Você está na página 1de 73

Contextualização

4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira I Auto da Feira


Leitura I Educação Literária I Escrita dos autc

1. Lê os textos seguintes, em que se retrata a época em que Gil Vicente viveu. rio da co
dos autos das três Barcas, evidenciando assim o desregramento social dominante sob o desejo de Impé- "Sétima
Vicente,
Um tempo de prosperidade como
20 Pi
represe9
Iniciada no reinado de D. João I a política de expansão ultramarina, que viria a cul-
deumid
minar, económica e geograficamente, com a fundação da feitoria' de São Jorge da Mina
Éu
(1482) e a ultrapassagem do cabo da Boa Esperança (1487) no reinado de D. João II e, no
poro de
de D. Manuel, com o descobrimento do caminho marítimo para a Índia (1498) e do Bra-
25 ri-se des
s sil (1500), Portugal tornara-se, numa Europa a que a Renascença e a Reforma estavam
tado na I

mudando a face, no elo de ligação entre o mundo antigo e o mundo novo. À corte de quer na
D. Manuel afluíam por igual fidalgos e burgue-
parecem
ses, uns e outros deslumbrados pela miragem do
Oriente. O país vivia, então, um dos períodos
exempl
10 mais florescentes e prósperos da sua história,
30 os frade
prenhe todavia de contradições. Essas contradi- preciso
ções viriam a exacerbar-se [ ... ]. país que
Gil Vicente [ ... ] participou em cheio dessa nhoma
1. feitoria:
época, das suas grandezas e das suas misérias, do e
15 que nela se vinculava ainda ao passado e do que 3. desemba

ao futuro tendia, assumindo na sua obra, como 1.1.


Ç"
nenhum outro autor do seu tempo, as respetivas
contradições.
rio da corte de Luiz Francisco Rebello, História do Teatro Português (2." ed.),
Panorâmica de Lisboa na primeira metade do séc. XVI
D. - pormenor do fólio iluminado, atribuído a António de Holanda, Manuel e o Lisboa, Europa-América, 1972 [pp. 28-29, com supressões]

da Chronica de D. Afonso Henriques, de Duarte Galvão eclesiatismo burocrático de D. João I1I, mostrando um país já longe
da
"Sétima Idade do A sociedade na época de Gil Vicente
Mundo" dos tempos de
Com Gil Vicente, o povo entra na história da literatura, a arraia-miúda lisboeta das
Leitura I Educação Literária
mL8.1. Selecionar criteriosamente in-
crónicas de D. Fernando e D. João I de Fernão Lopes, o povo manhoso e generoso, hipó-
formação relevante. crita e honesto, traidor e leal, avarento e bondoso, cúpido e casto, pobre e rico, humilde
L8.2. Elaborar tópicos que sistemati- e rezingão, identificado com os mercadores, os labregos das aldeolas, as raparigas casa-
zem as ideias-chave do texto, organi-
zando-os sequencialmente. s doiras, os velhos luxuriosos, as viúvas pobres dos marinheiros das Índias, os bebedolas
EL 16.1. Reconhecer a contextualiza-
ção histórico-literária nos casos pre- sem eira nem beira, os fidalgos poltrões, as mexeriqueiras de bairro, as casamenteiras de
vistos no Programa.
verruga no queixo, os frades lúbricos", os desembargadores" corruptos, os judeus ava-
D. João I / Nuno rentos. Todos, como tipos sociais, possuem representação nos autos e farsas de Gil Vi-
Antônio de Holanda cente, encenados para a Corte como o grande fresco social e psicológico do povo portu-
(e. 1480/1500 - e. 1571)
10 guês do século XVI. Prolongamento do teatro devoto e moral medieval, acrescido de
· Miniaturista e iluminador
de desta- inéditas e inúmeras personagens profanas e populares e de novas e coevas situações
cada importância na corte de D. Ma-
nuel, provavelmente nascido nos sociais, Gil Vicente faz representar o novo Portugal Quinhentista, tão devoto na fé
Países Baixos quanto hipócrita e simulado nas relações sociais, tão moralista nos costumes públicos
· Principais obras:
iluminuras do Livro quanto devasso nos privados, governado menos pelo ardor da fé e mais pelo interesse
de Horas de D. Manuel, da Genealo-
gia dos Reis de Portugal e da Genea- 15 do dinheiro. Medievalmente, Gil Vicente estende a moralidade católica às personagens

146dos Condes da Feira


logio

Álvares Pereira. A obra dramatúrgica de Gil


Vicente, mais do que reflexo de uma crise histórica de valores de proveniência medieval, constitui-se
20 como perfeito retrato desta, tanto ostentando o esqueleto de um moralismo católico medieval quanto

representando as múltiplas e desvairadas gentes da cosmopolita Lisboa Quinhentista unidas pela falta
de um ideal nacional que lhes fosse maior. [ ... ]
É um Portugal solto, desregrado, cheirando alarvemente a dinheiro, os ricos por o terem, os pobres
por o desejarem, todos por nas Índias o espreitarem, as ocidentais e as orientais. Nas farsas, Gil Vicente
25 ri-se desse Portugal novo-rico, pagão (judeus, velhas casamenteiras aparentadas de bruxas), represen-

tado na corte - e a corte inteira ria dos broncos caricaturados pelo autor, concordando que quer na rua
quer na fidalguia dominava a omnipotência do dinheiro e o desvirtuamento da moral católica. De todos,
parecendo lamentar-se, ria-se mestre Gil, remedando" frades, fidalgos, mercadores, pregando pelo
exemplo teatral uma tolerância que não ganhará eco no Portugal de D. João 111. Não lhe bastará criticar
lO os frades místicos que em Santarém culpavam a comunidade judaica pelo surto de um terramoto, era
preciso evidenciar que o fanatismo é irmão siamês da ignorância e ambos concorrem para espelhar um
país que a si próprio se começa a amaldiçoar, confundindo realização espiritual (a descoberta do cami-
nho marítimo para a Índia, a descoberta do Brasil. .. ) com sucesso financeiro imediato.
Miguel Real, Introdução à Cultura Portuguesa. Lisboa, Planeta, 2011 [pp. 91-92, com supressões]

l.Jeitoria: entreposto comercial, estabelecido, em geral, em zonas costeiras, como local de comércio. 2.lúbricos: que tendem para a luxúria; lascivos.
3. desembargadores: juízes. 4. remedando: imitando .

. /~ 1.1. Copia °
esquema abaixo para o teu caderno e completa-o, de acordo com a informa-
ção apresentada nos textos.
1.1. a. Desenvolvimento da econo-
mia com base na expansão ultramari-
Portugal na primeira metade do século XVI na; procura de lucro no Oriente por
parte das classes sociais mais eleva-
das; clima de prosperidade.
b. Expansão ultramarina com novos
domínios geográficos (São Jorge da

a
lJr-- b•• ___________J
Mina, cabo da Boa Esperança, fndia,
Prosperidade e expansão Brasil); estatuto mediador de Portu-
gal entre a Europa e o Novo Mundo.

[_'cooó_mica
3. Hipocrisia social.
4. Devassidão em privado.

[ Geográfica _.
5. Diminuição da fé.
6. Desvario lisboeta.

( Grandes transformações J
8.
7.
Devoção religiosa vs. C.

Dualidades Moralismo em público vs. d.


do novo Portugal
Quinhentista Valorização do dinheiro vs. e.
Catolicismo moralista vs. f.

J,
"um país que a si próprio se começa a amaldiçoar, confundindo realização espiritual [. .. ]
com sucesso financeiro imediato" (11. 31-33)
.J.,
Crise de valores

147
Contextualização

9.
10. 2. Lê O texto seguinte, para aprofundares os teus conhecimentos sobre Gil Vicente.
,
leitura I Educação literária I
Escrita
m3
Quem foi Gil Vicente?
E116.l. Reconhecer a contextualiza-
ção histórico-literária nos casos pre-
A sua biografia é mal conhecida e levanta vários problemas, sendo o principal o da 45
vistos no Programa.
l8.l. Selecionar criteriosamente infor- identificação do teatrólogo com um outro Gil Vicente, ourives célebre, que fez a Custódia
mação relevante.
l8.2. Elaborar tópicos que sistemati- de Belém (1506) com o ouro das "páreas'" entregues pelo rei de Quíloa e trazidas por s
zem as ideias-chave do texto, organi-
Vasco da Gama no regresso da sua segunda viagem à Índia. Tem-se discutido muito se são
zando-os sequencialmente.
Ell.l. Escrever textos variados, res- 5 uma e a mesma pessoa, ou se duas personagens diferentes. Anselmo Braancamp Freire
peitando as marcas do género: sínte-
se [ ... ]. sustenta que o homem de teatro é o ourives. Fundamenta a sua afirmação numa carta de
E12.3. Redigir um texto estruturado,
D. Manuel, datada de Évora a 4 de fevereiro de 1513, onde o rei nomeava Gil Vicente ouri-
que reflita uma planificação, eviden-
ciando um bom domínio dos meca- ves da rainha D. Leonor, sua irmã. No alto da carta anotada pela mão de um funcionário o
nismos de coesão textual com marca-
ção correta de parágrafos e utilização da Chancelaria Real vem a indicação "G. v., trovador mestre da balança': Para Braamcamp 4
adequada de conectores.
10 Freire,
esta menção é decisiva, e desenvolve uma argumentação muito persuasiva no sen-
E13.l. Pautar a escrita do texto por v
gestos recorrentes de revisão e aper- tido de provar que as duas funções eram exercidas pela mesma pessoa.
feiçoamento, tendo em vista a quali-
dade do produto final. O autor dos autos, tal como o ourives, esteve durante muito tempo ao serviço da "Ra-
inha Velha'; D. Leonor. Ela encontrava-se presente na câmara da rainha D. Maria, a 7 de
148
junho de 1502, quando ali foi apresentado o Monólogo do Vaqueiro, primeira obra conhe-
15 cidade Gil Vicente. Para D. Leonor foram compostos o Auto Pastoril Castelhano (1509), o
Auto dos Reis Magos (1510), o Auto de 5, Martinho (1504) e o Auto da Índia, representado
em Almada em 1509. Igualmente para ela, ou a seu pedido, foram escritos a Barca do In-
ferno (1517), o Auto da Alma (1518), a Barca do Purgatório (1518) e o Auto dos Quatro
Tempos (antes de 1521). Só em 1521 passa Gil Vicente diretamente para o serviço do rei,
20 D. Manuel I, continuando a exercer as suas funções durante o reinado de D. João IH.
A obra dramática de Gil Vicente é, portanto, um teatro de corte, que se conforma com
as regras e as práticas inerentes a esse género. Conhecemos a sua obra através da Copila-
çam de Todalas Obras de Gil Vicente (Lisboa, 1562), que foi postumamente publicada por
Paula Vicente e seu irmão Luís, filhos do segundo matrimónio do poeta. Existem, no en-
25 tanto, alguns autos que vieram a lume em folhas volantes" sob a orientação do autor, qual
3
é o caso da Barca do Inferno, e a colação" que entre este e o texto da Copilaçam se tem
feito não deixa dúvidas quanto às incorreções que nesta edição se contêm. Convém notar
que toda a obra de Gil Vicente é anterior ao estabelecimento da Inquisição em Portugal,
pois a sua primeira peça data de 1502 e a última de 1536. Com a sua obra se preocupou a
30 Inquisição, introduzida em 1536, que lhe proibiu algumas peças. Das que saíram em

forma de folhas volantes, três foram suprimidas, incluindo o auto do Jubileu de Amores,
representado em Bruxelas em 21 de dezembro de 1531 na Embaixada de Portugal. Por
outro lado, a Copilaçam apresenta uma divisão da obra de Gil Vicente que não é, de ma-
neira nenhuma, aquela que ele lhe atribui (comédias, farsas e moralidades) no prólogo,
35 em castelhano, de Dom Duardos (1522?). Uma segunda edição, saída em Lisboa, em 1586,

foi profundamente mutilada pela censura inquisitorial, nada de novo trazendo ao nosso
conhecimento do autor.
Obra complexa, muito rica na diversidade dos tipos humanos apresentados e nos
quais se encontra toda a sociedade portuguesa do início do século XVI, com exceção dos
40 mercadores, talvez porque a classe mercantil era essencialmente constituída por cristãos-

-novos, ela é uma magnificente realização literária. A Igreja, o papado, os próceres' do



C
r 4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira I Auto da Feira

5€

d
11

10 n
e
s
p
11.g

mundo - de que os Autos das Barcas e o Auto da Feira nos oferecem uma impressionante
visão -, são implacavelmente representados nas suas vaidades, loucuras e viciosa con-
duta, que suscitam o riso e impõem a reflexão. Mas Gil Vicente é também um poeta lírico
45 de fina sensibilidade e aguda perceção psicológica. As suas figuras femininas, como, por
A propósito da obra Dom Duardos
exemplo, Inês Pereira ou a princesa Flérída", têm uma vida interior que o tempo não con- "I ... ] Trata-se de uma tragicomédia na
seguiu esbater. qual Gil Vicente retrata com inigualá-
vel mestria a condição humana, as
"Gil Vícente" Centro de Documentação de Autores Portugueses, nossas inquietações, as nossas "misé-
in http://www.dglb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?Autorld=68s6 [Consult. 02-12-2014) rias'; a eterna viagem que é a busca de
nós mesmos e que encontra a sua gé-
nese no nosso destino incontornável:
I. páreas: antigo tributo pago por um soberano a outro como sinal de obediência. 2.folhas volantes: folhas desligadas umas das
o amor. Alguns críticos, como Dâmaso
outras, presas a um cordel, que eram vendidas nas feiras, ruas, praças ou em romarias. 3. cotação: confronto, comparação.
Alonso, consideram-na "uma das
4. próceres: homens importantes da nação. 5. princesa Flérida: personagem da peça Dom Duardos, uma das onze peças que Gil
obras poeticamente mais belas da li-
Vicente escreveu exclusivamente em castelhano.
teratura em língua castelhana"
Esta é a história de D. Duardos, cavalei-
ro andante, filho do rei de Inglaterra,
2.1. Redige uma síntese do texto, com cerca de cem a cento e cinquenta palavras, redu- que se dirige a (onstantinopla para
exigir justiça sobre assuntos de vida e
zindo-o às ideias essenciais. Segue as etapas abaixo: morte. Aí encontrará a infanta Flérida
e o amor. Só então se inicia a verdadei-
ra viagem deste herói, uma viagem
Apresentação, por tópicos, das ideias-chave do texto: pelos sentimentos dos amantes até ao
mais profundo conhecimento de si
• aspetos biográficos de Gil Vicente próprios. [ ... l"
hltpJlwww.lealro-dmaria.pttpttcalenda-
Etapa 1 rio. traqkomeoia-de-d-duardos-qil-vicen-
• relação do dramaturgo com a Corte te! [Consult. 06-12-20141
2.1. Exemplo:
• dados relativos à sua obra Segundo o autor do texto, a dificulda-
de em elaborar a biografia de Gil Vi-
Etapa 2 Redação da síntese, integrando e articulando as ideias-chave selecionadas cente começa, desde logo, na possí-
vel, mas não confirmada, identificação
Revisão e aperfeiçoamento do texto, tendo em vista a qualidade do produto final e do poeta com o ourives da mesma
época.
incidindo nos seguintes aspetos: Gil Vicente esteve ao serviço da corte
de D. Leonor (tendo escrito várias pe-
Etapa 3 ças a seu pedido), de D. Manuel I e de
• clareza das ideias transmitidas D.Joâo111.
As obras vicentinas foram compiladas
• adequação do registo de língua, do vocabulário e dos conectores postumamente por dois dos seus fi-
lhos, embora apresentem uma divisão
diferente da que o dramaturgo teria
Ver Síntese, p. 46
proposto. Também a Inquisiçâo terá
tido um papel determinante na divul-
12. Lê os textos expositivos seguintes, em que se caracteriza o teatro vicentino, em geral, e a gação da obra vicentina, já que foi
responsável pela supressão de algu-
Farsa de Inês Pereira, em particular. mas peças do autor.

o teatro vicentino
Ainda relativamente à obra de Gil Vi-
cente, o autor do texto salienta o inte-
resse documental das personagens
vicentinas, realçando a vida interior de
algumas figuras femininas, como Inês
Pereira ou a princesa Flérida.
Está hoje posta de parte, pela moderna crítica literária, a tese romântica longamente (136 palavras)
enraizada segundo a qual o teatro português teria nascido nos alvores do século XVI, com
Gil Vicente, antes do qual não existiria. [ ... ] Não se compreenderia, com efeito, que as ma- Leitura I Educação Literária
nifestações dramáticas características da Idade Média, comuns a toda a Europa como mJ
L8.1. Selecionar criteriosamente infor-
eram, não houvessem chegado ao extremo ocidental da Península Ibérica. [ ... ] mação relevante.
EL16.1. Reconhecer a contextualiza-
A carência de textos escritos - e o carácter oral de todas as literaturas nos seus primór- ção histórico-literária nos casos previs-
dios pode muito bem explicá-la, com especial adequação no que ao teatro se refere - está tos no Programa.

longe de constituir um óbice intransponível a que haja um teatro pré-vicentino. Aliás,


esses textos existem, ainda que em número reduzido; e a par deles conhecem-se doeu-
lO mentos que dão notícias indiretas, mas irrecusáveís, de um teatro anterior a Gil Vicente,

em cuja obra, transfigurados pelo seu génio poético, os elementos principais desse teatro
subsistem. Gil Vicente não foi (e isto em nada diminui a sua grandeza) o criador do teatro
português; mas foi com ele que este abandonou o estado larvar, embrionário, em que ve-
getava desde o século XII, para assumir enfim uma existência literária. 149
Luiz Francisco Rebello, Op. cito [pp. 15-18, com supressões)

13.
a ordem social estabelecida
através do mecanismo da
sátira. [00']
Em suma, e farsa é um
género dramático menor que a
Características da farsa nível formal/estrutural se ca-
racteriza pela ausência de
[N]o século XVI a farsa era vista como um género dramático que autorizava uma
divisão em atos e de marcação
grande variedade temática, privilegiando a de natureza cómica, e que não encarava de
de cenas; pela despreocupação
forma muito rígida a sua configuração formal, nomeadamente, as unidades de tempo e de
lugar, tão valorizadas pela tradição clássica, e a divisão do texto em cenas ou pausas. [00']
total com as unidades de
Afarsa fazia também frequentemente uso da sua potencial possibilidade de subverter
tempo e de espaço; pela
utilização de parcos recursos cénicos;
10 pela colocação em palco de um reduzido número de personagens; pela abundância de
tipos sociais característicos da época; eventualmente pela presença de uma personagem
redonda que sofre ao longo da peça evolução psicológica e moral; pelo delineamento de
uma intriga com um nó,
Observa um excerto analisado da Farsa de Inês Pereira, em que se apresentam algumas das Obser
características das peças vicentinas.
desenvolvimento e
desenlace; pela presença
caract
de sátira, fonte de
cómico; e pelo recurso frequente a uma linguagem de conotações eróticas. A nível temá-
15 tico, afarsa privilegia a problematização da luta entre forças opostas, do relacionamento
humano, familiar e amoroso, da oposição dos valores tradicionais e convencionais a valo-
res individuais e pessoais e o recurso frequente ao equacionamento de um triângulo ReprE

amoroso. doq~
(comi
Teresa Gonçalves, "Farsa'; in E-Dicionário de Termos Literários, http://www.edtl.com.pt [Consult. 03-11-2014, com supressões]
casa

Anta
Mãe
-opo
eco
·
con

Informação Farsa de Inês Pereira - estrutura interna e externa

3.1. a. V - "Gil Vicente não foi [. .. } o


Como era comum em Gil Vicente, a peça não apresenta divisões cénicas. No entanto, é
criador do teatro português; mas foi
com ele que este abandonou o estado possível dividir a ação em três partes: exposição, na qual se apresenta Inês, insatisfeita com
lorvot, embrionário, em que vegetava
desde o século XII, para assumir enfim
a vida de solteira, mas que recusa um pretendente por ser rústico e simples; conflito, que
uma existência literária." - "O teatro mostra Inês a aceitar um outro pretendente com quem casa, vindo, posteriormente, a arre-
vicentino" 11. 12-14.
b. V - NA nível temático, a farsa privile- pender-se; e desfecho, no qual Inês aceita o primeiro pretendente, ao reconhecer as vanta-
gia a problematização da luta entre gens de se casar com ele.
forças opostas, do relacionamento hu-
mano, familiar e amoroso, da oposição Segundo Paulo Quintela, as partes poderão ter respetivamente os títulos "Inês fante-
dos valores tradicionais e convencio- siosa", "Inês mal-maridada" e "Inês quite e desforrada".
nais a valores individuais e pessoais";
"de natureza cómica." - "Característi- A farsa está escrita em verso e as estrofes predominantes são nonas, que obedecem a
cas da farsa'; 11. 14-18,1. 2. um esquema rimático quase constante - abbaccddc. Tendo em conta a lógica interna ao
c. F - "é possível dividir a ação em três
partes: exposição, na qual se apresenta próprio discurso, encontram-se subdivididas em quadra e quintilha, divisão essa reforçada
Inês, insatisfeita com a vida de solteira,
pela pontuação. Existem ainda estrofes irregulares, cujo número de versos varia entre qua-
mas que recusa um pretendente por
ser rústico e simples; conflito, que mos- tro e catorze.
tra Inês a aceitar um outro pretendente Oe
com quem casa, vindo, posteriormen-
te, a arrepender-se; e desfecha, no qual
Inês aceita o primeiro pretendente, ao . 3.1. Classifica como verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmações abaixo, justificando.
reconhecer as vantagens de se casar
com ele." - "Farsa de Inês Pereira - es- 14. O génio poético de Gil Vicente permitiu uma germinação das manifestações dra-
trutura interna e externa'; 11. 1-6.
máticas já existentes, elevando-as a um estatuto literário.
150 15. A farsa é um género dramático que trata, de forma cómica e recorrendo a tipos so-
ciais, temas como as relações humanas ou a luta pela primazia dos valores pessoais.
16. A Farsa de Inês Pereira não apresenta divisões cénicas, pelo que a ação não tem
qualquer unidade ou fio condutor.

17.
a discrição que ele tem.
Inês Mostrai-ma cá, quero
Um pretendente para Inês ver.
Lia. Inês Pereira é concertada I Lia. Tomai. E sabedes vós
Representação Assunto: a
pera casar com alguém? ler?
do quotidiano alcoviteira lianor
(combinação de Mãe Até 'gora com ninguém Mãe Hui! E ela sabe latim, Vaz quer saber
casamento)
não é ela embaraçada. e gramática e se Inês está
comprometida,
Lia. Eu vos trago um casamento alfaqui",
Antagonismo pois encontrou
Mãe / Inês: em nome do Anjo bento . e tudo quanto ela um pretendente
· oposição de interesses
Filha, não sei se vos prazo quer. para a jovem
e conceções de vida Intervenientes
· conflito intergeracional
Inês E quando, Lianor Vaz? na ação:
Lia. Eu vos trago aviamento". Inês, lianor
Vaz, Mãe (de
Inês Porém, não hei de casar Inês)
senão com homem avisado",
Linguagem
ainda que pobre pelado", expressiva:
seja discreto em falar. · Cóm
ico de linguagem
Lia. Eu vos trago um bom marido, · Expr
rico, honrado, conhecido; essões
diz que em camisas vos quer. coloquiais

Inês Primeiro, eu hei de saber


· Interj
eições
se é parvo, se sabido.

Lia. Nesta carta que aqui vem


pera vós, filha, d'amores,
veredes vós, minhas flores,
18. concertada: comprometida. 23. alfaqui: sábio muçulmano
19. aviamento: rapidez. (a Mãe toma, erradamente,
20. avisado: sensato. o alfaqui pelo nome de uma
21. pobre pelado: sem dinheiro. ciência difícil).
22. em camisa: sem dote.
24.
Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira, Educação Literária
Porto, Porto Editora, 2014 [pp. 18-19]
m
EL 14.2. Ler textos literários portu-
gueses de diferentes géneros, perten-
centes aos séculos XII a XVI.
EL 14.3. Identificar [ ... ] ideias princi-
pais, [ ... ] e universos de referência,
justificando.
O excerto apresentado ilustra algumas das características das peças de Gil Vicente: EL 14.4. Fazer inferências, fundamen-
· representação de um episódio:
tando.
EL 14.5. Analisar o ponto de vista das
- que aborda o relacionamento familiar (Inês e Mãe); diferentes personagens.
EL 14.11. Reconhecer e caracterizar
- que reflete um aspeto da vida quotidiana - o casamento - opondo duas conceções de textos quanto ao género literário: [ ... 1
"marido" - uma pragmática (Lianor Vaz), outra idealizada (Inês); farsa.

- em que surgem representados tipos sociais: jovem rapariga em idade de casar e que
deseja ascender socialmente (Inês), alcoviteira/casamenteira (Lianor); lEI PPT
Gil Vicente - Farsa de Inês Pereira -
· texto caracterizado por uma linguagem expressiva, de carácter popular, pelo cómico de Texto analisado

linguagem (cf. emprego incorreto do termo "attaoui";


151
A insatisfação de Inês

Educação Literária

~ft
25.
Autode Ines Pereira. 26. Observa o frontispício do Auto de Inês Pereira (ou Farsa de Inês Pereira), repre-

20
sentado pela primeira vez para o rei D. João 111, em 1523. Abaixo, podes ler o

j
texto que acompanha a ilustração das personagens vicentinas.

~.
Feito por Gil Vicente, representado ao muyto alto, e muy poderoso Rey dom
Ioam o terceyro no seu convento de Tomar: era do Senhor de M.D.XXlIJ. 25
O seu argumento he, hum exemplo comum que dizem: mais quero asno que
me leve, que cauallo que me derrube. As figuras sam as seguintes. Ines pereyra,
sua mãy, Lianor uaz, Pêro marquez, dous Judeus, hum chamado Latam, e
ftytopo! 61 9Iccntc.repmcncgdo.o mutto Glto,'f outro Vidal, hum escudeyro, com hum seu Moço, hum Ermitam .
muypodcro(o iRcr Dom :Voam o ta((!lo no (eu,~
DentO De 2:omar:l!riJ '0 (cnJ)OJ O( n&.~.uüj.te
(cu
IJI'gumencobt,t,umcrcmplo comum qucoí)(m: mtiP
quero 9(no quemc Icuc,qlK cauaUo que me 0trTUbc.
lI.flgur •• rom o.r'gufm •••. :iln<optrq>a, r"mãr.
l1anol W3, ~o marque" ooue Judeus,
burn cbamildo.l.arlJtn,'Z outro 'tarda!
lBum f!(CUdCY10J com bum reu
.o&°í°,t>umt!rmit.m.
€ e.". logo :JIpes 1I!>f1'f!la.1 rmg, qUf ,ft,
I~w.n
d~roo em cs(a,.zcanrlJ cRI1 clfnnglL

Educação Literária 30
1.1. Com base na ilustração do frontispício, antecipa algumas características das perso-
El14.2. Ler textos literários portu- nagens representadas.
gueses de diferentes géneros, perten-
centes aos séculos XII a XVI. 1.2. Complementa as informações anteriores com a leitura do início da farsa e explicita as
El14.4. Fazer inferências, fundamen-
tando. circunstâncias de criação da farsa.
El14.5. Analisar o ponto de vista das
diferentes personagens.
1.3. Interpreta o possível sentido da expressão: "Mais quero asno que me leve, que cavalo 35
El14.9.ldentificar e explicitar o valor que me derrube".
dos recursos expressivos menciona-
dos no Programa. 27. Lê a parte inicial da peça, em que se foca a insatisfação de Inês e, simultaneamente, ouve
E114.11. Reconhecer e caracterizar
textos quanto ao género literário: [ ... ]
farsa. a leitura dramatizada da mesma. Mã
E116.2. Comparar diferentes textos
no que diz respeito a temas, ideias e
valores.

FARSA DE INÊS PEREIRA 40


tmlPPT
Frontispício do Auto de Inês Pereira
A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João,
Nota: A obra em estudo pode ser de-
signada como Auto de Inês Pereira ou
o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, era do Senhor de M.D.XXIII.
Farsa de Inês Pereira. De facto, a farsa O seu argumento é - porquanto duvidavam certos homens de bom saber se o autor Inês
é também um auto, na medida em
45
que este era o nome dado a qualquer fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores, lhe deram este tema
peça de teatro na Idade Média.
sobre que fizesse - um exemplo comum que dizem: "Mais quero asno que me leve, que Mãe
cavalo que me derrube:' E sobre este motivo se fez esta Farsa.
Inês
A insatisfação de Inês 0
1.1. Escudeiro: pertencente à nobre-
50 Mãe
za, com bom parecer.
Inês Renego deste lavrar 10 Coitada, assi hei de estar
Inês Pereira: mulher jovem.
Relação entre o Escudeiro e Inês Perei- e do primeiro que o usou; encerrada nesta casa
ao diabo que o eu dou, como panela sem asa,
ra: relação de proximidade (persona- Inês
gens voltadas uma para a outra). que tão mau é d'aturar, que sempre está num lugar?
lianor Vaz: mulher adulta, vestida de
forma cerimoniosa (as roupas suge-
Oh, Iesu! Que enfadamento, E assi hão de ser logrados"
rem contacto social). e que raiva e que tormento, 15 dous dias amargurados,
Mãe: mulher adulta. vestida de forma
mais simples (as roupas sugerem uma
que cegueira, e que canseira! que eu possa durar viva?
vida circunscrita ao espaço da casa). Eu hei de buscar maneira 1. lavre
Relações entre personagens: proxi- E assim hei de estar cativa
d'algum outro aviamento." 5. v. 22:
midade entre o Escudeiro e Inês Perei- em poder de desfiados?" quandc
ra, por um lado, e entre Lianor Vaz e a
Mãe, por outro lado. rates! 1.
» Quandc

152

Finge-se, na introdução, que Inês Pereira, filha de uma mulher de baixa sorte, muito
fantesiosa, está lavrando! em casa, e sua mãe é a ouvir missa. E ela diz:
28.

4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira

Comendo-me eu logo ao demo


20 s'eu mais lavro nem pontada;
já tenho a vida cansada
de jazer sempre dum cabo."
Todas folgam, e eu não,
todas vêm e todas vão
25 onde querem, senão eu.
Hui! E que pecado é o meu,
ou que dor de coração?
Esta vida é mais que morta.
Sam eu coruja ou corujo,
30 ou sam algum caramujo
que não sai senão à porta?
E quando me dão algum dia
licença, como a bugia",
que possa estar à janela,
35 é já mais que a Madanela
quando achou a aleluía.'

