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PUER AETERNUS
A Luta do Adulto Contra o Paraíso da
Infância
Edições Paulinas
Jane Maria Corrêa
AGRADECIMENTOS
Marie-Louise von Franz Zurique Janeiro de 1970
Capítulo 1
é o nome de um deus da
antigüidade. As palavras vêm de
de Ovídio1 e são aplicadas ao deus-criança nos
mistérios eleusinianos. Ovídio fala do deus- criança
Iaco, dirigindo-se a ele como e
cultuando- o em seu papel nesses mistérios.
Posteriormente, o deus-criança foi identificado
com Dionísio e com o deus Eros. Ele é o jovem
divino que, de acordo com esse típico mistério
eleusiniano de culto à mãe, veio ao mundo em
uma noite para ser o redentor. E o deus da vida,
da morte e da ressurreição — o deus da juventude
divina, correspondente aos deuses orientais
Tamuz, Átis e Adônis. O título
portanto, significa "juventude eterna", mas
também o usamos para indicar certo tipo de jovem
que tem um complexo materno fora do comum e
que, portanto, comporta-se de certas maneiras
típicas, que eu gostaria de caracterizar do
seguinte modo:
Em geral, o homem que se identifica com o
arquétipo do permanece durante
muito tempo como adolescente, isto é, todas
aquelas características que são normais em um
jovem de dezessete ou dezoito anos continuam na
Vôo Alto
Oh! Ultrapassei as imperiosas fronteiras da terra,
E dancei nos céus com alegres asas de prata;
Em direção ao sol subi, e com o coração leve fui
parte das alturas, das nuvens entre as quais passa
o sol, e fiz muitas coisas
Que você nunca sonharia — girei e subi direto e
balancei-me no ar,
Bem alto no silêncio iluminado pelo sol.
Planando lá,
Persegui o vento que assobiava, e bruscamente
virei e levei
Meu ansioso aparelho através de corredores no ar
suspensos.
Para cima ao longo do imenso, delirante e ardente
azul Encontrei-me nas alturas varridas pelo vento,
com o coração cheio de graça,
Onde nunca voaram os pássaros, nem mesmo a
águia,
E, com minha mente elevada aos céus, e com o
silêncio, caminhei.
Pelo nunca antes ultrapassado espaço sagrado,
Estendi a mão e toquei a face de Deus.3
geralmente não gostam de esportes que
requerem paciência e treinamento longo, pois o
— no sentido negativo da palavra —
é geralmente muito impaciente por
temperamento. Conheço um jovem, um exemplo
clássico de que praticou por muito
tempo o alpinismo, mas que detestava tanto
carregar mochila, que preferia treinar-se a dormir
na chuva ou na neve. Ele fazia para si um buraco
na neve e enrolava-se em uma capa de chuva, e
com um tipo de respiração de yoga, era capaz de
dormir ao ar livre. Também se treinava a passar
praticamente sem comida, simplesmente para
evitar carregar peso. Ele vagou durante anos por
todas as montanhas da Europa e de outros
continentes, dormindo sob as árvores ou na neve.
De certo modo, levou uma existência bastante
heróica, apenas para não ser obrigado a pernoitar
em uma cabana ou carregar mochila. Pode-se
dizer que isto foi simbólico, pois um homem assim,
na realidade, não quer ser sobrecarregado com
nenhum tipo de peso; a única coisa que ele recusa
totalmente é ter responsabilidade para com
qualquer coisa, ou a carregar o peso de alguma
situação.
(Ele o
desenhou como um pequeno Napoleão, que foi
uma coisa incomum e tipicamente francesa! Isso
significa que ele o viu como um herói em poten-
cial, um grande conquistador e não apenas como a
criança encantada que ele realmente devia ser.)
Então Saint Exupéry conta que demorou muito
para descobrir de onde o pequeno príncipe era,
porque este sempre fazia perguntas, mas não as
respondia. Aos poucos ele descobre que o
homenzinho tinha vindo das estrelas e que vivia
em um pequeno planeta.
