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Djalma Argollo

Desenvolvimento Pessoal
Uma proposta de individuação
2a Edição
Criação da capa: Café com Leite
Comunicação Direção de Arte: Jamile Buck
Fotografia: Kau Mascarenhas
Diagramação e publicação: Siddhartha Argollo
Copyright © 2010 by Djalma Motta Argollo, Rua do Ébano, AP 202, Caminho das
Árvores, Salvador, BA, Brasil, CEP 41.820-370
Fone-3565-5367
Impresso no Brasil
ISBN: 9781699349588
Djalma Argollo
Desenvolvimento Pessoal Uma proposta de individuação
“A alma não é de hoje! Sua idade conta muitos milhões de anos. A consciência individual é
apenas a florada e a frutificação própria da estação, que se desenvolveu a partir do perene rizoma
subterrâneo, e se encontra em melhor harmonia com a verdade quando inclui a existência do
rizoma em seus cálculos, pois a trama das raízes é mãe universal” (Jung, 1986, Prefácio à quarta
edição de 1950, pág. XV).
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Argollo, Djalma.
Desenvolvimento Pessoal: uma proposta de individuação, Salvador:
Djalma Motta Argollo, 2019 156 p.
1. Espiritismo. I. Argollo, Djalma, 1940. - Título
CDU – 133.7 CDD – 133.9
Índice para catálogo sistemático: 1. Espiritismo 139.9, 2. Psicologia Analítica 150.1954
Para minhas queridas netas e neto:
Liz, Mel, Ana Luiza e Daniel
Almejando-lhes uma vida digna, a realização dos seus mais belos sonhos e uma
individuação plena.
Prefácio

O ser humano já́ realizou o sonho de todas as épocas passadas de ir á lua, pisar seu solo e
olhar a Terra contra o pano de fundo pintalgado dos pontos luminosos de estrelas, galáxias e
nebulosas. Outra memorável conquista foi o mergulho ao ponto mais profundo dos Oceanos: as
Fossas das Marianas, no Oceano Pacífico. Juntando-se a essas proezas extraordinárias estão o
franqueamento dos centros geográficos dos Polos, do Everest, o ponto mais elevado da Terra, e o
coração das florestas tropicais, além da exploração dos desertos e locais mais inóspitos
conhecidos.
Todavia, existe em cada ser humano um local que guarda os maiores desafios, misteriosas
regiões, habitadas por seres mais esdrúxulos do que os que vivem nos abismos oceânicos, nas
fumarolas da A dorsal mesoatlântica ou cordilheira mesoatlântica, ou ainda crista oceânica do
Atlântico. Eles podem ser entrevistos em pesadelos saturados de horror, angústia e desespero;
nos sonhos idílicos e saturados de amor e espiritualidade; e nas lendas, mitos e contos, onde
príncipes, princesas, ogros, duendes, sacis e demais seres fantásticos, vivem ou participam de
mirabolantes aventuras.
Esta região é a psiquê. Sua característica é a absoluta originalidade, que faz de cada um dos
seres humanos da Terra um ser absolutamente único, particular e indivisível; apesar disso, nela
encontram-se similitudes originais e coletivos particulares que nos aproximam um dos outros,
gerando uma superficial e enganosa igualdade.
Cada um de nós é tão singular, e tão desconhecido, que nos surpreendemos, em diversas
ocasiões, realizando e sentindo coisas que nunca imaginamos ter a capacidade de fazer e sentir,
nem nossas mais alucinadas fantasias.
Explorar o universo interior é o grande desafio, mais emocionante do que explorar as mais
profundas cavernas do globo, os variegados e emaranhados cenotes do Iucatã̃ ou os restos de
civilizações nas alturas quase anaeróbicas dos Andes.
É para essa aventura cheia de perigos e gratificações, surpresas e sustos, caro leitor, que
este livro lhe convida. Ele tem por finalidade levá-lo, passo a passo, à compreensão da Psicologia
Analítica e, ao mesmo tempo, conduzi-lo em uma jornada ao encontro de você mesmo e ao
desenvolvimento do seu processo de individuação. 1
É certo que o livro não substituirá́ sessões de análise, feitas com profissional especializado,
todavia, será o ponto de partida que colocará você em contato com seu corpo e sua psiquê,
descerrando os véus iniciais do grande mistério que é você.
Ao final de cada capítulo, serão sugeridas práticas que o encaminharão pela via do
autoconhecimento, passo a passo. Isto porque, o autoconhecimento é o passo inicial para um
desenvolvimento interior, para se resolver os conflitos psicológicos que interferem no
comportamento e na normalidade psíquica.
Assim, uma boa e heroica jornada, com a certeza de que, ao final dela você não será
manchete na mídia mundial, nem receberá os aplausos enganosos das volúveis multidões, nem o
assédio de fãs invasivos e patologicamente incorporados pela inveja dos vencedores. Você será o
espectador solitário de suas vitórias, única testemunha da sua suprema realização, que é a
conquista da opus extraordinária: o lápis philosophorum, pelo qual sofreram e morreram
gerações de pacientes e dedicados alquimistas: a individuação.
1 Para Jung, processo de Individuação é o processo pelo qual a consciência de um indivíduo se se diferencia das outras,
tornando-se singular, superando o coletivo. Vivendo nele, mas não se deixando mais influenciar por ele, do ponto de vista
psicológico. O Ser Individuado atinge o objetivo real da evolução, ou seja, deixa de ser o atual hibrido animal pensante, em
conflito com os instintos, e se torna um ser humano integral.
Quem sou eu?

Qual o meio prático mais eficaz para melhorar-se desde esta vida e resistir às influências do mal?
“Um sábio da antiguidade vos disse: Conhece-te a ti mesmo.” (Kardec, 2007, questão 919).
Sócrates. – Então, poderíamos conhecer que arte nos faz melhores, desconhecendo em realidade os que
somos nós mesmos?
Alcebíades. – De modo algum.
Sócrates. – Acreditas, por acaso, que é coisa fácil conhecer-se a si mesmo, que era um homem vulgar o
que pôs isto no templo de Delfos ou, pelo contrário, que não está ao alcance de qualquer um? (Platão,
1974, p. 256).

Podemos adquirir, em tese, qualquer tipo de conhecimento, ao qual dedicássemos tempo,


atenção e perseverança. Mas existe um conhecimento que é um desafio, e que pode escapar a
uma aquisição completa: o conhecimento de nós mesmos.

Como se pode ver, pelas citações em epígrafe, tanto Sócrates (cerca de 469 – 399 a. C.),
segundo Platão (428/427 – Atenas, 348/347 a.C.), quanto do Espírito de Agostinho de Hipona,
em O Livro dos Espíritos, afirmam que somente podemos nos tornar melhores se, e somente se,
conhecermos a nós próprios.
Afirma a História do Pensamento que a frase γνώθι σε αυτόν, (conhece-te a ti mesmo),
estava escrita no frontispício do templo de Delfos, onde o deus Apolo, através da Pitonisa, dava
prognósticos simbólicos, aos que o buscavam para ter uma ideia sobre o que o futuro reservava
para si ou sua comunidade. A autoria da frase é atribuída a Tales de Mileto (625/624 – 58/556 a.
C.).
É interessante que, num local destinado a fornecer, mesmo que rápida, uma precognição
sobre eventos futuros, os consulentes fossem instados a se conhecerem. Ou seja, o deus alertava
quem o consultava, que não bastava a antecipação do futuro, mas era necessário um
conhecimento sobre si mesmo, talvez para que pudesse fazer bom uso do que lhe fosse revelado.
Conhecer-se, pois, é o desafio! Mas não se espere que a tarefa seja fácil, como parece. Ao
começar a pensar sobre si, descobre-se que existe uma pequena parte de nós que é razoavelmente
conhecida: Em geral, todo mundo sabe o que está fazendo agora, e o que fez até um período
razoável de tempo passado; sabe seu nome completo e onde nasceu; normalmente sabe quem são
seus pais; sua história pessoal; o que faz; quem são seus irmãos e parentes; do que gosta e do que
não gosta, mas de um modo relativo, pois existem muitas coisas no mundo interior,
desconhecidas, e portanto não se pode saber se gosta-se delas ou não. E assim sucessivamente.
Vamos fazer alguns raciocínios sobre a área a respeito da qual o conhecimento da imensa
maioria é absolutamente superficial: o corpo. Alguém conhece sua pele? Sem dúvida que todos
têm acesso à sua epiderme, inclusive em algumas partes internas de fácil acesso, como boca,
nariz, ouvido, etc. Mas, quantas vezes a pessoa se surpreende com o aparecimento de um ponto
inflamado, por exemplo, no rosto. Há poucas horas, olhava-se no espelho e a pele estava limpa,
agora apresenta uma saliência avermelhada, e que se descobriu ao passar a mão na face, e ter
percebido uma sensação dolorosa. Apareceu assim, repentinamente, embora seja o resultado de
um processo que se iniciou, talvez, no dia anterior.
Por outro lado, existe um mundo de acontecimentos e fenômenos ocorrendo dentro de
todos nós, que desconhecemos. No interior do organismo, neste momento; o seu sistema
imunológico, amigo leitor, está em plena atividade, evitando que você adoeça de uma moléstia
qualquer. que poderia, inclusive, ser fatal; e o mais interessante, você nunca saberá́ que isto
ocorreu.
Quantas vezes você foi dormir bem, e acordou sentindo um mal-estar, sem qualquer motivo
aparente; e esse mal-estar lhe acompanhou por algum tempo durante o dia, e depois desapareceu
sem deixar vestígios? Enquanto você o estava sentindo, ficava sem graça, e com a fisionomia
refletindo que algo não estava bem, então, quando lhe perguntavam sobre o que estava
acontecendo você, a resposta era: O engraçado é que não sei! Não estou com qualquer problema!
Não há motivo para o que estou sentindo. Como não havia razão, se você estava sentindo?
Acontece que, normalmente, desconhecemos os processos que estão acontecendo numa
instância do psiquismo que fica além do consciente; porque existem infinitos processamentos
que ocorrem na estrutura psíquica. que nem imaginamos. Mais ainda, existe um mundo de fatos,
sentimentos e acontecimentos dos quais não temos a menor ideia: o futuro, por exemplo; e não
estou falando de um futuro longínquo, mas do futuro imediato de cada um de nós. O que vai
acontecer daqui a um minuto? Alguém sabe? De forma nenhuma. Eu imagino, por exemplo, que
estarei escrevendo estas linhas... Mas poderei garantir? Ninguém tem essa capacidade. Como o
fluxo da vida é um vir-a-ser ininterrupto, não existe quem possa ter absoluta certeza sobre o que
ocorrerá no segundo seguinte, quanto mais no minuto seguinte, e assim sucessivamente. Existe
sim, uma alta probabilidade de que, no próximo minuto (que não é mais aquele sobre o qual eu
escrevia, mas um novo), estarei escrevendo a sequência deste texto. Mas qual a garantia? 2
O futuro somente pode ser imaginado como probabilidade, nunca quanto certeza, a não ser
no que diz respeito ao término desta existência. Aliás, apenas temos absoluta (?) certeza sobre
dois eventos de nossa existência: o nascimento e a morte!
Exercício 01
Quero lhe propor, caro leitor, um exercício de meditação, ao longo desta obra. O objetivo é levá-
lo, gradualmente, a conscientizar-se de você mesmo, descobrindo aquilo não conscientizou, até
agora.
Neste ponto, coloque-se num estado de relaxamento, tanto do corpo quanto da mente. Respire
lenta, profunda e tranquilamente, umas cinco vezes, concentrando-se na inspiração e na
expiração. A seguir, faça-se a seguinte pergunta: Quem sou eu? Aguarde um pouco, percebendo
os pensamentos e sentimentos que lhe venham à mente. Repita a pergunta e o perceber, durante
algum tempo; no máximo dez a quinze minutos. Depois, volte a respirar da forma inicial, pela
mesma quantidade, enquanto realiza alguns exercícios de alongamento dos músculos, como se
espreguiçando, e prossiga com suas atividades normais.
Exercício 01a
Igualmente, passe a registrar num meio qualquer (caderno, agenda, computador etc.), os sonhos
que venha a ter, enquanto estiver lendo este livro. Mais à frente, você saberá por que, quando eu
tratar dos sonhos e sua importância em nosso desenvolvimento psíquico.
2 Agora, após terminar o livro, sei que consegui continuar o escrito. Mas é um saber a posteriori, uma visão histórica do passado,
um conhecimento do ontem.
Tomando consciência do corpo

Existem vários métodos que procuram levar seus praticantes ao autoconhecimento. Todos
são unânimes em afirmar um fato: o autoconhecimento é uma tarefa que deve ser contada em
anos, requerendo aplicação e perseverança. Mas, sem constância numa tarefa qualquer, não se
consegue o domínio, a expertise em que seja realizada com o menor esforço e a maior
produtividade.
Porém, seja como for, antes de iniciar um projeto de autoconhecimento temos de nos
informar sobre nós, em todos os sentidos. O primeiro capítulo tem por título: Quem sou eu? Ou
seja, adquirir um conhecimento teórico sobre si próprio.
Mas, por onde começar a tarefa de autoconhecimento? Claro que deve ser sobre o que é
mais facilmente percebido: o corpo. Afinal, o corpo é um elemento que vemos e sentimos! Mas,
conhecemos o nosso corpo? Sabemos suas possibilidades e limites? Sabemos como ele funciona,
pelo menos em linhas gerais?
Vamos verificar uma coisa! Ao ler, parece que estamos vendo a página e as letras com os
olhos, não é mesmo? Na verdade, não é o que está acontecendo. É certo que os fótons que estão
saindo da página alcançam os olhos e, no interior dos olhos se formam duas imagens da página
com os sinais gráficos, mas de cabeça para baixo. Isto ocorre com tudo que enxergamos. Mas,
isto não significa, ainda, que estamos vendo a página e as letras. As células do fundo do olho
captam essa imagem invertida, transformando-a em impulsos nervosos, que o nervo óptico
conduz para o centro da visão, no córtex occipital do cérebro, que o interpreta e permite vermos a
página, suas palavras e frases, nas posições em que realmente se encontram. Ou seja, quem
realmente enxerga é cérebro, e não nos olhos. E isto acontece com todos os sentidos. Mas, se o
processo de ver é, aparentemente, simples, o de compreender o que estamos vendo é muito
complicado, porque envolve diversas áreas do cérebro e do psiquismo.
Alguns impulsos nervosos não chegam imediatamente ao centro cerebral que deve
processá-lo, por exigir uma resposta imediata, por causa disso a medula, quando os recebe, envia
uma mensagem-resposta imediata, é o chamado arco reflexo. O arco reflexo é uma a reação
involuntária rápida, consciente ou não, originado de um estímulo externo antes mesmo do
cérebro tomar conhecimento dele, e antes que possa coordenar uma resposta. Ele objetiva
proteger ou adaptar o organismo. Os atos reflexos são comandados pela substância cinzenta da
medula espinhal e do bulbo.
Agora mesmo, enquanto você está lendo, se alguma coisa picasse seu cotovelo,
imediatamente você retiraria, bruscamente, o braço da posição em que se encontra. O que
aconteceu? O arco reflexo possibilitou que houvesse um movimento defensivo imediato, com o
objetivo de proteger você de qualquer dano.
Então, o sistema nervoso em geral, e o seu cérebro em particular, é o centro para onde se
dirigem todos os estímulos, internos e externos ao organismo, e de onde partem as respostas
necessárias para o controle e coordenação de todas as atividades internas e externas dele. O
sistema nervoso é o veículo de todas as percepções orgânicas, e o cérebro é o centro coordenador
e mantenedor de tudo o que acontece no corpo.
De modo geral, temos noção do que acabei de descrever: pois estudamos esse e outros
assuntos na escola! Mas temos consciência do que isso significa? Quando digo que estou
sentindo algo, tenho noção exata da localização do que foi percebido, todavia, o fato de que tudo
é sentido no cérebro, e ali decodificado, demonstra que vivemos a grande ilusão de que nossa
percepção do mundo é objetiva, quando, na verdade, é toda ela subjetiva.
A importância do corpo nunca será exaltada, demasiadamente. Precisamos estar cientes e
conscientes disso. Normalmente as pessoas abusam do corpo, levando-o a extremos, pelo uso
indiscriminado e, na maioria dos casos, e desnecessário, de sua capacidade.
O corpo humano possui uma engenharia tão perfeita, que os biólogos ficam admirados com
a inteligência e funcionalidade do seu design.
A nossa pele, por exemplo, o maior órgão do corpo, se compõe de derme, a parte interna, e
epiderme, a parte externa, é um órgão de múltiplas funções. Ela é uma armadura, um radiador, e
o portal de entrada das sensações. A pele segura todos os músculos e órgãos internos do corpo. A
camada mais externa, epiderme, é composta de células mortas; nela, vivem milhares de bactérias,
em cada centímetro quadrado. Essa camada morta é eliminada à taxa de 600.000 partículas por
hora, aproximadamente 700 gramas por ano. Ela compõe 80% da poeira de nossa casa. A pele é
substituída, completamente, todo mês. Na epiderme se encontram as saídas do suor, os poros, os
quais agem como regulador de temperatura, mantendo os 37 graus de temperatura constante do
organismo, protegendo, assim, o corpo do calor e do frio; através da pele passam os pelos, uma
verdadeira rede de proteção, que nos fazem sentir o contado de qualquer coisa, antes que atinja a
pele, propriamente dita.
Na epiderme se encontram as terminações nervosas, que nos proporcionam sentir o
ambiente. E a pele tem muitas outras importantes e diversificadas funções. Estas rápidas
informações sobre a epiderme devem servir de estímulo para uma pesquisa sobre o organismo.
Pesquisando sobre o corpo humano, admiraremos sua complexidade. Devemos observar se
temos feito uso racional dele, e aproveitado seus multivariados recursos.
O corpo é, nesta dimensão, a parte mais densa do espírito, quer dizer que ele é um dos
veículos de manifestação da essência espiritual, ou princípio inteligente. Como meio de
manifestação no universo material, proporciona condições para experiências necessárias que
permitem a esse princípio atualizar suas potencialidades. O sistema nervoso é a conquista
máxima do atual estágio evolutivo das entidades espirituais. Quando o sistema nervoso é
prejudicado por doenças adquiridas ou genéticas, acidentes, agressão voluntária (vícios químicos
ou psíquicos), a manifestação espiritual acontecerá de forma inadequada. Por exemplo, uma
contusão ou uma enfermidade que atinja o cérebro, pode alterar a percepção das coisas,
dificultando a compreensão dos estímulos captados pelos sentidos ou sua integração no conjunto
dos conhecimentos adquiridos; inclusive, como demonstrado pelas experiências do Dr. Antônio
Damásio (Lisboa, 1944), neurocientista na University of Southern California, podem mesmo
alterar o caráter. Quanto a esta última afirmação, o espírito André Luiz, referiu-se a um
componente genético do caráter em livro, cujo copyright foi registrado em 1945.
O pensamento envenenado de Adelino (que deveria ser o pai do espírito a reencarnar) destruía a substância da
hereditariedade, intoxicando a cromatina dentro da própria bolsa seminal. Ele poderia atender aos apelos da natureza,
entregando-se à união sexual, mas não atingiria os objetivos sagrados da criação, porque, pelas disposições
lamentáveis de sua vida íntima, estava aniquilando as células criadoras. Ao nascerem, e, quando não as aniquilasse
por completo, intoxicava os genes do caráter, dificultando-nos a ação... (Xavier, 1985, p. 197. Destaque meu).

Como podemos ver, o corpo não é uma simples veste do espírito, ao contrário, é um
veículo importante e governando por leis próprias, que não podem ser esquecidas nem
menosprezadas. Até nossa maneira de ser, de viver e de tratar os outros, em particular os de nossa
família, pode ter efeitos positivos ou danosos na estruturação do caráter dos nossos descentes,
inclusive em nível físico.
A estrutura de caráter e as conquistas no campo das atitudes, sedimentada pelo espírito em
suas encarnações passadas, exige uma correspondente estrutura genética, no sistema nervoso,
que propicie sua manifestação. Aliás, como diz a sabedoria popular: espinho que tem de furar,
desde cedo mostra a ponta; outra expressão, que transita igualmente pela consciência coletiva, é
mais radical: pau que nasce torto, até a cinza é torta. No inconsciente coletivo existe a
experiência ancestral, arquetípica, que permitiu intuir a existência de um caráter ancestral,
trazido à nova existência. Naturalmente, o meio ao qual o espírito reencarnante tenha de se
adaptar, psicologicamente, pode contribuir para que a auto-herança psíquica venha a se
manifestar plenamente ou sofrer modificações importantes. E, ainda mais, as condições do
nascimento podem influir no código genético que permite ao caráter do espírito reencarnante se
manifestar, para a necessária confrontação com o caráter coletivo do meio onde nascerá.
Exercício 02
Neste ponto faça o seguinte exercício: toque, com uma leve pressão, todas as partes do seu
corpo, da cabeça aos pés, concentrando-se em sentir as pressões. A seguir, busque perceber as
sensações causadas por sua roupa, no seu corpo.
Quando estiver tomando banho, procure conscientizar o que você sente, quando a água escorre
pelo seu corpo; quando passa o xampu, lavando os cabelos; e quando se esfrega com o sabão.
Finalmente, o que sente ao se enxugar.
Em todos os instantes do seu dia, busque manter a mente sempre no momento e no que está
fazendo. Não apenas tenha a mente concentrada no momento, mas busque sentir o que está
fazendo. Se comendo ou bebendo algo, concentre-se nas sensações que esteja sentindo. Enfim,
esteja sempre presente de corpo e alma em todos os instantes do seu dia. Afinal, você não vive
no ontem nem no amanhã, mas no agora! Este é um exercício excelente contra perdas,
esquecimentos, acidentes etc.
A Psiquê
Mas, não somos apenas corpo! Existe uma dimensão não física, na qual realmente estamos
sempre, e onde se encontram funções que estão além das orgânicas: a psiquê. Observe, agora
mesmo, leitor, que você está pensando, e isto não é uma função orgânica, porque se fosse, os
cientistas já́ teriam descoberto seus mecanismos, e isto ainda não aconteceu. O termo psiquê,
com o advento da Psicologia, passou a ser aplicado como um sinônimo de mente, e é nesse
sentido que Carl Gustav Jung o emprega.
Os seres humanos apresentam similitudes funcionais com todos os seres vivos, quer
animais ou vegetais. Uma coisa, porém, os diferencia: o pensamento contínuo, a capacidade de
inovar e criar em todo o espectro de atividades existenciais, além do fato da consciência
permanente de si mesmo e o sentimento de alteridade. E tudo isso ocorre na psiquê. A psiquê e o
corpo são duas partes do ser humano que se apresentam profundamente interligadas e, ao mesmo
tempo, bastante diferenciadas.
A psiquê é composta de conteúdos e de funções diversos. Normalmente se usa representá-
la como uma esfera cortada ao meio, para poder se mostrar, didaticamente, seus compartimentos;
mas isto é apenas uma representação, um esquema; a psiquê não tem um formato que
conheçamos. A esfera psíquica se divide em consciente e inconsciente.
O consciente, é formado por tudo que percebemos, e elaboramos na psiquê ou que vem de
uma dimensão da psiquê denominada inconsciente.
Antes de tratar de cada parte estrutural da psiquê, vou escrever mais sobre ela, cuja origem
e atuação tem sido motivos de discussões, religiosas e científicas.
Lembra-se, leitor, de quando você era um recém-nascido? Provavelmente não! E por que
não se recorda? Porque não tinha consciência de se mesmo, era apenas um inconsciente
manifestado. Você apresentava uma série de comportamentos que eram inatos, como o reflexo de
mamar, a percepção do cheiro do leite materno, o choro quando se sentia desconfortável ou com
fome e sede. Esses impulsos eram inatos e automáticos e você os realizava sem saber como nem
porque eles estavam vinculados ao corpo, e são denominados instintos. Naquele estágio, além de
instintos, você manifestava, também, algumas emoções, ainda que de forma embrionária, como
raiva e alegria, afinal, as emoções estão vinculadas, também ao corpo, sobre o qual seu
inconsciente atuava.
Os instintos são formas típicas de comportamento, e todas as vezes que nos deparamos com formas de reação que se
repetem de maneira uniforme e regular, trata-se de um instinto, quer esteja associado a um motivo consciente ou não
(Jung, 1998, par. 273).

Como toda criança, você se apresentava, nos primeiros tempos da existência, como um ser
inconsciente. Apenas recebia e reagia, automaticamente, os estímulos, sem compreendê-los.
Percebia as coisas ao seu redor, mas não as discriminava, nem era capaz de qualquer
entendimento delas. O seu mundo interior era formado de percepções e sensações desconectadas
entre si.
Gradativamente, na medida do seu desenvolvimento, você começou a mostrar capacidade
de associação e discriminação. Finalmente, pôde dizer: eu quero, eu sou, e tornou-se consciente
de que existe como um ser diferente de tudo à sua volta. O que aconteceu? Você estava
desenvolvendo funções psíquicas, que vinham evoluindo desde o seu nascimento.
A psiquê é formada, também, por elementos que são construídos durante a existência.
Como visto no capítulo I, todas as sensações corporais, externas ou internas, conscientes ou não,
vão para o cérebro; daí transformam-se em psicóides, ou quase psíquicos, para, finalmente, se
transformarem em conteúdos psíquicos.
Se uso o termo “psicóide”, faço-o com três ressalvas; a primeira é que emprego esta palavra como adjetivo e não
como substantivo; a segunda é que ela não denota uma qualidade anímica ou psíquica no sentido próprio, mas uma
qualidade quase psíquica, como o processo dos reflexos; e a terceira é que esse termo tem por função distinguir uma
determinada categoria de fatos dos meros fenômenos vitais, por uma parte, e dos processos psíquicos em sentido
próprio, por outra (Jung, 1998, par. 368).

Por sua vez, minha visão espírita de mundo, me leva a teorizar que, além das sensações
eminentemente físicas, a influência do consciente e inconsciente do meio familiar e social onde
nascemos, e nos desenvolvemos, contribuem para a formação de um extrato psíquico que poderia
ser chamado de consciente atual, o qual se estrutura de acordo com as vivências da encarnação
em curso.
Assim, graças às sensações corporais, internas e externas, o inconsciente construiu o eu
que, como veremos, é um complexo responsável pela consciência de se ser consciente.
Resumindo, a psiquê contém os seguintes conteúdos: as percepções que os sentidos captam
do mundo interno e externo; o eu ou ego, que faz o indivíduo ter consciência das percepções, o
inconsciente, que recebe os conteúdos da consciência que perderam libido, tudo que foi
reprimido e, também, tudo o que passou para ele sem conhecimento do ego, quer dizer
subliminarmente, além dos conteúdos formados nele, ou apercepções; em seguida os conteúdos
do inconsciente que virão à consciência na forma de símbolos, ou nunca chegarão a ela. A
psiquê, no que eu chamo inconsciente pretérito, guarda todas as informações das existências
passadas. Esses conteúdos atuam na existência em curso, através dos estigmas e complexos,
desde os estágios conscientes ou inconscientes de sua elaboração automática ou, em alguns
casos, planejada.
Uma explicação necessária: na Psicologia Analítica o termo libido é usado como energia
psíquica de modo geral. A energia sexual é apenas uma forma de manifestação da libido e não o
contrário, como na Psicanálise.
Uma características da psiquê é sua capacidade de dissociar-se do corpo, isto tanto no
sentido simbólico, ou seja, alienando-se dele, negando-o e, até destruindo-o; mas, também no
sentido literal, isto é, projetando-se e percebendo o que se passa à distância dos sentidos físicos,
no sentido espacial ou temporal, nos denominados fenômenos extra- sensoriais.
Igualmente, a psiquê pode associar-se a outras, captando e transmitindo informações que
elas queiram transmitir por seu intermédio. Essas psiquês, que a ela se associem, podem estar
ligadas a um corpo físico ou desligadas deles, pela morte: são os denominados fenômenos
mediúnicos. E eles somente são possíveis porque a Psiquê faz parte de espírito, o qual sobrevive
ao falecimento do corpo físico conservando integralmente a consciência.
Exercício 03
Comece a escrever uma autobiografia. Exercite-se em recordar os fatos da infância mais remota.
O objetivo é fazer você tomar consciência do que aconteceu em sua existência, até agora, a fim
de conscientizar os pontos de origem de muitos fenômenos psíquicos que acontecem em sua
vida, pautando-a. Mas, ao tempo em que se recorde e escreva, se foi uma circunstância negativa,
a ressignifique, procurando o aspecto positivo que ela trouxe à sua vida. Seja qual for o
problema, dificuldade ou sofrimento que tivemos, ele tem duas ações em nossa existência: uma
negativa, óbvia e uma positiva, normalmente difícil de ser percebida.
A consciência
Ao fazer o exercício do capítulo II, você estava conscientizando as sensações corporais.
Veja bem o que eu disse: conscientizando, ou seja, tomando consciência. Esta palavra de suma
importância, pois indica algo que ocorre normalmente com todos nós, de forma automática,
desde que nascemos: perceber a nós mesmos, aos outros e ao meio ambiente.
Mas o que é ter consciência? Significa que constatamos a nós, e a tudo o que nos cerca,
através dos cinco sentidos, como um conjunto variado de percepções que nos chegam, e que, em
parte, compreendemos! Na verdade, não percebemos tudo, mas isto é assunto para mais adiante.
A consciência é, sobretudo o produto da percepção e orientação no mundo externo, que
provavelmente se localiza no cérebro e sua origem seria ectodérmica. No tempo de nossos
ancestrais era provavelmente um sentido sensorial da pele (Jung, 1961, par. 14).
O consciente parece penetrar em nós do exterior, sob a forma de percepção sensorial. Vemos, entendemos, apalpamos
e sentimos o mundo e é assim que temos consciência. A percepção nos diz que qualquer coisa é, mas ela não nos diz
o que é, qualquer coisa. Não é o processo da percepção que nô-lo diz, é o da apercepção” (Jung, 1961, par. 13).

Realmente, percebemos o mundo através dos sentidos, e o primeiro sentido biológico foi o
tato. A partir do tato, evoluíram todos os sentidos. Assim, tem razão Jung quando afirma que a
percepção do mundo externo, ou seja, a consciência dele, teve início pela sensação de contato
com as coisas. Os seres unicelulares sentem o meio ambiente, apenas. E ainda, apesar de todos os
demais sentidos, estamos sempre percebendo o mundo pelo contato. Como você pôde verificar
ao fazer as atividades sugeridas no capítulo II. Observe como, desde ela, você está realizando,
gradativamente, a tarefa de tomar consciência das coisas que lhe ocorrem, sem que você precise
pensar nelas. E que são muito importantes, pois sem suas percepções, o que você seria?
Todavia, a consciência tem uma origem, e um desenvolvimento, que está e é coordenada
por conteúdos e funções da psiquê, que estão além dela, que são inconscientes.
Nossa consciência não se cria si mesma, mas emana de profundezas desconhecidas. Desperta gradualmente na
criança, e cada manhã, ao longo da existência, desperta das profundezas do sono, saindo de um estado de
inconsciência. É como uma criança que nasce diariamente das profundezas do inconsciente materno. Sim, um estudo
mais acurado da consciência nos mostra claramente que ela não é somente influenciada pelo inconsciente, como
emana constantemente do abismo do inconsciente, sob a forma de inúmeras ideias espontâneas (Jung, 1988, par.
935).