Vem a Mãe e diz:

Mãe Logo eu adivinhei 55 Mãe Ora espera assi, vejamos.


lá na missa onde eu estava, Inês Quem já visse esse prazer!
como a minha Inês lavrava Mãe Cal' -te, que poderá ser,
40 a tarefa que lhe eu dei... que ante a Páscoa vêm os Ramos.
Acaba esse travesseiro! Não te apresses tu, Inês,
E nasceu-te algum unheíro" 60 maior é o ano qu'o mês.
ou cuidas que é dia santo? Quando te não precatares,"
Inês Praza a Deus que algum quebranto" virão maridos a pares,
45 me tire do cativeiro.
e filhos de três em três.
Mãe Toda tu estás aquela!" Inês Quero-m'ora alevantar;
Choram-te os filhos por pão? 65 folgo mais de falar nisso,
Inês Prouvesse a Deus! Que já é razão assi me dê Deus o Paraíso,
de eu não estar tão singela 11. mil vezes que não lavrar.
50 Mãe Olha de ali o mau pesar!
Isto não sei que o faz ...
Como queres tu casar Mãe Aqui vem Lianor Vazo
com fama de preguiçosa? 70 Inês E ela vem-se benzendo ...
Inês Mas eu, mãe, sam aguçosa" Lia. Iesu a que m'eu encomendo, 1.2. Farsa representada em 1523 ao
rei D. João 111; farsa produzida como
quanta cousa que se faz!" resposta de Gil Vicente à acusação
Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira, Porto, Porto Editora, 2014 [pp. 5-11) de
que era alvo (falta de originalidade).
1.3. O mote pretende mostrar que
1. lavrando: bordando. 2. aviamento: ocupação; solução. 3. logrados: aproveitados. 4. v. 18: a fazer travesseiros de franjas. nem sempre o que vale mais é o
5. v. 22: de estar sempre no mesmo sítio. 6. bugia: macaca. 7. vv. 35-36: acham logo que me sinto mais feliz do que Madalena mais
_ quando encontrou Cristo ressuscitado. 8. unheiro: furúnculo por baixo da unha. 9. quebranto: feitiço. 10. v. 46: ão digas dispa- conveniente. Neste caso, a
~rates! 11. singela: solteira. 12. aguçosa: dedicada. 13. v. 54: vós sois preguiçosa (quanto à vontade de casar a filha). 14. v. 61: docilidade
u do burro parece ser preferível à força
~ Quando deres por isso. 15. v. 72: Quanta patifaria se faz por aí!
do cavalo.
e vós dais-vos devagar,"
Nota: Esta edição segue a Copilaçam
de toda/as obras de Gil Vicente, 1562 -
Livro quarto.

153

29.
A insatisfação de Inês
4. Gil Vicente, Farsa de Inês
Pereira

3. A farsa inicia-se com um monólogo de Inês, que evidencia o seu estado de espírito.
o
3.1. descontentamento de Inês é
motivado por circunstâncias diversas: 3.1. Apresenta-o, explicitando as motivações da personagem.
aborrecimento e enfado devido ao
trabalho que está a fazer (vv. 5-9); can-
3.2. Transcreve uma enumeração, uma interrogação retórica e uma comparação usadas
saço (vv. 7, 21); confinamento cons- para exprimir esse estado de espírito, comentando o seu valor expressivo.
tante ao espaço da casa (vv. 10-11,
17-18); impossibilidade de se divertir
como o fazem as raparigas da sua ida-
Informação Interrogação retórica
de (vv. 23-25).
3.2. Exemplos:
Interrogação para a qual não é esperada resposta, mas que confere vivacidade ao dis-
A enumeração (vv. 5-7) e a interroga-
ção retórica (vv. 14- 16) reforçam a ex- curso e que permite destacar, por exemplo, a incredulidade ou a admiração face a determi-
pressão de indignação e revolta da nada situação.
personagem, insatisfeita com a sua si-
tuação. A comparação com objetos Ex.: "Coitada, assi hei de estar / encerrada nesta casa / como panela sem asa, / que sempre
esquecidos e sem préstimo pretende
está num lugar?" (vv. 10-13) Ver Síntese Informativa, p.
destacar o absurdo da sua situação
(vv. 10-13). 381
4.1. A Mãe reage de forma irónica e
até um pouco agressiva (vv. 37-43, 4. O lamento de Inês é interrompido pela chegada da Mãe.
47); desconfiada relativamente ao fac-
to de a filha ter realizado as tarefas de 4.1. Como reage ela aos desabafos da filha? Exemplifica com elementos textuais.
que estava incumbida (vv. 37-40).
5.1. Argumentos de Inês: deseja sair
do seu "cativeiro"; considera que a vi-
5. Ao longo do diálogo que estabelecem, Inês e a Mãe falam sobre o casamento desejado
da de solteira "é mais que morto" e pela rapariga, apresentando, cada uma, a sua opinião sobre a questão.
que, sendo ela dedicada ("aguçosa').
não será difícil arranjar casamento. 5.1. Salienta os argumentos das duas personagens, tendo por base o texto.
Argumentos da Mãe: com fama de
preguiçosa, Inês não conseguirá ar- 6. Caracteriza psicologicamente Inês, neste momento da ação.
ranjar marido; a moça não se deve
apressar, pois rapidamente será con-
frontada com o casamento e com a Informação A moça solteira e o casamento
maternidade.
6. Caracterização de Inês:
· insatisfeita com a vida de Alguns dos mais conhecidos autos [ ... ] mostram ao espectador a figura da moça solteira
solteira;
que vive reclusa dentro de casa, sujeita à autoridade da mãe, obrigada ao modelo de virtude
· desejosa de uma
mudança que lhe feminina identificada com os afazeres caseiros, como varrer, fiar, bordar, sem poder sair à rua
permita
Gramáticasair do seu "cativeiro";
· ansiosa pelo casamento
à sua vontade. A arte do dramaturgo espelha-se na maneira como desenhou de forma credí-
para que vel essas figuras femininas com recorte socialmente mais realista, interpretando os seus an-
G18.2. Dividir e classificar orações.
consiga atingir os seus objetivos.
G18.4. Identificar orações subordi- seios à luz de uma psicologia que estava bastante marcada pela misoginia' tradicional. Nes-
nadas.
G18.S. Identificar oração subordi-
ses casos, o casamento aparecia como solução para esse apelo e atração que a rua exercia
nante. sobre a mulher, o que só podia ter cabimento no quadro cortês se fosse tratado em termos
1. a. Estou fechado nesta caso - ora- jocosos.
ção subordinante; como uma panela Jorge A. Osório, "Solteiras e Casadas em Gil Vicente';
sem asa - oração subordinada adver- in Península. Revista de Estudos Ibéricos, n.O 2,2005 [p. 124, com supressões]
bial comparativa.
b. A senhora permite - oração subor- 1. misoginia: desprezo ou repulsa relativamente às mulheres e às suas características.
dinante; que eu vá à janela - oração
subordinada substantiva completiva. Educação 2
c. Não tenhas pressa - oração subor-
dinante; porque antes do Páscoa vêm Gramática
os ramos - oração subordinada ad-
verbial causal.
6. Identifica e classifica as orações integradas nas frases abaixo.
d. Quando menos esperares - oração
subordinada adverbial temporal; te- 7. Estou fechada nesta casa como uma panela sem asa.
rás marido e filhos - oração subordi-
nante. 8. A senhora permite que eu vá à janela?
e. O Diabo me leve - oração subordi-
nante; se eu continuara bordar - oração 9. Não tenhas pressa, porque antes da Páscoa vêm os ramos.
subordinada adverbial condicional.
1.1. Exemplos:
10. Quando menos esperares, terás marido e filhos.
c. Não tenhas pressa, porquanto / 11. O Diabo me leve, se eu continuar a bordar.
uma vez que / já que / dado que an-
tes da Páscoa vêm os Ramos. 1.1. Reescreve as frases das alíneas c. e e., substituindo a conjunção por uma outra ou por
e. O Diabo me leve, caso eu continue
a bordar.
uma locução conjuncional com o mesmo valor.
Ver Síntese Informativa, pp. 377,
154 372

Literária

30. A pintura ao lado, da autoria de François Clouet,

intitula-se Carta de Amor.

1.1. Descreve a situação representada e expli-


cita a relação que parece estabelecer-se
entre as duas figuras femininas.

31. Lê o excerto da Farsa de Inês Pereira abaixo, em


que se destaca a personagem Lianor Vaz, uma
alcoviteira.
François Clouet, Carta de Amor, c. 1570 [frag.]

Lianor Vaz, a alcoviteira "Irmã, eu t'assolverei

co breviário de Braga'" ,~" ~ ~ "


Mãe Lianor Vaz, que foi isso? "Que breviário, ou que praga! Educação Literária
Lia. Venho eu, mana, amarela. 30 Que não quero, áque d'el-rei!" W
EL14.2, Ler textos literários portu-
Mãe Mais ruiva que uma panela! Quando viu revolta a voda," gueses de diferentes géneros, perten-
centes aos séculos XII a XVI.
Lia. Não sei como tenho siso. foi e esfarrapou-me toda El14.4. Fazer inferências, fundamen-
Jesu! Iesu! Que farei? o cabeção" da camisa. tando.
El14.5. Analisar o ponto de vista das
Não sei se me vá a el-rei, Mãe Assi me fez dessa guisa" diferentes personagens.
se me vá ao Cardeal. 35 outro, no tempo da poda. El14.9.ldentificar e explicitaro valor
dos recursos expressivos menciona-
Mãe Como? E tamanho é o mal? dos no Programa.
Lia. Tamanho? Eu to direi. Eu cuidei que era jogo El14.11. Reconhecer e caracterizar
e ele ... dai-o vós ao fogol" textos quanto ao género literário:
farsa.
10 Vinha agora pereli Tomou-me tamanho riso,
ao redor da minha vinha, riso em todo meu siso,"
e um clérigo, mana minha, 40 e ele leixou-me logo. François Clouet (e. 1510-1572)

pardeus, lançou mão de mil Lia. Si, agora, eramá", • Pintor francês, sucedeu ao pai, em
1541, como pintor da corte de Fran-
cisco I
Não me podia valer, também eu me ria cá considerado o maior pintor e dese-
• É

15 diz que havia de saber das cousas que me dizia: nhista francês da segunda metade
do século XVI e um dos maiores no-
se era eu fêmea, se macho. chamava-me "luz do dia"; mes da Escola de Fontainebleau
Mãe Hui! Seria algum muchacho' 45 "Nunca teu olho verá!"!' • Notabilizou-se como retratista, pin-
tor de nus e de temas históricos e
que brincava por prazer? Se estivera de maneira mitológicos

Lia. Si, muchacho sobejava!" sem ser rouca, bradara eu,


lO Era um zote ' tamanhouço! mas logo m'o demo deu 1.1. Uma mulher velha entrega a uma
Eu andava no retouço", cadarrão" e peítogueíra", jovem uma carta e parece estar a se-
gredar-lhe alguma coisa. Provável re-
lação de cumplicidade entre ambas (a
tão rouca que não falava. 50 cócegas e cor" de rir, mulher mais velha é uma alcoviteira
Quando o vi pegar comigo, e coxa pera fugir, que intermedeia encontros amorosos
que m'achei naquele perigo, e fraca pera vencer. e íntimos, cobrando por tal função).
25 "Assolverei''!" - "Não assolverás!" - Porém, pude-me valer
"Iesul Homem, que hás contigo?" sem me ninguém acudir.

1. muchacha: rapaz. 2. v. 19: Pois sim, para rapaz, era demasiado corpulento. 3. zote: idiota, tresloucado. 4. retouço: brincadeira.
S.Asso/verei: Absolverei. 6. breuiário de Braga: Breviário de Braga (Nota: Trata-se de um breviário que tinha muito prestígio).
_7. v. 31: Quando viu que os seus planos tinham saído gorados. 8. cabeção: gola larga. 9. guisa: maneira. 10. fogo: Inferno.
~ll. vv. 38-39: Deu-me tanta vontade de rir que nem me conseguia defender. 12. eramá: em má hora. 13. v. 45: Nunca brilharei
~para ele. 14. cadarrão: grande catarro. 15. peitogueira: tosse. 16. cor: vontade.
155

32.

Lianor Vaz, a alcoviteira


LêI

Inê

55 O demo (e não pode at" ser) Não lhe dera um empuxão,


se chantou'r no corpo dele. porque sou tão maviosa", 130

Mãe Mana, conhecia-t'ele? que é cousa maravilhosa;


Lia. Mas queria-me conhecer! e esta é a concrusão.
Mãe Vistes vós tamanho mal? 95 Leixemos isto. Eu venho,
60 Lia. Eu me irei ao Cardeal, com grande amor que vos tenho,
e far-lh'ei assi mesura", porque diz o exemplo antigo 135

e contar-lhe-ei a aventura que amiga e bom amigo


que achei no meu olival. mais aquenta" que o bom lenho.
Mãe Não estás tu arranhada, 100 Inês Pereira é concertada"
65 de te carpir, nas queixadas." pera casar com alguém?
Lia. Eu tenho as unhas cortadas, Mãe Até 'gora com ninguém 140

e mais, estou tosquiada": não é ela ernbaraçada".


e mais, pera que era isso? Lia. Eu vos trago um casamento
E mais, pera que é o siso?" 105 em nome do Anjo bento. Li
70 E mais, no meio da requesta" Filha, não sei se vos prazo
veio um homem de uma besta", Inês E quando, Lianor Vaz?
que em vê-lo vi o Paraíso, Lia. Eu vos trago aviamento".
E soltou-me, porque vinha Inês Porém, não hei de casar 145 In
bem contra sua vontade. 110 senão com homem avisado",
75 Porém, a falar verdade, ainda que pobre pelado",
já eu andava cansadinha. seja discreto em falar.
Não me valia rogar, Lia. Eu vos trago um bom marido,
nem me valia chamar rico, honrado, conhecido; 150

"Aque de Vasco de FÓis25, 115 diz que em camisa" vos quer.


80 acudi-me, como soís"!" Inês Primeiro, eu hei de saber
E ele senão pegar: se é parvo, se sabido.
"Mais mansa, Lianor Vaz, Lia. Nesta carta que aqui vem Li
assi Deus te faça santa!" pera vós, filha, d'arnores, 155

"Trama" te dê na garganta! 120 veredes vós, minhas flores,


85 Como! Isto assi se faz?" a discrição que ele tem.
"Isto não revela nada:' Inês Mostrai-ma cá, quero ver.
"Tu não vês que sam casada?" Lia. Tomai. E sabedes vós ler?
Mãe Deras-lhe, má hora, boa" Mãe Hui! E ela sabe latim, 160

e mordera-lo na coroa". 125 e gramática e alfaqui",


90 Lia. Assi, fora excomunga da. e tudo quanto ela quer.

1 17. ai: outra coisa. 18. chantou: meteu. 19. mesura: cortesia. 20. vv. 64-65: I ão tens os queixos arranhados, porque é
5 que te la-
mentas? 21. tosquiada: com o cabelo curto. 22. v. 69: Não tenho juízo suficiente para me defender? 23. requesta: luta. 3
6 24. homem de uma besta: almocreve. 25. Vasco de Fóis: alferes-mor que pertencia à Ordem de Cristo, em Tomar, onde !
a peça foi
4
representada pela primeira vez. 26. sois: tendes por costume. 27. Trama: doença. 28. boa: boa sova. 29. coroa: cimo da
cabeça.
,
4
30. maviosa: terna; meiga. 31. aquenta: aquece. 32. concertada: comprometida. 33. embaraçada: comprometida. 34.
1
avia-
mento: rapidez. 35. avisado: discreto. 36. pelado: sem vintém. 37. em camisa: sem dote. 38. alfaqui: sábio
5
muçulmano (a Mãe
pensa que esta palavra designa uma ciência difícil, por isso, não a utiliza adequadamente).
ç
i
33.
Mãe Pardeus, amiga, essa é ela!"
"Mata o cavalo de sela,
165 e bom é o asno que me leva:' 4. Gil Vicente, Farsa de Inês
Pereira
Lia. Filha, "No Chão do Couce",
quem não puder andar choute","
Lê Inês Pereira
"Mais a carta.
quero eu quem rn'adore,
que quem faça com que chore."
Inês "Senhora amiga, Inês Pereira,
170 Chamá-Ic-ei, Inês?
Pêro Marques, vosso amigo,
Inês Si,
que ora" estou na nossa aldeia,
130
venha
mesmoe veja-me
na vossaamercê
mi,
quero ver, quando me
m'encornendo'", e mais vir,digo,
sedigo
perderá o presumir"
que benza-vos Deus,
logo
que vos fez de tão aqui,
em chegando bom jeito".
175 pera
Bomme fartare de
prazer bomrir.proveito
Mãe
1lS vejaTouca-te",
vossa mãesede
cáVÓS.
vier,
42

pois que pera casar anda. "' •.. ~


EssaAinda
é boa que eu vos vi .. ,
Inês demanda!" '
•.....
est'outro dia
Cerimónias há mister"de folgar,
180
e não quis
homem queestes
tal cartabailar,
manda?
nem cantar diante
Eu o estou cá pintando 57; mio .. "
sabeis, mãe, que eu adivinho?
Na veda" de seu avô,
Deve ser um vilãozinho ...
ou onde
Ei-lo, me viu
se vem ora ele?
penteando:
Li Lianor Vaz, este é ele?
185 a. será com algum ancinho?
Lede a carta sem dó,
Gil Vicente, Op. cito [pp. 11-23J
que inda eu sam contente dele.44
Prossegue Inês Pereira a carta.

'45 Inês "Nem Lianor


cantar Vaz, a alcoviteira
presente mi,
pois Deus sabe a rebentínha"
que me fizestes então. 3.1. Ataque inesperado por parte de
um clérigo.
Ora, Inês, que hajais bênção 3.2. Contradições do relato eviden-
« mento): para Inês, o casamento é si-
ciadas pela Mãe: Lianor diz que vem
de vosso
4.2.1. Provérbios e ditos pai e a minha, nónimo de libertação; para a Mãe, o
pálida devido ao susto, mas a Mãe
populares: casamento é sinónimo de segurança
· 50 "Ou que venha isto a concrusão""
seja sapo ou sapinho, / e amparo.
discorda. dizendo que ela está corada
(v. 3); Lianor argumenta não ter con-
ou matido Vistes tão parvo vilão"? Gramática seguido defender-se. mas a Mãe nota
ou maridinho, / tenho o que houver
Eu nunca tal cousa vi, CB
mister." (vv. 159-161);
a ausência de marcas de luta I defesa

· "Matanem tanto
o cavalo / e de mão. G18.2. Dividir e classificar orações.
fora
de sela,
(vv.64·65).
bom é o G18.4.ldentificar orações subordina-
das. Contradição do relato evidenciada
asno que me leva." (vv. 164-165);
· Lia. "No Chão do Couce, / G18.5. Identificar oração subordi-
Quereis casar a prazernante.
pela própria Lianor: identificação do
local onde a ação se terá passado -
quem não pu-
i5 no tempo d'agora, Inês?
derandarchoute."(vv.166-167); Lianor diz, inicialmente, que fora ata-

· "Mais quero eu quem


Antes casa, em que te pês",
1. a. Lianor estava tão rouca - oração
subordinante; que não conseguiu fa-
cada "ao redor da mmha vinha" (v.
11)
m'adore, / que
lar - oração subordinada adverbial e depois refere que o ataque se deu
quem faça com queque não
chore." é tempo d'escolher.
(vv. 168-
consecutiva. no "olival" (v. 63).
-169).
Sempre
Valor persuasivo: eu ouvi
argumentos da dizer: b. A Mãe de Inês aprovava este casa- 3.3. Dimensão satírica através da cri-
mento - oração subordinante; tal co- tica à sociedade quinhentista (luxúria
sa- "Ou seja sapo ou sapinho, mo Lianor - oração subordinada ad- e devassidão do clero) e à persona-
bedoria popular, que se baseia na
ex- ou marido ou maridinho,verbial comparativa. gem alcoviteira (mentira, falsidade,
c. Inês quer um noivo discreto - oração leviandade); criação de efeito de co-
periência; neste contexto,
pretendem
tenho o que houver mister,"?" subordinante; ainda que seja pobre - micidade, marcado pelo cómico de

evidenciar aEste é odocerto caminho. oração


vantagem
siva.
subordinada adverbial conces- linguagem (vv. 58-59) e pelo cómico
de carácter (vv. 2·3).
pragmatis-
d. Lianor entregou a carta de Pêro a 4.1. Inicialmente. Inês mostra-se an-
mo em detrimento da visão
Inês - oração subordinante; para que siosa por casar e idealista
idealista
ela a lesse - oração subordinada ad- relativamen-
que Inês assume relativamente ao
verbial final. » te ao tipo de homem com quem pre-
casamento. tende casar (ainda que seja pobre,
1 terá de ser "avisado" e "discreto");
.39. ora: agora. 40. m'encomendo: me recomendo. 41. bom jeito: jeitosa. 42. V. 135: Que a vossa Mãe se sinta satisfeita convosco.
43. voda: boda; casamento. 44. V. 144: que eu ainda acho que ele é um bom partido. 45. rebentinha: desejo amoroso; ciúme.
5 de-
pois de ler a carta do seu pretendente,
46. V. 150: que se realize o casamento. 47. vilão: aldeão; rústico. 48. pês: custe. 49. V. 161: Case com aquele que tiver dinheiro. 8
50. V. 163: Essa é que é a verdade. 51. Chão do Couce: povoação do distrito de Leiria. 52. choute: trote. 53. o presumir: a presun- deixa de estar interessada. ja que o
!ção. 54. Touca-te: Arranja-te. 55. v. 178: Era o que mais faltava! 56. V. 179: É preciso tanta cerimónia. 57. pintando: imaginando. considera rústico, simplório e desajus-
tado às suas expectativas.
Relação com o argumento da
4.2. Réplicas que realçam a
157
peça:
2.° e 4° provérbios - valor idêntico insensatez
(ao recusar o casamento proposto) e o
ao veiculado pelo mote "Mais
quero idealismo de Inês.
asno que me leve que cavalo que
me
3
derrube';
5. a. Pêro Marques: rústico e
4
ridiculo
(ponto de vista de Inês), simples;
.
Inês: L
trocista, desdenhosa.
b, Relação entre Pêro Marques e i
Inês
marcada pela assimetria (ele tenta a
agradar-lhe, penteando-se antes n
de a
ver; ela troça da sua tentativa, o
mos-
trando desdém). r
c. Oposição entre o carácter das
duas
personagens (simplicidade vs.
preten- V
siosismo).
d. Preparação da entrada em a
cena de
uma nova personagem.
z
6.1. Oposição de interesses: Inês
pre-
tende um marido que seja
e
"avisado':
discreto, que saiba tocar e cantar
n
pa-
ra ter uma vida alegre e livre; a t
sua
Mãe pretende que a filha case r
com
um homem que seja rico, bom a
mari-
do e que a trate bem.
Diferentes conceções de vida
(casa- e
m cena visivelmente e ditos populares proferidos pela Mãe e por
Lianor, explicitando o seu valor persuasivo e relacionando-os
perturbada.
com o argu- 1
3.1. Explica o motivo de
mento da peça.
tal perturbação.
3.2. Mostra que o seu
36. Inês concede, no entanto, uma visita a Pêro Marques, fazendo uma apreciação
do seu
relato
comportamento quando este entra em cena.
apresenta
contradições, 5.1. Analisa a última fala de Inês (vv. 178-185), relativamente aos seguintes aspetos:
que vão 37. caracterização das personagens; c. dimensão satírica;
sendo 38. relações entre as personagens; d. desenvolvimento da ação
evidenciadas, dramática.
quer
pela Mãe quer 6. Lê o seguinte excerto:
pela própria
Lianor. [O] auto só chegará ao fim quando Inês tiver levado a bom termo o seu
3.3. Explicita a projeto de
libertação. O desabafo da jovem [ ... ] é interrompido pela chegada da Mãe,
dimensão satírica do
vinda da
episódio relatado por missa, para logo prosseguir na azeda troca de palavras que torna evidente o
conflito que
Lianor.
interesses e conceções de vida diferentes instalaram entre elas.
35. Entretanto, a Cristina Almeida Ribeiro, Inês, Lisboa, Quimera, 1991 [p. 7, com
supressões]
alcoviteira propõe um
casamento a Inês e
entrega-lhe uma carta 6.1. Mostra como o "conflito [de] interesses" e as "conceções de vida diferentes",
escrita manifesta-
pelo seu pretendente. dos desde o início da peça, continuam patentes neste momento da obra,
refletindo
4.1. Mostra
um conflito entre duas gerações.
como Inês reage
à proposta de
Gramática
Lianor,
39. Divide e classifica as seguintes orações:
recorrendo a
40. Lianor estava tão rouca que não conseguiu falar.
elementos
41. A Mãe de Inês aprovava este casamento, tal como Lianor.
textuais.
42. Inês quer um noivo discreto ainda que seja pobre.
4.2. Comenta as
43. Lianor entregou a carta de Pêro a Inês para que ela a lesse.
réplicas da Mãe
e de Lianor aos 44. A partir das frases simples apresentadas, constrói frases complexas que

comentários de veiculem o tipo


de relação indicada. Faz as alterações que considerares necessárias.
Inês.
45. Relação de causalidade - Lianor não estava arranhada. Ela tinha as unhas
4.2.1. Transcreve do texto
cortadas.
os
pr 46. Relação de concessão - Inês não gostou da carta de Pêro. Aceitou a sua visita.
ov 47. Relação de consequência - A carta de Pêro era simples. Inês riu-se das suas
ér palavras.
bi
Ver Síntese
os Informativa,
p. 377
Farsa de Inês Pereira, 1969 Farsa de Inês Pereira, 2002
Interpretação a. b. 4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira

do texto vicentino
Expressividade c. d. Representação expressiva,
Oralidade I Escrita I Educação Literária
da representação extrapolando o universo de

12. Visiona um excerto do documentário nA Mulher em Gilreferência


Vicente" original.
transmitido no programa
Memórias do Teatro (RTP Memória), em que se faz uma breve referência ao tema e se inte-
e. Cenários de acordo com o assunto f.
gram duas representações da cena da alcoviteira - uma de 1969 e outra de 2002.
Cenografia da peça, correspondendo de um modo
1.1. Toma notas sobre os aspetos
objetivo quecénicas.
às indicações consideres mais relevantes, organizando-as.
Figurinos g. h.

Representação de 1969 Representação de 2002

13. Os tópicos abaixo sintetizam as principais ideias da apresentação inicial do excerto.


2.1. Organiza-os pela ordem com que foram abordados nesta parte do documentário.
14. Representação da peça Floresta de Enganos.
15. Representação da peça Monólogo do Vaqueiro.
16. A mulher na obra de Gil Vicente.
17. Visão satírico-dramática da sociedade seiscentista patente na obra vicentina.
18. Ambiente social do século XVI como matéria para as obras de Gil Vicente.

3. Faz uma análise comparativa das duas representações, preenchendo o quadro.


50
Vem Pêra Marques e diz:
Pêra Marques, pretendente ° p
Pêro Homem que vai aonde eu vou
F

não se deve de correr; ..••..


ria embora quem quiser, Educação Literária
55
que eu em meu siso estou.
Educação literária 2. Exemplos:
Não sei onde mora aqui: 19. Depois de Lianor Vaz apresentar a sua proposta a Inês, Pêro Marques
a. Lianor nãosurge flnalmentes
estava arranhada por-
ELolhai
14.2. Lerque
textosm'esquece a mi!
literários portugue- em cena. I / uma vez que tinha
que / visto que
ses de diferentes géneros, pertencen- as unhas cortadas. I Como / Porque /
Eu creio que nesta rua,
tes aos séculos XII a XVI.
~ Visto que tinha as unhas cortadas, <
1
e esta
EL14.4. parreira
Fazer inferências,éfundamen-
sua; P arranhada. b. Inês
Lianor não estava
1.1. Ouve a leitura dramatizada deste excerto, focando a tua atenção nas caracterfstkas] não gostou da carta de Pêro, embora
tando. 60 45 IJ
já conheço
48. El14.S. que é aqui.
Analisar o ponto de vista das de cada personagem, em termos de ritmo e entoação do respetivo aceitasse a sua visita. I
discurso.
/ ainda que ~
75 Pê diferentes personagens. Embora / Ainda que aceitasse a visita P
In EL 14.9. Identificar e explicitar o valor de Pêro, Inês não gostou da carta de·
le. c. A carta de Pêro era tão / de tal

0
dos recursos expressivos menciona-
forma simples que Inês se riu das I
dos no Programa.
pA
EL14.11. Reconhecer e caracterizar Pêro Marques, o pretendente suas palavras.
J
textos quanto ao género literário: [ ... ]
farsa.
8 In
Oralidade I Escrita I Educação
0
literária
12.
01.4. Fazer inferências.
15. 01.5. Distinguir diferentes intenções
comunicativas.
20. 01.6. Verificar a adequação e a ex-
sei pressividade dos recursos verbais e
28. não verbais.
32. 02.1. Tomar notas, organizando-as.
Ell.l. Escrever textos variados, res-
ENC peitando as marcas do género: [ ... ]
apreciação crítica.
4. Gil Vicente,
E12.1. Respeitar o tema.
Farsa de
49.
Inês Pereira E12.2. Mobilizar informação adequa-
da ao tema.
E12.3. Redigir um texto estruturado,
que reflita uma planificação, eviden-
ciando um bom dorrunio dos meca-
Chega a casa de Inês Pereira: nismos de coesão textual com marca-
ção correta de parágrafos e utilização
adequada de conectores.
10 Digo que esteis' muito embora. E13.1. Pautar a escrita do texto por
Folguei ora de vir cá. gestos recorrentes de revisão e aper-
feiçoamento, tendo em vista a quali-
Eu vos escrevi de lá dade do produto final. 65 In
uma cartinha, senhora: El15.7. Analisar recriações de obras
literárias do Programa, com recurso a
E as si que de maneira ... 2 diferentes linguagens (por exemplo,
15 Mãe Tomai aquela cadeira. música, teatro, cinema, adaptações a
séries de TV). estabelecendo compa- P
Pêro E que val aqui uma destas?" rações pertinentes.
Inês (Oh, Jesu! Que João das bestas!"
70
Olhai aquela canseira!")
I
50. Assentou-se com as costas pera elas e diz:
Pêro lEI
Mais gado tenho eu já quanto,
Vídeo
Excerto do documentá rio "A Mulher
3 e o em
maior de todo o gado,
Gil Vkente" do programa Memó-
0
Eu cuido que não estou bem ...
Pêro digo maior algum
fias do Teatro [2 min e 50tanto.
s]
Como vos chamais, amigo?
20 Mãe
2.1. b., a., d., e., c.
E desejo ser casado,
3. a. e b. Interpretação fiel ao texto
Eu Pêra Marques me digo,
Pêro prouguesse"
vicentino, semao Espírito
adaptação Santo,
da lingua-
como meu pai que Deus tem. gem à época atual, c. Representação
comexpressiva,
Inês; que eu m'espanto
feita dentro dos moldes
Faleceu (perdoe-lhe Deus, 3 quem me fez seu namorado.
convencionais/tradicionais. f. Cenários
5
que fora bem escusado) que refletem uma visão mais moder-
Parece moça de
na e conceptual do bem,
texto vicentino,
e ficamos
3.1. Com base na análise, redige25uma apreciação dousdas
crítica ereos":
duas representações: mantendo, no entanto
e eu de bem er também. a sua essencia-
10
lidade (confinamento da mulher ao
porém, meu é o mor gado".
· apresentando os objetos da tua apreciação; Oraespaço
vós er ideg. Trajes
casa). vendo que se coadu-
Mãe De morgado" é vosso estado? nam com a época representada. h. Fi-
se lhe vem melhor alguém,
· fazendo uma descrição sucinta do episódio
Isso viriae dos
um comentário
céus! crítico das cenas; gurinos coincidentes com a época
40 a segundo]
representada, loque
emboraeu entendo.
apresentados
· recorrendo a linguagem valorativa para veiculares a tua opinião; com uma maior liberdade interpreta-

