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Imprensa Angolana no Século XIX

Um Jornalismo de Combate
Pela Liberdade e Autonomia
ARTUR QUEIROZ

No livro História e Evolução da Imprensa Brasileira (Rio de


Janeiro, 1940), dos autores Licurgo Costa e Barros Vidal, é afirmado, na
sua página 15, que no século XVIII existia um prelo mecânico em Luanda
e outro em S. Salvador do Congo (Mbanza Congo). Vários estudiosos na
matéria, entre eles Júlio de Castro Lopo, investigaram documentos da
época e confirmaram a sua existência, nas duas cidades.
A oficina gráfica de Luanda existia na colegiada dos Jesuítas, no convento
por trás da Igreja da Nazaré e que existiu até finais do século XIX. Ficava
situado no espaço onde hoje começa o Eixo Viário.
Mais recentemente, em 1982, Laurence Hallewell publicou em
Londres uma obra sobre a História da Imprensa onde afirma que no século
XVI, chegaram as primeiras máquinas impressoras a África, pela mão dos
missionários portugueses, que as instalaram nos seus colégios da Ordem
dos Jesuítas, em Luanda e S. Salvador do Congo (Mbanza Congo). A arte
de imprimir chegou a Mbanza Congo na bagagem de dois mestres
tipógrafos germânicos. A “divina arte da imprimissão” atingiu um
desenvolvimento extraordinário, no Reino do Congo.

Os portugueses chegaram à foz do rio Zaire num momento em que a nobre


"arte da imprimissão" já estava muito desenvolvida no reino. D. Afonso V,
o Africano, recebeu informação da invenção de Gutenberg precisamente no
momento em que o mestre impressor abriu ao público a sua primeira
oficina. Portugal tinha fortes relações comerciais com Nuremberga donde
importava missangas, contas de vidro e artefactos em latão, que trocava por
ouro em África e mais tarde por pimenta no Oriente.

O Africano era um rei culto e por isso tinha uma importante biblioteca.
Quando soube que havia forma de copiar vários exemplares do mesmo
livro através da “divina arte da imprimissão”, tratou logo de contratar
mestres impressores germânicos que chegaram ao reino menos de cinco
anos depois de aberta ao público a oficina de Gutenberg.
A primeira tipografia e os mestres tipógrafos chegaram a Portugal através
do Colégio de Santa Cruz por intervenção directa do bispo de Coimbra, D.
João da Costa.

Os frades crúzios da colegiada de Santa Cruz tinham uma delegação em


Leiria onde existiam moinhos de água nos quais fabricavam papel. A
oficina de imprimissão e os mestres impressores de Nuremberga foram para
Leiria onde ensinaram a arte. Foi aqui que nasceram os famosos Cónegos
Tipógrafos, com quem D. Afonso V tinha relações privilegiadas.

Este rei português tinha posições dissonantes das correntes de pensamento


da nobreza da época. Escreveu ele: “a Ciência e sabedoria é tão precioso
dom que coisa alguma a ela pode ser comparada”. Reis e nobres de
Portugal e de toda a Europa, habitualmente não sabiam sequer ler e
escrever.

Mas o Africano foi mais longe e fundou uma livraria no seu Paço de
Alcáçova. Mais tarde, o soberano abriu o espaço real ao público, mas antes,
como descreve o Professor Joaquim de Carvalho, “adquiriu códices,
curando da sua instalação, estipendiando escrivães e iluminadores e
confiando a sua guarda e conservação ao historiador Gomes Eanes de
Azurara”. Estava criada em Portugal a primeira biblioteca pública.

E foi neste ambiente que no reinado seguinte, (D. João II) Diogo Cão
chegou à foz do Zaire e estabeleceu os primeiros contactos diplomáticos
com o reino do Congo.

Os soberanos congoleses eram senhores de um império onde florescia uma


civilização muito avançada para a época. Mas faltavam-lhes os livros e
uma língua escrita para difundir a sua cultura. Os portugueses, pioneiros na
arte da imprimissão e na produção industrial de livros, eram os parceiros
certos.

O Congo foi inundado de livros. E no reinado de D. Afonso I (Mbemba-a-


Nzinga) chegaram milhares de “cartinhas” ou cartilhas para ensinar as
crianças a ler e escrever. Claro que entre os milhares de livros se
encontravam catecismos para ensinar a fé cristã.

As primeiras “cartinhas” ou cartilhas de ABC impressas em Leiria


chegaram ao Congo e à Ásia em 1515, em pleno reinado de D. Afonso I, do
Congo. Mas ainda não foi desta vez que os portugueses enviaram para o
manicongo uma oficina de imprimir.
A primeira tipografia foi para a Etiópia precisamente no mesmo ano,
enviada pelo rei português, D. Manuel, ao Negus, o mítico Preste João das
Índias. O soberano português enviou uma biblioteca completa e entre os
volumes seguiam 2.500 cartilhas e 42 catecismos.

O objectivo era ensinar as crianças da Etiópia a ler e escrever português e


latim. As “cartilhas de ABC” foram igualmente enviadas para a escola de
Cochim, na Índia, para os meninos indianos aprenderem português.
Em 1982, Laurence Hallewell publicou em Londres uma obra sobre a
História da Imprensa onde confirma que no final do século XVI, chegaram
as primeiras máquinas impressoras a África, pela mão dos missionários
portugueses, que as instalaram nos seus colégios da Ordem dos Jesuítas, em
Luanda e S. Salvador do Congo (Mbanza Congo).

A primeira tipografia foi para a Etiópia, enviada por D. Manuel, em 1515.


A oficina de tipografia dos jesuítas chegou a Mbanza Congo alguns anos
depois. Mas antes, em 1490, foram de Portugal para o Congo dois mestres
impressores. Levavam na bagagem caixotes com tipos e caracteres. Essa
“embaixada” nada tinha a ver com os jesuítas, mas com os Cónegos
Tipógrafos de Leiria, pertencentes ao Colégio de Santa Cruz de Coimbra. E
é certo que começaram a imprimir cartilhas.

Só assim se justifica a existência de muitos padres e mestres de latim e


língua portuguesa, quando D. Afonso I do Congo (Mbemba-a-Nzinga)
ascendeu ao trono, em 1507.

