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“Frei Luís de Sousa” de Almeida Garrett

O espaço
 O espaço físico:

O espaço físico onde decorre a ação apresenta um carácter indicial em relação ao desfecho da
mesma. Assim, os cenários são diferentes em cada um dos três atos.

 Ato I

A ação desenrola-se numa sala do palácio de Manuel de Sousa Coutinho.


Neste espaço, predomina a elegância e o luxo.
É de reter o colorido, símbolo de alegria e felicidade, transmitido pelas porcelanas, pelos xarões,
pelas flores e pelas tapeçarias.
As janelas permitem a união entre o interior e o exterior e possibilitam a visualização de um plano
amplo, onde se recorta o Tejo e “toda Lisboa”.
Esta amplitude visual estabelece a relação entre a própria abertura do espaço e a liberdade das
persongens (sobre as quais a força do destino não agiu ainda).
O retrato de D. Manuel de Sousa Coutinho, vestido com o traje dos cavaleiros de Malta ou de “S.
João de Jerusalém”, origina a associação metonímica ao seu próprio palácio (no final do ato I, D.
Madalena tenta desesperadamente, sem o conseguir, aliás, salvar este retrato que é devorado
pelas chamas que destroem toda a casa).
É igualmente relevante a referência às portas de comunicação para o interior e para o exterior do
aposento – estas simbolizam quer a possibilidade de comunicação entre as personagens, que se
vai tornando menor, à medida que a ação concentra o estigma da fatalidade que vitimará a família,
quer a hipótese de as personagens se moverem em espaços interiores e exteriores de uma forma
natural, evidenciando a sua autonomia, que será progressivamente negada com a evolução dos
acontecimentos. Finalmente, ainda na linha da leitura simbólica, é de salientar as “obras de
tapeçaria meias feitas”, pois a felicidade paradisíaca que esta peça decorativa representa não
assume um carácter de completude e a trama da tapeçaria simboliza as malhas do destino.

 Ato II

O ato II revela-nos o interior do palácio de D. João de Portugal, situado em Almada. A ação decorre num
salão decorado com um “gosto melancólico e pesado”. Retratos da família ornam as paredes; encontram-se
aqui também os retratos de D. Sebastião, de Camões e de D. João de Portugal. Comum a todos estes
retratos é a ideia de um passado extinto, representado pelas imagens que transportam para o presente esse
outro tempo.
Os quadros nomeados estão igualmente conotados com a perda: D. Sebastião, tal como D. João, havia
desaparecido na batalha de Alcácer Quibir; Camões é o símbolo de uma epopeia que havia sido esquecida
com o domínio filipino em Portugal.
Os reposteiros que cobrem as portas que dão quer para o exterior quer para o interior fecham a imagem de
espaço que se situa para além dessas portas, significando a clausura progressiva das personagens em si
mesmas, abandonadas à sua ansiedade e ao seu sofrimento, o que coincida, com a aproximação do final
trágico.
Um reposteiro cobre ainda as “portadas da tribuna que deita sobre a capela da Senhora da Piedade, na
igreja de São Paulo dos Domínicos de Almada”.
De facto, já no cenário que domina no ato II, podemos vislumbrar o espaço onde decorrerá o duplo suicídio
para o mundo e a morte de Maria: a capela, o que enfatiza a relação entre um espaço mais fechado e o
sentimento de aprisionamento das personagens, como que subjugadas a um cerco por
esse mesmo cenário.
O palácio de D. João de Portugal, que inclui o seu próprio retrato (como no primeiro espaço existia um
retrato de D. Manuel de Sousa Coutinho), funciona, pois, como uma cisão entre dois momentos distintos da
vida de D. Madalena com o seu segundo marido, indiciando a separação do casal.

