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resenha do livro a formação do

espirito cientifico
Física
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
20 pag.

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FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO

Autor: Gaston Bachelard


Livro: A formação do espírito científico: contuibuição para uma psicanálise do
conhecimento, tradução Estela dos Santos Abreu – Rio de Janeiro: Contraponto 1996.
Objetivo do livro: Este livro é um prato cheio para quem quer saber um pouco mais sobre
o desenvolvimento histórico e psicológico do pensamento científico.
Tema central: “A Formação do Espírito Científico”, trata-se basicamente do objeto do
presente trabalho: obstáculos epistemológicos.
Natureza do livro: publicação científica

IDÉIA CENTRAL DE CADA CAPÍTULO

A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO CINETÍFICO

Capítulo 1:
A noção de obstáculo epistemológico – plano de obras
Neste primeiro capítulo ele diz que, é em termos de obstáculos que o problema do
conhecimento científico deve ser colocado. A noção de obstáculo epistemológico pode ser
estudada no desenvolvimento histórico do pensamento científico e na prática da educação.
Capítulo 2:
O primeiro obstáculo: a experiência primeira.
Na formação do espírito científico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a
experiência colocada antes e acima da crítica. A experiência primeira não constitui, de
forma alguma, uma base segura. O espírito científico deve forma-se contra a natureza,
contra o que é, em nós e em fora de nós, o impulso e a informação da natureza, contra o
arrebatamento natural, contra o fato colorido e corriqueiro.

Capítulo 3:
O conhecimento geral como obstáculo ao conhecimento científico
Nada prejudicou tanto o progresso do conhecimento científico quanto a falsa doutrina do
geral. Vamos procurar mostrar que a ciência do geral sempre é uma suspensão da
experiência, um fracasso do empirismo inventivo. Conhecer o fenômeno geral, valer-se
dele para tudo compreender, não será semelhante a outra decadência.

Capítulo 4:
Exemplo de obstáculo verbal: a esponja. Extensão abusiva das imagens usuais
Bachelard aborda ainda o obstáculo verbal. A partir do exemplo de como se explicavam os
fenômenos elétricos por intermédio da imagem da esponja no início da ciência clássica,
mostra como se construía, com imagens pueris, um saber sem futuro.

Capítulo 5:
O conhecimento unitário e pragmático como obstáculo ao conhecimento científico.

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Este obstáculo é a conformação do pensamento segundo uma filosofia unificadora. Com
esse obstáculo ,uma suave letargia imobiliza a experiência; todas as perguntas se
apaziguam numa vasta Weltanschauung; todas as dificuldades se resolvem diante de uma
visão geral de mundo, por simples referência a um princípio geral da natureza.
Capítulo 6:
O obstáculo substancialista
O obstáculo substancialista, como todos os obstáculos epistemológicos, é polimorfo. É
constituído por intuições muito dispersas e até opostas

Capítulo 7:
Psicanálise do realista
Para bem caracterizar o fascínio da idéia de substância, será preciso procurar-lhe o
princípio até no inconsciente, no qual se formam as preferências indestrutíveis. De fato, a
convicção primeira do realismo não é discutida, como nem chega a ser ensinada, de forma
que o realismo pode, com razão, ser considerado a única filosofia inata.

Capítulo 8:
O obstáculo animista
O que mostra com mais clareza o caráter mal colocado do fenômeno biológico é a
importância conferida à noção dos três reinos da natureza e o lugar preponderante que é
dado aos reinos vegetal e animal em comparação com o reino mineral.
Capítulo 9:
O mito da digestão
A digestão é uma função privilegiada, poema ou drama, fonte de êxtase ou de sacrifício,
torna-se, pois, para o inconsciente um tema explicativo cuja valorização é imediata e
sólida. A digestão corresponde de fato a uma tomada de posse bem evidente, de inatacável
segurança.

Capítulo 10:
Libido e conhecimento objetivo
Não é possível pensar durante muito tempo num mistério, num enigma, numa quimera, sem
evocar, de modo mais ou menos encoberto, seus aspectos sexuais. Por muito tempo ainda,
senão para sempre, a leitura vai exigir temas misteriosos, precisa ter diante de si uma zona
de elemento desconhecido. É preciso também que o mistério seja humano. Enfim, toda
cultura fica romanceada. O próprio espírito científico é atingido.

Capítulo 11:
Os obstáculos do conhecimento quantitativo
Seria enganoso pensar que o conhecimento quantitativo escapa, em princípio, aos perigos
do conhecimento qualitativo. A grandeza não é automaticamente objetiva, e basta dar as
costas aos objetos usuais para que se admitam as determinações geométricas mais
esquisitas, as determinações quantitativas mais fantasiosas.

Capítulo 12:
Objetividade científica e psicanálise
A psicanálise do conhecimento, portanto, não tem a função de ligar os interesses da vida
aos do espírito; tem a função de distinguir os interesses do espírito dos interesses vitais.
Tem a função de sobrepor ao caminho da vida - com seu passado e presente afetivo e

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intelectual - a estrada do "verdadeiro destino do pensamento humano" – do cuidado com o
espírito, com a perspectiva do devir.

FICHAMENTO TEMÁTICO DO LIVRO

Tema central: Gaston Bachelard, filósofo e poeta francês, nascido em 1884 e falecido em
1962, tratou em sua obra “A Formação do Espírito Científico”, basicamente do objeto do
presente trabalho: obstáculos epistemológicos.
Sentido desse tema na obra analisada: Este livro é um prato cheio para quem quer saber
um pouco mais sobre o desenvolvimento histórico e psicológico do pensamento científico.
Partindo de uma grande quantidade de textos dos séculos XVII e XVIII (o índice
onomástico lista mais de 200 autores!), Bachelard faz uma verdadeira autópsia naquilo que
ele determina "espírito pré-científico", incluindo aí os vícios epistemológicos de
alquimistas, físicos, filósofos e naturalistas. Desde a valorização subjetiva do objeto de
estudo até a generalização gratuita e absurda, o autor faz uma lista dos principais
obstáculos ao conhecimento científico, analisando cada um em profundidade. No final,
concluímos com o autor que o conhecimento científico só emerge nas mentes e nas
sociedades quando finalmente conseguimos abrir mão das imagens primeiras, das
impressões iniciais que temos de um fenômeno, e passamos a um caminho de abstração
crescente, distante do dado claro e aparentemente explícito (p. 29):

FICHAMENTO DO AUTOR

Dados bibliográficos do autor:


Gaston Bachelard nasceu em Champagne (Bar- sur - Aube), em 1884. De origem humilde,
Bachelard sempre trabalhou enquanto estudava. Pretendia formar-se engenheiro até que a
Primeira Guerra Mundial eclodiu e impossibilitou-lhe a conclusão deste projeto. Passa a
lecionar no curso secundário as matérias de física e química. Aos 35 anos inicia os estudos
de filosofia, a qual também passa a lecionar. Suas primeiras teses foram publicadas em
1928 (Ensaios sobre o conhecimento aproximado e Estudo sobre a evolução de um
problema de Física: a propagação térmica dos sólidos). Seu nome passa a se projetar e é
convidado, em1930, a lecionar na Faculdade de Dijon. Mais tarde, em 1940, vai para a
Sourbonne, onde passa a lecionar cursos que são muito disputados pelos alunos devido ao
espírito livre, original e profundo deste filósofo que, antes de tudo, sempre foi um
professor. Bachelard ingressa em 1955 na Academia das Ciências Morais e Políticas da
França e, em 1961, é laureado com o Grande Prêmio Nacional de Letras. Bachelard morreu
em 1962.
Principais obras:
O novo espírito científico (1934)
A psicanálise do fogo (1937)

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A formação do espírito científico (1938)
Poética do espaço (1957)
Poética do desvaneio (1960).

