Você está na página 1de 8

Biografia de Carl Gustav Jung

Carl Gustav Jung nasceu a 26 de julho de


1875, em Kresswil, Basiléia, na Suíça,
no seio de uma família voltada para a
religião. Seu pai e vários outros parentes
eram pastores luteranos, o que explica, em
parte, desde a mais tenra idade, o interesse
do jovem Carl por filosofia e questões
espirituais e o pelo papel da religião no
processo de maturação psíquica das pessoas, povos e civilizações. Criança
bastante sensível e introspectiva, desde cedo o futuro colega de Freud
demonstrou uma inteligência e uma sagacidade intelectuais notáveis, o que,
mesmo assim, não lhe poupou alguns dissabores, como um lar algumas vezes
um pouco desestruturado e a inveja dos colegas e a solidão.

Ao entrar para a universidade, Jung havia decidido estudar Medicina, na


tentativa de manter um compromisso entre seus interesses por ciências
naturais e humanas. Ele queria, de alguma forma, vivenciar na prática os ideais
que adotava usando os meios dados pela ciência. Por essa época, também,
passou a se interessar mais intensamente pelos fenômenos psíquicos e
investigou várias mensagens hipoteticamente recebidas por uma médium local
(na verdade, uma prima sua), o que acabou sendo o material de sua tese de
graduação, "Psicologia e Patologia dos Assim Chamados Fenômenos
Psíquicos".

Em 1900, Jung tornou-se interno na Clínica Psiquiátrica Bugholzli, em Zurique,


onde estudou com Pierre Janet, em 1902, e onde, em 1904, montou um
laboratório experimental em que criou seu célebre teste de associação de
palavras para o diagnóstico psiquiátrico. Neste, uma pessoa é convidada a
responder a uma lista padronizada de palavras-estímulo; qualquer demora
irregular no tempo médio de resposta ou excitação entre o estímulo e a
resposta é muito provavelmente um indicador de tensão emocional
relacionada, de alguma forma, com o sentido da palavra-estímulo. Mas tarde
este teste foi aperfeiçoado e adaptado por inúmeros psiquiatras e psicólogos,
para envolver, além de palavras, imagens, sons, objetos e desenhos. É este o
princípio básico usado no detector de mentiras, utilizado pela polícia científica.
Estes estudos lhe granjearam alguma reputação, o que o levou, em 1905, aos
trinta anos, a assumir a cátedra de professor de psiquiatria na Universidade de
Zurique.
Neste ínterim, Jung entra em contato com as obras de Sigmund Freud (1856-
1939), e, mesmo conhecendo as fortes críticas que a então incipiente
Psicanálise sofria por parte dos meio médicos e acadêmicos na ocasião, ele
fez questão de defender as descobertas do mestre vienense, convencido que
estava da importância e do avanço dos trabalhos de Freud. Estava tão
entusiasmado com as novas perspectivas abertas pela psicanálise, que decidiu
conhecer Freud pessoalmente.
O primeiro encontro entre eles transformou-se numa conversa que durou treze
horas ininterruptas. A comunhão de ideias e objetivos era tamanha, que eles
passaram a se corresponder semanalmente, e Freud chegou a declarar Jung
seu mais próximo colaborador e herdeiro lógico, e isso é algo que tem de ser
bem frisado, a mútua admiração entre estes dois homens, frequentemente
esquecida tanto por freudianos como por junguianos. Porém, tamanha
identidade de pensamentos e amizade não conseguia esconder algumas
diferenças fundamentais, e nem os confrontos entre os fortes gênios de um e
de outro. Jung jamais conseguiu aceitar a insistência de Freud de que as
causas dos conflitos psíquicos sempre envolveriam algum trauma de natureza
sexual, e Freud não admitia o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais
como fontes válidas de estudo em si.
O rompimento entre eles foi inevitável, ainda que Jung o tenha, de certa forma,
precipitado. Ele iria acontecer mais cedo ou mais tarde. O rompimento foi
doloroso para ambos. O rompimento turbulento do trabalho mútuo e da
amizade acabou por abrir uma profunda mágoa mútua, nunca inteiramente
assimilada pelos dois principais gênios da Psicologia do século XX e que ainda,
infelizmente, divide partidários de ambos os teóricos.
Antes do período em que estavam juntos, Jung começou a desenvolver uma
sistema teórico que chamou, originalmente, de "Psicologia dos Complexos",
mais tarde chamando-a de "Psicologia Analítica", como resultado direto de seu
contato prático com seus pacientes. O conceito de inconsciente já está bem
sedimentado na sólida base psiquiátrica de Jung antes de seu contato pessoal
com Freud, mas foi com Freud, real formulador do conceito em termos clínicos,
que Jung pôde se basear para aprofundar seus próprios estudos.
O contato entre os dois homens foi extremamente rico para ambos, durante o
período de parceria entre eles. Aliás, foi Jung quem cunhou o termo e a noção
básica de "complexo", que foi adotado por Freud. Por complexo, Jung entendia
os vários "grupos de conteúdos psíquicos que, desvinculando-se da
consciência, passam para o inconsciente, onde continuam, numa existência
relativamente autônoma, a influir sobre a conduta" (G. Zunini). E, embora
possa ser frequentemente negativa, essa influência também pode assumir
características positivas, quando se torna o estímulo para novas possibilidades
criativas.

