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Português

Frei Luís de Sousa, por Almeida Garrett

Contextualização histórico-literária:
 Nasceu em 1799 e faleceu em 1854.
A obra foi representada pela 1ª vez em 4 de julho de 1843
A obra foi censurada pois vivia-se sob a ditadura de Costa Cabral:
inimigo político de Garrett, daí haver um paralelo entre o domínio
filipino e o governo cabralista.

A obra decorre no contexto histórico da ocupação espanhola em


1580. Essa ocupação tem implicações na intriga (regresso de D-
Sebastião = regresso de D.João)

Exposição: Ato I, cenas I a IV


Conflito: Ato I, cena V a Ato III, cena VIII
Desenlace: Ato III, cenas IX a XII

Concentração do tempo: (a obra decorre em mais ou menos 1


semana)
Casamento de Madalena com João de Portugal: sexta-feira
(04/08/1576)
Paixão de Madalena por Manuel de Sousa Coutinho: sexta-
feira(04/08/1577)
Batalha de Alcácer Quibir: sexta-feira, 4 de agosto de 1578
Casamento de Madalena com Manuel: 1585, 7 anos após a batalha
Nascimento de Maria (1586)
Libertação do Romeiro (24/08/1588)
Incêndio do palácio (27/07/1599)
Regresso de João de Portugal: sexta-feira, 4 de agosto de 1599 (14
anos do segundo casamento)
Morte de Maria e tomada do hábito de seus pais. (05/08/1599)

 Há um afunilamento temporal dos acontecimentos que reduz


as hipóteses de “saída” dos personagens.

Há então alusões constantes a sexta-feira. É vista como um dia


fatal. Todos os grandes acontecimentos são marcados a uma sexta-
feira.
O número 3 está associado à perfeição pelo que 21 simboliza a
perfeita fatalidade e o 7 à conclusão de um ciclo, a uma mudança
obrigando a um recomeço. (sempre relacionado com a vida da
família) O número 21, símbolo da perfeição, da sabedoria
corresponde na obra ao aparecimento de João de Portugal, homem
que encarna a dignidade.
O número 13 foi a idade com que Maria morreu e este número é
considerado como de mau agoiro.
Há referências ao fim de tarde e à noite: o tempo está carregado de
fatalismo, tornando-se um elemento trágico.

Concentração de espaço:
Ato I: (28/07/1599)
Palácio de Manuel de Sousa Coutinho – espaço luxuoso, elegante,
luminoso. Retrato de Manuel de Sousa Coutinho.
Este palácio transmite a ideia de conforto, bem-estar e a união e o
amor familiares. Por esse motivo, o incêndio que destrói o solar
revela-se um presságio da desagregação do núcleo familiar,
consumada pela catástrofe que se abaterá sobre os seus membros.
Acontece a um final de tarde.

Ato II: (04/08/1599)


Palácio de João de Portugal – sala dos Retratos: espaço antigo,
melancólico, sem luz. Retratos de João de Portugal, Camões e
D.Sebastião (que evocam um passado extinto mas ameaçador)
O retrato de D.Sebastião simboliza o Portugal do passado que não
tem espaço para existira.
O retrato de Camões é símbolo do passado glorioso que
despareceu na Batalha de Alcácer Quibir.
Acontece ao anoitecer.

Ato III: (04/08/1599)


Parte baixa do Palácio de João de Portugal – espaço amplo, sem
ornato algum.
 O afundamento progressivo do espaço adensam o peso da
fatalidade e do infortúnio. Diminuem a gradual limitação de
possibilidades de soluções para os problemas que as afligem.
Assistimos a um percurso que vai do profano para o sagrado.