RESENHA SOBRE O LIVRO DE GASTON BACHELARD:


A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO CIENTÍFICO

CONHECIMENTO GERAL DA OBRA:

A proposta neste livro é mostrar o grandioso destino do pensamento científico


abstrato, para isso tem-se que provar que pensamentos abstratos não é sinônimo de má
consciência científica, como parece sugerir a acusação habitual, será preciso provar que a
abstração desobstrui o espírito, que ela o torna mais leve, mais dinâmico.
Para descrever o trajeto que vai da percepção considerada exata até a abstração
inspirada pelas objeções da razão, vamos estudar inúmeros ramos da evolução científica.
As diferentes etapas históricas do pensamento científico estão divididas em três períodos:
O estado pré-científico, o estado científico e o novo espírito científico.
A tarefa da filosofia científica é muito nítida. Psicanalizar o interesse, derrubar
qualquer utilitarismo por mais disfarçado que seja, por mais elevado que se julgue, volta o
espírito do real para o artificial, do natural para o humano, da representação para a
abstração.
Este livro em suma, pretende, retraçar a luta contra alguns preconceitos. Os
argumentos polêmicos ocupam muitas vezes o primeiro plano, aliás, é bem mais difícil do
que parece separar a razão arquitetônica e a razão polêmica, porque a crítica racional da
experiência forma um todo com a organização teórica da experiência: todas as objeções da
razão são pretextos para experiências.

CAPÍTULO 1 – A NOÇÃO DE OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO


É em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser
colocado, e não se trata de considerar obstáculos externos, como a complexidade e a
fugacidade dos fenômenos. E ai que mostraremos causas de estagnação e até de regressão,
detectaremos causas de inércia as quais daremos o nome de obstáculos epistemológicos.
A idéia de partir do zero para fundamentar e aumentar o próprio acervo, só pode
vingar em culturas de simples justaposição. Quando o espírito se apresenta a cultura
científica, nunca é jovem, aliás, é bem velho, porque tem idade de seus preconceitos.
Aceder a ciência é rejuvenescer espiritualmente, é aceitar uma brusca mutação que
contradiz o passado. A ciência, tanto por sua necessidade de coroamento como por
princípio, opõe-se absolutamente à opinião, não se pode basear nada na opinião, ela é o
primeiro obstáculo a ser superado. O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião
sobre questões que não compreendemos, sobre questões que não sabemos formular com
clareza. Um obstáculo epistemológico se incrusta no conhecimento não questionado, um

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epistemólogo irreverentemente dizia, que os grandes homens são úteis a ciência na primeira
metade de sua vida e nocivos na outra metade.
É preciso perceber que o conhecimento empírico, envolve o homem sensível por
todas as expressões de sua sensibilidade, quando o conhecimento empírico se racionaliza
nunca pode-se garantir que valores sensíveis primitivos não interfiram nos argumentos.
Espiritualmente o homem tem necessidade de necessidades. Se considerarmos, por
exemplo, a modificação psíquica que se verifica com a compreensão de doutrinas, como a
da relatividade ou a da mecânica ondulatória, talvez não achemos tais expressões
exageradas, sobretudo se refletirmos sobre a real solidez da ciência pré-relativista. A
ciência é ávida de unidade, que tende a considerar fenômenos de aspectos diversos como
idênticos, que busca simplicidade ou economia nos princípios e nos métodos.
É assim que a química multiplica e completa suas séries homologas, até sair da
natureza para materializar os corpos mais ou menos hipotéticos sugeridos pelo pensamento
inventivo, em resumo, o homem movido pelo espírito científico deseja saber mais, para
imediatamente, melhor questionar. A noção de obstáculo epistemológico pode ser estudada
no desenvolvimento histórico do pensamento científico e na prática da educação. É o
esforço de racionalidade e de construção que deve reter a atenção do epistemólogo. O
epistemólogo deve tomar os fatos como se fossem idéias, inserindo-as num sistema de
pensamento. Um fato para o epistemólogo, é um obstáculo, um contrapensamento. O
epistemólogo deve, pois, captar os conceitos científicos em sínteses psicológicas efetivas,
isto é, em sínteses psicológicas progressivas, estabelecendo a respeito de cada noção, uma
escala de conceitos, mostrando como um conceito deu origem a outro, como está
relacionado a outro.
Na educação, a noção de obstáculo pedagógico também é desconhecida. Um
exemplo: o equilíbrio dos corpos flutuantes é objeto de uma intuição habitual que é
amontoado de erros, não é comum atribuir-se essa resistência a água. Assim, é difícil
explicar o princípio de arquimedes, se antes não for criticado e desfeito o impuro complexo
de intuições primeiras, em particular, sem essa psicanálise dos erros iniciais, não se
consegue explicar que o corpo que emerge e o corpo completamente imerso obedecem à
mesma lei.
A primeira experiência ou, para ser mais exato, a observação primeira, é sempre um
obstáculo inicial para a cultura científica, vamos começar nossa investigação
caracterizando esse obstáculo e mostrando que há rupturas, e não continuidade entre a
observação e a experimentação. O pensamento empírico assume, portanto, um sistema, mas
o primeiro sistema é falso. Quando tivermos assim delimitado nosso problema através do
exame do espírito concreto e do espírito sistemático, chegaremos a obstáculos mais
particulares. Nosso plano será, forçosamente flutuante e não isento de repetições, porque é
próprio do obstáculo epistemológico ser confuso e polimorfo.
Abordaremos, de modo geral, a questão dos obstáculos epistemológicos e da
necessidade de uma psicanálise do conhecimento objetivo que teria como meta afastar estes
obstáculos. Uma ruptura epistemológica não se faz sempre imediatamente: pode ir se
fazendo, ao tornar cada vez mais objetivo o conhecimento científico. De certo modo, a
presença de determinados obstáculos numa ciência específica autoriza a conclusão de que
ela se encontra mais próxima ou distante das ciências mais desenvolvidas em determinado
momento histórico. Afirmar isto não é afirmar que as ciências caminham invariavelmente
num mesmo sentido histórico; é adotar as ciências mais desenvolvidas, em um instante da
história, como norma para a compreensão dos obstáculos epistemológicos a ser superados,

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respeitadas as especifidades de cada ciência particular. De fato, Bachelard afirma, na
primeira frase do primeiro capítulo de A Formação do Espírito Científico:
Quando se procuram as condições psicológicas do progresso da ciência, logo se chega à
convicção de que é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico
deve ser colocado.
Um obstáculo ao conhecimento científico deve ser considerado como intrínseco ao ato
mesmo de conhecer, e não pertencente ao próprio objeto científico ou à fraqueza dos
sentidos humanos. Se há falha nos sentidos é porque o problema está mal colocado; se o
objeto se mostra incompreensível, é falha a delimitação da objetividade do conhecimento,
e o próprio objeto não é científico. Assim, para Bachelard, não há verdade sem erro
retificado; a atitude objetiva é resultado da história dos erros subjetivos - e todos os
obstáculos epistemológicos ao conhecimento objetivo têm caráter subjetivo. Em A
Formação do Espírito Científico, Bachelard estuda uma série de obstáculos. Ao
apresentarmos sucintamente alguns deles, pretendemos mostrar a intenção que os anima:
reconhecer influências subjetivas inadequadas ao processo de conhecimento objetivo.