Jung já havia usado a noção de complexo desde 1904, na diagnose das


associações de palavras. A variância no tempo de reação entre palavras
demonstrou que as atitudes do sujeito diante de certas palavras-estímulo, quer
respondendo de forma hesitante, quer de forma apressada, era diferente do
tempo de reação de outras palavras que pareciam ter estimulação neutra. As
reações não convencionais poderiam indicar a presença de complexos, dos
quais o sujeito não tinha consciência.

Utilizando-se desta técnica e do estudo dos sonhos e de desenhos, Jung


passou a se dedicar profundamente aos meios pelos quais se expressa o
inconsciente. Os sonhos pessoais de seus pacientes o intrigavam na medida
em que os temas de certos sonhos individuais eram muito semelhantes aos
grandes temas culturais ou mitológicos universais, ainda mais quando o sujeito
nada conhecia de mitos ou mitologias. O mesmo ocorria no caso dos desenhos
que seus pacientes faziam, geralmente muito parecidos com os símbolos
adotados por várias culturas e tradições religiosas do mundo inteiro. Estas
similaridades levaram Jung à sua mais importante descoberta: o "inconsciente
coletivo".

Assim, Jung descobrira que além do consciente e inconsciente pessoais, já


estudados por Freud, existiria uma zona ou faixa psíquica onde estariam as
figuras, símbolos e conteúdos arquetípicos de caráter universal,
frequentemente expressos em temas mitológicos. Por exemplo, o mito bíblico
de Adão e Eva comendo do fruto da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal
e, por isso, sendo expulsos do Paraíso, e o mito grego de Prometeu roubando
o fogo do conhecimento dos deuses e dando-o aos homens, pagando com a
vida pelo sua presunção são bem parecidos com o moderno mito de
Frankenstein, elaborado pela escritora Mary Schelley após um pesadelo, e que
toca fundo na mente e nas emoções das pessoas de forma quase "instintiva",
como se uma parte de nossas mentes "entendesse" o real significado da
história: o homem sempre paga um alto preço pela ousadia de querer ser
Deus.

Enquanto o inconsciente pessoal consiste fundamentalmente de material


reprimido e de complexos, o inconsciente coletivo é composto
fundamentalmente de uma tendência para sensibilizar-se com certas imagens,
ou melhor, símbolos que constelam sentimentos profundos de apelo universal,
os arquétipos: da mesma forma que animais e homens parecem possuir
atitudes inatas, chamadas de instintos, também é provável que em nosso
psiquismo exista um material psíquico com alguma analogia com os instintos.
Talvez, as imagens arquetípicas sejam algo como que figurações dos próprios
instintos, num nível mais sofisticado, psíquico. Assim, não é mais arriscado
admitir a hipótese do inconsciente coletivo, comum a toda a humanidade, do
que admitir a existência instintos comuns a todos os seres vivos.