Romantismo/drama romântico:
 Movimento artístico que se manifestou na primeira metade do
século XIX
 Arte fundada no sentimento
 Afirma a total liberdade de criação, recusa regras, cria
géneros mistos: prosa poética, drama, romance
 Consegue a libertação da linguagem, que se torna coloquial
 Assunto nacional
 Apresenta uma natureza triste, escura, dinâmica,
tempestuosa, outonal, crepuscular
 Arte quer reabilita e celebra a idade média
 Texto em prosa
Drama romântico na obra:
Tema da influência nacional;
Atribuição de sentimentos violentos às personagens (culto de honra,
patriotismo, terror provocado pela crença no sobrenatural, efeitos
trágicos dos sentimentos);
Características/temas românticas: crença no sebastianismo,
patriotismo e nacionalismo, crenças religiosas, individualismo, tema
da morte, mito do escritor romântico.
Fatalismo (as personagens tentam negar racionalmente o destino,
mas não o conseguem).
Mitificação da figura de Camões: O poeta é, muitas vezes,
configurado como uma figura incompreendida e desprezada pela
sociedade, que não reconhece o seu génio;
Intensão pedagógica: a problemática dos filhos ilegítimos e a
denúncia da alta de patriotismo.

Dimensão trágica:
Apesar de ser classificada como drama romântico, a obra apresenta
características da tragédia clássica:
 Lei das três unidades: ação (a intriga deve ser simples e sem
ações secundárias), tempo (a ação não deve exceder as 24
horas) e espaço (ação decorre no mesmo espaço).

 Número reduzido de personagens e o facto de estas terem um


carácter nobre e serem de condição social elevada;
 Ambiente carregado de presságios e sinais;
 Tom grave e estilo elevado;
 Protagonista como pessoa justa, sem culpa, que cai num
estado de infelicidade;
 Desenvolvimento da ação com base num crescendo de
intensidade, que culmina com a catástrofe sinal;
 Reminiscência do coro na personagem Telmo e Frei Jorge
que comenta ou anuncia o desenrolar dos acontecimentos;
 Concentração do espaço e do tempo;
 Inexistência de cenas excessivas.

Exemplos desta tragédia clássica:


Madalena apaixona-se por Manuel quando ainda era casada com
João de Portugal;
Manuel incendeia o palácio;
Mudança da família para o palácio de João de Portugal;
Conflito interior de Madalena, que se intensifica ao longo da ação;
Chegada do Romeiro (peripécia) e reconhecimento (anagnórise) da
sua identidade;
Morte de Maria e entrada de Madalena e Manuel no convento
(catástrofe).

Indícios trágicos:
 Coincidências temporais, referências à sexta-feira, simbologia
dos números três e sete (mistério e fatalidade)
 Evocação da figura trágica de Inês de Castro
 Presságios/agouros e pressentimentos
 Sebastianismo de Telmo e de Maria
 Doença de Maria (tuberculose)
 Perda do retrato de Manuel vs preponderância (importância)
do retrato de João
 Referências à vida conventual (exemplo de D.Joana de
Castro) e à morte.
Dimensão patriótica:

 Mito do sebastianismo cujos porta-vozes são Maria (com


ideologias políticas nacionalistas como combate à tirania dos
governantes) e Telmo. Exemplos: retratos (com valor
simbólico) de D.Sebastião, Camões, D. João de Portugal.

 Incêndio do palácio por D.Manuel de Sousa Coutinho, como


forma de resistência aos governadores de Lisboa/à ocupação
espanhola, demonstrando patriotismo e nacionalismo.

 D. João de Portugal: símbolo da Pátria humilhada e cativa.

A situação política de Portugal tem grande importância na ação da


peça, tendo em conta que D. Manuel de Sousa Coutinho, Telmo e
Maria desejam a independência do Reino e não aceitam a
governação espanhola; o protagonista recusa-se mesmo a
colaborar com os governadores ao serviço do rei estrangeiro e a
afronta-os incendiando a sua própria casa. Numa das linhas de
ação da peça, a tensão dramática resulta deste conflito.

