorrindo sem muita emoção. “E quanto à proposta? Alguém tem alguma idéia?”

“Eu tenho quase certeza de que sei o que o Dallon propôs pra ser pego.” Ian finalmente
disse num tom de voz audível o suficiente para que todos da sala conseguissem ouvir
com clareza. “Eu conheço o Dallon há muito tempo, como se ele fosse a palma da
minha mão (ou até mais que a própria palma da minha mão). Sei dele desde os detalhes
mais corretos aos mais sujos, das investigações, amigos e contatos que ele tem. Sempre
quando alguém entra na vida dele, eu faço uma pesquisa detalhada dessa pessoa pra
saber como ajudar quando ele se mete em encrenca – e ele sempre se mete em encrenca.
Mas nesses anos de convivência, eu aprendi duas coisas importantes sobre ele: ele não
poupa esforços pra proteger quem ele gosta e como o D gosta de estar sempre um passo
a frente dos criminosos. Com o Carl não é diferente. O Dallon não sabe muito de
perfilar bandidos, mas ele tenta com as armas que ele tem e, com o Carl, ele tinha suas
desconfianças. Ele propôs as informações do Ryan pela Sarah, mas ele não pretende
falar nada a esse respeito. Eu recebi uma carta escrita de próprio punho do Weekes onde
ele dizia que <i>nunca</i> diria onde ele está e todas as informações sobre ele que tem
(e ele afirmou não serem poucas) e o juiz Marshall e eu achamos que ele deve ter pouco
mais de três dias vivo se ele conseguir suportar bem todas as torturas que ele há de
sofrer. Dallon acredita que vingar o pai seja mais forte que reconquistar o Brendon.”

“R-reconquistar o Brendon?” Hayley estranhou, com o cenho franzido “Então segundo


as suspeitas do Dallon, o Carl não pretendia devolver a minha menina?”

“E o que aconteceu com o pai dele para que ele queira vingança?”
“Segundo o Dallon, ele não pretendia não, Hayley.” Marshall disse ao negar com a
cabeça. Hayley soltou um xingamento meio alto. “No foco distorcido de Carl, Brendon
voltaria com ele se eles formassem uma família feliz. Só que o Carl não percebeu até o
Dallon conversar com ele e falar não-sei-o-que pra ele.”

“Quanto ao pai dele, corre boatos de que ele foi morto por Joey Thunder ou Joseph
Brobeck Jr, se preferirem, na guerra que teve em dois mil e dois. Outros boatos dão
conta de que ele foi morto depois de um tempo, em um julgamento depois da guerra foi
que ele foi torturado e morto por incitar a briga.” Ian respondeu, ajeitando-se na cadeira.

“Dizem que foi pelo Joey, mas eu duvido um bocado da segunda opção. Thunder pode
ser um comandate bem duro, mas não acredito que ele seja o juiz do tráfico. Acho que é
o Luke que faz esse trabalho.” Alex disse, encolhendo os ombros. “P-pelo menos é o
que dizem os informantes que temos por aqui e ali.”

“Mas se são somente boatos, o pai dele pode estar vivo.” Hayley argumentou com
cenho franzido. “Quando tentei hackear alguns arquivos de processos antigos do
governo em relação à família Windsor e não me lembro de nenhum membro masculino
morto. A final, nessa salada, o Carl trabalha pra quem?”

“Sozinho.” Explicou Ian. “Pelo que eu sei da história, Carl quer agir como o George II e
quer ser contratado pelas duas potências criminosas de Salt Lake pra jogar um contra o
outro e acabar com eles por dentro.”

“E o Dallon entra nisso como...?” Zac perguntou intrigado.

“Tem muita gente querendo a cabeça do Dallon, Zac. Muita mesmo. Ele jogou muita
merda no ventilador nesse mundo judicial. Ao mesmo tempo que ele não é um policial
totalmente incorruptível.” Ian continou. “Além do que eu soube pela carta que ele
estava seguindo um rumo novo de uma investigação perigosa. Uma investigação que ele
não deveria estar fazendo em tese. Tanto que ele escondeu de todos nós...”

“Que tipo de perigo tem nessa investigação?” Perguntou Joshua. “Ele não era o primeiro
a dizer que temos grandes talentos policiais aqui que estão sendo desperdiçados?”
“Touché.” Spencer concordou, rindo. “Argumento de conveniência.”

“Eu soube pelo promotor Alexander DeLeon que o Weekes andou se encontrando com
o Cash Colligan.” Marshall falou, mordendo o cantinho do lábio.

“Cash?” Franziu o cenho, a pequena Hayley. “Ele não me é estranho...”

“Cash é um dos desembargadores de índole duvidosa.” Crawford tomou a palavra outra


vez, brincando com os dedos uns nos outros. “Até hoje não conseguimos saber pra qual
é o lado real que ele pende. E até onde eu conheço, Dallon ainda não fazia parte do
grupo de homens que trabalham pro Colligan, só que ele andou se encontrando com o
agente da CIA Cameron Dettman e pelo que eu apurei, esse sim é um dos caras do
Cash.”

“Dettman não é o mesmo agente que esteve aqui livrando o Dallon de um processo
administrativo?” Hayley franziu o cenho, como se tentasse ligar as peças de um quebra
cabeças de milhões de peças. De repente, voltou seu olhar pra porta.

“Sim, ele mesmo.” Ian assentiu. “Mas se essa ligação com Cash for confirmada, fodeu
de vez.”

O que atraiu o olhar de Hayley foi um homem sendo escoltado por dois agentes da força
nacional – porque ele estava sob proteção policial – fora um homem bastante elegante
vestindo um sobretudo preto e óculos escuros bem modernos. Sua expressão estava
bastante carregada, preocupada e o homem que vinha aí era o juiz Weston Weekes, meu
irmão. Weston tinha seus momentos de brincadeira, seus momentos de extrema paz,
mas de todos os três irmãos (Jordan, Weston e eu), ele era o mais extremista; quando é
pra levar algo a sério, ele o faz com demasia. Ian forçou um sorriso quando a porta se
abriu e Marshall não conseguiu disfarçar o desconforto.

Weston e Alex Marshall tinham algumas desavenças por minha causa, mas nada que
fosse grande o suficiente para atrapalhar todo o andamento da reunião por causa dessa
pendência boba. Ao entrar na sala de reunião, Weston caminhou até Ian e o abraçou
fortinho, murmurando qualquer coisa confortadora no ouvido dele e se apresentou:

“Weston Weekes, irmão de Dallon.” Sorriu sem emoção. “Fui informado de que meu
irmão foi seqüestrado e eu o quero de volta são e salvo.”

“Eu também.” Ian respondeu quase sem som. “Temos três dias.”

“Assinei alguns mandados de prisão e aqui estão.” Marshall entregou pra cada policial e
médico em questão. [n/a: pra quem não sabe, qualquer cidadão em liberdade pode dar
voz de prisão a um bandido, não precisa necessariamente ser um policial] “Está à
disposição de vocês toda a SWAT para que coloquem essa cidade a baixo. Eu quero o
Carl Windsor, de preferência, vivo.”

“Só vasculhar não vai adiantar muita coisa.” Disse Spencer. “Eu vou tentar entrar em
contato com o Ryan na loja de artigos de corrida que o pai dele tem em Washington.
Não garanto muita coisa, mas eu vou me enfiar na mesma investigação que ele estava
para poder chegar às informações corretas.”

“Eu acho que sei onde os arquivos que ele me mandou queimar estão no quarto dele, ao
invés disso, vou te passá-los pra te adiantar o serviço. Lembre-se Spence, nós temos
pouco tempo. Todo minuto é precioso.” Ian disse.

“Às vezes eu detesto meu irmão e essa necessidade de salvar o mundo que ele tem.”
Weston girou os olhos, fazendo meu esposo concordar com a cabeça. “Ainda soube que
ele descumpriu ordens judiciais e reabriu o caso Urie.”

“Eu o autorizei.” Marshall interveio. “Surgiram provas concretas e uma nova vitima.
Uma criança foi violada da mesma forma que Urie e encontrada nas mesmas condições
no final de outubro, início de novembro. Não foi nada infundado.”

Spencer abaixou momentaneamente os olhos e disse: “A nova vítima era meu filho,
meretíssimo, e hoje ele está morto porque não conseguimos prender o Windsor a
tempo.”
“Sinto muito por sua perda.” Weston falou sincero, desviando o olhar
momentaneamente.

Antes que Spencer pudesse agradecer a solidariedade de meu irmãozinho, Brendon


interrompeu a reunião meio cambaleante e com os olhos extremamente vermelhos. A
visão de meu amigo estava embaçada e ele mal conseguia parar em pé. Seus sintomas
eram de uma embriagez recente, de que mal conseguia saber o que era certo e errado.

Naquele momento um filme passou na cabeça do meu esposo. Das tantas vezes que
corri para salvar Brendon Urie daquele estado lastimável que ele ficava todas as vezes
que bebia. Muitas vezes sem condições de dirigir, eu sempre dava um jeitinho de cuidar
de Brendon Urie, de ser o pai que ele não tinha e isso deixava Ian o mais furioso
possível. Ao mesmo tempo, pela primeira vez, Ian pôde compreender porque eu sempre
dizia que Brendon era um perigo para si próprio e eu sabia muito bem que por mais que
não estivéssimos mais tão unidos quanto antes, seria um baque muito forte saber que eu
estaria morto em poucos dias. Ian estava entre a pena e a indignação, mas naquele
momento, a indignação fora mais forte.

“O que você está fazendo aqui nesse estado, Urie?” Ian perguntou em um tom
agressivo, acusador, quase inquisidor. Brendon sentiu o peso dos ombros ficarem
maiores e então ele os encolheu defensivamente. “O Dallon vai sofrer todo o castigo
que era pro Ryan e você fica aí enchendo a cara feito um idiota que você sempre foi!”

“Chega!” Hayley entrou entre Brendon e Ian que segurava o chefe pelo colarinho,
abaixando a testa dele à sua altura. “Eu não to defendendo a atitude ridícula que o
Brendon tomou numa situação desesperadora feito essa, mas ele sempre foi o mais
frágil de todos nós e estava demorando pra ele recair desse jeito. Ele <i>é</i> doente,
Ian.”

“Se ele é tão frágil, por que chefia uma divisão que só mexe com crime chocante?” Ian
questionou com falsa indiferença. “Talvez ele só seja frágil desse jeito porque vocês o
tratam feito uma criança de cinco anos! Até a Sarah sabe agir numa situação
desesperadora melhor que o Urie. Você, Urie, não serve pro cargo que ocupa. Não é só
porque você foi violentado pelo Carl que você já viu de tudo nessa vida, mas eu achei –
de verdade – que no mínimo gratidão por tudo o que o <i>meu</i> Dallon já fez por
você teria alguma retribuição! Egoísta, safado, nojento!”

“<b>Chega!</b>” Alex Marshall gritou, dando um tapa na mesa. “A prioridade é achar


o Weekes e essa richazinha maldita entre vocês dois não tem o menor cabimento. Nós
temos só três dias e se quisermos achá-lo, toda a ajuda é bem vinda. Talvez o Urie seja o
único ponto fraco do Carl.”

“Você só pode estar me sacaneando!” Ian girou os olhos.

“Concordo com o Marshall.” Weston suspirou. “Foco!”

“Quando ele ficar sóbrio eu volto o meu foco.”

Jon que estava quieto no canto dele, segurou Brendon pelo braço, dizendo que o
colocaria a par de tudo enquanto ele estivesse tomando uma dose de soro glicosado.
Talvez ele não estivesse tão a par da situação real de meu sumisso.

Enquanto aquela briga entre meu amor e Brendon parrecia se perpetuar, eu não tinha
mais a menor idéia de onde eu estava. Depois de um tempo naquele lugar depois que o
taxista foi embora, Carl perguntou-me onde estava o Ryan e eu me mantive quieto.
Apanhei muito mais que eu esperava pra um primeiro momento. De longe, eu podia
escutar a risada de Carl que era uma mistura de todos os sentimentos ruins possíveis. Eu
não gostava de me sentir observado e preso. Estava amarrado a uma cadeira que tinha
suas pernas presas ao chão, mal conseguia me mexer ou respirar naquele local. Olhei
pra baixo percebi que estava completamente sem camisa e que a única iluminação que
tinha vinha de uma janela. Eu era obrigado a forçar os olhos pra descobrir se havia
alguma saída e só existia uma – e eu só via a fechadura prateada brilhando em meio à
escuridão.

Naquele momento, impotente, eu queria ter algum tipo de super-poder pra me livrar da
situação que eu mesmo havia me metido. Eu sabia que Carl logo começaria uma nova
sessão de espancamento atrás de respostas que eu não queria dar. Respostas que só
causariam injustiças e dores, e eu não queria fazer parte disso. Não queria ser
responsável pela morte de Ryan por algo que eu fiz. Talvez o medo que eu sentia
naquele momento estava exposto em meu rosto e esse era o real motivo das risadas que
eu escutava.

Não havia como fugir e eu sentia a pena de morte chegava em passos largos. Eu sabia
que não havia esperança alguma pra mim, mesmo se eu contasse tudo o que sei sobre o
Ryan, eu morreria. Não havia mais motivos pra lutar por uma vida.

Analisando friamente eu não tenho tanto motivo para viver quanto parece: O Ian age
como se não sentisse minha falta, se não se impotasse com minha vida. Sempre me
corta quando tento ser romântico com ele e às vezes me sinto dramático demais por
querer a atenção dele. Brendon está crescido, está sem vícios, tem um grande amor e um
grande grupo pra comandar, embora seja um líder sem muito pulso, mas ainda é o
comandante. Ele costumava ser meu melhor amigo, mas aí o Ryan apareceu e deu uma
balançada no que tínhamos. Nossa amizade virou um poço de acusações. Perdoar, eu
perdoou. Como sempre o fiz. Independente de mim, Hayley sempre foi uma excelente
guardiã e eu sei que ela vai ser grata a mim pra sempre e vai cuidar bem daqueles que
amo. Talvez seja o momento certo pra perceber que devo deixar que eles sigam sua vida
sem minha interferência.

Eu não era super na vida de ninguém. Talvez daqui alguns anos Ian lance minha
biografia com o título: “Era uma vez um herói...” só que conforme as pessoas lêem,
descobrem eu nunca fui um, talvez um idiota com mania de achar que o peso do mundo
esteve em suas costas durante toda a sua curta vida.

“Eu aposto cinco dólares com você de que aquele seu namoradinho não dá a mínima pra
o seu paradeiro.” Disse Carl ao se aproximar, ironizando. Me mexi na cadeira, tentando
fazer com que ela me deixasse sair dali, mas não dava mesmo.

“Não espere muito, Windsor.” Respondi com desdém. “Eu não sou mais tão querido lá.
Eles não vão dar a mínima pra mim, têm mais o que fazer.”
“Nem mesmo aquele Ian?” Ele ironizou ainda mais, abaixando-se até mim. “Achei que
vocês tinham se relacionado por amor, caramba. Me surpreenderam, D.”

“Fica longe do Ian!” Reclamei entre os dentes, quase cuspindo todas as palavras da
frase. “Ele é encrenca pra qualquer um, <i>até pra você</i>.”

“Oh, sim, aquele pacto que ele tem com Joey e Johnson.” Carl disse encolhendo os
ombros. “Mas ele bem que parece gostosinho. Será que se eu pedir o corpo dele como
seu resgate, ele aceita?”

“Aceita.” Respondi, assentindo. “Pra ele te matar com as próprias mãos.”

“Está na hora de eu parar de ser gentil com você, sabia, D? Eu fiz minha parte no plano,
agora eu quero saber onde é que o Ryan se enfiou.” Perguntou Carl gentilmente. “Sua
carinha é tão lindinha pra ser estragada.”

“Eu não sei onde ele está.” Falei num suspiro resignado.

Senti alguns socos em meu rosto e junto a eles, senti meu sangue escorrendo do
nariz para a boca sem que eu pudesse limpá-lo. Pedi que Carl o fizesse pra mim, mas o
homem negou com a cabeça. Minha respiração era difícil e dolorosa, porque com tantos
socos na mesma maldita região eu tinha quebrado o nariz. A única coisa que ele não
podia saber era que eu não dava mais a mínima entre ficar vivo ou morrer de vez.

“Sua última chance. Cadê o Ryan, seu policial de merda?”

“<b>Eu não sei, caralho!”</b> Gritei com o resto de forças que me sobraram.
“<b>Enfia essa merda na sua cabeça, otário!”</b>

A partir daquele momento começou uma sessão de espancamento. Cheguei a


perder a conta de quantos tipos de golpes fui atingido naquele momento. Fui levado ao
conhecimento íntimo da dor que quando de tanto senti-la ela passa a não existir. A dor
era tanta que eu desmaiei.
Ian entrou em meu quarto com tudo. Pôs cada cantinho do mesmo abaixo e
achou onde estavam meus arquivos que eu disse que devia queimar de uma vez por
todas. Ao contrário do que eu pedi, Ian leu cada pedacinho com o máximo de atenção
que conseguia e percebera o quanto tudo o que eu escondia dele era muito perigoso.
Perigoso demais até para que eu estivesse metido naquilo. Ele descobriu sobre o kart,
descobriu a localização de Ryan – aproximada –, os milhões que apareciam na conta de
Ryan e as minhas suspeitas – e de Dettman – de que ele é um agente duplo. Isso sem
falar na real ficha policial do menino Ryan Ross.

“Fodeu” foi o que Ian disse ao perceber do que eu o estava protegendo. “Dallon, você
não poderia ser menos xereta?”

Meu esposo estava triste, sim, por meu desaparecimento, mas ele sabia que Carl
era apenas o principio de meus problemas. Que pessoas muito piores poderiam mostrar
as garras pra mim. Cash então soava como uma boa proteção para o homem e então
ligou para Colligan marcar um encontro com Dettman logo. E enquanto terminava de se
arrumar – uns quinze minutos depois de ver tudo – Hayley bateu na porta entrou.

“Quero retribuir o que Dallon fez por mim.” Falou. “E acho que sei como ajudar, eu só
preciso que você me dê os contatos.”

“Nem pense em se meter nisso.” Ian advertiu. “É muito perigoso.”

“Eu sou policial e mãe. Nada vai me fazer parar.” Hayley era pior do que mula
empacada quando colocava algo na cabeça e naquele momento ela faria o possível pra
me ajudar. “Meu plano é me juntar ao Brobeck, me fazer de agente duplo e tirar o
Dallon vivo das garras desse homem. Pelo que eu entendi, se tivermos sorte, o Dallon
vai parar com o Joey Brobeck, certo?”

“O problema é se não dermos sorte, Hay.” Suspirou. “Não posso te arriscar desse jeito.
Você não tem treinamento pra ser agente dupla e não temos tempo pra que você pegue
confiança de Joey a esse ponto.”
“Não me importa. Ele não se importou de por sua cabeça na mira de uma arma pela
minha filha e eu serei capaz de morrer por ele. Mesmo que seja só tentando.”

