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A formação do espírito científico

Gaston Bachelard

Discurso preliminar

Da mesma forma, já que o concreto aceita a informação geométrica, já que o concreto é


corretamente analisado pelo abstrato, por que não aceitaríamos considerar a abstração como
procedimento normal e fecundo do espírito científico?

Quando se trata de experiências sugeridas ou construídas pela razão, a ordem é uma verdade,
e a desordem, um erro. A ordem abstrata é, portanto, uma ordem provada, que não fica
sujeita às críticas bergsonianas da ordem achada

O primeiro período, que representa o estado pré-científico, compreenderia tanto a


Antigüidade clássica quanto os séculos de renascimento e de novas buscas, como os séculos
XVI, XVII e até XVIII. O segundo período, que representa o estado científico, em preparação no
fim do século XVIII, se estenderia por todo o século XIX e início do século XX. Em terceiro lugar,
consideraríamos o ano de 1905 como o início da era do novo espírito científico, momento em
que a Relatividade de Einstein deforma conceitos primordiais que eram tidos como fixados
para sempre

sobre qualquer questão, sobre qualquer fenôme- DISCURSO PRELIMINAR no, é preciso passar
primeiro da imagem para a forma geométrica e, depois, da forma geométrica para a forma
abstrata, ou seja, seguir a via psicológica normal do pensamento científico. (você olha e vê
uma imagem, depois você avalia a forma, as medidas, o real o que é aquilo. Depois vc vai para
o abstrato e pensa sobre aquele objeto)

que as formas propostas por Comte:

Formação do espirito cientifico:

A experiência cientifica contradiz a experiência comum.

O estado concreto, em que o espírito se entretém com as primeiras imagens do fenômeno e se


apoia numa literatura filosófica que exalta a Natureza, louvando curiosamente ao mesmo
tempo a unidade do mundo e sua rica diversidade.
Me apego naquilo que vejo. E julgo

" O estado concreto-abstrato, em que o espírito acrescenta à experiência física esquemas


geométricos e se apoia numa filosofia da simplicidade. O espírito ainda está numa situação
paradoxal: sente-se tanto mais seguro de sua abstração, quanto mais claramente essa
abstração for representada por uma intuição sensível.

Consigo abstrair mas ainda guardo a visão do concreto

O estado abstrato, em que o espírito adota informações voluntariamente subtraídas à intuição


do espaço real, voluntariamente desligadas da experiência imediata e até em polêmica
declarada com a realidade primeira, sempre impura, sempre informe

Desapego do que “eu vejo” e começo abstair,.

a interesses diferentes que, de certa forma, lhe constituem a base afetiva


Em todo caso, a tarefa da filosofia científica é muito nítida: psicanalisar o interesse, derrubar
qualquer utilitarismo por mais disfarçado que seja, por mais elevado que se julgue, voltar o
espírito do real para o artificial, do natural para o humano, da representação para a abstração.

A experiência comum não é de fato construída; no máximo, é feita de observações justapostas,


e é surpreendente que a antiga epistemologia tenha estabelecido um vínculo contínuo entre a
observação e a experimentação, ao passo que a experimentação deve afastar-se das condições
usuais da observação.

Como a experiência comum não é construída, não poderá ser, achamos nós, efetivamente
verificada

Capitilo 1

A noção de obstáculo epistemológico Plano da obra

e é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado.

Impede o espirito cientifico de avançar

Quando o espírito se apresenta à cultura científica, nunca é jovem. Aliás, é bem velho, porque
tem a idade de seus preconceitos.