O historiador português Damião de Góis dá nota de um avanço


extraordinário no sector da educação no reino do Congo. Textos históricos
do bispo de Silves ou do Cardeal Saraiva, que fizeram estudos profundos
sobre as relações entre portugueses e congoleses, confirmam essa realidade
e revelam novos elementos que ajudam a compreender o esplendor dessa
época no mais avançado império africano.

Damião de Góis escreve que “em 1504 foram enviados para o Congo
mestres de ler e escrever para que abrissem escolas onde instruíssem
meninos”. Na sua “Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel”, o historiador
refere que “aos principais a que encarregam destes negócios, mandou
entregar muitos livros de doutrina cristã”.

Jerónimo Munzer, no seu livro “Itinerários”, dá conta que em 1494 “em


Portugal verifiquei grande actividade cultural junto dos congoleses”. Esta
obra está escrita em latim, mas foi traduzida para português e publicada por
Basílio de Vasconcelos. É uma peça essencial para se compreenderem as
relações culturais entre Portugal e o reino do Congo.
Nas páginas da obra “Itinerários” é revelado um pormenor que retira aos
jesuítas portugueses a primazia da arte da imprimissão no Congo. Escreve
Munzer: “dois impressores alemães de Estrasburgo e Norlingen foram para
o Congo tentar fortuna”. Estes dois mestres trabalhavam com os crúzios em
Leiria. Já tinham feito escola e partiram para África carregados com
caixotes de tipos e todos os pertences necessários à “nobre arte da
imprimissão”.

Nas principais capitais da Europa da época ainda nem sequer se sonhava


com tipografias, já o Congo tinha uma oficina servida por dois mestres
alemães. Os europeus “resistiram” à imprensa porque a consideravam uma
arte demoníaca. A Inquisição, com o seu Tribunal do Santo Ofício,
encarregou-se de condenar à morte nas fogueiras ou a torturas e suplícios
todos os que vissem para lá dos ditames da Igreja de Roma.

O rei de França remou contra essa maré e declarou-a uma “arte divina”. D.
Manuel fez dos mestres tipógrafos cavaleiros da sua casa real. Mas a
desconfiança continuou, durante séculos.

A arte de imprimir é muito antiga. Os chineses imprimiam livros em fôrmas


(galés) de bronze. Pi-Shang, sábio do período Ching-Li (1041-1049)
imprimia livros em matrizes de barro cozido.

Em 1403, o rei da Coreia, Tai-Tsung, mandou fundir tipos de bronze. No


reino do Congo o bronze era um material conhecido há muitos anos. As
minas do Mavoio e do Bembe (Angola, província do Uíje) forneciam
abundante matéria-prima para o fabrico de artefactos em bronze, na época
uma liga nobre.

Os técnicos defendem que é pouco credível a existência de tipos em


bronze. Mas na arte e no artesanato congolês abundam miniaturas em
bronze. Os mestres tipógrafos alemães podem ter usado as técnicas dos
coreanos na impressão de livros, cartilhas e catecismos no reino do Congo,
mesmo antes do reinado de D. Afonso I (Mbemba-a-Nzinga).
As primeiras tipografias em Portugal começaram a trabalhar em 1474. Mas
antes já existia a imprensa e ainda antes a estampagem em papel. O
primeiro livro só é editado em 1494, em Braga, pelo mestre impressor
alemão João Gherlinc e tem o título “Breviarium Bracarense”.

Em 1492, D. Manuel enviou para o Congo vários sacerdotes negros que ele
tinha mandado educar desde crianças no Colégio de Santo Eloy, em Lisboa.
Garcia de Resende dá nota desse facto na sua obra histórica: “foram para o
Congo muitos frades e alguns deles bons letrados e com eles mandou El-
Rei muitos livros. Também para lá foram dois impressores alemães”.

Garcia de Resende refere que nesse ano (1492), na escola de Mbanza


Congo, “um negro natural da terra que sabia ler e escrever começava a
ensinar os moços da corte e os filhos dos grandes”.
O Colégio de Santo Eloy em Lisboa (ou dos Lóios) era, segundo Garcia de
Resende, “destinado aos magnatas das terras de além-mar, congoleses e
indianos fazerem os seus cursos”.

Os reis do Congo receberam de braços abertos os mestres de língua


portuguesa e de latim, os livros e as “cartinhas”. Mas queriam muito mais.
O processo foi rápido e quando D. Afonso I (Mbemba-a-Nzinga) subiu ao
trono, em 1507, acelerou. O rei do Congo era um homem culto e
considerado um latinista.

Cataldo Sículo, cronista de D. João II, escreve que nas escolas do Congo se
ensinava o latim. Damião de Góis confirma que o soberano “comentava
com fina graça e crítica os cinco livros das nossas Ordenações”. O rei de
Portugal tinha enviado ao seu homólogo as Ordenações Manuelinas, que D.
Afonso I (Mbemba-a-Nzinga) leu, comentou e criticou “com fina graça”.
Só um homem com profundos conhecimentos da língua portuguesa e do
latim podia ler e criticar as ordenações (leis régias).

Baltasar de Castro, cronista de D. Manuel, disse de D. Afonso I: “é mais


capaz de ensinar do que ser ensinado, porque o Senhor não faz outra coisa
que estudar e muitas vezes adormece sobre os livros”.

Rui Aguiar, mestre enviado por D. Manuel para o Congo, numa carta
remetida para o rei, pedia mais livros porque o manicongo “tem mais
necessidade de livraria do que doutras cousas”.

Em 1514, já existiam no reino do Congo escolas em Sundi ou Nsundi,


Bamba ou Mbamba, Bata ou Mbata e Pango ou Mpangu. Uma irmã do rei
ensinava meninas num colégio de Mbanza Congo. Os mestres eram todos
congoleses formados em Portugal nos Lóios e as cartilhas impressas nas
oficinas congolesas.

As cartilhas dessa época desapareceram ou apenas chegaram fragmentos


aos nossos dias. Catecismos ainda existem, tal como chegaram aos nossos
dias alguns livros da época, ainda que não tenham a chancela dos mestres
impressores do Congo. Mas o importante é que as máquinas de imprimir
chegaram a Luanda e a Mbanza Congo ainda no final do século XV. A
Europa só décadas ou mesmo séculos mais tarde aderiu à “nobre arte da
imprimissão”.