“Tudo bem, Hayley, eu não vou insistir. Provdencie então em todos os jornais que você
traiu a coorporação, certo? Eu precso entender umas coisas antes de agir.” Ian saiu antes
de que Hayley tivesse tempo de pensar no que estava acontecendo.

Os juízes Marshall e Weekes instalaram os melhores equipamentos em casa.


Meu irmão andava de um lado a outro, quase furando o chão. Brendon estava
desesperado que o efeito do álcool estava passando com muita facilidade, mas acabou
ficando mais feliz porque pôde ver a filha. Sentiu seu abraço gostoso e até chegou a
cantar alguma coisa com ela. Meus amigos decidiram que ela não saberia da minha real
situação.

Spencer passara o dia pendurado no celular e usando o computador querendo


buscar informações sobre o Ryan, para que ele pudesse ajudar, mas nem mesmo o FBI
sabia onde Ryan estava. Spencer ficou pensativo, não sabia mais se o amigo era do bem
ou do mal e enquanto isso, tudo se encaminhava o mais rápido que eles podiam para um
desfecho que eu já sabia qual era: minha morte.

<i>Salt Lake City, 2002.

Ryan estava no bar em que todos os homens perigosos da cidade frequentava.


Tocava suas músicas e bebia, mas percebera logo cedo quem estava lá: seu pai e ele
odiavam lugares como aquele. Preferia comprar bebida e beber em casa. Ryan sabia
que tinha algo errado naquele mesmo instante, que algo muito estranho estava para
acontecer e por isso decidiu que era hora de ir pro apartamento de solteiro e ficar um
pouco sozinho, pensar na vida e no que fazer.

Desde que encontrara meu melhor amigo, Ryan queria apenas andar na linha
para que pudesse ficar pra sempre ao lado do amor de sua vida, sem que ele precisasse
saber de seu passado. Só que o destino de Ryan Ross fora traçado na maternidade.
Queria ficar sozinho, mas ao chegar ao seu apartamento de solteiro, encontrou
Brendon bêbado tocando algumas notas de música. Ryan queria um lugar onde ele
pudesse tirar as máscaras, queria segurança. A segurança estava nos braços de
Brendon, mas... como tirar as máscaras quando estivesse nas mãos de seu namorado?
Ele não suportaria tanto.

“O que faz aqui? Eu não te chamei, Urie.” Ryan falou meio frio.

“Eu tava a fim de tocar um pouco.” Encolheu os ombros. “De qualquer forma, boa
noite pra você também, Ryan. Fico muito feliz em te ver de bom humor.”

“Não começa, por favor.” Ryan jogou o sobretudo no sofá, sentando-se no mesmo meio
esparramado. “Que tal você fingir que eu não existo aqui hoje?”

“O que aconteceu pra você estar me tratando assim?” Brendon andou até Ryan,
abraçando-o com força. De pronto, Ryan tentou afastar o namorado, mas não
conseguiu. Só pôde se encolher e se aconchegar ainda mais nos braços do namorado e
engolir seus sentimentos. “Hey, você tá estranho pra caramba. Aconteceu alguma
coisa, querido?”

Quando percebeu que o namorado estava estranho, triste, preocupado, seu


sangue meio que ferveu, mas ao mesmo tempo sua preocupação o afetava de uma
maneira quase que irremediável. Brendon começou a cantar baixinho para o
namorado, ninando-o como quem nina uma criança de poucos dias de vida,
protetoramente. Meu amigo sabia que tinha algo errado com Ryan, mas preferia não
falar nada.

“Eu to com medo, B.” Ele falou baixinho pro namorado. “E eu quase nunca tenho esse
tipo de sensação, você sabe bem disso. Algo muito ruim está prestes a acontecer e ele
ainda não me contou nada.”

“Desde quando você tem intuição feminina, Ross?” Brendon brincou na tentativa de
que Ryan sorrisse, mas não obteve êxito e foi aí que a preocupação de Brendon
aumentou ainda mais. “Sério, o que houve?”
“Meu pai tava no bar dos criminosos, B.” Ele falou, abaixando os olhos. “Ele tava
bebendo, a final. Você sabe como funciona a lei desse país.” [n/a: a lei americana é
muito clara quanto a questão econômica. quem tem filhos deve ter um emprego fixo,
residência fixa e uma renda suficiente para sustentar seu filho com todos os direitos
que ele têm. Se não cumpre isso e/ou oferece algum risco pra criança, como o caso do
alcoolismo, a criança é tirada dos pais e levada a um orfanato]

“Eu sei, mas ficar longe de um pai que só te maltrata, não seria uma boa?”

Brendon jamais entenderia como era difícil ser chefe de família aos dezessete anos.
Que ele já enfrentava problemas de gente grande há muitos e muitos anos e que o
governo dos Estados Unidos não seria nenhum pouco gentil se os pegasse. Ryan só
queria que Brendon ficasse de fora de toda a podridão que ele mexia. Simplesmente
isso.

“Posso dizer algo a você?” Ryan quebrou o silêncio. “Eu te amo, muito mesmo, mesmo
que um dia você venha a pensar que é mentira. Não é. Eu amo você como nunca amei
ninguém e nem sequer sei se vou amar um dia.”

“Eu também.” Brendon encheu Ryan de beijinhos e não entendeu aquele papo
estranho, mas preferiu ignorar tudo o que sentia e se divertir ao lado do amado. Ele
não sabia que seria uma das últimas noites que teria o amor mais intenso de sua vida
em seus braços.

Salt Lake City, 2011</i>

Hayley e Joshua saíram com a pequena Sarah. Perceberam que o clima estava pesado
demais pra uma criança suportar. Ainda mais uma criança que acabara de passar por um
seqüestro tenso, submetida a sabe-se lá que tipo de cuidados. Enquanto Zac e Spencer
preparavam tudo o que seria necessário para que Ian colocasse seu plano na cadeia. Ela
sabia que quase não tinha chances de me salvar, mas tentaria e se não conseguisse me
salvar, ela tentaria ao menos descobrir quem havia me matado. Se foi Carl ou se fui
entregue a alguém.

Primeiro a família unida foi a uma sorveteria. Sarah era uma linda garotinha e sujou-se
toda. De brincadeira, Joshua também se sujou e ficou com a cara azul por ter pedido o
sorvete chamado pedacinho do céu, porque segundo a Sarah, homens tomam sorvete
azul, mulheres o rosa – que era o que Hayley estava tomando com a filha, de morango –
e gays tomam várias bolas de sorvete pra o mesmo ficar colorido. Mesmo tomando
sorvete, os olhos de Hayley estavam perdidos e ao olhar para o ex, ela suspirava
profundamente. Ela teria que ficar longe da filha e de Josh, que lhe dera tanto apoio
enquanto sua filha estava longe dela. Não sabia quanto tempo suportaria e nem
exatamente com quem estava se metendo, apenas sabia que era o certo a se fazer!
Gratidão era o que a movia.

Depois do sorvete, foram juntos brincar em um parquinho. Sarah estava na areia


brincando em meio a balanços e castelos de areia, bem próximo ao casal de policiais
que em nenhum momento esteve desatento a cada movimento da filha pequena. Hayley
sentia que precisava conversar e apesar de tudo o que tinha acontecido entre Joshua e
ela, ela sentia que ainda podia confiar no ex-namorado. Que fora apenas uma doença
que os havia separado e agora não existia mais obstáculos. E pra que acreditar que tudo
no mundo é motivo para choro? Agora eram livres um para o outro e com Josh ela
voltava a se sentir viva e ponderava se valeria a pena se sacrificar. Eu já o havia feito,
deixando a Sarah órfã de melhor amigo grande. Ela não merecia perder a mãe, mas logo
ela pensava que desistir era pra fracos e ela jamais seria fraca.

Ela estava de coração partido, destrossado. Não tinha contado há quase ninguém
além das pessoas que eram necessárias para que seu plano arriscado funcionasse da
melhor forma possível. Por sorte, ela não ia ter que usar uma nova identidade. Seu plano
consistia em forjar a fulga de uma prisão qualquer após ser indiciada como traidora do
estado de Utah. Seu plano era frágil, mas podia ter algum resultado com as pessoas
certas ajudando. Ela havia formado tudo e estava aproveitando seu pouco tempo de
folga, já que seu futuro era bastante incerto.
“Estou te sentindo distante.” Joshua falou. “Tem algo errado, querida?” Perguntou,
docemente, sentando-se levemente mais próximo a garota que sorriu fraquinho.

“Posso confiar algo a você?” Falou, desviando momentaneamente os olhos de Sarah.

“Pode. Sempre pôde.” Joshua sorriu, tentando encorajá-la. “O que há de errado?”

“Desde que nossa Sarah foi seqüestrada, eu não tive paz, você sabe disso. Eu não
dormia, eu não vivia, eu não existia...” Hayley olhou novamente para a filha, e mesmo
assim com aquele olhar perdido. “Quando ela voltou pros nossos braços, achei que
nunca mais seria capaz de parar de sorrir, sabe? Só que então eu descobri que o Dallon
está preso e eu decidi que precisava retribuir o que ele fez por nós. Ele pode morrer em
menos de dois dias – se já não estiver morto. O que eu quero dizer é que eu não vou
ficar parada aqui. Tô indo ainda hoje, depois daqui, pra um programa de agentes duplos
do FBI e sei que é um caminho sem volta. Posso nunca mais voltar de lá.”

“Você o quê?” Joshua disse assustado. “Isso é uma loucura sem tamanho!”

“Eu preciso retribuir o que ele fez pela Sarah. Se ele se rebaixou ao lixo das gangues,
farei o mesmo por ele.” Hayley argumentou. “Além do que o Spence será meu guia
nisso. Ele tem um interesse particular nesse negócio. Nós dois queremos vingança!”

“Mas isso é perigoso demais, Hayley.” Joshua falava indignado. “Eu não quero perder
você pra nenhum outro bandido. A Sarah não suportaria viver sem a mãe dela e sem o
Dallon também não. Nós dois sabemos que o Dallon é um homem experiente e sabe se
virar sozinho. <i>Eu</i> não quero perder você por nada nesse mundo.”

“N-não tenho essa certeza. Queria ter essa mesma certeza de que o D vai se salvar
dessa, mas não tenho mesmo. Eu sou grata a ele por tudo o que ele fez por mim quando
você me abandonou, grata por tudo o que ele fez pelo Brendon durante esses oito anos e
pela Sarah, me ajudando a criar e mesmo contra minha vontade, deixando que você
participasse da vida da nossa Sarah. A morte dele não vai ficar impune ou eu não me
chamo Hayley Nichole Williams. Só preciso que cuide da Sarah enquanto eu estiver
fora.” Falou baixinho, abaixando a cabeça, mas certa do que precisava fazer.
“Darei minha vida pela pequena, se necessário for.” Joshua respondeu.

Antes que ela pudesse responder, Sarah toda suja de areia os interrompeu, com olhos
curiosos, como quem acabasse de ter uma idéia genial que não pudesse ficar sem contar
pra seus pais. Estava cansada de brincar sozinha então chamou os pais. Joshua se
revesou entre Hayley e Sarah nos balanços e ambos sorriam, como uma família feliz
devia fazer. No final da brincadeira, Sarah perguntou:

“Podemos ir ver o Daniel agora?”

Nenhum dos dois teve coragem de falar uma só palavra para a menina. Não teria
coragem de falar pra ela que o amiguinho estava morto. Aliás, não é uma notícia muito
fácil de se dar a uma criança – ou a qualquer pessoa. Tinham medo de como ela
reagiria. <i>Crianças não foram feitas pra odiar</i>.

“Por que ficaram calados?” Ela insistiu. “Posso ver o Daniel agora? Tô com saudades
dele.”

“Princesinha, o Daniel foi morar com o Papai do Céu.” Joshua disse pra ela como se
contasse um segredo. Fez-lhe um carinho paternal e a garotinha fechou os olhos,
deixando algumas lágrimas caírem. “Mas, hey, não fica triste não. Ele nunca vai sair do
seu coraçãozinho, meu anjo.”

Ela assentiu antes de perguntar: “E o tio Dallon? Quando ele volta?”

“Nós não sabemos, amor.” Hayley falou. “Esperamos que em breve.”

“Eu to com saudade dele.” Confessou baixinho. “De tocar com ele, sabe, mamãe?”

“Nós sabemos, docinho.” Os pais falaram juntos.

Naquela mesma cadeira, amarrado, sem roupas, com frio e bastante machucado,
eu vi o dia nascer. Carl vez ou outra retomava suas sessões de tortura. Água gelada,
choques elétricos, coronhadas. Eu já tinha perdido as contas dos métodos que ele estava
usando em mim e eu me mantinha irredutível até aquele momento. Ele saiu daquela sala
gelada dizendo que sabia exatamente o que fazer comigo.

Pra que eu diria algo sobre o Ryan? Pra que fazê-lo pagar por algo que ele não
havia feito. Eu não queria ferrá-lo pelo simples prazer de ferrá-lo. Carl puxou-me da
cadeira com uma força desnecessária e levou-me a um carro, onde fiquei algemado,
amordaçado e dentro do porta-malas. Não conseguia saber pra onde estava indo. Ainda
sentia o gosto do meu próprio sangue e o que me mantinha vivo era saber que Ian estava
a salvo e bem longe daquilo. Ao menos era o que eu queria acreditar.

Ainda estava com sede, com fome, com frio, molhado e trêmulo, e tudo o que eu
escutava quando tentava avisar da minha condição, tudo o que eu ouvia era um “Cala a
boca.” A verdade era que eu tava quase desmaiando pela milésima vez, mas agora de
pura fome e não de tanta dor, embora não pudesse mensurar o que doía mais. A Sarah
estava a salvo, a reputação do Ryan também e era isso o que me bastava.

Por várias vezes ponderei em falar o que eu sabia de Ryan, onde ele poderia
estar, mas sempre que me lembrava que Ian cumpriria minhas ordens, que cuidaria de
tudo para que eu ficasse feliz me dava forças pra continuar negando tudo. Quando
paramos e eu sai do porta-malas, eu pude sentir o deboche das pessoas, eu estava sendo
ridicularizado, rebaixado. Andando com a cabeça baixa por algum lugar desconhecido,
cheio de hematomas. Eu não tinha mais saída ou esperança de que algo fosse dar certo,
apenas tentava não me ferir tanto com o ridículo. Quando paramos, fui jogado como se
joga um saco de lixo, frente a alguém.

“Mas que merda é essa?” A voz era de Brobeck Jr e eu gelei. Sabia que agora sim que a
coisa foderia de vez. Ele não era conhecido por ser piedoso.

“Você me disse que se eu trouxesse quem matou seu pai pra você, Joey, eu poderia
entrar pra sua turma, que eu seria confiável. Bem, eis aí seu prêmio.” Encolheu os
ombros.
“Mas ele é o Weekes, seu otário.” Joey falou irritado. “Quem matou meu pai foi o Ryan.
Eu vi! O Weekes estava salvando meu pai quando eu cheguei.”

“Era meu trabalho.” Falei, meio sem força. “Ajudar seu pai era o meu trabalho.”

“De qualquer forma, ele sabe muito bem onde o Ryan está escondido. Só não quis me
falar a respeito.” Encolheu novamente os ombros. “Acho que, como um bom mestre que
é, sabe o que fazer com esse verme.”

Joey assentiu, embora contra a vontade. Ordenou que alguns de seus capangas me
tirassem dali. Eu sabia que eu não ia durar muito tempo nas mãos de um homem tão
impiedoso, mas sabia que faria meu melhor pra protegê-lo de cometer uma injustiça.

Ele estava pensando em como me arrancar a verdade, sem descumprir o pacto que fez
com Ian. Eu, ainda vendado, sentia a tensão que vinha do ambiente e quando fui jogado
em uma outra sala fechada, só o que me sustentava era meu amor por Ian e minha
música. Porque comecei a cantar apenas pra matar o tempo e não que alguém fosse
capaz de ouvir.

Estávamos indo pro segundo dia.

<u><b>Fim do Capítulo Catoze

Quize:These cut are so much deeper than they seem.


Titulo: Misery – Maroon 5. </u></b>

Dizem que ver o dia amanhecer quando se está cheio de problemas ajuda a
encontrar a solução, talvez fosse por isso que eu não conseguia pensar em mais nada
além da minha própria dor e acredite, era grande. Joey havia me deixado ficar em um
quarto, trancado. Eu não sabia onde estava exatamente, mas pelo menos eu estava em
um quarto com uma cama e um colchonete fino. Não tinha janela nenhuma e o cheiro de
mofo daquele lugar era quase insuportável. Reafirmando, eu só conseguia pensar que
meu amor por Ian era grande demais, mas minha lealdade por meus amigos também era
invejada.

Ora, eu não estava impedindo Carl de tentar nada com alguém de minha família,
com o meu Ian. Eu estava impedindo que Joey julgasse o homem errado do assassinato
do grande Brobeck. Sei que ele nunca vai acreditar na história real de legítima defesa e
sei muito bem que vou morrer por aqui. Já não conheço mais a esperança e nem mesmo
sonhos de um dia as coisas melhorassem. A realidade me chamava sempre a acordar,
que eu não estava em situação de lutar.

Alguém lá fora estava tentando travar esse duelo inútil de me salvar. Esse
alguém era Ian. Enquanto eu pedi pra que ele ficasse muito longe de meus casos
policiais, ele decidiu se afundar completamente em tudo de perigoso que eu estava
fazendo. Havia lido todos os arquivos que eu pedi pra que ele consumisse e isso o
deixou meio atônito. Enquanto Ian se arrumava para sair atrás de Cash e de Cameron
Dettman, Marshall e meu irmão tentava acalmar todo mundo. Uma pessoa também
preocupva bastante: Brendon.

Enquanto todos estavam desesperados sobre o que fazer em minha situação,


Brendon havia se enfiado em mais um bar, dos piores possíveis, e estava sentado –
jogado – na frente do mesmo. Ao seu lado um monte de cervejas, de uísque barato, até
tequila. Brendon estava completamente bêbado em uma manhã que ele não conseguia
discernir se era fria ou se era quente. Brendon não conseguia sequer se levantar, muito
menos sentir qualquer coisa. Em sua mente, de repente, veio as vezes que eu larguei
toda a minha vida pra dar suporte a ele. Aquilo rasgou o coração de Brendon em
milhares de pedacinhos, quase como se não tivesse mais conserto. Brendon sentia que
poderia morrer com aquela sensação. Não estava orgulhoso de se sentir dependente
novamente de álcool, mas parecia que sua vida ficava menos miserável sob o efeito da
substância.

Brendon Urie era o chefe de um bem sucedido departamento de crimes graves,


era o pai adotivo de uma garotinha maravilhosa, apaixonado por um cara que ele não
sabia se conhecia. Sua vida parecia ser ideal para qualquer pessoa comum, mas para
Brendon era um verdadeiro lixo: ele era sensível demais para a maioria dos crimes
graves, ele não conseguia se sentir um pai decente, e por Deus, o homem que ele amava
o rejeitou por duas vezes em oito anos. O homem que ele amava era simplesmente o
pior otário do mundo pra ele, mas tinha olhos pequenos encantadores, um sorriso de
quem sabia o que queria, mãos delicadas e sempre o fazia ter na ponta da língua a
música para cada momento.