CAPÍTULO 2 – O PRIMEIRO OBSTÁCULO: A EXPERIÊNCIA PRIMEIRA

Bachelard, na Formação do Espírito Científico, afirma que o obstáculo inicial ao


conhecimento científico é a experiência primeira; de fato, como seria possível fazer ciência
se não se deseja escapar ao senso comum, às experiências primeiras, não analisadas, não
pensadas, não discutidas porque óbvias? Não será o primeiro impulso no sentido de se fazer
ciência, de se conhecer, aquele de escapar ao óbvio? Assim, não há continuidade, mas
ruptura entre a simples observação dos fenômenos do mundo e o conhecimento científico.
Na formação do espírito científico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a
experiência colocada antes e acima da crítica. A experiência primeira não constitui, de
forma alguma, uma base segura. O espírito científico deve forma-se contra a natureza,
contra o que é, em nós e em fora de nós, o impulso e a informação da natureza, contra o
arrebatamento natural, contra o fato colorido e corriqueiro. Não é fato captar de imediato o
sentido desta tese, porque a educação científica elementar, costuma em nossa época,
interpor entre a natureza e o observador, livros muito corretos, muito bem apresentados. As
experiências e os livros agora estão, pois, de certa forma, desligados das observações
primeiras, o mesmo não acontecia durante o período pré-científico, no século XVIII, na
ocasião o livro de ciências podia ser um bom ou um mau livro, não era controlado pelo
ensino oficial, no caso o livro tinha como ponto de partida a natureza, interessava-se pela
vida cotidiana, peguem um livro científico do século XVIII e veja como esta inserida na
vida cotidiana. Em resumo o pensamento pré-científico “faz parte do século”, não é regular
como o pensamento científico ensinado nos laboratórios oficiais e codificados nos livros
escolares.
Mornet, mostrou num livro ágil, os aspectos mundanos da ciência do século XVIII.
Nossa tese é a seguinte: o fato de oferecer uma satisfação imediata à curiosidade, de
multiplicar as razões de curiosidades, em vez de benefício pode ser um obstáculo para
cultura científica. Ao ler vários livros dedicados a ciência da eletricidade no século XVIII,
o leitor moderno perceberá, a dificuldade que tiveram para deixar de lado o aspecto
pitoresco da observação primeira, ficará claro que a primeira visão empírica não oferece

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nem o desenho exato dos fenômenos, nem ao menos a descrição bem ordenada e
hierarquizada dos fenômenos.
A imagem pitoresca provoca a adesão a uma hipótese não verificada. Por exemplo,
a mistura de limalha de ferro e de flor-de-enxofre e coberta de terra na qual se planta
grama: Pronto, trata-se de um vulcão. Para uma mente sadia deve confessar que apenas lhe
mostraram uma reação exotérmica, a mera síntese do sulfureto de ferro, chega-se por meio
de imagens tão simplistas, a estranhas sínteses, por isso, o espírito científico deve lutar
sempre contra as imagens, as analogias e contra as metáforas.
No ensino elementar, as experiências muito marcantes, cheias de imagens, são
falsos centros de interesses. A experiência é feita para ilustrar um teorema, no máximo, as
experiências primeiras, podem ser retificadas e explicitadas por novas experiências. Como
se abservação primeira pudesse fornecer algo além de uma oportunidade de pesquisa.
Assim na classe de química moderna como na oficina do alquimista, o aluno e o aprendiz
não se apresentam de início como puros espíritos. Ao espetáculo dos fenômenos mais
interessantes, mais espantosos, o homem vai naturalmente com todos os seus desejos, com
toda a alma, não é pois de admirar que o primeiro conhecimento objetivo seja um primeiro
erro.

CAPÍTULO 3–O CONHECIMENTO GERAL COMO OBSTÁCULO AO


CONHECIEMNTO CIENTÍFICO

Nada prejudicou tanto o progresso do conhecimento científico quanto a falsa


doutrina do geral. Vamos procurar mostrar que a ciência do geral sempre é uma suspensão
da experiência, um fracasso do empirismo inventivo. Conhecer o fenômeno geral, valer-se
dele para tudo compreender, não será semelhante a outra decadência. A psicanálise do
conhecimento objetivo deve examinar com cuidado todas as seduções da facilidade, só com
essa condição pode-se chegar a uma teoria da abstração científica verdadeiramente sadia e
dinâmica.
Quase sempre, a fim de indicar de modo simples como o raciocínio indutivo,
baseado numa série de fatos particulares, leva à lei científica geral, os professores de
filosofia descrevem rapidamente a queda de vários corpos e concluem: todos os corpos
caem. Para se desculparem de tal banalidade, pretendem mostrar que, com esse exemplo,
tem o indispensável para marcar um progresso decisivo do pensamento científico. O
pensamento moderno apresenta-se em relação ao pensamento aristotélico como
generalidade retificada, como generalidade ampliada, trata-se de uma generalidade bem
colocada. Depois, a discussão será muito mais fácil quando mostrarmos que a busca
apressada da generalização leva muitas vezes a generalidades mal colocadas, sem ligação
com as funções matemáticas essenciais do fenômeno.
Deveríamos considerar como fundamento da cultura científica as grandes
generalidades. Como fundamento da mecânica: todos os corpos caem; da óptica: todos os
raios luminosos se propagam em linha reta; da biologia: todos os seres vivos são mortais.
Seria assim colocada, no limiar de cada ciência, grandes verdades primeiras, definições
intocáveis que esclarecem toda doutrina. Se o valor epistemológico dessas grandes
verdades for medido por comparação com os conhecimentos falhos que elas substituíram,
não há duvida de que essas leis gerais foram eficazes. É possível constatar que essas leis
gerais bloqueiam atualmente as idéias. Essas leis gerais definem palavras e não as coisas.

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Talvez nossas observações tenham maior poder de demonstração se estudarmos os
inúmeros casos em que a generalidade está evidentemente mal colocada. O espírito
científico pode enganar-se ao seguir-se duas tendências contrárias: a atração pelo particular
e a atração pelo universal. A esse breve esboço de uma teoria dos conceitos proliferantes,
vejamos agora dois exemplos de conceitos esclerosados, resultantes da adesão apressada a
um conhecimento geral. Esses dois exemplos são relativos à coagulação e à fermentação. A
Académie faz uma boba comparação entre o fato do leite talhar com a coagulação. “O que
haverá de mais parecido que o leite e o sangue?”; E quando a respeito da coagulação, for
encontrada uma ligeira diferença entre esses dois líquidos, não será julgado necessário
deter-se nesse fato. Tal desdém pelo pormenor e tal desprezo pela precisão mostram com
clareza que o pensamento pré-científico fechou-se no conhecimento geral e aí quer
permanecer. A comparação entre a fermentação e a digestão não é fortuita, é fundamental e
continua a guiar a pesquisa, o que comprova a gravidade da inversão efetuada pelo espírito
pré-científico, que coloca os fenômenos da vida como base de certos fenômenos químicos.
Mesmo na simples distinção entre grande e pequeno, percebe-se na ciência
moderna, maior tendência a reduzir do que a aumentar as quantidades observadas. O erro
relativo diminuiria, porém se fossem consideradas quantidades maiores. O conhecimento a
que falta precisão, ou melhor o conhecimento a que não é apresentado junto com as
condições de sua determinação precisa, não é conhecimento científico. O conhecimento
geral é quase fatalmente conhecimento vago.
Em suma, mesmo seguindo um ciclo de idéias exatas, percebe-se que a generalidade
imobiliza o pensamento, que as variáveis referentes ao aspecto geral, ofuscam as variáveis
matemáticas essenciais. No exemplo a noção de velocidade esconde a noção de aceleração,
assim a própria matemática dos fenômenos é hierarquizada, e nem sempre a primeira
forma matemática está certa, nem sempre a primeira forma é de fato formativa.