O encontro milagroso no deserto está de algum
modo ligado à vida pessoal de Saint Exupéry. Uma
vez aconteceu-lhe um desastre aéreo no deserto
do Saara, mas então ele não estava sozinho, como
no livro, mas com Prevost, seu mecânico. Eles
tiveram que trabalhar exaustivamente e quase
morreram de sede. Tiveram alucinações, delírios e
miragens, e estavam praticamente morrendo
quando um árabe os encontrou e lhes deu água de
seu cantil. Mais tarde foram salvos. Naturalmente
ele usa suas lembranças no livro, mas as
transforma de modo bem típico; por exemplo, sua
sombra, o mecânico, não está com ele, e ele
também não fala sobre o salvamento. Mas algo
sobrenatural acontece, e então podemos ver como
as fantasias arquetípicas aparecem na vida real,
quer dizer, a situação intolerável e sem
esperanças que em todos os mitos e contos de
fadas é a situação inicial que prepara a aparição
dos seres encantados. Isso mostra a situação
psicológica típica onde a personalidade consciente
esgotou todos seus recursos e não sabe mais o
que fazer. É bem próprio desses contos, alguém
perder-se no mar ou na floresta e encontrar um
duende ou algum outro ser sobrenatural. Nesses
momentos em que a pessoa sente-se
completamente perdida, sem nenhuma
perspectiva pela frente, a energia que estava
bloqueada flui e geralmente oferece uma solução
originária do inconsciente, por isso este é o
momento das aparições sobrenaturais como
vemos aqui. Geralmente acontece em situações
concretas as pessoas terem alucinações de algum
tipo se o conflito ou bloqueio atingirem níveis
insuportáveis. Em nível mais baixo, a vida onírica
torna-se muito ativa, as pessoas são forçadas a
prestar atenção a ela — e então surgem as
aparições dentro do sonho. Geralmente, isso
acontece quando a vida normal da pessoa sofre
algum tipo de distúrbio sério.
Quando sofreu o acidente com o mecânico, Saint
Exupéry já estava vivendo uma crise em sua vida.
Estava com seus trinta anos, sua perícia em voar
estava decaindo, e não conseguia mudar de
profissão. Já sofria de crises nervosas, que
superava engajando-se em outra missão. No início,
voar era sua grande vocação, mas esta se
transformou em válvula de escape para situações
novas às quais não conseguira se adaptar. Muitas
vezes escolhe-se uma atividade que na época
parece ser bastante adequada e que não poderia
ser classificada como válvula de escape; mas de
repente o fluxo vital a abandona e aos poucos a
pessoa percebe que sua libido quer ser
reorientada para outros objetivos. Persevera-se na
antiga atividade porque não se consegue trocá-la
por outra. Em tais situações, perseverar na antiga
atividade significa regressão ou fuga do
sentimento interior da pessoa, que lhe diz ser a
mudança necessária. Mas porque a pessoa não
tem consciência de que precisa mudar ou por não
querer mudar, ela persevera. Quando Saint
Exupéry sofreu o desastre de avião, sua carreira
como aviador já estava em crise. Aqui a aparição
mostra o que isto significava para ele.
Há um relevante paralelo do encontro com o
príncipe das estrelas na tradição islâmica. Acho
que é possível que, tendo vivido por tanto tempo
no meio dos beduínos no Saara, Saint Exupéry
chegasse a conhecer essa lenda. A famosa história
é encontrada no Corão, na 18ª Sura, que Jung
interpretou detalhadamente,7 e é sobre Moisés no
deserto com seu servo Josué, o filho de Nun, que
levava uma cesta com peixes para a refeição. Em
determinado lugar o peixe desaparece, e Moisés
diz que isso acontecera porque alguma coisa iria
ocorrer. Subitamente Khidr surge. (Khidr significa o
Verdant.) Ele deve ser o primeiro anjo, ou o
primeiro servo de Alá. Ele é uma espécie de
companheiro imortal que então acompanha Moisés
por algum tempo, mas lhe diz que ele (Moisés) não
iria conseguir suportar sua companhia e que
duvidaria de suas ações. Moisés lhe assegura que
terá confiança o bastante para seguirem juntos,
mas fracassa miseravelmente. Muitos de vocês
conhecem a história e sabem como Khidr primeiro
chega a uma vila onde há barcos na água e como
7 Carl Gustav Jung, vol. 9, parte I,
Princeton: Princeton University Press, 1959, § 200.
faz um buraco em cada um deles de modo que
afundam. Moisés admoesta Khidr perguntando- lhe
como pode fazer uma coisa destas. Khidr diz que
havia avisado antes que ele não entenderia. Khidr
explica que os ladrões iriam roubar os barcos e
que ele havia provocado uma tragédia menor, pois
bastava agora que os pescadores consertassem os
barcos que de outro modo teriam perdido
irremediavelmente. Portanto Khidr estava lhes
prestando uma ajuda, mas, Moisés, sendo tão
ignorante, naturalmente não o havia
compreendido. De novo Moisés promete confiar
nele e não ter reações puramente racionais. Mais
tarde eles encontram um homem e Khidr o mata.