Naquele, em particular, Brendon era o silêncio.

A maioria das pessoas não sabe o que um músico carrega dentro de si. Tudo na
vida de um músico é expressado e dependente de música. Como se nada fosse capaz de
existir se não passar por um arranjo musical. Cada nota é com um sentimento que
nenhum outro tipo de pessoa é capaz de expressar. Como se os músicos vissem a sua
vida e as pessoas se identificassem com isso. Um intrumento musical é o melhor amigo
de um ser humano; ele toca suas tristezas, ele te faz seu melhor amigo, ele te faz querer
sorrir, mesmo quando dentro de si mesmo só existe dor e ressentimento. Um coração
ferido é facilmente consertado por alguns acordes, uma perda parece mais fácil de
suportar quando a música fala por si. Mas ele, Brendon, era <i>silêncio</i>.

Enquanto levantava do chão sujo, arriscava pôr pra fora tudo o que havia bebido
– e ele fez isso algumas vezes – ele bem que tentou cantar alguma coisa, mas a música
era impedida por uma barreira expessa de silêncio e por uma dor que ele não sabia
explicar. Ele sabia qe eu estava em perigo e isso o machucava. Por um momento ele
decidiu reacionar e decidiu fazer algo por mim, mas ele falhou quando a luz do sol
provocou-lhe uma das piores enxaquecas de sua vida. Brendon era apenas silêncio. E
isso era ruim. A pior das sentenças pra quem vive pelo amor à música.

Brendon demorou uns vários minutos para achar um táxi que aceitasse pegá-lo e
levá-lo para casa, mas ficou bastante agradecido quando conseguiu um. Naquele
momento ele apenas queria tomar um bom banho e dormir longamente por horas.
Talvez dormir o suficiente pra todo aquele maldito pesadelo acabar de uma vez por
todas. Queria acordar em dois mil e dois, onde sua incoência era inabalável, seu amor
pela vida era inquestionável. Hoje ele se perguntava pra que servia sua vida.
Na minha casa, Sarah estava conversando animadamente com Marshall, que
estava sentado em um banquinho do piano de Hayley, com ela ao seu lado. A menina
tinha aprendido a tocar piano com sua mãe, mas ainda não conseguia alcançar os pedais.
Enquanto ela pressionava as teclas, ele apertava os pedais. O corpo de Marshall estava
cheio de tensão. Havia ficado anos a fio sem mexer em um piano e acabara por
descobrir que faria tudo para que uma criança não descobrisse o que estava acontecendo
naquele momento. Até mesmo voltar a tocar piano.

Foi o piano quem aproximou Ian de Marshall. Foi o piano que aproximou
Marshall de DeLeon, de Cash, Johnson, Joey. Sua adolescência se devia ao piano, sua
necessidade por aquelas teclas era sua vida naquela época e de repente a falta das
mesmas doía como um inferno. Quando as teclas do piano começaram em uma música
conhecida de todos os integrantes daquela casa, todos foram ao piano, até mesmo Ian
que estava de saída correu. Ian segurava uma guitarra – a do Costello – e alguns outros
instrumentos foram distribuídos. Sarah então começou a cantar:

“I thought I saw a man brought to life. He was warm he came around like a dignified.
He showed me what it was to cry.”

“Well you couldn’t be that man that I adored…” Ian cantou com os olhos fechados,
enquanto tocava a guitarra. “You don’t seem to know or seem to care what your heart is
for. I don’t know him anymore.”

“There’s nothing where he used to lie. My conversation has run dry.” Hayley fechou os
olhos também cantando, quando Brendon chegou e foi direto para o banheiro. Ouviu
todos cantando e parecia que aquela música estava transformando sua dor em poesia.
“Nothing is fine I’m torn!”

“I’m all out of faith this is how I feel. I’m cold and I am shamed lying naked on the
floor. Illusion never changed into something real I’m wide and I can see the perfect sky
is torn.” Todos cantaram juntos nesse momento da música. Os adultos pararam de
cantar e sobrara apenas Sarah para continuar:

“You’re a little late. I’m already torn.”


Enquanto a música tocava, Brendon entrava no banheiro e trancava a porta.
Queria desesperadamente um lugar em que pudesse ficar sozinho sem ser julgado por
ninguém além de si mesmo. Procurou sua carteira de cigarros e acendeu um a mais.
Durante todo o caminho pra casa, querendo tirar o gosto de vômito. O cigarro queimava
entre seus dedos e ele olhava a fumaça. A música que estava sendo tocada descrevia
exatamente como ele estava por dentro: destruído. Então ele decidiu que ia colocar pra
fora, cantar, sem se importar com nada nem mesmo com ninguém. Era por ele, pra ele e
sobre Ryan.

“There’s nothing where he used to lie. My inspiration has run dry. That’s what’s going
on. Nothing’s right I’m torn!” Brendon cantou com todo o seu coração, como se não
houvesse outra chance de se expressar, de continuar a sua vida. Cantava por ela: sua
vida. Sua maldita vida que parecia não ter mais fim e naquele momento tudo o que ele
desejava era que com todo o seu coração era o fim daquela maldita vida. “I’m all out of
faith this is how i feel. I’m cold and I am shamed bound and broken on the floor.
You’re a little late I’m already torn. Torn.”

Foi daquela forma que as pessoas lá de casa notaram a presença de um Urie


completamente bêbado e triste, que enrolava nas palavras ao cantar algo que o matava
aos pouquinhos. Como se o silêncio de outrora tivesse se rendido ao musical que se
fizera a partir de sua filha.

É um bocado estranha uma criança tão pequena conhecer uma música tão ‘antiga’ pra
sua idade, mas graças aos seus mentores musicais, ela estava completamente na contra-
mão da maioria das garotinhas de sua idade. Hoje era o dia que tudo mudaria na vida de
todo mundo e depois do musical, Hayley levou a filha pra se arrumar e ir a escola. Ela
só não queria que a filha presenciasse a mãe indo presa. Como um sabonete que
escorrega da mão na hora do banho, Ian saiu ao seu encontro com dois homens pra
discutir coisas.

Ian estava esperando Cash e Dettman aparecerem e eles demoraram um pouco


mais do que meu amor pensara. Enquanto esperava, Ian bebia café. Não havia dormido
durante a noite, estava acumulando olheiras, mas estava de óculos escuros. Os cachinos
molhados, mal penteados (acrescentando: lindo) e estava impaciente. Estava quase
levantando pra ir chutar alguns traseiros, mas ao contrário disso, ficou ali esperando em
silêncio absoluto. Quando achava que não ia ver os dois mosqueteiros, o carro de Cash
cruzou a rua e deixando uma nota alta sobre a mesa, Crawford foi até o carro e entrou
antes que Cash pudesse dizer qualquer coisa.

“Eu achei que pontualidade era um de seus principais atributos.” Ian reclamou.

“E é, mas eu tive alguns problemas no fórum.” Cash falou, encolhendo os ombros.


“Como eu acredito que vocês já devem se conhecer, aquele rapaz no computador é o
agente Cameron Dettman.”

“Conheço de vista.” Encolheu os ombros. “Me diz algo, quais são as chances de
encontrar o Ryan e acabar logo com essa tortura?”

“Menor do que zero.” Cameron falou. “Eu não sei quais são os planos do retardado do
Dallon, ele não devia nem nos melhores sonhos dele fazer uma merda dessas, só sei que
a gente está em beco sem saída, meu caro.”

“Eu sei. Só queria compreender exatamente do que eu to falando.” Encolheu os ombros.


“De qualquer forma, eu quero a cabeça de quem matar o Weekes. Eu quero prender o
Ryan e seguir a minha vida. Eu li os arquivos do Weekes, sei onde eu to pisando e tenho
uma vantagem: as gangues daqui me deram imunidade.”

“Pior é que é verdade.” Colligan falou. “Quando Crawford e eu éramos adolescentes,


tínhamos uma banda com os principais chefes de gangues entre outras personalidades
importantes. Ele e eu ganhamos certa imunidade dos caras.”

“Oh.” Dettman suspirou. “Bem, talvez essa imunidade possa ser útil, já que o foco é
chegar até o Weekes. Eu chamei o DeLeon pra isso aqui, se não se importa Colligan.
Ele já deve estar chegando.”

Quando Cash ouviu o nome de DeLeon bater contra seus ouvidos de forma rude,
ouviu também um peso de tonelads cair sobre seus sombros. Cash Colligan não era do
tipo que se abalava por qualquer coisinha – aliás, quase nada desfazia aquela cara de
quem estava entediado – mas aquele peso foi forte demais. Claro que não era
confortável para nenhuma das partes; o que Cash fez DeLeon passar com um amor
doentio, desqualificado, sem classe e destritivo ainda estava bem vivo em ambas as
memórias. Numa coisa Colligan sempre esteve certo: Marshall nunca amou DeLeon,
mas chegava uma época da vida que todos queriam socego. Ian, por sua vez, fazia tanto
tempo que não via Alexander DeLeon que havia até esquecido sua fisionomia. Depois
de ler meus arquivos, Ian sabia que todos nós podíamos ser réus em algum momento
daquela história.

“Enquanto esperamos, preciso de um favor, Dettman?” Ian disse.

“Do que precisa?” Cameron falou depois de olhar pra Cash que ainda estava
mergulhado em torno de si mesmo.

“Que prenda Hayley Williams ainda hoje.” Crawford disse, arrebatando até mesmo
olhar de Cash, que com o cenho franzido, indignado com o que tinha ouvido. “Como
traidora do estado e depois facilite a fulga dela.”

“O que você pretende?” Cash perguntou após voltar a si. Ainda tinha uma batalha
terrível para vencer que era ver DeLeon de perto. A maioria das vezes, ele fingia que
não ligava em ver o ex-vocalista, a maioria das vezes ele sempre tinha uma palhaçada
na ponta da língua ou qualquer coisa que remetesse a um controle, mas naquele
momento, por seu foco estar em me achar – por motivos completamente egoístas e não
por bondade – não conseguia manter a aparência.

“Ela vai entrar na gangue do Joey e descobrir alguma coisa da possível <i>morte</i> do
Dallon. Ao menos quero a cabeça de quem matou o D.” Crawford encolheu os ombros.
“N-não tenho esperanças de encontrá-lo vivo.”

Mentira. Ele era um poço de esperanças nesse quesito.

“É bom que não tenha mesmo.” Cameron alertou. “Ele não vai sair vivo de lá nem que a
gente explodisse o Thunder em pedacinhos.”
“Seja lá como for, eu só quero achar o desgraçado que matou o Dallon e prendê-lo. Se o
D falar, estamos todos fodidos completamente.”

Todos ali concordavam que era um plano muito arriscado, mas ninguém conseguia
pensar em nada melhor para fazer aquilo dar certo. Todos naquele carro sabiam muito
bem que se eu abrisse a minha boca, todos poderiam estar em sérios problemas. Estava
eu lutando com todas as minhas forças e eu não pretendia falar absolutamente nada para
ninguém, mas as minhas forças se esgotavam pouco a pouco. Hayley queria de fato me
resgatar, mas nenhum deles estava pensando que aquilo daria certo.

“Eu tenho que entrar em contato com algumas pessoas dentro daquela gangue. Pra
Hayley entrar um pouco mais amparada. Tenho alguns favores a cobrar aqui ou ali.” Ian
falou, encolhendo os ombros.

“Quem diria, Ian Crawford é um corrupto.” Cash falou em tom de deboche, com um
sorriso no rosto. “A gente descobre que não dá pra trabalhar com lei sem descumpri-la
vez ou outra.”

“Tem razão” Cameron disse quando DeLeon bateu no vidro do carro e Cash abriu para
o homem.

Muita gente não sabe que Cash teve um amor doentio por DeLeon e muito menos que
eles chegaram a ter um caso, mas Marshall decidiu viver do lado de quem o amava de
verdade e não sofrer mais por Ian, acabando com as chances de Cash tentar mudar por
amor. Mas no final das contas eu tenho minhas dúvidas de que Cash Colligan um dia
fosse capaz de mudar, ainda que fosse por amor. A final, chega um dia em nossas vidas
que tudo o que queremos é paz. Não queremos mais um romance intenso e cheio de
altos e baixos extremos, só queremos alguém que nos ame e entenda do jeito que somos
e nos traga paz.

“Bom dia, rapazes.” Disse DeLeon. “C-cash.”


“Ooi.” Cash sorriu fraquinho. Acabávamos de descobrir o ponto fraco de Mr. Colligan
que sempre parecia superior o suficiente para não ter nenhum ponto fraco. “Dallon está
em perigo e se ele abrir o bico, todos nós vamos ter um pouco a perder. É isso o que nos
reúne aqui, depois a vida dele.”

“Impressionante, DeLeon.” Cameron disse. “Mal chegou na conversa e pegou a


essência da mesma.”

“Se isso foi um elogio irônico, obrigado.” Alex piscou, com um sorriso irônico no rosto.
“Se não foi, peço desculpas.”

“Chega.” Ian disse. “Se querem um lugar pra se comerem, eu empresto meu quarto, mas
depois. O importante aqui e salvar nossas reputações e descobrir onde o Dallon... qual o
tamanho do estrago provocado por ele o mais rápido possível.”

“O que aconteceu?” Alexander perguntou.

Apesar das diferenças entre eles – e eram muitas porque DeLeon achava que
Cash e Cameron tinha alguma coisa além de profissional – foi Cameron quem contou
tudo o que estava acontecendo ao DeLeon. Todos eles ali agora corriam o perigo que eu
tentava evitar ao máximo que acontecesse. Como se a lama em que eu me enfiei até o
pescoço fosse capaz de sujar todos aqueles que eu amo de verdade. Porém quando uma
represa quebra, é difícil conter a enchente.

Ian estava perdendo a paciência. Não queria apenas sentar e esperar os pedaços
de meu corpo chegando pelo correio. Ian queria tirar aquilo a limpo, matar quem estava
fazendo-o sofrer tanto. Queria que Ryan estivesse aqui para sofrer tudo o que eu estava
sofrendo em meu lugar, já que na cabeça de Ian era ele quem merecia. Crawford não
vivera a guerra. Crawford não havia sido modificado internamente com o calor de uma
guerra, ele não pode saber o que os traumas de uma delas podem deixar dentro de você.
Ryan era um sobrevivente! Sendo filho de quem ele é, talvez tivesse passado por muito
mais que uma guerra pra ter a força e a fragilidade que ele tem hoje. Todos dentro do
carro de Cash tinham alguma coisa a perder comigo. DeLeon, na procuradoria,
manipulava muitos processos ao seu favor. Cash, de índole duvidosa, era um homem
que trabalhava com a lei e à margem dela. Cameron era o homem que influenciava a
CIA em favor de Colligan e Ian assinara vários laudos em branco pra que eu
conseguisse tudo o que eu queria. Eu, simplesmente, era o cara que poderia foder com a
carreira de todos eles.

Por mais que todos debatessem o plano de Hayley, de quão arriscado era, mas
que dava tempo para achar Ryan que era o fato que realmente poderia mudar minha
história ou só piorar ainda mais. Era o único jeito de saber se antes de morrer eu tinha
aberto o bico.

Isso era mais importante do que tudo! Eu tinha que morrer sem deixar as pessoas
conhecerem meu passado.

Em algum lugar no meio do nada, estava o esconderijo de Ryan e de sua família.


Nem mesmo eu sabia precisar com certeza qual era a maldita localização daquele lugar.
Ryan estava olhando para o horizonte, desejando que nada daquilo estivesse
acontecendo. Seu pai havia prometido que ele poderia correr desesperadamente para os
braços de seu Brendon depois que ele se tornasse um homem honesto. Sabia muito bem
que ele nunca seria completamente o homem mais limpo do mundo, mas sabia que
agora poderia antar nas ruas de cabeça erguida. Ryan estava destruído por dentro e nada
parecia ser suficiente para consolar a dor de seu coração em pedaços, mas nenhuma
expressão sequer estava em seu rosto além de um usual tédio e um olhar perdido.
Quando Ryan piscou, havia uma mão segurando um copo de whisky.

“Talvez isso ajude um pouquinho a melhorar essa cara amarrada que você está agora,
meu filho.” Sandra disse, suspirando baixinho ao ver o filho pegar o copo e virá-lo
como se fosse a fórmula instantânea da alegria ou aquele pote de ouro que dizem estar
depois do arco-íris. “O que tá acontecendo?”

Ryan sorriu de leve em agradecimento e encolheu os ombros para tentar despistar a


mãe. O que ele não sabia era que Sandra havia crescido com pessoas como seu filho,
que fora casada com um homem que também era assassino de aluguel – embora George
II nunca a havia envolvido em nenhuma sujeira – e que entendia muito bem a diferença
do pensativo para o triste. Ela conhecia o filho, mesmo que na grande maioria das vezes
estivesse longe dele. O coração de uma mãe raramente se engana.

“Não é nada, mãe. Não precisa se preocupar comigo.” Ryan respondeu quase sem som,
voltando os olhos pro copo vazio de whisky. Ele desejou que naquele copo tivesse um
pouco mais daquele liquido que queimando descera sua garganta e parecia afogar a dor
que sentia em seu álcool. “E obrigado pelo whisky. Eu estava pre-- Eu estava mesmo
com sede.”

“Você estava precisando de uma dose, filho.” Suspirou. “Sabia que nesse tempo todo
que você e o George estiveram fora eu trabalhei em um bar? E nesse meio tempo você
sabe quantas doses eu paguei para estranhos que sofriam por amor, ou por ter alguém
querido num hospital morrendo? Foram várias e várias e várias vezes, meu querido. Eu
aprendi a ter um radar pra decifrar aquelas pessoas que querem uma dose porque gostam
de beber daquelas pessoas que bebem por dor ou alegria. Você, Ryro, bebeu agora por
pura dor.”

“Wow.” Respondeu ele, olhando pra sua mãe que se sentou ao lado dele. “Dizem que eu
costumo ser inexpressivo, frio e calculista, mas você captou sentimentos em mim,
mamãe. Isso é um dom.”

“Obrigada.” Ela riu sem maldade. “Agora faça o favor de começar a me falar.”

“Eu não quero falar.” Ross disse quase sem som novamente. “Eu quero beber até a dor,
a mágoa, o <i>amor</i> deixarem de existir.”

“Então você vai beber todo o álcool do mundo e isso não vai acontecer.” Sandra disse,
abraçando o filho pela cintura. Ryan bem que quis resistir, mas antes de bebida, um colo
de mãe também era algo que ele sempre desejou e nunca pôde ter. Ou porque estava em
missões com o pai, ou porque não queria envolver sua mãe em seus problemas. “Mas
dizem que falar resolve.”