O corpo é uma máquina de alto desempenho, que lhe faz experimentar sensações diversas,
e realizar inúmeras tarefas que fazem de você o que você é. Ele lhe permite, primeiramente, atuar
sobre o universo de três dimensões, no qual você está existindo, e ter consciência do mundo em
seu redor.
O corpo exige cuidados, para lhe proporcionar o melhor de suas possibilidades. Quando o
menosprezamos ou maltratamos, sofremos as consequências de nossa imprevidência.
Algumas religiões e religiosos afirmam que a alma é tudo, e o corpo é nada. Inclusive
prescrevem métodos de cilício, para fazer o corpo sofrer. Acontece que o sofrimento não será
nunca do corpo, mas nosso. Somente gosta de sofrer quem é masoquista, e isto é um desvio
mental. O corpo não deve ser usado nem para o sofrimento, nem para o hedonismo exagerado.
Querer usufruir, exageradamente, o prazer que os sentidos proporcionam é tão prejudicial,
quanto o flagelá-lo.
Virtus in medio (a virtude está no meio), diz o axioma filosófico atribuído a Aristóteles.
Use o seu corpo e os prazeres que ele proporciona, moderadamente, e ele sempre será seu aliado.
Quanto à dor, ela é, unicamente, um aviso de que algo está errado e precisa, urgentemente,
ser consertado, seja no corpo ou na mente.
Corpo e consciência são funções um do outro. Mas, a consciência, pode ultrapassar os
limites corporais, como já́ disse e detalharei mais adiante porque, em última análise, eles são
representações extremamente limitadas do espírito que você é.
Exercício 04
Tomando os devidos cuidados, busque realizar algumas atividades com os olhos fechados; por
exemplo, ao tomar banho, faça todas as atividades, desde abrir a torneira do chuveiro para se
molhar, até fechá-la, por haver terminado, com olhos fechados e pense que existem seres que têm
apenas o tato para guiá-los em suas trajetórias existenciais, e que conseguem sobreviver, e bem.
Como temos consciência de nós e das nossas circunstâncias?
No capítulo precedente, vimos que nós temos uma percepção geral de nós próprios e das
coisas que nos rodeiam. Porém, o cão, o cavalo, os insetos, as plantas, demonstram, em graus
diversos, perceber o mundo externo; ou seja, todos os serem vivos sentem o que acontece a eles e
em torno deles. Todavia, existem entre nós, os animais (sem esquecer de que também somos
animais) e as plantas, uma diferença fundamental: enquanto eles sentem, agem e reagem às suas
sensações, nós sabemos que sentimos; sim, e isto é importante, não sentimos nebulosamente as
coisas, nós temos consciência disto; ou seja, neste instante, você sabe que está lendo, você sente
a textura das páginas, o peso do livro, e tem consciência do que está escrito e do seu sentido,
quer dizer que você está vendo, e elaborando o que vê.
Existe algo em você que sabe o que você está fazendo e, ainda mais, sabe quem você é. O
que é esse algo? Eu me referi a ele no título do primeiro capítulo deste livro, quando escrevi:
Quem sou eu? Esse algo é o eu! Os outros seres vivos sentem e percebem a si e ao mundo, mas
não têm consciência disto. Eles não sabem o que estão fazendo, agem por instinto, isto é, por
impulsos inconscientes! Nós, muitas vezes, agimos por instinto, mas, na maioria das vezes
agimos deliberadamente, sabendo, exatamente o que vamos fazer.
E o que é mais importante, nós sabemos quem somos. Os seres humanos são os únicos, na
escala biológica, que podem afirmar eu sou um ser humano! Você nunca encontrará um cão que
possa dizer: eu sou um canídeo. Ele, nem os demais seres vivos, têm essa capacidade de se saber
pertencente a uma espécie! Nós sabemos quem foram nossos pais, a que família pertencemos,
quem somos, o que temos feito e o que estamos fazendo; além disto tudo, temos a possibilidade
de imaginar o que faremos no futuro! E isto nos é facultado pelo complexo do ego! Mas o que é
o eu? É um dado complexo formado primeiramente pela percepção geral de nosso corpo e
existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória (Jung, 1998a, par. 18).
Deixarei a definição de complexo para o momento adequado, por enquanto concentremo-
nos no eu, também denominados nos livros de Psicologia de ego! A definição de Jung nos diz
que o eu nasce da percepção geral do corpo. Ou seja, o conjunto das sensações, que são
integradas numa percepção integrada de mim das minhas circunstâncias. O “eu” tem a
propriedade a da discriminação, quer dizer, ele me faz sentir uma entidade diversa dos outros
seres e objetos que me circundam. O eu está, teoricamente, no centro da consciência, e somente
se pode conhecer o que lhe é apresentado. Quando um objeto qualquer, seja interno ou externo ao
corpo, não é apresentado ao eu, esse objeto não é percebido; isto é, não se toma conhecimento de
sua existência. Por isto o bispo anglicano George Berkeley (1685-1753) desenvolveu uma teoria
psicológica, segundo a qual as coisas só existem quando são percebidas, e o que se percebe não é
a coisa em si, mas as qualidades dela reveladas pelas sensações. Assim, afirma ele, o que existe
realmente nada mais é do que um feixe de sensações e é por isso que ser é ser percebido.
Tentaram ridicularizar as afirmações do bispo dizendo que, se quisermos saber se uma
pedra existe ou não, é só dar um chute nela: a dor seria uma prova de sua existência. Sem entrar
numa discussão filosófica de vasta ordem, posso dizer que a objeção falha num ponto: a dor é
uma sensação que revela uma qualidade da pedra: a dureza, e é um sinal de que ela foi percebida,
o que referenda a afirmação de Berkeley
Numa coisa, Berkeley tinha absoluta razão, tudo que nós conhecemos são sensações, que
os nervos transmitiram ao cérebro, que as integrou a outras percepções já sentidas e registradas,
indicando o que elas representam; é o que se denomina em Psicologia Analítica de realidade
absoluta do que é psíquico. Mas, o mais importante, é que todas as sensações foram percebidas
pelo eu, o que torna a pessoa consciente delas.
O eu, tem uma base orgânica e uma psíquica. A base orgânica é formada pelas sensações
conscientes ou inconscientes que chegam ao cérebro, e uma base psíquica, a qual se embasa
numa série de conteúdos e fatores inconscientes.
Outro tanto se pode dizer da base psíquica: o eu assenta-se, de um lado, sobre o campo da consciência global e, do
outro, sobre a totalidade dos conteúdos inconscientes. Estes últimos se dividem em três grupos: (1) o dos conteúdos
temporariamente subliminares, isto é, voluntariamente reproduzíveis; (2) o dos conteúdos que não podem ser
reproduzidos voluntariamente, e (3) o dos conteúdos totalmente incapazes de se tornarem conscientes. Pode-se
deduzir a existência do grupo número 2, dada a ocorrência de irrupções espontâneas na consciência de conteúdos
subliminares. O grupo número 3 é hipotético, isto é, uma decorrência lógica dos fatos que estão na origem do
segundo grupo: quer dizer, este grupo encerra conteúdos que ainda não irromperam ou jamais irromperão na
consciência. (Jung, 1988, par. 3).

Veja bem, existem fatores psíquicos ligados ao eu que são inconscientes para ele, quer
temporariamente, quer incontroláveis ou que sempre permanecerão ignorados. Apesar do fato de
estarmos inconsciente quando dormimos, nos sonhos temos consciência de nós mesmos. Isto
indica que existe outro eu, que funciona nessas condições. Ele é denominado de “eu” onírico.
Isto é, um eu que somente funciona durante os sonhos. Mais à frente voltarei a tratar dele.
Observando-se uma criança com menos de três anos, verifica-se que ela normalmente se
refere a si na terceira pessoa. Dizem sempre: Nenê quer, ou dá água pra Bebeto, e assim por
diante. Isto indica que o ego ainda não estava formado. Em torno dos três anos a criança começa
a dizer: Eu quero; é a indicação de que o eu já́ está se formando. Esta é uma fase crítica, porque
um ego bem estruturado proporcionará, pela vida afora, condições da pessoa lidar com as mais
variadas situações, inclusive perdas e fracassos. Quando não, ela ficará sempre perplexa e em
crise, diante de qualquer situação mais estressante.
Para terminar este capítulo, quero chamar sua atenção para a necessidade de você entender
que o eu é um recurso criado a cada encarnação da alma. Ou seja, seu eu atual é diferente de
qualquer outro que você já́ tenha tido, em existências passadas. É claro que o que já́ fomos
influência a existência atual, mas não se esqueça que o eu é um complexo que nasce do corpo, e
que se assenta num mar de conteúdos, como dito mais acima, que ficam abaixo da consciência.
Assim, não se preocupe com o que você foi, em qualquer outra existência, mas trabalhe pelo
fortalecimento do eu atual e ampliação do seu consciente. Na verdade, para a psiquê, não existe
ontem, mas agora; quer dizer, tudo o que já́ fomos ou fizemos está conosco aqui e agora, agindo
em nossa atualidade. O próprio futuro faz parte do agora, pois a psiquê não conhece o tempo
como uma mera sucessão de eventos, mas como uma vivência continuada e sempre atuante no
momento que passa.
Exercício 05
Faça uma relação dos problemas que você já́ enfrentou em sua existência, como perdas,
frustrações, mudanças inesperadas etc. Recorde- se como você reagiu diante deles. Não se
preocupe se não reagiu como acredita que devia, verifique, apenas se, apesar dos receios,
frustrações, angústias e tristezas, você teve a capacidade de resolvê-los ou enfrentá-los com
decisão. Caso contrário, procure entender o que lhe aconteceu, e fantasie como você agirá se uma
situação semelhante vier a ocorrer.
Exercício 05a
Igualmente, trabalhe suas culpas. Recorde algo que seja considerado errado, ou mesmo
socialmente reprovável, não importa o grau. Não se julgue, não se justifique. Apenas recorde as
condições suas condições psíquicas no momento do ato ou atitude. Depois, recorde as
consequências que lhe advieram. Aceite-as consequências, não como uma forma de afronta aos
que lhe julgaram, mas como normal que acontecessem. E tome a deliberação de, em
oportunidades semelhantes no futuro não agir da mesma forma, mas buscar uma maneira de agir
que seja a mais correta possível. Transforme sempre todo erro em aprendizado. Nunca imagine,
nem se deixe impressionar por falas como: “Você não deveria ter feito...”, você fez, logo não tem
como “não dever ter feito”. “Você errou...”, é tão óbvio o fato que ficar repetindo isso tem a
penas a intenção de manter você preso à culpa. A única expressão correta será: “Olhe, de hoje em
diante, não faça mais o que fez, mas faça assim...”.
As máscaras com as quais atuamos no dia-a-dia
O eu não se relaciona com o mundo sempre da mesma forma. Ao contrário, para cada
situação, cada atividade, ele mostra uma faceta específica, e com ela exerce suas funções. Como
o título deste capítulo diz, nos diversos cenários da ribalta existencial, atuamos como faziam os
atores do teatro grego: usando uma prosoupon, palavra grega que significa face, figura, gesto,
olhar, aspecto; máscara, papel, personagem (no teatro); pessoa, fachada, frontispício. Esse termo,
e seu emprego é mais conhecido por sua tradução latina: persōna, que tem significado
assemelhado: máscara (de teatro), papel, personagem do ator; cargo, função, caráter; pessoa
gramatical.
Jung usou o termo persona para indicar um complexo funcional, nascido da necessidade de
adaptação às várias circunstâncias do viver social, que permite ao ego se relacionar com o meio
exterior de forma cômoda e eficaz.
Persona, também, pode ser definida como a parte do eu que está voltada para o mundo
externo. Não se pode confundir persona com individualidade, pois esta é constante, enquanto
aquela é variável, adaptando-se às exigências do momento. E, também, a persona é
interpenetrada pela função principal da consciência; as funções serão tratadas mais adiante.
Por exemplo, quantas vezes temos de agir e nos expressar de acordo com a conveniência
social? Somos obrigados a ir ao enterro de alguém que nunca vimos, um desconhecido, mas ao
entrar no local do velório, assumimos uma atitude contrita e fácies de sentimento ao exprimir
condolências aos parentes; até nossa voz se torna baixa e soturna, enquanto dizemos expressões
que não refletem nossos reais sentimentos que, muitas vezes, é de enfado, por estarmos perdendo
tempo.
Mas, a persona não é uma coisa negativa: é uma necessidade relacional, que atende ao
compromisso existente entre a estrutura interna do indivíduo e aquilo que exige as circunstâncias
onde ele está inserido.
Uma persona funciona corretamente quando atende ao que Arthur Schopenhauer (1788-
1860) pontuou:
O que se é: quer dizer, a personalidade no sentido mais extenso. Compreendido aqui, portanto a saúde, a força, a
beleza, o temperamento, o caráter moral, a inteligência e o seu desenvolvimento.

O que se tem: portanto, propriedades e possessões de toda ordem.

O que se representa: sabe-se que por esta expressão se entende a maneira pela qual os outros se representam um
indivíduo e, portanto, aquilo que ele é na representação deles. Isso consiste, pois, na opinião a seu respeito, que se
apresenta como honra, nível social e glória (Schopenhauer, 2005, p. 257. Tradução minha). 3

Quando existe um equilíbrio relativo em todas essas condições, a persona funcionará


normalmente, cumprindo sua tarefa; ela terá a necessária elasticidade para que o indivíduo possa
se relacionar de forma natural e fácil com o meio onde vive. Caso alguma delas esteja mais
anormalmente evidenciada, a personalidade do indivíduo não se desenvolverá plenamente.
Por exemplo, quem se compraz em ostentar os traços que a sociedade aprova, desenvolverá
uma personalidade para o coletivo, subordinada ao que é socialmente aceito por seu grupo.
A persona não é algo meramente psíquico, mas envolve toda nossa maneira de ser, isto é, o
caminhar, atitude, penteado, maneira de vestir, forma de rir e sorrir, como contraímos os
músculos da face, os tics, enfim, o conjunto de particularidades que apresentamos habitualmente
ao mundo.
A persona pode, também, ser utilizada para “mascarar” os reais propósitos de alguém. Os
criminosos, os sedutores, os espiões, os mal-intencionados e todos que vivem do ludíbrio e da
falsidade, costumam desempenhar papéis, como atores para enganar suas vítimas, e conseguir
atingir seus inconfessáveis fins. Jesus denominava indivíduos enquadráveis nessas categorias de
hipócritas, sepulcros caiados e lobos vestidos como ovelhas!
A meta da individuação não é outra senão a de despojar o si- mesmo dos invólucros falsos da persona, assim como do
poder sugestivo das imagens primordiais. Do que até agora foi dito depreende-se claramente o significado
psicológico da persona. Entretanto, quando nos voltamos para o outro lado, isto é, para as influências do inconsciente
coletivo, encontramo-nos num obscuro mundo interior, de compreensão muito mais difícil do que a da psicologia da
persona, acessível a qualquer um. Não há quem não saiba o que significa "assumir um ar oficial", ou "desempenhar
seu papel na sociedade". Através da persona o homem quer parecer isto ou aquilo, ou então se esconde atrás de uma
"máscara", ou até mesmo constrói uma persona definida, a modo de muralha protetora. Assim, pois, o problema da
persona não apresenta grandes dificuldades intelectuais (Jung, 1991, par. 269).

Quando a persona se torna rígida, ela se torna naquilo que sua etimologia indica: uma
máscara. É o caso daqueles que se identificam com a profissão que exercem, a tal ponto que, em
momento algum deixam de agir e se mostrar como se nunca de desligassem dela. É comum
ouvirmos alguém se apresentando ao telefone, a um interlocutor: Aqui quem fala é Dr. Fulano...
Por detrás da máscara, todavia, se esconde um pobre coitado, com um imenso complexo de
inferioridade, que se julga importante apenas pelo título que portam, mas não pelo que são
realmente. Vivem tão só de aparência. Temos, igualmente, os atores que nunca deixam de atuar,
os políticos que nunca abandonam sua máscara, e por aí vai.
Um caso frequente é a identificação com a persona, que é o sistema da adaptação ou estilo de nossa relação com o
mundo. Assim sendo, quase todas as profissões têm a sua persona características. Tais coisas são fáceis de estudar
atualmente, uma vez que as pessoas públicas aparecem fotografadas frequentemente na imprensa. O mundo exige um
certo tipo de comportamento e os profissionais se esforçam por corresponder a tal expectativa. O único perigo é
identificar-se com a persona, como por exemplo o professor com o seu manual, o tenor com sua voz; dai a desgraça.
É que, então, se vive apenas em sua própria biografia, não se é mais capaz de executar uma atividade simples de
modo natural. Pois já́ está escrito: "... e então ele foi para cá ou para lá; disse isso ou aquilo", etc. A túnica de Dejanira
colou-se à pele de Héracles e nela se enraizou. É preciso a determinação desesperada de um Héracles para não
arrancar do corpo a túnica de Nessos e entrar no fogo da imortalidade, a fim de transformar-se naquilo que
verdadeiramente é. Exagerando um pouco, poderíamos até dizer que a persona é o que não se é realmente, mas sim
aquilo que os outros e a própria pessoa acham que se é2. Em todo caso a tentação de ser o que se aparenta é grande,
porque a persona frequentemente recebe seu pagamento à vista (Jung, 2000, par, 221).

As situações existenciais exigem sempre que nos relacionemos de acordo com uma postura
adequada, ou seja, com uma persona apropriada. Quando estamos exercendo a paternidade, nossa
persona é de pai e as mães, exercendo seu papel, agem com uma persona de acordo. Ao
ministrarmos ensinos, nossa persona é a do professor, e assim sucessivamente.
A persona é tão importante para o eu, quanto a pele para o organismo. Como fator de
relacionamento, ela nos proporciona os meios de construirmos pontes com os outros indivíduos e
de exercemos nossos papéis sociais de forma adequada e produtiva.
Exercício 06
Você tem, agora, um objeto de estudo sobre você mesmo, nesta jornada de autoconhecimento: as
personas que usa nos diversos momentos de seu cotidiano. Analise a forma como você atua
quando está no trabalho, nas festas, nos esportes que pratica, no seu relacionamento afetivo, no
culto religioso do qual participa, quando está na condição de aluno. Na família, sua postura como
filho, pai, marido, irmão, mãe, etc. E, o que é mais importante, está você identificado com uma
persona específica? Por exemplo: você, se homem, está na máscara do pai de família, do marido?
Ou está na posição da personalidade feminina da relação? 4 Se estiver, comece a se descolar dela,
procurando viver suas personas específica par a família, de forma mais dinâmica.

3 Nesse contexto pode ser útil ler Aphorismen zur Lebensweisheit de SCHOPENHAUER (Parerga und Paralipomena I [cap. II:
“Sobre o que se é”, e cap. IV: “Sobre o que se representa”]). Nota de número 15 no original.

4 Isto nada tem haver como identidade sexual, em ser hétero ou homo. Mas sim no aspecto relacional dentro da família.
O tipo psicológico
Temos o hábito de rotular as pessoas de acordo com sua persona mais comum, como
introvertidas e extrovertidas. Quer dizer: umas são alegres e expansivas, enquanto outras são
pensativas e tímidas.
Esta classificação empírica está errada. Quem criou a classificação das pessoas segundo
dois tipos de atitudes foi Carl Gustav Jung, num estudo detalhado e memorável.
Os tipos de atitude são formas de reação aos estímulos que lhe vêm do mundo exterior e
interior. São comportamentos condicionantes do processo psíquico. Para Jung, o tipo de atitude
poderia ser uma disposição orgânica de cada um de nós. Realmente, desde o nascimento as
pessoas apresentam as características de um tipo de atitude específico.
Quando, por imposição do meio, o indivíduo é obrigado a funcionar num tipo de atitude
diferente da sua inclinação natural, sofrerá distúrbios sérios.
Todavia, a partir da meia idade, é comum haver uma troca gradativa no tipo de atitude
pessoal. Assim é que, pessoas Introvertidas passam a se apresentar como extrovertidas, e as
extrovertidas, como o seu oposto. Inclusive, pode-se verificar que, na meia-idade, acontece uma
modificação no comportamento de homens e mulheres, a ponto de homens antes masculinamente
rígidos, passam a ficar femininamente sentimentais; enquanto mulheres muito femininas, passam
a apresentar atitudes masculinas. Não que mudem de identidade sexual, nada disso. Apenas
passam a apresentar modos de ser diferentes, e até opostos, aos que estavam acostumados, e
pelos quais eram conhecidos.
O tipo extrovertido é aquele cuja libido é atraída pelo objeto. Ele se caracteriza por uma
relação positiva com os objetos externos. Neste tipo:
...interesse e atenção é direcionado para acontecimentos objetivos, o que está fora, em primeiro lugar os do meio
ambiente próximo; pessoas e coisas cativam o interesse, somente depois volta-se para a própria pessoa. O
extrovertido interessa-se por coisas novas, opiniões, lugares, invenções, grandes desempenhos. O extrovertido é
sempre tentado a desfazer-se de si, em benefício (aparentemente) do objeto (Jung, 1991a, par. 636).

O tipo extrovertido tende a seguir o espírito da época, as normas externas de validade


coletiva. Ele dirige seu interesse para fora, para o objeto, quer dizer, ele se orienta,
preferencialmente, no externo, com desenvoltura e facilidade.
Para o extrovertido:
“...as leis morais do agir coincidem com as exigências da sociedade, isto é, com a
concepção moral válida em geral. Se a concepção válida em geral fosse outra, também
as diretrizes morais subjetivas seriam outras, sem que houvesse alteração alguma no
hábito psicológico em geral” (Jung, VI, 1991a, par. 629).

O extrovertido tende a desvalorizar os fatores subjetivos, por isto não costuma se


preocupar com sua saúde nem com o atendimento às necessidades básicas, indispensáveis ao
bem-estar corporal. Somente volta a atenção para seu corpo, quando algo de anormal aparece, no
funcionamento dele.
O tipo introvertido tem uma atitude negativa face ao objeto, é conduzido, basicamente, por
fatores subjetivos. Seu mundo interno é o ponto de partida e de orientação, o objeto tem, para
ele, um valor secundário. Sua tendência, diante das solicitações do meio, é se por de sobreaviso,
colocar um pé atrás e evitar, num primeiro momento, que sua libido flua diretamente para o
objeto. Parece que reage, primeiramente, pela recusa.
O introvertido não é tímido, o seu interesse é subjetivo; ele vive mais no mundo das ideias,
que lhe chama atenção, e onde está a vontade, do que no mundo das realidades concretas, que lhe
parece difícil de lidar.
As pessoas têm um tipo de atitude dominante, mas, as situações existenciais impõem, em
circunstâncias do cotidiano, que elas passem a atuar com a atitude contrária. Jung dá o exemplo
de dois amigos que vão andando por uma rua. Um é extrovertido e o outro introvertido. Em dado
momento, vêm uma mansão antiga, com as portas abertas, sem qualquer pessoa tomando conta.
O Tipo extrovertido, então, convida seu amigo para entrarem. Esse se recusa, ponderando que os
donos dela podem não gostar, e criarem problemas. O outro revida, desfazendo da cautela do
amigo, e o arrasta consigo. No interior, encontram uma sala cheia de cotas de malhas, de
armaduras e textos antigos. Neste instante, o tipo introvertido extroverte. Seu interesse pelos
objetos se torna ativo. Ao mesmo tempo, o extrovertido introverte, e perde o interesse, passando
a chamar o amigo para irem embora, aos que este se recusa.
Saber o seu tipo psicológico é um passo importante no autoconhecimento. Isto fará você
entender melhor sua atitude diante dos atos e fatos do seu cotidiano. Mas, para melhor se
entender, neste aspecto, e aos outros, vamos estudar as funções da consciência, no próximo
capítulo.
Exercício 07
Qual será sua atitude dominante? Busque perceber se você age mais motivado pelos objetos
(tudo o que está fora de você), ou se suas ações têm base o seu mundo interior! Aclarando: você
age primeiro, para depois refletir ou, ao contrário, reflete primeiro para depois agir? Sendo
possível, busque um Teste do Tipo Psicológico, Junguino e o faça, sob orientação de um
psicoterapeuta que conheça do assunto.
As Funções da Consciência
Você, muitas vezes, fica agastado porque algumas pessoas, inclusive familiares, não têm
uma forma expedita de agir, assim como você; ou, você se compara com pessoas ativas, que
estão sempre agindo, prontas para fazer qualquer coisa, e como não tem esse dinamismo, se acha
com certa deficiência.
Quantas vezes você tem reclamado porque alguém não é como eu, ou se viu repreendido
dessa maneira ou por não ser igual a outro. Muitos pais cometem uma infame comparação entre
filhos, com propósito de educar, e conseguem justamente o oposto. A comparação entre pessoas,
e principalmente entre irmãos é uma atitude cruel, perniciosa e destruidora. É preciso que se
entenda que cada pessoa tem um tipo psicológico específico, dentro do qual vive e atua no
mundo. Por isso, leia com atenção o que vem a seguir, para entender-se e entender os outros com
quem convive. No Espiritismo existe o conceito de nível evolutivo, que não é a mesma coisa.
Nível evolutivo estabelece um limite de apreensão da realidade, por falta de maturidade
espiritual, e não um tipo psicológico.
As pessoas se caracterizam por mais diversidades na maneira de ser, do que apenas pela
dualidade de atitude. Por isso, Jung aprofundou sua investigação, verificando que, o ego tem à
sua disposição quatro funções, segundo às quais constrói seus comportamentos, seus juízos e
suas visões de mundo. Essas funções apresentam características individuais específicas, as quais
sofrem variações de acordo com o tipo de atitude dominante no indivíduo.
Jung descobriu, em suas investigações, quatro tipos de funções de atitudes, as quais se
apresentam aos pares, sendo cada par mutuamente excludente: Sensação ou percepção e intuição;
sentimento e pensamento.
Assim, tanto o tipo de atitude extrovertido, quanto o introvertido, utilizam essas funções,
para adaptações e ações no cotidiano do viver.
No homem primitivo, que está mais sob o império do inconsciente, as quatro funções estão
todas à disposição do ego, se não estivessem, sua sobrevivência seria difícil. Mas, com o advento
da civilização, gradualmente as pessoas foram se especializando de acordo com um tipo de
função, contribuindo assim para que houvesse uma diversidade de comportamento e aptidões na
sociedade.
Por isso, hoje em dia, é comum a existência de uma função superior, dominante, com a
qual o indivíduo pensa e age, enquanto as três restantes permanecem no inconsciente.
A função superior, naturalmente, impõe a existência de outra, a sua oposta, que está
mergulhada no inconsciente e é, tecnicamente, denominada função inferior. Como tudo que fica
no inconsciente sofre um decaimento natural, e é através dela que os complexos se manifestam
em nosso cotidiano. A função inferior é utilizada pelo ego, quando necessário, mas ela não se
mantém em ação por muito tempo, causando logo cansaço, e sendo abandonada e retornando a
atividade normal da função superior: a função inferior é, geralmente, caracterizada por traços
da psicologia primitiva – sobretudo pela participation mystique – isto é, ela faz a pessoa
particularmente idêntica a outras pessoas ou outras situações (Jung, 1997, p. 6. Tradução
minha).
As duas outras funções, embora no inconsciente, atuam mais próximas da função superior,
sendo utilizadas pelo ego como funções auxiliares, sendo que uma é mais usada do que sua
oposta.
As funções pensamento e sentimento, são funções racionais, pois trabalham com
estimativas. A função pensamento é aquela que, pela atividade de pensar, capta e processa as
percepções, tanto internas quanto externas, em suas relações e conseqüências lógicas, ou seja,
desde o ponto de vista do verdadeiro ou falso; a função sentimento, capta a o mundo interno e
externo por suas qualidades, por seus valores, isto é, desde o ponto de vista emocional do prazer
e desprazer, de agradável e desagradável, de aceitação ou rechaço. Em resumo, enquanto a
função pensamento busca sentidos, para decidir, a função sentimento procura compreender pelos
valores.
As funções sensação/percepção e intuição são denominadas de funções irracionais, pois
não trabalham com juízos, mas apenas sentem o mundo, sem valorá-lo ou buscar um sentido.
A função sensação/percepção está voltada para a realidade, prioritariamente. Está função
capta os detalhes de episódios, mas não dará muito valor em suas relações intrínsecas. A função
intuição percebe as possibilidades das coisas, de forma inconsciente. Num episódio, a intuição
não captará os detalhes, mas perceberá o sentido interno dele, suas possíveis relações e
conseqüências.
A função diferenciada ou superior, é a que determina o tipo do indivíduo, ou a forma
habitual dele pensar o mundo externo ou interno, além de sua maneira de se relacionar com os
outros. Mas, o indivíduo também se utiliza, no seu cotidiano de uma segunda função,
denominada função auxiliar
A função inferior, por estar no inconsciente, atua de forma autônoma, ou seja, quando
requisitada por fatores independentes da vontade; pelo fato de estar indiferenciada, atua gerando
atos de caráter infantil, primitivo, impulsivo e arcaico.
A junção dos tipos de atitude com as funções dão ao indivíduo sua maneira de ser, sentir e
pensar. Inclusive, vão ditar suas avaliações sobre os outros. Como sempre estamos inclinados a
exigir que as pessoas tenham nossa maneira de ser e pensar, ou seja, nosso tipo psicológico,
quando diferem, temos o vezo de qualificá-las de forma negativa. Uma pessoa com atitude
extrovertida, com função diferenciada sensação/percepção rotulará uma com atitude introvertida,
e com a mesma função, de devagar; também dirá que uma da mesma atitude, mas com função
superior intuição, de molenga, e assim sucessivamente. Isto tem causado os maiores problemas,
tanto em família como em sociedade.
Normalmente, as pessoas se associam pelo inverso complementar dos seus tipos
psicológicos (associação da atitude da função diferenciada), e isto é visto com mais propriedade
nos casamentos: intuição com sensação, por exemplo.
Sinto-me na obrigação de esclarecer você, leitor, por me haver referido, linhas atrás, à
participação mística. Esse termo provém de Lucien Lévi-Bruhl (1857-1939), e apareceu no seu
livro: Les fonctions mentales dans les sociétés inférieures, (As funções mentais nas sociedades
inferiores), 5 publicado em 1910, e se refere a uma espécie de vinculação psicológica com um
objeto; nela a pessoa não consegue distinguir-se claramente desse objeto, estando ligado a ele por
uma identidade parcial.
A participação mística é um fenômeno que pode ser observado claramente nos povos
primitivos, pois a vivem normalmente. Todavia, é muito encontrado entre os civilizados, de
forma menos intensa e extensa.
Normalmente ela ocorre entre pessoas; mas pode acontecer entre uma pessoa e outro ser
vivo da escala zoológica ou com um objeto. Pode-se identificar a participação mística num tipo
específico de ato falho: quando uma pessoa chama outra pelo seu próprio nome, e não pelo dela
ou vice-versa.
Quando se estabelece a participação mística entre pessoas e animais, por exemplo, ela pode
expressar certas características deles; por exemplo, o almíscar.
A participação mística ocorre mais frequentemente entre pessoas de uma mesma família:
entre pais e filhos, entre esposos, namorados etc. Nestes casos pode representar uma falha do eu
na discriminação com os outros (alteridade), isto é, uma perda de identidade.
Se há identidade, nenhum relacionamento é possível; o relacionamento efetivo só acontece
quando há separatividade. Desde que a participação mística é a condição usual na união,
especialmente quando as pessoas se casam jovens, uma relação individual é impossível. Talvez
os dois escondam seus segredos um do outro; se os admitirem, poderão estabelecer um
relacionamento. Ou, talvez, não tenham qualquer segredo para compartilhar; então não há nada
que os proteja contra a participação mística: um afunda no poço sem fundo da identidade e, após
um tempo, descobre que, de forma alguma algo acontece, (Jung,1984, p. 63).
Mas, a participação mística pode se dar, também entre pessoas estranhas, mas com uma
vinculação arquetípica, logo inconsciente. Por exemplo, podemos ter sonhos por influência do
inconsciente de um vizinho, colega de trabalho, etc., sem que nenhum de nós tenha consciência
disso.
Exercício 08
Procure identificar qual sua função superior, a partir do resumo supra. Para identificar o seu tipo
psicológico existem testes específicos. Procure na internet um teste, e aproprie-se dessa nova
informação para conhecer, ainda mais, você mesmo e as pessoas com quem convive. Melhor será
procurar um psicoterapeuta Junguiano, o qual, além de lhe aplicar o teste, poderá lhe dar as
orientações corretas para ajudar você a explorar ao máximo as possibilidades do seu tipo
psicológico.
5 O termo “inferiores” aí representa o preconceito do europeu colonizador em relação aos povos por ele dominado e
“colonizados”, ou seja, explorados das formas mais abjetas possíveis. Diferentemente de alguns pretensos intelectuais da
atualidade, que querem reescrever a história ao seu talante, de maneira autoritária e desonesta, deformando-a; eu mantenho o
termo tal como era à época, e chamo atenção com notas, como estou fazendo agora, pois esta é a forma intelectual correta,
honesta e ética redacional, e de preservação dos fatos históricos para as gerações futuras.
O mundo em nós que desconhecemos
Lembre-se de que lhe foi pedido para fazer uma autobiografia, buscando lembrar-se de
episódios de sua infância mais remota. Vamos continuar aquela experiência: procure se lembrar
de um acontecimento vivenciado por você há dois anos... Lembrou? Recorde outro fato, agora de
sua infância...! Lembrou? Naturalmente, você não estava pensando nesses dois episódios o
tempo inteiro. Eles estavam “esquecidos”, guardados em sua memória. Quando você pôs sua
atenção na necessidade de se lembrar, eles vieram a consciência. Isto significa que estes
episódios não tinham energia suficiente para ficar o tempo inteiro na consciência, e se tornaram
inconscientes. Mas, estavam numa situação subliminar, mas o eu pôde acessá-los, transferindo
para eles a energia psíquica, ou libido, para se tornarem conscientes. Diz Jung:
Eu defino o inconsciente como a totalidade de todos os fenômenos psíquicos a que falta a qualidade da consciência.
Podemos classificar adequadamente os conteúdos psíquicos como subliminares, na suposição de que todo conteúdo
psíquico deve possuir certo valor energético que o capacita a se tornar consciente. Quanto mais baixo é o valor de um
conteúdo consciente, tanto mais facilmente ele desaparece sob o limiar. Daqui se segue que o inconsciente é o
receptáculo de todas as lembranças perdidas e de todos aqueles conteúdos que ainda são muito débeis para se
tornarem conscientes. Estes conteúdos são produzidos pela atividade associativa inconsciente que dá origem também
aos sonhos (Jung, 1998, par. 270).