De novo Moisés explode e lhe pergunta como pôde
fazer isso. Khidr então explica que o homem
estava indo assassinar os pais e que era melhor
que morresse antes de cometer tal crime para
assim conseguir salvar sua alma. Desta vez,
Moisés tem realmente boa vontade em aceitar
suas explicações. Porém, quando um terceiro
evento similar acontece, quando Khidr causa o
desmoronamento de um muro, apenas para
descobrir o tesouro oculto de dois órfãos, Moisés
se revolta de novo. Finalmente Khidr tem que
deixá-lo.
A história ilustra a incompatibilidade do ego
racional consciente com a figura do Self e de seus
objetivos. O ego racional, com seus pensamentos
e ações bem intencionados, encontra-se em
oposição à grande personalidade interior, Khidr.
Naturalmente, essa famosa história serve para
dizer às pessoas que elas devem ser capazes de
duvidar de sua atitude consciente e devem
sempre esperar pelos milagres realizados pelo
inconsciente. Aquela situação é a mesma, pois
algo acontece ali que é absolutamente contrário às
idéias conscientes de Saint Exupéry, que lhe dizem
que ele precisa consertar o motor o mais rápido
possível. Ele quer se salvar e não tem vontade de
continuar a brincadeira infantil com o pequeno
príncipe vindo das estrelas. Por outro lado, é muito
significativo para ele que o pequeno príncipe seja
o único que compreende imediatamente o
desenho. Ele deveria ficar contente ao ver que é
seu outro lado que o compreende realmente, o
primeiro companheiro que pertence a seu mundo,
o mundo da infância do qual ele sente tanta falta.
Ele fica impaciente, contudo, achando que é um
aborrecimento e que tem que fazer o motor
funcionar. E então algo bem típico acontece — o
gesto de impaciência característico do
Quando ele tem que fazer algo
seriamente, no mundo exterior ou interior, ele faz
algumas tentativas e então, impa- cientemente,
desiste. Minha experiência me mostrou que
quando analisamos um homem desse tipo não
produz nenhum efeito você orientá-lo no sentido
de levar o mundo interior ou exterior a sério. O
que é realmente importante é ele perseverar em
alguma atividade. Se for a análise, então analise-o
seriamente, leve os seus sonhos a sério, deixe que
eles orientem sua vida. Se for o trabalho, que
realmente se dedique a ele dentro da realidade. O
que importa é que ele faça algo do princípio ao
fim, seja lá o que for. Mas o grande perigo, ou o
comportamento neurótico, é que o
ao realizar tais atividades, tende a fazer o que
Saint Exupéry fez aqui: simplesmente colocar tudo
dentro de uma caixa e fechar a tampa com um
gesto dê impaciência. É por isso que estas pessoas
dizem de repente que elas mudaram de idéia e
que têm outros planos, que não é aquilo que
estavam procurando. E eles sempre fazem isso no
momento em que as coisas ficam difíceis. É essa
infindável mudança que é perigosa e não o que
eles fazem. Infelizmente, mas caracteristicamente,
Saint Exupéry muda no momento crucial.
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 6
18 Dr. Peter Baynes foi assistente de Jung durante certo período. Veja, de Barbara
Hannah, New York: G. P. Putnan's Son,
1976.
Penso, portanto, que as estrelas abaixo significam
a experiência viva do padrão arquetípico instintivo.
O indivíduo tem que viver a vida em sua totalidade
para ser capaz de conhecer a si e ao mundo.
pueri aeternus,
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
28 Alexander Mitscherlich,
Nova Iorque: Shucken Book, Inc., n. d.
29 Jung, "Resposta à Já" (§§ em diante.)