“Eu não quero falar disso.” Repetiu. “Dói demais ter que falar.”
“Por que então você não coloca em música?” Sugeriu Sandra. “Seu pai já aprontou
muito comigo e tinha uma música que eu sempre cantava pra parar de doer.”

“Que música era?” Perguntou Ryan, curioso.

“Eu gostava de cantar Torn da Natalie Imbruglia e a outra era Fighter da Christina
Aguilera.” Falou meio suspirando. “Pode parecer besteira minha, mas cantar essas
músicas me esvaziava de qualquer sentimento ruim.”

“Não é besteira, mãe. Eu conheço o poder da música.”

Sem saber se Ryan se sentia confortável pra cantar, a mãe dele começou: “So I guess
the fortune teller’s right I should have seen just what was there and not some holy light
but you crawled beneath my veins.”

“And I don’t care, I have no luck there’s it all that much there’s just so many things that
I can’t touch. I’m torn.” Ryan cantou baixinho, fraquinho, quase sem vontade, mas seu
coração estava clamando por aquele alivio. “I’m all out of faith this is how I feel. I’m
cold and shamed lying naked on the floor.”

“Illusion never changed into something real.”

“I’m wide I can see the perfect sky is torn. You’re a little late I’m already torn.”

Quando a música acabou, Ryan não estava se sentindo muito feliz, mas talvez doesse
muito mais se não houvesse música e colo de mãe. A angústia que sentia, ainda
permanecia, mas parecia tão mais fácil naquela situação.

“E o que eu faço agora, mamãe?” perguntou ele, baixinho.

“Você tem que ser feliz, Ry.” Sandra falou com doçura. “Alguém dessa família tem que
ser feliz!”

“Eu sou Ryan Ross, mamãe.” Ryan torceu os lábios. “Eu não posso ser os dois.”
“Eu não pude ser uma mãe presente, por milhões de problemas, por incompetência
talvez.” Sandra dizia, roçando as pontas dos dedos nos cabelos do filho. “Tanto quanto
seu pai, tive problemas por aqui, com Jordan. Problemas que eu não achava que teria
porque seu pai era o culpado de tudo de ruim que acontecia comigo!”

“Ele era só um cara tentando manter conservado no álcool a sua essência.” Ryan falou
baixinho, aproveitando o carinho da mãe. “Eu fiz isso, talvez eu seja capaz de entendê-
lo melhor do que qualquer outro. George não foi muita coisa pra mim, mãe, eu
praticamente me criei sozinho, mas na minha profissão, depois de crescido, entendi as
consequências da minha escolha.”

“O seu pai pode ter sido um otário completo, não o defenda.” Sandra puxou o cabelo do
menino. “Eu sei que você saiu correndo pra Salt Lake City porque precisava resolver
algo pra mim. Eu sei que você andou fazendo um monte de coisa errada apenas pra
garantir minha segurança. O que eu quero dizer é que eu não fui uma boa mãe durante
todos esses anos. Como eu poderia ser tendo um prodígio armado como filho?”

“Eu não queria ter nascido com isso.” Ryan confessou baixinho. “Poderia ser um
prodígio da música, da matemática, das ciências... Mas armas? É só pra ser um matador
que eu sirvo, mãe.”

“Você é um policial, mr. FBI.” Sandra brincou. “Só que eu vou infernizar a sua vida pra
você sair correndo daqui e ir buscar aquele que te faz feliz em Salt Lake City. Porque
você teve que amadurecer muito rápido e ser o responsável por um pai alcoólatra, um
irmão que te via como um espelho e uma mãe incompetente. Você merece viver, Ryro.
Merece ser você mesmo acima de ser o agente, acima de ser o prodígio. Acima de me
proteger. Jordan pode fazer isso por você.”

“Você viu o que o Jordan fez? Ele não sabe protegê-la.” Ryan disse. “Minha sina é
cuidar disso aqui até eu morrer. Ninguém mais tem que ser envolvido nessa merda
toda.”
Dentro do quarto fétido onde eu estava eu só queria entender quanto tempo mais eu ia
ficar sozinho naquele lugar. Meus pensamentos eram intensos sobre como estaria Ian e
se Carl alguma hora tinha entrado em contato com meu amado para dizer que eu tinha
sido trocado por confiança. Meu estômago roncava de fome e ao mesmo tempo eu
sentia que os ácidos que tinham por dentro estavam corroendo todo o meu corpo. Eu
não sabia se poderia ficar mais tempo sem responder o que quisessem sobre minha vida
ou sobre o paradeiro de Ryan. Eu estava pronto a confessar que matei um dos maiores
traficantes de Salt Lake e assinar minha sentença de morte. Talvez fosse mesmo a hora
de deixar Ian livre.

Meu instinto de sobrevivência procurou uma saída, mas não consegui achar nenhuma. A
dor começou a ser sentida novamente e eu não gostava nada disso. Não sabia se era, de
fato, a dor ou se era minha mente tentando me dizer que eu ainda estava vivo e
precisava lutar. Era o começo do segundo dia em um cativeiro e eu já estava desejando
a minha própria morte como se fosse a única coisa que fosse capaz de aliviar minha dor.

Me encolhi num canto e engoli algumas lágrimas quando me lembrei que quando entrei
na vida daqueles garotos – Ian, Joey, Marshall... – eles eram apenas uma banda que não
deu certo. Cada um ia seguir sua própria vida, seus próprios laços sem se importar com
nada. Eu era apenas o intruso naquela coisa toda. Eu amava Ian mais que tudo no
mundo, mas sabia que o tinha atrapalhado a vida inteira. Talvez eu conseguisse
compreender a primeira fuga de Ryan melhor do que qualquer um no mundo. Daria
tudo por alguma coisa que me fizesse ficar melhor, que doesse menos internamente e
externamente. Nesse momento eu só desejava nunca ter nascido.

Talvez a morte fosse pouco demais pra minha alma descansar em paz.

Joey estava do lado de fora. Eu conseguia ouvir seus passos do lado de lá. Por mais que
eu sentisse dor, chegava ouvir até o cigarro sendo fumado do lado de fora. Dei um
gemido baixinho, estava querendo ver a luz do sol, mas tudo o que eu consegui foi ver a
porta se abrindo e Joey entrando porta a dentro. Talvez essa fosse minha última
conversa amigável com alguém, talvez eu estivesse morto dali a quinze minutos. Meu
corpo ficou tenso ao nível máximo por saber que ele era meu algoz. Um homem de
rosto doce, mas que de doce só tinha o rosto.
“Weekes.” Disse ele.

“Thunder.” Respondi, formando um pequeno sorriso. Então ele se sentou ao meu lado.
“A sua roupa cara vai se sujar.”

“Não me importa.” Disse. “Você conhece os termos do meu acordo com Ian. Eu não
queria perder a confiança de um amigo e nem posso deixar o cara que matou meu pai e
provocou o suicídio da minha mãe.”

“Eu nunca pedi piedade.” Encolhi os ombros. “Seja lá o que for fazer comigo, manda
ver.”

“Sabe que eu não acredito que foi você que matou meu pai, não é?” Joey falou. “Eu te
vi o ajudando, por que ter matado o homem?”

“Por que dar valor a um cara que só te ensinou a agir como um criminoso maldito e
sujo, Thunder? Você devia entender que seu pai não passava de um otário maldito.
Devia estar de joelhos agradecendo que eu livrei você de uma fria enorme.” Falei,
sentindo finalmente o peso da mão de Joey em meu rosto. Meu nariz já estava mesmo
quebrado, então eu fiquei uma meia hora sentindo o impacto.

“Maldito, sujo e otário é você, Weekes.” Falou. “Johnson sempre teve razão ao seu
respeito. Ian estava prestes a escolher ficar do meu lado da lei quando você estragou
tudo.”

“A lei só tem dois lados, Joey.” Falei em meio a um gemido. “O certo e o errado. Eu o
levei pro caminho bom. Dei o direito a ele de ser brilhante. Direito que o seu pai tirou
de você sem pensar duas vezes. Vai lá, foda com a minha vida pra se vingar dos seus
pais. Numa guerra, eu o mataria de novo.”

“Numa guerra?” Joey riu cinicamente. “Quem você pensa que é pra falar de guerras?
Vive em um lugar seco e bonito, não conhece o submundo.”
“Ter matado o seu pai, Thunder, é uma das coisas que mais me atormenta em toda a
vida.” Expliquei. “Eu vi a vida dele esvair de seu corpo e não gostei da sensação! Não
sou um assassino, eu não nasci pra isso. Foi legitima defesa, alegue a quem quiser, mas
eu matei um cara. Um lixo de gente, mas era uma vida!”

“Lixo é você, Dallon!” Joey falou irritado. “Eu vou achar uma saída pra você. Não vou
sujar as mãos com seu sangue por causa do Ian. Ele faz parte disso aqui e é por isso que
você está vivo ainda, seu filho da puta. O Ian paga caro pela sua vida.”

<b>“Me mata de uma porra de vez!”</b> Gritei com o resto das forças que me
restavam. <b>“Não vou fugir, nem tentar lutar! Me mata!”</b>

Era muito mais fácil pra mim a morte que saber que Ian havia comprado minha vida.
Não sabia qual o preço disso, só sabia que a pressão psicológica em mim já estava
funcionando. Talvez funcionasse muito melhor que nunca, porque tudo o que eu queria
era saber que todos os meus esforços pra manter Ian seguro não eram vãos.

“Te matar é muito fácil pra mim.” Joey sorriu. “Não se preocupe, você vai morrer, só
não vai saber pelas mãos de quem!”

Antes de sair, Joey atirou no meu pé. Agora eu sangrava pelo nariz quebrado e pelo pé.
Todas as minhas forças se concentravam em gritar de dor o mais alto que conseguia, ao
que me encolhia para apertar meu pé e estancar meu sangue. Thunder estava certo,
matar pra ele era fácil demais e ele queria torturar primeiro. Ele queria que eu
entendesse tudo o que ele passara sem os pais. Ele teve que crescer rápido demais e isso
o deixou pior do que ele realmente seria.

A culpa é da guerra e não minha. Eu tentei dar uma nova vida pra ele. Eu tentei
reanimá-lo quando sua vida se esvaiu de seu corpo, mas isso não foi suficiente. Por dias,
depois daquela maldita guerra, eu via exatamente os olhos de Joseph pai em meus
sonhos. Algo me dizendo que a justiça a ele seria feita. Esse algo não estava errado,
seus filhos têm sede! E eu sou a fonte.
Depois de uns cinco minutos segurando o meu pé fraquinho, na inútil intenção de que
meu pé parasse de sangrar. Eu comecei a morder minha outra mão na tentativa de fazer
a dor deslocar de foco, mas meu nariz estava quebrado e morder nesse estado se tornou
difícil. A dor se focou mesmo em outro canto e acabei esvaindo essa dor com um grito
desesperado. Talvez meu corpo começasse a agir sozinho por instinto de sobrevivência,
mas minha mente sempre repetia: “não há motivos pra viver, não há motivos pra se
preocupar, não lute.” Essa era minha promessa a mim mesmo: não lutar.

Eu sabia que Joey eu tinha apanhado porque xingara o pai dele. Eu sabia que não teria
escapatória ou saída pra mim e sinceramente eu começava a não me importar. Mas algo
me havia intrigado na conversa que tive com Joey: ele não acreditava que eu matara seu
pai e se eu quisesse eu podia ter manipulado-o e saído com vida daquele lugar. Joey não
ia me matar por vingança; ele ia me matar por ódio das palavras que eu havia dito. A
dor física era intensa, mas eu me preocupava mesmo com o fato de não querer dormir.
Já sabia que não podia confiar em ninguém, agora podia sentir em mim novamente cada
soco recebido de Carl e a paulada que tomei nos joelhos. Não queria dormir pra não
reviver. Bastava uma vez para mim.

Quando eu estava quase sendo vencido pelo cansaço, ouvi a porta daquele pardieiro se
abrir. Olhei instintivamente para ver quem tinha entrado e o barulho de salto alto me
chamou a atenção. Minha visão tava turva por causa das dores que parece que me
mantinha vivo. Acho que era ela que me dava a sensação de vivacidade que eu já tinha
perdido. Dois dias só e eu já estava praticamente morto. Eu sabia que conhecia aquela
garota de olhos brilhantemente verdes.

“Dallon, meu Deus!”

“P-paige?” Assustei um pouco ao ouvir a voz de Paige. “O que você tá fazendo pra
esses lados?”

“Joey me contou que você estava aqui e eu decidi vir por aqui por minha conta.” Paige
falou, se sentando ao meu lado. “Eu discuti com ele que um tiro no pé não é um jeito
saudável de te fazer morrer. No máximo, você não vai andar, mas te matar isso não vai.”
“Não me lembra disso!” Girei os olhos. “Ai, caralho!” gritei, quando ela pegou no meu
pé. Tentei puxá-lo de volta, mas ela não deixou. A dor era demaisada quando a bala foi
retirada do meu pé.

“Pelo que eu to vendo, não foi algo tão profundo quanto eu pensei. Mesmo antes de eu
tirar a bala, não tava sangrando tanto quanto se tivesse pegado em uma veia.” Falou,
enfaixando meu pé. “Só que você sabe que isso aqui é só o começo e que eu to aqui
contra a vontade do Joey. Ele não é bondoso, a essência dele se perdeu junto com os
pais.”

“Eu to pronto. Podem vir com tudo.” Respondi, com descaso.

I’m all out of faith this is how I feel. I’m cold and I am shamed lying naked on the floor.

“Você já esteve em um julgamento do tráfico, Dallon?” Paige falou, colocando um par


de roupas limpas perto de mim. “É muito pior do que você pensa, muito pior do que
você consegue suportar. Não me diga que você tá pronto, porque não está. Vou
interceder por você, até quando eu for capaz.”

“Não perca a confiança do Joey por minha c--”

“Não faço por você. Faço por meu irmão.” Paige falou interrompendo. “Meu irmão não
vai suportar a sua morte e muito menos saber de seu sofrimento. Acredite, o próprio
Joey vai fazer questão que o Ian saiba tudo o que você passar aqui.”

“Por isso as fotos?” Ergui a sobrancelha.

“Também.” Ela me deu um abraço e disse baixinho. “Entre as roupas tem uma fruta.
Seu julgamento deve estar pra acontecer em, no máximo, uma semana. Nesse meio
tempo eu vou tentar trazer frutas que deem pra embrulhar nos curativos.”

“Obrigado.”
Me soltando do abraço, ela saiu. Joey estava lá, na porta e xingou-a por várias vezes,
mas ele se calou quando Paige repetiu “Faço isso por meu irmão. Não quero livrá-lo de
você, meu querido, mas não posso esquecer que ele é meu cunhado. De alguma forma,
é meu parente e ao menos ele vai poder ir andando pro julgamento.” Talvez Paige
estivesse certa ou talvez existisse um resquício de essência do Thunder esquecida em
algum lugar dele.

Hayley estava em casa. Umas horas antes tinha levado a filha na escola e passado em
um salão de beleza. Se era pra ser bandido por um tempo, seria uma bem estilosa. Desde
muito pequena, ela gostava de trocar de cor para se sentir mais bonita e sempre com as
forças renovadas. Há muitos anos – graças à polícia – ela havia parado um pouco com
isso. Deixara o cabelo em um amarelo desbotado ou um larajando desbotado. Do salão,
seu cabelo estava tingido de vermelho; o que a deixou bonita, com sua pele
extremamente branca em destaque. Hayley podia dizer que estava pronta.

Smith passara um micro-treinamento. Brendon estava dormindo, porque depois do porre


que tomara, só pensava em dormir para tentar fazer a dor de cabeça passar. Foi então
que a campainha tocou. Joshua estava com ela e segurava sua mão. Estava mesmo na
hora! Smith foi quem abriu a porta e a menina abraçou o amor de sua vida com força.
Estava com medo, mas já não havia como voltar atrás.

“Eu não sei quando vou te ver de novo.” Hayley disse a Joshua. “Mas eu ainda amo
você.”

“Você vai voltar pra sua filha, sabe disso.” Josh disse, dando um beijinho no topo da
cabeça de Hayley. Fingiu ignorar a declaração da moça para não tirá-la correndo
daquilo. Hayley Williams faria tudo para descobrir quem havia feito o que estavam
fazendo comigo.

“Agente Dettman, CIA.” Mostrou o distintivo. “A senhora Hayley Williams, por


favor?”

“P-pois não.” Hayley disse, tentando mostrar confiança.


“A senhora está presa, acusada de roubar segredos confidenciais de nossa agência e
vendê-los ao Wikileaks. Tem o direito de permanecer em silêncio, tudo o que disser
pode e deve ser usado contra a senhora no tribunal. Tem direito a um advogado, se não
puder pagar um, o estado de Utah providenciará um para a senhora. Ouviu e
compreendeu seus direitos?” Cameron disse, quase mecânicamente. [n/a: wikileaks é o
site que vaza informações confidencias dos governos, pra quem não se lembra]

“Sim, senhor.” Assentiu, esticando as mãos para o agente que segurava as algemas.

“Distintivo e arma, detetive.” Cameron disse e Hayley apontou a mesinha de centro com
a cabeça. Junto a Cameron que pegou as coisas de Hayley, ela saiu algemada, em
silêncio absoluto. Havia mais agentes na operação. Seu destino estava em suas mãos nas
próximas horas.

<i>Uma semana depois </i>

Todos os dias, Paige vinha ver como estava minha ferida e me trazia a fruta que ela
prometera. Todos os dias ela cuidava de mim de um jeito distorcido. Eu não gostava
muito daquilo, mas estava melhor que se estivesse ainda com Carl. Uma semana que eu
estava preso e sabia que algo muito ruim estava para acontecer.

Durante esses sete dias Joseph tentou fazer com que eu dissesse onde estava Ryan e
porque eu estava tentando proteger um culpado. Argumentou que eu não estava agindo
como m bom policial protegendo um bandido perigoso. Mas eu rebatia sempre, dizendo
que o culpado era eu e mais nenhum outro. Eu apanhei muitos dias, com todos os tipos
de instrumentos, só sobrevivi porque eu fui cuidado por Paige Crawford. Me perguntava
naquele mesmo momento se valia a pena ter sobrevivido.

Fui arrastado até uma sala grande, onde todos os membros da gangue de Joey estavam a
esperar. Eu ainda estava usando a roupa que Paige havia me dado no dia que cuidou do
meu pé e eu ainda mancava bastante. Sentados em cadeiras estavam Joey e Luke, em
silêncio, olhando minha humilhante entrada triunfal. Eu já podia sentir a pressão
psicológica daqui.
Virado de frente para Joey e Luke, eu fui sentado em uma cadeira de plástico. Estava
todo dolorido, ainda com escoreações feias na pele. Podia sentir os olhares de desdém
ao meu redor e ao mesmo tempo, ouvia os risos calmos daqueles bandidos. Em parte, eu
era um bom policial e era isso que deixava aqueles homens e mulheres loucos o bastante
para querer um pedaço de mim. Eu sabia que estava fodido, mas que comecem os jogos!