Assim, em resumo, o inconsciente coletivo é repleto de material representativo


de motivos de forte carga afetiva comum a toda a humanidade, como, por
exemplo, a associação do feminino com características maternas e, ao mesmo
tempo, em seu lado escuro, cruéis, ou a forte sensação intuitiva universal da
existência de uma transcendência metaforicamente denominada Deus.
A mãe boa, por exemplo, é um aspecto do arquétipo do feminino na psique,
que pode ter a figura de uma deusa ou de uma fada, da mãe má, ou que pode
possuir os traços de uma bruxa; a figura masculina poderá ter uma
representação num sábio, que geralmente é representado por um ermitão, etc.
As figuras em si, mais ou menos semelhantes em várias culturas, são os
arquétipos, que nada mais são que "corpos" que dão forma aos conteúdos que
representam: o arquétipo da mãe boa, ou da boa fada, representam a mesma
coisa: o lado feminino positivo da natureza humana, acolhedor e carinhoso.

Este mundo inconsciente, onde imperam os arquétipos, que nada mais são que
recipientes de conteúdos ainda mais profundos e universais, é pleno de
esquemas de reações psíquicas quase "instintivas", de reações psíquicas
comuns a toda a humanidade, como, por exemplo, num sonho de perseguição:
todas as pessoas que sonham ou já sonharam sendo perseguidas geralmente
descrevem cenas e ações muito semelhantes entre si, senão na forma, ao
menos no conteúdo. A angústia de quem é perseguido é sentida
concomitantemente ao prazer que sabemos ter o perseguidor no enredo
onírico, ou a sua raiva, ou o seu desejo. Estes esquemas de reações
"instintivas" (uso esta palavra por analogia, não por equivalência) também se
encontram nos mitos de todos os povos e nas tradições religiosas. Por
exemplo, no mito de Osiris, na história de Krishna e na vida de Buda
encontramos similaridades fascinantes. Sabemos que mitos encobrem
frequentemente a vida de grandes homens, como se pudessem nos dizer algo
mais sobre a mensagem que eles nos trouxeram, e quanto mais carismáticos
são esses homens, mais a imaginação do povo os encobrem em mitos, e mais
esses mitos têm em comum. Estes padrões arquetípicos expressos - quer a
nível pessoal que a nível mitológico - relacionam-se com características e
profundos anseios da natureza humana, como o nascimento, a morte, as
imagens paterna e materna, e a relação entre os dois sexos.

Outra temática famosa com respeito a Jung é a sua teoria dos "tipos
psicológicos". Foi com base na análise da controvérsia entre as personalidades
de Freud e um outro seu discípulo famoso, e também dissidente, Alfred Adler,
que Jung consegue delinear a tipologia do "introvertido" e do "extrovertido".
Freud seria o "extrovertido", Adler, o "introvertido". Para o extrovertido, os
acontecimentos externos são da máxima importância, ao nível consciente; em
compensação, ao nível inconsciente, a atividade psíquica do extrovertido
concentra-se no seu próprio eu. De modo inverso, para o introvertido o que
conta é a resposta subjetiva aos acontecimentos externos, ao passo que, a
nível inconsciente, o introvertido é compelido para o mundo externo.

Embora não exista um tipo puro, Jung reconhece a extrema utilidade descritiva
da distinção entre "introvertido" e "extrovertido". Aliás, ele reconhecia que todos
temos ambas as características, e somente a predominância relativa de um
deles é que determina o tipo na pessoa. Seu mais famoso livro, Tipos
Psicológicos é de 1921. Já nesse período, Jung dedica maior atenção ao
estudo da magia, da alquimia, das diversas religiões e das culturas ocidentais
pré-cristãs e orientais (Psicologia da Religião Oriental e Ocidental, 1940;
Psicologia e Alquimia, 1944; O eu e o inconsciente, 1945).

Analisando o seu trabalho, Jung disse: "Não sou levado por excessivo
otimismo nem sou tão amante dos ideais elevados, mas me interesso
simplesmente pelo destino do ser humano como indivíduo - aquela unidade
infinitesimal da qual depende o mundo e na qual, se estamos lendo
corretamente o significado da mensagem cristã, também Deus busca seu fim".
Ficou célebre a controvertida resposta que Jung deu, em 1959, a um
entrevistador da BBC que lhe perguntou: "O senhor acredita em Deus?" A
resposta foi: "Não tenho necessidade de crer em Deus. Eu o conheço".