· construindo um texto bem estruturado e linguisticamente


1. esteis: estejais. correto.
2. v. 14: E parece que ...
tiva.
3. v. 16: E para que serve uma coisa destas? 4. João das bestas: parolo. 5. v. 18: Vejam o
esforço que ele faz para se sentar na cadeira! 6. ereos: herdeiros. 7. mar gado: a maior parte do gado. 8. morgado: primogénito;
Ver Apreciação crítica, p.
herdeiro de todos os bens familiares. 9. prouguesse: quisesse. 10. v. 37: E eu também sou pessoa de bem. 11. segundo: conforme.
40
160 159
Cuido que lhe trago aqui Pêra Virá cá Lianor Vaz,
peras da minha pereira; veremos que lhe dizeis.
hão de estar na derradeira". Inês Homem, não aporfieís",
Tende ora, Inês per i. 13 que não quero, nem me prazo
45 Inês E isso hei de ter na mão? 85 Ide casar a Cascais.
Pêro Deitai as peas" no chão. Pêro ão vos anojarei" mais,
Inês As pertas" pera enfiar, ainda que saiba estalar":
três chocalhos e um novelo, e prometo não casar
e as peas no capelo ... até que vós não queirais.
50 E as peras onde estão? Estas vos são elas a VÓS: 27
90

Pêro Nunca tal me aconteceu! anda homem a gastar calçado,


Algum rapaz m'as comeu; e quando cuida que é aviado",
que as meti no capelo, escarnefucharn" de vós.
e ficou aqui o novelo, Creio que lá fica a pea ...
55 e o pentem 16 não se perdeu. 95 Pardeus! Bom ia eu à aldeia!
Pois trazia-as de boa mente. Senhora, cá fica o fato".
Inês Fresco vinha aí o presente Inês Olhai se o levou o gato.
com folhinhas borrifadas. Pêro Inda não tendes candeia?
Pêro Não, que elas vinham chentadas"
Ponho per cajo" que alguém
60 cá em fundo no mais quente.
100 vem como eu vim agora,
Vossa mãe foi-se? Ora bem, e vós às escuras a tal hora:
sós nos leixou ela assi? parece-vos que será bem?
Cant'eu" quero-me ir daqui, Ficai-vos ora com Deus:
não diga algum demo alguém ... cerrai a porta sobre vós
65 Inês Vós que me havíeis de fazer? 105 com vossa candeiazinha;
Nem ninguém que há de dizer? e síquaes" sereis vós minha,
(O galante despejado") entonces veremos nós.
Pêro Se eu fora já casado,
d'outra arte havia de ser,
70 como homem de bom pecado". Vai-se Pêra Marques e diz Inês Pereira:
Inês (Quão desviado" este está!
Todos andam por caçar Inês Pessoa conheço eu
suas damas sem casar, que levara outro caminho ...
e este, tornade-o lá!)22 110 Casai lá com um vilãozinho,
75 Pêro Vossa mãe é lá no muro? mais covarde que um judeu!
Inês Minha mãe, eu vos seguro, Se fora outro homem agora,
que ela venha cá dormir. e me topara a tal hora,
Pêro Pois, senhora, eu quero-me ir estando comigo às escuras,
antes que venha o escuro. 115 dissera-me mil doçuras,
Inês E não cureís" mais de vir. ainda que mais não fora .
e 12. na derradeira: nofundo do capela. 13. V. 44: Inês, segura i no capuz. 14. peas: cordas com que se prendem os animais.
; 15. perlas: contas de vidro. 16. pentem: pente. 17. chentadas: colocadas. 18. Cant'eu: Quanto a mim. 19. despejado: atrevido.
i20. de bom pecado: sério; decente. 21. desviado: antiquado. 22. V. 74: E este não tem nada a ver com os outros! 23. cureis: peno
< seis. 24. aporfieis: insistais. 25. anojarei: aborrecerei. 26. saiba estalar: rebente de dor. 27. v. 90: Ninguém entende as mulheres.
:28. aviado: correspondido. 29. escarnefucham: escarnecem. 30.fato: objetos de uso pessoal. 31. Ponho per cajo: Suponhamos.
!32. siquaes: se porventura.
ENLlUEPI_ II 161
51.
52.
Pêro Marques Sujeito poético
Pêro Marques, o pretendente
Farsa de Inês Pereira "Não vejo o rosto a ninguém"
4. Gil Vicente, Farsa de Inês
Perfil psicológico a. b. Pereira
Perfil social c. d.
24.
(relação com os outros)
Após a saída do pretendente, Inês e a Mãe comentam a visita.
Vem a Mãe e diz: Discreto, feito em farinha",
4.1. Expõe a opinião da Mãe face à decisão da filha, baseando-te no texto.
porque isto me degola"
Mãe
4.2. Explicita o sentido da seguinte Pêro
afirmação deMarques foi-se já? ao seu ideal de ma-
Inês, referindo-se
E pera que era ele aqui? 135 Mãe Sempre tu hás de bailar,
rido: "como tiver discrição, / não lhe quero mais proveito." (vv. 128-129)
e sempre ele há de tanger?
Inês E não t'agrada ele a ti?
4.2.1. Comenta a reação da mãe relativamente à afirmação da filha. Se não tiveres que comer,
Vá-se muitieramá "!
o tanger te há de fartar?
Mãe Que sempre disse e direi:
mãe, eu me não casarei Inês Cada louco com sua teima.
120 Inês
Gramática Com uma borda de boleima
senão com homem discreto, 140

1. Explicita os processos fonológicos que ocorreram


e assi na evolução das palavras indicadas.
vo-lo prometo e uma vez d'água fria."
25. Jesu -7 Jesus 125 ou
27.antes opera
leixarei.
-7 e. peras -7 pereira não quero mais cada dia.
26. Assentou-se -7 para Mãe Como às vezes isso queima'"!
Sentou-se 28.Que seja homem
pentem -7 mal feito,
Ver
100
Processos fonológicos, p.
E que é desses escudeiros?
feio,
pente pobre, sem feição,
145 Inês Eu falei ontem ali,
Oralidade I Educação Literária
r _____-"'-'
como tiver discrição,
que passaram por aqui
2.1. Pêro Marques: simplicidade, rus- não lhe quero mais proveito.
29. Pêro Marques
ticidade. Criação de um efeito cómi- contrasta com as restantes personagens da farsa, devido à sua os judeus casamenteiros
13 E saiba tanger" viola,
co: tentativa de observância das con-
simplicidade 0 e hão de vir agora aqui.
venções sociais associadas a situação e coma eu pão e cebola.
eemautenticidade.
causa. Trata-se, pois, de uma personagem que permite refletir sobre a dicotomia Gil Vicente, Op. cito [pp. 24-32]
2.2. Pêro Marques: desajeitado, sim- Siquer" uma cantiguinha!
verdade/aparência.
ples e rústico, desconhece as conven-
ções sociais básicas como sentar-se 33. muitieramá: em muito má hora. 34./anger: tocar. 35. Siquer: ao menos. 36.feito em farinha: macio (como a farinha); meigo.
1.1. Lê o poema abaixo, da autoria
numa cadeira (vv. 16-18) ou oferecer
de Sá de Miranda, em que se aborda o mesmo tema.
37. degola: agrada. 38. W. 140-141: com um bocado de bolo e um gole de água fria. 39. queima: custa.
um presente (vv. 41-60); atencioso e
Não vejo o rosto a ninguém
delicado em relação a Inês (vv. 41-
-44); honesto e respeitador, preocu- 20. Atenta na personagem de Pêro Marques.
pa-se com a reputação e a segurança
ão vejo o rosto a ninguém;
de Inês (vv.61-79, 103-105).
2.1. Explica em que medida o seu monólogo inicial (vv.1-9) contribui para a sua caracteriza-
2.3. a. cómico de situação:
· cuidais que são, e não são;
momento em que Pêro se ção e gera um efeito de comicidade.
senta ao homens, que não vão nem vêm,
contrário na cadeira, ficando de cos- 2.2. Tendo como base o seu comportamento ao longo do excerto, completa o perfil psi-
parece que avante vão;
tas para Inês e para a Mãe, com
cológico de Pêro Marques.
quem está a falar (vv. 15-19);
· antre o doente e o são
momento em que Pêro
2.3. Mostra como esta personagem contribui para a comicidade do texto, indicando os
procura as mente cada 'ora a espia;
peras que trouxe para oferecer a Inês, versos em que se evidenciam:
na meta do meo dia
mas não as encontra (vv. 41-60).
b. cómico de linguagem: confusão 21.
andais entre Lobo e Cão.
o cómico de situação;
entre "mor gado" e "morgado" (vv. 26-
-27). 22. o cómico
Sá de Miranda, in Obras Completas, VaI. I, Lisboa, de linguagem.
Sá da Costa, 1937 [pp. 19-20]
2.4. Aspetos em que a afirmação se
adequa à personagem Pêro Marques: 2.4. Prova que as afirmações abaixo se poderão adequar à personagem de Pêro Marques.
· tipo folclórico (mais do
que tipo so-
30. Compara a forma como a dicotomia verdade/aparência surge representada na persona-
"
cial), que tem como função gerar o
cómico,
gem de devido
Pêraao seu carácter; e no poema de Sá de
Marques
NaMiranda,
enorme parada de tipos que nos oferece Gil Vicente importa distinguir, dos tipos
preenchendo o esquema abaixo.
· personagem satíricos propriamente ditos, aqueles a que poderíamos chamar os tipos folclóricos,
caracterizada pela igno-
rância, simplicidade e ingenuidade; como são, nomeadamente, os pastores e outras personagens rústicas. [ ... ] Servem para
· personagem que põe em
fazer rir a gente da corte, com a sua ignorância e simplicidade. Mas, quando Gil Vicente
causa a or-
dem estabelecida - cf seriedade e se eleva ao teatro de ideias, esta mesma simplicidade de crianças grandes dá lugar a
decência, visível na preocupação
com a segurança e a reputação de
paradoxos que põem em causa a ordem estabelecida.
Inês. Antônio José Saraiva e Oscar Lopes, História da Literatura Portuguesa (17.a ed.),
3.1. Caracterização depreciativa/pejo-
Porto, Porto Editora, 2010 [p. 199, com supressões]
rativa de Pêro Marques:
· palerma desajeitado (vv.
17-18);
· homem tão sério que
chega a ser 23. Ao longo do diálogo que mantém com o pretendente, Inês vai fazendo alguns apartes.
ingénuo (vv. 67, 71-74).
3.2. Características psicológicas de 3.1. Indica-os, mostrando a finalidade com que são proferidos.
Inês:
· insensível e cruel, por 3.2. Explicita as características de Inês que estes apartes revelam.
162
troçar da falta
de jeito e da simplicidade de Pêro;
· leviana e pretensiosa, por
conside-
rar que Pêro é antiquado quando
não se aproveita do facto de estar
sozinho com ela.
Informação e Aplicação

Lexicologia
Observação
4.1. Preocupação com o tipo de noivo
Gramática e o tipo de vida que a filha deseja (vv.
W Lê os seguintes excertos da Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente: 135-138); valorização da importância
G19.1. Identificar arcaísmos. de casar com alguém que qaranta a
G19.2.ldentificar neologismos. segurança e uma vida estável (vv. 137-
G19.3. Reconhecer o campo semân- -138,143).
tico de uma palavra.
"Mas eu, mãe, sam aguçosa / e vós dois-vos devagar." 4.2. A qualidade que Inês mais valori-
G 19.4. Explicitar constituintes de cam- za no marido é a discrição (qualidade
de quem tem cuidado a falar e a agir,
pos lexicais. "Seria algum muchacho/ que brincava por prazer?" seguindo as convenções sociais).
4.2.1. Censura da conceção de vida
G19.6.ldentificar processos irregula-
"E saiba tanger viola,/ e coma eu pão e cebola. / Siquer uma idealizada pela filha; aconselhamento
res de formação de palavras. com base em expressões de cariz
cantiguinha!" popular e de carácter sentencioso
(vv. 137-138, 144).
4

Repara que:
· Atualmente, não utilizamos a forma verbal "som", tendo caído
Gramática
CB
em desuso. G 17 .3. Explicitar processos fonológi-
· Há certas palavras que usamos que têm origem noutras cos que ocorrem na evolução do por-
tuguês.
línguas; a Mãe de Inês, por exem-
1. a. Paragoge.
plo, refere o nome "muchacho", que provém do castelhano. 31. Aférese.

· Na língua, existem palavras que se relacionam entre si por 32. Assimilação.


d.Apócope.
remeterem para a mesma reali- e. Redução vocálica.

dade: é o caso de "tanger", "viola", "cantiquinha".


Oralidade I Educação Literária

04.2. Utilizar adequadamente recur-


Regras e exemplos sos verbais e não verbais: postura, tom
de voz, articulação, ritmo, entoação,
A língua é um organismo vivo, sendo constituída não só pelas expressividade.
El14.5. Analisar o ponto de vista das
palavras que se utilizam diferentes personagens.
EL 15.3. Expressar pontos de vista sus-
num determinado momento, mas também por aquelas cujo uso já não
se verifica e ainda citados pelos textos lidos, fundamen-
tando.
por outras que vão sendo formadas ou criadas ao longo dos tempos. El16.2. Comparar diferentes textos
no que diz respeito a temas, ideias e
valores.
2 O léxico de uma língua é constituído não só pelas palavras usadas 2. a. Autenticidade em termos de ca-
"J
num determinando rácter (simplicidade, honestidade, in-
genuidade); inconsciência, inocência.
momento, mas também pelos arcaísmos e os neologismos. b. Inquietação relativamente a dico-

· Arcaísmo: palavra ou expressão de uma língua que caiu em


tomia verdade/aparência; consciên·
cia da existência de hipocrisia na so-
desuso e deixou de ser uti- ciedade.
c. Desajustamento; alvo fácil de ridi-
lizada. cularização.
d. Ajustamento às convenções sociais
Ex.: asinha (depressa) ("cuidais que são, e não são").

· Neologismo: palavra ou expressão que se forma numa língua e


que é sentida como 2.1
nova pela comunidade linguística.
2.:
Ex.: bloguer
3. ela
3 Os novos vocábulos podem
2.1. Com base na comparação efetuada, apresenta a tua análise à turma: a.
ser formados a partir de
· produzindo um texto linguisticamente correto, com diversificação do vocabulário e processos regulares de
b.J
das estruturas usadas; c. I
formação de
· utilizando adequadamente recursos verbais e não verbais: postura, tom de voz, ar- palavras (derivacionais ou
ticulação, ritmo, entoação, expressividade.
164 composicionais) ou entrar na língua através de processos de 163
criação lexical (processos irregulares). Os processos irregulares de formação de palavras
são os seguintes:

· Sigla: iniciais de várias palavras, pronunciadas uma a uma, de acordo com a designação
de cada letra.
Ex.: ONG (Organização Não Governamental)

· Acrónimo: letras ou sílabas iniciais de várias palavras, pronunciadas como uma palavra.
Ex.: ONU (Organização das Nações Unidas)

· Truncação: palavra que resulta do apagamento de parte da palavra que lhe dá origem.
Ex.: quilo (quilograma)

.. ~~
''t~'' r
••. !. •
53.
M ud ão no há senão na corte Lexicologia

Escudeiro, o pretendente
que cá não no achareis.
· Amálgama: palavra que resulta da junção de parte de duas ou mais palavras.
Ex.: você (vossa + mercê)
Educação Literária
· Empréstimo: palavra originária de outra língua.
Educação Literária
Ex.: bricolage 43. o excerto que vais analisar introduz novas personagens, assumindo particular importân-
El14.2. Ler textos literários portu- cia o Escudeiro.
·gueses de diferentes
Extensão semântica:
géneros, per- palavra que já existia na língua, mas que adquire um novo signifi-
tencentes aos séculos XII a XVI.
cado.
El14.4. Fazer inferências, fundamen-
1.1. Lê o texto seguinte, em que se apresenta informação sobre o Escudeiro enquanto
Ex.: rato
tando. elemento de uma classe social mais vasta - a nobreza.
El14.S. Analisar o ponto de vista das
·diferentes personagens.
Onomatopeia: palavra que
El14.9. Identificar e explicitar o valor
reproduz um som produzido por objetos, animais, fenóme-
nos naturais,
dos recursos etc. menciona-
expressivos
dos no Programa.
Os Escudeiros na obra vicentina
Ex.: dique
E114.11. Reconhecer e caracterizar
textos quanto ao genero literário: Senho
Nas categorias elevadas da sociedade civil encontra-se o Fidalgo, muitas vezes
I ... ]
4 Asfarsa.
palavras de uma língua podem integrar diferentes estruturas lexicais, de acordo com
acompanhado do seu Moço ou Pagem (Barca do Inferno, Farsa dos Almocreves,
as relações que mantêm entre si e com os diferentes significados que lhes podem ser
1.2. Escudeiro: carácter galanteador
Comédia de Rubena, Nau de Amores, etc.), o Conde, o Duque, o Rei, o Imperador
associados.
(tocado r de viola, versejador). ainda (Barca da Glória). No outro extremo da classe nobre encontramos o Escudeiro,
que pobre.
· Campo lexical: conjunto de palavras que estão associadas
também acompanhado pelo seuao mesmo
Moço, conceito
sempre ou reali-
amoroso, grande tocador de viola
e versejador. É geralmente tão pobre quanto pretensioso (Quem tem Farelos?,
dade. Auto da Índia, Auto de Inês Pereira, O Clérigo da Beira).
Ex.: agulha, tecido, dedal ... (campo lexical de costura) Paul Teyssier, Gil Vicente - O autor e a obra, Lisboa, ICLp, 1982 [p. 124]

· Campo semântico: conjunto de significados que uma palavra pode ter nos vários con-
textos em que ocorre.
Ex.: ser burro; andar de cavalo para burro;
1.2. Comvozes de informação
base na burro não chegam ao céuexplica
apresentada, ... (campo
em que medida um escudeiro poderá
semântico de burro) corresponder ao marido idealizado por Inês Pereira.

Exercícios 2. Lê, agora, o excerto da farsa em que entra em cena o Escudeiro Brás da Mata.
Lat. ra, fomos ... Agora falo, a eu
33. Identifica os arcaísmos presentes nos excertos seguintes, fundamentando a tua resposta.
Escudeiro, o pretendente
"O demo (e não pode 01 ser) / se chantou no corpo dele."
Exercícios
1. "at" (outra coisa; outra pessoa), "si-
"e siquaes sereis vós minha, / entonces veremos nós." quaes" (porventura), "entonces" (en-
tão).
30
2.1. Canto/dança ("tanger", "viola",
2. Atenta num outro excerto da Farsa de Inês Pereira: Vêm os Judeus casamenteiros, "cantiguinha", "boi/ar", "tanger'); ali-
mentação ("coma~ 'pão", 'ceboto", "fa-
ou falas tu? Pera vossa mercê ver
rinha", "comer", 'boteimo", "água').
"Inês [' .. J Mãe Sempre tu hás de bailar, o que2.2.nos encomendou".
Latão e Vidal, e diz Latão: 1 Exemplo: Alimento feito de massa
E saiba tanger viola, Lat. Ou de cá! Quem está lá? ele há de tanger? 5 Lat. O que
e sempre de farinha de cereais, ou de milho, co-
nos encomendou
zida em forno; sustento; alimento es-
e coma eu pão e cebola. Nome de Deus, aqui somos! será osencial;
que seara
houver de ser.
ou conjunto de searas;
Siquer uma cantiguinha! Vid. Não sabeis quão longe Se não fomos!
tiveres que comer, Todopão
pão ázimo; pão de forma; pão de leite;
este mundo é fadiga.
de queijo; pão integral; pão raIa-
Falámos
Discreto, feitoa em
Badajoz',
farinha, Corremos a ira má.o tanger te há de fartar? do; pão seco; pão sem sal; a pão e
Vós dixestes, filha amiga,
músico,istodiscreto, solteiro; Cada louco com sua teima.
laranjaIs); pão, pão, queijo, queijo;
porque me degola. Lat. Este e Inês
eu. 20 que vos buscássemos
amassar o pão com o suor logo
do rosto;...pôr
60 este fora o verdadeiro," Com uma borda de boleima a pão e água; tirar o pão a alguém.

mas soltou-se-nos da noz." Lat. Eu, e este. Vid. E logo pujemos fogo."
3. a. Acrónimo (Light Amplification Su-
Vid. Pela lama e pelo pó, e uma vez d'água fria, Cal'-te!
mu/ated Emission of Radiation) e em-
Fomos a Vilhacastirri'", préstimo.
Vid. que era pera havernão dó, quero mais cada dia." Lat. 39. ãoExtensão
queressemântica.
que diga?
2.1. Identifica dois campos
e falou-nos lexicais.
em latim: 11
com chuva, sol e noroeste. 40.
Não fui eu também Empréstimo.
contigo?
2.2. Constrói "Vinde cá daqui
o campo a uma de
semântico hora,pão. 41. Truncação (otorrino/aring
Foi a coisa de maneira, Tu e %gista).
eu não somos eu?
65 e trazei-me essa senhora." tal friúra e tal canseira, Vid. 42.
34. Classifica as seguintes palavras
1 quanto aos processos que as originaram. 25 Tu judeu e eu Sigla (Compact Disk
judeu,
Read) e em-
Inês Assi que é tudo nada enfim! 0
que trago as tripas maçadas: não somos
préstimo massa d'um trigo?'
a. laser d. otorrino f. Acrónimo (Imposto sobre oVo/ar
Dize, assi me fadem boas fadas I
Lat. Leixa - me falar.
35. janela 37. Acrescentado)

(lnformática) que CD-R que me saltou caganeira. Já calo.


No Caderno de Atividades, apresen-
dizias tam-se mais exercícios sobre este
36. voleibol ? 38. Vid. conteúdo.
Vid.
1. v. 12: Assim eu tenha sorte. 2. v. 15: Os trabalhos em que nos meteu. 3. v. 21: E logo tivemos vontade de satisfazer o vosso de- 165
Que IVAsejo. 4. v. 26: Não somos da mesma índole?
166 foste, que u s,
Lat. fomos, que ias qu
35
buscá -lo,
esgaravatá
-lo.

Vós c e
Vid.
quereis, Amor, marido o no
Lat.
mui discreto, e de viola? n va
Vid.
Esta moça não é tola, s s
Lat.
que quer casar per sentido. e tra
Judeu, queres-me leixar? l zei
40
Leixo, não quero falar. h s?
Buscámo-lo ... o O
Demo foi logo!" ma
Crede que o vosso rogo t rid
vencerá o Tejo e o mar. ' o
45 Inês a qu
Eu cuido que falo e calo: c e
Mãe falo eu agora ou não? o qu
Ou falo se vem à mão? n ere
ão digas que não te falo. s is,
Inês Não falará um de vós? e de
50 l
Já queria saber isso. viol
Que siso, Inês, que siso h ae
Mãe tens debaixo desses véus! a dess
Inês . a
Vid. Diz o exemplo da velha: sort
55 /10 que não haveis de comer e,
leixai-o a outrem mexe r." 6 J n
90
emos d'urn escudeiro
de feição d'atafoneíro",
4.
que virá logo essora,
Vicente,
quedefala,
Farsa Inêse como ora fala,
Pereira
qu'estrugírá" esta sala!
Vi E tange, e como ora tange,
d.
e alcança quanto abrange,
E e se preza bem da gala."
70 s
p Vem o Escudeiro e diz:
e
r
a Se esta senhora é tal
i como os Judeus ma gabaram,
, certo os anjos a pintaram,
75
e não pode ser i al.ls
a
g Diz que os olhos com que via
u foram de Santa Luzia,
a
r e cabelos de Madanela.
E
sc d Se fosse moça tão bela,
. a como donzela seria?
i
80 Moça de vila" será ela
o
r com sinalzinho postiço,
a e sarnosa no toutiço,
! como burra de Castela.
Eu, assi como chegar,
S
cumpre-me bem d'atentar
85 o
se é garrida, se honesta,
u
porque o melhor da festa
b
é achar siso e calar".
5. v. 38: Nós partimos imediatamente. 6. v. 51: Não te intrometas em assuntos que não te dizem respeito. 7. Badajoz: músico da
Corte de D. João 11I. 8. v. 60: Este era o mais indicado. 9. v. 61: Mas não revelou interesse. 10. Vilhacastim: músico castelhano ao
_ serviço da corte portuguesa. 11. v. 63: E falou-nos numa linguagem pouco clara. 12. ala Janeiro: muito ocupado. 13. estrugirá:
!i! atroará com gritos e músicas. 14. v. 75: e se preza de galante. 15. v. 79: E não pode haver nada melhor. 16. Moça de vila: de mau
~porte. 17. v. 93: pudor, respeito.
167

55.

Escudeiro, o pretendente

Mãe Se este Escudeiro há de vir, Que bem vejo


95 e é homem de discrição, nesse ar, nesse despejo",
hás-te de pôr em feição 135 mui graciosa donzela,
de falar pouco e não rir. que vós sois, minha alma, aquela
E mais, Inês, não muito olhar, que eu busco e que desejo.
e muito chão o menear," Obrou bem a natureza
100 por que te julguem por muda;
porque a moça sisuda em vos dar tal condição,
140 que amais a discrição
é uma perla pera amar. muito mais que a riqueza.
Esc. Olha cá, Fernando, eu vou Bem parece
ver a com qu'hei de casar: que a discrição merece
105 avisa-te, que hás de estar gozar vossa fermosura,
sem barrete onde eu estou. 145 que é tal que, de ventura,
Moço (Como a rei, corpo de mil outra tal não s'acontece."
Mui bem vai isso assí.)"
Senhora, eu me contento
Esc. E se cuspir, pela ventura,
põe-lhe o pé e faz mesura. receber-vos como estais;
110

Moço (Ainda eu isso não vi.)2O se vós não vos contentais,


150
o vosso contentamento
Moço (Homem que não tem nem preto", 165

Moço Que manda Vossa Mercê?


casa muito na má hora.)
Esc. Que venhas cá.
Chega o Escudeiro onde está Inês Moço Pera quê?
Pereira e diz: Esc. Por que faças o que eu mando!
Esc. Moço Logo vou.
Antes que mais diga agora, 21
170 (O Diabo me tornou:"
130 Deus vos salve, fresca rosa, sair-me de João Montês
e vos dê por minha esposa, por servir um tavanês",
por mulher e por senhora. mor doudo que Deus criou!)
18. v. 99: E ter cuidado com o movimento das ancas. 19. vv. 107-108: Como se eu fosse um rei, caramba! Isto assim
não vai nada
mal. 20. v. 111: Que fanfarronice! 21. v. 113: De ser íntimo do rei. 22. preto: vintém. 23. despejo: naturalidade. 24. v.
146: Não se
encontra outra igual. 25. v. 151: Nunca mais acabará. 26. v. 155: segundo parece. 27. v. 170: Que azar dos diabos' 28.
tavanês:
estouvado; leviano.
56.

4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira

Esc. Fui despedir um rapaz,


175 por tomar este ladrão,
que valia Perpinhão'".
Moço!
Moço Que vos praz?
Esc. A viola.
Moço (Oh! Como ficará tola,
1~ se não fosse casar ante
co mais sáfío" bargante"
que coma pão e cebola!)

Ei-la aqui bem temperada",


não tendes que temperar".
185 Esc. Faria bem de t'a quebrar

na cabeça, bem migada.


Moço E se ela é emprestada,
quem na havia de pagar?
Meu amo, eu quero-me ir.
190 Esc. E quando queres partir?

Moço Logo quero começar.