O REINO DOS JORNAIS

O primeiro órgão de Informação em Angola nasceu em meados do


Século XIX, foi o Boletim do Governo-Geral da Província de Angola e
começou a circular no dia 13 de Setembro de 1845, era governador Pedro
Alexandrino da Cunha, um oficial da Marinha de Guerra, que deixou obra
no campo cultural, na então colónia de Angola. A população de Luanda,
agradecida, mandou erigir-lhe uma estátua em bronze, no largo fronteiro ao
Palácio dos Correios. Foi apeada alguns meses antes de 11 de Novembro de
1975. Ficou lá a peanha esculpida em mármore do Namibe.
A imprensa oficial começou a ser montada em 1836, ano em que o
ministro das Colónias decretou que todas as “possessões ultramarinas”
tivessem a sua folha oficial para publicação de despachos, decretos e outros
documentos da Administração Pública. O prelo foi despachado de Lisboa,
ficou guardado num qualquer armazém do almoxerifado durante mais de
sete anos e só quando Pedro Alexandrino da Cunha desembarcou em
Luanda, o Boletim do Governo chegou ao público.
Angola foi a primeira colónia a ter uma folha oficial. No dia 13 de
Setembro de 1845, um sábado cheio de luz e sol, a Imprensa nasceu em
Angola. Era ainda a chamada “Imprensa Oficial”. Poucos anos mais tarde,
um punhado de intelectuais, animados pela ideia libertária e socialista,
criaram os alicerces da “Imprensa Livre” em oposição à folha emanada do
quartel-general do governador.
Pedro Alexandrino da Cunha tomou posse em 6 de Setembro de 1845
e no dia 13 do mesmo mês, era publicado o primeiro exemplar de um jornal
em Angola. É evidente que o novo governador, que substituíra Lourenço
Possolo, trazia ordens rigorosas para dar cumprimento ao despacho do
ministro das Colónias. Mas em Luanda existia uma oficina com um prelo
muito mais moderno, com tipos de excelente qualidade, operado por
oficiais tipógrafos. O armazém estava sempre cheio de papel com alta
qualidade e tintas de fino pigmento, tudo importado de Londres, na época o
centro mundial da Imprensa, onde se destacava o circunspecto “Times”.
Essa tipografia particular estava nas mãos erradas de um libertário
madeirense, deportado para Luanda “por crime revolucionário”. Era ele
Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo. O deportado era um intelectual e
homem de cultura. Assim que foi libertado das celas da fortaleza de S.
Miguel, logo dinamizou um grupo de teatro amador onde era actor
principal. Ele acrescentou ao seu nome verdadeiro, Pompeu de Carpo, mais
os nomes de Arsénio e Pompílio, nomes de personagens que ele havia
representado como actor amador.
A comunidade europeia em Luanda, na época, era muito pequena e
maioritariamente analfabeta. Até os oficiais das tropas de ocupação eram
analfabetos, porque nas leis de então, só o sargento-mor era obrigado a
saber ler e escrever. Os oficiais, muitos deles oriundos de famílias nobres,
não precisavam de se submeter à aprendizagem da leitura e da escrita.
Deportado mas longe da cela do presídio, Pompeu do Carpo começou a
trabalhar e em tempo de árvore das patacas fez fortuna rapidamente.
Dominava perfeitamente a língua inglesa e essa particularidade permitiu-
lhe iniciar uma bem-sucedida carreira de agente comercial, representando
as melhores casas de Londres. Foi esta relação que lhe permitiu adquirir um
moderno prelo mecânico e excelentes tipos. De Portugal importou os
mestres tipógrafos.
O prelo da Imprensa Nacional era de má qualidade e os tipos ainda
piores. O Boletim Oficial ressentia-se dessa debilidade técnica. Pompeu do
Carpo viu aí uma forma de adquirir a liberdade plena. Ofereceu a sua
oficina completa e trespassou para o Governo-Geral os mestres tipógrafos.
O governador de turno pagou-lhe, levantando a pena de degredo que
impendia sobre o libertário madeirense. Para mostrar o seu patriotismo ao
representante do rei de Portugal na terra, Pompeu do Carpo fez-se coronel
de segunda linha e chegou a comandar as guarnições do Bailundo e do Bié.
O Governo do Reino fez dele comendador. Mais livre para os negócios,
Pompeu do Carpo em breve era um dos homens mais ricos de Luanda. E
enquanto a sua maquinaria gráfica imprimia a folha oficial, ele já
congeminava com outros libertários a importação de mais prelos
mecânicos.
O governador mandou prender Pompeu do Carpo e o revolucionário
fez o percurso inverso, seguiu a ferros para a Metrópole. Chegado a Lisboa
foi encarcerado no castelo de S. Jorge. O libertário estava de novo a
conspirar e desta vez criando na sombra uma indústria gráfica para
imprimir jornais que proclamavam a liberdade de Imprensa e a autonomia
de Angola.
Pompeu do Carpo tinha muito dinheiro e em breve comprou a sua
liberdade. Em 1848, já estava em Londres a negociar com os seus parceiros
ingleses a construção de uma via-férrea entre Luanda e Kalumbo. O
comboio era na época um transporte moderno e revolucionário. No coração
da sociedade industrial, Pompeu do Carpo também comprou máquinas a
vapor para uma serração de madeiras, a instalar nas matas do rio Cuanza. E
encomendou aos engenheiros ingleses um projecto arrojado para canalizar
a água do Cuanza até Luanda.
Os seus sonhos foram atirados por terra pelo poder instituído, que lhe
moveu uma perseguição impiedosa até conseguir aniquilá-lo social e
economicamente. Em 1854, a Junta de Justiça de Luanda dava Pompeu do
Carpo como indigente. Mas enquanto não sucumbiu, ele escreveu e pôs a
circular na cidade de Luanda panfletos ácidos, textos de fino recorte
literário que demoliam o poder, o governador e a sua corte corrupta e
analfabeta. Pompeu do Carpo foi, nesta época, o mais temido dos
panfletários. Mas todos os intelectuais do seu tempo, europeus ou
africanos, eram terríveis polemistas e panfletários. Foi assim que nasceu a
Imprensa Angolana. Num clima panfletário e libertário.
O Boletim do Governo seguia os seus passos, distintamente impresso
na tipografia oferecida por Pompeu do Carpo. Em 1845, a folha oficial
dava uma notícia social. A Assembleia de Luanda, onde se juntava a alta
burguesia europeia e africana, ia dar um baile em homenagem ao
governador Pedro Alexandrino da Cunha. Mais tarde, publicava um
anúncio comercial. O comerciante Valentim José Pereira dava nota pública
de que era comprador de todas as folhas de tabaco que lhe aparecessem.
Em 1846, o Boletim Oficial dava a sua primeira notícia cultural. O Teatro
Providência, ali na Rua dos Mercadores, levava à cena a peça “O Fugitivo
da Bastilha”. Desde então, o Boletim Oficial passou a ser um verdadeiro
jornal, mas controlado pelo Governo-Geral. Por isso, os intelectuais da
época decidiram criar a Imprensa Livre, em oposição à Imprensa Oficial. E
não demorou muito tempo.