A consciência é muito limitada, e por isso não tem capacidade de perceber e registrar tudo
o que ocorre, nem de manter, um registro sempre consciente de tudo. Li, certa feita, sobre um
indivíduo que não conseguia esquecer-se de nada; resultado, terminou por perder contato com a
realidade, entrando em surto psicótico.
O inconsciente é denominado o país da infância, pois tudo o que nele está adquire a
características de símbolo. Quer dizer, todos os conteúdos que adentram o inconsciente sofrem
uma regressão, pois no inconsciente não existe a mutabilidade e o vir-a-ser característico da
consciência. Nos sonhos e visões, os conteúdos do inconsciente aparecem simbolizados em
coisas e pessoas, necessitando ser devidamente interpretados.
Inconsciente e consciente estão sempre em estado de compensação, ou seja, estão se
influenciando reciprocamente. O inconsciente tende sempre a atuar para modificar a
unilateralização da consciência, isto é, quando a consciência está se vinculando mais a uma
forma de pensar e agir, em detrimento de outras. Normalmente, aquilo que está presente na
consciência, no inconsciente se encontra o seu oposto. Por exemplo, aquele que construiu uma
persona de muita humildade, apresenta um imenso orgulho no inconsciente. A compensação
entre consciente e inconsciente será sempre de qualidade oposta, e de mesma intensidade.
A compensação deve ser estritamente distinguida da complementação. O complemento
é um conceito muito limitado e muito limitativo, e por isso não é capaz de explicar, de
maneira satisfatória, a função onírica. Com efeito, ele designa uma relação em que duas
ou mais coisas se completam, por assim dizer, forçosamente 6. A compensação, pelo
contrário, é, como o próprio termo está dizendo, uma confrontação e uma comparação
entre diferentes dados ou diferentes pontos de vista, da qual resulta um equilíbrio ou
uma retificação (Jung, 1998, par. 545).

Todavia, como tudo que diz respeito à vida psíquica, tem sempre um aspecto que foge à
normalidade, por se apresentar como uma compensação que corrige uma unilateralidade, por via
patológica:
Embora, na imensa maioria dos casos, a compensação tenha por fim estabelecer um equilíbrio psíquico normal, e se
comporte como uma espécie de auto-regulação do sistema psíquico, contudo, não podemos simplesmente nos
contentar com esta verificação, pois a compensação, em certas condições e em determinados casos (como, por ex.,
nas psicoses latentes), pode levar a um desenlace fatal (predomínio das tendências destrutivas), como, por ex., o
suicídio ou outros comportamentos anormais que parecem “predeterminados” no plano da existência de certos
indivíduos portadores de tara (Jung, 1998, par. 547).

Nosso inconsciente divide-se em: pessoal e coletivo. O inconsciente pessoal é formado


durante esta existência; nele estão os registros de tudo o que ocorreu conosco durante lapso de
tempo transcorrido desde a vida intra-uterina, até a idade corrente. Nele existem, ainda,
complexos, conteúdos que foram reprimidos, conteúdos dos quais o ego não tomou
conhecimento, isto é, que o consciente não registrou e foram assimilados subliminarmente.
Igualmente, estão no inconsciente os registros de memória, ou seja, tudo o que aprendemos, os
quais estão à disposição da consciência para quando se tornarem necessários às atividades do
cotidiano. Existem conteúdos que se formam no inconsciente pessoal: são apercepções; cujo
resultado aparecerá na consciência como insight, como inspiração.
O inconsciente pessoal contém lembranças perdidas, reprimidas (propositalmente esquecidas). Evocações dolorosas,
percepções que, por assim dizer, não ultrapassaram o nível do limiar da consciência (subliminais), isto é, percepções
dos sentidos que por falta de intensidade não atingiram a consciência e conteúdos que ainda não amadureceram para a
consciência. Corresponde à figura da sombra, que frequentemente aparece nos sonhos (Jung, 1991, par. 103).

Os conteúdos do inconsciente pessoal serão tratados em capítulo específico.


O inconsciente pessoal não é um simples depósito dos fatos acontecidos durante a
existência corporal, mas um núcleo ativo, com uma dinâmica específica e importante para a vida.
Você não tem consciência do que está acontecendo no seu inconsciente pessoal neste
instante, todavia, ele está agindo, influenciando suas palavras, ações, pensamentos e atitudes.
Sem que você tenha a menor consciência da origem dessa influência. E ela não é simples nem
fácil de detectar. No mais das vezes, não há porque você se preocupar em saber se o que você
está fazendo é motivado por influência do inconsciente pessoal ou não; mas, em certos casos,
quando está havendo problemas no seu modo normal de ser, como tristezas, ansiedades,
agressividade etc, sem causas objetivas, é preciso investigar o que o inconsciente está
pretendendo com essas manifestações.
Para identificar o que está ocorrendo, um psicoterapeuta junguiano se informará sobre o
seu momento atual, no plano consciente; fará um levantamento do que você já́ viveu e, dentre
outras coisas, utilizará seus sonhos como uma das possibilidades de acessar o inconsciente, para
identificar o que ele está compensando.
Veja o seguinte caso, de uma mulher, que buscou meus serviços profissionais: Estava no
auge dos seus 36 anos, e era solteira. Não mantinha relacionamentos duradouros, geralmente
namorava homens de lugares distantes.
Anamnese: O pai era um homem agressivo, autoritário; sua mãe extremamente submissa, o
que lhe causava raiva; o relacionamento dos pais era difícil, sem troca de carinhos; a mãe sempre
desqualificava tanto o casamento, quanto os homens.
Diagnóstico: autossabotagem, ou seja, o eu queria se relacionar, constituir família, mas os
complexos formados durante a infância, a respeito do casamento, que o relacionamento dos pais
referendava.
No decorrer da terapia, ela conheceu um rapaz que, uma noite, durante um jantar, lhe
ofereceu um anel de compromisso. Ela sentiu um frisson na espinha, começou a beber,
terminando por “armar um barraco”, tendo ele tomado o anel de volta. Nesse momento, ela
conscientizou a autossabotagem. Resultado, hoje está casada, com dois filhos.
O caso supra era um exemplo de como um conteúdo do inconsciente pessoal age sobre a
atividade do eu, causando transtornos em assuntos que deveriam ter um desenvolvimento
tranqüilo.
Jung resumiu o modelo de nossa psiquê da seguinte maneira:
...devemos distinguir, por assim dizer, três níveis psíquicos, a saber: 1) a consciência; 2)
o inconsciente pessoal que se compõe, primeiramente, daqueles conteúdos que se
tornam inconscientes, seja porque perderam sua intensidade e, por isto, caíram no
esquecimento, seja porque a consciência se retirou deles (é a chamada repressão) e,
depois, daqueles conteúdos, alguns dos quais percepções sensoriais, que nunca
atingiram a consciência, por causa de sua fraquíssima intensidade, embora tenham
penetrado de algum modo na consciência e 3) o inconsciente coletivo, que, como
herança imemorial de possibilidades de representação, não é individual, mas comum a
todos os homens e mesmo a todos os animais, e constitui a verdadeira base do
psiquismo individual. Todo este organismo psíquico corresponde perfeitamente ao
corpo que, embora varie sempre de indivíduo para indivíduo, é, ao mesmo tempo e em
seus traços essenciais básicos, o corpo especificamente humano que todos temos e que
em seu desenvolvimento e em sua estrutura conserva vivos aqueles elementos que o
ligam aos invertebrados e, por último, até mesmo aos protozoários. Teoricamente
deveria ser possível extrair, de novo, das camadas do inconsciente coletivo não só a
psicologia do verme, mas até mesmo a da ameba (Jung, 1998, pars. 321-322).

No texto acima citado, mesmo não sendo a intenção de Carl Gustav Jung, nos remete ao
fato de que a evolução da alma, através das existências sucessivas, está gravada no inconsciente
e, teoricamente, pode ser acessada, como será visto adiante.
Exercício 09
Medite a respeito de sua vida, identificando os fatores impulsivos de muitas de suas escolhas e
atitudes. Pesquise seus estados emocionais inesperados e aparentemente sem motivos, e
investigue quanto eles estão influindo em sua vida, de forma positiva ou negativa.
6 Com isto não estamos negando o princípio da complementaridade. O termo “compensação” indica apenas um refinamento
psicológico desse princípio. Nota de rodapé número 4 no original.
Os conteúdos do inconsciente pessoal e a vida cotidiana
Em geral, quando alguém apresenta uma atitude reativa desmedida, com relação a algo que
se lhe diga, ou faça, costumamos acusá-lo de ser complexado. Este termo já́ faz parte do
vocabulário corrente, e se o usa de forma negativa, para desfazer de alguém.
O complexo é um conteúdo encontrado na consciência e no inconsciente pessoal de todas
as pessoas. Não existe ninguém ‘des-complexado’, ou seja, sem nenhum complexo. Afinal,
temos consciência de quem somos, o que fazemos, enfim, que existimos, por causa de um
complexo: o eu ou ego.
Como se sabe, a palavra "complexo" no seu sentido psicológico introduziu-se na língua alemã e inglesa correntes.
Hoje em dia todo mundo sabe que as pessoas "têm complexos". Mas o que não é bem conhecido e, embora
teoricamente seja da maior importância, é que os complexos podem "ter-nos". A existência dos complexos põe
seriamente em dúvida o postulado ingênuo da unidade da consciência que é identificada com a "psique", e o da
supremacia da vontade. Toda constelação de complexos implica um estado perturbado de consciência. Rompe-se a
unidade da consciência e se dificultam mais ou menos as intenções da vontade, quando não se tornam de todo
impossíveis. A própria memória... é muitas vezes profundamente afetada. Daí se deduz que o complexo é um fator
psíquico que, em termos de energia, possui um valor que supera, às vezes, o de nossas intenções conscientes; do
contrário, tais rupturas da ordem consciente não seriam de todo possíveis. De fato, um complexo ativo nos coloca por
algum tempo num estado de não-liberdade, de pensamentos obsessivos e ações compulsivas para os quais, sob certas
circunstâncias, o conceito jurídico de imputabilidade limitada seria o único válido. (Jung, 1998, par. 200).

De fato, existem momentos em que, por coisas mínimas, a pessoa perde o controle, diz e
faz coisas das quais, depois, se arrepende amargamente; ela própria, e quem foi testemunha de
tais descontroles, dizem: Parecia que estava tomando(a) por um espírito ruim! Isto acontece
quando o complexo é constelado:
Este termo exprime o fato de que a situação exterior desencadeia um processo psíquico que consiste na aglutinação e
na atualização de determinados conteúdos. A expressão "está constelado" indica que o indivíduo adotou uma atitude
preparatória e de expectativa, com base na qual reagirá de forma inteiramente definida. A constelação é um processo
automático que ninguém pode deter por própria vontade. Esses conteúdos constelados são determinados complexos
que possuem energia específica própria (Jung, 1998, par. 198).

Também acontecem situações em que se devia tomar uma atitude, todavia, algo nos
paralisa, momentânea ou duradouramente, e fica-se sem saber o que dizer ou fazer; isto é muito
comum em provas e testes, quando se estudou profundamente os assuntos mas, na hora de
responder as questões, dá um branco, ou seja, acontece uma situação peculiar de esquecimento: a
pessoa sabe que tem conhecimento do assunto, mas ele não vem à consciência de forma alguma,
causando intensa angústia e frustração; ao se sair do ambiente, o conhecimento volta, como por
encanto, gerando uma intensa raiva de si mesmo.
O mesmo acontece em situações de confronto, quando poderíamos nos defender
coerentemente, e não conseguimos encontrar a explicação ou argumento devido. Esses mesmos
bloqueios acontecem em outros momentos da existência, quando esquecemos palavras e nomes,
que nos são perfeitamente familiares; existe uma sensação frustrante de se saber que se sabe o
nome ou a palavra, mas ele não vem à consciência, por mais esforços que se façam; mais tarde,
em geral quando não se precisa mais, o nome ou a palavra, é lembrado facilmente. Isto é
denominado ato falho, e é um complexo que impede a recordação.
O ato falho não acontece, apenas, quando se fala, mas quando se escreve, quando se é
desastrado: você tem um objeto que alguém lhe deu, uma caneta por exemplo, a qual você usa
sempre; um dia, vocês brigam e, na mesma semana, você perde a caneta. O que houve? Uma
coincidência? Não acredite nisso. Você, de forma inconsciente se livrou do objeto que era um
significante da pessoa de quem você estava com raiva.
Conheço o caso de um ato falho com conseqüências fatais: um professor universitário de
Química, depois de muitos anos de trabalho, e com sacrifícios, conseguiu construir a casa dos
seus sonhos. Era-lhe um motivo de permanente satisfação e orgulho. Um dia, sua esposa resolveu
separar-se e exigiu que a casa fosse vendida, para o resultado ser devidamente partilhado entre os
dois. Isto para ele foi um choque terrível. Um dia, estando em casa, resolveu se livrar de umas
formigas, usando o álcool e acabando de vez com o formigueiro. Derramou a substância no local
e, inadvertidamente, deixou a garrafa de álcool num parapeito, acima de si, aberta. Ao riscar o
fósforo, um movimento do seu braço virou a garrafa, cujo conteúdo se derramou sobre seu corpo.
O incêndio foi instantâneo, e ele sofreu queimaduras graves, vindo a falecer no hospital, em
poucos dias. Esse é um dos muitos atos falhos que ocorrem diariamente pelo mundo afora. No
caso foi um complexo de suicídio associado a um complexo de culpa. Ele deve ter se sentido
culpado pela separação que poderia levar à perda da casa que fizera com tanto amor. Não
suportou se separar do objeto de sua paixão, preferindo morrer.
Mas, o que é, e como se forma, um complexo?
Certo dia, encontrei uma amiga com quem conversei sobre a teoria dos atos falhos. A
minha amiga estava grávida, e quando ela quis expressar sua admiração pelas explicações e
exemplos que lhe dei, ela exclamou: É uma notável ..., então, aconteceu um ato falho. No mesmo
instante eu intui a palavra que ela queria usar! A convidei a fazer um esforço para recordar,
pedindo que ela colocasse o vácuo de lembrança, em evidência na mente, e fosse dizendo as
palavras que lhe viessem à lembrança. Depois de algumas associações, ela deu uma gargalhada!
Havia recordado a palavra. Como você pode ter adivinhado, a palavra era concepção. Ela estava
grávida e, quando de sua gravidez anterior, ao voltar de sua licença maternidade, fora demitida
do seu emprego, o que lhe causou um grande golpe; agora, como dois anos num novo emprego,
engravidara outra vez e o complexo que se formara na experiência negativa anterior estava
constelado e, naquele momento, a impediu de dizer a palavra que recordava o motivo de sua
angústia: a gravidez.
Um complexo, portanto, é um conteúdo psíquico de conteúdo emocional, que atua sobre o
complexo do eu, interferindo nos atos e fatos da consciência, de forma compulsiva e imperativa.
Os complexos são fragmentos psíquicos cuja divisão se deve a influências traumáticas ou a tendências incompatíveis.
Como no-lo mostra a experiências das associações, eles interferem na intenção da vontade e perturbam o desempenho
da consciência; produzem perturbações na memória e bloqueios no processo das associações; aparecem e
desaparecem, de acordo com as próprias leis; obsidiam temporariamente a consciência ou influenciam a fala e ação
de maneira inconsciente (Jung, 1998, par. 253).

Jung denominou esses fenômenos da psiquê como complexos de tonalidade afetiva e criou
um método para se identificar sua existência e tipos: o método de associação de palavras, com
medida dos tempos de resposta; quando uma palavra constela um complexo, a demora de
encontrar uma palavra a associar, identifica a perturbação, como também a qualidade da palavra
associada. Se você quiser saber mais sobre o assunto, consulte o volume II, das obras coligidas
(também ditas escolhidas) de Carl Gustav Jung: Estudos Experimentais, publicado pela Editora
Vozes.
Normalmente os complexos estão associados ao complexo do eu, sobre o qual atuam com
maior ou menor intensidade. Em situações extremas, todavia, como nas psicoses, os complexos
se comportam como se fossem independentes, apresentando-se à consciência como vozes vindas
do invisível; muitas vezes os complexos intensificados produzem dissociações de múltiplas
espécies, na psiquê, produzindo estados mórbidos de alienação mental. Esses complexos foram
denominados por Jung como: complexos autônomos, pois se manifestam como se fossem
totalmente independentes do eu! Muitas vezes, como no caso da esquizofrenia, podem ser
confundidos com o fenômeno da obsessão por espíritos; da mesma forma, muitas pessoas que
sofrem obsessão por espíritos são tratadas como se fossem esquizofrênicas, ou portadoras de
outras doenças mentais.
Mas existem diferenças fundamentais entre as duas patologias: enquanto na esquizofrenia
as vozes, como as visões nas alucinações, são monotonamente recorrentes, repetindo os mesmos
motivos; nas obsessões espirituais, existem discursos lógicos, coerentes e renovados, bem como
visões diferenciadas que se comportam com lógica e finalidade diversificada.
Os complexos possuem uma estrutura própria, que Jung descreveu da seguinte maneira:
O conteúdo afetivamente acentuado, ou complexo, é constituído, de um elemento central e de um grande número de
associações secundariamente consteladas. O núcleo central consta, por sua vez, de duas componentes, a saber: 1) de
um fator determinado pela experiência, isto é por um acontecimento vivido e ligado causalmente àquilo que o cerca, e
2) de um fator determinado pelas disposições internas e imanente ao caráter do próprio indivíduo. O núcleo
caracteriza-se pela sua tonalidade afetiva, pela acentuação dos afetos. Esta acentuação é, energeticamente falando,
uma quantidade de valor. Subjetivamente é possível avaliar a quantidade de maneira mais ou menos aproximada, na
medida em que o elemento central seja consciente” (Jung, 1971, 18-19).

Não existem complexos negativos, embora apliquemos esse qualificativo aos que
interferem de forma prejudicial no comportamento consciente. Eles são forças naturais, agindo
em nosso psiquismo, de acordo com leis especificas. Muitos dos nossos complexos agem de
forma a nos proteger e facilitar nossa existência. Os complexos educacionais, por exemplo, que
adquirimos durante a infância, ou no decorrer da existência, favorecem a saúde física e psíquica:
escovar os dentes, tomar banho, usar talheres, comer em horas certas etc., são complexos
adquiridos durante a infância, inculcados por nossos educadores, e que são perfeitamente
saudáveis; quando, por alguma circunstância não podemos executar algum deles, nos sentimos
incomodados, com um senso de urgência que causa desconforto.
Apesar de dizer que um complexo tem de ser sofrido até que se esgote completamente,
Jung também diz que o mundo da arte apresenta meios terapêuticos em peças e filmes, nos quais
podemos ver e identificar como os complexos atuam em nossas vidas. Isto serve para que
tomemos consciência deles e possamos trabalhar no sentido de dissolvê-los:
O teatro é o lugar da vida irreal, ele é a vida sob a forma das imagens, um instituto psicoterapêutico onde os
complexos são encenados; uma pessoa pode ver lá como estas coisas trabalham. Os filmes são de longe mais
eficientes do que o teatro; são menos restritos, eles podem produzir símbolos surpreendentes para mostrar o
inconsciente coletivo, desde que seus métodos da apresentação são tão ilimitados. Os sonhos expressam determinados
processos no nosso inconsciente, e enquanto o teatro for relativamente pobre e restrito, os sonhos não são restritos de
todo (Jung, 1984, pág. 11. Tradução minha).

Exercício 10
Recorde-se de situações em que você se viu como que tomado por uma força estranha, sendo
levado a fazer e dizer coisas que, conscientemente até queria, mas que, por inúmeras razões, não
deveria, pelos problemas que iria causar. Lembre-se, também, dos atos falhos que já aconteceram
com você ou com outras pessoas como esquecimentos e as perdas, procurando identificar quais o
motivos psíquico-emocionais que estavam por trás deles.
Atuação dos complexos na rotina da vida
Como deve ter ficado claro, os complexos estão sempre agindo sobre o nosso eu. Aliás,
podemos dizer que, sem complexos não podemos viver. O problema, como disse no capítulo
anterior, é que sempre procuramos atribuir aos complexos uma ação danosa. Mas os complexos
não são bons, nem maus, repito: eles são elementos naturais do psiquismo, que têm funções
específicas, e que agem realizando-as. Eles são, para o eu como bactérias, vírus e micróbios.
Esses seres não são maus, simplesmente estão cumprindo a determinação de viver e sobreviver, o
que é um direito inalienável de todos os seres vivos. Mas, você poderá dizer: acontece que esses
seres nos prejudicam! Sim, e nós, a quantos seres vivos prejudicamos, inclusive os vírus e
bactérias, contra os quais usamos diversos tipos de substâncias fatais? E isto sem falar de como
agimos contra nossos semelhantes.
Predamos os vegetais e os destruímos para sobreviver; matamos, deformamos, torturamos,
confinamos animais, para nosso gáudio pessoal, atendendo aos mesmos objetivos dos outros
seres que nos predam: sobreviver. Logo, não podemos condenar os unicelulares, ou não, que, ao
agirem em prol de sua própria sobrevivência, nos causem sofrimento ou morte.
Os complexos atuam em nossa vida, porque são absolutamente necessários. Muitas vezes,
a atuação deles nos causam prejuízos severos, mas não porque tenham essa intenção, porém
porque atuam movidos por estímulos que recebem do meio ambiente.
Vejamos, agora, alguns dos complexos que atuam em nossa vida, afetando nosso
comportamento de diversas formas.
O complexo de Culpa
Um complexo que tem, muitas vezes, uma ação destrutiva na vida das pessoas é o
complexo de culpa. Certa vez fui procurado por uma mulher de 28 anos, casada, que desejava,
intensamente, ter um filho, e não conseguia. Havia realizado todos os exames e, tanto ela quanto
o marido não apresentavam qualquer impedimento orgânico à reprodução. Todavia, nem
mantendo relações na época da ovulação, como os médicos indicavam, a gravidez acontecia.
Desesperada, buscou o auxílio terapêutico. Quando me explicou a situação, disse-lhe de
imediato: Isto é causado por um complexo de culpa, que você carrega; você já́ praticou aborto?
Ela começou a chorar e me contou que, aos dezesseis anos havia engravidado e, o namorado
conseguira um dinheiro e ela abortara. Indaguei sobre as circunstâncias dela, naquele momento, e
o que a gravidez causaria em sua vida. Naturalmente, seria uma tragédia. O pai não aceitaria, o
rapaz não aceitou a paternidade, ela se viu sozinha, angustiada e, pressionada pelo rapaz, aceitara
interromper a gravidez. Para complicar a situação, algum tempo depois se tornara espírita e, certa
vez, ouvira um palestrante (para mim criminosamente irresponsável), que pintara em cores
carregadas os castigos que uma mulher que cometera aborto sofreria, nesta existência, no mundo
espiritual e em várias existências.
Chamava, sem dó nem piedade, quem abortava de criminosa sem entranhas, e isto a fizera
passar noites insones, angustiada e aflita. Depois, esquecera o episódio, namorou outro rapaz e se
casou com ele. Naquele momento, sob minha indagação, tudo viera a mente com toda
intensidade. Eu lhe fiz ver que, na circunstância em que ela abortara: a falta de informações
maiores sobre sexo e contraceptividade (a família mantinha um tabu sobre sexualidade), a falta
de apoio do namorado), o medo da reação do pai (e também de decepcioná-lo), e assim
sucessivamente. Como recomendado por Jung, que devemos atender as pessoas dentro de suas
crenças, orientando-as com os princípios e ensinamentos a que está acostumada, disse para ela,
vamos fazer uma elaboração sobre o seu caso: Naquela condição e idade em ela estava, com
tantos tabus e desinformação, uma encarnação do tipo não podia ser planejada por espíritos
equilibrados, mas por espíritos desequilibrados; imagine que era uma situação ideal para eu um
antigo inimigo seu querer lhe prejudicar. O momento era propício para isso: tudo a favor do
propósito dele. Se você levasse a termo a gravidez, ela já teria iniciado a lhe prejudicar, e sabe
Deus o que ele faria na medida em que crescesse. Acontecendo o aborto, como ocorreu, a culpa
estaria presente por sua vida e lhe punindo, como está acontecendo.
Seu rosto como que se iluminou e ela disse:
- Nunca havia pensado nessa possibilidade!
Gradativamente a conduzi pelo caminho do autocompreensão e, seis meses após, ela
engravidou, parindo um lindo garoto e, dois anos depois, uma linda garota. Como perdi contato,
não sei como a vida dela continuou, mas tenho certeza de que venceu a culpa.
Sobre o palestrante, mostrei para ela que ele estava mais para inquisidor medieval do que
para real espírita; que o Espiritismo ensina a compaixão, o apoio ao que tinha cometido algum
equívoco; mostrei-lhe que Jesus nunca agiria como aquele assassino de esperanças. Esqueceu-se
ele, em sua postura de incompassivo Juiz, que uma adúltera, criminosa diante da lei judaica,
incursa na sanção do apedrejamento, foi salva por Jesus, quando ele exigiu que começasse o
apedrejamento, aquele que nunca houvesse cometido um erro. E qualquer erro; ele, ao acusar de
forma tão cruel, aquelas mulheres que, segundo seu juízo, haviam errado, se colocou na postura
do puro, que eu tenho a certeza que não é.
Todo complexo de culpa exige e impõe a punição. Isto é conseqüência de não termos
consciência exata das ações que praticamos, e buscarmos desculpas para elas. Busque não errar!
Mas como não se pode viver sem nunca cometer um erro, deve-se lidar com ele de frente, sem
qualquer desculpa. Aceitar que se errou, e tomar a decisão de não mais cometer erros daquele
tipo, mas tendo sempre a certeza da própria falibilidade.
Segundo o mito bíblico da perda do Paraíso, o erro foi uma imposição divina, na medida
em que colocou uma serpente ardilosa e maliciosa junto a um casal ingênuo e sem qualquer
experiência de vida. Isto é Deus queria que a desobediência acontecesse, assim se referiu Jung a
isso, num episódio em se libertou de uma crise de culpa, que lhe aconteceu aos doze anos de
idade, elaborando um pensamento da seguinte meneira:
Adão e Eva são as primeiras criaturas humanas, não tiveram pais, mas foram criados direta e intencionalmente por
Deus, tais como eram. E assim deviam ser, sem escolha. Não poderiam imaginar outra maneira de ser senão aquela
que lhes fora dada. Eram criaturas perfeitas de um Deus que criava apenas a perfeição. E no entanto haviam cometido
o primeiro pecado, fazendo o que Ele lhes proibira. Como fora isso possível? Jamais o teriam feito se Deus não
tivesse posto neles a possibilidade de fazê-los. E o mesmo se dera com a serpente que Ele criara antes de Adão e Eva,
com a intenção evidente de que pudesse persuadi-los. Em sua onisciência Deus organizara tudo no sentido de que
nossos primeiros pais fossem constrangidos a cometer pecados. Consequentemente, a intenção de Deus era que
pudesse pecar (JUNG, Memórias, Sonhos, Reflexões. Posição 952, no e-book do Kindle).

O Complexo de Poder
Outro complexo que está normalmente agindo sobre o ego é o complexo de poder. Alfred
Adler, discípulo de Freud, foi quem se dedicou ao estudo do complexo de poder. A esse respeito,
diz Carl Gustav Jung: Em Adler a ênfase é posta num sujeito que se afirma e procura manter sua
superioridade sobre os objetos, sejam eles quais forem (Jung, 1991, par. 59).
Como um complexo, o de poder é definido como: Grupo de ideias carregadas
emocionalmente, associadas a uma atitude que procura subordinar, todas as influências e
experiências à supremacia do ego pessoal (SHARP, 1997, pág. 39).
Por sua vez, Adler, que fez do complexo de poder a base de sua psicologia, assim o
conceitua:
É o sentimento de inferioridade, de inaptidão, de insegurança, que determina o alvo da existência de um indivíduo. A
tendência de se pôr em foco, de atrair a atenção dos pais, faz-se sentir desde os primeiros dias de vida Encontram-se
aí os primeiros indícios do despertar desse desejo de consideração e apreço, a desenvolver-se sob o concomitante
influxo do senso de inferioridade e do propósito dele originado de atingir uma posição em que o indivíduo seja
aparentemente superior ao seu ambiente (ADLER, 1967, pág. 74).

A origem do complexo de poder pode ser verificada não só na espécie humana, mas em
todos os seres vivos, pois necessitam desenvolver estratégias de sobrevivência, as quais
implicam numa necessidade de dominação sobre o meio onde vivem. É verdade que a criança,
desde o seu nascimento, demonstra uma tendência a impor sua vontade sobre o meio onde
nasceu e se desenvolve, reagindo a qualquer tentativa de limitação. Para conseguir aquilo que
deseja, utiliza-se de diversas manobras, as quais vão dos gritos e choros, até as agressões e
convulsões. Essas manobras estão sempre em função da inferioridade diante das circunstâncias e
necessidades. Todos somos, pois, colocados em face de um impulso inato de superação das
condições que tendam a nos limitar, o qual tem uma base arquetípica, podendo ser caracterizado,
portanto, como um complexo que é ativado diante dos desafios do meio onde se vive.
O complexo de poder tem gênese na infância, quando tudo parece imenso e ameaçador aos
olhos da criança, gerando nela um sentimento de inferioridade e, ao mesmo tempo, como
compensação, uma necessidade de se afirmar perante tudo e todos. Daí, a criança começa a testar
os limites e resistência dos pais e daqueles com quem convive, para impor sua vontade e
conseguir seus objetivos, em uma palavra exercer um poder sobre o seu meio, controlando-o.
Jung nos coloca diante da necessidade de revermos alguns conceitos no campo emocional,
vendo-os na perspectiva real:
O amor e o comportamento irrepreensível são armas extremamente adequadas para se
alcançar a meta, do ponto de vista do impulso de poder. A virtude, não raro, serve para
forçar o reconhecimento dos outros (Jung, 1991, par. 50).

Numa família, o filho e a filha que atendem à vontade e desejos dos pais, sendo obedientes
em tudo, são usados como referência para a “educação” dos seus irmãos. “Vocês deveriam ser
como ele(a)!”, e assim sucessivamente. E isso serve para que se estabeleça um exercício de poder
daquele irmão(ã) sobre os outros. E por outro lado, para que os outros passem a fazer justamente
o contrário, pois não querem ser iguais à ele(a), justamente porque sabem, intuitivamente, o que
realmente está acontecendo. Mas alguém poderá argumentar se será sempre assim, claro que
comportamentos humanos não são expressões matemáticas, mas posso afirmar que boa parte é
manobra de poder, sim.
No decurso da existência, o ser humano é sempre colocado em face de uma constante
necessidade de exercer o poder, nas transações cotidianas com outros indivíduos. Toda vez que
duas pessoas iniciam uma convivência de qualquer natureza, existirá, sempre, uma disputa
natural, onde uma tenta impor sua vontade à outra. Isto acontece, em geral, de forma
inconsciente, e as manobras para a consecução do fim acontecem de acordo com a função
consciente de cada um: uma função sensação, tenderá a dominar pelo muito fazer pelo outro,
uma sentimento pelas manobras de tipo emocional, uma pensamento, pelo exercício do logos,
uma intuição, pela antecipação de comportamentos do outro.
Nas circunstâncias em que exista uma subordinação forçada, o indivíduo dominado, ou
frustrado em seus desejos, terá uma forte necessidade de afirmar seu poder, utilizando-se para
isso das manobras mais sutis, e nem por isso menos eficiente. Os escravos, apesar de submetidos
ao talante dos seus proprietários, sempre tiveram meios de reação, no cotidiano, contra seus
opressores.
As formas patológicas são, muitas vezes, excelentes pretextos para o exercício de poder:
...mas para que serve a neurose? – perguntaremos, admirados. Qual a sua finalidade?
Alguém que já́ conviveu com uma pessoa declaradamente neurótica sabe perfeitamente
bem quanto se “consegue” através da neurose. Não há meio mais eficaz de tiranizar toda
a casa. O efeito obtido por problemas de coração, acessos de asfixia, convulsões de todo
o tipo, é enorme e quase infalível. Desencadeia ondas de compaixão, ansiedades
sublimes dos pais sinceramente preocupados, um corre-corre dos criados, telefonemas,
médicos chamados com urgência, diagnósticos difíceis, exames minuciosos, despesas
consideráveis: e no meio de toda essa agitação o inocente sofredor, a quem se agradece
calorosamente quando cessam os “espasmos” (Jung, 1991, par. 51).