CAPÍTULO 4– EXEMPLO DE OBSTÁCULO VERBAL: A ESPONJA, EXTENSÃO


ABUSIVA DAS IMAGENS USUAIS.
Bachelard aborda ainda o obstáculo verbal. A partir do exemplo de como se
explicavam os fenômenos elétricos por intermédio da imagem da esponja no início da
ciência clássica, mostra como se construía, com imagens pueris, um saber sem futuro.
Todavia, Bachelard não considera o uso de tais imagens ingênuas tão inadequado como os
obstáculos que "correspondem às intuições da filosofia realista", que, "fortemente
materializados, não acionam propriedades gerais, mas qualidades substantivas". É nas
intuições metafísicas mais íntimas, mais subjetivas, "que encontraremos as verdadeiras
palavras-obstáculo". Bachelard identifica estas intuições subjetivas com as intuições
substancialistas. Vamos definir e nos deter no obstáculo substancialista não agora, mas no
próximo momento deste ensaio. Demonstraremos, então, como a assunção de uma
substancialidade imanente aos objetos da ciência clássica se constituiu como obstáculo
superado pelas ciências contemporâneas. Agora, abordaremos a questão da psicanálise do
conhecimento, que é fundamental ao estudo do processo de objetivação do conhecimento.
Neste capítulo, é considerado o caso em que uma única imagem, ou até uma única
palavra, constitui toda a explicação. Pretendemos assim caracterizar, como obstáculo ao
pensamento científico, hábitos de natureza verbal. Neste caso trata-se de uma explicação
verbal com referência a um substantivo carregado de adjetivos, substituto de uma

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substância com rico poderes, aqui vamos tornar a simples palavra esponja e veremos que
ela permite expressar os fenômenos mais variados. A esponja, corresponde portanto um
denkmittel do empirismo engênuo. Neste capítulo usa-se da simples palavra esponja e da
imagem que ela representar para explicar uma série de fatos.
A imagem tão clara pode quando aplicada, ficar mais confusa e complicada. Talvez
se aquilate melhor o tipo de obstáculo epistemológico apresentado pela imagem da esponja,
observando-se a dificuldade que um experimento paciente e hábil teve para se livrar dela.
O perigo das metáforas imediatas para a formação do espírito científico é que nem sempre
são imagens passageiras; Levam a um pensamento autônomo, tendem a completar-se, a
concluir-se no reino da imagem.

CAPÍTULO 5 – O CONHECIMENTO UNITÁRIO E PRAGMÁTICO COMO


OBSTÁCULO AO CONHECIMENTO CIENTÍFICO.
O obstáculo do conhecimento unitário. Este obstáculo é a conformação do
pensamento segundo uma filosofia unificadora. Com esse obstáculo ,uma suave letargia
imobiliza a experiência; todas as perguntas se apaziguam numa vasta Weltanschauung;
todas as dificuldades se resolvem diante de uma visão geral de mundo, por simples
referência a um princípio geral da natureza.
O obstáculo do conhecimento filosófico unitário sobre a natureza é aquele que se
manifesta, mostra Bachelard, nas filosofias sistemáticas do século XVIII, nas filosofias que
se apoiam em determinada física, por exemplo, ao explicar todos os detalhes do mundo.
A generalização ainda fica presente neste capítulo, apesar do título “O
conhecimento unitário e pragmático como obstáculo ao conhecimento científico ”, que dá
a falsa idéia inicial que o autor irá demonstrar que, contrariamente ao geral, o
conhecimento particular, único, individualizado, pode comprometer o científico.
Entretanto, como explica no intróito do capítulo, Bachelard, ao longo do mesmo, por meio
de experiências e observações de outros cientistas, mostra que a “generalidade – e outras
generalidades conexas – são, de fato, obstáculos para o pensamento científico.
Neste capítulo mostra que todo autor gosta de valorizar o assunto que escolheu, quer
mostrar desde o prefácio, que o assunto vale a pena. Mas os atuais procedimentos de
valorização, por mais repreensíveis que sejam, são mais discretos, estão estreitamente
ligados ao assunto da obra. Essa necessidade de elevar os assuntos está ligada a um ideal de
perfeição concedido aos fenômenos, nossas observações são, portanto, menos superficiais
do que parecem, pois a perfeição vai servir de índice e de prova para o estudo dos
fenômenos físicos. A idéia de perfeição não é, pois, um valor que vem se acrescentar,
posteriormente, como uma consideração filosófica elevada, a conclusões tiradas de
experiências, ela se encontra na base do pensamento empírico, ela o dirige e o resume.
A unidade, é assim, realizada muito depressa, a dualidade suprimida num instante.
O que era inconcebível mecanicamente, por uma ação física, torna-se concebível quando
ligado a uma ação divina. Um dos obstáculos epistemológicos em relação com a unidade e
o poder atribuídos a natureza é o coeficiente de realidade, que o espírito pré-científico
atribuí a tudo que é natural. Para o espírito pré-científico, a sedução da unidade de
explicação por uma única característica é poderosa.

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CAPÍTULO 6 – O OBSTÁCULO SUBSTANCIALISTA

O obstáculo substancialista, como todos os obstáculos epistemológicos, é polimorfo.


É constituído por intuições muito dispersas e até opostas. Por uma tendência quase natural,
o espírito pré-científico condensa num objeto todos os conhecimentos em que esse objeto
desempenha um papel, sem se preocupar com a hierarquia dos papéis empíricos, atribui a
substância qualidades diversas, tanto a qualidade superficial, como a qualidade profunda,
tanto a qualidade manifesta como a qualidade oculta. A aproximação de duas etimologias
de origem diferentes provoca um movimento psíquico que pode dar a impressão de que se
adquire um conhecimento.
Todo invólucro parece menos precioso, menos substancial do que a matéria que ele
envolve. A idéia substancialista quase sempre é ilustrada por uma simples continência.
Muitas vezes a mentalidade alquímica foi dominada pela tarefa de abrir as substâncias, sob
uma forma bem menos metafórica que a do psicólogo, esse alquimista moderno, que
pretende abrir seu coração. A idéia de virar ao avesso as substâncias também é sintomática.
Espíritos mais próximos do pensamento científico aceitam essa estranha imagem de virar
do avesso as substâncias e ate a adotam como tema orientador.
A substancialização de uma qualidade imediata percebida numa intuição direta pode
entravar os futuros progressos do pensamento científico tanto quanto a afirmação de uma
qualidade oculta ou íntima, pois tal substancialização permite uma explicação breve e
peremptória, falta-lhe o percurso teórico que obriga o espírito científico a criticar a
sensação. O espírito científico não pode satisfazer-se apenas com ligar os elementos
descritivos de um fenômeno à respectiva substância, sem nenhum esforço de hierarquia,
sem determinação precisa e detalhada das relações com outros objetos. Um exemplo disso
está neste trecho: a poeira gruda na parede eletrizada, logo, a eletricidade é uma cola, um
visco. È assim adotada uma falsa pista em que os falsos problemas vão suscitar
experiências sem valor, cujo resultado negativo nem servirá como advertência, a tal ponto
a imagem primeira, a imagem ingênua, chega a cegar, a tal ponto é decisiva sua atribuição
a uma substância, pois a convicção substancialista é tão forte que se satisfaz com pouco. e
é também prova de que a convicção substancialista inviabiliza a variação da experiência.
Examinemos agora um caso em que o obstáculo substancialista é superado e, por
conseguinte, em que o pensamento se corrige, mas vejamos como é insuficiente essa
primeira correção. Joseph Veratti fez uma experiência com o seu criado, ao repetir a
experiência com uma senhora, observou que teve resultados menos precisos, assim pode
observar onde estava o erro e fazer uma redução dos erros.
Toda qualidade corresponde a uma substância. Como se vê, na física da era pré-
científica, não se sabe lidar com as qualidades negativas. O sinal menos parece mais
factício que o sinal mais. Essa curiosa idéia segundo a qual todo princípio ativo cria
substância é muito sintomática. Quando o espírito aceita o caráter substancial de um
fenômeno particular, perde qualquer escrúpulo para aceitar as metáforas. Insere na
experiência particular, que pode ser exata, uma imensidão de imagens tiradas dos mais
diversos fenômenos, dessa forma todas as imagens substancialistas simbolizam entre si.
Um dos sintomas mais claros da sedução substancialista é o acúmulo de adjetivos
para um mesmo substantivo: as qualidades estão ligados as substâncias por um vínculo tão
direto que podem ser justapostas sem grande preocupação com suas relações mútuas.
Quando é atribuída uma força secreta a uma substancia, é certo que a indução valorizante
perde as estribeiras. De modo geral, todo valor substancial é interiorizado pela vida,
sobretudo pela vida animal. A vida assimila profundamente as qualidades, liga-as