Em 1852, surgiu em Luanda o anuário Almanak Statistico da


Província d’Angola e suas Dependências. Nunca mais saiu qualquer
outro exemplar. Por esta publicação ficámos a saber que em Luanda, nesse
ano, existiam “74 negociantes e lojistas”. Nesta lista, sobressaía o nome de
uma senhora: Dona Ana Joaquina, de nome completo, Ana Joaquina dos
Santos e que mais tarde, pelo casamento, ganhou o sobrenome de Silva.
Em 1856, nasceu o “jornal literário e de entretenimento” A Aurora, mas
teve uma vida efémera. No dia 6 de Dezembro de 1866 começou a circular
em Luanda o primeiro jornal privado, com consistência e continuidade, que
teve como fundadores os advogados António Urbano Monteiro de Castro e
Alfredo Júlio Cortês Mântua. O título era A Civilização da África
Portuguesa e o subtítulo Semanário dedicado a tratar dos interesses
administrativos, económicos, agrícolas e industriais de Angola e S.
Tomé. Além dos dois advogados, o jornal teve ainda como fundadores João
Feliciano Pederneira, comerciante de Pungo Andongo, Feliciano da Silva
Oliveira, comerciante de Cambambe e Francisco António Pinheiro Bayão,
funcionário público, de Luanda.
O jornal entrou a matar e o governador-geral pediu autorização ao
ministro das Colónias para proceder ao seu encerramento. Urbano de
Castro e Mântua defendiam e apoiavam abertamente a guerra dos Dembos
contra a coroa portuguesa. Os feitos de Kazuangongo, o mais temível
guerreiro dembo, eram glorificados. No fundo, os dois polemistas eram
porta-vozes dos comerciantes de Luanda, que exigiam do governo o fim
das guerras de kwata-kwata, porque estavam a causar sérios prejuízos ao
comércio local e à permuta dos pombeiros.
A poderosa Associação Comercial de Luanda também pressionava o
governo no sentido de acabar com a guerra. Os comerciantes aceitavam de
bom grado pagar portagem aos Dembos na passagem para o reino do
Congo. O que eles queriam era negócio e nos Dembos existiam minas de
ouro! Ou pelo menos era essa a crença dos comerciantes.
O governador-geral desesperava com a falta de resposta da
Metrópole e Urbano de Castro destroçava o governador e os seus mais
próximos colaboradores.
O governador mandou uma última carta para Lisboa implorando ao
ministro que o autorizasse a encerrar o jornal – “uma folha facciosa e
turbulenta”, segundo o ofício - porque “publica artigos subversivos da
ordem pública” e provoca um “clima de anarquia total”. Um ano depois da
sua fundação, finalmente chegou a ordem de encerramento do jornal. A
polícia irrompeu pela Redacção e prendeu Urbano de Castro e Alfredo
Mântua. O prelo foi apreendido.
Segundo o insigne historiador Luandense Alberto de Lemos, Luanda
era nesta época território de aventureiros de todas as origens, militares
ociosos, chusmas de brasileiros, visionários, clérigos venais, missionários
sem missões e umas escassas dezenas de comerciantes. A comunidade
europeia nem sequer conseguia povoar o litoral. Para além de Luanda, os
outros centros importantes eram Benguela e Moçâmedes (Namibe), de
resto os únicos centros urbanos que tinham Poder Judicial instituído.
Luanda e Benguela eram cidades com uma percentagem muito elevada de
mestiços. Entre eles despontavam alguns dos que viriam a ser os grandes
jornalistas do último quartel do século XIX.
Urbano de Castro e Mântua não se renderam ao poder instituído e
com outros intelectuais da época partiram para novos projectos da
Imprensa Livre. Em 9 de Julho de 1870, nasceu O Mercantil, um jornal
com grande qualidade gráfica e com seis páginas! Na época, o usual eram
jornais com a primeira, a última e as páginas centrais. De vez em quando
era encartada uma quinta folha. E só excepcionalmente os jornais eram
compostos de oito páginas. Este periódico possuía prelo próprio, nas suas
oficinas da Rua Direita, ao Bungo.
O Mercantil fez época em Luanda. Urbano de Castro esteve ligado a
este jornal. O director e proprietário era José Pinto da Silva Rocha,
jornalista e publicista de grande mérito. O jornal já tinha uma estrutura
profissional, apesar do estilo panfletário e contestatário do poder instituído.
Neste jornal colaboraram figuras como Henrique de Carvalho (o general
que deu o nome a Saurimo) ou Lopes de Mendonça, um oficial da Marinha
de Guerra que no advento da República em Portugal foi autor da letra do
hino nacional português. Tinha correspondentes em Lisboa, Paris e na Baía,
Brasil. Na época Angola era uma espécie de colónia brasileira. De Luanda,
Sumbe e Benguela partiam quase diariamente veleiros carregados de
escravos.
Silva Rocha fez, indubitavelmente, o melhor jornal da época da
Imprensa Livre. Mas as suas posições contestatárias despertaram a fúria do
governador que mandou o comandante da polícia de Luanda encerrar o
jornal e apreender o prelo mecânico. O Mercantil tinha o apoio da
Associação Comercial de Luanda e numa longa exposição ao ministro das
Colónias, foi pedido o levantamento da interdição do jornal.
O ministro, Andrade Corvo, em 12 de Abril de 1873, ordenou o
levantamento da interdição e O Mercantil voltou de novo ao convívio dos
leitores. Mas durante o tempo de suspensão, Silva Rocha usou de um
expediente notável. Lançou o jornal Notícias de Loanda, com o subtítulo
Á Sahida do Bengo (sic) exactamente igual ao jornal O Mercantil. E
quando a suspensão foi levantada, o director do jornal editou uma revista
“para compensar os assinantes”. A publicação tinha 60 páginas, com uma
paginação arrojada para a época, obra do próprio Silva Rocha.
O governador-geral perseguiu pessoalmente Silva Rocha e só largou
a preza quando ele já estava depauperado economicamente e crivado de
dívidas. Para o escândalo não ser grande, o governo ofereceu-lhe o cargo de
administrador numa aldeia perto do Lobito, Jixitu, hoje conhecida como
Egito Praia e lá morreu sozinho e amargurado.
Em 18 de Setembro de 1867 nasceu o jornal semanário O
Commercio de Loanda, também com tipografia própria. Urbano de Castro
e seu companheiro Alfredo Mântua foram atacados violentamente neste