A opinião pensa mal; não pensa: traduz necessidades em conhecimentos. Ao designar os


objetos pela utilidade, ela se impede de conhecê-los. Não se pode basear nada na opinião:
antes de tudo, é preciso destruí-la

Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, digam o que disserem, na vida
científica os problemas não se formulam de modo espontâneo

A pergunta abstrata e franca se desgasta: a resposta concreta fica. A partir daí, a atividade
espiritual se inverte e se bloqueia

De modo visível, pode-se reconhecer que a idéia científica muito usual fica carregada de um
concreto psicológico pesado demais, que ela reúne inúmeras analogias, imagens, metáforas, e
perde aos poucos seu vetor de abstração, sua afiada ponta abstrata

Com efeito, as crises de crescimento do pensamento implicam uma reorganização total do


sistema de saber. A cabeça bem feita precisa então ser refeita.

sempre será possível ao espírito científico variar-lhe as condições, em suma, sair da


contemplação do mesmo para buscar o outro, para dialetizar a experiência

2–

O historiador da ciência deve tomar as idéias como se fossem fatos. O epistemólogo deve
tomar os fatos como se fossem idéias, inserindo-as num sistema de pensamento

Logo, toda cultura científica deve começar, como será longamente explicado, por uma catarse
intelectual e afetiva. Resta, então, a tarefa mais difícil: colocar a cultura científica em estado de
mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e
dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão razões para
evoluir.
É aliás notável que, de modo geral, os obstáculos à cultura científica se apresentem sempre
aos pares. A tal ponto, que se pode falar de uma lei psicológica da bipolaridade dos erros.

Será visto como o falso rigor bloqueia o pensamento, como um primeiro sistema matemático
pode impedir a compreensão de um novo sistema.

Tratam apenas do conhecimento do mundo objetivo. É esse conhecimento do objeto que, no


último capítulo, examinaremos em sua generalidade, assinalando tudo o que lhe pode turvar a
pureza e diminuir o valor educativo.

capitulo XII Objetividade científica e psicanálise

o espírito científico vence os diversos obstáculos epistemológicos e se constitui como conjunto


de erros retificados

No fundo, o cientista sente-se cada vez menos atraído por essas alegrias totalitárias. Ficou
claro que ele se especializa cada vez mais. O filósofo, especialista de generalidades, propôs-se
a fazer as sínteses. Mas, de fato, é a partir de uma especialidade que o cientista quer e busca a
síntese

o objeto não pode ser designado como um "objetivo" imediato; em outros termos, a marcha
para o objeto não é inicialmente objetiva.

Ah! não há dúvida de que sabemos o que vamos perder! De pronto, todo um universo fica
descolorido, nossa refeição perde o cheiro, nossa energia psíquica natural fica cortada,
revirada, desconhecida, desanimada.

O instrumento de medida acaba sempre sendo uma teoria, e é preciso compreender que o
microscópio é um prolongamento mais do espírito que do olho.1

devemos começar as lições de objetividade por uma verdadeira confissão de nossas falhas
intelectuais.

Em outros termos, para que a ciência objetiva seja plenamente educadora, é preciso que seu
ensino seja socialmente ativo.

A atitude psicológica que consiste, de um lado, em resistência e incompreensão, e, de outro


lado, em impulso e autoridade, torna-se o elemento decisivo no ensino real, quando se deixa o
livro para falar aos homens

o. Por isso, toda filosofia que limite a cultura ao Realismo ou ao Nominalismo representa os
mais terríveis obstáculos para a evolução do pensamento científico.

Balzac dizia que os solteirões substituem os sentimentos por hábitos. Da mesma forma, os
professores substituem as descobertas por aulas

. Mas, como afirma com nobre calma Edouard Le Roy, para que esse êxito geral do
pensamento científico seja possível, é preciso querer. É preciso uma vontade social poderosa
para evitar o poligenismo, do qual Le Roy não descarta a possibilidade. Ele teme uma ruptura
entre as almas liberadas e as almas oberadas.7 Essa vontade de espírito, tão nítida entre
algumas almas elevadas, não é um valor social.
Na obra da ciência só se pode amar o que se destrói, pode-se continuar o passado negando-o,
pode-se venerar o mestre contradizendo.-o. Aí, sim, a Escola prossegue ao longo da vida.

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