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firmemente à substância. Percebe-se que intuições substancialistas tão fáceis só resolvem
falsos problemas, tanto no domínio científico quanto no domínio da psicologia literária.
A química clássica de Lavoisier, de Proust, de Bertholet, de Dalton é fundamentada
na substância. Lavoisier afirma, na sua conhecida lei da conservação de massa, de 1774,
que não se observa nenhuma variação entre o total dos pesos das substâncias que reagem
entre si e a soma dos pesos das substâncias resultantes. Essa é uma afirmação proveniente
da experimentação simples, macroscópica, bastante exata para qualquer aplicação
cotidiana. É uma afirmação empírica mas não só empírica. É substancialista, pois trata as
substâncias como se fossem meramente aquilo que os sentidos podem experimentar.
Contudo, não é completamente exata. A Teoria Especial da Relatividade mostraria, a partir
de 1905, que Lavoisier fora enganado pela sua sensibilidade: o total dos pesos das
substâncias que reagem entre si, no fim das contas, não é igual à soma dos pesos das
substâncias resultantes. Já Dalton propõe, na passagem do século XVIII ao XIX,
que existiriam partículas maciças e indivisíveis de matéria que, embora sejam reais, não
podem ser decompostas por nenhum processo químico: os átomos. Dalton propõe serem as
propriedades microscópicas de tais partículas idênticas às propriedades observadas
macroscopicamente os átomos teriam cor, teriam cheiro, teriam textura. O átomo seria
fundamentalmente um pedaço menor da substância visível, manipulável, misturável em
tubos de ensaio, sobre a qual se pode facilmente falar, qualificar. A hipótese atômica de
Dalton é substancialista. O substancialismo químico identifica-se, pode-se notar, com o
realismo primeiro, com o realismo da sensibilidade. A química clássica assume como
características da matéria, como características do átomo, as características que podem ser
observadas e pesadas com uma simples balança mecânica de precisão. Assim, a química
primordial trata as relações entre os átomos substanciais como se fossem idênticas às
relações entre as substâncias macroscópicas. Assim, as hipóteses e leis da química clássica
não puderam produzir o conhecimento da matéria submicroscópica. A hipótese atômica de
Dalton, por exemplo, não permite que se calculem os pesos atômicos dos elementos,
mesmo que se tome um elemento como padrão. O químico do século XIX podia apenas
experimentar com a substância. Possuía verdadeiramente o domínio da substância, ou seja,
daquilo que poderia ser guardado num tubo de ensaio, que poderia ser visto, daquilo que
poderia ser medido com um termômetro ou um manômetro. Era vedado ao químico fazer
uma metaquímica - buscar o conhecimento do fundamento das mudanças de temperatura e
pressão, compreender o porquê de um elemento se ligar facilmente a um específico mas
não a outro. Positivamente, o químico deveria identificar, por exemplo, que ao se
misturarem tantos gramas de certo elemento, à temperatura de tantos graus, a tantos gramas
de outro elemento, se verifica tal resultado, e daí induzir ou confirmar uma lei. Certamente
havia lugar para a formulação de hipóteses mais ou menos ousadas; tais hipóteses
deveriam, entretanto, fundamentarse na observação ainda bastante grosseira, ainda bastante
mecânica ou - se nos é permitido utilizar neologismos - mecanossensível (um microscópio
óptico, uma balança mecânica, um termômetro de mercúrio são instrumentos mecânicos
que dependem inteiramente da realista sensibilidade primeira, que, como vimos, é ligada
ao pressuposto substancialista; apenas potencializam os sentidos comuns, como faz, por
exemplo, o telescópio de Galileu).

CAPÍTULO 7 – PSICANÁLISE DO REALISTA

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Bachelard propõe em que uma psicanálise do conhecimento objetivo se constitua ao
buscar, no interior das ciências, o reconhecimento e a ultrapassagem dos obstáculos
epistemológicos de origem subjetiva que atrapalham o desenvolvimento das ciências. A
identificação do erro subjetivo, que não é simplesmente uma falha de medição, uma falha
de aparelho, mas uma inadequação de um conceito disposto normalmente em todo um
sistema conceitual, em todo um sistema científico, é um dos principais esforços a que a
psicanálise da objetividade deve se lançar. "Assim", diz Bachelard, "seria possível sentir
todo o alcance de uma psicanálise do conhecimento"
A psicanálise do conhecimento objetivo só é válida quando aliada a um espírito
pedagógico forte. Não é suficiente simplesmente livrar o espírito dos perigos da
subjetividade: é necessário determinar o espírito, progressivamente, em abstrações cada vez
mais apuradas - e assim eliminar erros cada vez mais finos. Surge uma questão marginal.
Bachelard não estaria dogmatizando o fazer científico? Não estaria encerrando a liberdade
e a criatividade subjetivas numa prisão da objetividade ? Não. Afirmar que o conhecimento
científico é uma ruptura, uma negação do conhecimento anterior, não é igual a instituir um
aspecto dogmático ao novo conhecimento. É necessário que o espírito se proteja contra a
certeza em demasia; Bachelard afirma que é necessário que o espírito se invista de uma
dúvida prévia que atinja "tanto os fatos quanto suas ligações, tanto a experiência quanto a
lógica"
Para bem caracterizar o fascínio da idéia de substância, será preciso procurar-lhe o
princípio até no inconsciente, no qual se formam as preferências indestrutíveis. De fato, a
convicção primeira do realismo não é discutida, como nem chega a ser ensinada, de forma
que o realismo pode, com razão, ser considerado a única filosofia inata. Siga a
argumentação de um realista; imediatamente ele está em vantagem sobre o adversário
porque tem, o real do seu lado, porque possui a riqueza do real, ao passo que seu
adversário, persegue sonhos vãos.
Se, como achamos, a psicanálise generalizada consiste em estabelecer o predomínio
da demonstração objetiva sobre as convicções meramente individuais, deve ela examinar de
perto as mentalidades que oferecem provas fora de discussão e de controle. As imagens
virtuais que o realista forma desse modo, admirando as mil variações de suas impressões
pessoais, são as mais difíceis de afugentar.

CAPÍTULO 8 – O OBSTÁCULO ANIMISTA

Como foi possível fazer com que a intuição da vida, cujo caráter invasor vamos
mostrar, ficasse restrita ao seu próprio campo? Em especial, como as ciências físicas se
livraram das lições animistas? Como a hierarquia do saber foi restabelecida, ao afastar a
consideração primitiva desse objeto privilegiado que é o nosso corpo? É como obstáculo à
objetividade da fenomenologia física que os conhecimentos biológicos devem chamar
nossa atenção. Sobre essa intuição fundamenta-se, em seguida, uma ciência geral, confiante
na unidade de seu objeto; essa ciência chama – apoio lamentável – a biologia nascente em
socorro de uma química e de uma física que já obtiveram resultados positivos.
O que mostra com mais clareza o caráter mal colocado do fenômeno biológico é a
importância conferida à noção dos três reinos da natureza e o lugar preponderante que é
dado aos reinos vegetal e animal em comparação com o reino mineral. Tudo o que se baseia
na analogia dos três reinos sempre deprecia o reino mineral, e na passagem de um para

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outro reino, é a finalidade e não a causa que é o tema diretor, seguindo, por isso, uma
intuição valorizante. No sólido terreno de estudo da matéria inerte, o fenômeno inverso da
combustão não é a vegetação, e sim a redução, mas para uma mentalidade do século XVIII,
a vegetação é uma entidade tão primordial que deve está colocada na base do processo
químico fundamental. Da mesma forma a falsa dialética da animalização e da putrefação
não se explica sem a valorização da vida e da morte.
A natureza em todos os seus fenômenos, é envolvida numa teoria geral do
crescimento e da vida. São os vegetais que dão as lições de classificação, e, portanto, as
idéias diretrizes, tudo que cresce insensivelmente é considerado como vegetação, parece
que a vegetação é um objeto venerado pelo inconsciente. Animismos generalizados que
passam por filosofias geniais, adquirem, nos textos médicos, um ar de insigne pobreza.
Segundo alguns pensadores a vida não está contida no ser que ela anima, ela se propaga,
não apenas de geração em geração, no eixo do tempo, mas também no espaço, como uma
força física, como um calor material. Vida é uma palavra mágica. É uma palavra
valorizada. Qualquer outro princípio esmaece quando se pode invocar um princípio vital. A
vida marca as substâncias que anima com um valor indiscutível. Quando uma substância
deixa de ser animada, perde algo de essencial. A matéria que saia de um ser vivo perde
propriedades importantes.
Independentemente dessas observações filosóficas gerais, certos progressos técnicos
se deram por extensão dos privilégios de explicação dos fenômenos biológicos. Assim, o
microscópio, foi, no início, usado para examinar vegetais e animais. Seu objetivo primitivo
é a vida. Só por acidente e raramente, ele serve para examinar os minerais. Aí é que se pode
perceber com clareza como se torna obstáculo epistemológico uma ocupação habitual.
Como se vê, longe de dirigir-se para o estudo objetivo dos fenômenos, a tentação
maior é de, pelas intuições animistas, individualizar os fenômenos e acentuar o caráter
individual das substâncias marcadas pela vida. Vamos tentar caracterizar o obstáculo
animista a partir de um tema mais natural.