E começaram, de fato. Confesso que eu não ouvi uma só palavra do que me disseram.
Não quis prestar atenção em nada. O rosto de Paige tentava não mostrar nenhuma
emoção, mas eu podia sentir as lágrimas querendo cair de seus olhos. Abaixei minha
cabeça e escutei a voz de Joseph.

“Se você falar onde está o Ryan Ross, tem sua liberdade. É nosa última oferta, Weekes,
até começarmos a ser mais duros.”

Mais duros. Quase tive vontade de rir naquele momento. Apanhando por dias,
desnutrido porque passava por uma fruta por dia, sem água. Dentro de instalações
fétidas e nem havia um lugar exato para fazer minhas necessidades. Eu tinha passado
uma semana numa verdadeira masmorra e ele tinha coragem de dizer que seria ainda
pior?

Todos os dias enquanto Joey e eu conversávamos, ele falava sobre Ian. Falava coisas
que me machucava só pelo fato de me traumatizar. Eu estava muito mais fraco que ele,
então era fácil demais me ter em suas mãos. Naquele momento, sentindo um frio correr
por minha espinha, eu não sabia se queria mesmo ver qual era o lado pior de Joseph e
Luke.

“Eu não sei onde o Ryan está.” Falei, enfrentando os olhos de Joseph. “Como você ousa
ofertar minha liberdade por uma informação que eu não tenho?”

“Sua petulância vai te matar, Dallon.” Avisou Luke. “Confesse logo, eu gosto muito do
Ian pra ter que deixá-lo viúvo e perder a amizade dele.”
“Eu confesso...” Comecei, desafiando o Luke com os olhos. “...confesso que fui eu
quem matou o Joseph Brobeck e provoquei o suicídio da senhora Brobeck. Eu e não o
Ryan. Não tem sentido essa busca ridícula por ele. É isso que eu venho falando pra
você, Thunder, durante uma semana.”

“Para que fique em registro... Eu dei a chance de confissão ao senhor Weekes porque
ele é o cunhado de minha namorada Paige. O irmão dela é um de meus melhores
amigos.” Joseph falou naquele momento, todas as armas do lugar se voltaram pra minha
cabeça. Fechei os olhos e esperei que alguma delas me atacasse.

“Você vai morrer, só não vai saber pelas mãos de quem.” Foi tudo o que eu consegui
pensar naquele momento. Não queria ver qual seria meu próprio fim, mas sabia que
Joseph era sádico o suficiente para exigir que eu visse meu próprio coração parando de
bater em suas mãos.

“É mentira!” Falou Luke. “Meu irmão viu a arma do Ryan sair fumaça quando meu pai
caiu no chão. Você tentou salvá-lo.”

“É minha obrigação.” Respondi. “Se eu atiro, eu tenho o dever de verificar o pulso e se


houver alguma chance, eu tenho que tentar. Não fiz nada por bondade.”

“Mas não matou meu pai.” Sorriu cinicamente.

“<b>Matei</b>!” Gritei. <b>“Eu matei seu pai e faria tudo de novo naquelas malditas
circustâncias. Seu maldito pai apontou uma arma pra mim e o que você queria que eu
fizesse?”</b>

Algemado minha mão na cadeira, eu me debati. Mais de ódio por estar confessando uma
verdade e ninguém acreditar em mim. Confessando algo que fiz, dizendo que merecia
minha morte lenta como eles fariam com o Ryan. Eu estava debilitado, não ia durar
muito tempo naquele regime. Meu coração estava apertado demais, meu rosto com
barba e cheio de machucados e dentro de mim apenas piorava.
“Naquele dia eu estava caçando! Eu era um patrulheiro, eu não tinha lá muito
treinamento. Eu tinha uma arma e sabia em quem usar. Depois de algum tempo, tudo o
que se mexia, pra mim, era alvo. Eu quase prendi o Matthew, mas aquele filho maldito
dele me rendeu e me fez soltá-lo. Eu estava com ódio de todas as gangues no geral. De
como vocês acabam com a vida dos jovens e estava determinado a ajudar na guerra. E
eu ajudei. Quando encontrei seu pai, ele apontou a arma pra mim e eu pra ele. Trocamos
algumas farpas de polícia e bandido e então o Joseph ameaçou apertar o gatilho. Atirei
no peito, próximo ao coração. A bala transpassou, perfurou o pulmão. Quando eu corri
pra prestar os primeiros socorros, os olhos do seu pai ainda tinham vida. Coloquei a
arma dele longe porque percebi que enquanto eu dava os primeiros socorros ao maldito,
ele queria me matar. Foi quando o Thunder chegou e eu tive que dar a hora da morte e
seguir meu caminho.” Contei, abaixando a cabeça. “Na época, eu não conhecia o Ryan.
Não sabia que ele era o famoso prodígio armado e na guerra, ele me contou, que ficou
como atirador de elite. Ele matou muita gente de cima dos prédios.”

Naquele momento houve um silêncio. Aquele silêncio me incomodou. Como se a cena


voltasse na cabeça de Joey. Eu senti as armas se abaixarem, não sei se foi por ordem dos
garotos ou se cansaram de manter a mira. Em seguida, o próprio Joseph me deu umas
conronhadas que doeu como o inferno. Foram na cabeça e não no rosto. Eu estava
algemado na cadeira, tentando me levantar e com isso, acabei sendo empurrado pra trás.
Quando caí, Joey, que usava um cuturno, pisou firmente em minha barriga. Parecia um
chumbo que era colocado em mim e eu acabei soltando um gemido alongado de pura
dor.

“Você tem como provar sua teoria, Weekes?” Perguntou.

“Não aqui.” Falei quase sem ar. “Não agora. Eu fiz o que eu fiz por sobrevivência e não
porque eu quis. Eu nunca tive sangue frio pra matar alguém nesses termos.”

“Por que proteger o Ryan?” Perguntou, pisando ainda mais forte em mim. “Por quê?”

“Eu... namorei com ele.” Confessei quase sem som, em meio a um gemido e outro,
embora não contasse que fora um namoro falso, um namoro pra proteger o Brendon – e
o proprio Ryan – das garras de Carl. “Da última vez que ele esteve em SLC, ele era meu
namorado.”

Joseph soltou minha barriga e eu pude respirar um pouco melhor. Ele começara a me
bater mais um pouco e a plateia parecia catatônica. Abri um pouco os olhos, como se
pedisse clemência de meu estado lamentável, mas parecia que ninguém se comovia com
o estado lamentável em que eu me encontrava. Procurei o olhar de Paige e agora ela
tinha arrependimento nos olhos. Arrependimento porque Ian, supostamente, fora traído.

Quando a sessão ponta-pés-no-Dallon terminou, tossi, cospindo sangue. Joseph não


tinha um sorriso no rosto, ao contrário. Parecia que ser sádico não era o suficiente para
aquele homem ruivo. Ele precisava de mais. Ele bem que tentou fazer qualquer coisa,
mas a voz de Luke soou:

“Chega!”

Nunca quis tanto que o irmão mais novo de Joey fosse “menos pior” do que ele. Como
eu queria poder acreditar nas minhas próprias esperanças, mas não. Eu não podia. Eu
sabia muito bem que as coisas começariam a ficar sérias.

“Me mata logo de uma vez!” Pedi fraquinho. “Acaba logo com isso, Brobeck. Não seja
covarde.”

“E pra que acabar com a diversão?” Luke finalmente disse. Fez um gesto que eu não
pude decifrar qual era e dois capangas – que eu não sei quem era - me levantaram.
Novamente eu estava sentado. Luke fez outro gesto e as pessoas esvaziaram o lugar,
deixando apenas Luke, Joseph e eu. A gargalhada de Luke então ecoou e aquele som
parecia tão amedrontador. Um som que se eu saísse dali, nunca mais seria capaz de
esquecer. “Onde está o Ryan?”

“Não sei.” Respondi. “Pra que o querem?”

“Eu faço as perguntas, Weekes, eu!” Luke disse nervoso, puxando uma 38 da cintura.
“Pelo amor de Deus, Brobeck, me mata direito.” Ri, ocasionando estranheza nos outros.
“38 é uma arma muito brochante. Que fosse uma Colt, uma Glock, uma AR-15. Mas
uma 38 me desanima.”

Então eu percebi o que ia acontecer. Uma bala, um tiro, uma pergunta, uma resposta.
Tentei me mexer feito um desesperado, sair correndo daquele lugar maldito. Eu estava
em pânico e não estava a fim de jogar com eles.

“N-não, por favor.” Pedi, agora deixando o pânico ficar mais visível. “Eu não quero
jogar. Não quero.”

“Não era você que estava aí todo debochado da arma, Weekes?” Joseph ergueu a
sobrancelha me desafiando. Eu ergui os ombros negando a afirmação. “Eu gosto de
brincar com arma fora de linha, sabe? Ela trava sozinha, ela não obedece e pra brincar, é
ótimo!”

“Sádico, bastardo, desgraçado!” Falei, irritado. “Não basta matar de uma vez por
todas?”

“Não, não basta!” Paige falou. “Você traiu meu irmão!”

“Ele sabia!” Gritei, como se agarrasse e encarregasse a menina de me salvar dali. “Ele
sempre soube de tudo, Paige! Eu não quero participar dessa roleta russa.”

“E você tem essa escolha?” Joseph ergueu a sobrancelha. “A única escolha que você
tem, Dallon, é falar onde o Ryan está. Você não pode provar que matou meu pai, então
fale onde o verdadeiro assassino está!”

“Eu to aqui, caralho!” Falei, me mexendo bruscamente.

“Colabora, D, por favor.” Paige pediu. “É só o Dallon falar onde está o Ryan. Tenho
certeza que se você falar, não tem roleta russa.”
Excelente argumento, me fez ponderar por um segundo. Mas eu suporto tudo isso, o
Ryan, eu já não sei. “Não posso cometer injustiças.”

Luke esticou o 38 pra minha direção. Eu podia sentir o cano dela na minha testa e eu
escutei Joseph dizer: “Diga, onde está o Ryan?”

“Eu não sei, Brobeck.” Disse baixinho, me encolhendo. Então ouvi o primeiro tiro sem
bala. Cheguei a expressar um alívio quando a arma não estava tão carregada quanto o
normal.

“Sortudo.” Disse Joey. O meu azar é que eu tinha comido pouco. Não sabia se
conseguia quebrar meu dedo para me livrar das algemas. [n/a: livrar-se de algemas é
fácil, só requer um pouco de coragem. basta você quebrar o osso do polegar que sua
mão passa tranquilamente por dentro das algemas fechadas] Meu coração batia em um
ritmo eloquente. Eu estava apavorado. “Me deixa tentar.” Puxou a arma da mão do
outro.

Eu só conseguia pensar enquanto estava naquela situação, em quão apavorado eu


conseguia ficar. A minha estrutura psicológica parecia fraca demais pra conseguir lidar
com uma tortura tão pesada. Apanhei por dias, estava sem comer bem por dias, mal
conseguia ficar em pé. O pânico por estar tão perto da morte me deixava sem ação.

“Por favor, não...” Pedi mais uma vez. “Eu não sei onde ele está. Eu não sei.”

“Sabe, Weekes. A Hayley Williams foi acusada de traição pela CIA e fugiu de uma
penitenciária da CIA.” Luke informou com descaso, me deixando atento. “E acredita
que ela veio parar aqui me pedindo emprego. Talvez seus amiguinhos pensem que eu
sou um otário.”

“Deus! Não!” Mordi o lábio e gemi em seguida. Não conseguia discernir o que doía
mais. “Isso é um blefe!”

“Não é não.” Negou com a cabeça. “Se você não me contar cadê o Ryan, eu vou matar a
ela, da mesma forma que eu mato as pessoas que não me pagam. E no caso de mulheres,
eu as prostituo com toda minha gangue – exceto o Thunder, porque ele gosta da Paige –
antes de matá-la a facadas. Às vezes as queimo como se fosse a santa inquisição. É isso
que você quer pra sua Hayley, Weekes?”

“Não!” Falei. “Vocês já tem a mim. Eu aguento!”

“Eu não quero foder com você, D.” Joey falou. “A Paige me basta.”

“Eu não gosto de homem.” Luke falou. “Se você não contar, eu vou matar um por um
dos seus amigos, na sua frente. Eu conheço muitas técnicas de tortura pra usar com
você. To sendo bonzinho demais com a roleta russa.”

“N-não, por favor. A Hayley não.” Falei. “Eu disse pra ninguém me procurar. Poupem-
na, eu imploro.”

Recebi mais algumas coronhadas e percebi que Paige saiu, mas logo voltou com uma
seringa e uma garrafa. Joey segurava a arma contra minha cabeça e vez ou outra ele
usava o cano da arma para colocar meu cabelo para trás. Eu ofegava cansado e sabia
que técnica eles iam usar comigo se a roleta russa não funcionava.

“Amônia?” Perguntei.

“Amônia.” Paige respondeu. [n/a: amônia quando injetada no corpo humano causa a
sensação de queimadura. É como queimar um ser humano de dentro pra fora.] “Eles só
querem um endereço.”

<b>“Eu não tenho esse endereço!”</b> Falei alto e Joey atirou. A arma falhou
novamente. Eu estava começando a me sentir confiante quanto aquela arma. Ela parecia
não gostar de ser usada por aqueles dois, ela parecia se sensibilizar com aquela situação.
“Quer um jeito de pegar o Ryan? O ponto fraco dele é o Brendon!”

“Mas o Urie não sabe onde ele está, você sim.” Luke respondeu. “Colabora, bonitinho.”
“Ou eu vou ter que brincar com amônia.” Joey disse em tom de deboche. “E eu não
queria ter o meu cunhado como inimigo.”

“Deixe a Hayley em paz.” Pedi, suplicando. “Ela não tem culpa disso aqui. Tire-a dessa
sujeira.”

“Pode não ser uma má ideia tê-la por aqui.” Joey ponderou, enquanto Luke colocou
minha cabeça para trás, fazendo com que o cano da arma estivesse em direção a minha
boca, até que meus lábios que tremiam de frio e de medo. Eu já não me preocupava
comigo, mas em tirar Hayley dali com segurança. Nem mesmo a amônia me
amendrontava tanto. “Não é, maninho?”

“É claro.” Concordou com deboche. “Mate-o dessa vez.”

E atirou. A arma falhou novamente. Oito tiros, tinham ido três e eu tinha me safado nos
três. Eu estava com medo, mas eu tinha medo por Hayley também. Eu percebi que havia
me metido em algo muito mais profundo e pior, que ninguém lá em casa havia me
respeitado.

Enquanto eu morria aos poucos – literalmente – na minha casa Ian estava entrando em
desespero. Nenhuma ligação há uma semana. Nem de Hayley, muito menos minha. Carl
até havia avisado que eu estava com Joey, mas Weston não permitiu que Ian fosse
resolver as coisas do seu jeito.

Ian estava quebrado por dentro – e isso me mataria se eu pudesse presenciar - porque ele
ainda me amava. Ele ainda era apaixonado por mim e apaixonado por tudo o que eu
significava. Ele estava morando lá em casa, dormindo no meu quarto, respirando a mim.
Seu coração apertava e ele tinha vontade de chorar. Para ele, eu já havia morrido.

Ora, eu tinha dado um prazo de três dias para sobreviver às torturas. Havia se passado
uma semana. Ele estava desesperado porque não queria acreditar que eu tinha morrido.
Tudo indicava que sim, mas seu coração se recusava a entrar em luto. Chorar, ele não
chorava, mas seu coraçãozinho puro sangrava por mim.
“Psiu.” Alex Marshall entrou após bater na porta de meu quarto. Entrou quando Ian
autorizou e segurou melhor o violão. A dor parecia ficar mais suportável com um pouco
de música. A música que ele tocava era Temporary Bliss. “O que você tá fazendo?”

“Tentando não enlouquecer.” Sorriu fraco. “Dallon sempre gostou de me ouvir tocar,
mas eu estava sem tempo de praticar... Eu tinha que dar um jeito de tirá-lo das mãos do
Joey, mas vocês não me deixam agir!”

“Hey!” Marshall chamou. “Você já fez tudo o que podia. O resto está sendo feito por
pessoas competentes. Não estrague tudo, bonitinho.” Ian sorriu para Alex que devolveu
o sorriso.

“Eu quero meu marido, Marsh. Eu o quero vivo.” Ian confessou. “Eu não vou descansar
direito enquanto não achar o meu Dallon e acabar com a vida do maldito que o tirou de
mim. Não importa o que eu tenha a perder. Ele mexeu com o cara errado.”

“Hey!” Marshall repreendeu. “Você já fala como se estivesse morto.”

“Ele está sumido há uma semana, Marsh. Ele nos deu um prazo de três dias para
suportar as torturas.” Ian deixou finalmente o violão na cama. “Eu deveria aceitar sua
morte e seguir minha vida, mas meu coração insiste que ele ainda vive.”

“Se fosse o Dallon no seu lugar, ele jamais pensaria em sua morte.” Alex falou. “Por
mais que ele tenha te tomado de mim, eu sei que ele é guerreiro, que ele te ama. Que ele
vai lutar até o último suspiro pra te dar mais um beijo. Eu nunca vi outro casal se amar
da forma que vocês se amam e foi por isso que eu abri mão de você. Eu daria tudo pra
estar no lugar dele agora só pra você estar feliz ao lado do seu Dallon.”

“Sabe... antes desse reboliço acontecer, o D tocou uma música pra mim.” Suspirou,
ignorando parte do que o amigo acabara de falar. “Uma música do DeLeon.”

“A-Alex? Do meu Alex?” Franziu o cenho. “Bounce?”


“Não, bobo. Chama Temporary Bliss.” Ian sorriu fraco, dando-lhe um soquinho. “Dalon
disse que ele não te mostrou a música por falta de tempo e porque queria um arranjo de
piano antes de te mostrar.”

“Toca um pedacinho dela pra mim?” Pediu.

“Tudo bem. Um pedacinho não faz mal.” Ian pegou o violão. “Eu acho que esse final
ficaria melhor no piano. Você tocando e o Singer cantando. Mas a música é assim: I
can’t keep sleeping in your bed if you keep messing with my head. Before I slip under
your sheets can you give me something please? I can’t keep touching you like this. If it’s
just temporary bliss.”

“I can’t keep sleeping in your bed if you keep messing in your head I can’t keep feeling
love like this it’s not worth a temporary bliss.” Marshall cantou baixinho, abaixando a
cabeça.

“Você tem um cara que te ama o suficiente para te deixar me amar.” Ian falou, deixando
o violão de lado. “Por favor, não jogue isso fora. Eu to bem, eu vou ficar bem sozinho
se o Dallon estiver mesmo morto. Só não deixa o DeLeon desistir de te dar um amor
completo que eu nunca vou poder te dar.”

Marshall abraçou Ian em silêncio, sem prometer ou deixar de prometer. As palavras de


Ian doeram naquele momento. Talvez ele não estivesse dando tanto valor às coisas que
tinha.

Essas coisas só se aprendem na prática.

