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Síntese do ato III

No Ato III de «Frei Luís de Sousa», assistimos às consequências da


revelação do Romeiro: Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena
decidem ingressar na vida conventual e o estado de saúde de Maria
agrava-se. Telmo, por sua vez, vê-se num dilema, após o regresso
do seu primeiro amo, admitindo que o amor por Maria é superior ao
que sente por D. João de Portugal. Este último, após tomar
conhecimento das múltiplas tentativas encetadas por Madalena para
o encontrar, tenta remediar o mal feito. Porém, não o consegue, já
que tanto a sua esposa como Manuel de Sousa tomam o hábito e
Maria morre. 

Didascália inicial: espaço, tempo e ambiente


Pela análise da didascália inicial, podemos concluir que a ação
decorre na parte baixa do palácio de D. João de Portugal, na
madrugada de 5 de agosto de 1599. Trata-se de um espaço
reduzido, sóbrio e cujos ornamentos se resumem a objetos
religiosos, conotados com a morte e a redenção (alusão aos
paramentos da Semana Santa). Para além disso, o facto de ser «alta
noite» confere um caráter funesto e sinistro ao lugar.  
Este afunilamento do espaço sugere opressão, infortúnio e
fatalidade, apenas resgatados pela redenção cristã.  

As personagens
No Ato III, constata-se que todas as personagens estão marcadas
pelo destino, sendo conduzidas até à catástrofe final, a morte:
Madalena e Manuel ingressam na vida conventual (morrem para o
mundo, renascem para Deus, adquirem outra identidade); Maria
morre vítima da doença e de vergonha; Telmo perde a família que
ama; e D. João, mais uma vez sem família, é «ninguém».  
- D. Madalena de Vilhena encontra-se desesperada, quer por
constatar que as suas dúvidas relativamente à mensagem do
Romeiro não têm qualquer fundamento, quer por não conseguir falar
com o seu marido.
- Maria é uma personagem marcada pelo destino, quer pela saúde
débil, quer pela ilegitimidade do seu nascimento. De facto, à
tuberculose, doença incurável, explorada pela estética «romântica»,
juntou-se a tragicidade inerente ao seu «novo» estado social
(incompatibilidade do mesmo com os valores predominantes na
sociedade a que pertence). 
- Manuel de Sousa Coutinho, personagem que se pauta pela
nobreza de caráter, pela dignidade e coerência, resigna-se na hora
da separação, sendo inflexível perante as súplicas da esposa. O seu
percurso penoso fá-lo sentir autocomiseração, porém, a sua
preocupação é Maria, para quem pede «vida». Consumada a
catástrofe, aceita a vontade Divina, vendo em Maria um anjo
celestial a quem encomenda a sua alma e a de D. Madalena.
- Telmo Pais, o aio, o amigo e confidente vê-se entre dois amores
inconciliáveis, entre a afeição que sente pelos seus dois «filhos»,
Maria e D. João. O amor pela jovem acaba por ser superior, o que
provoca nele um conflito interior, ao ponto de oferecer a sua própria
vida, como sacrifício, em troca da vida de Maria, que recuperaria,
assim, a sua honra. 
- Frei Jorge, o irmão de Manuel de Sousa Coutinho parece atuar
como a voz do bom senso, da razão e defensora dos valores
cristãos, procurando manter a harmonia no seio da família.
- A figura de D. João de Portugal foi, progressivamente, ganhando
forma. De entidade abstrata, apenas nomeada no ato I, passou a
personagem real no Ato III. Num primeiro momento, parece querer
justiça e que a ordem seja restabelecida, no entanto, após obter a
confirmação de que D. Madalena o procurara durante sete anos
antes de voltar a casar e sabendo da existência de uma inocente
que é vítima da sua chegada, tenta remediar a situação causada.
Trata-se, na verdade, de uma personagem marcada pela perda e
pela solidão irreparáveis. 

Dimensão patriótica e sua expressão simbólica


Inicialmente, Telmo e Maria, personagens sebastianistas,
representam o «velho Portugal», que desapareceu com a perda da
independência, após a derrota de Alcácer Quibir e a ausência de D.
Sebastião. Resistia a esperança do renascimento do Reino, porém o
regresso de D. João de Portugal conduz ao aniquilamento da
família, o que, simbolicamente, pode implicar uma nova crença, a do
surgimento de um «novo Portugal». 
Este «novo Portugal», por sua vez, é simbolizado pela família de
Manuel, que representa o futuro de uma nação que poderá renascer.
Mas a vida desta família está marcada pelo passado, que acaba por
destruí-la.  
Telmo revela respeito e admiração por Camões e deseja o regresso
do rei D. Sebastião, mas vive um conflito: está dividido entre a
fidelidade a D. João de Portugal e o amor e dedicação a Maria.
Assim sendo, a personagem representa simbolicamente a divisão
em que Portugal se vê na época: lealdade ao «velho Portugal» e o
desejo de reconstrução do «novo Portugal».  

Linguagem e estilo
À semelhança do que acontecia nos atos anteriores, também aqui
encontramos recursos expressivos e linguísticos que dão conta do
estado emocional das personagens, nomeadamente do seu medo,
terror, angústia e desespero.

- frases exclamativas entrecortadas por reticências, a darem


conta de um estado emocional dominado pelo desespero e
sofrimento;
«Desgraçada filha, que ficas órfã!... órfã de pai e de mãe…  (pausa)
… e de família e de nome, que tudo perdeste hoje…»
- repetições, que sugerem desespero e preocupação e enfatizam
o tom suplicante empregue pela personagem;
«Peço-te vida, meu Deus (ajoelha e põe as mãos), peço-te vida,
vida, vida… vida para ela, vida para a minha filha!... saúde, vida
para a minha querida filha!...»

- imperativo, que exacerba a angústia e o conflito interior de


Telmo; 
«Levai o velho que já não presta para nada, levai-o, por quem sois!»

- frases curtas, reveladoras do medo de Telmo em deixar


transparecer os seus verdadeiros sentimentos;
«Oh! Senhor!»
«Não sou?»
«Senhor!»
«O que quereis que vos diga, Senhor? – Eu…»

- eufemismo, que ameniza o temor associado à morte, suprido


pela crença na vida eterna que o cristianismo preconiza, e que
indicia que o reencontro entre Telmo e D. João se dará após o
óbito.
«Até ao dia do juízo.»

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