CAPÍTULO 9 – O MITO DA DIGESTÃO

A digestão é uma função privilegiada, poema ou drama, fonte de êxtase ou de


sacrifício, torna-se, pois, para o inconsciente um tema explicativo cuja valorização é
imediata e sólida. A digestão corresponde de fato a uma tomada de posse bem evidente, de
inatacável segurança. É a origem do mais forte realismo, da mais abrupta avareza. É a
função da avareza animista.
O alimento sólido e consistente é mais prezado. O beber não é nada diante do
comer. Se a inteligência se desenvolve ao seguir a mão que apalpa o sólido, o inconsciente
se arraiga ao mastigar, de boca cheia, um prato de macarrão. É fácil perceber, na vida
cotidiana, esse privilégio do sólido e da massa. A fome é portanto, a necessidade natural de
possuir o alimento sólido, durável integrável, assimilável, verdadeira reserva de força e de
poder. Entre os burgueses nada merece tanta reflexão quanto a alimentação. É a coisa que
mais está sob o signo do substancial. O que é substancial é nutritivo.
A propriedade central em torno da qual vai girar sem fim o espírito pré-científico: a
digestão é um lento e suave cozimento, logo, todo cozimento prolongado é uma digestão.
Costumam dizer que a digestão começa na cozinha; a teoria erudita também. O homo faber
que corresponde a inteligência biológica é cozinheiro.

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O mito da digestão prende-se, é evidente, a importância dada aos excrementos,
muitos são os psicanalistas que caracterizam a fase anal no desenvolvimento psíquico da
criança. A digestão é difícil de explicar, prova segura da majestade da natureza, mas para o
espírito pré-científico ela só se explica no reino dos valores. Tal explicação impede a
possibilidade de contradição.

CAPÍTULO 10 – LÍBIDO E CONHECIMENTO OBJETIVO

O mito da digestão esmaece quando comparado com o mito da geração. O ter e o


ser nada são diante do devir. As almas decididas querem ter para torna-se. Aqui notemos
que a paciência é uma qualidade ambígua , mesmo quando sua finalidade é objetiva. O
psicanalista terá mais trabalho do que pensa se quiser estender suas pesquisas para o lado
da vida intelectual. Eis o plano que iremos adotar neste capítulo complexo. Nessa
psicologia de um inconsciente científico, iremos do vago para o preciso. De fato, o reino do
libido, o mais vago é o mais forte. O preciso já é um exorcismo.
Não é possível pensar durante muito tempo num mistério, num enigma, numa
quimera, sem evocar, de modo mais ou menos encoberto, seus aspectos sexuais. Por muito
tempo ainda, senão para sempre, a leitura vai exigir temas misteriosos, precisa ter diante de
si uma zona de elemento desconhecido. É preciso também que o mistério seja humano.
Enfim, toda cultura fica romanceada. O próprio espírito científico é atingido.
A alquimia está, mais que a ciência moderna, implicada num sistema de valores
morais. A alma do alquimista está envolvida em sua obra, o objeto de suas meditações
recebe todos os valores. É claro que a sexualidade normal é objeto de inúmeras referências
nos livros de alquimia. A libido não precisa sempre de imagens tão explícitas e pode
contentar-se em interiorizar forças mais ou menos misteriosas. Nessa interiorização, as
intuições substanciais e animistas se reforçam. A substancia acrescida de um germe garante
seu devir. O alquimista como todos os filósofos valorizadores, procura a síntese dos
contrários: pelo aço e pala língua, pela água e pelo fogo, pela violência e pela persuasão,
ele atingira seu objetivo.
A força animista adquire todo o seu valor quando é concebida no modo universal,
que une o céu e a terra. A terra é então apresentada não apenas como nutris, mas sim como
mãe que gera todos os seres. Uma psicanálise completa do inconsciente científico deve
empreender o estudo de sentimentos mais ou menos diretamente inspirados pela libido. Em
particular, é preciso examinar a vontade de poder que a libido exerce sobre as coisas, sobre
os animais.
Como se percebe, é o homem inteiro, com sua pesada carga de ancestralidade e de
inconsciência, com toda a sua juventude confusa e contingente, que teria de ser levado em
conta se quiséssemos medir os obstáculos que se opõe ao conhecimento objetivo, ao
conhecimento tranqüilo. Infelizmente os educadores não colaboram para essa tranqüilidade,
não conduzem os alunos para o conhecimento dos objetos.

CAPÍTULO 11 – O OBSTÁCULO DO CONHECIMENTO QUANTITATIVO

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Bachelard trata do obstáculo epistemológico do conhecimento quantitativo
inadequado. Os obstáculos ao conhecimento não são exclusivamente de caráter qualitativo;
Bachelard mostra que:
Seria enganoso pensar que o conhecimento quantitativo escapa, em princípio, aos perigos
do conhecimento qualitativo. A grandeza não é automaticamente objetiva, e basta dar as
costas aos objetos usuais para que se admitam as determinações geométricas mais
esquisitas, as determinações quantitativas mais fantasiosas.
Tão errôneos quanto os erros devidos a um realismo na designação de um objeto são os
erros que surgem de uma matemática mal aplicada, de uma matemática sem uma referência
experimental. Alguns exemplos citados por Bachelard contêm ingredientes cômicos.
Buffon, no século XVIII, chega à conclusão de que havia 74.832 anos que a Terra tinha se
soltado do Sol por causa de o choque com um cometa, e que em 93.291 anos ela ter-se-á
resfriado a tal ponto que a vida nela será impossível.
O execesso de precisão, no reino da quantidade, corresponde exatamente ao excesso
de pitoresco, no reino da qualidade. O objeto medido nada mais é que um grau particular da
aproximação do método de mensuração. A busca da falsa precisão anda junto com a busca
da falsa sensibilidade. De maneira ainda mais nítida e quase material, pode-se determinar
as diferentes etapas de uma ciência pela técnica que seus instrumentos de medidas revelam.
Cada século que passa tem sua própria escala de precisão,seu grupo de decimais exatas e
seus instrumentos específicos.