<b><u>Fim do Capítulo quinze

Dezesseis: No one lives forever but we will be remembered for what we do right
now.
Título: Living Louder – The Cab.
Sarah entrou no quarto de Brendon com a melhor das intenções do mundo.
Havia prometido a mim que jamais tiraria a música de sua vida, mas ninguém tinha
tempo para uma criança desesperada. Sarah havia passado por muita coisa; perdera os
avós tragicamente, perdera o amigo Daniel, perdera o tio Ian, o papai Brendon entregue
ao álcool, a mamãe que não dava notícias. Estava me perdendo e não sabia disso. Não
queria se sentir mais sozinha, mas tudo o que ela queria era que tudo voltasse ao normal.

Sarah era uma menina sortuda. Ela sempre se considerou uma garota de sorte;
crescera rodeada de amor. Amor do pai biológico que mesmo não casado com a mulher
de sua vida, fazia das tripas, coração pra estar presente. Amor da mãe que estava sempre
pronta a ajudar nas menores alegrias e nas maiores quedas. O pai adotivo que por mais
falho que fosse, era o homem que estava ao seu lado nos medos, encorajando-a a
continuar. O melhor amigo grande (eu) que ensinava a amar a música, mas que ensinava
que valia muito mais a pena deixar seus sentimentos falarem do que os escondê-los, mas
infelizmente a vida tirou de mim a oportunidade de ensiná-la a lidar com o amor da
melhor forma possível.

Tudo o que ela queria era se considerar sortuda novamente!

Arrastando um violão – o violão que era meu -, causando um barulho quase


infernal, Sarah entrou no quarto de Brendon com a melhor das intenções, com o maior
dos sorrisos e com o coração aberto. Ela queria um pouco da companhia do pai, ela
queria que alguém percebesse que seu coração continuava a bater mesmo que todos ali
tivessem problemas grandes demais para dar a atenção que ela realmente merecia. Cada
um tinha o seu problema e Sarah percebia que havia sido deixada para segundo plano.
Com um pouco de dificuldade, Sarah conseguiu subir na cama e colocar o violão com
ela. Engatinhou até o pai e o acordou com a gentileza de uma criança, balançando o pai
de um lado a outro.

O problema é que a recaída de Brendon estava grande demais. Não foi uma
garrafa a mais, um dia a mais. A recaída de Brendon durara o tempo inteiro. Desde o dia
em que fui entregue, ele não conseguia parar de beber. Joshua conseguiu uma licença
pra Brendon e ele não precisava se preocupar com o trabalho – e não que ele realmente
se preocupasse – tudo estava acertado. O problema era que Brendon estava tão cego
pela bebida que a ressaca era constante. O gentil balançar que a filha lhe dava para a
cabeça alcoolizada de B era como estar no alto mar, lhe dava náuseas. Como ele queria
simplesmente ser esquecido pelo mundo, ao menos quando conseguisse dormir.

“Sai.” Disse ele rudemente, sem perceber que ele estava falando com a filha.

“Mas você prometeu <i>papai</i>.” Sarah disse, suspirando longamente. “Prometeu


que a gente ia tocar hoje. Eu to com saudade de música.”

“Minha cabeça tá explodindo, Sarah, por favor.” Brendon rolou na cama, ficando de
costas para a menina que colocou o violão no chão e sentou-se na cama, colocou a
cabeça do pai em seu colo e começou a acariciá-lo com toda a ingenuidade de uma
criança e começou a cantar baixinho uma música de ninar enquanto roçava os dedos
pequeninos dedos no cabelo de seu pai bêbado. Nenhuma palavra má saiu mais dos
lábios de Brendon, nenhum pedido de desculpas também saiu. Ele simplesmente dormiu
como se nada tivesse acontecido.

Uma hora depois Sarah Urie saiu do quarto do pai, arrastando o violão novamente.
Deixou a porta levemente aberta e quando o pai reclamou, ela simplesmente disse “Pro
bixo papão não te pegar” e saiu. Sentou num dos sofás da sala e colocou o vioão
apoiado em sua perna. Ela estava com saudades de como aquela casa era quando todo
mundo estava lá.

Quando todo mundo estava lá aquela casa era uma grande festa. Toda hora tinha
música, toda hora estávamos em volta da Sarah, brincando e a fazendo se sentir parte da
família. Naquele momento ela não se sentia mais que uma parte da decoração da casa.
Ian viu a menina com os olhos no violão, perdida em pensamentos. Meu Ian, precisava
se sentir um pouco mais últil, tinha uma dívida com aquela menina, por causa de mim,
por ter deixado a mãe dela correr o risco de morrer. Quanto tempo mais aquele pesadelo
teria que durar? Ian só podia desejar que suas vidas voltassem ao normal... logo.

“Psiu.” Ian chamou baixinho, sentando-se na mesinha de centro, em frente à Sarah.


“Uma música por seus pensamentos.”
A menina docemente sorriu, assentindo fraquinho como se tivessem oferecido um doce
para ela. Meu amado tomou a liberdade de pegar o violão que estava com a menina e
dedilhou algumas notas. “Papai prometeu que ia tocar comigo, mas não levanta daquela
cama.”

“Ele não tá bem, Sarah.” Ian disse baixinho, acariciando o rosto da garotinha. “É o jeito
dele de dizer que sente a falta da sua mãe e o tio Dallon.”

“Você não fica assim, tio Ian.” Sarah torceu os lábios. “E eu sei que você e o tio Dallon
trocam uns olhares diferentes.”

“Só que eu to sendo chato com todo mundo. Eu to trancado num quarto quase que o
tempo todo com o Weston e com o Marshall. Porque eu não consigo viver sem o
Dallon, o Brendon só é um pouco mais fraco que eu.” Ian explicou e a menina fez um
pequeno bico. “Mas eu vou sempre cuidar de você, hm?”

Sarah sorriu e abraçou Ian bem forte. Ela pareceu ter lido os pensamentos dele naquele
exato momento. Meu amado precisava de um abraço forte. Ele não tinha a menor
condição de cuidar de alguém daquele jeito, mas era Sarah, e tinha meu pedido. Ele só
queria achar um motivo para viver e mesmo que seu corpo pedisse para que ele se
entregasse de vez a minha ausência.

Como Crawford havia prometido uma música pelos pensamentos de Sarah, eles tocaram
uma música juntos. Ele aproveitou pra ensinar alguns novos acordes pra menina. Sua
mente repetia as minhas palavras da carta: “Não deixe a música morrer na Sarah”.

Demorou algumas horas para que Joshua chegasse em casa e Ian deixou a filha com o
pai biológico. Sua mente estava cheia de lembranças. Lembranças de como era a nossa
vida naquele mesmo apartamento quando ele não passava de um calouro em medicina e
eu era só um patrulheiro. “Bons tempos” pensou ele. Aquele sentimento doloroso de
nostalgia com tristeza, como se uma facada tivesse atingido em seu peito e percebera
que Brendon havia voltado ao tempo da entrega. Entregado-se aos males da bebida e
entendera – talvez de forma atrasada – porque eu largava tudo para ajudá-lo. Meu
amado Ian não se permitiu chorar e tomou o rumo do quarto de Brendon, abrindo as
cortinas e ouvindo os xingamentos exagerados. Ao perceber que a porta estava aberta,
foi fechada com um chute meio violento. A única coisa que tinha em sua mente era
fazer Brendon levantar daquela cama e ser mais útil.

“Levanta.” Ordenou Ian, abrindo as janelas para que o sol inundasse todo o quarto.

“Ai minha cabeça, caralho!” Brendon falou irritado, tapando os olhos com o edredom
que foi puxado bruscamente por meu esposo, jogado ao chão. “Ian, porra, qual é o seu
problema?”

“Você quer que eu diga por ordem alfabética ou apontar você pra um espelho já é
suficiente?” Ian ironizou. “As pessoas te tratam como uma boneca de vidro, Urie, e eu
estou cansado disso!”

“Me deixa em paz, Crawford.” Brendon tacou um dos travesseiros em Ian que o
devolveu ao dono com força. Ele estava tão dolorido, mas tão dolorido que o toque de
um travesseiro o fez gemer irritado. “Me deixa em paz, eu já disse! Eu perdi o Ryan é o
que importa. Eu o perdi pro... Dallon.”

Quando ouviu meu nome proferido por Brendon, Ian sentiu-se pequeno, sentiu-se como
se tudo o que vivera comigo fosse insuficiente. Percebeu que eu tinha razão, que o
Brendon bêbado é outro homem. Percebeu que Brendon sem Ryan é só um cara que não
tem a menor chance de vida; como se seu organismo se alimentasse dos sentimentos de
Ryan. Em um momento curto, isso o fez pensar. Pensar que talvez Brendon não
conhecesse o amor de verdade, só conhecesse a ilusão de estar apaixonado.

Voltando a si, meu esposo deu um sorriso. Ele conhecia a história por outra óptica e era
muito estranho pensar que alguém estava sofrendo por algo tão absurdo. Ian me
conhecia e achava que B também pudesse ter me conhecido o suficiente. Eu sempre
acreditei que todos a minha volta fossem capazes de perceber que o meu coração
pertence a um único homem, que eu não sou do tipo que vou levando pra cama no
primeiro encontro.
Não B. Não sou o Ryan.

“Eu disse pra você confiar em mim e agora você tá jogado aí.” Ian dizia indignado.
“Você não sabe metade do que o Ryan realmente é, mas por um lado é bom. O Dallon
está pagando consequências fortes apenas por ter uma ligação mínima e recente com o
Ross. O D sabe demais, B, e a essa altura ele... ele...” Meu esposo simplesmente não
conseguiu terminar aquela frase. A falta de notícias e a falta de eficácea da força-tarefa
que se armou em torno de meu resgate, o fazia pensar que eu morri.

“Eles estiveram juntos, aceite isso! Não duvido em nada que eles tenham fugido juntos”
Brendon tentou gritar, mas o mundo em volta girou o suficiente para mantê-lo na cama.
Ian ergueu a sobrancelha e negou com a cabeça, irritado, começando a gritar:

“O que caralho você conhece do Dallon Weekes?” Disse, olhando dirtamente para Urie
que arregalou os olhos. “Quando ele conheceu você, eu já o conhecia. Ele era outro
cara, Brendon. Outro! Você e seu maldito egoísmo o tiraram de mim, e agora você tem
a ousadia de falar que o <i>meu</i> Dallon Weekes esteve com outro homem! Eu
conheci cada pretendente do Dallon antes do Ryan, eu vasculhei cada vida e se o Dallon
não está aqui é porque ele é leal, porque ele é amável, porque ele é justo. Se ele não está
aqui é porque o Ryan o deixou com um pepino nas mãos.”

“Fala baixo.” Pediu Brendon, sentindo sua cabeça batendo como num bumbo de bateria.
“Infelizmente, o D não é tão amigo. Ele tirou de mim o meu motivo de vida.”

<b>“E o seu motivo de vida tirou a vida do meu D.”</b> Ian explodiu finalmente,
assustando meu amigo de uma forma que ele não esperava. “Você tem a Sarah pra
viver, Urie! Ela precisa de você! E eu juro por Deus que se você ofender o Dallon
Weekes mais uma vez eu vou te colocar pra fora dessa casa a ponta-pés.”

Brendon levantou a sobrancelha, como se duvidasse que meu esposo tivesse mesmo
aquela coragem de fazer um homem que era chefe de uma divisão de crimes, que era
tratado como uma boneca de vidro – já que ele era frágil e quase sempre irrecuperável.
O problema era que Brendon não sabia que Ian Crawford-Weekes era mais que um
homem, era um guerreiro e mesmo que não fosse, Brendon estava ofendendo uma das
pessoas que mais lhe estenderam a mão.

Se eu estivesse presente, não me ofenderia. Conheço o B bêbado, mas Ian não era eu.

Ouvindo os gritos de Ian, Marshall e Weston deixaram de lado todas as diferenças para
arrombar a porta e se assegurar que Ian e Brendon não fossem se pegar no soco.
Primeiro porque eu com certeza não aprovaria uma atitude daquela, mas eu conhecia a
raiva que Ian Crawford-Weekes tinha de B.

“Você é apenas o melhor amigo do Dallon, Ian. Não pode se achar no direito de
expulsar as pessoas de suas casas assim!” Brendon disse, indigando. “Quem você pensa
que é?”

Marshall – exatamente quando Ian se impulsionou para ir pra cima de Brendon –


segurou firme a cintura de meu esposo enquanto meu irmão passava na frente dos dois e
enfiou o dedo na cara de Brendon, irritado.

“Ele é <i>casado</i> com o meu irmão!” Weekes alertou. “Essa casa é muito mais dele
do que sua e eu conheço o que esses dois passaram pra ficar juntos! Se esses idiotas te
tratam como uma bonequinha de porcelana eu não faço parte disso! Você é só um
menino mimado, mas não tem o direito de dizer que meu irmão – que ama esse baixinho
ao ponto de enfrentar minha família, a família dele e mais um mundo contra!”

Spencer Smith, que estava fora, ouviu a confusão do elevador. Correu o máximo que
pôde, mas teve que parar quando o telefone tocou. Atendeu, quase desacreditando em
quem estava no telefone com ele: Ryan Ross.

“Smith, consegui ver seus recados.” Dizia Ryan. “O que caralho tá acontecendo pra esse
desespero todo?”

“Tem muita coisa acontecendo por aqui.” Spencer disse. “Eu preciso saber se você já
pode voltar pra Salt Lake. A coisa está mais séria do que se possa imaginar.”
Ryan se sentia pesado, podia ouvir o barulho dos outros em casa. Aquilo era
demasiadamente estranho pra quem conviveu em minha casa alguns meses. Era tudo tão
calmo em minha casa, exceto quando tinha festa.

“Tá tendo festa por aí?” Ross perguntou.

“Quem me dera.” Smith respondeu nostálgico. “Acho que o Ian decidiu dar uns sopapos
no Urie. Se for isso, ele bem que mereceu!”

“Hey!” Ryan disse em defesa do amado, rindo em seguida. “Eu não sei quando eu
realmente vou poder voltar. Minha mãe me falou umas coisas sobre felicidade, mas eu
não posso largar tudo por aqui e correr atrás do Brendon.”

“Ryan, tá sentado?” Spencer perguntou. “O que eu vou te contar é muito forte e eu acho
bom estar preparado. Josh levou a Sarah pra passear, então, eu não preciso usar de
meias palavras contigo.”

“Desembucha.” Ryan falou.

“O Dallon descobriu tudo e mais um pouco de você. Ele sabe demais.” Spencer dizia
baixinho a Ryan, mas alto o suficiente para que ele escutasse. “O D está... morto e ele
morreu pra proteger o seu segredo.”

“Morto?” Ryan praticamente gritou no ouvido de Spencer que chegou a tirar o celular
do ouvido. “Me conta essa história direito, Smith, pelo amor de Deus!”

“Sarah foi sequestrada pelo Carl e D se ofereceu como resgate no seu lugar.” Spencer
falou, resumido a história. “E nós não temos notícias dele há semanas. Ele deixou um
bilhete pro Ian dizendo que aguentaria no máximo três dias de tortura! Esse prazo já
passou faz tempo.”

“Desgraçado, filho de uma égua!” Ryan disse, irritado. “Eu juro que dou um tiro na
cabeça desse Windsor maldito e ele nem vai ver de onde veio!”
“Dallon disse mesmo que você ia vingá-lo.” Spencer encolheu os ombros. “Depois que
o Dallon sumiu, a Hayley decidiu se infiltrar na gangue do Thunder e decidiu que
descobriria cadê o corpo do Dallon, mas perdemos o contato dela também! E pra piorar
tudo isso, o Brendon voltou pro alcoolismo.”

“Você só pode estar brincando!” Ryan falava, como quem não acredita. “Eu volto em
duas ou três semanas--”

“Ryan, em tudo isso de tempo, não vai sobrar mais nada.” Spencer falava, suspirando.
“Ian já está pra matar o Brendon, está tentando trazê-lo pra realidade, sendo segurado
por Marshall e o Weston. A Sarah precisa do Brendon pai mais do que tudo nesse
momento!”

“Eu vou <i>tentar</i> ao máximo chegar aí em dois dias.” Ryan avisou. “Por aqui
também tá uma bagunça!”

“Eu espero você, então.” Antes que Ryan pudesse responder, Spencer desligou o
telefone e foi correndo ao quarto de Brendon. Os ânimos pareciam mais calmos. Weston
havia deixado Brendon sem muitas defesas e depois de saber do casamento, Brendon
estava mais preocupado em se perguntar se eu realmente valia a pena.

Esse era um tipo de pergunta que eu jamais faria! Ele não sabia que fora o pivô de
várias discussões minhas e de meu esposo, talvez porque ciúmes cegam!

Enquanto eles estavam vivendo um caos completo, eu estava tentando resistir,


conhecendo intimamente a essência da palavra sofrimento e enxergando as
possibilidades como morte e mais morte ainda. Continuava sentado naquela mesma
cadeira de plástico, algemado, com os pulsos feridos pelas algemas. Eu sequer sabia
mensurar quanto tempo estava lá, preso, sem poder fazer muita coisa por minha própria
vida. A verdade era que eu estava ponderando entregar parte do que eu sabia de Ryan
Ross para me livrar da tortura e conseguir algum tiro de misericórdia. Eu estava pronto
pra entregar Ryan não por minha vida, mas por minha morte.
Eu sabia muito bem que no meu estado, não ia sobreviver tanto tempo. Eu sabia que eu
deveria ter mais ou menos uma ou duas horas de vida. Perdi muito sangue, muito suor.
Não comia direito a dias e não sabia muito bem o que era água depois de todo aquele
tempo. Paige, quando me levava as frutas diariamente, dizia que frutas tinha açúcares e
água. Ela poderia até ter razão, mas eu não me sentia lá muito bem hidratado.

Por mais estranho que parecesse, eu não tinha muito orgulho de mim por ao menos
ponderar a entrega dos dados. Era como se eu não tivesse cumprido corretamente a
missão que um comandante de escala maior me dera. Eu deveria morrer e não entregar
Ryan, mas era tão mais fácil em teoria. Eu estava tão sem norte que mal conseguia
enxergar, não identificava mais nenhum rosto, não discernia mais nenhuma voz. Todos
falavam comigo, me espancavam, me queimavam com cigarro e eu já não tinha forças
nem mesmo para me debater.

Luke estava certo, eu morreria sem saber exatamente por quem! Eu só queria que meu
carasco aparecesse logo de uma vez e acabasse com minha dor. Eu sei que isso não soa
muito parecido com minha personalidade, mas era tudo o que eu conseguia sentir. Eu
desisto de tudo.

Existem boatos de que quando se está para morrer, um filme de sua vida passa diante de
seus olhos. Eu estava vendo um desses, tendo a consciência me fazendo em zig-zag.
Não sei dizer como eles me reanimavam, mas quando eu voltava, eu voltava pior, mais
fraco.

Senti uma ponta metalizada afundar em meu pescoço: “Você tem uma última chance,
Weekes. Cadê o Ryan?”