Eis o que Freud afirmou do sistema de Jung: "Aquilo de que os suíços tinham
tanto orgulho nada mais era do que uma modificação da teoria psicanalítica,
obtida rejeitando o fator da sexualidade. Confesso que, desde o início, entendi
esse 'progresso' como adequação excessiva às exigências da atualidade". Ou
seja, para Freud, a teoria de Jung é uma corruptela de sua própria teoria,
simplificada diante das exigências moralistas da época. Não há nada mais
falso. Sabemos que foi Freud quem, algumas vezes, utilizou-se de alguns
conceitos de Jung, embora de forma mascarada, como podemos ver em sua
interpretação do caso do "Homem dos Lobos", notadamente no conceito de
atavismo na lembrança do coito. Já por seu turno, Jung nunca quis negar a
importância da sexualidade na vida psíquica, "embora Freud sustente
obstinadamente que eu a negue". Ele apenas "procurava estabelecer limites
para a desenfreada terminologia sobre o sexo, que vicia todas as discussões
sobre o psiquismo humano, e situar então a sexualidade em seu lugar mais
adequado. O senso comum voltará sempre ao fato de que a sexualidade
humana é apenas uma pulsão ligada aos instintos biofisiológicos e é apenas
uma das funções psicofisiológicas, embora, sem dúvida, muitíssimo importante
e de grande alcance".

Carl Gustav Jung morreu a 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, à
beira do lago de Zurique, em Küsnacht após uma longa vida produtiva, que
marcou - e tudo leva a crer que ainda marcará mais - a antropologia, a
sociologia e a psicologia.

Freud e Jung: Estudos Críticos


A fecunda e tumultuada amizade entre Freud e Jung, nas palavras de Paul
Roazen, é um dos marcos da história do pensamento e da cultura ocidental.

O rompimento dessa amizade entre os dois maiores cientistas e sábios do


século impediu a continuação de uma parceria que poderia ter contribuído
para um desenvolvimento ainda maior da ciência da psique e para o
alargamento dos horizontes de conhecimento da interioridade do homem.

Muito já se disse e se escreveu sobre o assunto. Mas não há conclusão que se


imponha de modo a silenciar a polêmica que se arrasta e prossegue entre os
discípulos menos avisados de cada um dos mestres.

Relacionamos a seguir textos que iluminam a questão, embora alguns dos


seus aspectos permaneçam obscuros e possivelmente nunca venham a ser
completamente elucidados. Talvez porque sejam manifestações cujas origens
estão fincadas nas mais abissais regiões do inconsciente dos protagonistas.
De qualquer sorte, talvez seja necessário àqueles que se propõem seguir as
orientações teóricas de Freud ou de Jung ou, ainda, de Freud e Jung -
mergulhar na história dessa turbulenta amizade e extrair as suas próprias
conclusões. É possível que esse mergulho termine por ser um encontro
pessoal de cada um com a sua própria verdade. Um confronto rico e saudável
com o seu inconsciente. Então, quem sabe, talvez tenhamos aprendido a lição
maior desses mestres segundo a qual pessoa alguma pode acompanhar ou
orientar uma jornada que ela mesmo não a tenha feito.

O confrontar-se com o inconsciente e o defrontar-se com a própria sombra


parece ser o exemplo maior de coragem pessoal e honestidade intelectual que
Freud e Jung legaram às gerações de estudiosos da alma humana que os
sucederam.

FONTES:
 AMIGOS ÍNTIMOS, RIVAIS PERIGOSOS - A turbulenta convivência de
Freud e Jung, Duane Schultz, Rio de Janeiro: Rocco, 1991 - 274 p.
 CORRESPONDÊNCIA COMPLETA DE SIGMUND FREUD E CARL G.
JUNG, William McGuire (org.), Rio de Janeiro: Imago, 1993 - 651 p.
 FREUD E JUNG - Anos de amizade, anos de perda, Linda Donn, Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1991 - 358 p.
 FREUD E A PSICANÁLISE, Carl Gustav Jung, Petrópolis: Vozes -
Volume IV das O.C.

Você também pode gostar