CAPÍTULO 12 – OBJETIVIDADE CIENTÍFICA E PSICANÁLISE


A objetividade científica é resultado do esforço para o afastamento do pensamento
fenomenológico, do mundo das sensações. Bachelard propõe, de modo ousado mas
coerente, que o pensamento científico se constitui contra o cérebro mesmo:
Doravante o cérebro já não é o instrumento absolutamente adequado do pensamento
científico, ou seja, o cérebro é obstáculo para o pensamento científico. Obstáculo, no
sentido de ser um coordenador de gestos e apetites. É preciso pensar contra o cérebro.
A psicanálise do conhecimento, portanto, não tem a função de ligar os interesses da
vida aos do espírito; tem a função de distinguir os interesses do espírito dos interesses
vitais. Tem a função de sobrepor ao caminho da vida - com seu passado e presente afetivo
e intelectual - a estrada do "verdadeiro destino do pensamento humano" – do cuidado com
o espírito, com a perspectiva do devir. Destarte, o novo espírito científico se constrói contra
a natureza humana e contra o mundo natural. Agride e deforma as instâncias de caráter
fenomenológico da matéria. Desconstrói e reconstrói o espírito. A psicanálise do
conhecimento objetivo não é dissociável da proposta de uma ciência contemporânea que se
objetiva psicológica, social ou matematicamente. A proposta da busca de um conhecimento
científico cada vez mais objetivo depende do afastamento dos interesses subjetivos, e,
principalmente, da superação da sensibilidade substancialista que é fundamento da atitude
comum do homem. A psicanálise do conhecimento é o esforço incessante de afastamento
dos obstáculos epistemológicos, por retificações na linguagem e no pensamento, na busca
pelo conhecimento cada vez mais objetivo.
O obstáculo substancialista ao conhecimento objetivo possui um aspecto geral vago e
imensamente tolerante,

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considera Bachelard. Esta tolerância existe porque o argumento do conhecimento da
intimidade da sub-stantia é suficiente para o espírito pré-científico. A linguagem comum
autoriza essa espécie de obstáculo. Saber o nome erudito de algum fenômeno, por exemplo,
confere a ilusão de um saber mais apurado, de um saber que conhece as qualidades ocultas
da substância. A mente preguiçosa satisfaz-se com sutilezas lingüísticas, com refinamentos
psicológicos da linguagem; são satisfações verbais que não podem, ao abraçar fenômenos
empíricos, ligando-se a um discurso mais ou menos racional, constituir um pensamento
científico.
A psicanálise da substância química inicia-se quando se passa a tratar o átomo não
mais como substância, o que confere, como vimos no início desta parte do texto, um
caráter realista e empirista ao objeto, mas como elemento: esta palavra não possui tão
profundamente o caráter realista. Ao se falar em elementos, no espírito pré-científico, se
fala principalmente nos quatro elementos da física grega. Ora, neste sentido, mesmo a
ciência química clássica já os considerava alegóricos. Eles não carregavam um sólido
passado de saber; se tornava mais fácil psicanalizar a alegoria de elemento do que a
categoria de substância.
A psicanálise da substância, facilitada portanto por uma psicanálise do elemento, exigiu que
a substância se relativizasse. Quando se fala de substância nas ciências contemporâneas,
não se fala como fundamento concreto da química. Se fala de substância em um sentido
mais ou menos forte na química macroscópica, nas reações de laboratório imediatamente
sensíveis: as reações entre substâncias são reações visíveis num tubo de ensaio. Pode
também se falar, num sentido muito mais fraco, da subs-tância na química de moléculas, na
química que não já não é macroscópica mas que ainda não é submicroscópica. A molécula
pode, em certo sentido, ser considerada uma substância; contudo, dificilmente o átomo
pode. Não se pode mais assumir a substância como fundamento epistemológico. Quando
não se pode mais assumir generalidades desde a substância, quando a substância é apenas
uma das categorias, inclusive uma das mais fracas.

RESENHA CRÍTICA DO LIVRO


Há ainda outra colocação para análise nesta parte do estudo, quando Bachelard ensina que
“A noção de obstáculo epistemológico pode ser estudada no desenvolvimento histórico do
pensamento científico e na prática da educação .” Isto porque quanto à parte da história, o
epistemólogo tem que ficar atento quando escolhe os documentos pelos quais pretende
realizar seu estudo e que esta escolha pode ser fundamental para o avanço da ciência ou
não. Daí que Bachelard diferencia o epistemólogo e o historiador de ciência:
“O historiador da ciência deve tomar as idéias como se fossem fatos. O epistemólogo deve
tomar os fatos como se fossem idéias, inserindo-as num sistema de pensamento. Um fato
mal interpretado por uma época permanece, para o historiador, um fato. Para o
epistemólogo, é um obstáculo, um contra-pensamento .”
E quanto à educação, o autor mencionado explica como é importante a abordagem que o
professor de ciência(por exemplo, pois o raciocínio pode ser aplicado a qualquer disciplina)
dá a determinado assunto, em que o modo de tratar o mesmo pode significar o avanço
científico ou o aparecimento, ou mesmo sedimentação, de um obstáculo para os seus

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alunos, já que estes vêem com imensa individualidade aquilo que(ou como) é passado para
eles.
Gaston Bachelard, filósofo e poeta francês, nascido em 1884 e falecido em 1962, tratou em
sua obra “A Formação do Espírito Científico”, basicamente do objeto do presente trabalho:
obstáculos epistemológicos.
Desse modo, realizaremos estudo nesta parte, de alguns capítulos da mencionada obra,
iniciando pelo segundo capítulo(o primeiro, das noções, já comentamos), intitulado “O
primeiro obstáculo: a experiência primeira”, em que observa que “Na formação do espírito
científico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a experiência colocada antes e
acima da crítica – crítica
esta que é, necessariamente, elemento integrante do espírito científico .”
A partir de então o autor relata casos passados na história (e isto é uma constante em sua
obra, daí a referência capitular de Japiassu “A epistemologia histórica de G. Bachelard ”),
que demonstram seu objetivo e que pode até ser consubstanciado na assertiva:
“Nossa tese é a seguinte: o fato de oferecer uma satisfação imediata à curiosidade, de
multiplicar as ocasiões de curiosidade, em vez de benefício pode ser um obstáculo para a
cultura científica. Substitui-se o conhecimento pela admiração, as idéias pelas imagens .”
Bachelard menciona, por exemplo, a experiência de Priestley, em que um metal frio, ou
água, ou mesmo gelo, podem lançar faíscas de fogo. Diz ele: “Ela a designa nitidamente
como obstáculo à compreensão de um fenômeno novo: que assombro ver o gelo, que não
“contém” fogo em sua substância, lançar faíscas! ”

Outro momento do segundo capítulo do livro em destaque, que vale ressaltar, é quando o
autor trata da dificuldade que aqueles que praticavam a alquimia(que em última análise é a
experiência primeira da química), tiveram em serem reconhecidas suas posições
ideológicas, tanto é que no século XIX, enquanto os historiadores reconheciam que a
moderna química havia surgido do trabalho dos alquimistas, os químicos resistiram a esta
idéia. E não podendo deixar de referir-se também aos literatos, que viam, segundo
Bachelard, o alquimista “como uma mente perturbada a serviço de um coração voraz .”
Bachelard, diferentemente destes, parecendo até que apaixonadamente, entende a alquimia
como uma iniciação, nem tanto intelectual, mas sim, moral, devendo os alquimistas serem
julgados subjetivamente, por meio da psicanálise, chegando até a dizer que a compreensão
da alquimia passa pela “intimidade do sujeito, na experiência psicologicamente concreta ”.
E ainda:
“A alquimia reina num tempo em que o homem mais ama do que utiliza a Natureza. A
palavra Amor traz tudo. É a senha entre a obra e o operário. Não é possível, sem doçura e
amor, estudar a psicologia das crianças. Exatamente no mesmo sentido, não é possível, sem
doçura e amor, estudar o nascimento e o comportamento das substâncias químicas .”
Passa então Bachelard, a analisar, no capítulo terceiro de seu aludido livro, a interessante
idéia do “conhecimento geral como obstáculo ao conhecimento científico ”, e começa
ressaltando que: “Nada prejudicou tanto o progresso do conhecimento científico quanto a
falsa doutrina do geral, que dominou de Aristóteles a Bacon, inclusive, e que continua
sendo, para muitos, uma doutrina fundamental do saber .” Assim o autor propõe a discussão
de como a generalidade pode obstaculizar o avanço científico, pois muitos professores ao
invés de aprofundar seu estudo, analisando o maior número possível de probabilidades,
realizando uma quantidade suficiente de experimentos, podem chegar, e na maioria das
vezes chegam, a resultados equivocados porque simplesmente generalizaram o
conhecimento daquilo que estavam a estudar.