A peça constrói a ideia de que Portugal deixou de existir durante a


Dinastia Filipina e é um mero fantasma (é «Ninguém!») que alguns
creem poder ressuscitar, o Reino perdeu a sua independência e
espera recuperá-la com a chegada de D. Sebastião, que, na
verdade, morreu na Batalha de Alcácer-Quibir.
A ação de Frei Luís de Sousa decorre numa conturbada época da
História de Portugal: o domínio filipino. Manuel de Sousa Coutinho
representa a defesa e afirmação da liberdade, o desejo de contribuir
para a construção da identidade de um país que vive oprimido,
marcado indelevelmente pelo sebastianismo, um país que, tal como
o Romeiro, é “ninguém”.
A família de D. Manuel de Sousa Coutinho representa
simbolicamente a tragédia coletiva de Portugal. Os protagonistas,
Maria e Telmo, anseiam pela liberdade e pelo ressurgimento da
pátria. O velho aio deseja que o seu antigo amo, D. João de
Portugal — que representa simbolicamente D. Sebastião —, esteja
vivo e regresse. Porém, hesita quando dá conta de que o seu
regresso trará a ruína da família.

João de Portugal representa o velho Portugal que desapareceu com


a perda da independência e Maria e os seus pais representam a
esperança de um novo Portugal. Telmo é a figura dividida entre as
duas conceções de pátria, confirmando que a conciliação entre as
duas posições não é possível.

Sebastianismo:
 Crença nacional que surgiu após o desaparecimento do rei
D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir.
 Convicção no regresso de D. Sebastião para devolver a
independência e a liberdade perdidas a Portugal.
 Convicção que D. Sebastião era uma espécie de Messias e
que devolveria a honra e a glória a Portugal que, assim,
recuperaria a glória do passado.

D. João alude simbolicamente a D. Sebastião, e o seu regresso


serve para especular sobre as consequências do regresso do antigo
rei.

Nesta peça de Garrett, o sebastianismo é perspetivado de forma


crítica e negativa:
Por um lado, porque a saudade deste velho Portugal, que Telmo
protagoniza, não traz a solução para o problema da Pátria. Por
outro, porque o regresso de D. João (e da ideia de uma nação
decadente) impossibilita que se opere a mudança e o surgimento de
um novo Portugal (de Madalena, Manuel e Maria) que consiga
triunfar.
Personagens principais:

D.Madalena de Vilhena:
Representa a mulher romântica, dominada por sentimentos
exacerbados (amor-paixão).
Pertence à nobreza, casada com D.João de Portugal (1º
casamento) e com D.Manuel de Sousa Coutinho (2ºcasamento)
É sentimental, vulnerável, pecadora (pois apaixonou-se por Manuel
quando ainda estava casada com João de Portugal, temendo o seu
regresso), atormentada pelo passado, com pressentimentos, vive
em grande angústia e agitação emocional.
Está ligada à lenda dos amores infelizes de Inês de Castro
(consciente da sua condenação à infelicidade).
O seu amor à pátria é praticamente inexistente, considerando a
atitude dos governadores espanhóis uma ofensa pessoal e não
como um atentado à independência da Pátria. (Ato I, cena 8)

 O seu terror é acentuado pelas palavras e conselhos de


Telmo, pelo sebastianismo de Telmo e Maria e pela crença no
oculto/irracional como a coincidência de datas e agouros.

D.Manuel de Sousa Coutinho:


Pertence à nobreza (cavaleiro de Malta), casado com Madalena,
aristocrata culto e apreciados das letras.
 Racional, sensível, corajoso, decidido, patriota, honrado,
desapegado de bens materiais e da própria vida.
Encarna o amor à pátria e à liberdade e o mito do escritor
romântico.

Traços contraditórios:
Racionalidade: recusa crer nos agouros, age sem hesitação,
apesar da dor aceita o ingresso numa ordem religiosa.
Sentimentalidade: considera a possibilidade de morrer como o pai e
releva desagrado quando se fala da figura de D.Sebastião
 O ceticismo que mostra em relação aos presságios é também
contrariado quando recorda que o pai fora morto pela própria
espada, interrogando-se sobre se também ele não será vítima
do fogo que ateou.
O destino deste e de seu pai acabam por ser idênticos no sentido
em que eles próprios “provocam” o destino e atraem a fatalidade e a
morte.