jornal, propriedade de José Mendes Affonso, presidente do Tribunal da
Relação de Luanda e que, por força do seu cargo oficial, não podia dar a
cara. O magistrado era apontado pelos dois polemistas como venal e
corrupto. Em 1872, surgiu mais um anuário, o Almanach Popular. Só saiu
o primeiro número. Em 1873, nasceu o semanário Cruzeiro do Sul. Este
jornal, onde pontificava o padre Castanheira Neves e o inevitável Urbano
de Castro, já teve como fundadores jornalistas africanos. Em 1882, nasceu
o semanário A União Africo-Portuguesa, ainda sob o génio e a influência
de Urbano de Castro.
Quem era este jornalista? Foi escrivão de Direito e advogado. Mas
destacou-se como jornalista, panfletário e polemista. A sua pena era letal.
Chegou a ser vereador da Câmara de Luanda, pese embora as suas opções
políticas libertárias. Traduziu textos do alemão e do inglês para português.
Os comerciantes do Dondo, detentores da companhia de vapores do Cuanza
que navegavam entre Luanda e o interior, ofereceram-lhe uma pena de ouro
cravejada de brilhantes, por relevantes serviços prestados à causa do
comércio. Pinheiro Chagas e Oliveira Martins, grandes jornalistas,
escritores e políticos da Metrópole, renderam-lhe as suas homenagens.
Nada mais se pode dizer de um jornalista brilhante, pioneiro da Imprensa
Livre em Angola.
Alfredo Troni foi um excelente seguidor dos combates de Urbano de
Castro e Alfredo Mântua, os dois pioneiros da Imprensa Livre. Advogado,
jornalista e cronista brilhante, veio de Coimbra para Luanda servir o Poder
Judicial. Mas em breve se rebelou contra o governador e sua corte. Alfredo
Troni, em 7 de Julho de 1878, fundou o Jornal de Loanda, com tipografia
própria e sede na Rua Diogo Cão. O governador-geral foi vítima da sua
pena brilhante. E quando Troni, pelos seus afazeres de advogado, teve de se
ausentar da trincheira do jornal, contratou um jornalista de primeira água,
Ladislau Batalha, na época, um dos mais brilhantes arautos do socialismo.
Batalha, que tinha um espírito aventureiro, estava em S. Tomé a tirar
notas para um romance quando recebeu o convite de Alfredo Troni. Ele
embarcou de imediato na célebre barca a vapor Flor de Loanda e
desembarcou em Angola mais morto que vivo. Troni alojou-o numa pensão
de luxo e no dia seguinte Ladislau Batalha começou a zurzir no governador
e em todos os que se opunham às ideias socialistas de Alfredo Troni ou aos
seus numerosos negócios. Um dia Ladislau Batalha desapareceu. Perdeu-se
de amores por uma senhora negra e foi com ela para o interior de Angola.
Apareceu anos mais tarde em Lisboa e escreveu em livro as suas memórias
e aventuras africanas. Um livro delicioso!
Alfredo Troni perdeu o seu Jornal de Loanda mas não cruzou os
braços. Em 1888, da sua tipografia privada saía o celebérrimo jornal
Mukuarimi (o maldizente?). As oficinas gráficas do Bungo passaram a
chamar-se Typographia do Mukuarimi. O jornal seguiu o seu caminho
sem Ladislau Batalha e Troni teve que puxar das pistolas de ouro e mostrar
quanto valia como jornalista e cronista. Esta série é a que melhor revela o
talento e a arte daquele que foi um dos maiores cronistas de sempre da
Imprensa Angolana e um dos mais notáveis de língua portuguesa.
No ano de 1872, a Maçonaria instalou-se em Angola, primeiro em
Luanda e logo a seguir na vila da Catumbela. Pouco tempo depois esta loja
maçónica transferiu-se para Benguela onde fez obra de grande vulto.
A Maçonaria também teve os seus jornais de combate. O mais
importante de todos foi A Defeza de Angola (1903), um bi-semanário,
servido por jornalistas profissionais que se deslocaram de Portugal para
Luanda. O jornal tinha tipografia própria de grande qualidade, comprada
por subscrição pública. O comerciante Farinha Leitão foi um dos que mais
se destacou na criação de condições para o apetrechamento gráfico do
jornal. A este comerciante se deve também a construção do Palácio do
Comércio, a maior obra privada da época e onde hoje está instalado o
Ministério das Relações Exteriores.
Angola teve dezenas de periódicos entre 1850 e o final do Século
XIX. Vale a pena conhecer a lista completa, porque ela revela que a colónia
neste aspecto era mais forte do que a potência colonial. Publicações de
Imprensa em Luanda: Boletim do Governo-Geral da Província de Angola
(1845), Almanak Statistico da Província d’Angola e suas Dependências
(1852), A Aurora (1856), A Civilização da África Portuguesa (1866), O
Commercio de Loanda (1867), O Mercantil (1870), Almanach Popular
(1872), O Cruzeiro do Sul (1873), O Meteoro (1873), Correspondência de
Angola (1875), Jornal de Loanda (1878), Noticiário de Angola (1880),
Boletim da Sociedade Propagadora de Conhecimentos Geographico-
africanos de Loanda (1881), Gazeta de Angola (1881), O Echo de Angola
(1881), A Verdade (1882), O Futuro d’Angola (1882), A União Africo-
Portugueza (1882), O Ultramar (1882), O Pharol do Povo (1883), O Raio
(1884), O Bisnagas (1884), O Arauto dos Concelhos (1886), A Tesourinha
(1886), O Serão (1886), O Rei Guilherme (1886), O Progresso d’Angola
(1887), O Exército Ultramarino (1887), O Imparcial (1888), O Foguete
(1888), Mukuarimi (1888), Arauto Africano (1889), Nuen’exi (1889), O
Desastre (1889), Correio de Loanda (1890), O Chicote (1890), O Polícia
Africano (1890), Os Concelhos de Leste (1891), Notícias de Angola
(1891), Commercio d’Angola (1892), A Província (1893), O Imparcial
(1894), o Independente (1894), Bofetadas (1894), Propaganda Colonial
(1896), O Santelmo (1896), Revista de Loanda (1896), Propaganda
Angolense (1897), A Folha de Loanda (1899).
Em Benguela: O Progresso (1870) e A Semana (1893).
Em Moçâmedes (Namibe): Jornal de Mossamedes (1881), Almanach
de Mossamedes (1884), O Sul d’Angola (1892), A Tesoura (1892), A
Tesourinha (1892) e A Bofetada (1893).
Na Catumbela: A Ventosa (1886).
No Ambriz: A Africana (1893).
Angola, no século XIX tinha 59 jornais. Em Luanda foram editados
49, seis em Moçâmedes (Namibe), dois em Benguela e um no Ambriz.