Uma vez, me ligou uma avó, pedindo socorro para o seu neto, de seis anos, o qual estava
apresentado mediunidade explícita, e ficava incorporando espíritos, diariamente, em casa.
Acertei com ela que me enviasse o garoto, juntamente com a mãe. Quando eles viveram, ela era
uma mulher jovem, de 26 anos. Contou que o filho mudava sua maneira de ser; tinha umas
atitudes estranhas, com se estivesse tomando por um ser invisível.
Enquanto ela me contava os fatos, fiquei olhando o garoto que, disfarçava, como se a
conversa não tivesse a ver com ele. Quando ela acabou de relatar alguns episódios que,
francamente, ouvi sem dar a menor importância, indaguei:
- Antes que ele manifestasse essa síndrome, houve algum caso de comunicação mediúnica
da qual ele participasse, em casa ou não?
- A tia dele, irmã do meu marido, passou por um fim de relacionamento e incorporou
diversos espíritos em nossa casa.
Na mesma hora, retruquei, fixando os olhos no garoto, que evitava meu olhar.
- Minha senhora, esse menino, (e escandi bem a expressão), não tem qualquer traço de
mediunidade ostensiva. Na verdade, ao ver que a tia, dando comunicação de espíritos, atraia a
atenção e os cuidados de todos na casa, passou a imitar, para conseguir a mesma coisa, e muito
mais.
Resultado, como a avó dissera, inclusive ao menino, que eu era uma autoridade no assunto
e, um “grande” médium, o menino ficou impressionado com o que eu disse, e a mãe, aliviada,
chegando a comentar:
- Eu tinha certeza que ele não tinha nada de mediunidade, mas a avó...
No dia seguinte, a avó ligou para tentar me convencer que eu estava equivocado. Percebi
que o menino conseguira exercer sobre a visão supersticiosa dela uma forte impressão. E ele, de
forma, não sei até onde, inconsciente, percebeu isto o ajudava a manobrar todos na casa com
“chantagem emocional”. E nisso estava recebendo o apoio da avó devia estar imaginando ter um
novo “Chico Xavier” em casa; imagine-se o que isso daria de poder a ela, diante da família e das
amigas. E também poderia se aproveitar da situação para influenciar no relacionamento do filho
e na vida da nora. O complexo de poder pode ter uma ação nefasta sobre o processo de
individuação, por colocar-se como obstáculo a que o indivíduo atinja as metas específicas de sua
existência:
Pessoas que perdem sua capacidade criativa e tentam superar outras, inferiorizando-as, alimentam o desejo de poder
sobre elas. Fazem de tudo para alcançar o lugar de comando, sem se preocupar com os meios, nem tampouco
vislumbram algo que não seja o status que pretendem ocupar. Em geral têm relações amorosas superficiais e vínculos
afetivos pobres. Constituem família, porém esta não é seu porto seguro, mas apenas algo que fazem por ser usual e
socialmente típico. Este comportamento oriundo do complexo de poder, pode levar o indivíduo a construir uma vida
distanciada de seu propósito essencial, desconhecendo sua real natureza. (Novaes, 2005, pág.103).

Naturalmente, como todos os complexos, o de poder tem uma ação sobre a vida dos
indivíduos que, de acordo com as conseqüências, pode ser existencialmente boa ou má. Nos
mitos e lendas de todas as épocas, essas conseqüências podem ser identificadas, pois o complexo
de poder é inseparável da jornada do herói. As aventuras de Sinuhê, o egípcio, é um exemplo de
como o complexo de poder é exercido nos surtos de paixão amorosa, quando um destrói a vida o
outro; na epopéia de Gilgamesh, onde o complexo de poder alucina o herói, levando-o a buscar o
poder supremo da vida eterna; na Ilíada e na Odisséia, se mesclam o complexo de poder material
e espiritual, vejam-se as disputas entre Agamenon e Aquiles, por exemplo; nas lutas entre os
Curus e os Pandavas, no Mahabarata, aparecem os mesmo elementos do complexo de poder. Nos
Evangelhos, aparece a personalidade de Judas, a quem o complexo de poder levou a cometer um
ato, que o estigmatizou per secula seculorum (pelos séculos afora) etc.
Na história religiosa se identifica muito bem o complexo de poder. Quando Siddhartha
Gautama abandonou o poder político e a riqueza que lhe eram naturalmente destinados, estava
em busca de um poder maior do que aquele que lhe era oferecido; e o conseguiu, ao se
transformar em Buda, ou seja, ao conseguir a iluminação, pois seu poder atinge tal intensidade
que, em vez de dominar sobre um reino, domina sobre quase todo o mundo Oriental, até hoje.
Jesus, por outro lado, saindo de uma situação de pobreza anônima, experimenta um
conflito entre o poder material e o poder espiritual, muito bem descrito no episódio da tentação.
Optando pelo poder espiritual, à semelhança de Buda, Jesus se tornou um fator decisivo na
História pois, por sua causa, o processo histórico desenvolveu a chamada Civilização Ocidental,
na qual continua imperando até hoje. Ambos demonstram, além do complexo de poder, uma
possessão pelo aspecto positivo do arquétipo do poder.
Como se pôde ver, o complexo de poder se estabelece como um impulso de superação de
um sentimento de inferioridade diante do meio. Mas, tem de existir uma finalidade maior, e esta
parece se vincular ao impulso evolutivo inerente a todos os fenômenos naturais. Hoje em dia,
muito se fala, nas ciências biológicas, no impulso de sobrevivência dos genes como o
fundamento de todo o processo existencial. Isto não passa de uma reelaboração da filosofia de
Schopenhauer, na qual o mundo e seus fenômenos são apenas representações construídas por
uma vontade subjacente a toda a realidade. Na verdade, o que existe é uma imposição evolutiva
de base arquetípica, uma busca de superação, tanto do meio quanto de si mesmo.
Em si, portanto, o complexo de poder não é um processo psíquico negativo, ao contrário, é
um imperativo categórico da evolução, tanto individual quanto coletiva dos seres vivos, e em
particular dos humanos. É claro que pode tomar uma feição neurótica, quando se torna
compulsivo, e leva o indivíduo a submeter-lhe todos os aspectos de sua vida, ou quando se
destrói em processos psicopatológicos, para dominar aqueles que o cercam, e forçar-lhes a
atenção e o afeto. De igual maneira, a biografia dos reis, imperadores e ditadores de todos os
tempos demonstra, muito bem, que o complexo de poder pode levar o homem à insanidade, pois,
além do complexo, ele é tomado pelo arquétipo do poder, em sua feição negativa.
Mas, uma observação, tanto no aspecto negativo quanto no aspecto positivo, a possessão
pelo arquétipo de poder levar a uma aproximação psíquica com a imago dei, pois todos os que
foram por ele possuídos apresentam uma identificação com Deus: Adler empregou a expressão
“semelhança a Deus” para caracterizar certos traços fundamentais da psicologia neurótica do
poder (Jung, 1991, par. 224)
Exemplo: os Faraós egípcios eram representantes dos deuses, e se tornavam um deles
quando morriam, até a dinastia dos Ramissidas, quando passaram a se apresentar como deuses
em forma humana; Alexandre, o Grande, possuído pelo arquétipo do poder, sagrou-se deus,
quando da conquista do Egito; os imperadores romanos se fizeram deuses, e instituíram o culto
do imperador, como uma religião própria.
Quando a possessão pelo arquétipo não encontra o escoamento natural pelas vias da
dedicação altruística, pelo bem de uma coletividade, ou da própria humanidade, como no caso
dos líderes religiosos acima citados, ou dos cientistas, filósofos e filantropos que tanto fizeram e
fazem pelos indivíduos e sociedades, costuma se transformar em ação destruidora e perniciosa,
fazendo do indivíduo um médium da sombra coletiva, da nação sobre a qual dominam.
Dois complexos nos acompanham por toda a existência, e são de extrema importância em
nossas ações e atitudes, em diversas ocasiões do cotidiano: O complexo materno e o complexo
paterno.
Pai e mãe são os seres que têm mais influência em nossas existências. Por isso, vamos
estudar dois complexos básicos de nossa existência: os complexos materno e paterno
O Complexo materno
Nos mamíferos, a ligação entre filho e mãe é visceral; afinal de contas, é no ventre da mãe
que o filho se desenvolve. No filo mamália, a relação mate e filho é uma necessidade
fundamental, um imperativo categórico para sobrevivência deste nos primeiros estágios do
desenvolvimento, quando precisa ser alimentado e protegido dos predadores que o ameaçam por
todos os lados; mas existe também o aspecto de educação para a sobrevivência, porque, na
maioria dos casos, cabe à fêmea ensinar aos filhotes os meios e maneiras de conseguir o
alimento, principalmente entre os predadores, onde a mãe transmite as estratégias fundamentais
da caça. Todavia, quando os filhotes dominam a técnica de conseguir alimento por si mesmo, a
mãe os afasta de si, às vezes de forma violenta, rompendo os laços que os ligava até então, e
segue seu destino de engravidar, parir, proteger e educar novos descendentes.
Nos seres humanos, como mamíferos que são, a procriação se inicia de forma semelhante.
Porém, apresenta aspectos diferentes, no conteúdo emocional envolvido na relação pais e filhos.
Não se trata aqui de, apenas, sobrevivência da espécie. A mãe humana não apenas procria, ela se
realiza psiquicamente pela procriação. Além do mais, ela projeta no filho sonhos, esperanças e
desejos, ou seja, ela espera viver, através do filho, o que não conseguiu viver ou alcançar por seu
intermédio a plenitude do que já́ realizou por si mesma. E, aí, já́ reside uma fonte de problemas e
dificuldades que o filho vai enfrentar ao longo de sua existência...
Enquanto nos outros animais existe uma padronização de comportamento que se propaga
de geração para geração, entre os animais humanos o fato de viver é bem mais complicado, por
envolver aspectos educacionais e psicopatológicos diversos, oriundos das necessidades
adaptativas da mãe, ao longo do seu desenvolvimento como pessoa. O complexo materno se
estabelece desde o momento da concepção, pois a ligação é no nível de alma para alma, de
inconsciente para inconsciente. O filho, normalmente, está na posição de subjugado ao
inconsciente materno, refletindo-o em seu próprio inconsciente, numa troca profunda, onde o
inconsciente pessoal do feto começa a se estruturar, sob o impacto do inconsciente pessoal da
mãe. Muitos complexos que a alma já́ trás de existências anteriores, podem ser constelados por
complexos similares do inconsciente materno. Assim como outros podem começar a se formar,
como o complexo de rejeição, no caso da gravidez não ter sido produto de uma hierogamia, de
um amor real, de uma coniunction efetiva, ou haver se transformado numa fonte de sofrimentos e
incertezas. Certa vez, atendi uma mulher com um complexo materno tão negativo que, ao
engravidar, rejeitou de tal forma o filho, que provocou um aborto espontâneo apenas de nome,
pois, realmente, foi um aborto psiquicamente provocado. Nos filhos, a rejeição maternal cria o
acima citado complexo de rejeição, que os torna incapacitados para lidar com o término de
qualquer tipo de relação.
Uma analisanda apresentava um complexo desse tipo, com tal intensidade, que o simples
fato de um rapaz mostrar interesse por ela numa ocasião, e logo depois não o demonstrar mais,
era motivo para um sofrimento desmedido. Acontece que ela foi rejeitada pela mãe biológica,
desde o início da gravidez, a qual nem a quis ver quando ela nasceu, sendo entregue pela
enfermeira, de imediato, à mãe adotiva.
O arquétipo materno é a base do chamado complexo materno. É uma questão em aberto saber se tal complexo pode
ocorrer sem uma participação causal da mãe passível de comprovação. Segundo minha experiência, parece-me que a
mãe sempre está ativamente presente na origem da perturbação, particularmente em neuroses infantis ou naquelas
cuja etiologia recua até a primeira infância. Em todo caso, é a esfera instintiva da criança que se encontra perturbada,
constelando assim arquétipos que se interpõem entre a criança e a mãe como um elemento estranho, muitas vezes
causando angústia. Quando os filhos de uma mãe super-protetora, por exemplo, sonham com freqüência que ela é um
animal feroz ou uma bruxa, tal vivência produz uma cisão na alma infantil e conseqüentemente a possibilidade da
neurose (Jung, 2000, par. 161)

No filho, o complexo materno pode gerar uma capacidade estética acentuada, um bom
gosto na escolha e combinação, tanto de roupas quanto de objetos para adequação harmoniosa de
um ambiente; uma capacidade de estabelecer vínculos com outros homens e mulheres, e até
resgata a amizade entre os sexos da condenação ao limbo da impossibilidade (Jung, 2000, par.
164).
Igualmente, o complexo materno pode dar ao homem uma vocação natural para educar,
com tato e intuição, além de lhe prover de uma capacidade de conservar os valores do passado e
uma tendência à religiosidade positiva e atuante, perseverança e força de vontade; proporciona
uma curiosidade intelectual acerba, levando a estudos que requerem tenacidade e são
desafiadores. Também dá uma disposição ao sacrifício pelo que é justo e correto. Como a mãe
influencia principalmente o Eros do filho, com Édipo logicamente ocorre o casamento com a
mãe (Jung, 1986, par.272).
O complexo materno no filho pode levar ao dom-juanismo, que significa uma busca
insaciável pela figura materna inconsciente, nas mulheres. Ao atuar sobre a anima, o complexo
materno pode fazê-la se projetar com tal intensidade, que obnubile a identidade sexual
masculina, produzindo uma tendência homoafetiva.
No homossexualismo 7 o componente heterossexual fica preso à figura da mãe de modo inconsciente; no dom-
juanismo, a mãe é procurada inconscientemente "em cada mulher". Os efeitos do complexo materno sobre o filho são
representados pela ideologia do tipo Cibele-Átis: autocastração, loucura e morte prematura. O complexo materno no
filho não é puro, na medida em que existe uma dessemelhança quanto ao sexo. Essa diferença é a razão pela qual em
cada complexo materno masculino, ao lado do arquétipo materno, a anima do parceiro sexual masculino desempenha
um papel importante. A mãe é o primeiro ser feminino com o qual o futuro homem entra em contato e ela não pode
deixar de aludir, direta ou indiretamente, grosseira ou delicadamente, consciente ou inconscientemente a
masculinidade do filho, tal como este último toma consciência gradual da feminilidade da mãe ou pelo menos
responde de forma inconsciente e instintiva a ela. No filho, as simples relações da identidade ou de resistência no
tocante à diferenciação são continuamente atravessadas pelos fatores de atração ou repulsa erótica (Jung, 2000, par.
162).

O texto não significa um juízo de valor sobre a homoafetividade, mas uma análise desse
fenômeno. Em relação à filha, como ela possui a estrutura fisiopsíquica semelhante à mãe, o
complexo materno positivo vai reforçar sua feminilidade; no caso de ser negativo, poderá criar
obstáculo para que os sentimentos femininos possam encontrar livre curso e, inclusive, corre o
risco de inibi-los.
Jung divide as consequências do complexo materno na filha em quatro grupos principais,
existindo, é claro, variações, de acordo com as necessidades adaptativas individuais:
a) hipertrofia do aspecto maternal: quer dizer, ou acontece uma hipertrofia do feminino ou uma atrofia do mesmo; a
filha com hipertrofia do maternal vive sua vida através dos outros, sendo inconsciente de si mesma. Os filhos são
tudo para ela que, sem eles se sente inexistente. O seu Eros se manifesta como uma forma de poder, o qual se torna
mais potente, quanto maior for sua inconsciência de si mesma, aniquilando personalidade e a dos seus filhos. Esta
filha não se desenvolve intelectualmente, mas atua de forma primitiva, instintiva, sempre em torno da finalidade que
estabeleceu para si: ser mãe. 8

b) exacerbação do eros: pode levar à extinção do instinto materno, pois seu objetivo é o relacionamento com o outro.
Sua forma de se relacionar tem caráter obsessivo, manifestando-se em ciúme exagerado, e uma necessidade de
domínio. No fundo de tudo está um ciúme da mãe, que impõe a necessidade de superá-la a todo custo;

Uma mulher deste tipo gosta de relações apaixonadas e sensacionais por elas mesmas, e se interessa por homens
casados, não por eles, mas pelo fato de serem casados, o que lhe dá a oportunidade de perturbar um casamento,
objetivo principal da sua manobra. Uma vez alcançado seu objetivo, o interesse se esvai por falta de instinto materno
e a história continua com outro 9. Este tipo feminino se caracteriza por uma notável inconsciência. Tais mulheres
ficam totalmente cegas no tocante às suas ações 10, o que não é nada vantajoso nem para as pessoas envolvidas, nem
para elas mesmas. Não é necessário ressaltar que para homens de eros indolente, este tipo de mulher oferece uma
ótima oportunidade para a projeção da anima (Jung, 2000, par. 168).

c) Identificação com a mãe: a características desse aspecto é, como o nome indica, uma identificação da filha com a
mãe, levando a uma inibição de sua própria feminilidade. Ela estará sempre com um sentimento de inferioridade em
relação à mãe, por causa da projeção de sua personalidade sobre esta.

A filha contenta-se em depender da mãe, de um modo desinteressado e inconscientemente ela se esforça contra sua
vontade a ascender pouco a pouco a uma posição de tirana da própria mãe, no início sob a máscara da mais perfeita
lealdade e devoção. Ela vive uma existência de sombra, muitas vezes visivelmente sugada pela mãe, cuja vida ela
prolonga como que através de uma permanente transfusão de sangue. Tais virgens exangues não são imunes ao
casamento. Pelo contrário, apesar de sua qualidade de sombra e de sua apatia, ou justamente por causa disso, elas são
altamente cotadas no mercado do casamento. São de tal forma vazias que um homem pode nelas enxergar o que bem
entender; além disso, são tão inconscientes que seu inconsciente estende inúmeras antenas, para não dizer tentáculos
de pólipos invisíveis que captam todas as projeções masculinas, para a grande satisfação dos homens. Tamanha
indefinição feminina é a contra face almejada de uma definição masculina inequívoca, a qual só pode ser estabelecida
de uma forma algo satisfatória quando há condições de empurrar tudo o que é duvidoso, ambíguo, indefinido,
obscuro para a projeção sobre uma encantadora inocência feminina 11. Devido à características de apatia e de
sentimentos de inferioridade, os quais sempre simulam uma inocência ofendida, cabe ao homem o papel privilegiado
de poder suportar essas conhecidas fraquezas femininas, com a magnanimidade e superioridade cavalheiresca.
(Felizmente ele ignora que essas fraquezas são, em grande parte, suas próprias projeções.) Esse notório desamparo da
jovem exerce sobre ele uma atração especial. Ela é de tal forma um apêndice da mãe que já́ não sabe o que lhe
acontece quando um homem aparece por perto. Ela é tão inexperiente e necessitada de ajuda que até mesmo o mais
meigo dos pastores de ovelhas se transforma num arrojado raptor de mulheres, prestes a arrebatar traiçoeiramente de
uma mãe amorosa sua filha. Esta grande oportunidade de poder ser uma vez na vida um grande espertalhão não
ocorre todos os dias, representando para ele um forte incentivo. Foi assim que Plutão raptou Perséfone da
inconsolável Deméter, mas por um decreto dos deuses teve que ceder sua mulher para a sogra, a cada verão. (O leitor
atento perceberá que tais lendas não surgem "por acaso"!) (Jung, 2000, par. 169).

d) defesa contra a mãe: na verdade este é um tipo intermediário de complexo materno negativo. A filha sente- se
fascinada pela mãe, mas resiste obstinadamente a se identificar com ela. Está sempre se defendendo dela, pois não
quer ser como ela, de forma nenhuma. A filha com esse complexo negativo pode levar ao desenvolvimento da
inteligência, para se dissociar da mãe, de quem deseja quebrar qualquer influência, criticando e se mostrando
culturalmente superior. Geralmente apresenta um desenvolvimento de aspectos masculinos na personalidade e nas
atitudes.

Tal filha sabe tudo o que não quer, mas em geral não tem clareza acerca do que imagina ser seu próprio destino. Seus
instintos concentram-se na mãe, sob a forma de defesa, não se prestando pois à construção de sua própria vida. Se,
apesar disso, ela casar-se, por acaso, seu casamento serve apenas para livrar-se da mãe ou então o destino lhe impinge
um marido com traços de caráter semelhantes ao da mãe. Todos os processos e necessidades instintivos encontram
dificuldades inesperadas; a sexualidade não funciona ou os filhos não são bem-vindos, ou os deveres maternos lhe
parecem insuportáveis, ou ainda as exigências da vida conjugal são recebidas com irritação e impaciência. De certa
forma, tudo isso não pertence às realidades essenciais da vida, uma vez que seu fim último é constituído unicamente
pela defesa persistente contra o poder materno. Em tais casos, podemos ver em todos os seus detalhes os atributos do
arquétipo materno. Por exemplo, a mãe enquanto família, ou clã, produz uma violenta resistência ou falta de interesse
por tudo o que representa família, comunidade, sociedade, convenção, etc. A resistência contra a mãe, enquanto
uterus, manifesta-se muitas vezes através de distúrbios da menstruação, dificuldade de engravidar, horror da gravidez,
hemorragias e vômitos durante a gravidez, partos prematuros, etc. A mãe enquanto matéria provoca impaciência em
relação ao objeto, desajeitamento na manipulação de ferramentas e louças, bem como mau gosto no vestir (Jung,
2000, par. 170).

A ligação afetiva intensa, de matiz neurótico, entre filho ou filha e mãe, pode também ser
causado por fatores paligenésicos, isto é, ter origem em intensas vivências afetivas em
existências passadas. A reunião de ambos, pela maternidade, exacerba os laços anteriores,
transformando-os em ligações patológicas. Normalmente, o filho é um parceiro afetivo de
outrora: um antigo pai, mãe, marido, irmão, amigo ou amante. Sejam quais forem as origens
afetivas, a intensidade dos laços emocionais podem gerar condições doentias, em prejuízo de
ambos.
O famoso complexo de Édipo não se trata de um desejo sexual da criança por sua mãe, mas
de uma intensa ligação pelo fato dela alimentá-la e cuidá-la. Quando a criança está mamando, ou
chupando o dedo, não está em “devaneio sexual”, mas simplesmente sentindo o prazer gustativo
e fisiológico do ato de se alimentar. Quando nós estamos comendo, curtimos o gosto do
alimento, sem termos qualquer excitação sexual.
O complexo de Édipo é, em última análise, uma “recordação emocional” dos tempos da
infância, quando o colo materno nos acolhia e confortava. Numa visão junguiana, esse complexo
representa uma atração do inconsciente, um desejo de retorno ao nirvana da inconsciência do
útero, onde não haviam crises financeiras, amorosas ou de outro tipo.
O complexo paterno
Naturalmente, como visto no texto anterior, a mãe é o primeiro ser com quem a criança tem
contato. É primeiro e viceral contato, como se sabe, seguido do contato de dependência, pela
necessidade de muitos cuidados que a mãe tem de prover: alimentação, limpeza, carinhos etc.
Para as crianças de ambos os sexos o tratamento é o mesmo, durante os tempos iniciais da
existência.
Desde a fecundação, contudo, outro elemento começa agir sobre o nascituro: o pai. Na
verdade, sua ação já́ acontece antes da encarnação, pois ele é uma figura de relativa importância
na aceitação do ser que vai encarnar.
Estou me referindo a uma encarnação normal, onde pai e mãe têm um compromisso e
responsabilidade na construção do núcleo familiar. A partir da aceitação paterna, a fecundação
vai surgir de um encontro fisiopsíquico, na relação sexual, a conjuntion hierogâmica, onde os
arquétipos materno e paterno agem, em conjunto com o arquétipo da perpetuação da espécie,
para que a geração de um novo ser aconteça. Durante a gestação, o inconsciente do encarnante
recebe a influência paterna via o inconsciente materno, nos contatos com intensa afetividade,
como momentos de carinhos, confrontos antagônicos e as relações sexuais.
Após o nascimento, a criança, gradualmente, entra em contato com outras pessoas do seu
ambiente. Dentre elas se destaca, naturalmente, a figura do pai. Aí se inicia um processo com
diferentes reações e consequências, conforme o sexo da criança. Naturalmente, a mãe tem um
papel preponderante nele, pois ela pode açambarcar o filho, como a defendê-lo da ingerência
paterna, por puro apego ou amor egoístico: uma tentativa de manter o mesmo laço visceral dos
tempos da gravidez.
Por sua vez, o pai pode sentir o nascituro como rival, pois lhe impede o acesso livre que
antes tinha à esposa. Isto pode, também, ser consequência da indiferença sexual e falta de
companheirismo que a esposa demonstra, por causa da criança, a qual, muitas vezes, é seu
principal objetivo com o casamento. Em casos que tais, a mulher tende a se afastar do marido,
dirigindo toda sua afetividade para o filho, tornando-se uma mãe devoradora, como visto no
complexo materno. Muitas vezes o espírito encarnante já́ foi um parceiro afetivo da mãe, o que
intensifica a ligação entre eles e cria uma rejeição, às vezes violenta, por parte do pai. Isto forma
um dos matizes do chamado complexo de Édipo, sobre o qual fiz um esboço algumas linhas
atrás.
Um filho, normalmente, é o terceiro fator na relação, quando ainda não existe, mas, ao
nascer, o pai torna-se o terceiro excluído, por causa dos cuidados mais prementes dos primeiros
dias. Todavia, a mãe deveria se colocar na posição de excluída, e proporcionar a aproximação
entre pai e filho, mas, em geral, isto é pedir muito à mãe, sua possessividade, geralmente, não
aceita tal “sacrifício”... Assim, a rejeição do filho pelo pai, por senti-lo como rival, é um fato que
acontece mais do que se imagina.
Enquanto a mãe representa o Eros, o Yin, o acolhimento, o pai representa o logos, o Yang,
a norma, a preservação dos costumes, a lei, a disciplina; por isso cabe a ele impor limites ao
filho, se opondo à impulsividade do filho, para ajudá-lo a controlá-la. É função do pai fazer do
filho seu herdeiro, não apenas dos bens, mais do papel de representante e seguidor fiel dos usos e
costumes tradicionais. Por isto, o pai se apresenta ao psiquismo do filho como uma ameaça aos
seus impulsos e desejos.
O filho do sexo masculino, por sua vez, tende a, nos primeiros tempos, reagir à presença do
pai, sentindo-o como um rival. Para isso concorre o fato de ser do mesmo sexo do pai, o que,
biologicamente, cria uma atração natural entre ele e sua mãe, por causa de uma enantiodromia
natural, isto é, a atração entre opostos. Na verdade, o filho sente, de forma inconsciente que lhe
cabe a tarefa de substituir o pai, e este impulso o leva a defender sua vinculação à mãe, por se
sentir com mais direito a ela, a quem esteve ligado visceralmente, do que o pai, que vê como um
“outro”, como os quais somente tem vínculos, aparentemente, sociais.
A filha, por seu turno, desenvolve os mesmos sentimentos do filho, em relação à mãe,
pelos mesmos motivos; todavia, uma diferença vai se impor: desde a mais remota Antiguidade,
sempre o desejo por filhos do sexo masculino foi maior do que pelos do feminino. Em algumas
tribos, chegava-se a matar, sob tortura, o primeiro filho, se fosse do sexo feminino, para que o
espírito voltasse como menino; isto levava a mãe a prezar mais o filho homem do que a filha.
Nesse caso, a filha, normalmente, recebia quando do nascimento, uma rejeição, tanto materna,
quanto paterna. O filho homem seria o defensor e perpetuador da família e da sociedade,
enquanto a filha mulher era alguém que teria de sair da família original, para ir fazer parte de
outra família, defendendo outros interesses, às vezes contrários à sua linhagem original.
Todavia, o fato de ser do sexo feminino, cria laços de afetividade mais intensos, da filha
com o pai. Ele é o primeiro atualizador do seu animus e, por isso mesmo, o primeiro objeto, fora
do campo materno, do seu Eros. O ciúme que ela desenvolve é muito mais da mãe, cujo lugar,
inconscientemente ela almeja ocupar, nas atenções do pai. A mãe, por sua vez, contribui para
isso, na medida em que direciona mais a filha para o pai, enquanto guarda mais o filho para si.
Mas, enquanto Sigmund Freud viu nisso um problema meramente sexual, a Psicologia Analítica
identificou uma circunstância arquetípica, que analisaremos mais adiante.
Na família, geralmente, existe uma referência cruzada de afetos entre pais e filhos. A filha
tende tanto para o pai que, quando este se desvia afetivamente para outras mulheres, a sua reação
é de ser ela a traída, muito mais do que a mãe, embora ela, conscientemente, justifique suas
atitudes de confrontação com o pai, como uma defesa da mãe traída. Mas, às vezes, a rivalidade
com a mãe a leva a compreender a traição paterna, e até justificá-la, para espanto e decepção
daquela.
Quando a filha e o pai tiveram relacionamentos afetivos, em existências anteriores, a
atração entre os dois pode culminar em vivências incestuosas. Isto não serve para justificar as
tendências criminosas por pedofilia, da parte dos pais, pois se nasceram na condição paterna e
filial, era justamente para vencer ligações adulterinas prejudiciais anteriores. Não se pode usar a
reencarnação como desculpa para ações criminosas e pervertidas, pois essas em nenhuma
circunstância podem ser justificadas. Afinal, o objetivo é o crescimento e evolução espiritual, e
estes exigem uma postura ética adequada.
Se a filha se identifica por demais com a figura paterna, costuma assumir uma
personalidade dita masculina. Isto não significa, normalmente, o desenvolvimento de
homossexualidade, mas que ela age de acordo com critérios socialmente, e até estruturalmente,
comuns no sexo masculino. Ela se torna “filha do pai”, à maneira de deusa Palas Atená.
De acordo com o mito grego, durante a luta com os Titãs, Zeus sentiu uma insuportável dor
de cabeça; para livrar-se dela, pediu a Hefesto, o deus artesão do Olimpo, que lhe abrisse a
cabeça com sua pesada marreta, o que este o fez. De imediato, da cabeça aberta do pai dos
deuses, saiu Atená, devidamente paramentada, com armadura e lança, entrando logo na refrega,
em defesa do pai. As mulheres que são “filhas do pai”, costumam, como a deusa, buscar a
sabedoria, tornando-se grandes profissionais em todos os campos da cultura, ou das artes;
normalmente não se sujeitam a outros homens. Muitas não se casam, e quando o fazem, são o
“homem da casa”: ...o pai influencia o espirito (logos) da filha. Elevando o mesmo, e isto não
raro até uma intensidade patológica, estado esse que mais tarde denominei “possessão do animus
(Jung, 1986, par. 272).
Na clínica terapêutica, as “filhas do pai” costumam apresentar um conflito com a
feminilidade, muito intenso. É necessário que, primeiros, se conscientizem desse conflito para
então, começarem a fazer contato com sua feminilidade, a fim de vivê-la de forma natural.
Complexo de Rejeição
Muitas vezes a pessoa sente uma necessidade compulsiva de ser aceita nos meios onde
vive, e para isso faz todos os esforços possíveis, indo até ao sacrifício de seus anseios e desejos,
para atender aos desejos e necessidades alheias. Normalmente isto é devido a um complexo de
rejeição. Quase sempre esse complexo tem sua origem na rejeição sofrida por um dos pais. A
criança, que foi rejeitada pela mãe ou pelo pai, pode passar uma vida inteira tentando ser
reconhecida, fazendo o possível e o impossível para chamar a atenção, ouvir elogio, receber
aprovação, um gesto de afetividade, o reconhecimento do seu valor etc. E tudo, inutilmente, pois
quanto mais requer, mais quem a rejeitou se nega, de forma sistemática, a atender seus apelos. É
muito doloroso ver como pais que se dizem bons, torturam filhos cruelmente, negando-lhes o
reconhecimento que merecem.
Muitas vezes, a rejeição vem da frustração de um desejo parental intenso, quanto ao sexo
do primeiro filho. Pai que deseja um filho do sexo masculino, e nasce uma menina, pode ter duas
atitudes, ou rejeitar drasticamente ou passar a tratá-la como homem, a ponto de interferir no
desenvolvimento de sua identidade sexual.
Na Antiguidade, os filhos rejeitados eram simplesmente eliminados ou, usando o termo
empregado na época, expostos, isto é, jogados fora ainda vivos, no mato ou nas entradas dos
Templos, quando não vendidos aos mercadores de escravos. Hoje em dia, o assassinato de filhos
recém-nascidos, pela mãe, durante a chamada depressão pós-parto, reflete uma rejeição violenta
da maternidade, por parte da mãe. E, em alguns casos, a rejeição pode nascer de problemas
acontecidos em existências anteriores, entre a mãe e o postulante a filho.
Segundo se informa, o Estado chinês, pela imposição da política do filho único, com o
objetivo criminoso de adequar a população à economia, em vez do contrário, como deveria ser,
incentiva o aborto e assassinato dos demais filhos que venham a nascer; todavia, é comum o
assassinato do primeiro filho, quando do sexo feminino, pois os filhos do sexo masculino são,
geralmente, os preferidos.
A rejeição tem causas diversas, tanto espirituais quanto psicológicas. No primeiro caso, sua
gênese pode estar em fatos acontecidos em outras existências. A literatura mediúnica apresenta
inúmeros casos que exemplificam a nossa afirmação.
Conclusão
Os complexos são inúmeros, mas não é o objetivo deste livro tratar deles, por isto ficarei
apenas nos citados.
Você percebeu que eu chamei atenção para o fato dos complexos influenciarem nossos
comportamentos, muitas vezes, em detrimento do que realmente queremos. Eles agem como
Duende, Saci-Pererê, Gnomos etc., fazendo-nos dizer coisas que não desejamos verbalizar,
esquecer o que queremos lembrar, passar por situações que nos envergonham, e assim
sucessivamente. Todavia, os complexos tratados neste capítulo, ao lado do aspecto negativo que
apresentam, têm também a função de nos auxiliar em determinados momentos. Os complexos de
culpa, por exemplo, podem nos obrigar a tomar uma postura mais digna diante da vida, os
complexos materno e paterno nos orientam nas funções de criar vínculos, atuar com autoridade,
traçando limites e exigindo o cumprimento do que é correto; o complexo de rejeição pode
despertar em nós sentimentos de bondade e sacrifício, em prol de pessoas ou comunidades.
Enfim, quando abordo o aspecto negativo é porque este necessita ser trabalhado, para deixar de
ser um fator de sofrimento ou de obstáculo ao nosso desenvolvimento interior e exterior.
Exercício 11
Atualize a sua autobiografia, procurando recordar situações na infância em que se sentiu
rejeitado, exposto, agredido etc., e verifique como elas continuam a repercutir em sua vida, na
forma de incapacidade de aceitar um não ou desinteresse de outro ou a não aceitação por grupos
ou comunidades; na incapacidade de estar na posição de centro das atenções, ou sentir timidez
exagerada; na necessidade de estar sempre se defendendo ou reagindo de forma inadequada,
como se todos estivessem contra você. Faça também um “exame de consciência” para identificar
todas as situações em que seu comportamento ensejou remorsos, e como esta culpa está atuando
em sua existência.
Num esforço de análise, procure descobrir o aspecto positivo dos acontecimentos negativos que
identificou!
7 No tempo em que Jung escreveu usava-se o termo homossexualismo, inclusive porque psiquiatricamente era considerado como
doença. Hoje essa visão foi corrigida, e se usa homossexualidade, em seu lugar.