Determino de partir
ante que venha o inverno,
porque vós não dais governo
195 pera vos ninguém servir.
Esc. Não dormes tu que te farte?
Moço No chão, e o telhado por manta,
e cerra-se-m'a garganta
com fome.
Esc. Isso tem arte ... 34

Oh! Como é Pode ser maior riqueza


200 Moço Vós sempre zombais assi.
seca a velhice! que um homem avisado?
Esc. Oh! Que boas vozes tem
Leixai-me ouvir e 215 Mãe Muitas vezes, mal pecado,
esta viola aqui!
folgar, é melhor boa simpreza.
Leixa-me casar a mi,
depois, eu te farei bem. que não m'hei de Lat. Ora ouvi e ouvireis.
lOS Mãe Agora vos digo eu
contentar Dizei alguma canta dela.
que Inês está no Paraíso! de casar com Namorai esta donzela
Inês Que tendes de ver co isso? parvoíce. 220 e esta cantiga direis:
Todo o mal há de ser meu. "Canas do amor, canas,
canas do amor.
Mãe
Polo longo de um rio
110 Inês
canaval" está florido,
225 canas do amor:'

57.
§

~
o
~
~29. Perpinhão: praça disputada no final do século XV; neste verso, a palavra é utilizada metaforicamente, designando alguém
~raro e precioso. 30. sáfio: reles; rude. 31. bargante: homem sem vergonha e sem moral. 32. bem temperada: afinada. 33. v. 184:
169
v
"não tendes o que cozinhar. 34. v. 199: Isso tem uma certa piada ... 35. canaval: canavial.
58.
Escudeiro, o pretendente


4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira

Canta o Escudeiro o romance de 305 1


265 Mãe Inês, guar' -te de rascão!"
"Mal me quieren en Castilla" e diz Vida I:
Escudeiro queres tu?
Vid. Latão, já o sono é comigo, Inês Iesu, nome de Iesul
como oiço cantar guaíado", Quão fora sois de feição!"
que não vai esfandegado" ...
Já minha mãe adivinha ...
Lat. Esse é o demo qu'eu digo. 270 Folgastes vós na verdade
230 Viste cantar Dona Sol: casar à vossa vontade?
"Pelo mar vai a vela, Eu quero casar à minha.
vela vai pelo mar"? Mãe Casa, filha, muit'ernbora". 310

Vid. Filha Inês, assi vivais Esc. Dai-me cá essa mão, senhora.
que tomeis esse senhor 275 Inês Senhor, de mui boa mente.
235 escudeiro cantador Esc. Per palavras de presente
e caçador de pardais, vos recebo desd'agora".
sabedor, revolvedor", 315

falador, gracejador, Nome de Deus, assi seja!


afoitado pela mão," Eu, Brás da Mata, Escudeiro,
40 280
e sabe de gavião ... recebo a vós, Inês Pereira,
240 por esposa verdadeira
Tomai-o por meu amor. como manda a Santa Igreja.
Podeis topar um rabugento, Inês Eu, aqui diante Deus,
desmazelado, baboso, Inês Pereira, recebo a vós,
descancarado", brígoso, 285 sem mais preço nem demandas I , 320

245 medroso, carapatento". como a Santa Igreja manda,


Este Escudeiro, aosadas", a Brás da Mata.
onde se derem pancadas, Lat. Aí somos nós!"
ele as há de levar
boas; senão, apanhar ... Vid. "Alça manim dona, ó dona, ha," 57
60
250
Nele tendes boas fadas." arrea especulá."
290 bento o Deu de Iacob,
Mãe Quero rir com toda a mágoa bento o Deu que a Faraó 3
destes teus casamenteiros! espantou e espantará. .
Nunca vi judeus ferreiros Bento o Deu de Abraão, 4
aturar tão bem a frágoa". benta a terra de Canão.?" .
255 Não te é melhor, mal por mal, 295 Pera bem sejais casados!
Inês, um bom oficial, Dai-nos cá senhos" ducados.
que te ganhe nessa praça, Mãe Amanhã vo-los darão.
que é um escravo de graça, Pois as si é, bem será
e mais casas com teu igual? S.
que não passe isto assi.
260 Lat. Senhora, perdei cuidado: 300 Eu quero chegar ali
o que há de ser, há de ser; chamar meus amigos cá,
e ninguém pode tolher" e bailarão de terreiro.
o que está determinado. Esc. Oh! Quem me fora solteiro!
Vid. Assi diz Rabi Zarão, Inês Já vós vos arrependeis?
36. guaiado: lamentoso, nostálgico. 37. esfandegado: agitado, sacudido. 38. revolvedor: intriguista. 39. v. 239: valente de braços
e atrevido. 40. v. 240: E é um bom caçador. 41. descancarado: descarado. 42. carapatento: hipócrita. 43. aosadas: certamente.
44. v. 250: Ele proteger-vos-á. 45 . .frágoa: forja. 46. tolher: impedir. 47. rascão: vadio, desordeiro. 48. v. 268: Quão disparatada
sais! 49. muit'embora: em boa hora. 50. vv. 276-277: palavras que os noivos transmitem um ao outro no ato do casamento.
51. demanda: disputa. 52. Aí somos nós: Está o assunto arrumado. 53. v. 288: Levanta as mãos e agradece. 54. v. 289: arranja o
cabelo. 55. vv. 290-294: os versos desta cantiga fazem parte dos rituais judaicos. 56. senhos: distribuídos.
60. 170
59.
57. arilIas: margens. 58. nido: ninho. 59. ballestero: caçador. que amado sejais no c
60. asinha: depressa. 61. casinha: casebre. Gil Vicente, Op. cit. [pp. 32-5

JOS Esc. Ú esposa, não faleis, E acabando de cantar e bailar


3. Divide o
que casar é cativeiro. diz Pernando:
excerto em
Vem a Mãe com certas moças Fer. Ora, senhores honrados, partes
lógicas,
e mancebos pera fazerem festa e 325 ficai com vossa mercê,
explicitando o
diz uma delas, per nome Luzia: e nosso Senhor vos dê assunto de
Luz. Inês, por teu bem te seja! com que vivais descansados. cada uma
Luz. Ficai com Deus, desposados, delas.
Oh! Que esposo e que alegria! com prazer e com saúde,
Inês Venhas embora, Luzia, 61. Atenta nas
330 e sempre ele vos ajude personagens de Latão e
310 e cedo, t'eu assi veja. com que vivais descansados. Vida!.
Mãe Ora vai tu ali, Inês, Esta festa foi agora,
4.1.
e bailareis três por três. mas melhor será outrora.
Comenta
Fer. Tu connosco, Luzia, aqui,
e a desposada ali, Mãe Ficai com Deus, filha minha, as suas
31S ora vede qual direis. 335 não virei cá tão asinha'": falas,
a minha bênção hajais. tendo em
Cantam todos de terreiro: Esta casa em que ficais
conta:
"Mal ferida i va la garza vos dou, e vou-me à casinha".
enamorada, Senhor filho e senhor meu,
62. a interação

sola va y gritos daba. 340 pois que já Inês é vossa, discursiva de ambos;
A las orillas'" de um rio vossa mulher e esposa, 63. as características da
320 la garça tenia el nido'": encomendo-ve-Ia eu. linguagem usada;
ballesterc" la ha herido E, pois que dês que nasceu
64. o conteúdo da
en el alma; a outrem não conheceu,
informação relatada a Inês.
sola va y gritos dava:' 345 senão a vós, por senhor,
que lhe tenhais muito amor, 65. Terminado o relato
dos Judeus casamenteiros, entra em cena o Escudeiro Brás da Mata,
acompanhado de um Moço.
5.1. Traça o perfil psicológico do Escudeiro, com base nos seguintes tópicos:
66. forma como retrata Inês antes de a conhecer;
67. modo como se autocaracteriza;
68. forma como se relaciona com o Moço.
5.1.1. Retira do texto um exemplo de cómico que contribua para evidenciar os tra-
ços de carácter do Escudeiro.
5.1.2. Mostra como o recurso à metáfora e à hipérbole se encontram ao serviço da
caracterização psicológica de Brás da Mata.

3. 1.' parte: diálogo entre os judeus


casamenteiros e Inês acerca do pre-
tendente a marido (vv. 1·75).2.' par-
te: entrada do Escudeiro em cena;
contacto entre este e Inês Pereira e
decisão de Inês em casar com ele
(vv. 76·273). 3.' parte: casamento en-
tre Inês e Brás da Mata (vv. 274·347).
4.1. a. Interação desarticulada (refe-
rem-se um ao outro como se um de-
les estivesse ausente; deixam de se
dirigir a Inês para discutirem sobre
quem deve falar).
b. Recurso a linguagem popular, mar-
cada por termos grosseiros (w. 11·
·13), a jogos de palavras (vv. 5, 24·25,
30· 31) e a linguagem hiperbólica
(vv. 6·8), por vezes ao serviço da baju-
lação de Inês (vv. 39-40).
c. Tendência para um discurso redun-
dante e muitas vezes desprovido de
informação relevante (cf. referências
às dificuldades que tiveram em satis-
fazer o pedido de Inês - músico Ba-
dajoz e músico Vilhacastim).
5.1. a. O Escudeiro revela-se hipócrita,
dissimulado, trocista (troça de Inês Pe-
reira quando não é ouvido por esta e
elogia-a mais tarde).
b. O escudeiro revela-se vaidoso, ego-
cêntrico, pretensioso (vv. 156-164), dis-
simulado (vv. 12-15).
c. O escudeiro revela-se pobre, tirano/
déspota, violento (vv. 185-188).
5.1.1. Exemplo:
· Cómico de linguagem: "Moça de
vi-
la será ela / com sinalzinho postiço, / e
sarnosa no toutiço, / como burra de
Castelo." (vv. 85-88)
· Cómico de carácter: "E se me
vires
mentir, / gabando-me de privado, /
está tudo dissimulado, / ou sai-te pe-
ra fora a rir." (vv. 112-115).
5.1.2. Metáfora: "fresca rosa" (v. 130);
hipérbole: "vossa fermosura [. .. } é
tal que, de ventura, / outra tal não
s'acontece" (vv. 144-146).
Recursos que realçam o carácter adula-
dor do Escudeiro, que tenta cativar Inês
através de um discurso elogioso, em-
bora, antes, tenha desdenhado dela.

171

Escudeiro, o pretendente

Informação Metáfora c
Associação entre duas ou mais entidades que, apesar de serem diferentes, apresentam 1.
aspetos em comum, através dos quais podem ser aproximadas.
Ex.: "6 esposa, não fa/eis, / que casar é cativeiro." (A palavra "cativeiro" é usada para realçar a
[!
forma como Brás da Mata encara o casamento, aqui identificado i
com a perda de
liberdade.)

6. Finalmente, dá-se o encontro entre Inês e o pretendente.

)1(6.1. Classifica como verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmações seguintes relativas ao en-
contro e ao casamento, corrigindo as falsas com elementos textuais.
6.1. a. F (vv. 129-151); b. V; c. F (vv.
166-169,183-191,196-200); d. F (vv.
a. O Escudeiro não parece corresponder ao ideal de marido desejado por Inês, pois, apesar
170-173, 179-182); e. V; f. V; g. V; h. F dos elogios que faz, fala incorretamente e revela antipatia.
(vv. 255-259, 265-266); i. F (vv. 303,
306);j. v. b. O pretendente de Inês exibe os seus atributos, dando a conhecer a sua ocupação, o seu
7.1. Encontro entre Inês e Brás da Ma-
ta e o projeto de libertação de Inês:
domínio das letras e a sua qualidade de músico.
· Inês encarava o casamento c. Enquanto o Escudeiro se apresenta a Inês, é notória a relação de cumplicidade e de
como a
2.
única forma de se libertar do "cati- lealdade que existe entre ele e o Moço.
veiro" da vida de solteira;
· a jovem pretendia casar com um d. O Moço vai tecendo alguns apartes que encerram elogios ao carácter do Escudeiro.
ho-
mem "avisado': discreto, com as ca- e. A Mãe de Inês intervém, revelando, uma vez mais, a sua desaprovação em relação às
racterísticas típicas de um homem
de corte; escolhas da filha.
· Brás da Mata parece
corresponder às f. Estando os Judeus atentos aos comentários da Mãe, Latão sugere a Brás da Mata que
exigências de Inês, aparentando ser
cante para Inês.
o meio de emancipação e de ascen-
são social. g. Terminada a canção do Escudeiro, Vidal reforça, junto de Inês, as grandes qualidades que
ela encontrará em Brás da Mata, se o aceitar como marido.
Gramática h. A Mãe de Inês reconhece as qualidades de Brás e aconselha a filha a casar com alguém de
1m
G19.4. Explicitar constituintes de estatuto superior para garantir conforto.
campos lexicais.
i. Após a celebração, Brás da Mata manifesta o seu contentamento por ter casado.
1.1.ldeal de mulher.
1.2. "fresca rosa", "despejo", "mui gra- j. A Mãe de Inês abençoa o casal e recomenda a Brás que trate bem a sua filha, que passa a
ciosa donzela", "discrição", "fermosura".
ser da sua responsabilidade.

172 l'

69. Como pudeste verificar na análise dos primeiros excertos da farsa, Inês tem como obje-
tivo libertar-se do "cativeiro", sendo o casamento uma forma de o conseguir.

7.1. Mostra de que forma o encontro de Inês Pereira com Brás da Mata assume uma im-
portância fukral nesse projeto de libertação.
1
~

Gramática

70. Atenta nos versos 129 a 146, em que o escudeiro Brás da Mata se dirige a Inês.

1.1. Identifica o campo lexical dominante.

1.2. Refere as palavras que integram esse campo lexical.

Ver Lexicologia, p.
164
71.

4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira

Oralidade I Educação Literária


1. o Escudeiro apresenta características dos protagonistas dos romances picarescos. Oralidade I Educação literária
~
[iiJ 1.1. Ouve o programa radiofónico Lugares Comuns (Antena 1), de 17 de junho de 2014, da 01.3. Distinguir informação subjeti-
va de informação objetiva.
06.1. Produzir os seguintes géneros
autoria de Mafalda Lopes da Costa. Tendo por base a informação veiculada, elabora de texto: síntese [ ... ].
uma síntese do conceito de "pícaro" e apresenta-a, oralmente, à turma. Segue as eta- 06.3. Respeitar as seguintes exten-
sões temporais: síntese - 1 a 3 minu-
pas indicadas. tos [ ... l.
EU 5.6. Ler uma ou duas obras do
Projeto de Leitura relacionando-a(s)
Elaboração da síntese Apresentação da síntese com conteúdos programáticos de di-
ferentes domínios.
• Reduz o conteúdo do texto ao que é • Utiliza adequadamente recursos verbais e EU6.2. Comparar diferentes textos
essencial, selecionando a informação mais não verbais tais como: tom de voz, no que diz respeito a temas, ideias e
valores.
relevante. articulação, ritmo, entoação, postura e
• Elabora tópicos que possam servir de expressividade.
mi!Áudio
suporte à tua intervenção. • Produz uma síntese com vocabulário Programa radiofónico Lugares comuns
- "Ser pícaro" [1 min 32 s]
• Encadeia de forma lógica os tópicos que diversificado e com correção linguística.
selecionaste. • Respeita a extensão temporal para a 8 "Ser Pícaro"
Transcrição do programa
apresentação da síntese (1 a 3 minutos).
radiofónico
Ver Síntese, p. De uma pessoa maliciosa, ardilosa,
46 astuta, esperta, mas também de al-
guém pouco honesto, que vive de
72. Lê O excerto abaixo de Lazarilho de Tormes, uma novela picaresca. Neste momento da expedientes, diz-se que é um pícaro.
O adjetivo "pícaro"vem do castelhano
narrativa, o protagonista reflete sobre o seu amo, um escudeiro pelintra. e designava inicialmente as persona-
gens das narrativas picarescas espa-
nholas como o célebre Lazarilho de
Tormes. Estas eram personagens sem

Lazarilho de Tormes . recursos e que usavam todo o tipo de


artimanhas para conseguir sobrevi-
ver. Quanto à origem do termo, "píca-
ro'; começaram a chamar pícaros aos
Certa manhã, levantou-se o desgraçado em camisa, e subiu ao alto da casa soldados espanhóis que regressavam
para fazer as suas necessidades, e, entretanto, eu, para me tirar de dúvidas, rebus- das campanhas militares em França e,
nomeadamente, da região da Picar-
quei-lhe o gibão' e as calças, que tinha deixado ficar à cabeceira da cama, e achei dia. Ora, estes soldados, desmobiliza-
dos, ficavam entregues à sua sorte e
uma bolsinha de veludo, dobrada em mais de mil dobras e sem uma única malfa- sem recursos. Socorriam-se, então, de
todo o tipo de esquemas para conse-
dada moeda branca nem sinal de que ali tivesse existido havia muito tempo.
guirem sobreviver. E daí se passar a
"Este - pensei eu - é pobre e ninguém pode dar aquilo que não tem; mas o chamar "pícaro" a alguém ardiloso,
astuto e desonesto, que vive de expe-
avarento do cego, e o maldito e mesquinho clérigo, que, apesar de lhes dar Deus dientes.
a ambos, a um de mão beijada e ao outro bastando-lhe soltar a língua, me mata- 1.1. Pícaro:
vam à fome, a esses é justo ter raiva e deste ter dó:' · origem da palavra - da
região da Pi-
10 Deus é testemunha de que hoje, quando encontro algum assim vestido, com cardia;

o mesmo aspeto e pompa, lastimo-o por pensar se não padecerá o mesmo que · palavra castelhana que
designava
eu vi sofrer àquele, a quem, por todas estas razões, com toda a sua pobreza, eu personagens de narrativas picares-
cas - personagens sem recursos, que
gostava mais de servir do que aos outros. Só tinha uma razão de queixa dele. viviam de artimanhas;

Preferia que não mostrasse tanta presunção, e que diminuísse um pouco as fan- · alguém malicioso,
esperto, ardiloso,
15 tasias, pelo muito que lhe crescia a necessidade. Mas, ao que parece, é uso e que vive de expedientes desonestos;
· anti-herói, marcado por
costume entre aquela gente. Mesmo que não tenham com que mandar cantar um percur-
so de vida difícil.
um cego, andam sempre de cabeça ao alto. Que o Senhor lhes ponha remédio,
visto que assim nasceram e assim hão de morrer. mi!POF
Guião de produção de síntese oral
Lazarilho de Tormes, Lisboa, Vega, 1993 [p. 78) disponível nos Recursos do Projeto e
1. gibão: casaco comprido. no Caderno do Professor - Materiais
de Apoio (versão impressa).

2.1. Escudeiros:
2.1. Compara a personagem apresentada no excerto com Brás da Mata. · vaidosos,
altivos/presunçosos e bem
vestidos;
· pobres, sem dinheiro para
comer.

173

11
73.

o Escudeiro, de

I pretendente a marido

Educação
Literária
Educação literária
74. Inês casa, finalmente, com o marido pretendido, o Escudeiro Brás da Mata. M
El14.2. Ler textos literários
o
portugue- 1.1. Com base nos acontecimentos anteriores, tenta antecipar o relacionamento das
ses de diferentes géneros, 60
pertencen- duas personagens.
tes aos séculos XII a XVI. E
El14.4. Fazer inferências, 1.2. Lê o excerto seguinte e, simultaneamente, ouve a leitura dramatizada.
fundamen-
s
tando. M
El14.5. Analisar o ponto de vista
o

o Escudeiro, de pretendente a marido 0


das
diferentes personagens.
El14.9. Identificar e explicitar o
valor
dos recursos expressivos
menciona-
65
dos no Programa.
E114.11. Reconhecer e Vai-se e fica o Escudeiro com sua Inês Que pecado foi o meu? E
caracterizar mulher, o qual diz: Porque me dais tal prisão? sc
textos quanto ao género literário: [
30 Esc. Vós buscastes discrição,
... ] E vós cantais, Inês Pereira?
farsa [ ... ].
Esc. que culpa vos tenho eu? M
Em vodas m'andáveis vós?
Juro ao corpo de Deus Pode ser maior aviso, o
1.1. Relação conflituosa, sugerida
que esta seja a derradeira! maior discrição e siso E
pela divergência de opiniões e por
Se vos eu vejo cantar, que guardar o meu tesouro? sc
aquilo que parece ser o arrependi- eu vos farei assoviar ... 35 Não sois vós, mulher, meu ouro?
mento do noivo. Inês Bofél, senhor meu marido, Que mal faço em guardar isso? 70

M
se vós disso sois servido, Vós não haveis de mandar
OI
bem o posso eu escusar. em casa somente um pelo;
10 Esc. Mas é bem que o escuseis, se eu disser "isto é novelo';
e outras cousas que não digo.
40
havei -lo de confirmar.
E mais, quando eu vier
Inês Porque bradais vós comigo? de fora, haveis de tremer, M
OI
Esc. Será bem que vos caleís, e cousa que vós digais
e mais, sereis avisada não vos há de valer mais
75 Inêi
15
que não me respondais nada,
em que ponha fogo a tudo," 45 daquilo que eu quiser.
M
porque o homem sesudo Moço, às partes d'Além"
OI
traz a mulher sopeada". vou fazer-me cavaleiro.
Moço (Se vós tivésseis dinheiro,
Vós não haveis de falar
não seria senão bem ... )
80
20
com homem nem mulher que seja.
Somente ir à igreja 50 Esc. Tu hás de ficar aqui.
não vos quero eu leixar. Olha, por amor de rni,
Já vos preguei as janelas, o que faz tua senhora,
por que não vos ponhais nelas. fechá-Ia-ás sempre de fora.
25 Estareis aqui encerrada Vós lavrai, ficai per i. In
ês
nesta casa tão fechada, 55 Moço Co dinheiro que leixais
como freira d'Odivelas. não comerei eu galinhas ...

85

1. Bofé: Por minha fé. 2. v. 16: Ainda que faça os maiores disparates. 3. sopeada: humilhada; dominada. 4.
partes
d'Além: Marrocos.

90

174 5.
v.5(

reb
ola
13.
las

75.
Esc. vinhas.
Vai - te Que diabo queres mais?
tu per
essas Moço Olhai, olhai; como rima!"
60 E depois de ida a vindima?
Esc. Apanha desse rabisco". 4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira
Moço Pesar ora de São Pisco!?
E convidarei minha prima ...

E o rabisco acabado,
65 ir-rn' -ei espojar" às eiras? Vede que cavalarias,
vede já que mouros mata
Esc. Vae- te per essas figueiras,
95 quem sua mulher maltrata,
E farta-te, desmazelado!
sem lhe dar de paz um dia!
Moço Assi?"
Sempre eu ouvi dizer
Esc. Pois que cuidavas?
que o homem que isto fizer
E depois virão as favas.
nunca mata drago" em vale,
70 Conheces túberas da terra"?
100 nem mouro que chamem Ale;15
Moço I-vos vós embora à guerra,
e as si deve de ser.
que eu vos guardarei oitavas".

Ido o Escudeiro, diz o Moço: Juro em todo meu sentido


que se solteira me vejo,
as si como eu desejo,
105 que eu saiba escolher marido,
à boa fé, sem mau engano,
pacífico todo o ano,
e que ande a meu mandar.
Havia m'eu de vingar
110 deste mal e deste dano.

Moço Senhora, o que ele mandou Entra o Moço com uma carta e diz:
não posso menos fazer. Moço Esta carta vem d'Além,
75 Inês Pois que te dá de comer, creio que é de meu senhor.
faze o que t'encomendou. Inês Mostrai cá, meu guarda-mor,
Moço Vós fartai -vos de lavrar, e veremos o que i vem.
eu me vou desenfadar
com essas moças lá fora. Sobrescrito:
BO Vós perdoai-me, senhora,

porque vos hei de fechar. 115 "À senhora mui prezada


Inês Pereira da Grã,
Fica fechada Inês Pereira e à senhora minha irmã,
lavrando canta: em Tomar lhe seja dada:'

Inês "Quem bem tem e mal escolhe,


por mal que lhe venha não s'anoje"," De meu irmão ... Venha embora!
120 Moço Vosso irmão está em Arzila?
Renego da discrição,
85 comendo ao demo o aviso, Eu apostarei que i vem
que sempre cuidei que nisso nova de meu senhor também.
estava a boa condição. Inês Já ele partiu de Tavila?
Cuidei que fossem cavaleiros, Moço Há três meses que é passado.
fidalgos e escudeiros, 125 Inês Aqui virá logo recado,

não cheios de desvarios, se lhe vai bem, ou que faz.


e em suas casas macios, Moço Bem pequena é a carta assaz.
e na guerra lastímeíros'". Inês Carta de homem avisado.

5. v. 59: Olhai, olhai, o disparate! 6. rabisco: cachos que escapam à vindima. 7. v. 62: fórmula popular de juramento. 8. espojar:
rebolar. 9. Assi?: Ah, é assim? 10. túberas da terra: espécie de cogumelos. 11. oitavas: rendimentos. 12. s'anoje: se queixe.
13.lastimeiros: cruéis. 14. drago: dragão. 15. v. 100: Nem pratica boas ações.
17
5
-
b.

c.
"Como no início da representação, Inês, fechada em casa, borda, canta e renega um aspeto
sombrio da sua existência, logo imaginando uma forma de o superar:'
o Escudeiro, de pretendente a marido
"Na espontaneidade que o caracteriza, o discurso, onde passam a recusa do luto, o desprezo
pelo marido que acaba de perder e o imediato projeto de novo e mais vantajoso casamento, dá
a conhecer a nova face da moça:'
Lê a carta.
"Inês, que agora se julga livre, retoma espontaneamente os bordados e o canto amoroso. 3
O marido revela-se-Ihe então na sua tirania:'
"Muito honrada irmã,
d. "Por carta de seu irmão, vem Inês a saber da morte, nada gloriosa, do marido, às mãos de um
130 esforçai o coração"
pastor que o matou quando ele fugia da batalha. Despedido o Moço, seu carcereiro e único elo
e tomaipor devação
a prendê-Ia a Brás da Mata e à lembrança dele, Inês comenta a notícia:'
e. "Inês, confrontada com uma autoridade que não de querer
admite o que
réplica, é deDeus
novo -quer,""
mais do que nunca
E isto eque
- prisioneira: proibida de sair de uma casa cujas janelas quer
porta dizer?
estão cerradas, proibida de
cantar, de ir à missa, de ver e falar com quem quer que seja, vigiada pelo criado do marido,
condenada a bordar num total isolamento do mundo."Prossegue:
f. "Quando o tirano parte para África, em busca de uma nobilitação impossível, a voz de Inês
"E não vos maravilheis
volta,
"-, porém, a ouvir-se em novo canto, logo seguido de monólogo reflexivo:'
135 de cousa que o mundo faça,
2.1. c., e., f., a" d. b. que sempre nos embaraça
3.1. a. Em casa da Mãe, fechada.
44. Bordado e canto. com cousas. Sabei que indo
45. Insatisfeita com a vida,
vosso marido fugindo
lamentan-
do-se da sua sorte, da batalha pera a vila, Guardar de cavaleirão,
d. Renega o que está a fazer, queixa-
-se de estar fechada e promete que 140 a meia légua de Arzila, barbudo", repetenado'",
conseguirá forma de sair do seu "cati-
veiro", preferencialmente, casando; o matou um mouro pastor:' que em figura d'avisado
e. Homem "avisado", de boas manei-
ras, tocador de viola e versejador, que Moço Oh, meu amo e meu senhor! 155 é malino'" e sotrancão".
lhe proporcione uma vida com diver- Agora quero tomar, 4
são,
f. Em sua casa (que lhe foi dada pela
Inês Dai - me vós cá essa chave, pera boa vida gozar,
mãe, aquando do casamento), fecha- e i buscar vossa vida." um muito manso marido.
da,
46. 145 Moço Oh, que triste despedida!
Bordado e canto. Não no quero já sabido,
47. Insatisfeita com a vida, Inês Oh, que nova tão suave!
lamentan- 160 pois tão caro há de custar.
do-se da sua sorte, Desatado é o nó!" Gil Vicente, Op, cit. [pp. 53-63] s.
i. Renega o que está a fazer, queixa-
se
S'eu por ele ponho dó20,
de estar fechada e espera conseguir o Diabo m'arrebente! 16. v. 130: tende coragem. 17. vv. 132-133: Aceitai a vontade de Deus.
sair do "cativeiro" em que se encontra 18. v, 144: ide à vossa vida, 19. v, 147: Está desfeito o casamento. 20. dó:
depois de casada, arrependendo-se 150 Pera mim era valente,
luto, 21. caualeirão, / barbudo: homem orgulhoso e valente. 22. repete-
da decisão que tomou, e matou-o um mouro só. nado: insolente. 23. malino: maldoso. 24. sotrancão: hipócrita.
j. Homem insensível e tirano, que
quer mantê-Ia presa, não permitindo
que ela saia de casa ou olhe pela jane-
o
2. Apresenta-se abaixo um resumo desordenado do excerto lido.
la, 1
4.1. Morte do Escudeiro - Brás da Ma- ~2.1. Ordena os segmentos textuais, de modo a obteres um resumo coerente com o sen- .
ta foi morto por um pastor, quando tido global do excerto.
tentava fugir de uma batalha, em Arzi-
la.
4.2. Antítese, Realce da oposição de
sentimentos provocados pela morte
do Escudeiro ao Moço (tristeza, por fi-
car desamparado) e a Inês (alegria,
por se libertar do casamento que a
aprisionava),
5.1. O conceito de "libertação" alte-
rou-se para Inês:
· inicialmente: sinónimo de
casamen-
to com um homem da corte;
· após o casamento:
consciência de
que o casamento pode ser sinónimo
de cativeiro, subjugação;
· após a notícia da morte
de Brás: op-
ção por um "muito manso marido"
Oralidade
como forma de emancipação / liber-
CB
tação,
02.1. Tomar notas, organizando-as,
02.2. Registar em tópicos, sequen-
cialmente, a informação relevante,
»

176 ENCI(
76.

J, = .1 4. Gil Vicente, Farsa de Inês


Inês solteira (pp. l52·l53,vv. 1-36) Inês casada (p.175,vv.83-110) Pereira

Local onde está a. Local onde está f.


48. Este momento da farsa apresenta uma situação paralela à do início da peça.
Atividades a que se dedica b. Atividades a que se dedica g. 8 "Modo de vida cortês"
3.1. Demonstra-o, completando o esquema abaixo, no teu caderno.
Estado de espírito c. Estado de espírito h. Transcrição dos textos gravados
A abundância de situações dramá-
ticas vicentinas em torno do enamo-
Conteúdo do monólogo d. Conteúdo do monólogo i. ramento e do casamento trazia para a

J, J,
cena, naturalmente, uma presença
correspondente de figuras femininas,

l
Visão que Inês tem Visão que Inês tem na medida em que a cultura de corte,
e. j. nas suas mais diversas formas de ex-
do futuro marido do marido
pressão, desde a poética à gestualida-

r
;t
J de, à arte dos comportamentos refi-
nados (por exemplo, saber falar, como
Cu Itu ra cortês a. e quando, saber rir, etc.), estava polari-
zada em torno da problemática do
sentimento amoroso, que implicava o
Características do marido ideal b. processo de enamoramento e as con-
sequências dele; e nisto a mulher era
,li central. Ora o teatro vicentino era par-
te integrante dessa cultura de corte e,
'fi c. , mal assimilada, sucumbe no confronto com por isso, compartilhava das respetivas
modalidades diversos pontos de vista,
a d. e a moça acaba por assumir a sua e. " ideias, modos de linguagem. Bastará
lembrar como em todos os casos em

me leve
J, me derrube."
que Gil Vicente representa a atuação
do homem que procura seduzir uma

(
49. 'flntes quero asno
Entretanto, que entra
o Moço emque cavalo
cena, comque
uma carta. mulher encontramos essa linguagem,
essa terminologia, esse modelo com-
4.1. Sintetiza o conteúdo da mesma. portamental frequentemente traba-
Informação e Aplicação lhado nos "cancioneiros" ou nos trata-
4.2. Identifica o recurso expressivo usado nos versos 145-146 para destacar as reação do dos de cortesania da época.
Jorge Osório, "Solteiras e Casadas em
Moço e de Inês à notícia que a carta traz, comentando a sua expressividade. Gil vicente" in Peninsula: Revista de Estudas
Ibéricos, n.O 2, 2005 [p. 116)
50. Etimologia
Inês entendia o casamento como uma forma de "libertação".
A cultura cortês, mal assimilada,
5.1. Mostra, com base no monólogo final do excerto (vv.147-l60), como o conceito de "liber- sucumbe no confronto com a cultura
tação" se alterou paraObservação
a moça. popular e a moça acaba por assumir a
sua verdadeira condição. Inês não
evoluiria - ou não evoluiria da mesma
forma - se o seu caminho não se ti-
vesse cruzado com o do Escudeiro
OralidadeG) que, atraiçoando as suas quimeras, a
fez cair na realidade e despertou nela
um secreto desejo de vingança, de
51. O modo de vida cortês ambicionado por Inês entra em conflito com o modo de vida que a união com Pêra Marques será o
popular característico do meio em que a protagonista se movimenta. instrumento. Depois de experimentar
o cavalo que derruba, Inês preferir-
1.1. Ouve dois textos expositivos sobre o modo de vida cortês e completa o esquema -Ihe-á o asno que a leve em seguran-
ça aonde ela quiser.
abaixo, no teu caderno, com base na informação apresentada. Cristina Almeida Ribeira, Inês, Lisboa,
Quimera, 1991 lp, 176)

[ o modo de vida cortês desejado por Inês J 1.1. a. "poética'; "qestualidade" "arte
dos comportamentos refinados'; "po-
larizada em torno da problemática
do sentimento amoroso". b. "saber
falar, como e quando, saber rir, etc"
c. "cultura cortês". d. "cultura popu-
lar': e. "verdadeira condição':
2. Possíveis tópicos a abordar:
Modo de vida popular:
· Representado pela
personagem Pêro
Marques
· Valores (século XVI):
ruralidade, rusti-
cidade, simplicidade, autenticidade,
trabalho
Modo de vida cortês:
· Representado pela
personagem Es-
52. Debate com os teus colegas a oposição entre o modo de vida cortês e o modo de vida cudeiro
· Valores (século XVI):
Cristina Almeida Ribeiro, Inês, Lisboa, Quimera, 1991 [pp. 19, 21-23, adaptado e com supressões]
popular patente na Farsa de Inês Pereira. ambiente corte-

ENC10EPU 2
são, "discrição'; culto da aparência, 177
dissimulação

E
dl

1.
N
sentido de marco que é deixada por
algo concreto ou por um desgosto ou
Lê as
Gramática
tristeza vivenciados. segui
G 17.4. Identificar étimos de b. óculo - instrumento composto de ntes
palavras. lente para auxílio da vista; olho - cada frase
G17.5. Reconhecer valores um dos dois órgãos da visão. se
semânti- Em ambas as palavras está presente o repar
cos de palavras considerando o res- ato de ver. a nas
petivo étimo. c. integro - algo inteiro ou alguém palav
honrado; inteiro - algo completo, in-
G17.6. Relacionar significados de ras
pa- tacto.
Em ambas as palavras está presente o
subli
lavras divergentes.
sentido de exatidão!completude. nhad
G17.7. Identificar palavras conver-
as:
gentes. Sugestões:
No Caderno de Atividades, apresen-
tam-se mais exercicios sobre este con- P
Exercí teúdo.
cios Encontra-se também disponível, no ê
1.a.atri Caderno de Atividades (pp. 51-53),
r
u. uma ficha de leitura I Gramática
77. clave. com base no texto "Os Bisturi, 7 ami- o
78. parabola. gos que queriam muito fazer teatro':
1.1. a. átrio.
b.clave. M
c. parábola.
2. a. Palavras divergentes. a
79. Palavras convergentes. r
80. Palavras divergentes.
81. Palavras convergentes. q
3. a. mácula - mancha que é visível
u
em algo ou desonra (em sentido
figu- e
rado); mágoa - dor, amargura.
Em ambas as palavras está presente
s
o
gostava de aquelas que apresentam a mesma forma, embora tenham 1

4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira 1


passear junto ao origem em étimos diferentes.
rio.I Quando vejo Ex.: rivu rio (nome)
Pêro Marques rideo rio (forma do verbo rir)
2.
em cena, rio.
Pêra Marques 3 As palavras divergentes são aquelas que apresentam formas diferentes, embora

estava cheio de tenham,


na sua origem, o mesmo étimo. Trata-se de palavras que entraram na língua em
esperança. I
momen-
Chegou a casa
tos diferentes.

o
de Inês em pleno
Ex.: plenu cheio
dia.
pleno

Repara que: No caso das palavras divergentes, é importante não esquecer que o facto de estas
terem o
· As palavras
mesmo étimo as torna semanticamente ligadas. O exemplo apresentado comprova-o:
sublinhadas, no primeiro
caso, embora apresentem
ambas as palavras se relacionam com a ideia de totalidade.
a mesma forma, têm ori-
gens diferentes. Li
Exercícios a.
· As palavras
In
sublinhadas, no segundo 1. Atenta nas seguintes palavras e, com a ajuda de um dicionário, identifica o seu étimo.
êi
caso, embora apresentem
Li
formas diferentes, têm a a.
mesma origem. Inê
i
Regras e 5 Lia.

exemplos In
o étimo é a palavra ê
que deu origem a
outras palavras; a Li
a,
maior parte das
palavras portu-
guesas tem étimos 10

latinos.
Ex.: rivu -7 étimo da In
ê
palavra rio / plenu -7
étimo da palavra
pleno 15

2 As palavras
Li
convergentes são a
a. adro; b. chave; c.palavra.

178 1.1. Tendo em conta o étimo que identificaste, apresenta, para cada palavra, outra que 20
tenha a mesma origem e com a qual se relacione semanticamente.