Em todos os jornais da época existiam jornalistas africanos, até


porque os filhos da burguesia negra caprichavam no domínio da língua
portuguesa e quase todos tinham estudos primários e secundários quando
não universitários. Entre os jornalistas africanos negros do século XIX
merecem destaque alguns nomes, porque eles foram os melhores do seu
tempo, os primeiros entre os seus pares, fossem africanos ou de origem
europeia. Foram eles João da Ressurreição Arantes Braga, cuja família deu
origem ao famoso muceque Braga, lugar de infância de Luandino Vieira e
que ficava onde é hoje o bairro do Café e tinha como fronteira a Norte o
local onde foi edificada a igreja Sagrada Família; José de Fontes Pereira,
Pedro da Paixão Franco, Sant’Anna Palma e Augusto Bastos.
O jornal Echo de Angola (12 Novembro de 1881) foi o primeiro
jornal exclusivamente propriedade de angolanos e cuja Redacção era
composta também por jornalistas africanos negros. Entre os seus redactores
estava José de Fontes Pereira, justamente considerado um mestre do
jornalismo luandense do último quartel do século XIX. Quando faleceu, era
o decano dos jornalistas angolanos. Sant’Anna Palma, outro jornalista
negro, no seu elogio fúnebre, considerou-o o melhor entre os melhores.
José de Fontes Pereira recusou o clima panfletário da época, as polémicas e
fez um jornalismo inteligente e sóbrio. Colaborou em várias publicações de
Urbano de Castro, mas deu sempre uma nota de sobriedade, rigor e grande
profissionalismo. Também foi um dos mais valiosos colaboradores do
jornal O Mercantil, considerado unanimemente como o melhor jornal da
fase da Imprensa Livre.
Como advogado defendeu os direitos fundamentais de africanos e
europeus. Desencadeou na Imprensa campanhas contra o alcoolismo. Foi
um defensor fervoroso dos bons costumes e da cultura. Quando faleceu em
Luanda, a 3 de Maio de 1891 (foi sepultado a 4 de Maio no Cemitério do
Alto das Cruzes) o jornal O Desastre, concorrente e adversário do Echo de
Angola dedicou um suplemento de duas páginas (num total de quatro
páginas que tinha o jornal) a José de Fontes Pereira. Num artigo assinado
pelo jornalista negro Mamede de Sant’Anna e Palma, director e
proprietário do jornal. O decano dos jornalistas angolanos foi considerado
um “verdadeiro mestre”.
Uma notícia da época dizia que “o enterro teve lugar no dia 4, às
cinco horas da tarde tendo saído o préstito da Rua D. Miguel de Mello
(casa do capitão Pedro de Sousa) para a igreja do Carmo, onde foi
encomendado o cadáver”.
Arantes Braga, um angolano negro, é fundador do jornal Pharol do
Povo, subtítulo Folha Republicana. Foi o primeiro jornal de Angola que
em plena monarquia, numa fase de tremenda repressão, se declarou
defensor dos ideais republicanos. É considerado o mais arguto jornalista
africano na produção de jornalismo político.
Pedro da Paixão Franco foi o mais mediático de todos os jornalistas
africanos negros do século XIX. Além de jornalista, foi escritor de mérito,
deixando a obra em dois volumes, História de uma Traição. Colaborou
em praticamente todos os grandes jornais portugueses da época, assinando
artigos despachados de Luanda, muito apreciados pelo público leitor. Além
de jornalista e escritor, Pedro da Paixão Franco foi funcionário dos
Caminhos-de-Ferro de Malanje. A sua certidão de óbito diz que morreu de
pneumonia. Mas Pedro da Paixão Franco terá sido envenenado por uma
bela senhora africana que o seduziu e chamou para uma armadilha. Antes
de morrer ainda teve tempo de revelar com quem esteve e o que comeu e
bebeu em casa dessa senhora.
O livro História de uma Traição era muito crítico de algumas
famílias tradicionais negras. Mas Pedro Paixão Franco era também oriundo
de famílias da burguesia negra. Sua mãe era Maria Francisca de Assis e seu
pai Pedro da Paixão Franco. Ambos pertenciam à alta burguesia da época.
Ao escrever o livro assinou a sua sentença de morte. A obra, em dois
volumes, foi despachada do Porto (onde foi composta e impressa nas
oficinas do jornal O Primeiro de Janeiro) para Luanda. Quando o caixote
com os volumes estava na Alfândega, desapareceu e ao que se sabe, foi
queimado. Sobraram alguns exemplares que Pedro da Paixão Franco
recebera na mala do correio. Nos anos 50 do século XX o povo ainda
cantava canções em kimbundu de homenagem a Pedro da Paixão Franco.
Este jornalista é fundador do Semanário Angolense (1907).