8 o aspecto negativo desta (hipertrofia) é representado por uma mulher cuja única meta é parir. O homem, para ela, é
manifestamente algo secundário; é essencialmente o instrumento de procriação, classificado como um objeto a ser cuidado entre
as crianças, parentes pobres, gatos, galinhas e móveis (Jung, 2000, par. 167);

9 Aqui este tipo se diferencia do seu similar, o complexo feminino do pai, caso em que ao contrário o “pai” é cuidado e mimado
(Nota número 12 no original).

10 Isso não quer dizer que, para elas, os fatos sejam inconscientes, apenas seu significado o é (Nota número 13 no original).

11 Esse tipo de mulher tem um efeito estranhamente aliviador sobre o marido, mas só enquanto este não descobre com quem se
casou c com quem dorme com ele na cama, isto é, a sogra (Nota de rodapé número 14, no original).
Aquilo que relutamos reconhecer em nós próprios!
Você sabe que a lua tem um lado que nós não conseguimos enxergar - apesar de,
periodicamente, ele se nos apresentar -, pois está sempre imerso em escuridão. Da mesma forma,
existe em nós um lado desconhecido, normalmente não percebido pela consciência! É um
“buraco negro” psíquico, pois captura até a luz não a deixando escapar, e como nos acompanha
sempre, por toda parte, foi denominado de sombra.
A sombra é um arquétipo que se atualiza como tudo aquilo que não queremos aceitar que
temos ou somos. E um dos que atuam sistematicamente sobre nossa vida consciente de forma
contínua e constante. Isto porque o ego não consegue ter uma visão isenta de si próprio, nem
lidar com ideias e sentimentos que têm um conteúdo emocional aversivo, por ser cultural e
emocionalmente reprovado pela moral e os bons costumes; ele então tenta se livrar deles
negando que os tenha ou sinta, então os reprime. É mais fácil fazê-los desaparecer da
consciência, jogando-os no arquétipo da sombra.
O problema com a sombra é que ela não é um continente estático, mas ativo, e que está
sempre devolvendo os conteúdos enviados para ela à consciência, de forma disfarçada. Como o
conteúdo da sombra foi descartado pelo ego, para não se tornar um incômodo à consciência, ele
retorna como projeção. A projeção é parte integrante do inconsciente, e não existe psiquismo que
funcione sem ela. Ela acontece, sem que se possa controlá-la uma definição dela é: a projeção é o
ato de se atribuir um fenômeno subjetivo a um objeto externo. Todavia, para que uma projeção
aconteça, é necessário que o objeto possua um ponto onde possa se prender, ou seja, ele tem que
possuir a qualidade que a projeção lhe atribui.
Quando nós reagimos emocionalmente à atitude de pessoas, a determinados hábitos e
maneira de ser, isto é uma projeção, pois somente condenamos emocionalmente nos outros, o
que, de alguma forma, existe em nós. Certa vez eu explicava o mecanismo da projeção a um
grupo, quando alguém retrucou que não aceitava a explicação. Perguntei por que, e ela respondeu
que tinha horror à mentira, e nunca mentia. Indaguei, então se ela não mentia de forma alguma,
mas retificou o que dissera, contando que, às vezes, a filha pequena dela, queria ir à casa de
alguma amiguinha e ela, mentindo, dizia que não estaria em casa pois havua saído. A pessoa não
percebia que seu horror à mentira que os outros pregavam, era uma reação à sua forma de mentir.
Era uma projeção da sombra da mentira. E, como todo mentiroso, ela enfrentava um grave
perigo, o de sua filha descobrir a mentira e, daí para diante, perder a confiança nela, o que seria
um desastre no relacionamento entre elas.
A projeção da sombra existe entre pessoas, grupos, povos e nações. Quando vemos
campanhas emocionais, que atribuem defeitos e má conduta a pessoas, grupos, povos e nações se
está diante de um fenômeno de sombra projetada. Pois aquilo que não se admite em si, é
projetado sobre outros, e, dessa forma, condenado, execrado e perseguido nos outros. É claro que
quem recebe a projeção possui os valores projetados, se não tivessem não haveria como a
projeção se realizar.
Mas a sombra não guarda apenas o que é negativo. Existe um desconhecimento, e até a
negação, em nós, de virtudes e qualidades que possuímos, então, a projetamos em outros, aos
quais elogiamos com muita intensidade. É a sombra áurea. A paixão por outra pessoa, por
exemplo, é um exemplo claro de sombra áurea. O apaixonado projeta suas virtudes no objeto de
sua paixão, e não consegue lhe ver os defeitos, simplesmente porque está apaixonado por si
mesmo, projetado no outro.
Um fator de autoconhecimento é a conscientização da própria sombra, quer dizer, dos
elementos em si que estão sendo inconscientemente projetados nos outros. Para tanto, um
método é o de se procurar entender o porquê o outro nos incomoda tanto. Em seguida, procurar
em nós a forma semelhante de comportamento, para integrá-la à consciência, isto é, para que
deixe de ser inconsciente e passe a fazer parte do que sabemos sobre nós. Isto nos dá a
capacidade de dominar o problema, deixando de agir impulsivamente, sem ter conhecimento do
que estamos fazendo. Quando integramos uma forma de ser, nos apropriamos da libido que era
usada para a projeção, podendo a nossa psiquê usá-la em outras atividades.
Mas, assim como a sombra é projetada, ela pode ser retirada do objeto que a recebeu. A
conscientização de uma projeção, e sua integração à consciência nos liberta do julgamento
emocional do outro, dando-nos maior tolerância, pois nos apossamos de nossa humanidade, e
verificamos que todos temos os ônus e os bônus da condição humana. A integração da sombra
nos faz melhores, mais fraternos, mais compreensivos com os nossos semelhantes. Uma
importante fonte de contato com a sombra é a opinião das pessoas que não gostam de nós, que
nos antipatizam. Eles sempre apontam nossas fraquezas de caráter e personalidade. A opinião dos
amigos nem sempre pode ajudar, pois eles se sentiriam constrangidos em falar dos nossos
defeitos, justamente por amizade.
Uma forma de verificar o recolhimento de projeções, é quando o que lhe incomodava ou
fascinava no outro, perde intensidade. Na paixão, por exemplo, quando nos dizemos desiludidos
com a pessoa que era o objeto dela, isto significa que a projeção foi retirada, ou começa a ser
retirada. Esse fenômeno acontece pelo fato do outro ser uma individualidade. A projeção forte da
paixão, termina por não se enquadrar como o individual na pessoa apaixonante, e é obrigada a se
recolher à sombra áurea e, ali, aguardar outra oportunidade para se projetar sobre um novo objeto
que nos motive a paixão.
Não pense que fazer contato com a sombra é uma coisa fácil, ao contrário, exige muito
esforço e vontade firme. Inclusive, se tem de ficar atento aos mecanismos de defesa do ego, que
fazem de tudo para impedir um contato com esse aspecto sóbrio de nossa personalidade. Sobre
isto disse Jung:
A sombra constitui um problema de ordem moral que desafia a personalidade do eu como
um todo, pois ninguém é capaz de tomar consciência desta realidade sem despender energias
morais. Mas nesta tomada de consciência da sombra trata-se de reconhecer os aspectos obscuros
da personalidade, tais como existem na realidade. Este ato é a base indispensável para qualquer
tipo de autoconhecimento e, por isso, via de regra, ele se defronta com considerável resistência.
Enquanto, por um lado, o autoconhecimento é um expediente terapêutico, por outro lado implica,
muitas vezes, um trabalho árduo que pode se estender por um largo espaço de tempo (Jung,
1988, Par. 14).
Mas, muito antes dele, na edição de O Livro dos Espíritos de 1860, Allan Kardec
acrescentou, dentre outras coisas uma resposta do espírito de Agostinho de Hipona, onde se trata
conceitualmente da sombra, do mecanismo de defesa, e dos meios de conhecermos os conteúdos
da sombra:
O conhecimento de si próprio é... a chave do aperfeiçoamento individual; mas, direis, como se julgar? Não temos nós
a ilusão do amor próprio que minimiza as faltas e as faz desculpar? O avaro se julga apenas econômico e previdente;
o orgulhoso considera ter apenas dignidade. Isso é verdade, mas tendes um meio de controle que não vos pode deixar
enganar. Quando estais indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, perguntai-vos como a qualificarias se fosse
praticada por outra pessoa; se a condenais em outro, não poderia ser justa em vós, pois Deus não tem duas medidas
para a justiça. Procurai também saber o que os outros pensam, e não negligencieis a opinião dos vossos inimigos, pois
eles não têm nenhum interesse em mascarar a verdade e, freqüentemente, Deus os colocou ao vosso lado como um
espelho para vos advertirem com mais franqueza do que faria um amigo (Kardec, 2007, questão complementar à 919.
Destaques meus).

Mas não se sofre prejuízos simplesmente pelo aspecto negativo da sombra. Na verdade, a
sombra áurea é formada pelos aspectos positivos da personalidade que foram reprimidos. Certa
vez, uma paciente me relatou que havia participado de uma conferência pronunciada por uma
mulher que ocupa um alto posto no Poder Judiciário. Ela falava com tanta empolgação, que ficou
claro se tratar de um fenômeno de projeção da sua sombra áurea. E chamei sua atenção para o
fato dela também possuir, de certa forma, as qualidades que tanto admirara.
De início, ela contestou minha afirmação. Todavia, sem perceber, foi revelando
acontecimentos, durante sua puberdade, nos quais tivera condições de demonstrar qualidades
como as que admirara, sendo, todavia, cerceada por pessoas e situações diversas, principalmente
pelo pai. Então, verificou que não havia aproveitado de qualidades que poderiam ter contribuído
para uma vida diferente da que levara até então. Ela estava com quarenta anos, e tinha uma
situação financeira e social, relativamente boa. Mas guardava a frustração de não haver
desenvolvido seus próprios projetos existenciais. Fora podada, e muito, pela ação da mãe, a qual
lhe impôs, até, o prestar concurso público para o órgão no qual trabalha, desqualificando a
graduação universitária que pretendia conseguir. Terminará se graduando numa carreira que não
utilizara para nada, a não ser como título a ser apresentado, quando necessário.
Foi um choque tão grande essa descoberta, que ela teve diversas crises de choro e raiva.
Todavia, conseguiu desenvolver muito das qualidades latentes, retomando em parte os projetos
da juventude, e qualificando-se no que sonhara um dia fazer. Claro que não foi igual ao que seria
se houvesse seguido o curso normal de seus planos juvenis, mas, hoje em dia é uma palestrante e
focalizadora de seminários e aulas, culta e dirigente e institutos de ensino. Enfim, ela está
realizando o seu desígnio totalmente e, o melhor de tudo, é segura de se mesmo e muito feliz.
Exercício 12
Toda vez que você emita opiniões emocionais sobre o comportamento dos outros, se interrogue:
De que forma eu também ajo assim? Observe a pessoa que mais lhe incomoda, e que,
normalmente, lhe tira do sério, e procure ver, em você, como sua mesma maneira de ser, muitas
vezes, é semelhante à que você tanto critica nela.
Os que falam mal de você são fontes preciosas para que você possa conhecer sua sombra. Em
vez de reagir, com raiva, pare e pense: quais minhas ações e atitudes o levaram a ter esse
conceito de mim?
Em caso de paixão, se esforce para identificar como o outro é, retirando dele a função de espelho
de você mesmo, que lhe atribuiu. Igualmente, analise sua grande admiração por determinadas
pessoas, e procure identificar em si de que forma você também possui as qualidades que tanto
admira.
Conteúdos inconscientes comuns a todos os seres
Existem em nós elementos que compartilhamos com todos os seres vivos. No organismo
temos células, códigos genéticos, instintos e arquétipos. Os três primeiros elementos são
conhecidos e tranquilamente comprovados, já́ o quarto, não!
...no inconsciente encontramos também as qualidades que não foram adquiridas individualmente mas são herdadas,
ou seja, os instintos enquanto impulsos destinados a produzir ações que resultam de uma necessidade interior, sem
uma motivação consciente. Devemos incluir também as formas a priori, inatas, de intuição, quais sejam os arquétipos
da percepção e da apreensão que são determinantes necessárias e a priori de todos os processos psíquicos. Da mesma
maneira como os instintos impelem o homem a adotar uma forma de existência especificamente humana, assim
também os arquétipos forçam a percepção e a intuição a assumirem determinados padrões especificamente humanos.
Os instintos e os arquétipos formam conjuntamente o inconsciente coletivo. Chamo-o "coletivo", porque, ao contrário
do inconsciente acima definido, não é constituído de conteúdos individuais, isto é, mais ou menos únicos, mas de
conteúdos universais e uniformes onde quer que ocorram. O instinto é essencialmente um fenômeno de natureza
coletiva, isto é, universal e uniforme, que nada tem a ver com a individualidade do ser humano. Os arquétipos têm
esta mesma qualidade em comum com os instintos, isto é, são também fenômenos coletivos (Jung, 1998, par. 270).

Os arquétipos são conteúdos próprios do inconsciente coletivo, e sobre ele tratarei mais
adiante, de forma exclusiva. Inconsciente coletivo quer dizer, um conjunto de conteúdos do seu
psiquismo que são comuns aos outros seres, mas que cada um o expressa em sua existência num
viés individual.
O inconsciente coletivo é o resultado de todas as experiências do espírito em sua jornada
evolutiva, desde os primórdios atemporais de sua criação e, naturalmente, continuando desde que
começou a interagir dialeticamente com a matéria.
Você, assim como todos os seres humanos, tem uma história tão antiga quanto o próprio
Universo. Afinal, somente existimos por causa do Big-Bang. Isto é fácil de entender. Pense no
que leu nos capítulos iniciais sobre o corpo, nos exercícios e meditações que fez. O seu corpo
funciona de modo inconsciente para você. Isto é por causa do código genético, dirão alguns, mas
como se estruturou o código genético? Através de incontáveis experiências, na jornada evolutiva
de mais de três bilhões de anos da vida, no planeta Terra. E onde ficaram armazenados os
resultados dessas experiências? Num simples arranjo de duas purinas (adenina e guanina) e duas
pirimidinas (citosina e timina)? De forma alguma, tem de haver um meio permanente onde se
encontrem gravadas as pulsões vitais que põem em ação o código genético quando e onde
necessário. Isto vai nos levar a admitir que exista outra instância não totalmente física, mas
interagindo com o físico, onde estão os centros dos quais as pulsões vitais se originam. Jung
denominará tais pulsões, com mais propriedade, de imagens arquetípicas, as quais comandam o
processo de geração e manutenção do organismo físico.
Veja quantas coisas ainda desconhecemos sobre nós e nossa origem, tanto física, quanto
psíquica. Mas, a verdade é que toda uma conquista evolutiva estão inscrita em nós, ou melhor
dizendo, elementos inatos em nós orientaram nossa evolução, quer como espécie, quer como
indivíduos. E esses elementos, os arquétipos, estão no psiquismo de todos os seres do conjunto
biológico do globo terrestre. Você acha exagero falar em psiquismo quando se trata de animais e
plantas? Alguns psicólogos e psiquiatras, também. Mas posso afirmar que a biologia e a etologia
discordam, veementemente, deles, como podemos descobrir na citação seguinte de Rémi
Chauvin:
...caso das orquídeas. Estas flores têm estames demasiado afastados do pistilo para que a fecundação seja possível e
elas não fabricam néctar. As abelhas, estas furiosas polinizadoras, não têm, portanto, qualquer razão de se interessar
por ela. As flores têm, então, de inventar outro dispositivo (que se tranquilizem, é uma metáfora, e no ponto onde nós
estamos eu não sei quem inventou o que). Todavia, existe uma espécie de vespa na qual os machos nascem primeiro
do que as fêmeas. O macho, portanto, amadurece primeiro, e sente-se atormentado por uma fogosa necessidade de
reprodução, antes das fêmeas terem alcançado o cio. Ele procura, sem sucesso, uma fêmea, mas o que vê sobre o vaso
das orquídeas? Desenhos bastante precisos que simulam, pelo menos para o olho humano, um inseto pousado sobre a
corola. E para o olho da vespa também, e ainda mais, pois, como Kullenberg demonstrou, duas placas da corola
segregam um odor semelhante ao das fêmeas. O macho, no estado de privação em que está, não olha, sem dúvida,
não atenta para detalhes e copula com a flor. Naturalmente, isso não terá consequências para ele, mas é muito
diferente para a orquídea: porque, se agitando as peças genitais do macho retêm algumas massas polínicas e as colam
sobre o pistilo. Um mês mais tarde nascem as fêmeas da vespa; mas, então, todas as orquídeas estão murchas. Mas se
a vespa está ausente, a orquídea não está sem recursos; pode apelar para uma certa abelha solitária cujos machos têm
efetivamente necessidade dos seus bons serviços. Com efeito, as fêmeas não querem aceita-los se eles não são
perfumados e eles não têm, por eles mesmos, nenhum perfume. Mas podem recorrer à Orquídea, porque sabem
(como?) que no fundo de sua corola se encontra uma secreção oleosa que as fêmeas apreciam extremamente. Eles
penetram, então na corola e começam a raspar o parênquima perfumado, cujas gotas se acumulam em dois
receptáculos em suas tíbias posteriores que a evolução ou o Bom Deus ou o demiurgo, ou qualquer um que
desejardes, colocou ali justamente para se encher do licor odorante. Quando os receptáculos estão cheios, os machos
os vão esvaziar diante das fêmeas que lhes concedem, então, seus favores. Adivinharam, naturalmente que, no curso
de suas evoluções na corola da orquídea, os machos destacaram massas polínicas das quais, uma, pelo menos,
encontrou o pistilo da flor (Chauvin, 1985, pp. 75-76. Tradução minha)

Porque será que orquídea se preparou para a reprodução, criando duas possibilidades para
que isto acontecesse? Um Richard Dawkins diria: foram os genes! Mas, falando sério, não é um
simples caso de instinto de reprodução, porém de uma estratégia de reprodução. Quer dizer que,
algo na orquídea, tem a capacidade de estabelecer uma estratégia inteligente para ela se
perpetuar. Esse algo tem de estar além dos códigos genéticos: uma imagem arquetípica que gera
uma possibilidade dupla de reprodução, para resolver um problema criado pela forma da flor, que
coloca o estame e o pistilo muito longe um do outro, gerando uma dificuldade reprodutora.
Por este rápido exemplo, você já́ pode verificar que existe em nosso psiquismo um sistema
de controle, regulação e manutenção de todas as suas funções orgânicas. Já parou para pensar
que você não precisa se preocupar com o fazer a bílis, por exemplo, porque o seu fígado já́ faz
isto automaticamente? E onde está o controle dele? No cérebro, naturalmente, mas quem está no
comando do cérebro? O célebre fantasma da máquina, ou seja, sua alma, através de mecanismos
que lhe são absolutamente inconscientes. O inconsciente coletivo é o centro de comando de todas
as funções orgânicas e psíquicas. É dele que surgem as pulsões evolutivas que impulsionam os
destinos individuais e coletivos.
O inconsciente coletivo é a formidável herança espiritual do desenvolvimento da humanidade que nasce de novo na
estrutura cerebral de todo ser humano. A consciência, ao invés, é um fenômeno efêmero, responsável por todas as
adaptações e orientações de cada momento, e por isso seu desempenho pode ser comparado muitíssimo bem com a
orientação no espaço. O inconsciente, pelo contrário, é a fonte de todas as forças instintivas da psique e encerra as
formas ou categorias que as regulam, quais sejam precisamente os arquétipos. Todas as ideias e representações mais
poderosas da humanidade remontam aos arquétipos. Isto acontece especialmente com as ideias religiosas. Mas os
conceitos centrais da Ciência, da Filosofia e da Moral também não fogem a esta regra. Na sua forma atual eles são
variantes das ideias primordiais, geradas pela aplicação e adaptação conscientes dessas ideias à realidade, pois a
função da consciência é não só a de reconhecer e assimilar o mundo exterior através da porta dos sentidos, mas
traduzir em realidade visível o mundo dentro de nós (Jung, 1998, par. 342).

(Na 3a edição da versão da Vozes, que estou usando, o final do último parágrafo está assim:
“...mas traduzir criativamente o mundo exterior para a realidade visível”; é claro que a palavra
exterior está usada equivocadamente. Na 2a edição (5a impressão) da versão inglesa da Princeton
Universty Press, de 1981, a frase é assim: “...but to translate into visible reality the world within
us”. É claro que “within us” (dentro de nós), é a expressão adequada, tornando o sentido claro,
por isto foi usada por mim. Por isto preferi traduzir e usar está última, mantendo ipsis literis todo
o texto precedente).
Então, você tem dentro de si uma riquíssima herança ancestral, que vem dos primórdios da
vida, na Terra. Nem mais, nem menos! É sabedoria natural, que expressa o acúmulo de
experiências de milhares de milhões séculos, gravados em seu inconsciente, sendo usada à
revelia da consciência, portanto do eu; você já́ a usava antes de adquiri consciência de si mesmo.
Sua própria consciência foi gerada pela dinâmica criadora do seu inconsciente coletivo. Foi em
suas insondáveis profundezas que o eu se estruturou, e se estrutura a cada nova existência da
alma.
As várias existências são os meios pelos quais, a alma é colocada diante dos desafios do
viver na matéria, os quais podem ser comparados com as dificuldades enfrentadas por uma
cobaia na caixa de Skinner, com o objetivo de fazê-la aprender um novo comportamento.
Dos conteúdos do inconsciente coletivo, alguns nunca alcançarão a consciência e outros só
o farão de forma simbólica, como podemos ver nos mitos e lendas de todos os povos.
Exercício 13
Imagine-se vivendo na idade da pedra, enfrentando uma natureza desfavorável, tendo de usar, a
todo momento, a inventividade, para sobreviver às dificuldades que não cessam de desafiá-lo.
Com isso, passe a pensar que as dificuldades, dores e obstáculos que a Natureza impões a nossa
vida tem sempre o propósito de forçar a usarmos todos os recursos de nosso psiquismo, para
desenvolver, cada vez mais, nossas possibilidades de lidar com o mundo interno e externo.
Os arquétipos
Arquétipo é uma palavra grega formada pela reunião de duas palavras: arqué, princípio,
origem, fundamento etc., e tipos, marca, impressão, forma, figura, contorno, bosquejo etc. Foi
usada por Carl Gustav Jung para denominar conteúdos que fazem parte do conjunto denominado
inconsciente coletivo.
...o essencial, psicologicamente falando, é que nos sonhos, nas fantasias e nos estados excepcionais da mente, os
temas e símbolos mitológicos mais distantes possam surgir de forma espontânea em qualquer época, aparentemente
como resultado de influências, tradições e estímulos individuais, mas também, mais freqüentemente, sem estes
fatores. Essas “imagens primordiais” ou “arquétipos”, como eu os chamei, pertencem ao substrato fundamental da
psique inconsciente e não podem ser explicados como aquisições pessoais. Todos juntos formam aquele estrato
psíquico ao qual dei o nome de inconsciente coletivo. (Jung, 1998, par. 229).

Não podemos “ver” um arquétipo, da mesma forma que, na Física Nuclear, não podemos
ver um quark ou uma supercorda; os modelos teóricos da física das partículas exigem a
existência desses componentes básicos da matéria. Sabe você como as partículas formadoras dos
átomos são estudadas? Num ciclotrão, máquina de grande comprimento, os átomos são
acelerados contra outros, e da colisão surgem as partículas que deixam rastros (isto mesmo,
rastros!), os quais eram visualizados, antigamente, num visor denominado câmara de bolhas ou
de nuvens, hoje em sofisticadas telas de computador. Os rastros eram formados pelos
movimentos das partículas, que deslocavam as bolhas, enquanto eletroímãs poderosos as atraíam
ou repeliam. Vejam só, a análise dos rastros dão aos físicos condições de teorizarem, ou
confirmarem teorias, sobre os elementos formadores do átomo.
Da mesma forma, a análise de sonhos, visões e a mitologia comparada, impõem a
existência desses conteúdos do inconsciente coletivo, como um imperativo categórico, para se
entender inúmeros fenômenos da psiquê pessoal e coletiva. Ou seja, sonhos, visões, mitos e
contos de fadas, são os análogos da câmara de bolhas, que permitem analisar e entender os
arquétipos e suas funções.
Os arquétipos e os instintos são partes importantes do inconsciente coletivo, que têm
estreita conexão um com o outro, como se pode ver em algumas situações encontradiças no
mundo dos vegetais e dos insetos. É interessantes como essas duas formas instintivas de existir
mantêm uma estreita relação, para realizarem suas necessidades fundamentais. Existem árvores
que abrigam formigas em nódulos que elas desenvolvem, proporcionando a suas hóspedes um
tipo de alimento, com sua seiva. Por sua vez, a formiga paga a hospedagem defendendo as
árvores dos seus predadores.
A questão de onde provêm os instintos e como foram adquiridos é extremamente complexa. O fato de eles serem
invariavelmente herdados não traz nenhuma contribuição para explicar sua origem. O caráter hereditário dos instintos
apenas remete o problema para nossos ancestrais. É por demais conhecida a opinião segundo a qual os instintos se
originaram de um determinado ato repetido da vontade, inicialmente individual e posteriormente generalizado. Esta
explicação é plausível, visto que podemos observar cada dia como certas atividades aprendidas laboriosamente se
tornam gradualmente automáticas pelo exercício constante. Por outro lado, convém sublinhar que o fator
aprendizagem falta inteiramente nos instintos mais maravilhosos, observados no mundo animal. Em muitos casos é
impossível até mesmo imaginar como tenha podido haver alguma aprendizagem e exercitação. Seja, por ex., o
instinto de reprodução extremamente refinado da Pronuba yuccasella, a mariposa da iúca. Cada flor da iúca se abre
apenas por uma única noite. A mariposa tira o pólen de uma dessas flores e o transforma em bolinha. A seguir procura
uma segunda flor, corta-lhe o ovário e, pela abertura, deposita seus ovos entre os óvulos da planta; vai em seguida ao
pistilo e enfia a bolinha de pólen pelo orifício, em forma de funil, do ovário. A mariposa só executa esta complicada
operação uma única vez em sua vida. (Jung, 1998, par. 268).
Assim como o caso que citei, linhas atrás, querer atribuir o comportamento da mariposa a
um mero ato instintivo, é abdicar da capacidade de raciocinar, por causa de preconceitos e
dogmas científicos. A Pronuba realiza, sem aprendizado prévio, duas ações: uma necessária para
si, e outra necessária para a planta; como se entendesse que a planta é necessária a sua espécie,
precisando, por isso, se reproduzir. Um normal jogo de interesses, como acontece entre diversos
seres. E observe que a flor somente se abre apenas uma noite, e a mariposa tem que estar com
seu ciclo reprodutivo sincronizado com esse fato.
Da mesma forma como somos obrigados a formular o conceito de um instinto que regula ou determina o nosso
comportamento consciente, assim também, para explicar a uniformidade e a regularidade de nossas percepções,
precisamos de um conceito correlato de um fator que determina o modo de apreensão. É precisamente a este fator que
eu chamo de arquétipo ou imagem primordial. A imagem primordial poderia muito bem ser descrita como a
percepção do instinto de si mesmo ou como o auto-retrato do instinto, à semelhança da consciência que nada mais é,
também, do que uma percepção interior do processo vital objetivo. Do mesmo modo como a apreensão consciente
imprime forma e finalidade ao nosso comportamento, assim também a apreensão inconsciente determina a forma e a
destinação do instinto, graças ao arquétipo. Assim como dizemos que o instinto é “refinado”, assim também a
intuição, que põe em ação o instinto, isto é, a apreensão mediante o arquétipo, é de incrível precisão. Por isso, a
mariposa da iúca, acima mencionada, deve trazer dentro de si, por assim dizer, uma imagem daquela situação que
provocou o seu instinto. Esta imagem dá-lhe a capacidade de “reconhecer” as flores da iúca e a sua estrutura (Jung,
1998, par. 277).

