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Este mundo inconsciente, onde imperam os arquétipos, que nada mais são que
recipientes de conteúdos ainda mais profundos e universais, é pleno de
esquemas de reações psíquicas quase "instintivas", de reações psíquicas
comuns a toda a humanidade, como, por exemplo, num sonho de perseguição:
todas as pessoas que sonham ou já sonharam sendo perseguidas geralmente
descrevem cenas e ações muito semelhantes entre si, senão na forma, ao
menos no conteúdo. A angústia de quem é perseguido é sentida
concomitantemente ao prazer que sabemos ter o perseguidor no enredo
onírico, ou a sua raiva, ou o seu desejo. Estes esquemas de reações
"instintivas" (uso esta palavra por analogia, não por equivalência) também se
encontram nos mitos de todos os povos e nas tradições religiosas. Por
exemplo, no mito de Osiris, na história de Krishna e na vida de Buda
encontramos similaridades fascinantes. Sabemos que mitos encobrem
frequentemente a vida de grandes homens, como se pudessem nos dizer algo
mais sobre a mensagem que eles nos trouxeram, e quanto mais carismáticos
são esses homens, mais a imaginação do povo os encobrem em mitos, e mais
esses mitos têm em comum. Estes padrões arquetípicos expressos - quer a
nível pessoal que a nível mitológico - relacionam-se com características e
profundos anseios da natureza humana, como o nascimento, a morte, as
imagens paterna e materna, e a relação entre os dois sexos.
Outra temática famosa com respeito a Jung é a sua teoria dos "tipos
psicológicos". Foi com base na análise da controvérsia entre as personalidades
de Freud e um outro seu discípulo famoso, e também dissidente, Alfred Adler,
que Jung consegue delinear a tipologia do "introvertido" e do "extrovertido".
Freud seria o "extrovertido", Adler, o "introvertido". Para o extrovertido, os
acontecimentos externos são da máxima importância, ao nível consciente; em
compensação, ao nível inconsciente, a atividade psíquica do extrovertido
concentra-se no seu próprio eu. De modo inverso, para o introvertido o que
conta é a resposta subjetiva aos acontecimentos externos, ao passo que, a
nível inconsciente, o introvertido é compelido para o mundo externo.
Embora não exista um tipo puro, Jung reconhece a extrema utilidade descritiva
da distinção entre "introvertido" e "extrovertido". Aliás, ele reconhecia que todos
temos ambas as características, e somente a predominância relativa de um
deles é que determina o tipo na pessoa. Seu mais famoso livro, Tipos
Psicológicos é de 1921. Já nesse período, Jung dedica maior atenção ao
estudo da magia, da alquimia, das diversas religiões e das culturas ocidentais
pré-cristãs e orientais (Psicologia da Religião Oriental e Ocidental, 1940;
Psicologia e Alquimia, 1944; O eu e o inconsciente, 1945).
Analisando o seu trabalho, Jung disse: "Não sou levado por excessivo
otimismo nem sou tão amante dos ideais elevados, mas me interesso
simplesmente pelo destino do ser humano como indivíduo - aquela unidade
infinitesimal da qual depende o mundo e na qual, se estamos lendo
corretamente o significado da mensagem cristã, também Deus busca seu fim".
Ficou célebre a controvertida resposta que Jung deu, em 1959, a um
entrevistador da BBC que lhe perguntou: "O senhor acredita em Deus?" A
resposta foi: "Não tenho necessidade de crer em Deus. Eu o conheço".
Eis o que Freud afirmou do sistema de Jung: "Aquilo de que os suíços tinham
tanto orgulho nada mais era do que uma modificação da teoria psicanalítica,
obtida rejeitando o fator da sexualidade. Confesso que, desde o início, entendi
esse 'progresso' como adequação excessiva às exigências da atualidade". Ou
seja, para Freud, a teoria de Jung é uma corruptela de sua própria teoria,
simplificada diante das exigências moralistas da época. Não há nada mais
falso. Sabemos que foi Freud quem, algumas vezes, utilizou-se de alguns
conceitos de Jung, embora de forma mascarada, como podemos ver em sua
interpretação do caso do "Homem dos Lobos", notadamente no conceito de
atavismo na lembrança do coito. Já por seu turno, Jung nunca quis negar a
importância da sexualidade na vida psíquica, "embora Freud sustente
obstinadamente que eu a negue". Ele apenas "procurava estabelecer limites
para a desenfreada terminologia sobre o sexo, que vicia todas as discussões
sobre o psiquismo humano, e situar então a sexualidade em seu lugar mais
adequado. O senso comum voltará sempre ao fato de que a sexualidade
humana é apenas uma pulsão ligada aos instintos biofisiológicos e é apenas
uma das funções psicofisiológicas, embora, sem dúvida, muitíssimo importante
e de grande alcance".
Carl Gustav Jung morreu a 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, à
beira do lago de Zurique, em Küsnacht após uma longa vida produtiva, que
marcou - e tudo leva a crer que ainda marcará mais - a antropologia, a
sociologia e a psicologia.
FONTES:
AMIGOS ÍNTIMOS, RIVAIS PERIGOSOS - A turbulenta convivência de
Freud e Jung, Duane Schultz, Rio de Janeiro: Rocco, 1991 - 274 p.
CORRESPONDÊNCIA COMPLETA DE SIGMUND FREUD E CARL G.
JUNG, William McGuire (org.), Rio de Janeiro: Imago, 1993 - 651 p.
FREUD E JUNG - Anos de amizade, anos de perda, Linda Donn, Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1991 - 358 p.
FREUD E A PSICANÁLISE, Carl Gustav Jung, Petrópolis: Vozes -
Volume IV das O.C.