A história do jornalismo Angolano do século XIX encerra com duas figuras


ímpares: Augusto Bastos, de Benguela e Júlio Lobato, de Luanda. Augusto
Bastos era filho de uma negra do Libolo e de um comerciante português.
Os seus dotes de inteligência levaram o pai a enviá-lo para Portugal, onde
fez estudos secundários. Quando se matriculou na Faculdade de Medicina
de Lisboa o pai faleceu e ele ficou sem recursos financeiros para continuar
em Portugal. Nos últimos anos do século XIX já era um dos jovens talentos
do jornalismo angolano.
Júlio Lobato era igualmente um jovem e talentoso jornalista que
começou a sua carreira profissional na Imprensa Livre do último quartel do
século XIX. Explodiu nos primeiros anos do século XX e em 1908 fundou
o jornal A Voz de Angola que tinha como legenda: Libertando pela Paz;
Igualando pela Justiça; Progredindo pela Autonomia. Este jornal tinha
um contrato com a agência Reuter e publicava todas as semanas noticiário
de Londres. Pela primeira vez um jornal de Angola assumia em subtítulo
que era defensor da autonomia de Angola. A repressão caiu sobre Lobato e
o seu jornal, mas a semente ficou.

UM ANGOLANO PRODIGIOSO
Augusto Bastos, no final do século XIX, deu impulso decisivo à

angolanidade na Imprensa, nas Artes Plásticas, na Música e na Literatura.

Foi um dos mais ilustres angolanos de sempre. Era ao mesmo tempo

jornalista e homem de letras, filólogo, historiador, etnólogo, compositor,

pianista, artista plástico e o mais brilhante advogado e político do seu

tempo. As suas ideias libertárias estiveram na base das revoltas do Seles e

Amboim, tendo sido preso pela polícia na sua casa de Benguela, no dia 2

de Junho de 1917, de madrugada, sob a acusação de ser o líder do

movimento. A figura de Augusto Bastos foi enaltecida numa obra de

Geraldo Bessa Victor, um dos percursores do Movimento Vamos

Descobrir Angola, e numa nótula histórica de Alberto de Lemos, grande

historiador angolano. Era filho de um abastado comerciante português

estabelecido na cidade de S. Filipe, Manoel Thadeu Pereira Bastos, e “da

preta Laureana”, cuja ascendência se desconhece, mas que era oriunda do

Seles.

Augusto Bastos nasceu em Benguela, no dia 16 de Setembro de 1873. Pelo

menos é essa a data que consta na lápide colocada na campa rasa onde está

sepultado, em Benguela. Mas Geraldo Bessa Victor, que tinha laços

familiares com essa grande figura da nossa História, afirma que ele nasceu

em 16 de Agosto de 1872. A data da sua morte não oferece dúvidas. Morreu

no dia 10 de Abril de 1936, fulminado por um ataque cardíaco, na sua casa

de Benguela. O jornal “O Intransigente”, de Gastão Vinagre, publica um


obituário pungente onde é referido que morreu um dos mais ilustres

angolanos de sempre.

A biografia traçada por Alberto de Lemos refere que Augusto Bastos “foi

dos mais ilustres filhos de Angola que, na última década do século passado

(Sec. XIX) até ao primeiro quartel deste (Sec. XX), aqui, neste meio

africano, ingrato e hostil, mais se distinguiu”. O grande historiador, que

assina uma “História de Angola” (1932) das mais probas e honestas sobre a

chegada dos portugueses à foz do rio Zaire e a ocupação colonial, tinha

inteira razão.

Augusto Bastos ainda criança revelou ser um menino-prodígio. O pai não

perdeu tempo e enviou-o para Lisboa, onde fez os estudos primários,

secundários e os preparatórios para a Universidade, tendo-se matriculado

no curso de Medicina. Mas a morte do pai obrigou-o a abandonar a carreira

estudantil e regressou a Benguela para tomar conta dos negócios da família.

Em Lisboa, como todos os meninos ricos da época, aprendeu música,

pintura e línguas. Teve uma professora de piano e aulas de canto. Falava e

escrevia correctamente o francês. Com um mestre particular, aprendeu

Belas Artes. Apesar de muito jovem, frequentava todas as instituições

culturais e científicas da época. Foi um destacado aluno de Matemática e a

paixão por essa ciência acompanhou-o até ao fim dos seus dias.

O cientista francês Camile Flammarion publicou estudos matemáticos

sobre o Cometa Halley. Augusto Bastos, que era correspondente em Angola


e sócio de várias instituições científicas, analisou os cálculos e descobriu

que estavam errados. Através da Sociedade de Geografia de Lisboa, da qual

era membro, fez chegar ao cientista francês a correcção dos erros que

cometeu. Camile Flammarion enviou-lhe uma carta a aceitar os erros e a

agradecer-lhe as correcções.

Nessa altura, Augusto Bastos era um jornalista que impôs um estilo no

jornalismo angolano e um escritor notável. Este episódio teve grande

repercussão na época porque circulava uma espécie de lenda, segundo a

qual Augusto Bastos era apresentado como alguém que apenas tinha a

“quarta classe”, o que de resto é referido em muitos documentos da época e

sobretudo em notícias de jornais. Na verdade, ele teve uma esmeradíssima

educação, que lhe foi dada por alguns dos melhores professores que davam

aulas particulares em Lisboa, no último quartel do século XIX, e que lhe

transmitiram os ideais liberais, republicanos e até libertários.

LITERATURA POLICIAL

Augusto Bastos regressou a Benguela quando tinha 17 anos e pouco depois

começou a revelar a sua escrita magnífica em folhetins publicados nos

principais jornais de Luanda, Lisboa e Porto. Em apenas cinco anos, impôs

o seu estilo único, numa prosa perfeita, muito incisiva e impregnada de um

humor contagiante. Durante uma década, os seus textos eram disputados


pelos melhores jornais de Luanda e de Benguela. Sem nunca abandonar

completamente o jornalismo, começou a dedicar-se, com grande sucesso, à

literatura. As suas crónicas, muito poéticas, já indiciavam o nascimento de

um grande escritor angolano.

E nasceu mesmo, numa vertente surpreendente. Augusto Bastos foi o

primeiro angolano a escrever uma obra no género policial. O título é

“Aventuras Policiais do Repórter Zimbro” e foram publicadas seis novelas

além de dezenas de folhetins. São ficções muito raras, escritas numa prosa

enxuta e ao mesmo tempo de uma imaginação delirante. E sempre, como

fio condutor, o finíssimo humor dos benguelenses, traço que nada nem

ninguém conseguiu apagar até hoje.

Para que ninguém tenha a tentação de ligar o “Repórter Zimbro” ao

“Repórter X”, do português Reinaldo Ferreira, o prodigioso jornalista

português nasceu em 1897, quando Augusto Bastos já era o mais notável

jornalista angolano da sua época. A haver afinidades, foi Reinaldo Ferreira

que lhe seguiu os passos.