Como disse mais acima, os mitos, lendas e contos de fadas são produtos dos arquétipos. Os
heróis e deuses de todas as religiões, antigas e modernas, refletem temas arquetípicos, por isso
suas características têm caráter de universalidade. Por exemplo, as deusas virgens, as deusas
mães, as trindades de deuses, os nascimentos virginais de deuses, a jornada dos heróis, suas lutas
com monstros etc., são motivos que se encontram entre as crenças de todos os povos, em todas as
eras. Isto demonstra seu caráter coletivo, por tanto, arquetípico. Quando os espanhóis de Cortez
chegaram a Tenochtitlán, capital do Império Asteca, ficaram assombrados com inúmeros pontos
de semelhança entre a religião desse povo e a Católica, por isso se empenharam em destruir
todos os vestígios dela, por considerarem uma caricatura herética, produzida pelo Demônio. Um
fato que facilitou a assimilação do Catolicismo pelos nativos, foi o Cristo crucificado, coberto de
sangue e todo ferido, pois o sangue sempre foi a base fundamental da religião asteca, além disso,
o fato do canibalismo simbólico na comunhão, quando se afirma que o corpo de Cristo, que se
encontraria na Hóstia, é engolido pelo crente; isto porque o canibalismo fazia parte dos rituais
dessa religião. Inclusive, assim como em partes da Ásia, criou-se o hábito, entre os nativos do
México. A crucificação de vítimas propiciatórias, o que foi combatido pela Santa Inquisição com
a crueldade e perversidade, conhecidas.
Os arquétipos ampliam nossa noção de história pessoal. Imagine que você pensava ter uma
história que se iniciava na fecundação, da qual seu corpo se originou. Todavia, você é o resultado
de uma filogênese que antecede a essa fecundação. E mais, não herdou apenas as características
genéticas composta pela metade cromossomial de sua mãe, unida à metade de seu pai. Existe um
aspecto que transcende a esse momento: o arquetípico.
Os arquétipos fazem parte da própria essência da vida, que foi transmitida a você, não
como herança genética, mas espiritual. Isto porque os arquétipos, teoricamente, não poderiam ser
transmitidos pelos genes, caso em que estaríamos caindo num lamarckismo exacerbado, e que
não tem qualquer indício de comprovação.
Na verdade, os arquétipos, teorizo eu, fazem parte do psiquismo, que é preexistente, e
serve de modelo organizador biológico para manterem a estrutura e o funcionamento do corpo,
que os genes formam.
Para a construção de um novo organismo, os inconscientes coletivos, materno e paterno,
juntamente com o do espírito a renascer, se reúnem num fenômeno de comunhão arquetípica
(participation mystique); os arquétipos constelados promovem o fenômeno da geração de um
novo organismo. Pode-se aventar que o arquétipo materno tenha uma ação primordial na captura
do espírito a renascer, voluntária ou inconscientemente, comandando todo o processo de
engravidamento e formação embriológica.
É claro que o arquétipo materno é o de maior relevância no caso da gravidez e
desenvolvimento do feto. Sabe você que a presença corporal do pai não é absolutamente
necessária num projeto de procriação, pois o mesmo pode ser feito via inseminação artificial e,
como já́ se sabe, sem a total participação paterna, no caso da clonagem. Já existem atualmente
manadas de gados bovinos, totalmente clonados, e, provavelmente, clones humanos podem estar
sendo desenvolvidos e até, quem sabe, já́ vivendo entre nós, pois a técnica já́ está dominada, e
com os recursos necessários, qualquer biólogo competente, pode realizá-la.
Observe que, nos mamíferos, a formação de um organismo no ventre materno segue os
mesmos padrões, com ligeira variação nos marsupiais. Isto significa que existe uma imagem
arquetípica agindo como modeladora da forma. Essa imagem refaz, a largos traços, na
embriogênese, a evolução filogenética dos animais, bem como, da mesma maneira, a
psicogênese, ao longo do desenvolvimento do ser. Observando-se a infância dos seres humanos e
dos outros mamíferos, se verifica similitudes no comportamento e em reações psicológicas, até
um determinado ponto do desenvolvimento. Afinal vimos de lá, através de eras inumeráveis.
Foi dito que a alma do homem, na sua origem, é o estado da infância na vida corpórea, que a sua inteligência eclode
apenas, e que se ensaia para a vida (190); onde o Espírito realiza essa primeira fase?

“Numa série de existências que precedem o período que chamais humanidade.”

A alma parece, dessa forma, ter sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação?

“Não dissemos que na natureza tudo se encadeia e tende para a unidade? É nesses seres, que estais longe de todos
conhecer, que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco, e se ensaia para a vida, como o
dissemos. É, de alguma forma, um trabalho preparatório, como o da germinação, depois do qual o princípio
inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. É então que começa para ele o período da humanidade, e com
ela a consciência do seu futuro, a distinção do bem e do mal e a responsabilidade dos seus atos; como depois do
período da infância vem o da adolescência, depois a juventude e enfim a idade madura. De resto, não há nada, nessa
origem, que deva humilhar o homem. Os grandes gênios sentem-se humilhados por terem sido fetos disformes no
ventre de suas mães? Se alguma coisa os deve humilhar é a sua inferioridade diante de Deus, e a sua impotência a
sondar a profundeza dos seus desígnios e a sabedoria das leis que regem a harmonia do universo. Reconhecei a
grandeza de Deus nessa admirável harmonia que faz que tudo é solidário na natureza. Acreditar que Deus possa ter
feito alguma coisa sem objetivo e criar seres inteligentes sem futuro, seria blasfemar da sua bondade que se estende
sobre todas as criaturas.” (Kardec, 2007, questão 607 e sua complementar)

Os espíritos que auxiliaram Kardec a elaborar a Consolidação Espírita 12, no texto supra,
apoiam, de forma indireta o conceito de inconsciente coletivo e, por via de consequência, os
arquétipos, pois, nas entrelinhas, nos dizem que trazemos uma herança psicofísica, de um longo
deambular pelos diversos estratos dos Reinos da Natureza. Aliás, eles próprios ampliaram a
conceituação dos princípios e da evolução espiritual: ..tudo se encadeia na natureza, desde o
átomo primitivo até ao arcanjo que, também ele, começou pelo átomo; admirável lei de harmonia
da qual o vosso espírito limitado não pode ainda abranger o conjunto (Kardec, 2007, questão
540. Destaque do Autor).
Os arquétipos estão presentes em todos os atos e fatos da existência, tanto em forma
positiva quanto negativa. Os contos de fadas, como projeções arquetípicas, sintetizam problemas,
dificuldades ou formas de acionamento do inconsciente para as transformações das diversas
etapas da existência.
Exercício 14
Escolha de forma aleatória, ou por simpatia pessoa e leia, um mito, lenda ou conto de fadas, de
qualquer povo. Depois, medite sobre como a forma de projeção do inconsciente coletivo
escolhida se manifesta em sua existência, e na sua forma de sentir e pensar. Escolha, agora de
forma aleatória, um conto de fadas, leia-o, e verifique com qual personagem você se identifica, e
de que maneira você o vive em sua vida.
12 Eu concordo com meu desencarnado amigo Dr. Elzio Ferreira de Souza que o título de Codificação Espírita é inadequado,
pois o Espiritismo não é um código, algo novo, mas a sistematização dos ensinos dos espíritos ao longo dos milênios, desde as
primeiras manifestações espíritas no pleistoceno, que criaram a magia, até as manifestações religiosas do início do século XIX.
Assim, como a Consolidação da Leis do Trabalho, é a reunião das leis contidas no Código Civil e Penal brasileiros, o Espiritismo
é a sistematização dos ensinos espirituais disseminados ao longo de milhares de séculos de revelações dos espíritos, que Kardec
denominou de eterna Doutrina Espírita.
Alguns arqué pos que influenciam a vida diária
Arquétipo anima/animus
A explosão da singularidade que criou o nosso universo, estabeleceu um modelo básico
para o processo evolutivo: tudo parte de uma situação simples, que se desdobra em pares de
opostos, em luta heraclitiana. Na medida em que o processo se desdobra, a diferenciação e
oposição atingem tal grau, que se tornam irreconhecíveis como produto da unidade primordial.
A singularidade primeva, uniforme, indiferenciada, ao explodir, multiplicou-se em forças,
partículas e fenômenos diversos, que conhecemos como Universo. Por sua vez, o conjunto dos
derivados da conflagração inicial originou diferenciações e processos de complexidades próprias
e progressivas.
O Big-Bang estabeleceu, com a fragmentação da unidade fundamental, a dualidade dos
opostos, e isto se tornou o esquema que preside toda fenomenologia universal, nos seus níveis de
existência.
Podemos dizer que a singularidade primitiva representava o inconsciente absoluto, que se
atualizou num arquétipo da totalidade, ou self fundamental, o qual deu origem aos arquétipos
derivados, que continuaram a desenvolver o impulso que os criou, ou os libertou, do amplexo
monárquico que os mantinha em estado de coesão absoluta.
As mitologias de todos os tempos guardaram a intuição do processo, quando fizeram tudo
surgir do caos inicial, onde todas as coisas estavam em potencialidade; de um ovo cósmico
basilar, de onde tudo surgiu ou de um deus cuja vontade criou todos os seres e coisas etc.
Restringindo-me, apenas, à evolução sexual, chegou um momento em que os seres foram
divididos em dois opostos, cuja enantiodromia é necessária para que a função transcendente,
implícita no processo evolutivo, fizesse surgir um novo ser, representando a reunião dos opostos
geradores, um símbolo da conjunctĭonis oppositorum (união dos opostos), da Coincidentia
oppositorum (coincidência dos opostos), da hierogamia, (casamento sagrado, união sexual)...
Com o aparecimento do macho e da fêmea, a unidade sexual representada pela célula, que
gera outra a partir de si mesma, por simples (embora complexa) repartição, se divide em dois
pólos em oposição; os elementos e funções reprodutores foram divididos entre os dois seres
diferentes; isto impôs a necessidade de uma hierogamia, uma união de opostos, para a
possibilidade do surgimento de um novo ser, formado pela união de metade dos cromossomos do
macho, e metade dos da fêmea.
O processo de desenvolvimento e nascimento do novo ser, sofreu variações, como
podemos ver nos livros de biologia, mas podemos dizer que o processo foi de externo ao interno,
em modos diversos. Nos seres humanos a hierogamia se consumou dentro do organismo: na
gravidez da fêmea, isto é, na fecundação, na concepção (nidação no útero), no desenvolvimento
fetal e, por último, no nascimento do filho. Um largo espaço de nove meses, no qual o espírito
mergulha no inconsciente coletivo, numa volta emblemática às suas origens, para recordar, na
organogênese, a longa marcha filogenética, desde a célula primitiva.
O comando do processo de diferenciação dos sexos é, sem dúvida, do arquétipo da
totalidade, mas se conjugando com um arquétipo que se manifesta e se atualiza de forma
diferenciada no processo: o arquétipo anima/animus.
O arquétipo anima, é o princípio feminino que atua no inconsciente do homem. É o
resultado da atualização do arquétipo anima/animus pelas figuras femininas que o influenciaram
seu psiquismo desde o nascimento, e provavelmente desde a vida intra-uterina, a partir da
influência importante do inconsciente materno.
A anima é o fator das projeções do homem, o princípio que estabelece as ligações entre
consciente e inconsciente, e o elemento básico da busca do feminino complementar para a
hierogamia; quer dizer, para a relação desafiadora de crescimento do homem com o seu oposto: a
mulher, para o mistério da encarnação, isto é, da perpetuação da espécie.
Geralmente, a projeção da anima para a busca da companheira de sua jornada evolutiva é,
no homem, calcada na figura materna. O homem, enquanto realidade corporal é a representação
visível do animus, por isto o oposto se faz em seu inconsciente.
A mulher, enquanto ser humano é a anima personificada, com todos os seus mistérios e
provocações para o desenvolvimento psíquico e social do homem. Assim, encontraremos em seu
inconsciente o arquétipo do animus, devidamente atualizado pelas figuras masculinas que lhe
influenciaram ao longo da existência, a começar pelo pai, que será, na maioria dos casos, a
estampagem inconsciente sobre o animus, que norteará a busca do parceiro, como o qual
realizará o seu Eros, o vínculo que lhe permitirá construir a família, para que consiga a
estabilidade e segurança necessárias para atualização do seu arquétipo materno, e propagação da
espécie.
Homem, Logos, e mulher, Eros, se reúnem para que a vida prossiga no seu desiderato de
permitir ao espírito prosseguir em sua jornada evolutiva. Logos e Eros se buscam para
estabelecerem, numa analogia com o princípio dos vasos comunicantes, um equilíbrio
emocional, onde a frieza do Logos se aquece no fogo de Eros, enquanto o esfogueado Eros
ameniza seu calor solar, sob o impacto refrigerante do Logos.
O espírito, nas encarnações sucessivas, trafega do pólo masculino para o feminino, de
acordo com suas necessidades psíquicas, o que lhe permite, ao longo de sua evolução, atingir o
estágio de integração dos dois princípios, no arquétipo, não mais diferenciado em suas
manifestações, mas em equilíbrio existencial, o que significará a realização da individuação
absoluta. Nesse ponto ômega da evolução, o espírito não será Logos ou Eros, mas um Logos com
Eros, e um Eros com Logos.
Talvez a manifestação do mitológico hermafrodita, à semelhança do seu Criador. Quer
dizer, assim como o filho de Hermes e Afrodite, anima e animus, fundir-se-ão num amplexo
transformador, fazendo aparecer o espírito puro, isto é, o ápice da evolução espiritual, naquilo
que nos é dado compreender.
É um retorno espiralar (volta ao mesmo ponto, porém em nível elevado) ao rotundum
primevo, ou andrógino do mito de Aristófanes, no Banquete, de Platão uma completude
incompreensível no atual nível evolutivo. Não se trata de uma “masculinização” da mulher, nem
de uma “efeminização” do homem, mas de se encontrarem, nos dois, a areté do feminino e do
masculino, para o surgimento de uma nova Eva e de um novo Adão, ou seja, de uma mulher
eros-lógos e de um homem logos-eros. Quer dizer, o resultado da ação da função transcendente
evolutiva, dois novos e mais perfeitos seres, onde os opostos antagônicos atuais, se resolvam em
dois seres com seus yin e yang equilibrados, e em harmonia, para dar início a um novo e
inconcebível, atualmente, novo ciclo evolutivo.
O Arquétipo da sombra
Sobre o qual já́ falei mais acima, é atualizado por tudo aquilo que reprimimos, isto é,
expulsamos da consciência por considerarmos inadequados à nossa autoimagem ou por não
conseguirmos suportar na consciência.
Quando alguém constela o arquétipo da sombra, pode se tornar um elemento socialmente
nocivo. Quanto maior for o grau de identificação com esse arquétipo, maior será a periculosidade
da pessoa, podendo chegar a ser caracterizado como um Loki, um Satanás, um Exu, uma Maria
Padilha, uma Lilit ou outras figuras mitológicas que representam o mal em toda sua pureza e
densidade.
Os nazistas, os homens-bomba, os torturadores de todos os exércitos e órgãos de repressão
social, os que praticam a crueldade de forma sádica e consciente, estão identificados totalmente
com o lado negativo desse arquétipo.
Mas, no cotidiano da existência, muitas vezes agimos sob o influxo desse arquétipo, toda
vez que nos tornamos atormentadores de outra pessoa, nos relacionamentos, ou quando do abuso
da autoridade. Os que perseguem e fazem sofrer, filhos, pais e pessoas que lhe querem, estão sob
o domínio de aspectos do arquétipo da sombra, pois atuam como seres maléficos, que são sua
representação simbólica.
É preciso reconhecer que o mal está em nós, para termos condição de lidarmos com ele.
Muitas filosofias religiosas tendem a negar o mal, o que é um erro. O mal tem existência real.
Para se notar isso basta olhar a Natureza em torno. E, por existir, o mal tem finalidade. Negá-lo é
não lhe dar a necessária atenção, ficando, assim, vulnerável à sua ação.
Por não ser consciente de ter uma sombra, você nega uma parte de sua personalidade, declarando-a inexistente. Ela,
então entra no reino do inexistente, e cresce, tomando enormes proporções. Quando você não reconhece que tem tais
qualidades, você está alimentando simplesmente os males. Em linguagem médica, cada qualidade na psiquê
representa um certo valor energético, e se você declara um valor energético como inexistente, um mal aparece em seu
lugar Se você declara que o rio que passa ao lado de sua casa não existe, ele pode transbordar, enchendo seu jardim
de cascalhos e areia, e solapar sua casa. Se você dá à natureza a possibilidade de agir por si mesma, sem limites,
natureza pode fazer o que lhe aprouver (Jung, 1984, p. 53. Tradução minha).

Isto é uma realidade, quem não toma conhecimento de sua sombra, ela age à revelia,
levando a pessoa a cometer o que nunca imaginou. Como vimos anteriormente, a sombra negada
tende a ser projetada para fora, em objetos exteriores, os quais, como moinhos de vento,
passamos a combater, quixotescamente, sem qualquer ganho real, pois o que combatemos está
dentro de nós. Negar a sombra é tornar-se refém dela.
O arquétipo do Si-mesmo
Esse arquétipo representa a totalide psíquica, isto é, o conjunto de conteúdos e funções
conscientes e inconscientes que formam a psiquê. Ele, pois, coordena e controla a psiquê,
orientando e resolvendo os conflitos que nela surjam. Jung denominou o arquétipo do Si-mesmo
de imago dei (imagem de Deus), pois:
Os primórdios de toda nossa vida psíquica parecem surgir inextricavelmente deste ponto e
as metas mais altas e derradeiras parecem dirigir-se para ele (Jung,1991, par. 399).
O Si-mesmo é o arquétipo que serve de base para a criação do complexo do eu. Nos sonhos
ele aparece, geralmente, como uma figura numinosa: Jesus Cristo, Buda, etc.
A completa integração consciente da consciência com o inconsciente, significa a meta
atingida da individuação. Neste ponto, ego e Si-mesmo estarão em perfeita cooperação, e o
indivíduo terá alcança a singularidade psíquica, e saber-se-á assim.
Exercício 15
A partir desse ponto vamos começar outra atividade. Investigue o que é mandala, e passe a
desenhar suas próprias mandalas. Uma variante é você colocar-se diante de um grande espelho e,
ao som de uma música que desperte em você sentimentos numinosos, místicos, dançar por algum
tempo, procurando fazer com que os seus passos tracem um grande e complexo círculo.
Podendo, grave suas danças, e medite sobre as figuras que seus movimentos traçam.
Como o inconsciente nos fala
Você já́ se perguntou sobre o significado dos seus sonhos? Naturalmente que sim. Existem
diversos “sistemas” de interpretação dos sonhos, desde a mais alta Antiguidade. Artemidoro de
Daldis (Século II d. C.) fez a primeira tentativa de interpretação científica dos sonhos; 1700 anos
antes de Freud e Jung, ele chamou atenção para o fato do sonho pertencer ao sonhador, e ser
composto de símbolos. Escreveu uma obra interessante, a Oneirocrítica. Diga-se de passagem,
que todos os intérpretes de sonhos da Antiguidade sabiam sobre o simbolismo onírico e da
necessidade de serem interpretados de acordo com as circunstâncias do sonhador.
Quantas vezes seus sonhos não lhe causaram sentimentos fortes? Um colega de trabalho
me contou que, durante sua adolescência, havia uma vizinha, mulher feita, por quem se
apaixonou. Naturalmente ela nem o percebia. Sua paixão platônica a transformou em uma
Beatriz, sua Dulcinea Del Toboso. Obcecado pela paixão, ele vivia construindo fantasias, onde
ela era a heroína e ele o herói, num himeneu caleidoscópico, no qual realizava seu desejo nas
mais variados cenários e posturas. Certa feita, sonhou que ela cedia à sua paixão,
correspondendo às sua carícias com intensa e arrebatadora entrega. No momento de alcançar o
ápice da hierogamia onírica, foi acordado bruscamente pela mãe, que lhe ordenava levantar para
ir para a escola. Sua frustração foi imensa. Esbravejou, furioso, recusando-se a ir para o colégio e
continuou na cama, querendo voltar para o sonho, a fim de terminá-lo, mas não conseguiu. Era
de se ver a intensidade emocional que ainda o arrebatava, quando contava o episódio.
Muitas vezes os sonhos nos deixam tristes, e até aterrorizados: quando sonhamos com a
morte de um ente querido! São dias de angústia e desespero, até que a lembrança do sonho
esmaeça, e adquiramos certeza de que foi apenas um sonho... O problema é que o sonho nunca é
apenas um sonho... Ao contrário, é algo muito importante: é o inconsciente compensando uma
condição consciente.
O sonho é uma parcela da atividade psíquica involuntária, que possui, precisamente, suficiente consciência para ser
reproduzida no estado de vigília. Entre as manifestações psíquicas são talvez os sonhos aquelas que mais nos
oferecem dados “irracionais” (Jung, 1998, par. 532).

O material do sonho é constituído de elementos conscientes e inconscientes, conhecidos e


desconhecidos, e é o resultado de misturas diversas, desde os “restos do dia”, até conteúdos que
se originam do inconsciente coletivo. Tudo ordenado fora das leis de causalidade, e onde o
espaço e o tempo não têm qualquer valor.
Por ser um fato produzido pelo inconsciente, a linguagem onírica é simbólica, arcaica e
pré-lógica, por isso: “De modo geral, o sonho é um produto estranho e desconcertante, que se
caracteriza por um grande número de “más qualidades”, como a falta de lógica, uma moral
duvidosa, formas desgraciosas, contra-sensos ou absurdos manifestos” (Jung, 1998, par. 532).

O sonho faz conhecer a atividade reguladora do inconsciente, mostrando o oposto da


atitude consciente, numa compensação.
A compensação deve ser estritamente distinguida da complementação. O complemento é um conceito muito limitado
e limitativo, e por isso não é capaz de explicar, de maneira satisfatória, a função onírica. Com efeito, ele designa uma
relação em que duas ou mais coisas se completam, por assim dizer, forçosamente. A compensação, pelo contrário, é,
como o próprio termo está dizendo, uma confrontação e uma comparação entre diferentes dados ou diferentes pontos
de vista, da qual resulta um equilíbrio ou uma retificação (Jung, 1998, par. 545).
Os conteúdos dos sonhos têm múltiplos significados, e o sentido depende das
circunstâncias existenciais do sonhador, tanto vital quanto espiritual. O sonho pode mesmo
extrapolar a condição do sonhador e ser a expressão de problemas coletivos, de momentos
históricos que afetem ciclicamente a humanidade. Pode ser precognitivo, no caso individual, ou
profético, referindo-se à sociedade. Apesar de afirmar o casuísmo dos sonhos, Jung lhe atribui
uma analogia com o drama, com o seguinte roteiro:
O sonho começa com uma indicação de lugar... Segue-se, muitas vezes, uma indicação referente aos personagens da
ação... As indicações de tempo são raras. Chamo de exposição a esta fase do sonho...
A segunda fase é a do desenvolvimento da ação... A situação se complica de uma forma ou de outra, e se estabelece
uma certa tensão, porque não se sabe o que vai acontecer.
A terceira fase é a da culminação ou peripécia. Aqui acontece qualquer coisa de decisivo, ou a situação muda
inteiramente.
A quarta e última fase é a lise, a solução ou o resultado produzido pelo trabalho do sonho. A última fase mostra-nos a
situação final que é, ao mesmo tempo, o resultado “procurado” (Jung, 1998, pars. 561-564).

O sonho não passa pelos processos descritos na Psicanálise, porque não faz parte da
natureza mascarar fenômenos. Ela é sempre clara e direta. Por isso, o sonho é o que é, como
qualquer fenômeno natural. E não se pode esquecer que o sonho é um fenômeno da Natureza.
Agora, como qualquer fenômeno natural, o sonho precisa ser decodificado, para que seu
significado possa ser entendido. Um exemplo desse processo é o fenômeno físico da queda dos
corpos em direção ao centro da terra. Durante milênios os seres humanos conviveram com esse
fenômeno e, o mais interessante, o levavam em conta em suas construções, postura e invenções.
Enfim, no cotidiano da existência. É claro que sempre houve curiosidade sobre o que produzia
essa queda. Mas, somente no século XVII foi conseguida a explicação desse fenômeno: a Lei da
Gravidade, definida por Isaac Newton: existe uma atração entre os corpos, a qual varia na razão
direta das massas e inversa do quadrado das distâncias. E, paralelamente, essa Lei foi aplicada ao
cosmo, explicando os movimentos dos corpos celestes. Mas, a explicação estava incompleta, e
foi aprimorada pelas teorias de Albert Einstein, segundo a qual a gravidade não é uma “força”
que atrai os corpos, mas conseqüência da deformação do espaço por grandes massas. Essa
distorção causaria a “queda” de um corpo em direção ao outro. Ora, a natureza não “deslocou”,
nem distorceu ou mascarou a causa do fenômeno, ela é objetiva e direta, apenas precisou ser
interpretada, para ser entendida e explicada.
A Psicologia Analítica classifica os sonhos em prospectivos, redutores, reativos e
telepáticos. Os sonhos prospectivos são definidos da seguinte maneira:
A função prospectiva é uma antecipação, surgida no inconsciente, de futuras atividades conscientes, uma espécie de
exercício preparatório ou um esboço preliminar, um plano traçado antecipadamente. Seu conteúdo simbólico
constitui, por vezes, o esboço de solução de um conflito... (Jung, 1998), par. 493).

Quanto aos sonhos redutores, diz Jung que:


...o inconsciente possui uma função negativamente compensadora, ou seja, uma função redutora. Claro está que uma
redução ou depreciação nestas circunstâncias tem também caráter compensador, no sentido de uma auto-regulação, e
que esta função redutora pode ser também eminentemente prospectiva (Jung, 1998/1928), par. 496).

Sobre os sonhos reativos, ele os descreve da seguinte maneira:


Há uma outra espécie de sonho que poderíamos chamar, muito simplesmente de sonho reativo... ...aqueles
em que certos fatos psíquicos produziram um trauma cujas formas não são puramente psíquicas, mas
representam também uma lesão física do sistema nervoso. Esses casos de choques violentos foram muito
numerosos durante a guerra, e aqui devemos contar com o aparecimento de muitos sonhos reativos puros,
nos quais o trauma é o fator determinante. ...dificilmente se poderia chamar compensador a um tal sonho
que é, essencialmente, a repetição de um traumatismo (Jung, 1998), pars. 499 - 500).

E, finalmente, conceitua os sonhos telepáticos:


Uma outra determinante do sonho que devemos reconhecer é o fenômeno telepático. Hoje não se pode mais duvidar
da realidade universal deste fenômeno... Tive ocasião de verificar que os fenômenos telepáticos exercem também
influência sobre os sonhos, o que, de resto, tem sido afirmado por nossos antepassados desde tempos imemoriais.
Certas pessoas são, neste particular, muito sensíveis e freqüentemente têm sonhos de caráter fortemente telepático...
Tive ocasião de analisar, bastantes vezes, sonhos telepáticos entre os quais muitos cuja significação telepática era
desconhecida no momento da análise... Nunca encontrei, até o presente, um sonho cujo conteúdo telepático se
encontrasse, sem sombra de dúvida, no material associativo colhido no decorrer da análise (isto é, no “conteúdo
latente do sonho”). Encontrava-se invariavelmente na forma manifesta do sonho (Jung, 1998, Par. 503).

Essas análises e conclusões de Jung demonstram que a psiquê humana contem em si os


elementos necessários aos ajustes de sua evolução. Cada ser humano tem à disposição, nos
sonhos, um conjunto de informações e advertências que possibilitam a conquista de uma
existência tranqüila, feliz e repleta de realizações exitosas
Pelo que venho citando, dá para ver a importância dos sonhos. Eles sempre têm um
significado, até mesmo quando pareça mera repetição do que está ocorrendo na consciência.
Raramente o significado do sonho é objetivamente claro. Normalmente eles são simbólicos. Quer
dizer, nem sempre uma pessoa que aparece no sonho é ela mesma, mas representa algo; o
inconsciente a utiliza para dizer ao consciente algo que ele precisa saber, para tomar uma atitude
qualquer. Existe um sonho simbólico que se tornou famoso por sua influência na história da
química: Friedrich August Kekulé (1829-1896), tentava entender o formato da molécula do
benzeno quando, cansado, sem conseguir concentrar-se, colocou-se numa posição cômoda e
cochilou. Os átomos começaram a dançar diante dos seus olhos, em movimentos serpenteantes;
de repente, uma das serpentes mordeu a própria cauda. No mesmo instante, ele acordou como se
tivesse tomado um choque, pondo-se a fazer os cálculos necessários que vieram desvendar o
formato que ele procurava.
Eis outro exemplo, desta vez do consultório: uma mulher estava em terapia por causa de
desentendimentos conjugais. Vivera sempre para o esposo, mesmo a custas de muitos sacrifícios
e frustrações. Depois de alguns meses de terapia ela teve o seguinte sonho: Estava em casa, onde
se encontravam inúmeras pessoas, conhecidas e desconhecidas. Ao chegar à sala, viu um caixão
mortuário. Aproximou-se e verificou, sem espanto, que o marido estava deitado nele, morto.
Teve uma sensação imensa de liberdade, acordando alegre e feliz para, de imediato, dar com o
marido ao seu lado, dormindo, mas vivo.
O que significou esse sonho? A realização de um desejo, isto é, que o marido morra? De
forma alguma. O inconsciente estava dizendo que estava havendo uma modificação na forma
como se relacionava com o esposo; ela estava se libertando da condição de serva do marido; não
mais precisaria sentir-se obrigada a atender seus desejos, nem suportar seus caprichos. Estava
livre da condição anterior. Agora a situação do casamento mudava, a sua maneira de se relacionar
com o marido modificara-se, libertando-a do que a obrigava à subserviência. E, de fato, seu
casamento tomou outro rumo, pois ela passou a gostar mais de si, priorizando-se em todas as
situações. E o marido não teve outra escolha, senão se adaptar, mudando também. Afinal quem
perderia uma mulher bonita, inteligente e de excelente situação financeira?
O sonho é um instrumento importante para se conseguir respostas a respeito de problemas
ou como atingir determinado objetivo, bem como sobre a importância destes objetivos para o
bem-estar individual. Para isto é necessário incubar o sonho. Incubar um sonho é fazê-lo
acontecer por uma requisição direta ao inconsciente.
Essa forma foi muito comum na Antigüidade Oriental e Clássica, em templos específicos
dedicados a Asclépio. Conta-se que os que buscavam esses templos, basicamente por questões de
saúde, eram aconselhados a pedir ao deus o auxílio e dormirem num dos diversos leitos
existentes nos templos. Durante a noite, o deus fazia o consulente sonhar com o tratamento que o
podia curar, de forma explicita ou simbólica. Neste último caso, os sacerdotes procediam à
interpretação do sonho. Algumas vezes o paciente acordava completamente curado.
Ao se preparar para dormir, você deve se colocar uma questão clara sobre o que deseja
saber, e mantê-la na mente até que sobrevenha o sono. Ao acordar, seja pela manhã ou durante a
noite, deve anotar o que foi sonhado, nos mínimos detalhes possíveis, inclusive as emoções
sentidas durante o transcurso do sonho e ao acordar. No dia seguinte, deve reler o que foi escrito,
passando a limpo e fazendo considerações sobre as diversas passagens do sonho, registrando as
associações que lhe venham à mente. Finalmente, apresentar o sonho a alguém qualificado para
realizar uma análise técnica. Mas, tenha em mente, sempre, a questão que foi objeto da
incubação.
Lembre-se que os sonhos podem ajudar na solução de problemas das ciências físicas ou
humanas, além de psicológicos. A História registra uma série de episódios em que a solução de
problemas científicos aconteceu em sonhos, ou por causa de sonhos. Donald Newman,
matemático da Universidade de Princeton contou, num documentário, da A&E Mundo - Uma
Loucura Brilhante - que estava desenvolvendo um conceito de matemática, mas não conseguia
resolvê-lo. Uma noite, enquanto dormia, sonhou que conversava com John Nash Jr, e ele lhe
disse qual era a solução. Ao acordar verificou que era exata. Ficou tão impressionado que, na
publicação, deu o crédito da solução a Nash 13. Fica muito claro, para mim, que os dois se
encontraram fora do corpo, durante o sono, e conversaram sobre o problema, sendo que Nash
com sua “mente brilhante”, resolveu o problema que o outro não conseguia.
Portanto, você tem um recurso importante à sua disposição para solucionar questões que o
preocupam, no cotidiano da existência. Agora, para isto, é condição sine qua non que você
desenvolva a certeza de que pode continuar a trabalhar no que lhe interessa, mesmo que esteja
dormindo. Afinal, o psiquismo não sofre solução de continuidade. E o inconsciente permanece
em atividade, em estado de vigília ou não. Os fenômenos de quase morte proporcionam notáveis
exemplos de que nem a morte consegue parar os processos psíquicos. Isto porque eles
independem do cérebro. Sobrevivem a ele, como existiam antes e, na verdade, estiveram na base
do seu desenvolvimento, desde a concepção. Para se chegar à referida certeza, é preciso estudar o
assunto, verificar as experiências a respeito e, finalmente, começar a implementá-las em si
mesmo. Nada consolida mais o saber, do que o feedback que as próprias experiências
proporcionam.
Exercício 16
Faça um diário de seus sonhos. Anote-os assim que despertar, mesmo que seja durante a
madrugada. Não deixe para depois, pois os sonhos desaparecem da consciência com muita
rapidez. Raros permanecem vívidos na lembrança; esses são, geralmente, sonhos que dizem
respeito aos nossos desígnios, ao nosso processo de individuação. Deixe ao lado da cama um
caderno e um lápis para notar os sonhos e as emoções que eles causaram, no momento do
despertar, enquanto ainda estão na consciência; melhor ainda se você tiver um gravador, ou seu
celular tenha essa função. Nesse caso você poderá gravar suas lembranças, para depois
transcrever. Enquanto o grava, ou redige, associe cada parte, pessoa ou objeto do sonho com
situações já́ vividas por você. Isto se chama: ampliação; ela serve para desvendar o significado
de cada uma das peripécias do sonho. Conte para alguém o seu sonho, e pergunte o que ela pensa
dele; medite na resposta que ela der. Qual a validade disso? O seu interlocutor vai captar o
simbolismo coletivo do seu sonho, e lhe dar uma resposta que virá de seu próprio inconsciente.
Naturalmente nem saberá o significado real do que disser, mas você poderá saber, se meditar no
que ela realmente significa para você. Um efeito colateral de sua decisão em registrar e meditar
sobre seus sonhos será o de passar a se recordar deles com maior freqüência. Inclusive, durante o
dia, você verá que um sonho, que você não lembrou ao acordar, aparecerá em sua consciência,
repentinamente, permitindo que você o anote.
13 Vi o documentário no dia 04 de março de 2005, das 15 às 14 horas. John Nash é um brilhante matemático americano que
sofreu um surto de esquizofrenia paranóica. Sua Teoria matemática dos Jogos foi aplicada com sucesso à economia, a partir de
1970, e lhe valeu o premio Nobel, em 1974. Seu drama foi narrado no filme: Uma Mente Brilhante. Nash conseguiu sair do surto,
depois de muitos anos, simplesmente por decidir não valorizar mais as alucinações, e contestá-las.
Individuação: a busca da singularidade psíquica
Individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por "individualidade"
entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando
também que nos tornamos o nosso próprio si-mesmo. Podemos, pois, traduzir
"individuação" como "tornar-se si-mesmo" (Verselbstung) ou "o realizar-se do si-
mesmo" (Selbstverwirklichung). (Jung, 1991. Par. 266).