Maria de Noronha:
Personagem idealizada; representa a mulher-anjo, ser puro e frágil.
De origem nobre, filha de D. Manuel e de D. Madalena, com 13
anos.
 Bela, frágil (doente de tuberculose), perspicaz, inteligente,
meiga e bondosa.
Contemplativa e propensa ao sonho, conhecimento especial, muito
pouco comum para a sua idade.
Com o dom da intuição e da profecia.
Ativa, com desejo de agir (combater, ter um irmão, ver a tia Joana).
Ligada ao culto de Camões e de D. Sebastião.

Telmo:
 Severo e inflexível, fiel, honrado, sebastianista.
Escudeiro, servidor das famílias de D. João de Portugal (passado) e
de D. Manuel de Sousa Coutinho (presente).
Confidente de D. Madalena, mas crítico do seu comportamento, e
protetor de Maria.
Dividido/dilacerado entre a afeição antiga (D. João de Portugal) e a
afeição recente (Maria).
É interessante verificar que, desta forma, se humaniza,
aproximando-se de D. Madalena, a quem tanto criticara
anteriormente, na medida em que se apercebe de que o amor por
vezes se sobrepõe aos princípios morais.

D.João de Portugal:
Pertencente à nobreza, muito respeitado (cavaleiro), casado com D.
Madalena de Vilhena.
 Patriota, infeliz, arrependido, austero, mas cavalheiresco,
íntegro.
Ligado à lenda de D. Sebastião, símbolo da Pátria humilhada e
cativa.
Permanentemente em cena através das evocações de D. Madalena
e do sebastianismo de Maria e Telmo.
Reduzido ao anonimato.
 Inicialmente severo e vingativo por se sentir esquecido e
inexistente e releva-se depois humano e compassivo, pedindo
a Telmo que negue a sua existência.

Resumo dos capítulos:


Cenas I a IV: (informação sobre os personagens e o contexto em
que vivem)
 Madalena casa com João de Portugal;
 João de Portugal desaparece na Batalha;
 Madalena procura João de Portugal durante 7 anos;
 Madalena casa com Manuel de Sousa Coutinho;
 Nasce Maria;
 Telmo, antigo escudeiro de João de Portugal, serve a família
de Madalena.
 Sebastianismo de Maria de Noronha.
Monólogo de D.Madalena (comparação com Inês de Castro);
Madalena sente-se aterrorizada, instável pela possibilidade de o
seu marido estar ou não vivo.
É uma felicidade que não consegue viver em plenitude.
As reticências e o ponto de exclamação contribuem para a
dramaticidade da cena.
D.Madalena sente-se ainda mais infeliz do que Inês de Castro pois
não consegue usufruir do amor que sente por Manuel Coutinho.
Ambas as figuras femininas encarnam amores intensos mas
trágicos.

Diálogo entre D.Madalena e Telmo (medo e angústia de Madalena,


perseguida pelo passado, fidelidade de Telmo a João);
Há respeito e cumplicidade por parte de Madalena a Telmo,
obedecendo-lhe.
Linhas 38, 23 e 193: apartes de Telmo.

Intervenção de Maria de Noronha.


Há uma relação de mãe e filha baseada no afeto e na ternura. A
filha preocupa-se com a mãe e não quer que ela chore.

Cenas V a VIII:
Os governadores decidem ir para o palácio de Manuel para se
afastarem da peste que há em Lisboa;
Decisão de D.Manuel de Sousa Coutinho em se mudarem para o
palácio de D.João de Portugal
Oposição de D.Madalena por temer a desgraça, atitude considerada
caprichosa por parte de D.Manuel de Sousa Coutinho.

Cenas IX a XII:
Manuel incendeia o próprio palácio e muda-se com a família para o
palácio de João;
 A destruição do palácio estava em consonância com a
destruição da nação. A identidade portuguesa estava a
destruir-se.
Desespero de Madalena ao ver o retrato do marido a ser consumido
pelas chamas. (IX a XII)

Dimensão atemporal da obra


 A defesa dos ideais de liberdade (e do liberalismo).
 A denúncia da arbitrariedade e da prepotência.
 O conflito entre o “eu” e a sociedade.

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