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A ideia de partir de zero para fundamentar e aumentar o próprio acervo só pode vingar em culturas de
simples justaposição, em que um fato conhecido é imediatamente uma riqueza. Mas, diante do mistério do real, a
alma não pode, por decreto, tornar-se ingênua. É impossível anular, de um só golpe, todos os conhecimentos
habituais. Diante do real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber. Quando o espírito se
apresenta à cultura científica, nunca é jovem. Aliás, é bem velho, porque tem a idade de seus preconceitos. Aceder à
ciência é rejuvenescer espiritualmente, é aceitar uma brusca mutação que contradiz o passado.
A ciência, tanto por sua necessidade de coroamento como por princípio, opõe-se absolutamente à opinião.
Se, em determinada questão, ela legitima a opinião, é por motivos diversos daqueles que dão origem à opinião; de
modo que a opinião está, de direito, sempre errada. A opinião pensa mal; não pensa: traduz necessidades em
conhecimentos. Ao designar os objetos pela utilidade, ela se impede de conhecê-los. Não se pode basear nada na
opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é primeiro obstáculo a ser superado. Não basta, por exemplo, corrigi-
la em determinados pontos, mantendo, como uma espécie de moral provisória, um conhecimento vulgar provisório.
O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões que não compreendemos, sobre questões que
não sabemos formular com clareza. Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, digam o que disserem,
na vida científica os problemas não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema que
caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta.
Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. p. 17-18.
2. Para Nietzsche, apenas quando usamos o “chapéu de bobo” a vida é suportável. Segundo esse filósofo, a
arte nos ajuda a deixar de ser “pesados e sérios” e experimentar o pensamento livre.
Nossa derradeira gratidão para com a arte. – Se não tivéssemos aprovado as artes e inventado essa espécie
de culto do não verdadeiro, a percepção de inverdade e mendacidade geral, que até agora nos é dada pela ciência –
da ilusão e do erro como condições de existência cognoscente e sensível –, seria intolerável para nós. A retidão teria
por consequência a náusea e o suicídio. Mas agora a nossa retidão tem uma força contrária, que nos ajuda a evitar
consequências tais: a arte como a boa vontade da aparência. Não proibimos sempre que os olhos arredondem,
terminem o poema, por assim dizer: e então não é mais a eterna imperfeição, que carregamos pelo rio do vir a ser –
então cremos carregar uma deusa e ficamos orgulhosos e infantis com tal serviço.
Como fenômeno estético a existência ainda nos é suportável, e por meio da arte nos são dados olhos e mãos
e, sobretudo, boa consciência para poder fazer de nós mesmos um tal fenômeno. Ocasionalmente precisamos
descansar de nós mesmos, olhando-nos de cima e de longe e, de uma artística distância, rindo de nós ou chorando
por nós; precisamos descobrir o herói e também o tolo que há em nossa paixão do conhecimento, precisamos nos
alegrar com nossa estupidez de vez em quando, para poder continuar nos alegrando com a nossa sabedoria! E
justamente por sermos, no fundo, homens pesados e sérios, e antes pesos do que homens, nada nos faz tanto bem
como o chapéu do bobo: necessitamos dele diante de nós mesmos – necessitamos de toda arte exuberante,
flutuante, dançante, zombeteira, infantil e venturosa, para não perdermos a liberdade de pairar acima das coisas,
que o nosso ideal exige de nós. Seria para nós um retrocesso cair totalmente na moral, justamente com a nossa
suscetível retidão, e, por causa das severas exigências que aí fazemos a nós mesmos, tornamo-nos virtuosos
monstros e espantalhos. Devemos também poder ficar acima da moral: e não só ficar em pé, com a angustiada
rigidez de quem receia escorregar e cair a todo instante, mas também flutuar e brincar acima dela! Como
poderíamos então nos privar da arte, assim como do tolo? – E, enquanto vocês tiverem alguma vergonha de si
mesmos, não serão ainda um de nós!
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 132-133.
a. Segundo Nietzsche, na arte as pessoas podem “descansar de si mesmas”. O que ele quis dizer com
isso?
b. O aforismo citado fala sobre um “espírito livre”. De acordo com sua leitura do texto e a relação entre
filosofia e arte, responda: qual é o significado dessa expressão?
5. De acordo com o que foi visto neste capítulo, explique por que a arte é importante para a vida humana.
7. Reflita sobre a letra da música “A ciência em si” e escreva um pequeno texto, relacionando-a às noções de
mito e ciência.
A ciência em si
8. Com base no texto de Jean-Pierre Vernant, abaixo, indique os “vínculos demasiado estreitos” entre o
advento da pólis e o nascimento da filosofia.
Advento da pólis, nascimento da filosofia: entre as duas ordens de fenômenos, os vínculos são demasiado
estreitos para que o pensamento racional não apareça, em suas origens, solidário das estruturas sociais e mentais
próprias da cidade grega. [...] De fato, é no plano político que a Razão, na Grécia, primeiramente se exprimiu,
constituiu-se e formou-se. A experiência social pôde tornar-se entre os gregos objeto de uma reflexão positiva,
porque se prestava, na cidade, a um debate público de argumentos. [...] A razão grega é a que de maneira positiva,
refletida, metódica, permite agir sobre os homens, não transformar a natureza. Dentro de seus limites, como em
suas inovações, ela é filha da cidade.
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. São Paulo: Difel, 1986. p. 141-143.
9. Considerando a concepção racional de destino, que se refletiu na vida política ateniense por meio da
democracia, de que modo ela se diferencia da concepção de destino derivada da religião, do mito e do senso
comum?
10. Embora muitos considerem que vivemos, hoje, em uma sociedade democrática e que a filosofia, a ciência e a
arte estão muito desenvolvidas, é comum encontrarmos conflitos entre alguma das formas de potência do
pensamento e a mitologia, a religião ou o senso comum, o que prova que essas três formas de pensamento
ainda vigoram entre nós. Identifique um desses conflitos no mundo atual. Qual é a sua posição a respeito
dele?
A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o
universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está
escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras
geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles, vagamos perdidos dentro
de um obscuro labirinto.
GALILEI, G. O ensaiador. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. No contexto da Revolução Científica do século XVII,
assumir a posição de Galileu significava defender a
A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de
todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar,
porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e
fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o
pensamento: Tudo é um.
NIETZSCHE, F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. O que, de acordo com Nietzsche,
caracteriza o surgimento da filosofia entre os gregos?