82. Indica se as palavras seguintes são convergentes ou divergentes. In


ê
83. actu -7 ato; actu -7 auto c.
cathedra -7 cátedra; cathedra -7 cadeira
84. canthu -7 canto; cantu -7 canto d.lente 25 Lia

-7 lente; legente -7 lente

85. Explica a relação que existe entre os significados das seguintes palavras
divergentes.
a. mágoa e mácula; b. óculo e olho; c. íntegro e inteiro.

86.
87.
88.
90. Lê a parte final da
farsa, que apresenta o
Educação Literária I Oralidade regresso de Pêro
Marques à cena e à vida de
89. Na imagem ao lado está representado um dos Barros de Inês Pereira.
Estremoz, intitulado O amor é cego.

1.1. Explicita o seu simbolismo.

1.2. Relaciona-o com a personagem Pêra Marques, da


Farsa de Inês Pereira.
o
regresso de Pêra Marques
Irmãos Ginja, Oamoré cego

Educação literária
1m
EL 14.2. Ler textos literários portu-
gueses de diferentes géneros, per-
tencentes aos séculos XII a XVI.
EL 14.4. Fazer inferências, fundamen-
tando.
EL 14.5. Analisar o ponto de vista das
diferentes personagens.
EL 14.9. Identificar e explicitar o valor
dos recursos expressivos menciona-
dos no Programa.
01.4. Fazer inferências.

Barros de Estremoz
· Manifestações artísticas de
cariz po-
pular, em que se retrata a cultura,
hábitos e costumes alentejanos
· Temas predominantes:
trabalhos e
vida do campo, profissões e ofícios,
ocupações domésticas, cenas do
quotidiano

Lia Vem Lianor Vaz visitá-la 1.1. Imagem que representa, de for-
ma metafórica, a cegueira do amor.
. e
Inê
Vai-se Lianor Vaz por Pêra 1.2. Relação de analogia entre a es-
cultura O amor é cego e Pêro
ela finge-se muito anojada. Marques. Marques
s (personagem marcada pela ingenui-
Lia Como estais, Inês Pereira? Inês Andar! Pêro Marques seja. dade relativamente ao amor e a

. Muito triste, Lianor Vazo Quero tomar por esposo Inês).

Inê Que fareis ao que Deus faz? 30 quem se tenha por ditoso
s Casei por minha canseira',
5 Lia.
Se ficastes prenhe, basta. de cada vez que me veja.
Inê Bem quisera eu dele casta",
s mas não quis minha ventura. Por usar de siso mero",
Filha, não tomeis tristura, asno que me leve quero,
Li que a morte a todos gasta. e não cavalo folão".
a. Antes lebre que leão,
O que havedes de fazer? 35

Casade-vos, filha antes lavrador que


10 minha. Nero.
Iesul Iesu! Tão asinha! Vem Lianor Vaz com Pêra
Inê Isso me haveis de dizer? Marques.
s
Quem perdeu um tal marido,
Lia. No mais cerimónias agora;
tão discreto e tão sabido, abraçai Inês Pereira
e tão amigo de minha vida? por mulher e por parceira.
15
40 Pêro Há homem empacho" má hora"
Dai isso por esquecido, quanto a dizer abraçar;
Li
a. buscai outra guarida. depois que a eu usar
Pêro Marques tem que herdou entonces poderá ser.
fazenda de mil cruzados, Inês (Não lhe quero mais saber;
mas vós quereis avisados ... 45 já me quero contentar...)
lO
Não! Já esse tempo passou.
Inê Sobre quantos mestres são 91. canseira: desgraça.
s 92. casta: descendência.
93. siso mero: senso comum.
experiência dá lição. 94. folão: fogoso.
Pois tendes esse saber, 95. empacho: atrapalho.

15
96. má hora: que Diabo!
querei ora a quem vos quer,
Lia.
dai ao demo a opinião.
97.
180
55 E eu convosco, pardelhas": Y ansi sin esperança
o Não cumpre aqui mais falar. de cobrar lo merecido, 135 In
E quando vos eu negar, 95 sirvo alli mi Dios Cupido
r que me cortem as orelhas. con tanto amor sin mudanza,
e Lia. Vou-me; ficai-vos embora. que soy su santo escogido.
g 60 Inês Marido, e sairei eu agora, Ó seriores,
r que há muito que não saí? los que bien os va d'amores,
140
e Pêra Si, mulher, saí-vos i, 100 dad limosna al sin holgura",
s qu'eu me sairei pera fora. que habita en sierra os cura,
s Inês Marido, não digo isso. uno de los amadores
o que tuvo menos ventura".
65 Pêra Pois que dizeis vós, mulher? EJ
Inês Ir folgar onde eu quiser. Y rogaré al Dios de mi,
d Pêra I onde quiserdes ir, en que mis sentidos traigo,
145
lOS
e
vinde quando quiserdes vir, que recibais mejor pago
h
estai onde quiserdes estar. de lo que yo recebi
P 70 Com que podeis vós folgar en esta vida que hago.
ê qu'eu não deva consentir? Y resaré
r "0 con grau devocion y fe, ISO

a Vem um Ermitão" a pedir esmola e diz: que Dios os libre de engano,


li
que esso me hizo errnitano,
M Erm. Senores, por caridad y para siempre seré,
a dad limosna 13 al dolorido pues para siempre es mi dano.
r errnitano de Cupido 115 Inês Olhai cá, marido amigo, 155
q 75 para siempre en soledad, eu tenho por devação
u pues su siervo soy nacido. dar esmola a um ermitão,
e
Por exemplo, e não vades vós comigo.
s
me meti en su santo templo Pêra l-vos embora, mulher,
errnitano en pobre errnita, 120 não tenho lá que fazer.
80
abastada de infinita Inês Tomai a esmola, padre, lá,
160

tristeza en que contemplo". pois que Deus vos trouxe aqui.


Lia.
Aonde rezo mis horas Erm. Sea por amor de mi
y mis dias y mis anos, vuesa buena caridad.
Pêro

50 Lia.
Pêro
7.jeilar: deitar. 8. por riba: por cima. 9. como rima': que disparate! 10. Soma: Em suma. ) 1. pardelhas!: por Deus! 12.
Ermitão:
Lia. religioso que não vive em comunidade, mas num lugar isolado. 13./imosna: esmola. 14. contemplo: medito. 15.11oras:
Pêra choras.
16. holgura: felicidade. 17. ventura: sorte.
98.
165 Pêro Seja logo, sem deter!
Inês Ora este caminho é comprido, 4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira
contai uma história, marido.
Pêra Bofá" que me praz, mulher.
Inês
125 PassemosDeoprimeiro o rio.
gracias, mi senora!
170 Descalçai -vos. mata el pecado,
La limosna
Pêro y vos teneis Assi
buen há de ser?
cuidado
E pois
decorno?"
ser de mi matadora.
Inês E levar-me-eis no ombro,
Debéis saber,
130 não me corte
para a madre"
merced o frio.18
me hacer,
queàspor
Põe-se vos soy
costas errnitano,
do marido.
Y aun más os desengano
Inês Assi.
que esperança de os ver
Pêra me hizo vestir
Ides tal pano".
à vossa vontade?
175 Inês Como
135 Inês
estar no Paraíso.

140

145

150

55 Erm.

Inês Em tudo é boa a concrusão.


Marido, aquele ermitão
é um anjinho de Deus.
Pêro Corregei" vós esses véus,
111I e ponde-vos em feição".
Inês Sabeis vós o que eu queria?
Pêro Que quereís, minha mulher?
Inês Que houvésseis por prazer
de irmos lá em romaria.
Jesus, Jesus, manas minhas!
Sois vós aquele que um dia,
em casa de minha tia,
me mandastes camarinhas'P,
e quando aprendia a lavrar
mandáveis-me tanta cousinha?
Eu era ainda Inesíriha",
não vos queria falar.

Erm. Seriora, tengo os servido,


y vos a mi despreciado;
haced que el tiempo pasado
no se cuente por perdido.
Inê Padre, mui bem vos entendo ...
s
Ao demo que vos eu encomendo,
que bem sabeis vós pedir!
Eu determino lá d'ir
à ermida, Deus querendo.
Erm Y quando?
. I-vos, meu santo,
Inês que eu irei um dia destes
muito cedo e muito prestes.
Sefiora, yo me voy en tanto.

18. v. 130: para me dardes a merecida recompensa. 19. pãno:


hábito. 20. camarinhas: frutos da camarinheira, pequenos e
redondos como pérolas. 21. Inesinha: criança. 22. Corregei:
Arranjai. 23. ponde-vos em feição: arranjai-vos. 24. BoJá: Na
verdade. 25. E pois como?: E que mais mandais? 26. madre:
útero.

181
o regresso de Pêro Marques

Muito folgo eu com isso.


Pêro 190 Inês "Bem sabedes vós, marido, 6.
Inês Esperade ora, esperade! quanto vos quero.
Olhai que lousas aquelas, Sempre fostes percebido"
pera poer as talhas" nelas! pera cervo.
180 Pêro Quereis que as leve? Agora vos tomou o demo
Inês Si: uma aqui e outra aqui. 195 com duas lousas:'
Oh, como folgo com elas! Pêro "Pois as si se fazem as cousas,"
n
Cantemos?
Inês "Bem sabedes vós, marido,
Pêro Se vós quereis.
quanto vos amo.
Inês E vós me respondereis
r.:=~=;;::::=::;----I Sempre fostes percebido
a tudo quanto eu cantar:
185
- "Pois assi se fazem as cousas,"
3.1. Entusiasmada com a sua recente
200 pera gamo.
Carregado ides, noss'amo,
8. (
c
situação, Inês finge-se triste e enfa-
dada, como se anuncia na didascália
Canta Inês Pereira: com duas lousas:'
inicial ("ela finge-se muito anojada'} Pêro "Pois assi se fazem as cousas"
3.2. Propor novo casamento a Inês, Inês "Marido CUC028 me levades
agora com Pêro Marques.
4,1. Valorização da experiência em e mais duas lousas:' E assi se vão e se acaba a dita Farsa.
detrimento do saber livresco (não ex- Pêro "Pois as si se fazem as cousas,"
perienciado), referindo-se à sua pró- LausDeo.
pria situação: a experiência vivencia- Gil Vicente, Op. cito [pp. 63-77]
I
da revelou-lhe o engano dos seus l
ideais.
4.2. Aceitação de Pêro Marques como 27. talhas: vasos grandes para a água, azeite ou outros líquidos. 28. Marido cuco/cervo/gamo: marido enganado, traído.
marido (que a trata bem), ainda que 29. v. 192: Sempre tivestes predisposição.
S
este não tenha o estatuto social
pretendido; integração, no próprio I
discurso, de argumentos com valor 53. Sabendo da viuvez de Inês, Lianor Vaz visita a rapariga. Sd
proverbial, semelhantes aos da Mãe
(vv. 33-36). 3.1. Descreve o estado de espírito de Inês neste momento da ação. It
5.1. Atitude: galanteio e sedução.ln- i
I
tenção critica: denúncia da devassi- 5
3.2. Explicita o motivo da visita de Lianor Vazo l
dão/luxúria do clero.
»
6.1, Pêro Marques leva Inês Pereira
ao encontro do amante (Ermitão),
54. Reagindo à proposta de Lianor para aceitar Pêro Marques, Inês afirma que "Sobre quantos C

pensando ingenuamente que ela vai mestres são I experiência dá lição." (vv. 23-24) ~
à ermida em romaria. Não só a leva às
costas e carrega duas pedras, como 4.1. Explicita o sentido das suas palavras.
também canta uma canção, a pedido
de Inês, em que se assume como ho- 4.2. Mostra de que forma o monólogo de Inês incorpora os ensinamentos de sua Mãe.
mem traído ("marido cuco", v. 187).

55. Casados Inês e Pêro, aparece um Ermitão a pedir esmola.


7. • Sintese de conto
Transcrição do texto gravado 5.1. Comenta a atitude do Ermitão, explicitando a crítica social que lhe está subjacente.
Uma mulher engana o marido
com um "abade". O marido desconfia
A informação abaixo pode ajudar-te.
de alguma coisa mas é tão estúpido GI
que a mulher consegue tranquilizá-lo
sem dificuldade. Leva-o ao abade Informação o Ermitão 1.
que, naturalmente, nega tudo e ela
diz-lhe: "Agora, tu és Domingos Ove-
lha, com o corno retorcido por trás da Ermitão, e dos de grande requinte, só o temos de volta numa das últimas sequências de
orelha:' Regressam a casa e a mulher Inês Pereira, decorridos muitos e significativos anos de produção teatral vicentina. [ ... l
repara que pelo caminho há lousas,
pedras achatadas que eram aqueci- Ao contrário dos clérigos, provocantes e provocadores dos maridos enganados (subli-
das no forno para cozer sobre elas as
nhamos agora esta constante), este Ermitão faz provas de boa educação e cortesia: fala num
"bôlas" de cereais. Ela pega em duas
lousas e o marido instala-a sobre as espanhol poético (todas as outras personagens da farsa eram lusofalantes e de poucas le- 2.
suas costas. Mas o homem espanta-se
tras) [ ... l. Entra no palco, sem ser esperado, de traje só saberemos mais tarde e pouco ("tal
de que ela pese tanto. E ela responde- pano"); como outros, de outros textos, vem de mão estendida (pede esmola), mas de todos

-lhe em dialeto a imitar o galego po-


se afasta, explicitamente se assumindo como servidor de Cupido.
pular: "Ai, Domingos, isto são tchi 3.
Maria Idalina Resina Rodrigues, "Gil Vicente e os Ermitãos: Tradição e Paródia':
coussas. Tu levas-me a mim e eu levo
in Via Spiritus 9, 2002 [pp. 227, 279, com supressões]
as loussas"
Paul Teyssier, Gil Viceme - O autor e a
182 obra,
Lisboa, ICLp, 1982 [p. 37J

56.
Farsa de Inês
Pereira

Na última parte da peça, InêsLeitura


dirige-se aI Oralidade
um encontro amoroso com o Ermitão, sendo le-
4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira

vada leitura
por Pêro Marques.
IOralidade 7.1. o conto popular:
63. · vida e de
Na Farsa de Inês Pereira abordam-se diferentes conceções de casamento.
motivo Será
da sua utilização
6.1. Sintetiza a ação representada, evidenciando os cómicos de situação que a caracteri-
l8.1. Selecionar criteriosamente in-
por Gil Vicen-
que estas conceções permanecem atuais? te: coloca em relevo a estupidez e a
zam.relevante.
formação
ingenuidade do marido retratado
19.1. Exprimir pontos de vista suscita- Reflete com os teus colegas sobre esta questão, considerando também os tópicos
que, maltratado, ainda carrega às cos-
99. dos por leituras diversas, fundamen-
tando. seguintes:
De acordo com alguns investigadores, a cena final da farsa foi inspirada no conto tradicio-
tas a mulher; através dele, o drama-
turgo estabelece uma relação entre o
nal
03.2. Planificar o texto oral, elaboran-
do intitulado"O
tópicos de suporteConto
·
de Domingos Ovelha':
à intervenção.
Como
Ouveseuma
caracterizam as relações
síntese deste conto. amorosas atuais? marido e Pêro Marques, também in-
génuo, enganado pela mulher;
04.1. Respeitar o principio de corte- · De que forma a ilusão e a experiência condicionam as relações amorosas? ·
relação com o provérbio:
7.1. Explica
sia: formas por que motivo
de tratamento e registosGil Vicente terá recorrido a este conto, relacionando-o com o
terminando
de língua.
100. 04.2.provérbio que serviu de mote obra.
Utilizar adequadamente recur-
à o
ponto de partida para a reflexão poderá ser a análise do cartoono econto
a leitura
e tambémdo excerto
a farsa com Inês
às costas do marido, é inevitável a li-
sos verbais e não verbais: postura, tom da crónica abaixo apresentados. gação desta cena com o provérbio
57. Comenta
de voz, a dimensão
articulação, ritmo, entoação, satírica que a cantiga final encerra, tendo em conta aspetos ternáti- que serviu de mote à farsa; efetiva-
mente, Inês consegue livrar-se de um
cos e linguísticos. Em caso de
expressividade. necessidade, consulta a informação abaixo. "cavalo" que a derrubava e consegue

1. Possíveis aspetos a abordar: Gil Há lugar para o amor nos dias de hoje? um "asno" que a carrega - metafórica
e literalmente.
· Mediação dos
Informação
relacionamentos pelas A dimensão satírica da obra vicentina 8. Aspetos temáticos: denúncia do
Texto de CARLOS
adultério BARROS
e da devassidão 03-06-2013
doIclero.
novas tecnologias: SMS, email, redes Aspetos linguísticos: recurso à metá-
sociais, ete. - que não criam necessa- fora ("Marido cuco'; v. 187; "Sempre
Um autor de intervenção
riamente proximidade entre as pes-
ou "tidendo castigat mores": Gil Vicente foi, já o dissemos, um
fostes percebido / Pera cervo", vv. 192-
lúcido
soas observador do seu tempo e disso nos dá notícia, recorrendo à sua veia satírica, nos -193) e à ironia ("Bem sabedes vós,
seus
· textos.
Condicionamento dos
Neles são fustigados os vícios dos seus contemporâneos, numa crítica a uma marido, quanto vos amo" - vv. 197-
relaciona- -198; "Pois assim se fazem as cousas",
sociedade
mentos pelo parasitária, de gente que desprezava o trabalho para viver de expedientes fáceis,
ritmo e estilo de vida vv. 186,189,196,203).
impostos pela sociedade moderna:
ludibriando
pressão para se osseroutros e usando muitas vezes da tirania e da corrupção. [ ... )
bem-sucedido Gramática
O registo cómico é uma constante nas peças de Gil Vicente, apresentando diversas mo-
profissionalmente Cl3
· Egocentrismo/egoismo, G17.5. Reconhecer valores semânti-
dalidades
falta de to- e meios de produção de tal cómico; a ironia (muitas vezes nos apartes ou comen- cos de palavras considerando o res-
lerância
tários aoe que
pouca seresistência
passa às ad-
- por exemplo, nos apartes da Moça do Auto da índia); o humor; o petivo étimo.
versidades, que podem ditar o fra- G19.6.ldentificar processos irregula-
sarcasmo (palavras do Parvo em relação aos juízes e ao Frade, no Auto da Barca do Inferno);
casso dos relacionamentos res de formação de palavras.
·
cómico de linguagem Importância do(nas falas cheias de trocadilhos, tiques, gírias profissionais, [ ... ) no lin- G19.7. Analisar o significado de pala-
relacionamento amo- vras considerando o processo de for-
guajar
roso: de crianças ou de judeus, nas rezas e esconjuros); cómico de situação burlesca em que mação.
- fonte de estabilidade afetiva
- meio para o autoconhecimento 1.1. Arriba, ribada. ribanceira, Riba-
se atinge
- forma depor vezes
realização o grotesco (como [ ... ) na inabilidade
pessoal de Pêro Marques na Farsa de Inês
Marija Dokmanovic, s/ título, World Press Cartoon, Lisboa, Texto Editores, tejo,
2012Ribamar.
[p. 342J
Pereira ao sentar-se na cadeira às avessas, ou procurando afanosamente no chapéu as peras 1.2. Arriba: ad- + ripam (palavra deri-
Sugestão:
vada por prefixação, no latim para a
No final do guião de análise do Auto
da Feira (p. 204), encontra-se uma
As camadas mais jovens já começam a ser moldadas e formatadas margem; para à lugar
hiper-superior) > costa
alta e escarpada; ribada: ripa + -ada
queproposta
levava como oferta
de Oralidade, a Inês Amélia
que integra Pereira [ ... ); cómico
-fragmentação
Pinto Pais,
de carácter ou
que vivemos;
História da Literatura
de
em Portugal-
personagem,
osUma paisPerspetiva
ou figurasmesmo em
de vinculação já(palavra
Didática dizem desde
derivada por sufixação) >
duas atividades:
· cedo
(VaI. I - Época Medieval e Época
apreciação crítica oral do aos filhos
Clássica), que
Porto, o
Areal, essencial é
2004 [pp. 78-80, estudar, é dar
com supressões] o tudo por tudo para
costa ser
alta o melhor
e escarpada; ribanceira: ri-
bança + -eira (palavra derivada por
figuras-tipo,
anúncio como o que acentua o contraste entre o ser e o parecer.
e adiar planos pessoais [ ... ], mesmo que isso possa trazer descontinuidades em e íngreme;
sufixação) > riba elevada
publicitário "Venha ao Teatro de Me-
outros aspetos igualmente importantes, como é o caso das Ribateja: simplificação
afetividades. Crê-se, e contração de
tro";
·
Gramática reflexão/debate sobre a desde tenra idade, que o céu é o único limite e que tudo pode ser
riba de Tejo > por cima do Tejo; Riba-
mar:alcançável,
simplificação e contração de ri-
importãn-
ba de mar> por cima do mar (os lo-
58. o desde que haja esforço desmedido
étimo latino ripa deu origem à palavra portuguesa riba, que significa "margem elevada
cia do teatro na sociedade contem- e um espírito latino-católico de sofrimento e
cais que inicialmente receberam esta
porânea.
de rio ou costa alta e escarpada". trabalho como via de salvação ... E eis que chega o dia em que os jovens designação se depa-em pontos
encontram-se
elevados que dominam o mar).
1.1. Refere outras palavras que tenham ram origemcomnoa realidade
mesmo étimo. dura e crua e param para refletir: fiz o investimento 2. Exemplo:
certo e
1.2. Analisa o significado das palavras 10 adequado
que indicaste à minha vida? O céu
considerando o seu eraprocesso
efetivamente de for-o único limite? Ou apenas ao gado, terra, cul-
a. Campo, plantação,
tivo, enxada, ete.
mação. alcance de alguns? Ver Etimologia, p. b. Parte externa do órgão do ouvido,
ouvido; ter orelhas de burro, fazer
178
Talvez o esforço tenha de ser distribuído pelas várias forças-pilar que impul-
orelhas moucas, levar nas orelhas, ter
59. Constrói: sionam a vida. Como diz o poeta épico Virgílio, "amor vincit omnia": as orelhas O que quando um burro
quentes,
60. um campo lexícal da palavra "lavrador"; acaba por ser uma boa verdade, já que o amor constitui um projetofala, queo outro baixa as orelhas ...
não é
3. a. Empréstimo (vocábulo com ori-
61. um campo semântico da palavra 15 (totalmente)
"orelhas". efémero. gem castelhana). b. Truncação (vocá-
bulo que resulta da supressão de
1. o amor vence tudo. parte da palavra "demónio').
62. Identifica os processos irregulares que originaram as palavras abaixo, fundamentando a
in http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade [Consult. 06-12-2014, com supressõesJ
tua resposta. Sugere-se a consulta de um dicionário etimológico.
a. entonces (v. 43); b. demo (v. 194).
184 Vicente, Farsa de Inês 183

Pereira

• Variedade temática: luta entre forças opostas; relacionamento humano, familiar e amoroso;
oposição dos valores tradicionais e convencionais a valores individuais e pessoais; recurso
frequente ao equacionamento de um triângulo amoroso
• Personagens: reduzido número de personagens; abundância de tipos sociais característicos
Género literário da época
Farsa • Estrutura interna: delineamento de uma intriga com um nó, desenvolvimento e desenlace
• Estrutura externa: ausência de divisão em atos e de marcação de cenas
• Dimensão satírica: presença de sátira, fonte de cómico
• Outras características: despreocupação com as unidades de tempo e espaço; utilização de
poucos recursos cénicos
Inês solteira [pp. 152-170]
• Insatisfação de Inês com a sua vida de solteira
• Projeto de libertação de Inês: o casamento como forma de emancipação
• Recusa de casamento com o rústico Pêro Marques ~ recusa do modo de vida popular
• Antagonismo entre Inês e a Mãe (conflito intergeracional): oposição de interesses e
conceções de vida ~ marido ideal: homem "avisado'; com hábitos de corte (Inês) VS. homem
que garanta estabilidade económica (Mãe)

Inês casada com o Escudeiro [pp. 170-176]

• Centralidade do encontro de Inês Pereira com Brás da Mata: ilusão de Inês (homem "avisado")
Enredo
~ anseio de promoção social (modo de vida cortês)

• Reforço do antagonismo entre Inês e a Mãe (conflito intergeracional)


• Casamento de Inês e de Brás da Mata; transformação da ilusão do primeiro encontro em
desencanto (carácter autoritário e tirano de Brás da Mata)
• Viuvez de Inês (o Escudeiro morre em África), que volta a estar livre

Inês casada com Pêro Marques [pp. 179-182]


• Casamento com Pêro Marques (aprendizagem pela experiência ~ perceção dos perigos do
anseio de promoção social ~ alteração de atitude: aceitação do modo de vida popular)
• Relação extraconjugal com o Ermitão (emancipação/liberdade)

• Modo de vida popular (Pêro Marques) vs. modo de vida cortês (Escudeiro)
Representação • Cerimónia do casamento; conceções de vida e de casamento (Mãe e
o Saque de Roma deLianor
do quotidiano 1527, Johannes Lingelbach, século XVII
VS. Inês)

• Episódio relatado por Lianor Vaz (devassidão do clero)

• Mundo às avessas / subversão da ordem social estabelecida


- crise de valores (hipocrisia, tirania, adultério, devassidão do clero, culto
Dimensão da aparência)
satírica - conflitos sociais em potência (casamento entre pessoas de classes
sociais distintas)
[mIPPT
~ • Mecanismos: personagens-tipo (tipos sociais característicos da época); Gil Vicente. Farsa de Inês Pereira -
~ recurso ao cómico (de situação, de carácter e de linguagem) Sín-
tese da unidade

1
8
5

Auto da Feira

Leitura I Educação Literária O


b
101. Lê o texto seguinte, em que se apresentam as principais características do Auto da Feira, ~
de Gil Vicente.

Tema e estrutura do Auto da Feira R

102.
vistos no Programa.

Johannes Lingelbach
(1622-1674)
· Pintor de origem alemã, recebeu pro-
vavelmente a sua formação artística
em Amesterdão
· Notabilizou-se pela pintura de gran·
des paisagens e cenários humanos
movimentados
· Principais obras: Batalha da ponte
Milvian, Cidade flamenga sitiada por
soldados espanhÓiS, entre outras

1.1. Tópicos (organizados sequencial-


mente):
· Auto da Feira como obra em que se
criticam os vícios da Igreja de Roma
(corrupção e dissolução de costu-
mes), tendo em conta o contexto
histórico (Saque de Roma, em 1527).
· Estrutura interna da obra: divisão
em três momentos, de acordo com
um movimento ascensional: supers-
tição e imoralidade clerical; religiosi-
dade popular; exaltação divina.
=-- '- - -
Leitura I Educação Literária

L8,1. Selecionar criteriosamente in-


formação relevante.
L8.2. Elaborar tópicos que sistemati·
zem as ideias-chave do texto, organi-
zando-os sequencialmente.
EL 16.1. Reconhecer a contextualiza-
ção histórico-literária nos casos pre-
o Auto da Feira é Estruturalmente, o Auto da Feira pode-
o exemplo mais -se dividir em três partes e a cada uma destas
significativo que corresponde um estádio que simboliza o
conhecemos da movimento ascensional percetível na obra.
intolerância A primeira parte, que tem como perso-
15

do poeta Gil Vicente nagens Mercúrio, o Tempo, o Diabo e Roma, exemplifica, por um lado, a vida baseada
perante a corrupção e na superstição e na astrologia de todas as classes sociais e, por outro lado, a existência
dissolução' dos dissoluta levada pelos Papas. A segunda parte - cujos protagonistas são dois campo-
costumes da Igreja de neses, Amâncio Vaz e Diniz Lourenço, com as respetivas mulheres, Branca Anes e
Roma, que se tinha 20 Marta Dias, assim como o Diabo e o Serafim - serve a Gil Vicente para exaltar a reli-

tornado uma grande giosidade a nível popular (vai ser inclusivamente Marta Dias quem consegue afugen-
potência temporal", De tar o Diabo). A terceira e última parte, com a intervenção do Serafim, das nove Moças
notável importância dos montes, dos três Mancebos e dos dois compradores Mateus e Vicente, assinala o
é também o interesse ideal de um modelo de vida a imitar: o bucólico, simples e agreste.
que a obra adquire em Valério Tranchida, "O Auto da Feira: Uma Leitura'; in Temas Vicentinos. Atas do Colóquio
relação ao momento em Torno da Obra de Gil Vicente, Lisboa, ICLP, 1992 [pp. 187-188]

histórico. No texto
l. dissolução: (fig.) perversão de costumes. 2. temporal: mundano, do mundo, da vida terrena; opõe-se a clerical. 3. cisma
luterano: "No século XVI, os cristãos do Velho Continente encontravam-se divididos entre católicos e protestantes. Este
rências ao acontecimento último grupo de cristãos surgira com a Reforma Protestante, desencadeada pela 'questão das indulgências: latente desde o
Grande Cisma. A Igreja Católica Apostólica Romana dava a possibilidade de o crente se redimir dos seus pecados mediante
que, mais do que o pagamento de um tributo, que esta aplicava para sustentar o mecenato artístico, na manutenção dos prazeres mundanos
qualquer outro no seu do alto clero. Martinho Lutero, um teólogo alemão, foi o primeiro grande reformador, que se manifestou contra a venda de
indulgências e contra a decadência da Igreja Romana, como ato de protesto, e a 31 de outubro de 1517 afixou nas portas de
tempo, terá impres- Winenberg as suas 95 teses contra as indulgências:' [in Infopédiai. 4. Saque de Roma: "O saque de Roma (1527) perpetrado
sionado a Europa católica pelo imperador, devido ao descontentamento motivado pela traição do Papa ao aliar-se ao seu inimigo Francisco I, acele-
rou o processo e precipitou a realização da Reforma. O saque de Roma foi considerado como castigo divino devido à má
do século XVI, ação do papada, demostrando ser necessária uma mudança e o fim dos excessos verificados durante o Renascimento," [in

antes do grande cisma lnfopédiai.

luterano": o famoso
10 Saque de Roma" de 1.1. Elabora tópicos que sistematizem as ideias-chave do texto, organizando-os sequen-
1527. [ ... ] cialmente.