Até agora, busquei descrever, em largos traços, aquilo que nos torna o que somos: uma
individualidade. Corpo e psiquê, como uma unidade, fazem-nos sentir algo único, uma totalidade
com anseios, desejos, paixões, virtudes, angústias, medos, sonhos e fantasias. Mesmo interagindo
intimamente com aqueles à nossa volta, sentimos que somos uma realidade de solidão, pois
ninguém pode saber, em momento algum, o que realmente acontece em nosso íntimo, assim
como não sabemos o que se passa no íntimo de qualquer pessoa.
Mesmo, assim. Pensamos e agimos de acordo com o coletivo onde estamos inseridos. Por
exemplo, um soldado, pensa e age de acordo com o coletivo da instituição exército; um religioso,
de acordo com os dogmas de sua crença etc. Sempre estamos refletindo os princípios e
preconceitos da classe à qual pertencemos.
Todavia, assim como nascemos numa família, mas temos de nos desligar dela, para afirmar
nossa individualidade, nossa singularidade humana, e buscar o nosso caminho na sociedade,
existe um impulso inconsciente em todos nós, de buscarmos a individuação, a nossa
individualidade psíquica, a nossa singularidade; aquilo que nos fará absolutamente únicos,
libertos de toda e qualquer influência do coletivo. Alcançando tal condição, estaremos “sendo do
mundo, sem ser do mundo”; seremos o legítimos senhores de nossa existência e de nossas
escolhas: “A máxima do ser humano deve ser: torna-te no que és, isto é, buscando a máxima
diferenciação dos outros homens, encontrando sua própria excepcionalidade (Assemelha-se à
individuação, em Jung)” [Novaes, 2004, p. 173].
Mas, para chegar a esse ponto, teremos de assumir nossa designação, que é:
...um fator irracional traçado pelo destino, que impele a emancipar-se da massa gregária
e de seus caminhos desgastados pelo uso... Esta designação age como se fosse uma lei
de Deus, da qual não é possível esquivar-se. O fato de muitíssimos perecerem, ao seguir
seu caminho próprio, não significa nada para aquele que tem designação. Ele deve
obedecer à sua própria lei, como se um demônio lhe insuflasse caminhos novos e
estranhos (Jung, 1986, par. 300).

Vê-se, claramente, que, no texto citado, Jung se refere aos grandes designados, como
podemos ver na História. Todavia, ele mesmo vai dizer que existem diversos graus de
designação, a qual pode chegar a ser totalmente inconsciente, e isto acontece à maioria dos seres
humanos. Todavia, existem nas pequenas personalidades, e as fazem realizar grandes trabalhos,
viverem grandes aventuras, em ponto pequeno.
Algumas vezes a designação pode ter a ver com um projeto idealizado no período de
espera da próxima encarnação, mas não é comum. A designação tem um significado muito maior
do que um plano para uma existência: é um impulso que vem da essência da própria alma, e que
busca a integral realização daquilo que ela está destinada a ser. Em cada existência, a designação
pode fazer a alma alcançar o máximo que seu nível evolutivo permita, nem mais nem menos.
Assim, a individuação é um processo gradual, um acúmulo de realizações, através das
existências, cuja gênese se encontra no próprio momento da criação, e cuja meta está além do
que podemos imaginar.
O ser humano que se individua é aquele que se torna conhecedor de sua posição na
existência, e age de acordo. Pode ele apresentar uma característica religiosa, porque a
numinosidade é um requisito arquetípico, mas não será, necessariamente, um “Salvador” um
“Redentor”, do mundo. Ele beneficiará a coletividade, no campo que sua designação lhe indique.
Mas, sua característica será a independência em relação às imposições do coletivo, embora,
muitas vezes, se dobre a elas; mas o fará, sempre, de forma consciente, para atingir seus
propósitos. O individuado dita as regras, e a estas regras se subordina. “Ouvis-te o que foi dito
pelos antigos... Eu, porém, vos digo...”, assim o individuado se expressa. Não desfaz o que foi
feito, mas lhe acrescenta algo mais, que aprimora e amplia.
Porém, o que esses conceitos têm a ver com nossa existência, já́ que não somos “grandes
personalidades”, com missões grandiosas a realizar?
Na verdade, todos temos uma “missão” na existência: a do desenvolvimento de nossas
capacidades físicas, emocionais, culturais e espirituais. Jesus indicou isso quando afirmou: “Sede
perfeitos, portanto, como o vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5, 48); é claro que não podemos
ser como o Deus que a religião descreve, mas o significado da ordenação é: “Aperfeiçoai-vos,
incessante e ilimitadamente”.
Viver, é uma jornada de herói! Observe os heróis dos mitos: eles têm um desígnio a
cumprir. Uma ordem celeste, um impulso interior, uma ambição, um resgate os impele à
realização. Nós, também, temos um desígnio, um mito pessoal a identificar e realizar.
O herói é o homem 14 da submissão autoconquistada. Mas submissão a quê? Eis
precisamente o enigma que hoje temos de colocar diante de nós mesmos. Eis o enigma cuja
solução, em toda parte, constitui a virtude primária e a façanha do herói (Campbell, 2008, p. 26).
Joseph Campbell nos diz que, para termos consciência de nossa jornada heróica é
necessário resolver um enigma básico: a que estamos subordinados. Isto requer que se inicie um
processo de tomar consciência do que se é e faz; mais ainda, qual o móvel do nosso existir e do
nosso fazer? Ao traçar este livro, meu objetivo foi me fazer, e ao leitor, consciente de que somos
muito mais do que “uma pessoa”! Somos um ser complexo, cuja complexidade precisa ser
conhecida, para que a utilizemos em nosso benefício. Normalmente, as coisas nos acontecem,
sem termos, muitas vezes, consciência do como e porque aconteceram.
O processo de individuação requer que nos tornemos conscientes das forças que agem em
nossa vida, para que as usemos adequadamente, em prol do nosso desenvolvimento físico,
psíquico, material, emocional e espiritual.
Como, muitas vezes, somos inconscientes do nosso desígnio, assemelhamo-nos a um Dom
Quixote, que sai pela vida, de modo anacrônico, realizando proezas fora de propósito ou, como
Ixion, tomando a nuvem por Juno, crendo haver alcançado o máximo dos nossos sonhos, para
ter, como resultado, os monstros despropositados de uma vida de paixões sem base real.
No final, podemos despertar para o fato de termos vivido sem qualquer objetivo e sem
atingir uma meta digna de uma existência. As religiões falam de castigos insuportáveis no além,
para os que erraram. Na verdade, o grande castigo no além-túmulo, para os que mantêm lá a
consciência de si mesmos, é descobrirem que passaram uma existência sem maiores proveitos
para seu desenvolvimento, por isso de pouco valor, e assim continuarão, até que um dia, após
muitas experiências difíceis, resolvam tomar atitudes de transformações interiores. O pior é que,
como no fenômeno de quase morte descrito por Platão em A República, a maioria retorna à
existência física. trazendo a mesma falta de objetivos, numa monotonia frustrante.
Um grande obstáculo ao desenvolvimento pessoal é a paralisação em questionamentos,
importantes em si mesmos, mas improdutivos quando impedem o desenvolvimento pessoal, tais
como: “Será que minha vida tem mesmo sentido?”; “O que será que eu vim fazer aqui?”; “Eu
não pertenço a este mundo!”; e assim sucessivamente. Quem para nesses questionamentos, sem
nada realizar, assemelha- se a um agricultor que recebe terra, apetrechos e sementes, e se põe, à
beira do terreno, a imaginar se a plantação frutificará; se ocorrerão chuvas normalmente; se
acontecerá uma seca ou inundações; se na época da colheita o preço será compensador, se virão
pragas destruir a plantação etc, sem iniciar o trabalho, perdendo tempo precioso, que nunca
retornará. Ele pode se pôr tais questões, e até deve, mas sem deixar de arar, semear e cuidar da
plantação. Em outras palavras, realizando suas obrigações normais
Da mesma forma, temos de encarar o dia a dia da existência, cumprindo os deveres que ela
exige, enfrentando os problemas que o viver impõe e procurando solucioná-los, como possível.
Viver apresenta dificuldades imensas, mas este é o destino do herói: enfrentá-las.
Ainda não aprendemos um elemento básico: amar nosso destino, como quer que ele se
apresente, procurando tirar dele o melhor proveito. Nietzsche ensinou o amor fati: amar o
necessário, aceitar este mundo e amá-lo. Idéia que nasceu em sua mente após setenta e duas
horas de dores e dezoito dias de crises violentas de saúde.
Quando maiores nossas dificuldades, maior deve ser nossa capacidade de suportação e
criatividade, para aproveitar e desenvolver o possível, sem nunca nos entregarmos. Afinal, viver
não é usufruir de um paraíso de delicias e felicidades. Todo paraíso é degenerativo, por não
apresentar desafios. O mito hebreu do Paraíso ilustra bem isso: Deus criou o homem, e o pôs no
Paraíso, onde nada lhe faltava. Não tinha de fazer esforços para adquirir o que necessitasse!
Deus, todavia, criara uma restrição: não poderia comer do fruto da árvore do bem e do mal. O
homem, então, obedeceu. Ficou usufruindo de tudo , sem se preocupar com o fruto daquela
árvore. Ou seja, o homem não tinha curiosidade, nem espírito de aventura, era um conformista
que nada arriscava. Esse foi seu primeiro pecado, estava fadado ao estiolamento. Então, Deus,
preocupado com o fato, resolveu criar a mulher. Fez o homem dormir e retirou-lhe uma costela
que, como se sabe, é um osso duro de roer. Com a costela ele criou a mulher, e a fez companheira
do homem, mandando que os dois se relacionassem e enchessem a Terra com seus filhos. Mas,
paralelamente, Deus fez a serpente, um ser mal. E o pôs no Paraíso. A mulher, que é eros, ou
seja, tem o impulso da vinculação, logo fez amizade com a serpente, a qual, excitando sua
natural curiosidade, fê-la comer, e dar ao homem, o fruto da árvore do bem e do mal, que era
proibido, justamente para forçar a transgressão. A desobediência custou a expulsão dos dois do
Paraíso, onde tinham tudo, para o deserto do mundo, onde tiveram que, com trabalho e canseiras,
criar condições de sobrevivência. Foi a melhor coisa que lhes aconteceu.
Na verdade, Deus queria a desobediência, mesmo. E a mulher foi sua maior e melhor
criação. Afinal, é ela quem motiva o homem a realizar coisas, por bem ou por mal. Sem ela a
humanidade não existiria, nem o progresso social e econômico. O mito diz que o paraíso, na
verdade, é um mal. O ser humano tem de ser responsável pela sua vida, e lutar para se
desenvolver.
Pense bem, a dor é sintoma, não condição em sí. Todo sofrimento avisa de que algo está
errado, seja no corpo, seja na alma, e requer conserto. É um problema a ser resolvido. Muitos
tomam a perda, a falta, o problema, a dificuldade, como castigo por alguma falta, cometida nesta
ou em outra vida.
No caso de se pensar em castigo divino, é um tão grande absurdo que não cabe qualquer
análise. Quanto ao fato de se “expiar” ou “resgatar” erros de outras existências, pode-se dizer que
um complexo de culpa pode ultrapassar os limites de uma encarnação. Mas por quê a
preocupação com isso? Por quê a ansiedade em saber o que se foi? A mera regressão de memória
nada resolve; pode explicar, mas não justifica. Um fato é patente: coisa alguma de nossa vida
está no passado, mas se encontra inteira no presente, no nosso psiquismo, ainda que não
consciente. Se alimentamos um complexo de culpa, temos como deixar de fazê-lo. Na verdade,
tudo depende de nossa escolha. Podemos escolher deixar que o complexo de culpa nos puna, ou
resolvê-lo, livrando-nos dele e, consequentemente, da punição. Afinal, somos nós que nos
castigamos, e não ninguém; é um problema nosso, que cabe a nós mesmos solucionar.
O processo de individuação requer que tomemos nossa vida e seus problemas nas mãos.
Passemos a assumir a responsabilidade de viver. A morte, o magno problema da existência, deve
ser encarada e assimilada por nós, como algo que faz parte da Natureza. Tudo o que existe tem
um ciclo existencial que vai do nascimento, passando pelo desenvolvimento, pela degeneração e,
finalmente, pela morte. Um fato é inegável: a morte é transformação. Um ser que morre, dá
ensejo a que outros vivam ou nasçam. Uma estrela nasce, vive e morre; sua morte dá origem a
outros corpos celestes, bem como a novos elementos químicos, que nasceram no interior dela,
formados por intensas pressões, e que são usados para o surgimento de novos fenômenos.
Em vez de se ficar a lamentar a existência da morte, passemos a cultuar a vida e a
aproveitá-la para um desenvolvimento integral de nossa personalidade.
O herói nasce, enfrenta suas lutas, sucessos e insucessos e, finalmente, desce ao Hades ou
vai para a Ilha das Bem-aventuranças. Muitas pessoas chegam à velhice e ficam a lamentar as
oportunidades perdidas ou as escolhas malfeitas; perda de tempo! Melhor seria que passassem a
realizar o possível, logo. Lamentação é síndrome de neurose, quando não de psicose.
Todas as pessoas enfrentam situações difíceis, inclusive aqueles dos quais temos notícias
por suas vitórias, por suas realizações; imaginamos que devam ser felizes e ter uma vida sem
problemas, simplesmente por terem galgado o patamar da fama e da fortuna. Esquecemos que
são seres humanos, e como tal a natureza lhes impôs limites, como a todos nós. A diferença é que
eles não ficam sentados à beira do caminho da vida, lamentando dores e insucessos, perdas ou
decepções; simplesmente continuam a perseguir os objetivos que se impuseram.
Certa vez, apresentaram-me uma senhora que tinha ideia de suicídio. Perguntei-lhe por que
queria abreviar sua existência. Ela me disse que não suportava a ausência da filha que havia
morrido. Indaguei se era filha única, e ela me disse que não, ela fora a primeira de três filhos. Aí,
não aguentei: A senhora é uma péssima mãe! Fica se lamentando da perda de uma filha, quando
ainda tem mais dois para cuidadar! Quer dizer que os que ficaram não valem nada? Não
merecem seu afeto, nem seus cuidados? Somente existia a que morreu? A senhora já́ imaginou o
sofrimento deles, por sentirem que não têm nenhum significado para a senhora? E ainda mais,
em se matando, consolidará neles o complexo de rejeição que já́ os faz sentir! Minha senhora,
assuma sua maternidade; seja uma mãe digna desse nome! E lhe dei as costas, indo embora. Dois
dias depois fui procurado por ela que me disse estar pensando diferente, que estava ainda
sentindo a perda da filha, mas que passará a se preocupar com os dois que ficaram, tentando se
redimir do que tinha feito até então com eles.Simplesmente lhe disse: Que bom para a senhora ter
criado juízo! E me afastei sem mais delongas. Afinal, ninguém merece elogios por cumprir com
seus deveres!
A evolução somente acontece por causa da dor, do desconforto, enfim, do sofrimento. Foi
tudo isso que fez o ser humano sair da condição animal, na pré-história, e construir o mundo
atual, com suas conquistas tecnológicas. O que não se deve a amar o sofrimento. Somente os
masoquistas gostam dele, porque, por uma patologia, passaram a extrair dele o prazer. Isto é
desvio mental, é doença. A dor é para ser dirimida, não cultivada.
A individuação nos fala da necessidade de aceitar o sofrimento enquanto não se possa
acabar com ele. Durante o tratamento de uma doença podemos sofrer, mas com o objetivo de
cura. E este sofrimento que requer aceitação. Como também os que não têm solução. Estes têm
de ser assimilados aos cotidianos, pelo fato de pertencer à própria existência. É preciso se
procurar entender qual o seu objetivo no processo de individuação.
Uma amiga foi fazer exames médicos e descobriu que estava com câncer, imediatamente
perguntou ao médico quais as providências a tomar, e ele orientou-a. Passou por dolorosas
sessões de quimioterapia e radioterapia. Resultado, venceu a doença. Em momento algum ficou a
se perguntar, como muitos: Por que isto aconteceu comigo? Sofreu o impacto da notícia, mas se
conformou com o fato de que estava com um câncer no organismo, e passou a lutar para se livrar
dele. Não poderia negar que o tinha, por isso conformou-se, mas não desenvolveu o
conformismo, simplesmente lutou para manter sua existência, e teve êxito.
Agora, ama muito mais a vida, e a usufrui, muito mais do que antes.
Observe que, até então, não usei o argumento da continuidade da consciência após a morte.
Fá-lo-ei agora, a partir de um episódio que resumirei. Tive certa feita, num congresso,
oportunidade de discutir com um marxista de mais ou menos sessenta anos. Um dos poucos
marxistas que conheci que haviam, realmente, lido toda a obra de Karl Marx. Eu havia
contestado, em minha, fala, provocando-o, o materialismo marxista, afirmando o fato de não
haver qualquer possibilidade de se construir uma ética, a partir de uma visão materialista da vida.
Ele tentou contestar com os sofismas comuns dos teóricos do materialismo histórico. Retruquei
indagando: “O senhor se sente, atualmente, com a mesma cultura e experiência de quando tinha
18 anos?” Ele respondeu: “É óbvio que não! Tenho muito mais experiência e cultura; inclusive
estou relendo as grandes obras da literatura mundial! E eu continuei: E fisicamente, tem a mesma
desenvoltura do quando tinha aquela idade? Ele replicou: De forma alguma! Apesar de estar com
saúde perfeita, é claro que os anos já́ começaram a pesar...
Aí, coloquei meu argumento: O marxismo se diz uma filosofia científica, logo, aceita a lei
da conservação de energia. O senhor, fisicamente, está decaindo sucessivamente, como todos
nós, até que sobrevenha a morte; todavia, mentalmente, está, cada vez mais aprimorado, com um
acúmulo de experiência e conhecimento, incessantes. Ora, como esse conjunto de saber é um
fato que energeticamente existe, com sua morte ele, simplesmente desaparecerá? Essa energia
deixará de existir, negando uma lei básica e comprovada da Física? Ele não teve como me
contestar. Para finalizar, três meses depois eu falava num encontro espírita anual, e lá estava o
amigo marxista, e isto se reproduziu pelos anos seguintes...
Um fato importante a ressaltar é que o nosso inconsciente não tem qualquer conhecimento
de um final da existência, como ressalta Marie-louise von Franz: “Como Jung enfatizou, a psique
inconsciente não presta muita atenção ao término abrupto da vida do corpo e se comporta como
se a vida psíquica do indivíduo, isto é, o processo de individuação, simplesmente continuasse”
(Franz, 1999, p. 11).
Se isto não é uma prova da imortalidade da alma, pelo menos é um argumento a se levar
em conta, haja vista que o inconsciente tem uma amplitude que ainda desconhecemos e está
associado aos fundamentos da própria vida, e não está limitado nem pelo espaço, nem pelo
tempo.
Mas, o que vai acontecer conosco após a morte? Existe uma única e fundamental certeza:
continuaremos vivendo! E, como afirma a sabedoria que vem de tempos imemoriais: Viver é
uma imposição, morrer é uma simples e recorrente mudança de ambiente dimensional.
Exercício 17
Relendo a autobiografia, procure identificar como tem sido sua evolução psíquica. Observe como
você reagiu às crises que enfrentou, e qual a influência delas sobre sua existência. Procure,
também verificar se viveu cada uma das etapas existenciais: infância, puberdade, adolescência,
adultez e, se for o caso, a velhice.
Escolha um momento adequado para meditar. Quando estiver relaxado, imagine-se, como
espírito, numa local muito bonito, pode ser uma jardim; imagine que, junto a você, está uma ser
de grande evolução espiritual, o qual tem condições de auxiliá-lo no planejamento de sua
próxima encarnação. Exponha para ele como você deseja que seja sua próxima existência. Mas,
lembre-se que, cada encarnação tem como objetivo seu desenvolvimento psíquico, a realização
de uma individuação. Por isso seu planejamento deve levar em conta o lugar onde renascerá;
deverá ser um lugar que lhe ofereça todas as condições políticas, econômicas, sociais, culturais e
históricas para o cumprimento de seus objetivos; a qualidade moral, cultural e afetiva de seus
futuros pais, pois eles serão fundamentais para ajudá-lo no seu desenvolvimento; em seguida,
detalhe o mais possível o que você desejará realizar. Ao fim e ao cabo, escute as ponderações
dele sobre o seu projeto. Use o seu bom senso, para aceitar ou não, as colocações dele; lembre-
se que você tem liberdade de escolher, pois a existência será sua.
14 O uso de “homem” para indicar o coletivo gramatical do conjunto da humanidade, é um machismo inominável, é uma
discriminação com a mulher, a quem também se aplicam todos os conceitos e afirmações sobre o desenvolvimento pessoal. “Ser
humano” é a expressão apropriada, pois se aplica a todos os gêneros. Chamo atenção para o fato nessa nota de rodapé, mas
respeito a integridade do texto de Campbell, pois seria um desreitpo e desonestidade intelectual, adulterá-lo.
Somos indivíduos de personalidade?
Você muitas vezes já́ afirmou que tem personalidade, e u não duvido disso. Mas o que é
essa tal personalidade? O Aulete eletrônico assim define personalidade: sf. 1 Qualidade ou
características do que é pessoal; PESSOALIDADE. 2 Pessoa de destaque social, cultural,
profissional, político etc.; PERSONAGEM: Era uma grande personalidade política. 3 Aspecto
que alguém assume ou projeta publicamente; IMAGEM: Mudou sua maneira de ser assumindo
nova personalidade. 4 Conjunto de qualidades ou características que marcam uma pessoa, um
grupo social etc.: Era a expressão perfeita da personalidade brasileira. 5 Psic. Conjunto de traços
psíquicos e emocionais que formam a totalidade de uma pessoa, distinguindo-a das demais:
Possuía uma personalidade marcante. 6 Conjunto de traços morais e/ou intelectuais que possuem
marca pessoal ou alguma originalidade: Era um homem banal, sem personalidade. E tem muitas
outras definições, mas, para nosso propósito, bastam apenas essas.
Agora, para Psicologia Analítica, existe nos seres vivos uma índole inata, e específica que
se desenvolve pela máxima coragem de viver; pela firmação individual e pela adaptação mais
perfeita possível a tudo o que existe de universal; tudo isso dentro do exercício da máxima
liberdade de decisão própria. Pode-se, entender, pois, que os desafios do viver, a adaptação
psicológica às condições orgânicas e sociais, são fatores que influenciam o desenvolvimento da
personalidade, facilitando-o ou criando impedimentos e/ou distorções.
Como vimos linha atrás, segundo Jung, o ser humano trás em si um desígnio, o qual
estimula e baliza o desenvolvimento da personalidade que, em última análise, é a busca: “do
próprio e inédito caminho na vida; designação é um: fator irracional, traçado pelo destino, que
impele a emancipar-se da massa gregária e de seus caminhos desgastados pelo uso” (Jung, 1998,
O. C., vol. XVII, par. 300).
A personalidade, portanto, parte de um disposição inata, e se manifesta desde a
estruturação do ego. A Psicologia Analítica verifica que existem três aspectos da personalidade,
no ser humano: Personalidade consciente, personalidade inconsciente e personalidade global.
Personalidade consciente: aquela parte da personalidade que coincide com o “eu”;
Personalidade inconsciente, aquela que se apresenta ao “complexo do eu” como sendo algo à
parte, sentida como “não eu”; é também chamada de metade inferior da personalidade, sendo rica
em elementos individuais. Personalidade global, o todo com o qual o “eu” não é coincidente, e
que a ela se refere como sendo absolutamente outro, uma terceira pessoa, fechada ao seu
conhecimento (o Si-mesmo); é rica em elementos coletivos.
A personalidade se desenvolve, apenas, pela necessidade; ela precisa ser motivada pela coação de acontecimentos
internos ou externos (Jung, 1986, O. C., XVII, par. 293).
Para que haja um efetivo desenvolvimento da personalidade, tem de haver fidelidade à própria lei, ou seja, ao próprio
caminho na existência. Mas o que impulsiona alguém a buscar seu próprio caminho é algo sobre o qual já́ falamos no
capítulo anterior: a designação, que: é um fator irracional, traçado pelo destino, que impele a emancipar-se da massa
gregária e de seus caminhos desgastados pelo uso (Jung, 1986, O. C., vol. XVII, par. 300).

Mas para que a personalidade se desenvolva, existem fatores arquetípicos agindo em nossa
vida. Os arquétipos que atuam durante esse desenvolvimento. são:
Persona, que deve ser encarada como uma função natural de relação, mas que não
representa a essência do indivíduo. A retirada das falsas roupagens que o ego assume e toma
como realidades, proporciona uma visão realista de si próprio. E um desenvolvimento correto da
personalidade.
Sombra, como o arquétipo que se atualiza pelo registro e conservação de tudo o que o ego
ignora, não quer conscientizar ou simplesmente reprime, tanto no aspecto positivo quanto no
negativo. A integração das potencialidades reprimidas amplia a consciência influenciando o
desenvolvimento da personalidade.
Animus/Anima, que representa os fatores de projeção do inconsciente, e permitirá a união
dos aspectos masculinos e femininos dentro da pessoa, tornando-a um ser completo.
Self, como o arquétipo da totalidade psíquica, é o condutor, em última análise, do processo
de desenvolvimento da personalidade, pela compreensão da psiquê como uma totalidade
psíquica.
Quem desenvolve e realiza com êxito todas estas etapas, alcança a personalidade total.
Segundo Carlos Byington, os arquétipos que atuam no desenvolvimento da personalidade
seguem o padrão de evolução da humanidade: matriarcal, patriarcal, de alteridade e cósmico.
Dessa forma, os arquétipos materno e paterno são prioritários na fase da infância, por parte dos
pais, quando a criança necessita de sustentação, cuidados e o estabelecimento de limites, o que
esses dois arquétipos têm como funções básicas; o arquétipo materno tem como ação a gestação,
nutrição, cuidados fundamentais e os estímulos verbais e sensoriais; enfim, o acolhimento; o
arquétipo materno terá um grande papel no estimulo às funções da consciência sentimento e
intuição; ao mesmo tempo, a criança, com base no arquétipo materno, atualiza seu próprio
arquétipo materno, bem como inicia a atualização do seu o arquétipo da anima; o arquétipo
paterno tem como função principal o estabelecimento dos limites, pelo apego ao dever, a
coerência, à tradição familiar e o respeito às normas e costumes sociais; o arquétipo paterno na
criança, por sua vez, se atualiza nesse processo, bem como o arquétipo do animus; a ação do
arquétipo paterno estimula na criança as funções pensamento e sensação.
O arquétipo do Si-mesmo, pela prevalência do complexo do ego por ele esgtruturado,
estabelecerá os padrões de diferenciação do indivíduo face ao mundo à sua volta, inclusive
perante os outros indivíduos. Isto é o processo de estabelecimento da individualidade, a marca
pessoal, embora sob influência do coletivo, como o qual vive sob as normas do qual atua.
Finalmente, o Si-mesmo conduzirá a individualidade a uma nova etapa evolutiva: o
estabelecimento da singularidade psíquica ou individuação; quando o indivíduo se assume
diferente do coletivo, passando a ser o senhor de suas ações e motivos, exercendo, daí em diante,
um papel superior no seu meio, muitas vezes com abrangência mundial e histórica.
A atualização do arquétipo anima/animus, será dependente da constituição sexual da
criança: se de sexo feminino, receberá influencia do arquétipo materno, no que diz respeito à
própria constituição como mulher, portanto como uma representação física da anima, enquanto o
arquétipo paterno proporcionará a atualização do arquétipo do animus, a configuração masculina
no inconsciente; Com a criança do sexo masculino acontecerá justamente o contrário: o arquétipo
paterno atuará no estabelecimento do sentimento da própria constituição fisiológica como
animus, enquanto o arquétipo materno estimulará a atualização do aspecto feminino do
inconsciente: o arquétipo da anima.
Sobre a ação dos arquétipos parentais na vida infantil diz Jung:
Esses arquétipos da alma coletiva, cujo poder se acha glorificado nas obras imortais da arte ou nas ardentes profissões
de fé das religiões, são também as potências que dominam a alma infantil pré-consciente e, aos serem projetadas,
conferem aos pais humanos um fascínio que muitas vezes atinge quase o infinito em grandeza (Jung, 1986, O. C.,
vol. XVII, par. 97).

O Self, ou Si-mesmo, é o arquétipo que abarca a psiquê como um todo, ou seja, tantos seus
aspectos conscientes quanto os inconscientes. É ele quem proporciona a convivência psíquica
dos opostos.
A personalidade, que existe em germe desde a infância, se desenvolve a partir de nossa
ação na existência, quando interagimos como o meio nas mais diversas condições e situações.
Não podemos esquecer que nosso objetivo na existência é o desenvolvimento da
consciência às expensas do inconsciente, tornando seus conteúdos cada vez mais conscientes.
Quer dizer, a expansão da consciência é uma determinação evolutiva, e acontece pela integração
dos conteúdos inconscientes, para que fiquem à disposição do ego, e possam ser usados
conscientemente no cotidiano do viver.
O problema está em que o eu é um complexo fortemente estruturado e resiste às alterações
necessárias, pois elas causam perturbações ao seu modo de ver e perceber a existência. O conflito
entre o ego e o inconsciente é fonte permanente de problemas psicológicos, estudados nos
compêndios de psicopatologia. Mas, com o tempo, ele conclui que é mais vantajoso aceitar os
conteúdos inconsciente, do que estabelecer mecanismos de defesa contra eles, que somente lhe
causam perturbações e conflitos.
...o eu não pode deixar de descobrir que o afluxo dos conteúdos inconscientes vitaliza e enriquece a personalidade e
cria uma figura que ultrapassa de algum modo o eu em extensão e intensidade... Deste modo a vontade enquanto
energia disponível se submete paulatinamente ao fator mais forte, isto é, à nova figura da totalidade que eu chamei de
Si-mesmo (Jung, 1998, O. C., vol. VIII, par. 430).

Mas, a personalidade se desenvolve, sob o signo do Si-mesmo, nas diversas etapas da vida.
Há uma destinação, uma possível meta além das fases ou estádios de que tratamos...: é o caminho da individuação.
Individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por "individualidade" entendermos nossa
singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si-mesmo.
Podemos pois traduzir "individuação" como "tornar-se si-mesmo" (Verselbstung) ou "o realizar-se do si-mesmo"
(Selbstver-wirklichung) (Jung, O. C., vol. VII, par. 266).