“Ian?” Chamei baixinho. “Como eu sou f-fraco.” Sabe quando você perde a noção do
tempo e do espaço e qualquer um é qualquer um. Minha mente acabava de me dar um
nó completo e eu só conseguia pensar em Ian. Só nele e mais ninguém. “Eu sou...
fraco.”
Um deles – e devido ao cabelo que eu sentia roçar perto de minha orelha, eu acredito ser
Joey – passou outra vez a faca em meu pescoço e disse baixinho: “Você tem que me
dizer onde está o Ryan, pra protegê-lo.”

“Eu vou morrer! E quem protege você?”

“Fala logo, desgraçado!” Gritou “Você é um fraco, desgraçado e eu tenho nojo de você,
Weekes!”

A faca afundou em meu pescoço um pouco, eu sentia o sangue quente correndo. Se era
Ian, eu podia falar. Ele tinha razão,Ryan precisava de proteção. Então falei: “Eu vou
morrer! Mas eu não sei onde ele está. O Ryan é espeto, Ian, escorregadio. Ele tem uma
loja de artigos de kart e eu sei que ele é agente duplo! Ele é perigoso demais, não sei se
ele precisa de proteção!”

“Ele vai te vingar.” Joey falou baixinho.

“Ele vai.” Assenti sem força. “Eu queria prender o George II, mas não consegui uma
localização exata.”

E então eu desmaiei. O que aconteceria comigo estava nas mãos dos meus inimigos.

Todo mundo fala.

Três dias se passaram desde que meu sofrimento pseudo-terminou. Hayley estava
voltando para casa junto com Paige. Fora Paige quem conveceu a garota que era hora de
sumir, que seus superiores a caçaria como quem caça um rato e que, com certeza,
sobraria para a filha e Joshua. Três dias depois de minha tortura, Hayley voltou pra casa.

Ao chegar, encontrou o clima estranho. Brendon jogado ao sofá com uma garrafa de
whisky ruim na mão. O que Ian falou para ele não tivera grandes resultados e a notícia
de que Ryan estava voltando para ajudar a me achar só piorara a situação. Brendon se
achava incapaz de olhar novamente para Ryan sem sentir os seus sentimentos se
embaralharem novamente, como cartas no baralho. Ele não sabia se estava pronto para
pôr sua história em pratos limpos e estava tão sem esperanças que sequer para receber a
melhor amiga ele se levantou.

Sarah, que estava próximo a ele, perto de Joshua, saiu correndo e abraçou as pernas da
mãe, estranhando a presença da garota e também da arma que ela tinha na cintura. Sarah
sorria e chorava ao mesmo tempo, como havia sentido falta dela. A entrada das duas
garotas fez todo mundo correr para a sala e quando Ian viu a irmã ele praticamente
desabou. Paige Crawford e Ian sempre foram muito amigos, mesmo com a barreira que
se criara entre os dois. A menina abriu os braços e Ian correu feito um desesperado pra
eles.

Joshua não conseguiu parar de sorrir ao ver a mulher de sua vida a salvo. Como seu
coração ficou alegre com aquela visão. Hayley com a filha no colo, a enchendo de
beijinhos. Joshua não se aguentou, entregou a pequena Sarah para a irmã e roubou um
beijo da garota. Hayley que chorava em silêncio, cujas lágrimas caiam livremente por
seus olhos, não conseguiu não corresponder algo pelo qual ela ansiou. A adrenalina de
não saber como seriam seus dias dentro de uma gangue lhe fez perceber que estar sem
Joshua foi um erro, principalmente depois de descobrir que ele fez isso para poder ficar
vivo. Como ela o amava e sabia que era amada da mesma forma! Quando eles se
soltaram, Hayley cumprimentou dando um abraço em um por um.

Spencer sentiu como se um peso saísse de suas costas, mas sabia que tinha algo muito
errado naquele momento. Que <i>Paige</i> jamais a traria se não tivesse algum plano
armado contra ela. Embora a situação fosse feliz de um modo geral, o olhar de Hayley
continuava perdido e entristecido. Paige levou Ian para cozinha junto com Weston e
Marshall. O que ela tinha para dizer seria a pior notícia de sua vida.

“Eu não pude fazer nada pelo Dallon.” Hayley disse aos outros. “Sequer o vi, nenhum
só dia, mas a Paige me contou o que houve com ele.”

“O que houve com ele?” Perguntou Zac e Hayley apenas negou com a cabeça.
“Eu só vim pra cá para me despedir.” Hayley disse. “Está na hora de eu sumir por um
bom tempo. Sumir de verdade. A policial Hayley Williams vai deixar de existir até ser
seguro novamente.”

“Eu não vou deixar você sumir de novo.” Sarah disse com os olhinhos cheios.

“Eu vim me despedir de todos, mas eu quero levar a Sarah comigo. Vão descontar nela
a minha sumida.” Hay dizia em prantos. “Eu vim buscar minhas coisas.”

“V-você não vai sem mim.” Joshua disse. “Eu não suporto mais sua ausência. Não
suporto, simples assim.”

“Tudo bem, Josh.” Suspirou. “A coisa ficou mais séria do que vocês podem imaginar.”

Enquanto isso na cozinha, Paige segurava a mão de Ian e estava sentada na frente dele,
olhando em seus olhos. Seu coração doía em ter que dar tamanha notícia para o irmão.
Esse tipo de notícias nunca deveria chegar a ninguém.

“Dallon é um grande homem, maninho, com uma lealdade que eu nunca vi antes. Estou
impressionada com ele.” Avisou Paige com um olhar de pesar. “Eu nunca vi ninguém
resistir às pancadas como ele o fez e olha que eu já vi muitos julgamentos do tráfico na
minha vida.”

“O que aconteceu com ele?” Ian perguntou. “Ele tá vivo?”

“Eu duvido muito.” Paige abaixou os olhos. “Eu fiz o que eu pude por ele. Arrisquei
minha cabeça ao enfrentar o Joey pra cuidar dele enquanto pude, mas num dado
momento, eu não pude mais fazer nada.”

“Chega de enrolar, Paige, o que aconteceu com o Dallon?”

“Ele apanhou muito.” Ela contava baixinho. “Ele foi dado pelo Carl ao Joey como
acordo de boa vontade, já bastante machucado, mas vivo. Depois ele passou apenas às
frutas que eu consegui lhe dar e no julgamento ele foi torturado até chegar a um ponto
de estar praticamente irreconhecível, quase sem forças.”

Ian parecia sequer ouvir a irmã, suas forças se esvaíram de seu corpo e as lágrimas dele
caíam por seus olhos de forma livre conforme a irmã dele relatava cada tortura, cada
coisinha que eu passei. Ela esteve ali quase o tempo inteiro e ela sabia de uma coisa:
agora era a hora de tomar lados. Sabia que seria a última vez que veria seu irmão,
porque havia decidido que não suportaria mais as torturas que os outros passasem. Ela
protegeria Hayley de Joey e sua fúria.

“E-ele está desfigurado?” Dizia Ian incrédulo. “Eu vou matar aquele desgraçado do
Thunder!”

“Ele chegou a perder a consciência por várias vezes, mas aí eu sai. Eu precisava manter
Hayley segura. Era isso que, com certeza, ele queria que eu fizesse. Agora eu preciso
sumir com ela e procurar o Dallon.” Paige engoliu em seco. “Joey jamais me diria onde
ele foi deixado, mas tenho certeza que foi em um lugar sujo e cheio de lama. É clássico
deles.”

“Eu quero achar meu marido, Paige.” Disse ele. “Eu o quero comigo.”

“Eu sinto muito, Ian.” Disse ela baixinho. “Sinto muito mesmo.”

Weston não conseguia falar nada. Uma notícia como aquela, uma morte terrível. A
única coisa que ele conseguia pensar que tinha sido bom – de certa forma – que não me
mataram com amônia. Como é que ele diria a toda nossa família que eu estava morto
para tentar salvar um amigo de uma injustiça? Como se dá tal notícia? Eu estava morto
e sequer havia um corpo para velar.

“Eu queria vê-lo.” Ian dizia entre lágrimas. “Só vê-lo me seria o suficiente.”

“Eu acho que ele gostaria que você guardasse apenas bons momentos dele, meu irmão.”
Paige disse. “Não o procure, eu o farei e aviso quando encontrá-lo. O trago pra cá, não
importa como eu o ache.”
“Eu devia prender você.” Weston resmungou, como se um resquício de razão ainda
quisesse falar dentro dele. “Mas sei que a Hayley não tem chance sem você.”

“Obrigada.” Paige disse, dando um beijinho no rosto de Ian. “Cuida bem dele, tudo
bem?” Paige levantou os olhos para Marshall. “É o que eu tenho de mais valioso.”

“Eu vou tentar.”

Despedidas nunca foram meu forte. Na verdade, despedidas sempre doem muito mais
do que as chegadas. Paige nunca havia chorado na frente do irmão, Ian também nunca
tinha chorado na frente dela. Os dois estavam em prantos. Marshall e Weston presentes
na cena não podiam acreditar no que estava acontecendo. Uma morte mudava uma vida.
Uma morte destruía um lar e uma família. Uma morte destruía as amizades mais
sinceras.

Brendon sentiu então que só o álcool seria seu companheiro. <i>Uma morte</i> tirava-
lhe o fôlego de vida e lhe dava culpa. Como pudera ser tão estúpido a respeito de um
amigo a quem confiara? Eu estava morto, Ian estava dilascerado e ele estava se sentindo
culpado.

Culpado por insistir tanto em entregar o Ryan. Em sua mente, se o Ryan aparecesse, sua
filha estaria a salvo. Agora, por sua <i>culpa</i>, por uma <i>misera</i> morte ele se
via sozinho. Sem Ryan, sem Hayley, sem Sarah e sem mim. Que motivos ele teria para
viver?

A filha dele atravessava a porta e levava consigo um pedaço de seu coração.

“Até nunca mais, filha.” Ele disse enrolado e bêbado, depois que a porta se fechou atrás
de Joshua, Paige e Hayley. Apesar de saber que era o melhor para eles, de uma forma
infantil e distorcida, Sarah ainda chorava. As coisas que deixava para trás seriam apenas
cicatrizes daqui a alguns anos.

Apenas <i>uma morte</i>.


<u><b>Fim do Capítulo Dezesseis.

Dezessete: One of those nights when you leave me for no reason I’ll give you a
reason.
Título: One of THOSE nights – The Cab.</u></b>

<i> Chicago, 2002.

A chegada de Ryan a Chicago não foi das mais tranquilas e muito menos das
mais agradáveis pra ele. Seu coração ainda doía muito mais do que deveria doer,
porque seus pensamentos estavam em um certo garoto que havia sido deixado pra trás.
Mas mesmo que com o coração na mão, Ryan estava lá, se fingindo de firme e forte
para sobreviver.

Chegar em Chicago não foi fácil e por isso ele sabia que tudo o que aliviaria
era uma boa dose de tequila. Deixou o pai sem maiores satisfações e procurou um dos
bares. Entrou e pediu uma bebida. Uma que virou duas, duas que viraram cinco e cinco
que viraram dez. Quando percebeu estava completamente bêbado. Não fazia a menor
questão de ficar sóbrio, porque sóbrio doía bem no fundo de seu coração. Ryan estava
cansado de carregar pesos, mas sabia que toda vez que pensasem em Salt Lake, se
lembraria de como foi feliz e se lembraria que seu pai estava certo.

Nunca havia visto seu pai da forma que o vira. A maioria das vezes, via seu pai
como um carrasco, mas tinha agido como um herói. Esperava todos os dias o seu B lhe
mandar uma carta, mas a correspondência nunca chegava. Esperando achar um novo
Brendon, Ryan bebia feito um louco. Amava demais um homem, mas não poderia tê-lo,
então, teria os outros em uma louca fantasia de amor impossível.

Ryan voltou a sua antiga rotina de caça e balas. Treinava sua pontaria – que
era excelente – e sua sobrevivência todos os dias com seu pai durante o dia e, durante a
noite, ia para bares, bebia até perder os sentidos. Tinha vários amantes, amantes dos
quais jamais se importaria sequer com os nomes. Ele era Ryan Ross soberano. O
homem que não dependia emocionalmente de ninguém.

A ausência de meu amigo Brendon se tornou um combustível pra fazer ainda


melhor o que ele sempre fazia. Atirar, matar, se sobressair soberanamente. Uma noite
apenas que Brendon não foi lembrado. Uma noite que Ryan achou que conseguiria ser
o antigo Ryan. Quando me refiro ao antigo Ryan, estou falando de um que já havia se
conformado com a vida que levava, com ser somente um prodígio do crime. Ryan se
sentia emocionalmente estável para tentar qualquer aproximação. Era a bebida que o
fazia achar que ele era o antigo Ryan, mas na verdade a ausência de B era sentida
como um inferno maldito. Ryan passou a noite com um ruivo. Um ruivo gostoso a final.
Ryan Ross ainda sabia ser um bom amante.

“Wow, você foi incrível.” O ruivo dissera a Ross que sorriu sem emoção. Ele acendeu
um cigarro, fumou sem se importar com que o outro dizia de fato ou mesmo queria.
Seus desejos foram supridos e agora não tinha mais qualquer utilidade para aquele
ruivo. Seu coração o condenava por ter traído Brendon. O coração de Ryan deixava
claro que estava desconfortável com o outro perto. O tal ruivo tentou carinho, mas Ry
se desvencilhou.

Por mais que durante o ato em si, Ross tenha esquecido de como era B e todas as
outras vantagens, tudo voltava a ele como um furacão.

“Eu devo te ligar?” Perguntou o inocente ruivo que sequer interessava de fato o nome
ou idade. Ryan negou com a cabeça. “Então você vai me ligar?”

Um meneio negativo foi suficiente para o ruivo entender que ele fora só um jantar para
Ryan Ross. Um jantar e nada mais.

Boston, 2003.

Embora o pai de Ryan, e ele, tivessem parado de atirar por aí nas pessoas
supostamente indefesas, eles não pararam de se mudar tanto assim. O pai de Ryan fez o
menino compreender que sua vida ainda não era normal, que a polícia devia esquecer
um pouco da existência deles antes de abrir o tal negócio de kart que seu pai tanto
havia falado.

Por algum tipo de milagre, Ryan não decidiu ir beber naquela noite. Ele se sentia
cansado de tudo o que estava vivendo. O fato de se sentir incompleto, sozinho e
substituível já era uma certa rotina. Tentava fingir que esses fatos não lhe
incomodavam mais. Eles incomodavam a final.

Ligou a televisão da casa de seu pai, mesmo que não estivesse com qualquer vontade de
assistir. Estava querendo compreender como as pessoas normais viviam. Pegou uma
pipoca e escolheu um canal qualquer que estivesse passando alguma coisa legal. Achou
um filme, “Mystic River”, e decidiu que assistiria. Não que estivesse interessado, mas
parecia razoável assistir um filme de polícia. Não que ele fosse lá muito fã de filmes
policiais, mas qualquer coisa para distrair. Ryan sempre torcia para o bandido.

“Ryan.” George chamou.

“O que você quer?” Ryan respondeu ríspedo.

“Olha aqui.” Ryro virou o rosto e encontrou em cima do sofá um violão. Ryro quase
não acreditou no que estava vendo, ficou esático. O filme parecia um pouco menos
interessante diante de um novo violão preto, reluzindo um brilho que ele não conhecia
igual. “Eu comprei pra você, porque você só sabe fazer música e atirar, lembra?”

Música lembrava Brendon. Brendon remetia a felicidade. Uma coisa que ele nunca
mais ia ter em sua vidinha nada pacata. Havia de se acostumar.

“Tira isso daqui.” Ryan quase ordenou. “Eu não quero nem saber desse negócio de
música. Nunca mais. Tudo isso aí é um bocado de lixo, idiota.”

George, o pai, arqueou a sobrancelha. Não poderia acreditar que o filho que há algum
tempo atrás queria viver de música, chamara um instrumento tão bonito de “lixo”. Na
verdade, aquele instrumento era o melhor presente que seu pai julgara estar dando.
Mas George não sabia do juramento que Ryan fizera; que nunca mais seria capaz de
tocar porque apenas quem está feliz, canta.

Engraçado dizer uma coisa dessas. A mente de Ryan era um pouco teimosa em crer em
algo assim. Ele se esquecera completamente de que a música é uma das coisas
essenciais até mesmo na infelicidade. Quando você pensa em fossa, sendo homem, você
pensa em bar, cerveja e música de corno. Se você é mulher, você pensa em chocolate,
música triste e pijama. Em ambos os casos, a música sempre está presente. O mundo
não foi feito para viver sem ela. Nunca.

“Eu sei que você ainda sabe tocar.” George falou. “Que sente falta, meu filho.”

“Você não sabe de nada.” Ryan girou os olhos e voltou seus olhos para o tal filme na
televisão. “Você não me conhece! Não pense que só porque eu te ouvi em Salt Lake
que eu mudei!”

Era mentira. Ryan havia mudado demais a concepção que tinha sobre as coisas e,
principalmente, sobre o pai dele. Tinha mudado porque tinha visto o pai por um ângulo
diferente. Tão diferente que Ryan perdera os argumentos que tinha contra ele. Tudo
estava diferente dentro de Ryan, mas ele era suficientemente idiota pra não ver.

George II era um cara sábio, preferiu não brigar, apenas deixando Ryan sozinho com o
violão. Ryan Ross se viu obrigado a resistir a algo que lhe chamava, a algo que lhe
partia o coração. Algo que amava. O problema estava na última parte. Brendon era a
música dentro dele e sem B não havia motivos suficientes para tocar. Aquilo desiludiu
George. Talvez tivesse sido um erro tirar o filho de Salt Lake.

Washington, 2004.

Em dois mil e quarto, Ryan desembarcou Washington captial. Estava cheio de planos e
sonhos porque seria uma nova vida. Seu pai lhe prometera uma aposentadoria das
armas e das matanças. Acabaram as viagens, acabaram as horas de adrenalina
atirando em pessoas e os gritos implorando por suas vidas. Acabaram os bares, os
homens no quarto de Ryan implorando para serem fodidos.
Ryan ainda sentia falta de Brendon como nunca achou que fosse capaz de sentir falta
de alguém em toda a sua vida. E, para um homem frio, calculista, sem coração, isso era
demais para um homem como ele.

Washington, uma capital. Washington, um lugar que surpreendera a Ryan quando o pai
escolhera. Um lugar político, onde todo mundo quer sempre matar todo mundo, que
tem políticos que por vezes são corruptos, mas que jogam um jogo tão sórdido e
asqueroso que quase se igualava a estar sempre armado matando pessoas por aí.

A promessa de seu pai ecoava feito um inferno na cabeça de Ryan que não tinha noção
de onde o pai arranjaria dinheiro para montar uma loja de kart. Não sabia exatamente
de onde o pai entendia dos carrinhos de corrida, mas estava depositando ali a
esperança desesperada de ser alguém diferente na vida. Alguém que verdadeiramente
merecesse Brendon Urie, o melhor homem que poderia existir.