186

104.
103.
105.

Ida de Roma à Feira


Educação literária

Observa um excerto do Auto do Feira analisado. ELl4.2. Ler textos literários portu-
gueses de diferentes géneros, perten-
Representação Roma Eu venho à feira direita Assunto: Roma dirige-se centes aos séculos XII a XVI.
alegórica: à feira para comprar bens El14.3. Identificar [ ... ] ideias princi-
comprar paz, verdade e fé.
· Diabo: espirituais; o Diabo pais, [ ... ] e universos de referência,
personagem Diabo A verdade pera quê? desvaloriza os bens em justificando.
ELl4.4. Fazer inferências, fundamen-
que representa o mal Cousa que não aproveita, causa, realçando a sua
tando.
· Roma:
e aborrece, pera que é? falta de interesse e de ELl4.5. Analisar o ponto de vista das
personagem utilidade diferentes personagens.
que representa a Não trazeis bons fundamentos El14.11. Reconhecer e caracterizar
Igreja Católica pera o que haveis mister; Linguagem expressiva,
textos quanto ao género literário: [ .. ]
auto[ ... ].
Apostólica Romana e a segundo são os tempos, que reflete a dimensão
e, por extensão, religiosa e satírica
todos os seus
assim hão de ser os tentos
do auto: ~PPT
representantes pera saberdes viver. · Interrogações Gil Vicente, Auto da Feira - Texto ana-
(padres, frades, retóricas lisado
bispos, freiras, etc.) E pois agora à verdade · Antítese ("bondade"/
chamam Maria Peçonha, "ruindade")
Dimensão satírica:
· Hipérbole ("mentiras
· Crítica à e parvoíce à vergonha,
mil")
corrupção e e aviso I à ruindade, · Anáfora, integrada em
dissolução de
peitaí" a quem vo-la ponha,
costumes da Igreja e
a ruindade digo eu: construções paralelísticas
da sociedade em geral
(maldade, mentira) e aconselho-vos mui bem,
porque quem bondade tem
Dimensão religiosa:
· Reflexão sobre nunca o mundo será seu,
as e mil canseiras lhe vem.
noções de bem/mal,
vício/virtude
Vender-vos-ei nesta feira
mentiras vinta três mil,
todas de nova maneira,
cada uma tão subtil,
que não vivais em canseira:
mentiras pera senhores,
mentiras pera senhoras,
mentiras pera os amores,
mentiras, que a todas horas
vos nasçam delas favores.
106. aviso: prudência.
107. peitai: recornpensai:
pagai.

Gil Vicente, Auto da Feira, Porto, Porto Editora, 2014 [pp. 35-37]

o excerto apresentado ilustra algumas das características gerais do Auto do Feira:


· as personagens que nele intervêm são alegóricas: o Diabo simboliza o mal; Roma repre-
senta a Igreja Católica Apostólica Romana e, por extensão, todos os seus representantes
(padres, frades, bispos, freiras, etc.):
· nas falas das personagens é evidente a dimensão satírica da peça, criticando-se, neste caso,
a corrupção e a dissolução dos costumes da Igreja e da sociedade em geral; é também evi-
dente a dimensão religiosa, já que se abordam as dicotomias bem/mal, vício/virtude;
· a dimensão satírica e religiosa é realçada por recursos expressivos como a alegoria, a inter-
~ rogação retórica (vv.3-5), a antítese ("bondode"/"ruindode") e a anáfora, inserida em constru-
~ ções paralelísticas (vv.26-29).

187

109.
108.
- Auto da
Feira

Educação Literária I Escrita I Oralidade


2
5

Educação literária I Escrita I


Oralidade
o Auto da Feira é uma peça vícentina cujo argumento se desenrola em torno da ideia
de co-
E114.2. Ler textos literários portu- 3
mércio. As trocas comerciais a que assistimos não são, porém, as habituais, mas 0
gueses de diferentes géneros, perten-
centes aos séculos XII a XVI. antes feitas
E114.4. Fazer inferências, fundamen-
tando.
de virtudes e vícios, alegoricamente representados.
El14.5. Analisar o ponto de vista das
diferentes personagens.
110. Com base nos dois textos abaixo, explícita, por palavras tuas, a função da
El14.6. Explicitar a estrutura do texto: alegoria no
organização interna.
teatro de Gil Vícente.
E114.7. Estabelecer relações de
3
sentido: a) entre as diversas partes 5
constitutivas de um texto; b) entre ca-
racterísticas e pontos de vista das per-
sonagens.
Alegoria
El14.9. Identificar e explicitar o valor
dos recursos expressivos menciona- A alegoria encerra uma comparação alarga da entre uma realidade
dos no Programa. concreta e ani-
E114.11. Reconhecer e caracterizar
textos quanto ao género literário: [ ... ] mada, que é mostrada ao leitor/ouvinte com o objetivo de explicar/clarificar 4
auto [ ... ]. 0
uma en-
El15.1. Reconhecer valores culturais,
éticos e estéticos manifestados nos tidade abstrata (intelectual, moral, psicológica, sentimental, teórica). Esta
textos.
El15.5. Escrever exposições (entre
realidade
120 e 150 palavras) sobre temas res- mental, de mais difícil compreensão, é representada através de entidades
peitantes às obras estudadas, seguin-
do tópicos fornecidos. concretas,
El15.6. Ler uma ou duas obras do objetivas, normalmente seres humanos ou animais, com uma finalidade 4
Projeto de Leitura relacionando-a(s)
com conteúdos programáticos de di- didática. Por 5

ferentes domínios.
isso, a alegoria assume, muitas vezes, a forma de parábola, de fábula, de
El1.1. Escrever textos variados, res-
peitando as marcas do género: [ ... ] sermão, de
exposição sobre um tema [ ... ].
exemplo, de sátira, etc.
E12.1. Respeitar o tema.
E12.3. Redigir um texto estruturado, "Alegoria'; in http://www.infopedia.pt/apoio/artigos/131 06800?termo=alegoria [Consult. 28-11-
que reflita uma planificação, eviden- 5
2014]
ciando um bom domínio dos meca- 0
nismos de coesão textual com marca-
ção correta de parágrafos e utilização A alegoria colonizou o quotidiano do homem medieval como
adequada de conectores.
E12.4. Mobilizar adequadamente re-
componente da
cursos da língua: uso correto do regis- vida artística e, sobretudo, como operador prático no modo de pensar e de
to de língua, vocabulário adequado
ao tema, correção na acentuação, na encenar a
ortografia, na sintaxe e na pontuação. existência. Devido às suas particulares aptidões para a teatralização tornou-
04.1. Respeitar o princípio de corte-
sia: formas de tratamento e registos se um im-
de lingua.
portante ingrediente no teatro de intenção didática. [ ... ]
06.1. Produzir os seguintes géneros
de texto: síntese e apreciação crítica. Nada impede (e a retórica explora-o) que alegoria e parábola coexistam
num
auto, unidas em propósito moralizante. É o caso de Feira, em que a alegoria não
se
esgota na sua função e dinamiza o nível superior de uma parábola.
Maria João Almeida, Feira, Lisboa, Quimera, 2005 [p. 3, com

supressões]

2. Lê, agora, o Auto da Feira.

AUTO DA FEIRA
A obra seguinte é chamada Auto da Feira. Foi representada ao mui excelente
Prín-
cipe EI Rei Dom João, o terceiro em Portugal deste nome, na sua nobre e sempre leal
ci-
dade de Lisboa, às matinas do Natal, na era do Senhor de M,D.XXVII.

Entra primeiramente Mercúrio e, posto em seu assento, diz:


1. Funções da alegoria: 5
· função didática - explicação/clarifi- Mer Pera que me E porque a 5
cação de uma entidade abstrata; c.
· função moralizante - intuito moral/ conheçais, astronomia
morali e entendais meus anda agora mui
zador.
2. partidos', maneira",
Sugest todos quantos aqui estais 1 mal sabida e
ões: 5
Considerando a estruturação das lisonjeira", 6
ativi- afinai bem os sentidos, eu, à honra deste dia, 0
dades de exploração do Auto,
apre- mais que nunca, muito vos direi a
sentadas nas páginas 201 a 204,
suge-
mais. verdadeira. 7.
re-se que seja feita uma leitura Eu sou estrela do céu, Muitos presumem
tripartida da peça, de acordo 1
com os e depois vos direi qual, 2 saber 0
0
três momentos dramáticos e quem me cá as operações dos tu
considera- i
dos: descendeu," CéUS,6
· Superstição e imoralidade clerical
e a quê, e todo o al" e que morte hão de
q
u
10
17
[vv.1-510]; que me a mi aconteceu. morrer,
»
e o que há de acontecer
188 aos anjos e a Deus.

25 4. Gil Vicente, Auto da Feira

E ao mundo e ao diabo, E porque Saturno " a nenhum


e que o sabem têm por fé:" influi vida contína",
30
e eles todos em cabo" a morte de cada um
terão um cão polo rabo, 65 é aquela de que se fina,
e não sabem cujo é. e não d'outro mal nenhum.
E cada um sabe o que monta" Outrossim o terremoto,
nas estrelas que olhou; que às vezes causa perigo,
e ao moço que mandou, faz fazer ao morto voto
35
não lhe sabe tomar conta 70 de não bulir mais consigo,
d'um vintém que lh'entregou. cantá de seu próprio moto".

Porém, quero-vos pregar, E a claridade encendida


sem mentiras nem cautelas, dos raios piramidais
40
o que per curso d'estrelas causa sempre nesta vida
se poderá adivinhar, 75 que quando a vista é perdida,
pois no céu nasci com elas. os olhos são por demais.
E se Francisco de MeIo 10,
que sabe ciência avondo, 1. partidos: habilidades, competências. 2. v. 8: e quem me mandou descer até aqui. 3. e todo o aI: e tudo o resto. 4. mui maneira:

45
diz que o céu é redondo, na moda. 5. lisonjeira: agradável a todos. 6. V. 17: o que o futuro reserva.

e o sol sobre amarelo;


E que mais quereis saber
diz verdade, não lh'o escondo.
desses temporais e disso,
Que se o céu fora quadrado, senão que, se quer chover,
não fora redondo, senhor. 80 está o céu pera isso,
50
E se o sol fora azulado, e a terra pera a receber?
d'azul fora a sua cor A lua tem este jeito:
e não fora assi dourado. vê que clérigos e frades
E porque está governado já não têm ao Céu respeito,
per seus cursos naturais, 85 mingua-lhes as santidades,
neste mundo onde morais e cresce-lhes o proveito.
nenhum homem aleijado,
se for manco e corcovado,
Et quantum ad stella Mars, speculum
não corre por isso mais.
belli, et Venus, Regina musicae, secundum
Joannes Monteregio":
1.
55
E assi os corpos celestes Marte, planeta dos soldados,
vos trazem tão compassados", faz nas guerras conteúdas",
que todos quantos nascestes, em que os reis são ocupados,
se nascestes e crescestes, 90 que morrem de homens barbados
primeiro fostes gerados. mais que mulheres barbudas.
60
E que fazem os poderes E quando Vénus declina,
dos sinos" resplandecentes? e retrógrada em seu cargo,
Fazem que todalas gentes não se paga o desernbargo"
ou são homens ou mulheres, 95 no dia que s'ele assina,
ou crianças inocentes. mas antes por tempo largo.
· Religiosidade popular [vv.
511·782];
· Exaltação divina [vv.
783·981 J.
OS conteúdos gramaticais referentes
a esta unidade encontram-se apre-
sentados em fichas de Informação e
Aplicação nas seguintes páginas:
· Lexicologia, pp. 164·165;
· Etimologia, p. 178,

189

112.

7. têm por fé: acreditam piamente naquilo que sabem. 8. em cabo: ao fim e ao cabo. 9. v, 26: E cada um sabe o que lhe interessa.
10. Francisco de Meio: Matemático e astrólogo famoso do século XV. 11. compassados: controlados, 12. sinos: signos, 13. Sa-
_ turno: Deus da mitologia romana que representa o tempo, 14. contina: contínua. 15. v, 71: quanto à sua própria atividade. 16. E
~quanto à estrela Marte, espelho da guerra, e a Vénus, rainha da música, segundo Joannes Monteregio (astrónomo alemão),
v
~ 17. conteúdas: contidas, 18. desembargo: sentença,

Auto da Feira

Et quantum ad Taurus et E faz que uma nau veleira

Aries, Cancer, Capricornius mui forte, muito segura,


. positus in firmamento coeli:" que inda que o mar não queira,"
130 e seja de cedro a madeira, 165

E quanto ao Touro e Carneiro, não preste sem pregadura."


são tão maus d'haver agora" Et quantum ad duodecim domus
que quando os põe no madeiro." Zodiacus, sequitur declara tio
100 chama o povo ao carniceiro operationem suam:"
senhor, c'os barretes fora." 170

Depois do povo agravado, No Zodíaco acharão


que já mais fazer não pode, doze moradas palhaças",
invoca o signo do Bode, onde os sinos estão
105 Capricórnio chamado, 135 no inverno e no verão,
porque Libra não lhe acode. dando a Deus infindas graças. 175

Escutai bem, não durmais,


E se este não hás tomado, sabereis por conjeituras
nem Touro, Carneiro as si, que os corpos celestiais
vai-te ao sino do pescado, 140 não são menos nem são mais
110
chamado Piscis" em latim, que suas mesmas granduras. 180
e serás remediado:
e se Piscis não tem ensejo, E os que se desvelaram",
porque pode não no haver, se das estrelas souberam,
vai-te ao signo do Caranguejo, foi que a estrela que olharam,
115 Signum Cancer, Ribatejo, 145 está onde a puseram,
que está ali a quem no quer. e faz o que lhe mandaram. Ter
E cuidam que Ursa Maior,
Sequuntur mirabilia Ursa Menor e o Dragão,
185
e Lepus", que têm paíxão'",
Iupiter, Rex regum, dominus
dominantium." 150 porque um corregedor
manda enforcar um ladrão?
Iúpíter, rei das estrelas, Não, porque as constelações
deus das pedras preciosas, não alcançam mais poderes, 190

mui mais precioso qu'elas, que fazer que os ladrões


120 pintor de todalas rosas, 155 sejam filhos de mulheres,
rosa mais fermosa delas; e os mesmos pais varões.
é tão alto seu reinado, E aqui quero acabar.
influência e senhoria, E pois vos disse até qui
que faz percurso ordenado o que se pode alcançar, 195

125 que tanto vale um cruzado 160 quero-vos dizer de mi,


de noite como de dia. e o que venho buscar.

190 32.s<

19. E quanto ao Touro e Carneiro, Caranguejo, Capricárnio colocados no céu. 20. v. 98: são tão difíceis de obter. 21. v. 99: que deter
quando alguém os põe a assar. 22. cos barretes fora: com humildade. 23. Piscis: Peixes. 24. Seguem-se os milagres de Iúpiter. rei
dos reis, senhor dos que reinam. 25. v. 129: que ainda que o mar não a queira engolir. 26. v. 131: não parta em viagem sem as tá- tingu
buas bem pregadas. 27. E quanto à duodécima casa do Zodíaco, segue-se a declaração da sua operação. 28. palhaças: feitas de
palha. 29. se desvelaram: se empenharam. 30. Lepus: Lebre (constelação). 31. que têm paixão: que se compadecem. emd
mep
doss
gico)
113.
4. Gil Vicente, Auto da Feira

Eu sarn" Mercúrio, senhor 200 Aqui achareis o temor de Deus,


de muitas sabedorias, que é já perdido em todos Estados;
e das moedas reitor," aqui achareis as chaves dos Céus,
16 e deus das mercadorias:
5 muito bem guarneci das em cordões dourados.
nestas tenho meu vigor. E mais achareis
Todos tratos" e contratos, 205 sorna" de contas, todas de contar
valias, preços, avenças", quão poucos e poucos haveis de lograr"
carestias" e baratos, as feiras mundanas; e mais contareis
17 ministro suas pertenças,
0 as contas sem conto qu'estão por contar.
até às compras dos sapatos.
E porque as virtudes, Senhor Deus, que digo,
E porquanto nunca vi 210 se foram perdendo de dias em dias,
na corte de Portugal com a vontade que deste Messias
ó

feira em dia de Natal, memoria o teu Anjo que ande comigo,"


17
5
ordeno uma feira aqui Senhor, porque temo
pera todos em geral. ser esta feira de maus compradores,
Faço mercador-rnor 215 porque agora os mais sabedores
ao Tempo, que aqui vem; fazem as compras na feira do Demo,
e assi o hei por bem. e os mesmos Diabos são seus corretores."
E não falte comprador,
porque o tempo tudo tem. Entra um Serafim, enviado por Deus a petição
do Tempo, e diz:
Entra o Tempo e arma uma tenda com
muitas causas e diz: Ser. À feira, à feira, igrejas, mosteiros,
pastores das almas, Papas adormidos'";
Tempo Em nome daquele que rege nas praças 220 comprai aqui panos, mudai os vestidos,
d'Anvers e Medina" as feiras que têm, buscai as samarras dos outros primeiros,"
começa-se a feira chamada das Graças, os antecessores.
li à honra da Virgem parida em Belém. Feirai o carão que trazeis dourado;
Quem quiser feirar, ó presidentes do crucificado,
venha trocar, qu'eu não hei de vender; 225 lembrai-vos da vida dos santos pastores
todas virtudes qu'houverem mister", do tempo passado.
nesta minha tenda as podem achar,
a troco de cousas que hão de trazer. Ó Príncipes altos, império facundo",
guardai-vos da ira do Senhor dos Céus;
Todos remédios, especialmente comprai grande soma do temor de Deus
contra fortunas ou adversidades 230 na feira da Virgem, Senhora do Mundo,
aqui se vendem na tenda presente; exemplo da paz,
conselhos maduros de sãs qualidades pastora dos anjos, luz das estrelas.
aqui se acharão. À feira da Virgem, donas e donzelas,
As mercadorias d'amor e rezão, porque este mercador sabei que aqui traz
justiça e verdade, a paz desejada, 235 as cousas mais belas.
porque a Cristandade é toda gastada
só em serviço da opinião."

32. sam: sou. 33. v. 164: e administrador do dinheiro. 34. tratos: negócios. 35. avenças: quantias pagas periodicamente por um
.dererminado serviço. 36. carestias: preços elevados. 37. praças d'Anuers e Medina: os mercados de Antuérpia e de Medina dis-
:tinguiam-se dos restantes pela qualidade de produtos que vendiam. 38. qu'houuerem mister: que vos fizerem falta. 39. v. 199: só
éem discussões doutrinárias. 40. soma: grande quantidade. 41. lograr: tirar proveito de. 42. v. 212: recomenda ao teu Anjo que
'me proteja. 43. v. 217: e os mesmos Diabos administram os seus interesses (negócios). 44. Papas adormidos: Papas esquecidos
do seus deveres. 45. v. 221: retornaí a vida simples dos primeiros cristãos. 46. império facundo: governo bem falante (demagó-
~gico).
114.
115.
Auto da
Feira

Entra um Diabo com uma tendinha diante eu, como cousa perdida",
de si, como bufarinheiro", e diz: nunca me tolhe ninguém
Diabo Eu bem me posso gabar, que não ganhe minha vida,
275
e cada vez que quiser, como quem vida não tem.
que na feira onde eu entrar Vendo dessa marmelada", 315

sempre tenho que vender, e às vezes grãos torrados,


240 e acho quem me comprar. isto não releva nada:"
E mais, vendo muito bem, e em todolos mercados
porque sei bem o que entendo": 280 entra a minha quíntalada".
e de tudo quanto vendo Ser. Muito bem sabemos nós 320

não pago sísa" a ninguém que vendes tu cousas vis.


245 por tratos que ande fazendo. Diabo I há de homens ruins
Quero-me fazer à vela" mais mil vezes que não bôs,
nesta santa feira nova. 285 como vós mui bem sentis.
Verei os que vêm a ela,
325 I
E estes hão de comprar
e mais verei quem m'estorva disto que trago a vender,
250 de ser eu o maior dela. que são artes de enganar,
Tempo És tu também mercador, e cousas pera esquecer
que a tal feira t'ofereces? 290 o que deviam lembrar.
Diabo Eu não sei se me conheces. Que o sages'" mercador 330

Tempo Falando com salvanor", há de levar ao mercado


255 tu Diabo me pareces. o que lhe compram melhor;
Diabo Falando com salvos rabos," porque a ruim comprador
inda que me tens por vil, 295 levar-lhe ruim borcado'".
335
acharás homens cem mil E mais as boas pessoas
honrados, que são Diabos, são todas pobres a eito;
260 (que eu não tenho nem ceitil'") e eu por este respeito
e bem honrados te digo, nunca trato em cousas boas,
e homens de muita renda, 300 porque não trazem proveito.
que têm dívida comigo." Toda a glória de viver 340

Pois não me tolhas a venda, das gentes é ter dinheiro,


265 que não hei nada contigo. e quem muito quiser ter
Tempo ao Serafim: cumpre-lhe de ser primeiro
305 o mais ruim que puder.
Tempo Senhor, em toda maneira 345

acudi" a este ladrão, E pois são desta maneira


que há de danar a feira. os contratos dos mortais,
Diabo Ladrão? Pois haj'eu perdão, não me lanceís" vós da feira
270 se vos meter em canseira. onde eu hei de vender mais
Olhai cá, Anjo de bem, 310 que todos à derradeira'".
350

47. bufarinheiro: vendedor ambulante de bugigangas. 48. entendo: quero. 49. sisa: imposto. 50. v. 246: Quero começar a traba-
lhar. 51. com saluanor: com todo o respeito. 52. v. 256: o Diabo ridiculariza a boa educação do Tempo, modificando a expressão
que este usa ("com salvanor"). 53. ceitil: moeda de pouco valor da época de D. João 1. 54. v. 263: que são iguais a mim. 55. acudi:
expulsai. 56. cousa perdida: ser insignificante. 57. dessa marmelada: não se sabe ao certo se se trata do doce de marmelo, pois
a expressão também poderá designar algo que não foi bem confecionado, tendo, por isso, um aspeto desagradável. 58. v. 278:
isto não tem importância nenhuma. 59. quintalada: mercadoria. 60. sages: sensato, astuto. 61. borcado: tecido de seda adoro
nado com fios de ouro ou de prata. 62. Ianceis: afasteis. 63. à derradeira: no fim de contas.
192
116. EN
falsas manhas de viver,
m ·,to 'por sua ontaàe: ~
4. Gil Vicente, Auto da Feira
li5
senhor, que lh'hei de fazer?
Diabo
E se o que quer bispar
Ser. Venderás muito perigo, Entra Roma, cantando. há mister" hipocrisia, Roma
que tens nas trevas escuras. e com ela quer caçar, 375

Diabo Eu vendo perfumaduras", Roma "Sobre mi armavam guerra; tendo eu tanta em perfía,
que, pondo-as no embigo, ver quero eu quem a mi leva. J40 porque lh'a hei de negar?
315 se salvam as criaturas. Três amigos" que eu havia, E se uma doce freira Diabo
vem à feira
Às vezes vendo vírotes", 355 sobre mi armam porfia":
por comprar um inguento",
e trago d'Andaluzía ver quero eu quem a mi leva:'
com que voe do convento, 380
naipes com que os sacerdotes 345 senhor, inda que eu não queira,
arreneguem cada dia, Fala: lh'hei de dar aviamento." Roma
320 e joguem até os pelotes".
Ser. Não venderás tu aqui isso, Vejamos se nesta feira, Merc. Alto, Tempo, aparelhar, Diabo
que esta feira é dos céus: que Mercúrio aqui faz, porque Roma vem à feira. 385

vai lá vender ao abísso'", acharei a vender paz, Diabo Quero-me eu concertar,"


logo, da parte de Deus! 360 que me livre da canseira \O porque lhe sei a maneira
em que a fortuna me traz. de seu vender e comprar.
325 Diabo Senhor, apelo eu disso."
6
Se os meus me desbaratam", 4
S'eu fosse tão mau rapaz o meu socorro onde está? .

que fizesse força a alguém, Se os Cristãos mesmos me matam, p


era isso muito bem; 365 a vida quem m'a dará, e
r
mas cada um veja o que faz, que todos me desacatam? f
330 porque eu não forço ninguém. u
Se me vem comprar qualquer Pois s'eu aqui não achar m
a
clérigo, ou leigo, ou frade a paz firme e de verdade
durns: mezinhas. 65. virotes: setas curtas. 66. pelotes: peliças ou casacos compridos e antigos. 67. abisso: abismo,
-Inferno. 68. v. 325: Protesto contra aquilo que dizeis. 69. há mister: precisa de. 70. inguento: pomada, artimanha, no sentido fi-
- gurado. 71. v. 346: tenho de servir/aviar quem me procura. 72. v. 349: Quero estar preparado (para o que aí vem). 73. Três ami-
gos: Alemanha, Inglaterra e França. 74. armam porfia: disputam. 75. desbaratam: destroem. 76. vv. 370-371: dá-me até vontade
de falar como os Mouros. 77. v. 373: posso servi-Ia bem. 78. azado: capaz, preparado. 79. v. 376: o que eu desejo. 80. v. 378:
Zporque as aparências iludem.

ENCIOEP 13

193

117.

Auto da Feira

e a segundo são os tempos", E pois já sei o teu jeito, 11


390 assim hão de ser os tentos quero ir ver que vai cá."
pera saberdes viver. Diabo As cousas que vendem lá 1\
435 são de bem pouco proveito 475
E pois agora à verdade
chamam Maria Peçonha, a quem quer que as comprará.
e parvoíce à vergonha, Vai-se Roma ao Tempo e Mercúrio
395 e aviso à ruindade, e diz Roma:
peitaí" a quem vo-la ponha,
a ruindade digo eu: Roma Tão honrados mercadores 480

e aconselho-vos mui bem, não podem leixar de ter


porque quem bondade tem cousas de grandes primores; 11
400 nunca o mundo será seu, 440 e quant'eu houver mister
e mil canseiras lhe vem. deveis vós de ter, senhores.
Ser. Sinal é de boa feira 485

Vender-vos-ei nesta feira virem a ela as donas tais,


mentiras vinta três mil, e pois vós sois a primeira,
todas de nova maneira, 445 queremos ver que feirais
405 cada uma tão subtil,
que não vivais em canseira: segundo vossa maneira.
mentiras pera senhores, Ca87, se vós a paz quereis, 490

mentiras pera senhoras, senhora, sereis servida,


mentiras pera os amores, e logo a levareis
410 mentiras, que a todas horas 450 a troco de santa vida;
vos nasçam delas favores. mas não sei se a trazeis.
Porque, senhora, eu me fundo 495
E como formos avíndos'"
que quem tem guerra com Deus,
nos preços disto que digo, não pode ter paz c'o mundo,
vender-vos-ei como amigo 455 porque tudo vem dos céus,
415 muitos enganos infindos,
daquele poder profundo.
que aqui trago comigo.
Roma Tudo isso tu vendias, Roma A troco das estações"
500
e tudo isso feirei não fareis algum partido,
tanto, que inda venderei, e a troco de perdões,
420 e outras sujas mercancias", 460 que é tesouro concedido
que por meu mal te comprei. pera quaisquer remissões?
Oh! Vendei-me a paz dos céus, 505
Porque a troco do amor
pois tenho o poder na terra.
de Deus, te comprei mentira, Ser. Senhora, a quem Deus dá guerra,
e a troco do temor 465 grande guerra faz a Deus, I
425 que tinha da sua ira,
que é certo que Deus não erra.
me deste o seu desamor:
e a troco da fama minha Vede vós que lhe fazeis,
510
e santas prosperidades, vede como o estimais,
me deste mil torpídades'": vede bem se o tem eis;
430 e quantas virtudes tinha 470 atentai com quem lutaís,
te troquei polas maldades. que temo que caireis.
81. tempos: costumes. 82. peita i: recompensai, pagai. 83. v. 412: Se fizermos negócio. 84. mercancias: mercadorias. 85. torpida-
des: crueldades. 86. v. 433: quero ir às outras tendas para ver que mercadorias estão a ser vendidas. 87. Ca: Porque. 88. v. 457:
visitas a igrejas com o intuito de obter a remissão dos pecados.
194
118.
4. Gil Vicente, Auto da Feira

Roma Assi que a paz não se dá Amân. Compadre, vás tu à feira?


a troco de jubileus? Diniz À feira, compadre.
Merc. Ó Roma, sempre vi lá Amân. Assi,
475 que matas pecados cá," ora vamos eu e ti
e leixas viver os teus. ó longo desta ribeira.
515 Diniz Bofá'", vamos.
Tu não te corras de rní:" Amân. Folgo bem
mas com teu poder facundo'" de te vir aqui achar.
assolves a todo o mundo, Diniz Vás tu lá buscar alguém,
480 e não te lembras de ti,
nem vês que te vás ao fundo. ou esperas de comprar?
Roma Ó Mercúrio, vaIei-me ora, Amân. Isso te quero contar,
que vejo maus aparelhos." 520 e iremos patorneando'",
Merc. Dá-lhe, Tempo, a essa senhora e er" também aguardando
485 o cofre dos meus conselhos: polas moças do lugar.
e podes-te ir muít'ernbora". Compadre, enha mulher
Um espelho aí acharás, é muito destemperada,
525 e agora, se Deus quiser,
que foi da Virgem Sagrada, faço conta de a vender,
co'ele te toucarás, e dá-Ia-ei por quase nada.
490 porque vives mal toucada,
e não sentes como estás. Qu'eu quando casei com ela
E acharás a maneira diziam-me, "Hétega"" é':
como emendes a vida: 530 E eu cuidei pola abofé'?'
e não digas mal da feira, que mais cedo morresse ela,
495 porque tu serás perdida, e ela anda inda em pé.
se não mudas a carreira. E porque era hétega assim
foi o que m'a mim danou:
Não culpes aos reis do mundo,
535 avonda!" qu'ela engordou
que tudo te vem de cima,
e fez-me hétego a mim.
pelo que fazes cá em fundo:
500 que, ofendendo a causa prima", Diniz Tens boa mulher de teu:
se resulta o mal segundo. não sei que tu hás, amigo.
E também o digo a vós Amân. S'ela casara contigo,
e a qualquer meu amigo, 540 renegaras!" tu com'eu,
que não quer guerra consigo: e dixeras o que eu digo.
50S tenha sempre paz com Deus, Diniz Pois, compadre, cant'à minha,
e não temerá perigo. é tão mole e desatada 104,
Diab Prepósíto" Frei Sueiro, que nunca dá peneirada
o
diz lá o exemplo" velho: 545 que não derrame a farinha.
dá-me tu a mi dinheiro, E não põe cousa a guardar,
)10 e dá ao demo o conselho. que a tope!" quando a cata;
Depois de ida Roma, entram dous e por mais que homem se mata,
lavradores, um per nome Amâncio Vaz e de birra não quer falar.
outro Diniz Lourenço, e diz Amâncio Vaz: 550 Trás d'uma pulga andará
~89. v. 475: que absolves os pecados neste mundo. 90. v. 477: Tu não te irrites comigo. 91. [acundo: discursivo, eloquente.
:92. v. 483: que vejo o caso mal parado. 93. muit'embora: em boa hora. 94. causa prima: Deus. 95. Prepôsito: Padre perfeito.
~96. exemplo: provérbio. 97. Bofá: De acordo. 98. patorneando: andando e conversando. 99. er: além disso. 100. Hétega: Tísica, tu-
zberculosa. 101. abofé: de facto. 102: avonda: afinal. 103. renegaras: protestarias. 104. desatada: incompetente. 105. tope: encontre.