As etapas da vida são fases específicas da existência humana, distintas entre si e


reconhecidas pela presença ou ausência de múltiplos processos vitais, como as diversas
organizações e funções da psique.
Quatro estágios formam o ciclo de uma existência humana: Infância, puberdade,
adolescência, um período intermediário denominado de meia-idade, adultez e velhice. Eles
obrigam a fazer, contemporaneamente, a experiência da vida do mundo e da vida própria.
Na infância, primeira etapa da vida, não apresentamos problemas pessoais; ela não
discorda de si mesmo. Nossos problemas eram uma extensão dos problemas dos pais e da
família. Neste período, entretanto, já́ repontavam os germes de nossa personalidade: “cuja
interpretação é difícil ou até impossível; sendo uma índole inata, a qual se torna manifesta
durante a vida e no decurso da vida” (Jung, O. C., XVII, par. 288).
A importância da fase infantil pode ser inferida do que diz Jung: “...os vestígios da alma
infantil constituem no adulto tanto o que ele tem de melhor, como o que tem de pior. Em todo
caso, são esses vestígios que formam o espírito diretor (spiritus rector) oculto nos nossos feitos
ou fatos importantes, quer sejamos conscientes disso ou não” (Jung, O. C., vol XVII, par. 97).
Durante a puberdade começou a afirmação de nossa individualidade; foi o momento da
rebeldia, do conflito de gerações, ela pode ser considerada como o umbral da juventude, que se
lhe seguiu.
A adolescência ou juventude, que vai até os trinta e cinco e quarenta anos; é o período da
vida em que acontece: a separação da família, pela busca do próprio caminho; o complemento da
formação cultural; a escolha de uma profissão, a constituição da própria família e a consecução
da estabilidade financeira e social; porém, a juventude é, também, a época em que os conflitos se
estabelecem no psiquismo. É a etapa da vida em que diversas exigências nos são feitas, tanto
interiores quanto exteriores, e que temos de procurar atender e resolver.
A meia idade, período inicial da adultez, se caracteriza por haver o ser humano chegado ao
ponto culminante de sua existência, na juventude integrou-se em sua comunidade, vivendo-lhe os
ideais do consciente coletivo e partilhando os princípios do inconsciente coletivo, de um modo
geral. Atingida a meia idade, ele olha para o passado e vê toda sua história que, como toda
história caracteriza-se por altos e baixos, sucessos e fracassos, alegria e tristezas. Comparando
com o presente, estabelece comparações e tira conclusões que podem ser, em sua interpretação,
positivas ou negativas. Volta-se, então para o futuro e vislumbra que marcha para o final de toda
existência: a morte. Então, mais uma crise, talvez a mais fundamental, vai sacudir o íntimo deste
ser humano. Sua mente está cheia de planos e sonhos, mais o tempo começa a lhe parecer por
demais escassos para realizá-los.
Na etapa da meia idade o ser humano pode despertar para uma nova consciência ou, ao
contrário, enrijecer-se, por considerar que já́ atingiu uma compreensão exata da vida, tornando-
se, por isso, senhores da verdade; uma verdade parcial, mas que ele supões ser completa e
universal, porque teria sido, graças a ela que ele alcançou o nível de bem estar e status no qual se
encontra.
Muitas vezes é como que uma espécie de mudança lenta do caráter da pessoa... as convicções e os princípios que os
nortearam até então, principalmente os de ordem moral, começam a endurecer-se e enrijecer-se, o que pode levá-los,
crescentemente, a uma posição de fanatismo e intolerância, que culmina por volta dos cinqüenta anos. É como se a
existência destes princípios estivesse ameaçada, e, por esta razão, se tornasse mais necessário ainda enfatizá-los
(Jung, 2000, O. C., vol. VIII, par. 773).

A meia idade se caracteriza como um momento de preparação para a adultez, que


prenuncia a velhice; é um ponto de inflexão, no qual a psiquê começa a se preparar para o
período final da existência, a velhice, e sua conseqüência inevitável: a morte, fim da jornada
existencial do homem.
Assim como no primeiro período da existência se busca prolongar a infância, por
inconformação com a necessidade do amadurecimento, na adultez, que se segue à meia idade, se
tenta, por todos os meios, evitar que chegue a velhice, na qual se terá de abandonar todas as
benesses da vida, gozadas até então.
A velhice é uma decorrência lógica, após a adultez:
O homem que envelhece deveria saber que sua vida não está em ascensão nem em expansão, mais um processo
interior inexorável produz uma contração da vida. Para o jovem constitui quase um pecado ou, pelo menos, um
perigo ocupar-se demasiado consigo próprio, mas para o homem que envelhece é um dever e uma necessidade
dedicar atenção séria ao seu próprio Si-mesmo (Jung, 2000, O. C., vol. VIII, par. 785).

Assim como a psiquê, como a consciência e o ego nasceram do inconsciente, após o ciclo
da existência, voltam a mergulhar nela. Poderia se perguntar: por que existe tal necessidade?
Depois de um desenvolvimento com inúmeras conquistas culturais e emocionais; inúmeras lutas,
sofrimentos, sucessos e fracassos, quando a experiência atingiu, muitas vezes o seu ápice, a
inconsciência, como grande e irrevogável atrator, absorve tudo, qual inexorável buraco negro,
aparentemente tudo destruindo, com uma volúpia cruel. Será que, à semelhança do que
pontificam alguns os astrofísicos, quanto ao buraco negro, se abrirá um caminho para outro, e
melhor, universo psíquico?
Jung é pessimista quanto a um processo de educação para desenvolvimento da
personalidade. Diz ele que a educação deveria ser dirigida aos pais, pois estes influenciam, de
forma decisiva, o desenvolvimento psíquico da criança. Não se pode esquecer que a criança vive
o inconsciente dos pais, de tal forma que, os problemas psíquicos que apresente estão
relacionados ao ambiente doméstico. Assim, a maneira como os pais se relacionam entre si, e
com a criança, influencia, e muito o germe de personalidade que ela apresenta.
Os pais em particular, e o ambiente doméstico em geral, são de fundamental importância.
Se é falta de sorte da criança não encontrar uma verdadeira família em casa, de outro lado também é perigoso para a
criança estar presa demais à família. A ligação muito forte aos pais constitui impedimento direto para a acomodação
futura ao mundo. O adolescente está destinado para o mundo e não para continuar a ser para sempre filho de seus
pais. (Jung, 1998, O. C., vol. XVII, par. 107a).

Como visto mais acima, a personalidade é um “quid” inato que necessita ser desenvolvido
durante o processo existencial. Mas, o indivíduo não é um elemento isolado, cujo progresso
aconteça à sua própria vontade, ao contrário ele é um zoon politikon (um animal da cidade)
(Aristóteles, Política, livro I, cap. 1), isto é, um ser social, gregário, coletivo. É do coletivo que
ele recebe os princípios básicos que balizarão o desenvolvimento de sua personalidade, através
da educação, a qual começa a partir do próprio momento do nascimento. Isto porque ele encontra
já́ pronta e funcional uma superestrutura cultural, resultado do acúmulo de conhecimentos e
experiências dos que lhe antecederam na jornada da existência.
Assim, cada um somente pode almejar alcançar o máximo desenvolvimento da
personalidade, enquadrado pela moldura cultural que encontra e na qual vai viver suas etapas de
vida. Alguém que nasce numa sociedade tribal, se desenvolverá de acordo com os usos e
costumes da tribo. Passará pelos ritos de passagens estabelecidos, assimilando o modus vivendi
(maneira de viver) da tribo.
É claro que, mesmo nessas condições estritas, o indivíduo tem condições de buscar seu
próprio caminho, de realizar seu desígnio, pois a individuação é um impulso da natureza, que se
realiza inconscientemente no organismo e na psiquê; todavia, somente pode ser um processo de
ampliação da consciência se tiver a aceitação e participação do ego, porque, então, haverá um
crescimento consciente e real.
Apenas na consciência algo pode ser corrigido. O que é inconsciente permanece inalterado. Se quisermos provocar
alguma alteração, precisamos passar para a consciência os fatos inconscientes, a fim de podermos submetê-los a uma
correção. Esta operação torna-se de todo desnecessária no caso em que, pela pesquisa minuciosa do ambiente
doméstico e pela história do desenvolvimento psíquico, tivermos conseguido os meios de influir eficazmente sobre o
indivíduo (Jung, 1986, O. C., vol. XVII, par. 260).

Enfocando apenas os seres humanos ditos civilizados, o mesmo fenômeno de coletivização


psíquica acontece, todavia aqui existe outro aspecto, o da cultura, enquanto apropriação
intelectual do processo do conhecimento ancestral e contemporâneo. Neste caso, o
desenvolvimento da personalidade tem aspectos favoráveis importantes.
A própria Psicologia Analítica é um elemento cultural que pode promover condições para
que se atinja o máximo desenvolvimento possível da personalidade, cumprindo a meta ideal do
processo de individuação.
Exercício 18
Em que etapa da existência você se encontra? Identificando- a, analise o que aconteceu nas
antecedentes: as dificuldades, os sucessos e insucessos, as alegrias e tristezas, os ganhos e
perdas, o que realizou ou o que faltou realizar. Procure entender o que motivou cada um dos
eventos negativos, remetendo-os à sua responsabilidade e não a de outros. Com base nesse
levantamento, planeje o que fará daqui para frente, imaginando cada detalhe e, de imediato,
comece a realizar o que for possível. É possível extrair de cada fase da existência o máximo de
possibilidades. Mas para isso é necessário uma atitude mensal positiva, o exercício da vontade.
As recompensas, em termos de satisfação consigo mesmo serão gratificantes. Caso, durante sua
rememoração de acontecimentos passados apareça algo que lhe faça sentir-se em culpa, analise o
fato e tome a decisão de não mais agir de forma semelhante. Isto é o que nos faz crescer, e não a
necessidade de um resgate pelo sofrimento ou por compensações de qualquer natureza.
Coincidências intrigantes que, algumas vezes, nos acontecem
Existem certos eventos que, de tão estranhos, não há como se estabelecer os meios e modos
deles terem acontecidos. Como exemplo, cito o seguinte: eu estava numa cidade do interior do
Estado da Bahia, e iria viajar para a cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, às treze
horas, com escalas em Salvador e Brasília. Pela manhã, atendi duas jovens senhoras, as quais me
relataram fatos da primeira infância, inclusive de quando eram recém-nascidas. Cada uma delas,
em horários diferentes, se mostrava possuída de intenso afeto, enquanto me contava suas
histórias. Fiquei impressionado com os fatos narrados. A conversa com a última terminou às doze
horas, e eu tive de correr direto para o aeroporto. A atendente da companhia de aviação havia me
colocado na poltrona do meio, dos primeiros assentos, em todas as três aeronaves em que teria de
viajar. Solicitei que me trocasse de assento, brincando com ela: “Minha amiga, eu não gosto de
fazer o papel de salsicha em cachorro quente”. Ela então me colocou na poltrona da janela, da
mesma primeira fila, nos vôos seguinte, mas conservou o mesmo local no primeiro voo, que seria
de meia-hora, apenas. Ao entrar no avião, que fazia conexão na cidade onde eu estava, no lugar
que seria o meu, estava sentada uma jovem senhora, com uma criança de colo nos braços. Ela
passou para a janela, e eu me sentei no lugar que me estava reservado. Em Salvador, troquei de
aeronave. Qual não foi minha surpresa, no lugar junto à janela - onde eu sentaria -, estava uma
senhora, com uma criança de colo nos braços. Aquilo me fez lembrar dos relatos da manhã e do
que acontecera na primeira aeronave. A conexão em Brasília demorou cerca de duas horas.
Quando entrei na aeronave que me levaria a Manaus, outra surpresa: no lugar junto à janela,
estava uma jovem senhora segurando uma criança de colo. Durante a conversação que viemos a
travar, esta senhora me perguntou onde eu ficaria hospedado em Manaus, pois era proprietária de
um hotel, e me faria um bom desconto nas diárias. Disse-lhe que não sabia, pois os amigos que
me haviam convidado, estavam providenciando a hospedagem, a qual poderia, inclusive, ser na
residência de um deles. Para finalizar, os companheiros haviam reservado hospedagem no hotel
que pertencia à dita senhora.
Como se vê, uma série de coincidências. O que as teria motivado? Houve uma conexão
qualquer, entre os eventos da manhã e os acontecimentos nas aeronaves? Mas o que a provocou?
Não há sentido em se buscar a solução numa atuação de espíritos, pois não existiam motivos
suficientes que justificasse um tal esforço. Esse é um caso típico de sincronicidade, como
estabelecido por Jung, mas o caracterizá-lo, não o explica. Quais os mecanismos que provocaram
tais coincidências? Meu inconsciente provocou tudo isso? E qual o objetivo? Eram bem claras as
origens dos problemas das jovens senhoras, que eu havia atendido! A coleção de sincronicidades
não me trouxe qualquer esclarecimento, a não ser confirmar que minhas conclusões estavam
corretas.
Segundo temos visto até agora, a fenomenologia mental possui características próprias, que
contraria as leis e princípios descobertos e estabelecidos pelas ciências naturais. Esse é um fato
que qualquer pessoa pode comprovar.
Ora, a concepção científica do mundo sempre se baseou no princípio da causalidade que, em última análise significa
no determinismo de todo efeito ter uma causa. Mas, existem fenômenos que parecem acontecer fora da complexa
rede das conexões causais: os do acaso. Existem acontecimentos coincidentes que – aparentemente – não têm
qualquer nexo causal entre eles. Vejamos um exemplo: uma mulher tirou fotografias de seu filho na Floresta Negra.
Mandou revelar o filme na cidade de Estrasburgo. Nesse meio tempo, começou a guerra de 1914, e ela não pôde
retirar as revelações, dando como perdidas. Em 1916, a mesma senhora comprou um filme na cidade de Frankfurt,
para tirar fotos de uma filha que tivera no intervalo. Ao ser revelado o filme, verificou-se que houvera dupla
exposição, pois o filme era o mesmo que mandara revelar dois anos antes (Jung, 1984, par. 831).

É claro que se este fosse um caso isolado poderia ser explicado como um acontecimento
casual. Todavia, todos os dias, mundo afora, acontecem fatos semelhantes de objetos que
retornam aos seus donos, por vias as mais improváveis, bem como coincidências significativas,
sem qualquer compromisso com a lei de causa e efeito, de diversas naturezas. Tenho certeza de
que você mesmo terá muitos casos para contar, quer tenha acontecido com você mesmo ou
pessoas suas conhecidas.
Sabemos que, antes da revolução na Física, realizada por Albert Einstein e a Escola de
Copenhague, a visão newtoniana dos fenômenos era de que os acontecimentos casuais apenas o
seriam em aparência, na verdade eram produzidos por uma teia de causalidades que nos
escapavam à percepção. Tivéssemos conhecimento de todas as variáveis que compõem o fluir
das coisas e, automaticamente estariam explicados todos os acontecimentos, por mais banais e
casuais que parecessem. Embora as teorias da relatividade e da mecânica quântica tenham
derrubado muitas certezas determinísticas dos cientistas, algumas teimam em prevalecer.
Einstein era causalista além da razão, a ponto de haver comprometido seu próprio trabalho na
área da física para tentar provar que a lei de causa e efeito era uma realidade quase “divina”.
A Física Quântica, todavia, contestou, com provas e resultados, que todo efeito tenha uma
causa, e afirmou que todos os fenômenos estão sob o império da casualidade, da aleatoriedade.
Isto graças ao princípio da incerteza, elaborado por Werner Heisenberg, em 1927: O produto da
incerteza associada ao valor de uma coordenada xi e a incerteza associada ao seu correspondente
momento linear pi não pode ser inferior, em grandeza, à constante de Planck normalizada.
Traduzindo em miúdos, de forma analógica: para se descobrir a posição de uma bola dentro
de um quarto escuro, podemos emitir algum tipo de radiação e deduzir a posição da bola através
das ondas que nela refletem e voltam. Mas. Se quisermos medir a velocidade de um objeto
móvel, podemos interpor em seu caminho dois feixes luminosos, calculando o tempo gasto na
trajetória entre um e outro. É claro que nenhuma das duas medidas, a da bola e do móvel
interfere, significativamente na posição de um, nem na velocidade do outro. Todavia, podem
interferir, tanto na posição quanto na velocidade de uma partícula, pois a diferença de tamanho
entre o fóton de luz e ela é pequena.
Imagine se, para medir a posição de uma lancha usássemos duas barreiras de areia! É claro
que a velocidade dela seria alterada, e a medida obtida não refletiria a realidade. No caso da bola,
se queremos saber onde ela está, em determinado momento, e jogarmos contra ela um jato de
tinta óleo, é claro que poderíamos saber a posição para a qual foi levada e, mas não a original
que era o nosso objetivo.
Finalizando: nunca temos certeza da ocorrência de um fenômeno, mas sim a probabilidade
de que ocorra. Afinal, como mostrei no início deste livro, a única realidade é a psíquica. Do
mundo fora de nós, somente temos representações, e é com tais representações que trabalhamos,
e fazemos inferências. Logo, que certeza podemos ter de estar de posse de verdades verdadeiras
sobre os fenômenos da natureza?
Você poderá contestar: Pelos resultados. Olhe a sua volta, a Ciência tem mudado o mundo,
graças aos seus estudos e experimentações. E eu retrucarei: Por mais de mil e duzentos anos,
usamos para estudar os corpos celestes, prevendo o movimento das estrelas, os eclipses e demais
fenômenos do firmamento, o sistema geocêntrico. Ou seja, estudávamos, e prevíamos, com
absoluta certeza, as fases da lua, a precessão dos equinócios, etc, com uma teoria que dizia ser a
Terra o centro do universo e que, como sabemos hoje, estava totalmente errada.
Paralelamente, em seguida aos estudos da mecânica quântica, os estudos de Joseph Banks
Rhine, criaram a ciência parapsicológica, que demonstra a existência de conexões psíquicas,
produtoras de fenômenos independentes do tempo e do espaço e, muitas vezes sem nexo causal
como, por exemplo, a percepção de acontecimentos futuros, o que atenta contra a lei de
conservação da energia. Esses estudos, como os dos fenômenos mediúnicos, apresentam muitas
características semelhantes aos estudados pela física nuclear, por serem, também, aleatórios e
probabilísticos.
Baseado nesses dois estudos científicos, bem como em sua experiência pessoal, Jung
desenvolveu, juntamente com Wolfgang Pauli – prêmio Nobel de Física – o conceito de
Sincronicidade, que denominou como um fator hipotético de explicação equivalente à
causalidade, pelo seu caráter de simultaneidade. E, como disse acima os fenômenos
parapsicológicos, estudados e comprovados cientificamente por Rhine tiveram, também, um
peso considerável na estruturação desse conceito:
...os experimentos de Rhine nos põem diante do fato de que existem acontecimentos que estão relacionados
experimentalmente (o que, neste caso, quer dizer significativamente) entre si, sem a possibilidade, porém, de provar
que tal relação seja causal, visto que a “transmissão” não revela nenhuma das conhecidas propriedades da energia
(Jung, 1984, par. 840).

Como fez Rhine, Jung procurou delimitar o campo de seu estudo de forma clara e simples:
“Os acontecimentos sincronísticos repousam na simultaneidade de dois estados psíquicos
diferentes. Um é normal, provável (quer dizer: pode ser explicável causalmente) e o outro, isto é,
a experiência crítica, não pode ser derivada causalmente do primeiro” (Jung, 1984, par. 855).
E Jung esclarece bem isso dizendo que: “Um conteúdo inesperado, que está ligado direta
ou indiretamente a um acontecimento objetivo exterior, coincide com o estado psíquico
ordinário; é isto que chamo Sincronicidade” (Jung, 1984, par. 855).
Dessa forma, é preciso se ter cuidado ao rotular algum acontecimento incomum,
principalmente paranormal, de sincronicidade. Por exemplo, um fenômeno mediúnico comum
não pode ser chamado de sincronicidade, a não ser que sua ocorrência objetiva tenha sido
acompanhada de um estado psíquico correlato e aleatório. Estive tentado a acrescentar e
simultâneo, mas Jung ressalta a relatividade do tempo (tanto quanto do espaço) nos fatos
psíquicos (quanto físicos).
Os fenômenos sincronísticos podem ser divididos em três grandes grupos:
1. Coincidência de um estado psíquico do observador com um acontecimento objetivo externo e simultâneo, que
corresponde ao estado ou conteúdo psíquico ..., onde, não há nenhuma evidência de uma conexão causal entre o
estado psíquico e o acontecimento externo e onde, considerando-se a relativização psíquica do espaço e do tempo, ...,
tal conexão é simplesmente inconcebível. 2. Coincidência de um estado psíquico com um acontecimento exterior
correspondente (mais ou menos simultâneo), que tem lugar fora do campo de percepção do observador, ou seja,
especialmente distante, e só pode verificar posteriormente... 3. Coincidência de um estado psíquico com um
acontecimento futuro, portanto, distante no tempo e ainda não presente, e que só pode ser verificado também
posteriormente (Jung, 1984, par. 974).

Embora não se apliquem, normalmente à complexa gama dos fenômenos mediúnicos, o


conceito de sincronicidade se adéqua, perfeitamente, aos casos que citei no início deste capítulo.
Todavia, é preciso ter em mente que essa teoria não explica, nem procura explicar, os
mecanismos de produção de tais fenômenos. Apenas ressalta seu caráter aparentemente não
causal. Na verdade pode-se dizer que é apenas um nome para determinados eventos, e não uma
teoria propriamente dita, como muitos querem fazer crer. O que o princípio da sincronicidade
deixa claro é que o nosso inconsciente interfere com a realidade, adequando-a aos seus objetivos,
de uma forma que nos escapa ainda à análise.
Todos sabem que a natureza é uma reunião de quatro grandes princípios: a energia,
indestrutível e presente em todos os fenômenos, o contínuo espaço-tempo, o princípio da
causalidade, que estabelece conexão constante entre os dois e o princípio da sincronicidade, que
faz uma ligação inconstante através da contingência ou “significação”. Em outras palavras, o
complexo da natureza é composto de uma realidade física (o macrocosmo), onde a causalidade
impera quase permanentemente, e de um substrato psíquico, que pode interferir no mundo
causal, gerando fenômenos acausais.
Os fenômenos acausais são produzidos pelos arquétipos, e Jung assim se refere a esse
problema:
Estes últimos (os arquétipos) são indefinidos, isto é, só podem ser conhecidos e determinados de maneira
aproximativa. Embora estejam associados a processos causais, ou “portados” por eles, contudo estão continuamente
ultrapassando os seus próprios limites, procedimento estes a que eu daria o nome de transgressividade porque os
arquétipos não se acham de maneira certa e exclusiva na esfera psíquica, mas podem ocorrer também em
circunstâncias não psíquicas (equivalência de um processo físico externo com um processo psíquico). As
equivalências arquetípicas são contingentes à determinação causal. Isto é, entre elas e os processos causais não há
relações conformes a leis. Por isto, parece que elas representam um exemplo especial de acidentalidade ou acaso ou
“estado aleatório” “que atravessa o tempo de maneira totalmente conforme à lei”, como diz Andreas Speiser (Jung,
1998, par. 954).

Jung ressalta, pois, que o fenômeno de sincronicidade acontece além da causalidade que
uma visão de mundo tradicional nos impõe por todos os meios e modos. Graças a Deus estamos
atingindo um ponto da evolução cultural onde a causalidade está sendo posta dentro dos seus
reais e estreitos limites. Ela é um modo de acontecer de determinados fenômenos, e não uma lei
geral e universal, que acontece impreterivelmente, em qualquer circunstância.
No fundo, o avesso do mundo está sob a direção dos arquétipos, entidades do inconsciente
coletivo, inabordáveis diretamente pela experiência, mas acessíveis em suas projeções
mitológicas ou geométricas, encontradas nas estruturas culturais mágico-religiosas de todos os
povos.
A teoria da sincronicidade tem o valor de mostrar que existem fenômenos onde a relação
de causa e efeito não se faz presente ou não é reconhecível. Esses fenômenos ainda estão a
requerer uma hipótese explicativa. Vejamos um exemplo, tirado da clínica do próprio Jung. Uma
sua paciente, de mentalidade rigidamente cartesiana, apresentava-se inacessível à abordagem
psicológica. Havendo tentado romper sua couraça racionalista, Jung resolveu aguardar que algo
inesperado proporcionasse meios de furar as defesas psíquicas da paciente. Certa feita, durante
uma sessão terapêutica, ela lhe contou um sonho, no qual alguém a presenteava com uma jóia
preciosa: um escaravelho de ouro:
Enquanto ela me contava o sonho, eu ouvi que alguma coisa batia de leve na janela, por trás de mim. Voltei-me e vi
que se tratava de um inseto alado de certo tamanho, que se chocou com a vidraça, pelo lado de fora, evidentemente
com a intenção de entrar no aposento escuro. Isto me pareceu estranho. Abri imediatamente a janela e apanhei o
animalzinho em pleno vôo, no ar. Era um escarabeídeo, da espécie de Cetonia aurata, o besouro-rosa comum, cuja cor
verde-dourada torna-o muito semelhante a um escaravelho de ouro. Estendi-lhe o besouro, dizendo-lhe: “Está aqui o
seu escaravelho”. Este acontecimento abriu a brecha desejada no seu racionalismo, e com isto rompeu- se o gelo de
sua resistência intelectual (Jung, 1998, par. 972).

Como entender um caso desses? Existe uma coincidência entre o sonho e o aparecimento
do besouro, sem sombra de dúvida. Terá sido uma pré-cognição simbólica? Ou seja, a paciente
viu, no seu sonho, que um besouro que tentaria entrar na sala, no dia seguinte, no momento de
sua terapia? Ou será que o psiquismo inconsciente da paciente atraiu o besouro, a ponto de levá-
lo a tentar entrar numa sala escura, contrariando o procedimento geral de insetos que são atraídos
pela claridade?
Poderíamos, também, raciocinar no sentido de que, ao ouvir o sonho, o inconsciente de
Jung, atraiu um besouro que se assemelhava ao escaravelho, a fim de poder dar continuidade ao
tratamento!
Finalmente, será que uma entidade espiritual, interessada no trabalho terapêutico da
paciente, teria agido sobre o besouro, levando-o a ficar se chocando com a vidraça, para que se
desse uma sincronicidade? Improvável! Pois uma entidade espiritual teria recursos mais diretos e
mais simples para resolver o impasse, sem lançar mão de uma série de ações para colocar um
besouro no lugar adequado, forçando-o a ficar batendo na janela, no preciso momento em que a
mulher contava o sonho. E qual a certeza de isso influenciaria o seu psiquismo? Nenhuma.
Mas, como o inconsciente da mulher racionalista e o de Jung, seu terapeuta, estavam em
participação mística, de forma ainda inabordável para nós, eles propiciaram uma maneira
inusitada de fazer a função inferior da paciente se manifestar; proporcionando que conteúdos do
inconsciente aflorassem à consciência, vencendo a resistência do ego unilateralizado na função
pensamento. Como isto se deu? Não conheço quem possa explicar.
Como esse caso deixou claro, os fenômenos de sincronicidade têm sempre um objetivo. É
uma ação do inconsciente, chamando nossa atenção para algo que precisa ser entendido ou
corrigido na consciência, ou em nossas circunstâncias.
Exercício 19
Passe a registrar todos os fenômenos de sincronicidade que aconteçam com você, procurando
sempre a finalidade com a qual ela ocorreu. Observe, também, as sincronicidades que ocorrem
com as pessoas de seu relacionamento, e as consequências na vida delas.
Conclusão
Amigo leitor, chegamos ao final dessa jornada conjunta de estudo sobre nós. Naturalmente
foi um estudo superficial, que se ressente desse fato. |Todavia, você pode encará-lo com uma
introdução a um estudo mais profundo, que está em sua decisão fazer.
Algo deve ter ficado patente: a Psicologia Analítica é uma ferramenta importante para
quem queira se desenvolver. Ela não fica presa a concepções regressivas, nem a rígido sistema
pseudo-científico. Não é um método impositivo sobre a realidade psíquica, mas uma abordagem
que se adequa ao ineditismo que caracteriza cada individualidade. Seus axiomas são amplos e
adaptáveis a cada circunstância. Afinal, a vida é uma sucessão de fenômenos únicos. Alguém já́
disse que Deus é um matemático que somente utiliza o número um. Ele cria pluralidades
singulares. Nos Universos não existe ninguém igual a mim ou a você.
Somos almas diferentes das outras, com um caminho próprio, que somente nós poderemos
trilhar. Espero que as páginas que você percorreu tenham lhe deixado essa impressão.Tome sua
vida em suas mãos. Afinal, ela lhe pertence. Você poderá fazer com ela o que quiser, com
exclusão de fazê-la deixar de existir. Mas, recorde-se do que disse Paulo de Tarso: “Todas as
coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas; mas eu
não me deixarei dominar por nenhuma delas” (I Cor 6, 12).
Fundamental é que assumamos a responsabilidade pelo que nos acontece. Não percamos
tempo em procurar culpados porque, no final de tudo, somos nós que teremos de viver, usufruir
ou sofrer as condições da existência.
Como heróis, temos um objetivo que nos foi designado pelos arquétipos que, em última
análise, dirigem nossa existência. Muitos trabalhos e aventuras, realizamos e vivemos.
Qual o sentido de tudo isso? Alguns se perguntam, sem obter resposta ou aceitando alguma
que lhe dê a religião ou a filosofia. Mas o herói, normalmente, desconhece o sentido de seus
labores. Ele apenas cumpre o que lhes foi designado, da melhor forma possível. E regozija-se
com cada vitória, ou se torna mais sábio com as derrotas. E isto é uma analogia com o que
acontece com a reencarnação. O espírito, segundo as Obras Básicas, escolhem, consciente ou
inconsciente uma “missão”; mas após a encarnação a cumprem, ou desistem, sem ter consciência
de que estavam comprometidos com um programa existencial a realizar.
De forma semelhante, viva intensamente o instante que passa célere, nesse inexorável vir-
a-ser que caracteriza o existir. Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã, porque o dia de
amanhã cuidará de si mesmo. A cada dia basta o seu problema (Mt 6 34). Não se preocupe com o
que acontecerá depois da existência. Quem só pensa no final da viajem não usufrui a beleza da
paisagem por onde transita. Isto não encurta o trajeto, é apenas ansiedade sem qualquer proveito.
Como espírito, você já́ morreu inúmeras vezes e morrerá outras tantas. Por que se preocupar com
isso? Afinal morte é transformação. O importante é viver com dedicação e perseverança cada
instante. Quando a morte vier a enfrentaremos como uma nova experiência. E do outro lado,
continuaremos a viver da mesma forma, pois como diz o espírito André Luiz: A vida não cessa. A
vida é fonte eterna e a morte é o jogo escuro das ilusões.
Seja sempre seu amigo, aconteça o que acontecer. Afinal, você convive consigo vinte e
quatro horas por dia. Assim, aprenda a se amar, pois você é o seu próximo mais próximo.
Desenvolva todos seus potenciais, cumprindo sua designação. Integre à consciência os
conteúdos do inconsciente possíveis de sê-lo, numa existência.
Fontes Bibliográficas
CHAUVIN, Rémi______ 1985, La Biologie de l’Esprit, Éditions Du Rocher, Mônaco.
JUNG, Carl Gustav______ 1991, Estudos sobre Psicologia Analítica, O. C., Vol. VII, Editora
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2000, Os arquétipos e o inconsciente coletivo, O. C., Vol. X/1, Editora Vozes, P, Brasil.
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FRANZ, Marie-Louise von_______ 1999, Os Sonhos e a morte, Editora Cultrix.
NOVAES, Adenáuer______ 2004, Filosofia e Espiritualidade, Fundação Lar Harmonia,
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PLATÃO______ 1974, Platão, Obras Completas, 2a edição, 2a reimpressão, Aguilar S/A de
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SCHOPENHAUER, Arthur______ 2005, Parerga & Paralipomena, Coda & Jean Pierre Jacson,
Paris, França.
XAVIER, Francisco Cândido______ 1985, Missionários da Luz, 15a edição, Feb, Rio de Janeiro,
Brasil.
1. Prefácio
2. Quem sou eu?
3. Tomando consciência do corpo
4. A Psiquê
5. A consciência
6. Como temos consciência de nós e das nossas circunstâncias?
7. As máscaras com as quais atuamos no dia-a-dia
8. O tipo psicológico
9. As Funções da Consciência
10. O mundo em nós que desconhecemos
11. Os conteúdos do inconsciente pessoal e a vida cotidiana
12. Atuação dos complexos na rotina da vida
13. Aquilo que relutamos reconhecer em nós próprios!
14. Conteúdos inconscientes comuns a todos os seres
15. Os arquétipos
16. Alguns arquétipos que influenciam a vida diária
17. Como o inconsciente nos fala
18. Individuação: a busca da singularidade psíquica
19. Somos indivíduos de personalidade?
20. Coincidências intrigantes que, algumas vezes, nos acontecem
21. Conclusão
22. Fontes Bibliográficas

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