Meu caro Ryan não sabia o que Brendon estava passando, que ele não era mais o B
que Ryan amava.

Ross esperava ansiosamente uma notícia, ligava várias vezes e não falava nada, apenas
ouvia a respiração de Brendon do outro lado do telefone. Ross esperava que B
compreendesse sua situação, mas não tinha coragem de falar uma só palavra. As coisas
pareciam estar se acertando muito bem. Apenas pareciam.

O pai de Ryan, George – o maldito, estava começando a ficar bem doente e quase não
fechava mais a loja. Já estava fazendo dois meses que ele sentia dores e mal conseguia
respirar. Ryan já estava estudando, se esforçando para ser um bom aluno. Diferente
das escolas por onde passou, na de Washington, Ryan não parecia um rei superior, ele
era apenas um adolescente desesperado por alguma esperança de futuro melhor.

Naquela noite, sob a luz de uma lua cheia, fechando a loja do pai, Ryan viu dois
homens se aproximando. Na esquina estava estacionada uma Lamburghini preta
maravilhosa que fez Ryan babar na hora. Aquele tipo de carro que você só via nos
filmes de Velozes e Furiosos. Os homens vestiam sobretudo, tinham chapéus e umas
calças jeans rasgadas bem maneiras. Ryan tinha que se tornar um homem, mas estava
cruzando com uma Lamburghini cheia de problemas.

“Estamos fechando.” Ryan disse.

“Sabemos.” Respondeu um dos homens. “Só que precisamos de você pra um negócio.”
E abaixou o tom de voz pra falar isso.

“Soubemos do seu outro emprego e precisamos dos seus serviços se achar que pode
dar conta.” O homem falou, enfiando as mãos nos bolsos. Ryan, curioso, ergueu a
sobrancelha, como se perguntasse do que se tratava.

Os dois homens levaram Ross até a Lamburghini e contaram o que ele teria que fazer.
Era arriscado, matar no pega dos carros. Carros muito rápidos e Ryan tinha que ser
muito mais preciso do que nunca fora. Havia algum tempo que ele não se sentia tão
bem por ser desafiado. A melhor parte era que seria pago em dinheiro vivo e a
Lamburghini em que eles andavam.

Recebeu metade do pagamento e a chance de dirigir um carrão. No começo, a proposta


até começou a ser negada, mas logo ele a topou. Muita coisa junta: o dinheiro, o
desafio, o carro. Não dava pra negar.

E eficiência no trabalho era o nome do meio de Ryro.

Ele se armou, se preparou e fez o serviço com excelência. Logo, além de atirador de
elite, ele se tornou um dos pilotos mais rentáveis. Foi por isso que a loja começou a
encher de gente e verdadeiramente fazer sucesso. Agora o futuro agente do FBI era um
saqueador de cargas em carros de luxo e piloto de corrida.

As festas do pessoal das corridas era a melhor parte de fazer aquilo. Não havia o
menor pudor nas ruas. Transava-se dentro dos carros, bebia-se variados tipos de
bebidas, estava-se cheio de mulher por perto. Apostava-se alto e o pagamento era
recebido ali mesmo. Homens vestidos com roupas largas ou calças skinny descendo até
o chão com garotas seminuas que geralmente vestiam shorts jeans tão curtos que não
lhe tapava nem a bunda e biquínis cortininha. Logo tinha alguém sempre competindo
com o outro na questão de som automotivo.

Quando estava nas festas ou correndo, Ryan não se sentia vazio.

Nas festas, Ryan tinha amantes – homens e mulheres -, ele simplesmente não ligava.
Ali, ele voltava a ser o prodígio amado, com postura e a responsabilidade de ser quem
ele era. A fortuna que acumulou em pouquíssimo tempo era enorme. Era assustador
demais até pro próprio Ryan, mas mesmo assim, ele estava feliz e, chegou um momento,
que ele só queria correr.

Quando eu digo que ele não se sentia vazio, era não sentir falta da música que ele
costumava fazer, era não sentir falta de Brendon, era ter mais dinheiro que poderia
gastar. Dentro de um carro de corrida ou com uma arma na mão, Ryan era
simplesmente outro. Um homem que Brendon não conheceu – e que Ryan preferia que
continuasse assim.

2007.

Ryan parecia um imã para o submundo. Nunca vi nada parecido. Algumas pessoas têm
o dom de atrair coisas, ele, entretanto, tem o dom de atrair criminosos para si. Até eu
me impresiono com essa capacidade. Foi a coisa mais simples do mundo para ele,
chegar e simplesmente conhecer logo o lado mais sombrio da cidade. Foi simples
porque ele era Ryan Ross e onde quer que ele fosse, saberiam quem ele era.

O homem que nasceu pra ser armado, preciso. Que teve a infância roubada por um pai
alcoólatra e uma tradição familiar ridícula: os primogênitos farão parte do crime. Não
importava se isso roubaria sonhos ou não, simplesmente era assim que tinha que ser.
Ryan nasceu pra ser grande no mundo do crime e era o que realmente acontecia. Ele
era grande e havia se tornado subchefe de uma das maiores gangues de corrida do
país: os Fúria Vermelha.

Subchefe, por mais incrível que pudesse soar, pelo fato de ter competência pra isso e
por causa de seu poder de manipulação e envolvimento sexual com Allan Pope, o chefe.
Allan o amava, Ryan fingia que amava e tinha tudo o que bem entendia. Atingia-se a
Allan se atingisse Ryan.

Perigoso e atrativo, como Ross gosta.

Com vinte e dois anos, Ryro já havia se formado no ensino médio, tocava a loja do pai
– que estava seriamente doente com cirrose e era mantido em um caro tratamento em
casa pelo namoradinho de Ryan – com certa maestria, havia até conseguido montar um
kartódromo que era onde os Furia Vermelha escolhia seus novos pilotos. Ele preparou
um exército também, porque, como toda boa gangue, tinha seus rivais. Ryan era
simplesmente o melhor no que fazia até que um dia aconteceu.

Ryan foi preso.

Na sala de interrogatório, Ryro tamborilava os dedos na mesa, como se ela fosse algum
teclado de computador. Claro, a gangue que Ryan participava daria um jeito de tirá-lo
dali com um resgate digno de filme. Mas por hora só queria algo pra comer porque
tinha muita fome. Seus pensamentos se intercalavam entre suspiros e o que Brendon
pensaria se pudesse vê-lo naquela situação.

Talvez se visse a situação do ex-namorado e entendesse porque ele simplesmente o


deixou. Não podia envolvê-lo daquele jeito em algo tão podre. Não podia simplesmente
deixar que as suas escolhas ruins prejudicassem a vida de alguém doce e inocente como
Brendon Urie.

Brendon Boyd Urie, ainda sua vida. O menino com postura de homem que foi um
divisor de águas para o prodígio armado. Que volta e meia o fazia reprometer a si
mesmo voltar a Salt Lake City somente para ver como ele estava, mesmo que fosse de
longe. Ele nunca quis conhecer o amor, mas o amor quis conhecê-lo bem de perto.

“Boa noite.” Spencer entrou e a voz conhecida teve um impacto filho da mãe em Ryan
Ross. O fez até se portar diferente. Não entendeu nada do que estava acontecendo. A
carta de Brendon não havia chegado até ele. Era quase que inacreditável. Um menino
que tinha tudo para ser rebelde, porque as irmãs recebiam tudo o que deveria ser pra
ele, estava ali, sendo parte integrante da lei. “Eu sou o agente especial Spencer Smith e
tenho algumas perguntas pra fazer.”

“Olá, Smith.” Disse Ryan com todo o cinismo possível. “É bom te ver de novo.”

Os dois quebraram um protocolo enorme. Os dois riram. A conversa entre polcial e


bandido foi um pouco mais leve do que deveria ser e Ryan contou sua vida pessoal pro
agente, como se aquilo fosse um encontro de simples amigos numa praça. Quando
ouviu a frase “Gangues de Salt Lake City” Spencer sentiu-se aliviado por Ryan ter
deixado Brendon em paz, mesmo o tendo devastando.

Ali mesmo, no FBI, Spencer soube que Ryan escreveu uma carta e que nunca havia
recebido resposta. Ali mesmo Spencer soube que o que Ryan sentiu por Brendon era
muito real, obrigado. Ele mudou o conceito que tinha sobre Ryan naquele mesmo
momento.

Enquanto Spencer olhava para o que ele viveu em Salt Lake City, o parceiro dele na
época viu em Ryan algo extremamente valioso. A chance de pegar Allan Pope sem se
esforçar muito. Além do que, os dois, fariam história no FBI por conseguir entrar
dentro da gangue chefiada por Pope que era o sonho de muitos policiais da capital.
Num mundo onde os maiores crimes são os do colarinho branco, ainda tinha gente que
se preocupava com os crimes de rua.

Irônico, não?

A proposta veio. Ryro sabia muito bem que se não aceitasse, não viveria. Se aceitasse,
Pope provavelmente o mataria de uma fora bem cruel. As palavras “Gangues em SLC”
foram o que motivaram Ryan a aceitar a proposta. A vontade que tinha de ser alguém e
voltar para ver Brendon era muito maior que o conhecimento de que Pope poderia ser
a pessoa mais cruel do mundo com traidores. Não importava.

Para não ficar lá muio característico de tal proposta, Ryan apanhou um pouco e foi
solto como se um dos envolvidos com a Fúria mexesse os pauzinhos para tirar o
subchefe da cadeia. Ele conseguiu ir pra casa de Pope e decidiu fazer algo arriscado.
Arriscado até para um cara como Ryan Ross.

Quando chegou à casa de Pope, foi recebido com um beijo tão caloroso que quase não
conseguiu respirar, ainda mais com o fato de que seu nariz estava quebrado. O policial
que ligou avisando da soltura de Ryro contou que ele recebeu a proposta, que ele
aceitou, mas Pope o amava tanto que decidiu que daria uma chance a ele. Uma chance
e nada mais.

Ryan entrou no escritório de Pope condenado a morte. Ele, atualmente, não ligava se
seria morto ou não. Seu coração estava apertado demais, porque não queria magoar
Pope, uma pessoa que lhe deu esperanças quando tudo parecia perdido.

“Me desculpa.” Ryan abaixou a cabeça. “Eu dei um punhado de informações falsas,
mas eu preciso voltar pra Salt Lake e se fingir que sou agente duplo é o caminho, eu
preciso trilhá-lo.”

“O que aconteceu em Salt Lake?” Pope perguntou, erguendo o rosto de Ryan com o
cano de sua Colt. O chefe sabia que Ryan adorava aquela arma por algum motivo.
Aliás, nunca vira ninguém que gostasse e entendesse mais de arma que Ryan. “Pode me
contar.”

“Eu fiz um juramento a uma pessoa e está mais que na hora de cumprir.” Respondeu
Ryan, perdendo seu olhar nos botões da camisa de seu amante. “Não é uma questão de
amor...” Mentira. “É uma questão de ódio, acerto de contas. Depois que eu matar o
filho da puta do Windsor, eu te deixo me matar, porque eu sei que mereço.”

“Pode ser.” Pope sorriu. “Pode até merecer, mas eu não quero te matar. Você tem
tanto valor pra minha Fúria que pra Polícia. Se você me contou, pode me fazer um
trabalho... Eu limpo sua ficha aqui, você sabe que eu posso. Digo que foi ordem minha
que você aceitasse a proposta caso eles fizessem, mas pra você ser agente duplo.”

Ross ergueu a sobrancelha. “Eu faço.”


Ele não estava em condições de negar nada a ninguém. Simplesmente.

A realidade de Ryan mudou completamente quando isso aconteceu. Ele passou a


frequentar menos corridas, a passar mais tempo estudando. O desespero estava
batendo nele, a final, não era tão convencional estar perto do que ele queria.

Algumas consequências viriam, mas tudo bem pra ele, a final... Tudo estava
conspirando contra ele, mas ao mesmo tempo, ao seu favor.

Seu pai, diagnosticado com cirrose hepática, vivendo escondido numa fazenda sem nada
junto com a mãe de Ryan e o irmão, Jordan, que ficara responsável pela segurança
deles. Bem, se ele não fosse tão atrapalhado daria tudo certo.

Mas isso é outra história. História pra outra hora.

<u><b>#Fim do capítulo dezessete#.</u></b>

Dezoito: I do not mind if I die trying.


Título: How – Maroon 5

Quando estamos do lado mais escuro do mundo, nós tendemos a querer saber porquês,
comos e quandos. “Por que está acontecendo?”, “Como vai acabar?”, “Quando vai
acabar?”. Às vezes, tudo o que queremos saber é quando o dia vai amanhecer do nosso
lado do mundo. É desesperador e complexo demais de se olhar a situação com outros
olhos. A lua brilha mais quando está perto do amanhecer e é justo quando ninguém
aprecia tal coisa. Quanto mais tempo nas sombras, menos estamos preparados para
encontrar a luz.

Meus amigos estão passando justamente por essa parte da vida, a hora mais escura de
cada uma delas. E cada uma por motivos diferentes. A pior parte é que eu sei bem que a
culpa, ou ao menos parte dela. Eu me deixei levar por tudo o que estava acontecendo e
agi por impulso, por medo da injustiça. Acabei levando gente demais para uma batalha
que não era nem minha. Agora eu estava apenas na lembrança de quem me vingaria.
Depois de uma ligação de Ryan para Spencer, colocaram as sugestões dele em prática.
Um monte de mentira foi inventada e meu corpo passou a valer dois milhões de dólares.
Disseram que eu fazia não sei o que e conseguiram colocar uma recompensa boa e bem
alta por informações que levassem ao meu corpo. Segundo meus amigos, eu merecia um
enterro digno. De fato, eu concordo. Mas dar uma recompensa alta – de dois milhõesde
dólares – haveria trotes e era um tiro no escuro e eles nem sequer sabiam ao certo onde
isso chegaria ou se acertaria alguma coisa. A pior parte era não saber sequer qual era o
alvo.

Por mais que as coisas estivessem feitas, talvez Brendon fosse o único que tivesse
alguma coisa para comemorar com o meu desaparecimento. A coisa toda era bem
simples, Brendon conheceria um lado de Ryan que ele não estava acostumado, que ele
nunca tinha visto e que talvez tivesse medo. B conheceria o “Prodígio armado” e não
tinha nada que poderia ser feito quanto a isso além de liberar o perdão e tentar entender
que alguém doce como ele era não merecia a vida que estava reservada para ele ao lado
de um mercenário conhecido e idolatrado pelo submundo não era boa. Por outro ângulo,
Ryan não estava nada feliz em deixar que Brendon conhecesse aquele lado sujo de seu
passado. Um lado que ele queria esquecer de um passado que ele fingia amar Pope
enquanto pensava em Brendon.

Fazer o caminho para minha casa não era algo feliz, mas sabia que era algo necessário.
Carl havia passado de qualquer limite com sua obsessão pelo Brendon. Ainda mais que
Ryan estava sabendo bem por cima do que eu tinha sido capaz de fazer pra salvar sua
pele. Estar com raiva era um direito, mas ter sangue nos olhos já era demais. O ódio que
ele sentia já tinha ultrapassado barreiras aceitáveis há anos, mas naquele dia em
especial, enquanto o táxi o conduzia para minha casa, Ryan estava tão irritado,
entristecido e perturbado que parecia mesmo o homem de seu passado. Talvez a estadia
com seus pais tenha o feito mais mal do que bem – mesmo que a conversa com Sandra
tivesse sido bem promissora.

Quando chegou ao prédio, pagou o taxista e pegou suas malas, e depois o elevador. Os
pensamentos fervilhavam em sua cabeça e seu coração estava doendo tanto porque veria
o estado em Brendon havia chegado e não faria absolutamente nada para salvá-lo. Não
estava ali para reconquistar Brendon de uma vez por todas, estava ali para acabar com a
bagunça que Windsor estava fazendo. Estava cansado de ter que sair para cuidar de seu
pai ou qualquer coisa assim e Windosor se achar rei de SLC. Estava cansado de agir na
encolha e de renegar o passado. Agora que precisava contá-lo por inteiro ao Brendon,
nada mais importava. O amor de Ryan por Brendon era tão, tão forte que resistia, agora
o de Brendon por ele era muito mais frágil, ao ponto de acreditar piamente na mentira
criada para protegê-lo.

Da porta dava para ouvir os telefones tocando da força-tarefa. Não conseguiu não dar
um leve sorriso nostálgico, pois havia passado bons momentos dentro daquele
apartamento. Agora voltava lá para uma vingança que o deixava cego. Se na primeira
vez que esteve em SLC participou de uma guerra armada, dessa vez, ele mesmo a
declararia. Se morresse ali ou através das mãos de Pope tanto fazia. Sem muita
coragem, abriu a porta de minha casa e não encontrou ninguém conhecido. Ainda estava
com a sensação de estar completamente perdido, porque pareciam estar escondendo
alguma coisa a mais dele.

“Ryan?” Alex Marshall foi o primeiro a ver Ryan plantado ali perto da porta. Não tinha
tanta intimidade com ele, por isso, um aceno foi o bastante. Ian, ao ouvir o nome de
Ryan, saiu do quarto que pertencia a nós dois e correu até os braços do garoto,
aninhando-se neles como se Ryan fosse sua única esperança, sua salvação. O maior não
se sentiu confortável com a situação, mas não ousou afastá-lo. Ian devia estar preciando
muito de um abraço de um amigo.

“Eu sinto muito.” Ryan falou baixinho pra Ian que assentiu com um sorriso sem
emoção. “Eu torcia por vocês.” Confessou ele, embora não fosse necessário falar. Ryan
foi o primeiro que reduziu nossos problemas e nos deu novas perspectivas de nossa
relação egoísta dos dois lados. Eu só pensava em protegê-lo e ele queria algo de mim
que eu não tinha coragem o suficiente para entregar.

“Obrigado.” Assentiu.

“Então você já está sabendo?” Marshall perguntou, arrancando Ryan de seu momento
paizão com Ian. Ryan voltou a assentir, embora soubesse tudo apenas muito por cima.
Também não tinha certeza se queria saber de tudo por aquele juiz. “Essa morte fez
estragos maiores do que você possa imaginar.”

Spencer então apareceu. Estava com uma cara péssima, até porque, mal tivera tempo de
descansar naquele meio tempo. Desde que colocara seus pés em SLC pra resolver o
caso das garotas queimadas, ele não teve qualquer sossego. Nem sequer chorar a morte
da sua esposa e enteado. Porque quando tinha que ficar triste e se afastar dos casos,
Spencer se afundou no trabalho e agora estava até o pescoço, tendo que ser a sensatez
de uma casa que não pertencia a ele. Tinha que agir como um alicerce de casas
projetadas para suportar terremotos. Spencer nunca reclamava, mas às vezes, ele
parecia querer apenas um tempo para sentir as próprias dores.

O loiro de aparência cansada não conseguiu segurar o sorriso ao ver George Ryan Ross
abraçando alguém tão paternalmete quanto fazia com meu amado esposo.

FS:
-

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FdB:

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