119.
120. 195

Auto da
Feira
três dias, e oito, e dez, 590 não diria "Mal fazês"
sem lhe lembrar o que fez, Mas antes s'assentaria
nem tão pouco o que fará. a olhar como eu bradava.
Todavia a mulher brava
Pera que t'heí de falar? é, compadre, a qu'eu queria. 630

555 Quando ontem cheguei do mato


pôs uma enguia a assar, 595 Amân. Pardeus! Tanto me farás'"
e crua a leixou levar, que feire a minha contigo.
por não dizer sape'?" a um gato. Diniz Se queres feirar comigo,
Quant'a mansa, mansa é ela; vejamos que me darás. 635

560 dei-m'ê logo conta disso. Amân. Mas antes m'hás de tornar!",
Amân. Iuro-t'eu que mais vale isso 600 pois te dou mulher tão forte,
cinquenta vezes qu'ela. que te castigue de sorte
que não ouses de falar,
A minha te digo eu
nem no mato nem na corte!".
que se a visses assanhada, 640

565 parece demonínhada'", Outro bem terás com ela:


ante São Bertolameu. 605 quando vieres da arada!",
Diniz Já sequer terá esp'rito 108: comerás sardinha assada,
mas renega da mulher porqu'ela jenta a panela 121.
que ó tempo do mister!" Então geme, pardeus, si, 645

570 não é cabra nem cabrito. diz que lhe dói a moleira.
610 Diniz Eu faria per maneira
Amân. A minha tinh'eu em guarda
que esperasse ela por mio
pera bem da minha prol,
cuidando que era ourínol'", Amân. Que lh'havias de fazer? 650
e tornou -se- me bombarda 111. Diniz Amâncio Vaz, eu o sei bem.
575 Folga tu que ess'outra tenhas, Amân. Diniz Lourenço, ei -las cá vêm! 1\
porque a minha é tal perigo, 615 Vamo-nos nós esconder, I
que por nada que lhe digo vejamos que vêm catar, 1\
logo me salta nas grenhas.l" qu'elas ambas vêm à feira. E
Mete-te nessa silveira, 655

Então tanto punho seco qu'eu daqui hei d'espreitar.


580 me chimpa nestes focinhos.'!"
eu chamo polos vizinhos, Vêm Branca Anes, a brava, e Marta
e ela nego dar-me em xeco.!" Dias, a mansa, e vem dizendo a brava:
Diniz Isso é de coraçuda'":
620 Branca Pois casei má hora, e nela, 660

não cures de a vender, e com tal marido, prírna!",


585 que s'alguém te mal fizer,
comprarei cá uma gamela 123,
já sequer tens quem te acuda. para o ter debaixo dela,
Mas a minha é tão cortês, e um grão penedo em cima.
que se viesse ora à mão 625
Porque vai-se-me às figueiras,
665
que m'espancasse um rascão!", e come verde e maduro;

1 106. por não dizer sape: para não enxotar. 107. demoninhada: possuída pelo demónio. 108. v. 567: Terá o demónio no
9 corpo. 1
109. v. 569: em determinada ocasião. UO. ourinol: paciente. l l I, bombarda: agressiva. U2. v. 578: arranca-me logo os
6 2
cabelos. di
U3. v. 580: então dá-me vários murros na cara. 114. v. 582: e ela continua a bater-me. US. coraçuda: valente, corajosa. s
116. rascão: gascão, natural da Gasconha (França); os naturais desta região metiam-se frequentemente em rixas. 117. Tanto fo
me r
farás: Tanto argumentarás. 118. v. 599: Recompensar-me-ás com algo mais. 119. corte: curral onde os animais passam a 1
noite. 3,
120. arada: lavoura. 121. a panela: comida com carne. 122. prima: amiga. 123. gamela: recipiente de madeira que serve
para 1
dar de comer aos porcos e a outros animais. 3'

1
4

~
"}j ••

,.
•• <f
.~
}~ ..
121.

4. Gil Vicente, Auto da Feira


Auto
da Feira
e quantas uvas penduro
Diniz Compadre, no mais sofrer:
jeita nas gorgomileiras:124
Marta Pasmada estou eu de Deus sai de lá Branca
desse silvado.
Quereis feirar a cevada 785
parece negro monturo 125.
fazer o Demo marchante!"!Amân. Pera eu ser arrepelado.quatro pares de sapatos?
;30 Não havi'eu
Mana, daqui por diante 670
Vai-se-m'às ameixieiras, Ser.mais mister.
Oh, piedoso Deus eterno!
750
não caminhemos nós sós.
antes que sejam maduras, Não comprareis pera os céus
Diniz E não n'hás tu deum
vender?
710 Branca
ele quebra as cerejeiras, S'eu soubera quem ele era, pouco d'arnor de Deus
Amân. Tu dizes que a qués feirar.
ele vindima as parreiras,
fizera-lhe bom partído.!" Diniz que vos livre do Inferno?
ão qu'ela se me tomar, 790 l
e não sei que faz das uvas. Branca Isso é falar per pincéus'".
leixar-m'á quando quiser.
535
Ele não vai à lavrada,que126
me levara o marido,
e quanto tenho lhe dera,675 Ser. à má estreia;
Mas demo-las Esta133
feira não se fez
ele todo o dia come, 755
e o toucado e o vestido. para as cousas que quereis.
e voto que nos tornemos,
ele toda715a noite dorme,
Inda que mais não levara Branca
e er depois tornaremosPois cant'a essas que vendeis, 1
ele não faz nunca nada,
desta feira, em extremo daqui afirmo outra vez
com as cachopas d'aldeia: 795
e sempre me diz que há fome.
me alegrara e descansara, que nunca
entonces concertaremos. 134 as vendereis.
sedizer,
Jesu! Iesu! Posso-te o vira levar o Demo,
680 Amân.
Porque neste sigro!" em fundo
e jurar e tresjurar, e que nunca mais tornara. Isso me760
parece a mi todos somos negligentes:
e provar e reprovar, Porque, inda que era Diabo, muito melhor que eu irfoilá.ar que deu polas gentes,
720
e andar e revolver, Oh, que Couces que me foidá,
ar que deu polo mundo,
fizera serviço a Deus, quando me colhe sob si!
800
qu'é melhor pera beber, de que as almas são doentes.
645 e a mi mercê em cabo; Diniz Cant' àquela si dará.
que não pera maridar.
e viera-me dos céus, 685 Diabo Mulheres, vós que quereis? E se hão de correger
O demo que o fez marido, 765
como vem a frol ao nabo.!" quando for todo danado ISO:
Nesta feira que buscais?
que assim seco como é Marta
Vão-se ao Tempo e diz Marta Dias: Queremo-la ver, no mais.
muito cedo se há de ver;
beberá a torre da Sé!
Então arma um arruído Pera ver em que tratais, 135
que já ele não pode ser 805
725 Marta
assi debaixo do pé. 127 Dizei, senhores de bem, mais torto nem aleijado.
e as cousas que vendeis.
nesta tenda que vendeís? Vamo-nos, Marta, à carreira!",
690
Marta Tendes
770 vós aqui anéis?
Pois bomSer.
homem parece ele. tudo tem;
Esta tenda que as moças do lugar
Diabo Quejandosy!" De que feição?
Diniz Aquela é a minha frouxa. vede vós o que quereis, virão cá fazer a feira,
Marta D'uns que fazem de latão.
Marta Deu-t'ele a fraldinha roxa'"?
que tudo se fará bem. que estes não sabem ganhar,
Diabo Pera as mãos, ou pera os pés?
Branca Melhor lh'esfole eu a pele. nem têm cousa que homem queira. 810
730 Marta ão - Iesu, nome de Iesu,
Que homem há i da puxa 129.Consciência quereis comprar,
695
Ó diabo que o eu dou, de que vistais vossa alma? Deus e homem verdadeiro!Eu não vejo aqui cantar,
Marta
775
que o leve emMarta
fatiota, Tendes sombreiros de palma Foge o Diabo e Marta Dias nem gaita, nem tamboril,
diz:
e o ladrão que rn'o gabou; muito bons pera segar, e outros folgares mil,
Marta
e o frade que me casou e tapados pera a calma? que nas feiras soem d'estar'":
unca eu vi bufarinheiro 815 (J
inda o veja735naSer.
picota 130. Consciência digo eu, tão prestes tomar o mu.137 e mais feira de Natal,
que vos leve ao Paraíso. Branc'Anes mana 138, crêe tu mais de Nossa Senhora,
780
Brancada Estrela,
E rogo à Virgem Não sabemos nós qu'é isso; que, como Iesu é Iesu, e estar todo Portugal.
e à santa Gerjalem 131, dai-o ó decho por seu, 700 Branca
era este o Diabo inteiro S'eu
139.
soubera que era tal,
e ós choros da Madaneia,que já não é tempo disso. não estivera eu cá agora.
Branca
e à asninha de Belém, ão é ele pau de boa lenha, S
740 Marta Tendes vós aqui burel!", Vêm à/eira nove moças dos montes, e três 820 G
que o veja eu ir à vela 132 nem lenha de bom madeíro.!"
do pardo de lã meírínha'"?
Marta Bofá, nunc'ele cámancebos,
venha. todas com cestos nas cabeças, cobertos, S
pera donde nunca vem.
Branca Eu queria uma pucarinha cantando.
Branca Viagem de Ião Moleiro , l41 E, como chegam, se assentam por
pequenina pera mel.70 que foi pola cal'"ordem a vender; e diz-lhe o Serafim:
d'azenha.
5
Ser.
124. v, 628: deita nas goelas, 125. Esta feira
monturo repugnante, 126. év. chamada Ser.
635: Ele não vai ao campo da sementeira, 127. vv. 649-650: Arma Pois vindes vender à feira,
discussões desnecessárias, 1 28,jra/dillha roxa: avental encarnado, 129. v, 655: homem de má índole (insulto). 130. picota:
745
forca, 131. Gerjalem- Jerusalém. 132. ir ti oela:das virtudes
desaparecer, 133.em seus
v, 675: Mastratos.
vamos torcer para que tudo lhes corra mal. sabei que é feira dos céus; S
Marta
134, v, 679: então depois acertaremos Das135.
os detalhes, virtudes!
v. 688: ParaEver
háque
aqui patos?
negócios fazeis. 136. Ouejandosr: De que tipo?
137, v, 697: fugir tão depressa, 138. mana: amiga, 139. inteiro: em figura de gente, 140. vv, 701-702: Não tem boa aparência,
14l.fão Moleiro: Diabo, 142. cal:143. marchante: mercador. 144. v. 711: tinha-lhe apresentado condições vantajosas. 145. v. 724: seria o melhor que me poderia acontecer.
canal. v
146. burel: tecido grosseiro de lã. 147. meirinha: gado lanígero. 148. pincéus: enigmas. 149. sigro: século. 150. danado: condenado. 151. à pa
carreira: ao caminho. 152. soem d'estar: costumam estar. d
19
198
7
122.
Mateus
4. Gil Vicente, Auto da Feira
Just.
835

Mateus
825 Gil. E que léguas haverá
Just, daqui à porta do Paraíso,
por tal, vendei de maneira onde São Pedro está?
840 Mateus
que não ofendais a Deus, Nabor Lá vêm ó redor das vinhas
roubando a gente estrangelfa . . 153 compradores a comprar
es. Responde-lhe, Leonarda, 830
Auto da Feira samica ovos e galinhas.
leren. tu Responde-lhe, Teodora,
Justina, ou Juliana. Dor. Não lhe hei de vender as minhas,
64. Mas porque creio que
responda-lhe a ti creia.
Giralda, que as trago pera dar.
es, Responda-lhe
Tesaura, ou Merenciana. Doroteia,
Vic. Vós fazeis de mi rascão. 905 Vic.
Vêm dous compradores,Senhora
um per minha
nomeIulíana, ~
pois que mora
Leo. Pação!" vos fizestes vós; peço-vos
Vicente e outro Mateus, e dizque me faleis
Mateus a ~
865 Juiz d'aldeia.
junto c'o Justina:
porém bem vos vimos nós discreta palaciana 168,
oro Moneca responderá,
guardar bois no Alqueidão. e dizei-me que vendeis.
que falou já com o Senhor. Vós rosa do amarelo,
Mateus Que vindes vender à feira, IuI. Vendo favas de Viana.
Ion. Responde-lhe tu, Nabor, 910mana, tendes i queijadas?
Teodora, alma minha, Vic. Tendes alguns laparínhos'"?
contigo s'entenderá. Tenho vosso avô marmelo!157
minha alma, minha canseira? IuI. Sim, de porca.
870 Conhecei-Io?
Trazeis alguma galinha?
Ou Dionísio, ou Gilberto, Vic. Nem coelhos?
l58
Aqui estão emborilhadas .
qualquer deTeo.
vós outrosSão vossa alma galinheira.
três, IuI. Quereis comprar dous francelhos'?", 950
Esta de rn.sora que o , d 159
e ma
e não vos embaraceis nemQue má154,
torveis ora cá viestes
pela vossa
pera caçardes ratinhos?
negra vida.polos Evangelhos!
porque é certo Vic. Quero,
pera quem vos pôs no paço! Menina, não hajais medo:
que bem vos entendereis. 915
Mateus Senhora, eu que vos faço, vósMateus Vós, Tesaura,
sois mais engrandeci da minha estrela,
.u Estas cachopas
875 não vêm
que vos agastais tão prestesj!" que Branca denão viríeis cá em vão.
Figueiredo.
à feira nego 155 a folgal~ Dizei-me vós, Teodora, Tes. Pois si, vossa estrela vos er'ela: 955
e trazem de merendar ovos, meus
Se trazeis como
trazeis vós tal cousa e tal aquiloolhos,
é de rascão!
nesses cestos que i têm. não Mateus
m'os vendais
deste jeito, muito embora? 845 Iusr, Masa ninguém.
como isso é de donzela!
Mas lá dessoutro metal Andar
920 em burra e ter bem:
Porém vá já como vai,
Mas pois
880
quanto ao que entendo, ouvide ora o rasca-piolhos
sois, samica 156, anjo denão falam à lavradora.
Deus; e casemo-nos, senhora.
I60
(azeiteTes.
no michoPois !161) emco'ele,
casai que vem!
casai. 960
quando partistes dos céus, Vic.
Vic. Senhora Moneca, trazeis Minha vida, Leonarda,
Casar ma ora, meu pai,
que ficava Ele fazendo? algum cabrito recente? 1
traz caça pera vender?
casar má hora.
ler. Ficava vendo o seu gado. 850 Leo.
Mon. Não bofé, senhor Vicente: Vossa vida negra e parda
Jil. Santa Maria! Gado há lá?quisera ora trazer três, 925
Mateus Porém trazeis algum pato?
não lhe abastará comer
Oh, Jesu! Como
885 o terá
de que vós foreis contente. Tes.
da vaca com da E quanto dareis por ele?
mostarda?
o Senhor gordoVic.
e guardado!
Juro à Santa Cruz de palha Hui! E ele revolve o fato: 965
Vic.
qu'hei de ver o que aqui está. E a mesa de meu
olho senhor
mau se meta nele.
E há lá boas ladeiras, irá semMateus
ave de pena
Mon. Não revolvais aramá, Não162?
trazeis vós o qu'eu cato.
como na serra d'Estrela? 855 Leo.
ier, Si. que não trago nernígalha'". Quem?
930 E vós soisMerenciana
Vic. comprador?deve ter
890 Vic. Não me façais descortês, Pois nem grande nem
nestepequena
cesto algum cabrito.
Gil. E a Virgem que faz ela?
não matou o caçador.
Ser. A Virgem olha as cordeiras, Vic. Meren.
Matais-me Não
vós logo m'haveis de revolver,
bem
e as cordeiras a ela.
nem queirais ser tão garrida. com dous olhinhos qu'eu digo. 970
Gil. E os Santos de saúde 860 Leo. senão, pardeus, que dê grito
Mais vos mata a vós o trigo,
Mon.
todos, a Deus louvores? Pola vossa negra vida, tamanho, que haveis de ver.
porque não vale a vintém,
Ser. Si. olhade como é cortês!
Oh! Que lhe saia má saída. e traz935
mau micho consigo.
Vic. Eu hei de ver que trazeis.
895
Mateus Giralda, eu achar-vos-ei Meren. Se vós no cesto bulís'" ...
". "",,,,,,im Q', vem de '0". " •. '0"'." P"~'b",.dous ",. de
pares ""'O "6.
"'CO"passarinhos? =0"' .. "'"n ",. v. Vic. 635 .. "060 o Di,bo
Senhora, que me fareis? 3
que
Gir.
5 carregue! 158. ell7borilhadas: embrulhadas. Irei
159. porquieto.
queda: eles 160.
aos micha.
ninhos, Meren.
mistura de fannhas unhzadas no fabnco do Um aqui-d'el-reí!", ouvis?
·0.161. azeite no micho': Deitem azeite a ferver em cima do rapaz! 162. ave de pena: alimento mais requlJ1tado do que a carne
vaca. entonces os venderei. Não sejais vós descortês.
940
Comereis vós estorninhos? Vic. Não quero senão amores,
Mateus Respondeis como mulher pois vosso, senhora, sou. 19
900
Meren. Amores de vosso avô, 9
muito de sua vontade. 166 o da ilha dos Açores.
Gir. Pois digo-vo-Ia verdade: Andar aramá vós só.
pássaros hei de vender? 1
Olhai aquela piedade!"? 945 Mateus Vamo-nos daqui, Vicente.
Vic. Bofá vamos.
163. Pação: Homem fino. 164. v. 875: que ficais logo zangada? 165. nemigalha: nem migalha, nada. 166. v. 901: senhora do seu nariz. 167. v. 904:
Vejam como ele é generoso! 168. v. 907: como alguém que sabe como agir. 169. laparinhos: filhos de coelha. 170. francelhos: aves de rapina.
171. v. 936: Não mexais nas minhas coisas. 172. Um aqui-d'el-rei: Um grito de socorro.
200
123.
Canti
ga.
I Coro "Blanca estais colora da, 4. Gil Vicente, Auto da Feira

980 Virgem sagrada.


Nunca vi tal feira.
Em Belém
Vamos vila do
comprar amor
à Ribeira, E pois que já descansámos
975
que nasceu
anda láaaflor:
cousa mais quente. assi em boa maneira,
da rosa
Mateus moças, assi como estamos,
Virgem sagrada':
Vão-se os compradores e diz demos fim a esta feira,
II Coro o Em Belém vila do amor primeiro que nos partamos.
Vic.
Serafim às moças:
985 Ser nasceu Vósa rosa do rosal:
outras quereis comprar Aleuantam-se todas, e ordenadas em
. Virgem sagrada':
das virtudes? folia cantaram a cantiga seguinte, com
Todas "Da rosa nasceu
I Coro a flor, não.
Senhor, que se despediram.
peraSaibamos por que razão.
nosso Salvador:
Ser. Porque no nosso lugar
Dor. Virgem sagrada':
não dão por virtudes pão;
II Coro "Nasceu a rosa do rosal,
nem casar não vejo eu
990 Deus
pore virtudes
homem natural:
a ninguém.
Virgem
Quem sagrada':
tiver muito de seu,
e tãoDomino
Gratias agamus bons olhos
Deocorn'eu,
Nostro.174
sem isso casará bem.

Ser. Pois porque viestes ora


cansar à feira de pé?
Ieo, Porque nos dizem que é
feira de Nossa Senhora:
e vedes aqui porquê.
E as graças que dizeis
que tendes aqui na praça,
se vós outros as vendeis,
a Virgem as dá de graça
aos bons, como sabeis.

E porque a graça e alegria


a madre da consolação
deu ao mundo neste dia,
nós vimos com devação
a cantar-lhe uma folía'",
Auto da
Feira
- .:..' - 124. Apresentada a sua intenção, Mercúrio vai pregar a verdade "sem mentiras nem cautelas" e
4.1. Representação concreta e huma- I. Superstição e imoralidade clerical
na da Igreja Católica Apostólica Roma- expor a mentira. 1.1. a. Astrologia. O termo astrono-
na; por extensão, todos os represen- mia (v. 11) que surge no auto refere-
tantes da Igreja (padres, frades, -se aqui ao campo da astrologia.
2.1. Comprova a afirmação anterior, explicitando a estratégia a que recorre b. Esclarecer os ouvintes sobre o que
bispos, freiras, etc.) cujas falhas se pre-
tendem corporizar. para denun- é verdadeiro na astrologia (vv. 14-15).
4.2. Verdade como algo desprovido c. A astrologia era um tema que anda-
ciar a crença na astrologia "mal sabido e lisonjeira" (v. 13). va "mui maneira" (v. 12), mas era mal
de interesse e utilidade (vv. 385-386)
e que apenas traz "canseiras" (v. 401). sabida e necessitava de um esclareci-
4.3. Recusa de compra dos bens do
2.1.1. Mostra como a estratégia usada tem um pendor satírico, mento (vv. 16,31-34); a crença infun-
dada nos astros deveria ser substituí-
Diabo (vv. 417-421); arrependimento transcrevendo exem- da pela fé cristã.
em relação aos males anteriormente
comprados ao Diabo, pois estes só lhe plos dos seguintes recursos: 2.1. Explicitação da verdade e denun-
cia da mentira de forma fundamenta-
causaram dissabores (vv. 422-433);
vontade de redenção.
a.
ironia; b. cómico de linguagem; c.
cómico da, com base na desmistificação das
crenças da época:
4.4. Relação entre Roma e o Diabo:
· relação de grande
de situação. · crença de que os astros nos contro-
lam desde o nascimento (vv. 52-54);
proximidade e
cumplicidade (vv. 350-351);
Ver A
dimensão -61);
· crença no poder dos signos (w. 57-
· relação antiga baseada satírica da
· crença de que a morte e definida pe-
em trocas co- obra
la divindade do Tempo (vv. 62-66),
merciais (vv. 414-415, 421-422-431). vicentina, ete.
5.1. Discurso bajulador, marcado pelo p. 183
2.1.1. a. ironia vv. 36-42 - desvalori-
tom elogioso (vv. 437-441).
zação do conhecimento científico fa-
5.2. Mentira, crueldade, maldade.
5.3. Tentativa de negociação junto
3. Terminado o monólogo, o Tempo entra em cena "e arma uma tenda com cilmente observável. b. cómico de lin-
muitas causas." guagem vv. 82-86 - denúncia do
do Serafim, oferecendo "estações"
comportamento do clero, com base
(v. 457). "perdões" (v. 459) e 'Jubileus"
3.1. Refere o pedido que o Tempo faz a Deus, explicitando os seus no trocadilho (crescer/minguar). c. có-
(v. 473).
mico de situação w. 48-51 - crítica à
6.1. a. Atribuição aos outros das cul- motivos . crença de que os astros infiuenciam o
pas pelo que faz; ofensa a Deus (vv. comportamento humano com base
497-501); b. Oferta de um espelho 3.2. Atenta nas falas do Tempo, do Serafim e do Diabo e, com base nas
num exemplo de uma atitude caricata.
(vv. 487-491) - símbolo da verdadeira 3.1. Pedido a Deus que lhe envie um
imagem de Roma (espelhamento dos
mesmas, indica:
Anjo (vv. 211-212);justificaçãodo pe-
defeitos; necessidade de se recom- 125. os produtos que vendem; dido, dizendo que receia que os com-
por). c. Mudança de comportamento pradores sejam de má índole e nego-
(reaproximação de Deus), sob pena 126. os principais grupos sociais criticados; ceiem com o Diabo (vv. 213- 217).
de se perder (vv. 495-496, 505-506).
127. as críticas apontadas a cada grupo social. 3.2. a. Bens vendidos/trocados:
6.2. O Diabo tem a última palavra em · Tempo / Serafim: troca as virtudes
relação a Roma, o que poderá indiciar por bens que os compradores tragam
que a mudança ambicionada por Ro- 128. à à
Chega feira a figura alegórica de Roma, dirigindo-se tenda do (w. 186-190); vende "remédios, espe-
ma não se verificará. cialmente / contra fortunas ou adversi-
Diabo.
6.3. Roma (entidade concreta) repre- dades" (w. 191-192), "conselhos ma-
senta toda a Igreja (entidade abstra- 4.1. Explica em que medida a personagem Roma constitui uma figura duros" (v. 194), "amorerezão./justiça
ta). e verdade, a paz desejada" (vv. 196-
7.1. Venda dos valores divinos em alegórica. -197), 'o temor de Deus" (v. 200);
troca de bens materiais; ganância,
Gil Vicente, Auto da Feira, Porto,
Porto Editora, 2014
· Diabo: vende bens insignificantes
que leva à opressão dos bons e à dig- 4.2. Explicita a análise (vv. 276-278), enganos e situações/
nificação dos maus; receção de indul- 173·folia: dança rápida e animada. atitudes que causam a perdição
gências a troco de favores. que o Diabo faz da 174. Dêmos graças a Deus, Nosso Senhor.
"verdade" que (w. 288-290, 313-320, 333, 337, 343).
7.2. Relação de analogia entre as b. Sociedade em geral (vv. 198-201,
duas 215-216,258-263,283-284,301_305,
situaçõe 331-335); membros do clero (vv. 219-
s (Dante 65. Realiza as atividades seguintes que surgem estruturadas de acordo com os três grandes -222, 331-335) e os que têm poder
critica a para governar (vv. 227-232).
sirno- c. Críticas apontadas:
nia dos
momentos dramáticos que constituem o Auto da Feira: · Tempo: banalização dos valores cris-
homens I. Superstição e imoralidade clerical [vv. 1-510]
da tãos que são debatidos, mas não
Igreja, 11. Religiosidade popular [vv.511-782] colocados em prática (w. 198-199);
da falta de temor divino (vv. 200-201);
111. Exaltação divina [vv.783-991] prevalência dos valores profanos e
mesma
demoníacos (vv. 215-216);
forma Roma pretende comprar.
que o I. Superstição e imoralidade clerical [vv. 1-51OJ · Serafim: crise de valores e os
Tempo 4.3. Comenta a reação compor- tamentos desregrados dos membros
e
Mercú
66. O auto inicia-se com o monólogo de uma das personagens,
de Roma à proposta do do clero (vv. 219-222); demagogia
dos poderosos e dos governadores
rio Mercúrio. que não temem a ira divina (w. 227-
c r 1.1. Indica: Diabo. -232);
it
-
i
67. o tema abordado no monólogo; 4.4. Caracteriza a · Diabo: crise de valores e corrupção
da SOCiedade (w. 238-240); falta de
68. o objetivo da sua abordagem; relação existente entre honra (vv. 258-263, 283-284); ganân-
cia desmedida (vv. 301-305); feitiça-
cam
Roma
69. a sua opinião relativamente ao tema abordado. Roma e o Diabo. ria popular (w. 313-315); imoralida-
de e falsidade do clero (w. 331-344).
pelos
mesmos 201
atos). 129. Concluída a interação com o Diabo, Roma dirige-se à tenda do Tempo.
11. Religiosidade popular
5.1. A que estratégia recorre quando interpela os vendedores? Exemplifica.
1.1. a. Vender as mulheres. b. Agressi-
vidade, destemperamento, impaciên- 5.2. Refere as ações censuráveis com que Roma se autocaracteriza.
cia da esposa. c. Passividade, incom-
petência. d. Proposta de troca de 5.3. Mostra como o carácter simoníaco (venda de bens espirituais) de Roma prevalece,
mulheres, por Amâncio. e. Incumpri-
mento do acordo, pois Diniz acaba por mesmo quando esta procura redimir-se.
não querer Branca, dada a sua agressi-
vidade.
2.1. Descontentamento, devido aos 6. Já desesperada, Roma apela a Mercúrio para que a salve e a ajude a obter a "paz':
defeitos do marido (preguiçoso, co-
milão, trapalhão, repugnante). A6.1. Completa o quadro, explicando de que forma se mostra a Roma o caminho a seguir.
2.2. Fuga do Diabo, após ter tentado
vender mercadoria a Marta e esta ter
reagido de forma mansa e virtuosa, Críticas Oferta de um cofre de conselhos
invocando o nome de Deus e reve-
lando as suas virtudes. Simbologia da oferta Conselhos a seguir
a.
b. c.
202
6.2. Explica a abandonar a feira.
intervenção
6.3. Explicita o valor metonímico da personagem Roma no Auto da Feira.
final do Diabo,
no momento Ver metonímia, p. 381

em que Roma
se prepara 130. O tema da simonia está também presente na obra de Dante A Divina Comédia. Lê um ex-
para certo retirado da primeira parte desta obra, intitulada Inferno, em que o autor apresenta
os que são condenados pelos pecados cometidos em vida.