Além desta obra fez o que todos os grandes escritores faziam na época,

folhetins no jornal O Lobito, novelas em fascículos para toda a imprensa

da época e muitas crónicas. Já se sabe que a crónica angolana está muito

mais próxima da literatura do que do jornalismo.

Augusto Bastos é autor de outros livros muito raros, mas que ainda se

encontram nos alfarrabistas de Lisboa: “O Caçador de Leões” (1917),


“Debaixo de um Búfalo” (1919), dois fascículos que foram publicados sob

o título genérico “A Vida nas Selvas”. Há um terceiro fascículo, “A

Vingança e o Fim de um Escravo”, que desapareceu, até dos alfarrabistas.

O mais importante da obra de Augusto Bastos está nas áreas da filologia e

da etnografia. Deixou-nos um compêndio de umbundu, que na época era

chamado de “kimbundu de Benguela”. Mais uma obra perdida. Mas na

Sociedade de Geografia de Lisboa estão depositados o “Novo Método da

Língua Bunda do Distrito de Benguela”, a “Monografia de Catumbela” e a

sua obra mais notável, “Traços Gerais sobre a Etnografia do Distrito de

Benguela”, de 1909. Neste livro, Augusto Bastos inclui os seguintes

capítulos: da pronúncia e ortografia do umbundu, povos, governo político,

organização guerreira, direitos civis, julgamento dos crimes e delitos,

recursos económicos, principais cerimónias, crenças e superstições, usos e

linguagem.

Estudar esta obra é conhecer Benguela e o espírito indomável dos

benguelenses.

MÚSICO E PINTOR

Augusto Bastos era um exímio pianista e um compositor de elevado mérito.

Compôs sinfonias, cançonetas (muitas) e valsas, com destaque para o

famoso poema sinfónico “As Furnas do Lobito”. A Benguela do seu tempo


era um farol cultural. E Augusto Bastos pontificava nos saraus, tocando

piano, declamando poemas, fazendo conferências de improviso. A sua obra

musical é desconhecida do público. Geraldo Bessa Victor diz que ele era

um pianista excepcional e um compositor invulgar. Geraldo Bessa Victor

dá-nos conta que entre inúmeras telas de sua autoria, se destacam os

retratos de Teófilo Braga e António José de Almeida, dois visionários que

defenderam e lutaram pelos ideais da República em Portugal.

INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA

Em 1928, o alto-comissário de Angola, Norton de Matos, deu a Augusto

Bastos a missão de criar o Arquivo Histórico de Angola. Foi o seu último

trabalho de grande fôlego, mal remunerado e nada respeitado. Porque

quando o alto-comissário foi substituído, o novo governador desvalorizou o

trabalho. Mas Augusto Bastos já tinha inventariado e catalogado mais de

dois mil processos. O trabalho foi metido numa cave, longe do palácio,

abandonado aos ratos e à salalé. Anos mais tarde, o que restou desta

preciosa documentação foi para o Museu de Angola, hoje Museu de

História Natural. Alberto de Lemos, a propósito desta catástrofe cultural,

escreve na biografia de Augusto Bastos: “o que se pôde salvar do tremendo

naufrágio está hoje recolhido com carinho no Museu de Angola”. Enquanto

fazia o trabalho de investigação, Augusto Bastos produziu um manuscrito


com toda a bibliografia angolana, desde que foi instalada a imprensa em

Angola. As bibliotecas municipais de Luanda e de Benguela, duas casas de

cultura de importância excepcional, tinham cópias do manuscrito. O

original esteve em posse de Alberto de Lemos, que o depositou no Museu

de Angola.

As autoridades que guardam o espólio de Augusto Bastos fazem um

relevantíssimo serviço à cultura angolana se publicarem o manuscrito.

INTELECTUAL REVOLUCIONÁRIO

Augusto Bastos era um homem de esquerda, republicano e socialista. Em

Benguela foi sempre um líder político, tendo sido presidente da Câmara

Municipal. No seu mandato, as ruas foram arborizadas e foram criados

inúmeros espaços verdes. Foi com ele que nasceu a Cidade das Acácias

Rubras. Sendo um homem da “kuribeka” (maçonaria), durante a sua

presidência foram abertas escolas e garantida a saúde pública. Um dia o

governador-geral demitiu-o porque temia a sua influência entre “os

nativos”.

O seu passado de revolucionário fez com que o regime colonialista o

olhasse com desconfiança. No dia 2 de Junho de 1917, de madrugada, a

polícia assaltou a sua casa e levou-o preso, sob a acusação de ser o líder da

revolução do Seles e Amboim. Com ele foram presos outros intelectuais


benguelenses. Mas como a revolta estava a atingir Benguela, o governador

teve de libertá-lo.

Neste período e ao mesmo tempo, rebentaram as revoluções do Libolo,

Lucala e Dala Tando (Ndalatando). Os intelectuais do Norte, António de

Assis Júnior, Domingos Van-Dúnem, Filipe de Melo, Pedro Duarte e José

Fontoura, todos ligados ao Jornalismo e à Literatura foram presos,

torturados e levados para Luanda amarrados. As autoridades colonialistas

estavam a decapitar as elites africanas, para evitar que a revolta alastrasse.

Mas a angolanidade estava a atingir um nível de tal forma elevado que um

punhado de intelectuais lançou no final dos anos 40 do século XX o

Movimento Vamos Descobrir Angola, bandeira que conduziu à

Independência Nacional. Uma revolução de poetas, contistas, romancistas,

músicos e artistas plásticos, desembocou na Independência Nacional, em

11 de Novembro de 1975, um século depois de José da Silva Maia Ferreira

e outros intelectuais lançaram na Imprensa Oficial e na Imprensa Livre as

sementes da angolanidade.

Augusto Bastos fez estudos profundos do umbundu. Ao mesmo tempo,

Héli Chatelain, missionário suíço, preparava em Luanda a primeira

gramática de Kimbundu. Inclusive lançou uma publicação totalmente

redigida nesta língua nacional. Se tivermos em conta que as línguas

africanas de Angola, quando os portugueses chegaram à foz do rio Zaire,

eram ágrafas (nenhuma tinha grafia), é forçoso reconhecer que Bastos e


Chatelain deram um contributo inestimável ao desenvolvimento da

angolanidade.

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