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No mesmo capítulo terceiro, Bachelard alia a concepção de valor à generalização, como
forma também de chegar-se a um conhecimento que não seja objetivo, referindo até como
argumento que “o valor é marca de uma preferência inconsciente .” E, de fato, o cientista
não pode, ou mesmo não deveria, privilegiar determinada marca ou cunho axiológico na
sua busca da verdade, pois aí poderá desviar-se do caminho que o levaria a correta
conclusão científica.
A generalização ainda fica presente no capítulo quinto, apesar do título “O conhecimento
unitário e pragmático como obstáculo ao conhecimento científico ”, que dá a falsa idéia
inicial que o autor irá demonstrar que, contrariamente ao geral, o conhecimento particular,
único, individualizado, pode comprometer o científico. Entretanto, como explica no intróito
do capítulo, Bachelard, ao longo do mesmo, por meio de experiências e observações de
outros cientistas, mostra que a “generalidade – e outras generalidades conexas – são, de
fato, obstáculos para o pensamento científico ”.
Nos três capítulos que se seguem, o autor difunde o seu pensamento de como aspectos
relacionados com o substancialismo, o realismo e o animismo, podem representar
obstáculos ao progresso da ciência.
No que concerne ao primeiro, o substancialismo, Gaston Bachelard, por meio da sua
interpretação a fenômenos descritos, explica que a:
“substancialização de uma qualidade imediata percebida numa intuição direta pode
entravar os futuros progressos do pensamento científico tanto quanto a afirmação de uma
qualidade oculta ou íntima, pois tal substancialização permite uma explicação breve e
peremptória. Falta-lhe o percurso teórico que obriga o espírito científico a criticar a
sensação. De fato, para o espírito científico, todo fenômeno é um momento do pensamento
teórico, um estágio do pensamento discursivo, um resultado preparado. É mais produzido
do que induzido. O espírito científico não pode satisfazer-se apenas com ligar os elementos
descritivos de um fenômeno à respectiva substância, sem nenhum esforço de hierarquia,
sem determinação precisa e detalhada das relações com outros objetos .”
No que diz respeito ao que denomina de “Psicanálise do realista ”, que é o título da capítulo
sétimo, o autor em alusão relaciona a substância com a objetividade por meio de vários
exemplos, às vezes dando a impressão que continua a se referir somente à
substancialização, como no capítulo anterior, mas fecha o seu pensamento a respeito do
assunto com o seguinte trecho:
“(...) a psicanálise generalizada consiste em estabelecer o predomínio da demonstração
objetiva sobre as convicções meramente individuais, deve ela examinar de perto as
mentalidades que oferecem provas fora de discussão e de controle. Ora, o melhor meio de
fugir às discussões objetivas é entrincheirar-se por trás das substâncias, é atribuir às
substâncias os mais variados matizes, é torná-las o espelho de nossas impressões subjetivas.
As imagens virtuais que o realista forma desse modo, admirando as mil variações de suas
impressões pessoais, são as mais difíceis de afugentar .”
Quanto ao “obstáculo animista ”, assunto principal do capítulo oitavo, Bachelard trata logo
de colocar o problema que será tratado. E o faz com as seguintes assertivas:
“(...) como foi possível fazer com que a intuição da vida, cujo caráter invasor vamos
mostrar, ficasse restrita ao seu próprio campo? Em especial, como as ciências físicas se
livraram das lições animistas? Como a hierarquia do saber foi restabelecida, ao afastar a
consideração primitiva desse objeto privilegiado que é o nosso corpo? ”
As respostas objetivas vêm logo em seguida quando diz que:
“é como obstáculos à objetividade da fenomenologia física que os conhecimentos
biológicos devem chamar nossa atenção. Os fenômenos biológicos só nos interessarão,

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portanto, nos campos em que a ciência falha, em que essa ciência, com maior ou menor
garante, vem responder a perguntas que não lhe são feitas .”
E para a prova de tudo isto, como o faz ao longo de toda a sua obra, Bachelard apresenta
experiências e conclusões que cientistas realizaram e chegaram durante os séculos, como a
de Poncelet que escreveu: “a putrefação é para as plantas o que a mastigação é para os
animais ”. E, diante disto, destaca Bachelard: “Tais analogias, aliás, não reúnem nenhum
conhecimento sólido, nem preparam nenhuma experiência útil .” Sobre isso, o autor
condena as comparações unitárias entre os três reinos, uma vez que tal ato pode ocasionar
graves confusões, como é o caso de Jules-Henri Pott, que trata do que chama de
“fecundidade mineral ” e que Bachelard exara ser tal fecundidade “nitidamente
incompatível com o espírito científico .”
Bachelard, neste capítulo em comento, faz uma espécie de análise crítica ao relacioná-lo
com os dois capítulos anteriores, como no trecho em que discute a importância do aparelho
microscópio e a forma de sua utilização, referindo que:
“certos progressos técnicos se deram por extensão do privilégio de explicação dos
fenômenos biológicos. Assim, o microscópio foi, no início, usado para examinar vegetais e
animais. Seu objeto primitivo é a vida. Só por acidente e raramente, ele serve para
examinar os minerais. Aí é que se pode perceber com clareza como se torna obstáculo
epistemológico uma ocupação habitual: revela o microscópio uma estrutura dos seres vivos
íntima e desconhecida? ”
Logo se nota como certos aspectos, que inicialmente podem parecer até desvinculados com
o objeto do presente estudo, ao contrário representam o ponto chave de partida para
diretrizes que norteiam o real espírito de cientificidade e que podem vir a marcar um
avanço para a humanidade.
A obra em análise tem como último capítulo, o estudo a respeito da “objetividade científica
e psicanálise ”, em que Bachelard sintetiza as idéias gerais trazidas naquela, tratando
inicialmente de referenciar a metodologia articulada, em que “o espírito científico vence os
diversos obstáculos epistemológicos e se constitui como conjunto de erros retificados .”
Destaca, a seguir, positivamente, que a importância do estudo objetivo das ciências nas
escolas, representando um progresso, mas que isto, infelizmente, foi atrapalhado pelo abuso
da autoridade dos professores que apresentavam “conhecimentos efêmeros e desordenados
”.
Dentro da difusão de idéias, Bachelard discorre como forma de solução para o impasse o
que chama de “princípio pedagógico fundamental da atitude objetiva”: “Quem é ensinado,
deve ensinar .”
A relação entre a experiência e a racionalidade também é tratada no capítulo em alusão, de
maneira incisiva, quando o autor assevera que:
“a história do conhecimento científico é uma alternativa sempre renovada de empirismo e
de racionalismo. Essa alternativa é mais que um fato. É necessidade de dinamismo
psicológico. Por isso, toda filosofia que limite a cultura ao Realismo ou ao Nominalismo
representa os mais terríveis obstáculos para a evolução do pensamento científico. ”
Axiologicamente Bachelard reflete ainda sobre o caráter social da ciência, quando diz que:
“tendências sádicas ou masoquistas, que aparecem sobretudo na vida social da ciência, não
bastam para caracterizar a verdadeira atitude do cientista solitário; são apenas os primeiros
obstáculos que ele tem de superar para atingir a estrita objetividade científica .”
O autor acentua a importância do pensamento científico não tirar conclusões diante da
primeira experiência, da primeira reflexão, uma vez que as mesmas podem estar
equivocadas, destacando que tal atitude passou a ser tomada no início do século passado.

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E Bachelard conclui seu pensamento no livro em análise de maneira poética(valendo
lembrar que chamamos a atenção que o filósofo também foi poeta), em trecho que vale a
transcrição em destaque:
“Na obra da ciência só se pode amar o que se destrói, pode-se continuar o passado
negando-o, pode-se venerar o mestre contradizendo-o. Aí, sim, a Escola prossegue ao longo
da vida. Uma cultura presa ao momento escolar é a negação da cultura científica. Só há
ciência se a Escola for permanente. É essa escola que a ciência deve fundar. Então, os
interesses sociais estarão definitivamente invertidos: a Sociedade será feita para a Escola e
não a Escola para a Sociedade .”

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