131.
132.
133.
Desejo dos Amâncio Motivos para Acordo a Motivo do
a venda: b. 4. Gil Vicente, Auto da Feira
lavradores: que chegam: cumprimento/
Motivos para d. não cumprimento
a. Diniz a venda: c. do acordo: e.
r _____ 00_ .~.

o castigo dos simoníacos . 3.1. Mulheres simples e ingénuas


Auto da
que procuram divertir-se numa feira
Feira
Ó Simão mago!' Ó miseráveis sequazes" seus, que as coisas de Deus, que à comum e que não compreendem o
tipo de feira em que se encontram
bondade devem ser sempre ligadas, prostituís rapacernente" em troca de ouro e (vv. 732-734, 737, 740-743, 746-748,
753,774-777).
prata! [ ... ] 3.2. Crítica à sociedade:
Dirigimo-nos então à quarta margem, dando a volta e à esquerda descendo 'as coisas que o Serafim tem para
venda não interessam aos compra-
até ao fundo estreito e coberto de buracos. O meu bom mestre", contra a anca dores (vv. 756-758); o tempo em
sua continuando a manter-me apoiado, apenas me soltou junto ao buraco da- que vivem é um tempo de pessoas
"negligentes", cujas "almas são doen-
quele que, agitando as pernas, tanto se queixava." [ ... ] tes" (vv. 760-763); a corrupção das
Não sei se terei sido ousado de mais ao responder-lhe deste modo: "Diz-me almas é tal que quem está condena-
do já não pode ser mais "torto nem
lá: quanto dinheiro a São Pedro pediu Nosso Senhor para nas suas mãos deposí- aleijado" (v. 768).
4. Parte do auto marcada pela religio-
10 tar as chaves? Decerto lhe não disse mais do que 'Segue-me: Nem Pedro nem os
sidade popular, que se caracteriza pe-
outros exigiram a Matias ouro ou prata, quando foi escolhido para o lugar que la convivência dos dois polos (bem/
mal, pecado/virtude, sagrado/profano,
perdeu a alma traidora." Por isso, queda-te aí, que bem mereces tal castigo e materialismo/espiritualismo) e que de-
guarda bem a moeda mal ganha que contra Carlos tão audaz te fez ser,' E, não nuncia a crise religiosa:
· mal/pecado/materialismo:
fosse impedir-mo a reverência pelas chaves supremas que em vida tiveste, mais desejo de
lS fortes palavras usaria ainda, pois a vossa avareza entristece o mundo, oprimindo trocar de cõnjuge (acorrência à feira
pelos maridos com o objetivo de fei-
os bons e elevando os maus. [ ... ] Vós fizestes Deus de ouro e de prata. Que vos rar as mulheres; desvalorização do
marido, por Branca);
distingue então dos idólatras, a não ser que eles a um adoram e vós a uma cen-
· bem/virtude/espiritualism
tena? Ai, Constantino, de quantos males foste origem, não devido à tua conver- o: virtude
e mansidão de Marta, ao interpelar
são, mas pelo dote que de ti recebeu o primeiro papa ricol'" o Diabo;

Dante Alighieri, A Divina Comédia - Inferno (trad. J. Teixeira de Aguilar),


· sagrado vs. profano: ida
das mulhe-
3." ed., Mem Martins, Europa-América, 1996 [pp. 80-83, com supressões] res à tenda do Diabo e invocação
espontânea de Deus.
I. Simão mago: quis comprar a São Pedra o dom de fazer milagres, sendo do seu nome que resulta a designação de 11I. Exaltação divina
simonia (venda ou compra de bens espirituais para obter um benefício espiritual). 2. sequazes: seguidores. 3. rapa-
1.1. Preocupação com o motivo que
cemente: violentamente; ávido de lucra. 4. O meu bom mestre: Dante refere-se a Virgílio. 5. daquele r .. ]
tanto se terá levado as moças à feira; aviso às
queixava: Papa Nicolau m. 6. alma traidora: )udas. 7. contra Carlos tão audaz te fez ser: Nicolau [li teria recebido raparigas de que aquela é uma "feira
dinheiro de um nobre siciliano, Giovanni de Pracida, para auxiliar na conspiração contra Carlos de Anju. 8. Refe- dos céus" (v. 784), pelo que não de-
rência à doação dos Estados Pontifícios que Constantíno teria feito a São Silvestre. vem fazer nada que ofenda a Deus.
1.2. Ingenuidade, autenticidade:
· perguntas feitas a
Serafim acerca da
7.1. Explica por que motivo os "miseráveis sequazes" indignam Dante. essência de Deus e do céu;
· compreensão literal das
7.2. Relaciona as críticas apontadas por Dante com as que são dirigidas a Roma no Auto respostas
de Serafim, que, por vezes, os con-
da Feira. duz a conclusões ingénuas.
2.1. Abordagem galanteadora dos ra-
pazes, com recurso a:
11. Religiosidade popular [vv. 511-782] · nomeações respeitosas
("Menina",
v. 840; "Senhora", vv. 874, 881, 905,
1. Chegam à feira dois lavradores, Amâncio e Diniz. 941); apóstrofes elogiosas ("Vós rosa
do amarelo", v. 833; "meus olhos",
~ 1.1. Completa o esquema, explicitando o motivo da ida dos lavradores à feira. v. 843; "Minha vida", v. 848; "alma
minha/minha alma", vv. 868-869;
"mmba estrela", v. 915); expressões
com carácter bajulador (vv. 841-842;
858-859; 919-921; 940-941).
Reação das raparigas marcada pela:
· indiferença e ligeira
134. agressividade;
· objetivo da ida é louvável e uma impaciência perante a insistência dos
mancebos em comprar-lhes merca-
2. Entretanto, entram em cena as mulheres dos lavradores, Branca e Marta. dorias; ironia nas suas respostas aos
v rapazes, quando compreendem que
estes não desistem.
irt 2.1. Explicita o ponto de vista de Branca relativamente ao seu marido.
uo 3.1. Diversão e devoção religiosa
so 2.2. Explica a razão pela qual o Diabo foge, após ter interpelado as mulheres. (vv.961-973).
3.2. Não - atitudes compatíveis com
(devoção à Virgem Maria, na data
"moralidade vicentina de fundo reli-
os valores religiosos: 203
que celebra o nascimento de Cristo,
gioso" (Maria João Almeida, Op. cit.).
Inicialmente, assiste-se à condena-
· trata-se de moças
dançando em sua honra). simples e ingénuas
ção de vidas que têm por base a
3.3. Verdade de Mercúrio: a crença que se instalam na feira apenas para
superstição, alheada da fé cristã. Real-
nas superstições e na astrologia é descansar e merendar, não preten-
ça-se a denúncia da crença que, apa-
erra- dendo negociar bens espirituais;
rentemente, existe em Deus, por parte
dos homens, crença essa que se revela
frágil, dado que está dependente da
troca consciente de favores que garan-
tirão o perdão e a vida eterna.
Depois, é-nos mostrada uma cren-
da e infundada, não apresentando
ça em Deus que obedece a um ato
credibilidade e baseando-se em
voluntário, consciente, percebendo-se
supo-
que o acesso a um estádio superior é
sições; a crença certa é a crença em
conseguido pela simplicidade, pela
Deus; a crença infundada nos astros
certeza de que as virtudes não se
deveria ser substituída pela crença
compram nem trocam e pela verda-
cristã. Cena final da obra: devoção à
deira fé cristã.
Virgem Maria e a Jesus, no dia em
Assim, após um inicio que apresen-
que
ta um conceito dúbio de fé, o auto
se comemora o seu nascimento - ce-
termina com o canto em honra do
culto mariano, exaltando-se a Virgem
lebração da fé cristã.
135. Exemplo:
Maria e Jesus Cristo na época natalícia.
(144 palavras)
O Auto da Feira é considerado
tmlVídeo 136. A conversa entre Branca, Marta e Serafim é reveladora do carácter das mulheres.
Anúncio publicitário "Venha ao
Teatro
de Metro'; realizado por Hugo Miguel
3.1. Explicita a afirmação anterior, baseando-te no texto.
Sousa, no âmbito da cadeira de
Meto- 3.2. Demonstra a crítica à sociedade implícita nas suas palavras.
dologias e Análise de Imagem, no
ano
letivo de 2008/2009 (Universidade 137. Mostra como, nesta parte do auto, se estabelece a oposição entre bem / mal,
Lu-
sófona) [1 min 52 sl
pecado /
5.1. Apreciação critica do anúncio:
virtude, sagrado / profano, materialismo / espiritualismo.
· situação representada: atriz que,

vestida e maquilhada de acordo com 11I. Exaltação divina [vv.783-991]
a personagem que vai representar, se
dirige para o teatro de metro; possí- 138. Chegam à feira "nove moças dos montes, e três mancebos".
vel valor simbólico da situação: pro-
ximidade entre a vida representada
1.1. Indica a preocupação e a diligência tomada por Serafim ao ver as nove raparigas.
no teatro e a vída real; íntenção co-
municativa: promover hábitos de ída
ao teatro e de utilização do metropo-
1.2. Com base no texto, caracteriza os mancebos.
litano de Lisboa como meio de trans-
porte.
S.2.lmportãncia do teatro na socieda- 139. Entretanto, surgem dois compradores, Mateus e Vicente, que, julgando as moças
feirantes,
de contemporânea: permanência da
função lúdica, didática e moralizante; tentam comprar-lhes alguma coisa.
representação de ações. sentimentos, 2.1. Comenta a abordagem feita pelos dois rapazes e a consequente reação das
motivações humanas; forma artística raparigas.
privilegiada para estabelecer um efei-

to de verosimilhança com o real, em


que se conjugam várias linguagens 140. Serafim fica a saber que aquelas moças não estão à procura de virtudes.
(palavra, gesto/movimento, som/mú-
sica, luz/cor); promoção da interação 3.1. Indica o motivo que as levou àquele lugar.
entre o emissor/ator e o recetor/es- 3.2. A atitude das moças retirará valor à "feira de virtudes" de Serafim? Justifica.
pectador.
3.3. Relaciona o final do auto com a "verdade" que Mercúrio queria dar a conhecer, no
204
início da obra (vv.11-15).

141. Com base na leitura da obra, redige uma exposição (entre 120 a 150 palavras) em
que
mostres a dimensão religiosa deste auto vicentino.
O teu texto deve apresentar as seguintes características:
· carácter demonstrativo;
· elucidação evidente do tema (fundamentação das ideias);
· concisão e objetividade;
· identificação das fontes utilizadas.

142. Na época de Gil Vicente, o teatro era bastante valorizado socialmente, cumprindo
uma
função lúdica, didática e moralizante. A tripla função desta manifestação artística
permanecerá atual? Propomos-te que reflitas, juntamente com os teus colegas, sobre a
importância do teatro na sociedade contemporânea.

5.1. Como ponto de partida da reflexão,


faz uma apreciação crítica oral
do
anúncio "Venha ao Teatro de
Metro':

5.2. Reflete, agora, com os teus colegas,


sobre a importância do teatro
na so-
ciedade contemporânea.

144.
143.
145.
• Nome dado a qua
• Tema: assunto rel
Género literário da fé
Auto • Personagens: tipo
• Outras característ
Gil Vicente, Auto da Feira
sátira de costume

Superstição e imora
• Monólogo de Merc
• Realização de uma feira cujos vendedores são o Tempo, Serafim e o Diabo IEIpPT
Enredo - Roma: compradora de bens espirituais (simonia) Gil Vicente, Auto da Feira - Sín-
tese da unidade
"Toda esta • Denúncia da crise de valores da sociedade em geral e da imoralidade clerical
'moralidade' é 205
construída em Religiosidade popular [vv. 511-782]
torno duma ideia • Apresentação de cenas da vida quotidiana no contexto da feira:
central, que é a - Amâncio Vaz e Diniz Lourenço: queixas das mulheres; desejo de trocar de
do comércio.
Cenas de estilos cônjuges
muito diferentes
- Branca Anes: queixas do marido
desfilam ante os
olhos dos - Marta Dias: compradora de coisas materiais
espectadores, • Denúncia da degradação dos costumes e das dicotomias da religiosidade popular
reportando-se
todas elas a trocas Exaltação divina [vv.783-991]
comerciais, a atos
de compra e • Apresentação de cenas da vida quotidiana no contexto da feira:
venda. " - Moças do monte: devotas de Nossa Senhora, através do canto (entoação de
(Paul Teyssier, cantiga em honra de Cristo e da Virgem Maria) - cf. romaria medieval
Op. cit. [p. 59]) - Mancebos: acompanhantes das moças no canto
- Vicente e Mateus: compradores de amores (tentativa de compra de bens às
raparigas pelos mancebos)
• Exaltação das virtudes

• Tempo e Serafim, enviado de Deus (vendem virtudes, justiça, verdade, paz,


Representação conselhos) -7 bem, virtude
alegórica • Diabo (vende artes de enganar, ruindade, falsas manhas, hipocrisias) -7 mal, vício
• Roma -7 Igreja Católica Apostólica Romana e, por extensão, todo o clero

• Crítica à crença em superstições e na astrologia enquanto elementos


influenciadores da vida e do destino do Homem
• Crítica do mal (mundo às avessas / degradação de costumes)
- crise de valores da sociedade em geral (mentira, hipocrisia, ganância, desejo de
Dimensão trocar de cônjuge)
religiosa - corrupção e dissolução de costumes do clero (crítica à venda de indulgências)
• Exaltação do bem (virtudes)
- exaltação divina / esvaziamento do sentido comercial da feira por parte das
moças e dos mancebos do monte
• Mecanismos: personagens-tipo (tipos sociais característicos da época) e
personagens alegóricas; recurso ao cómico (de situação, de carácter e de
linguagem)

146.
Texto B - Auto Teste
da Feiraformativo
Lê o excerto a seguir transcrito. 4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira I Auto da Feira

(100 PONTOS)
Vão-se ao Tempo e diz Marta Dias: 25 Ser.

Nota: Este teste segue, dentro do


possível, a estrutura da última edição
Marta Dizei, senhores de bem, Apresentam-se no Grupo I excertos de duas obras vicentinas - Farsa de Inês Pereira (Texto A)
(2014) do exame nacional de Portu-
nesta tenda
guês, considerando o objetoque vendeis? e Auto da Feira (Texto B). Responde às perguntas relativas à obra que tiveres estudado.
de ava-
liação (10.° ano, Gil Vicente, Farsa de
Ser.
Inês PereiraEsta
ou Autotenda tudo
da Feira). tem;
Assim, é
constituído vede
por trêsvós
grupos:
o que quereis, Branca 4. Neste monólogo, é visível a evolu-
• Grupo I (100 pontos) - em que se Texto A - Farsa de Inês Pereira Oh, piedoso Deus eterno!
ção de Inês. Brás da Mata, parecendo,
que tudo esecapacida-
avaliam conhecimentos fará bem. Ser. de início, o marido ideal, depressa se
des de Educação Literária e de Escrita 30 Não comprareis pera os céus tornou no "cavalo totào" Inês apren-
através de itens de construção (ava-
Consciência quereis Lê o texto a seguir transcrito.
comprar, deu com a experiência e compreende
liando-se apenas conteúdos de 10.° um pouco d'arnor de Deus agora que é preferivel um marido
ano relativosdeà unidade
que vistais vossa alma?
em causa); Branca que vos livre do Inferno? que, não sendo "avisado", "se tenha
• Grupo 11 (50 pontos) - em que se por ditoso / de cada vez que la] veja."
Marta Tendes de
avaliam capacidades sombreiros
Leitura e de de palma Vem Lianor Vaz visitá-la e elaIsso é falar per píncéus.' Pêro Marques tem que herdou
(vv.30-31)
Gramática,muito
através de itens de
bons sele-segar,
pera finge-se muito anojada. 20 fazenda de mil cruzados,
5. As duas personagens materializam
ção e de construção; Esta feira não se fez a sátira que o autor faz à ambição des-
1 e tapados
• Grupo 11I (50 pontos) - em pera
que sea calma? 35 mas vós quereis avisados
medida da...época, ao desejo de ascen-
0
avaliam conhecimentos e capacida- Lia. Como estais, Inês Pereira? para as causas queInês quereis. der socialmente, comportando-se de
Não! Já esse tempo passou.
Ser. Consciência digo eu, forma incorreta e hipócrita (vv. 6, 8-9)
des de Escrita (integrando conheci- Muito triste, Lianor Vazo Pois cant'a essas que vendeis,
que vos leve
mentos e capacidades ao Paraíso.
de Educação Sobre quantos mestres são de alcovitar, em que não
e à atividade
Literária), por meio de uma resposta Inês Que fareis ao que Deus faz? daqui afirmo outra vez experiência dá lição.se olhava a meios para arranjar casa-
Branca
extensa.
Não sabemos nós qu'é isso; mentos (vv. 10-11, 18-20).
Casei por minha canseira I. que nunca as vendereis.
25 Lia. Pois tendes esse saber,
la
dai-o
Visa-se, assim, que decho poraseu,
o aluno treine
Porque neste sigro" em fundo
ó

Lia. Se ficastes prenhe, basta. GRUPO I


1 resolução de testes com uma estrutu-
que já não é tempo disso. querei ora a quem vos quer,
5 ra semelhante à dos exames. Bem quisera
40 eu dele casta", todos somos negligentes:
Texto B
dai ao demo a opinião.
Marta
IElPPT
Tendes vós aqui burel', Inês mas não quis minha ventura. foi ar que deu palas gentes, 1. O excerto apresentado situa-se na
segunda parte da obra, correspon-
Gil Vicente,do pardo
Farsa de Inêsde lã meirinha"?
Pereira - Cor- Lia.
5 Lia. Filha, não tomeis tristura, foi ar que deu pala mundo,
reção do teste formativo
Vai-se Lianor Vaz por Pêra
dendo ao momento em que a feira é

Branca
Gil Vicente,Eu
Autoqueria
da Feira -uma pucarinha Inês que a morte a todos gasta. de que as almas são doentes. visitada por dois casais e em que as
1
Correção Marques. esposas dialogam com o Serafim. 5
do teste formativo
pequenina pera mel.
la o que
45
havedes de fazer?
E se hão de Inês
correger Andar! Pêro
2, Branca e Marta são mulheres sim-
Marques seja.que tentam comprar
pies e ingénuas
20 Ser.GRUPO I Esta feira é chamada
Casade-vos, filha minha. alguns objetos comuns do dia a dia
Texto A
das virtudes em seus tratos. quando for todo danado":Quero tomar por esposo na feira, não se apercebendo de que
1. O excerto apresentado situa-se na Inês Iesu! Iesu! Tão asinha! se trata de uma feira diferente.
Marta
última parte Das virtudes! E há aqui patos?
da obra e corresponde muito cedo se30há de ver;quem se tenha por ditoso
Isso me haveis de dizer? Branca, apesar da simplicidade e da
ao momento que sucede à chegada
Branca Quereis feirar a cevada que já ele não pode ser de cada vez que me veja. parece conhecer bem a
ingenuidade,
da notícia da morte do Escudeiro. De- Quem perdeu um tal marido, alma, o comportamento e o carácter
pois de o saber, Lianor Vaz visita Inês
quatro pares de sapatos? mais torto nem aleijado. Por usar de siso mero", humanos, porque, após perceber o
20
e volta a sugerir-lhe um encontro 1 tão discreto e tão sabido,
com Pêro Marques. 5 Vamo-nos, Marta, à carreira",asno que me leve que se comercializa naquela feira,
quero,
e tão amigo de minha vida? mostra a Serafim que a mercadoria
2. Inês "finge" que sofre pela morte que as moças do lugar e não cavalo folão". dele não terá compradores, pois na
do marido (v. 2); com o decorrer da Teste Lia. Dai isso por esquecido,
conversa, mostra que a ideia de um virão cá fazer35a feira, Antes lebre que leão,época em que vivem todos estão ma-
novo casamento não lhe desagrada
buscai outra guarida. culados e ninguém deseja virtudes.
que estes não sabem ganhar, 3, Branca e Marta esperavam encon-
(vv. 12-13). Depois da sugestão de antes lavrador que Nero.
trar outro tipo de feira e, perante a co-
Lianor, que volta a indicar-lhe Pêro nem têm causa que homem queira. mercialização de mercadorias que não
Marques, revela o quanto aprendeu
Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira, Porto, Porto Editora, 2014querem adquirir, decidem sair. Branca
[pp. 63-66]
com a experiência do casamento Gil Vicente, Auto da Feira, Porto, Porto Editora, 2014 [pp. 59-62] dirige-se ao Serafim uma última vez
com Brás da Mata (vv. 22-24) e decide
l. canseira: desgraça. 2. casta: descendência. 3. siso mero: senso comum. 4.folão: fogoso. para lhe dizer que os homens não es-
aceitar Pêro Marques (vv. 28-34).
\. burel: tecido grosseiro de lã. 2. meirinha: gado lanígero. 3. pincéus: enigmas. 4. sigro: século. 5. danado: conde- tão interessados em obter virtudes.
Apesar de aconselhar Inês a aceitar a
nado. 6. à carreira: ao caminho. 4. Através destas mulheres, nomeada-
sua nova condição, Lianor Vaz mostra
mente Branca, é feita uma crítica à so-
a sua verdadeira natureza de alcovi- 1. Localiza o excerto na globalidade da obra a que pertence. ciedade: a "consciénaa",
(20 PONTOS) as "virtudes" e
teira, sugerindo que case com Pêro
o "amor de Deus" são bens que não in-
Marques(vv.11,17-19).
teressam aos homens e que ficarào
Assim, ambas se comportam de forma 70. Analisa, comparativamente, o comportamento de Inês e de Lianor neste por vender; a época em que vivem es-
falsa e hipócrita, acabando por revelar
tá repleta de(20pessoas desinteressadas
aquilo que efetivamente pensam. excerto, caracterizando estas personagens com exemplos do texto. PONTOS)
1. Localiza o excerto na globalidade da obra a que pertence. (20 PONTOS) na salvação e as suas "almas são doen-
3. Nestes versos está presente a iro-
tes" (v. 39); a sociedade está de tal for-
nia. Através dela realça-se o carácter
dissimulackrde Inês, que finge estar 71. Identifica o recurso estilístico presente nos versos "Quem perdeu um tal ma corrupta
marido, / que a correção dos vícios
2. Caracteriza Branca e Marta tendo em conta o excerto apresentado.
muito abalada cem a morte de Brás, (20 PONTOS) só ocorrerá perante a ameaça da con-
tão discreto e tão sabido, / e tão amigo de minha vida?" (vv. 14-16) e refere o seu denação.
salientando as boas qualidades que
5, A alegoria surge representada quer
ele supostamente tinha ("discreto", valor expressivo. (20 PONTOS)
3. Salienta a importância da fala final de Branca. nas personagens Serafim e Tempo
"sabido", "amigo'?, quando ela própria (20 PONTOS)
(entidades abstratas) quer na nature-
tinha experimentado o seu carácter
4. Salienta a importância do monólogo de Inês, após a saída de Lianor Vazo za da feira em
(20 que se baseia toda a
PONTOS)
tirano. Assim, oculta aquilo que ver-
ação dramática e que aqui surge con-
73.
dadeiramente viveu, evitando ser cri-
Mostra de que forma a crítica vicentina é veiculada através de Marta e de cretizada em expressões como: "Cons-
ticada pela decisão de ter casado com
ele. Branca, fundamentando 72.a tua Mostra
resposta comde
Lucinda que forma
elementos
Canelas do
(2006), estas
texto.
in duas personagens dão corpo à sátira
(20 PONTOS)e à
http://www.publico.pt/culturaipsilon/jornal/custodia-de-belem-gil-vicente-
ciência queteis comprar, / de que visuús
vossa alma?" (vv. 6-7) e "Esta feira é
crítica -me-fez-ha-500-anos-75386 [Consult. 30-11-2014, adaptado] (20 virtudes
chamada / das PONTOS) em seus tratos"
206 5. Explicita de que forma a alegoriafundamentando
vicentinas, surge representada nesta
a tua cena. com elementos do texto. (20 PONTOS)
resposta (vv.20-21).

formativo 207

(50 PONTOS)

Lê o texto seguinte.

A Custódia de Belém
147.
208 Conhecemos Gil Vicente como funda-
dor do teatro português ou o dramaturgo
que escreveu os Autos das Barcas e o Mo-
nólogo do Vaqueiro. Poucos sabem que foi
5 o ourives de D. Manuel e D. Leonor e o

criador da célebre Custódia de Belém.


"A melhor forma de celebrar é divulgar
e conservar'; diz Dalila Rodrigues, dire-
tora do Museu Nacional de Arte Antiga
10 (MNAA), que afirma que a Custódia de

Belém é "a obra mais famosa da ourivesa-


ria portuguesa': Pela inscrição da base,
sabe-se que "acabou em 1506'; mas desco-
nhece-se a data exata, porque esta é
15 a única referência cronológica à sua

criação.
Ouro, apresentara pela primeira vez o 40 ultramarina que cria um período de
cristal e Monólogo do Vaqueiro - concluísse a peça grande otimismo e prosperidade, explica
esmaltes que o rei deixou em testamento ao Mos- a conservadora, acrescentando que o
foram os teiro dos Ierónimos. ouro usado por Gil Vicente vinha de um
ma- "O mosteiro estava ainda em constru- tributo de vassalagem do rei de Quíloa
teriais 30 ção quando a encomenda é feita'; diz Leo- 45 (costa oriental africana) a D. Manuel,
usados por nor D'Orey, a conservadora para a ourive- pago durante a viagem de Vasco da Gama
Gil Vicente saria, "mas é nele que D. Manuel pensa à Índia e entregue pelo próprio navegador
para cons- quando pede a Gil Vicente que crie esta ao monarca português.
truir a maravilhosa custódia': "Ê uma peça de uma enorme comple-
Custódia de 35 A peça, explica D'Orey, tem cerca de 50 xidade e de um virtuosismo técnico ex-
Belém. A 6,5 quilos, a maioria dos quais em ouro. traordinário'; defende Leonor D'Orey, re-
custódia, O seu significado artístico e político está cordando a polémica que no século XIX
que intimamente ligado ao contexto da sua envolveu a sua autoria. A ligação ao dra-
20 é uma criação, dominado por uma expansão maturgo acabou por ser comprovada pela
peça 55 descoberta de umas notas à margem num
religiosa documento de 1513, em que D. Manuel
onde é nomeia Gil Vicente responsável pelas
guardada a obras de ourivesaria do Convento de
hóstia Cristo, dos Ierónimos e do Hospital de
sagrada, foi 60 Todos-os-Santos.
uma "No documento de 1513, Braamcamp
encomenda Freire identifica uma nota que diz que o
do rei Gil Vicente a que o texto se refere é trova-
D. Manuel I dor e mestre da balança [ourives da Casa
em 1503. 65 da Moeda]'; explica D'Orey. O nome do
Fora dramaturgo vem, aliás, associado à custó-
m dia no testamento de D. Manuel (1517). "Ê
precisos raríssimo termos dados escritos relativos
três anos a estas peças. No caso da custódia, sabe-
para que 70 mos quem a fez, quem a encomendou e a
o onde se destinava:'
ourives Gil Vícente, que era também o ence-
que viria nador das entradas régias, "conjuga nela
a as linguagens naturalista e arquitetónica
dedicar- 75 de forma muito coerente e com grande
se ao virtuosismo": "A Custódia de Belém é uma
teatro - peça de aparato com grande teatralidade
25 em 1502 e poder cenográfíco"
148.

4. Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira I Auto da Feira

, 1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.7., seleciona a opção correta. Escreve, no
teu caderno, o número de cada item e a letra que identifica a opção escolhida.
GRUPO li
1.1. A Custódia de Belém está ligada à expansão ultramarina porque 1.1. c.; 1.2. a.; 1.3. c.; 1.4. d.; 1.5. b.;
(5 PONTOS)
1.6. a.; 1.7. b.
74. foi encomendada pelo rei de Quíloa. 2.1. a. Oração subordinada adjetiva

75. foi levada até à índia porVasco da Gama. relativa restritiva. b. Oração subordi-
nada substantiva completiva. c. Ora-
76. foi feita com ouro da costa oriental africana. ção subordinada adverbial final.

d. Gil Vicente foi vassalo do rei de Quíloa. GRUPO 111

1.2. As palavras "Museu" (I. 9), "Mosteiro" (li. 27-28) e "Convento" (I. 58) O tópico do 'mundo às avessas"
(5 PONTOS) remete para um mundo em que a or-
77. constituem um campo lexical. dem não é respeitada, um mundo
78. constituem um campo semântico. desarmonioso cujo sistema de valo-
res e principios se encontra virado do
79. estabelecem entre si uma relação de sinonímia. avesso. É. portanto, um mundo gera-
dor de cnticas e, até, alvo de paródia.
80. estabelecem entre si uma relação de antonímia. O "mundo às avessas" é visível nas
obras vicentinas estudadas, já que o
1.3. Em "a sua autoria" (I. 53), o determinante possessivo refere-se a dramaturgo apresenta situações que
(5 PONTOS)
81. "O seu significado artístico e político" (I. 37). c. "uma peça" (I. 49). desafiavam os costumes e os valores
instituídos.
82. "a maioria dos quais em ouro" (I. 36). d. "[0]0 contexto" (I. 38). [Hipótese Al
Na Farsa de Inês Pereira assistimos
1.4. A conjunção "mas" (I. 13) introduz
83. uma ideia equivalente. (5 PONTOS) à subversão do casamento: a rapari-

84. uma consequência.


85. uma expressão de
ga esperta e decidida une-se a um
homem simples, ingenuo, respeita-
dúvida. dor, mas tal união é rapidamente ma-
86. uma ideia de culada com a relação extraconjugal
1.5. As palavras "MNAA" (I. 10) e "quilos" (I. 36) são, respetivamente, exemplos de (5 PONTOS) de Inês com o ermitão. Desvirtua-se o
contraste. valor matrimonial e os votos feitos
87. acrónimo e truncação. c. sigla e amálgama. pelos membros do clero.

88. sigla e truncação. d. acrónimo e extensão semântica. [Hipótese BJ


No Auto da Feira apresenta-se um
1.6. O uso de travessões, nas linhas 24 e 26, delimita graficamente (5 PONTOS) mundo cujos principios estão em ex-
tinção: uma sociedade que substituiu
89. um exemplo. c. uma conclusão. a crença cristã pela astrologia, uma
feira em que se trocam virtudes como
90. uma informação adicional. d. uma opinião. se fossem bens materiais; dois casais
que, considerando-se mal casados,
1.7. Ao referir-se a "qrande teatrolidade e poder cenográfico" (11. 77-78) da Custódia, desejam o que o outro tem e sugerem
trocar de esposas. Nestes casos, a in-
dá-se realce (5 PONTOS)
coerência e a desordem são de tal for-
91. à decoração e ao artificialismo com que Gil Vicente concebeu a peça. ma comuns, que não geram espanto.
Atualmente, o mundo ainda está
92. ao dramatismo e à perspetiva com que Gil Vicente concebeu a peça. às avessas, sendo frequentes situa-

93. ao cenário e à artificialidade da Custódia de Belém. ções em que se revela a hipocrisia, a


sede de poder, o desrespeito pelo ou-
94. à perspetiva exibicionista desta peça de ourivesaria. tro, a falta de solidariedade, a ganãn-
cia ... O desejo de ascender conduz à

95. Responde ao item apresentado. inversão dos valores e promove o efé-


mero e, principalmente, o dispensá-
vel. Cada vez mais, a sociedade tem
2.1. Classifica as orações abaixo indicadas: melhores condições de vida e mais
(15 PONTOS)
96. "que escreveu os Autos das Barcas e o Monólogo do Vaqueiro" (li. H); ferramentas para tornar o mundo me-
lhor e mais justo, mas, paradoxalmen-
97. "que foi o ourives de D. Manuel" (11. 4-5); te, há cada vez mais pessoas isoladas
e
98. "paro que o ourives [. .. ] concluísse a peça" (11. 23-26). ignoradas.
Assim, a imagem do mundo às
avessas que Gil Vicente tão bem retra-
tou não é exclusiva do século XVI, pois
atualmente também assistimos à sub-
(50 PONTOS) versão de valores, recompensando-se
e penalizando-se injustamente.

;Na obra de Gil Vicente que analisaste foca-se o tópico do "mundo às avessas". (Hipótese A: 223 palavras)
(Hipótese B: 240 palavras)
jRedige uma exposição sobre este tópico, fazendo referência não só à obra que leste, como
~ também à sociedade atual, mostrando até que ponto lhe pode ser associado. Escreve um
ftexto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras.

209

-- - ...

Você também pode gostar