 Ato III

A ação do último ato tem lugar na “parte baixa do palácio de D. João de Portugal” que comunica, por uma
porta, com a capela da Senhora da Piedade. O facto das personagens se movimentarem num nível inferior
(“a porta baixa do palácio”) relaciona-se com o esquema simbólico da descida.
Segundo a mitologia clássica, os infernos, o local que abrigava os mortos, encontravam-se no
centro da terra, após uma descida.
O contacto com este nível pressupõe, assim, a passagem a outro estádio da existência humana.
Verificamos que o casal morre para o mundo, para renascer sob uma outra identidade.
O casarão onde se consumará a tragédia ao contrário do espaço físico no ato I nãoapresenta “ornato
algum”; destacam-se, por outro lado, as “tocheiras”, “as “cruzes”, os “guisamentos de igreja”, que induzem
as personagens num mundo dominado pelo culto religioso, o “esquife” (caixão), que enfatiza a coincidência
entre a vida e a morte para o cristão, e “uma grande cruz negra de tábua com o letreiro J.N.R.J” (Jesus
Nazarento Rei dos Judeus), que evidencia o sofrimento de Cristo na terra. Também a família será sujeita a
provações que lhe conferem o estatuto de eleita, pela purificação a que é submetida, ao abandonar o
mundo profano para se tornar serva de Deus (a peça termina com a fala do Prior: “Meu irmão, Deus aflige
neste mundo àqueles que ama. A coroa de glória não se dá senão no Céu.”). Ainda nesta linha simbólica,
surge a referência a uma “toalha pendente como se usa nas cerimónias da Semana Santa”, em que se
celebra o sofrimento do povo cristão e a ressurreição de Cristo.

A relação entre o espaço físico e as vivências das personagens é, pois, evidente. À felicidade que sentem
no ato I (e apesar dos receios de D. Madalena) por se encontrarem unidos seguir-se-á a tortura imensa de
terem de aceitar a separação. O traje nobre do casal será substituído pela simplicidade suprema do
escapulário. A decoração rica e colorida, que constitui os cenários no ato I, transformar-se-á na ausência de
ornamentos e na austeridade total.
 O espaço social:

Alguns críticos têm chamado a atenção para o paralelismo entre a situação biográfica do autor e a situação
de ilegitimidade apresentada na peça. Com efeito, Garrett casou, em 1811, com Luísa Midosi e com ela foi
viver para Lisboa. Contudo, esta união desfez-se e o autor apaixonou-se, entretanto, por Adelaide Pastor
Deville, de quem teve uma filha, Maria Adelaide. Garrett encontrava-se à data ainda casado com Luísa
Midosi, o que colocava a filha da sua segunda relação numa situação de ilegitimidade.
O facto de Adelaide Deville ter morrido antes de Luísa Midosi agudizou a questão, o que fez sofrer
atrozmente o autor.
Ora, na obra Frei Luís de Sousa, o dramaturgo pretende criticar estruturas de pensamento que redundam
no preconceito, originando a condenação de vítimas inocentes. Maria afirma, no momento da sua morte em
cena, que morre “de vergonha”. Com efeito, não é a tuberculose que a destrói; a criança indefesa, meiga,
justa e inteligente é aniquilada por conceitos sociais que lhe negam um lugar na comunidade, negando-lhe,
consequentemente, a própria vida.
Através da piedade, ao visualizar a peça, o espetador seria convidado a tomar consciência da sua própria
conduta e a repensar os valores subjacentes às suas opções. Garrett cumpria, assim, aquilo que afirmara
no texto “Memória ao Conservatório Real”: o drama era a “expressão literária mais verdadeira do estado da
sociedade”.
A ação desenrola-se no final do século XVI (apesar de o autor, no ato I, referir o início do século XVII). Mas
na primeira metade do século XIX, época em que o escritor viveu, o problema da ilegitimidade de crianças
inocentes, vítimas do amor (ou opróbrio) dos pais, persistia e Garrett sentia-o como algo insolúvel, que o
martirizava na figura da própria filha.
A sua amargura era motivada, em última análise, por um contexto social em que o preconceito imperava,
esmagando o factor humanista. Foi esta verdade fundamental que Garrett quis espalhar na sua peça.

Por outro lado, espelha-se na obra uma sociedade marcada pela opressão (causada pelo domínio filipino) e
dominada pela passividade utópica que acalentavam aqueles que alimentavam o mito sebastianista.
A tragédia é, então, também a expressão do anti-sebastianismo de Garrett, pois a salvação redentora do
Messias (representado por D. João aliado a D. Sebastião e ao Portugal de outrora) torna-se a destruição
total da família, simbolicamente ligada ao país, que, incapaz de se regenerar, esperava passivamente pelo
rei desaparecido (ou por um qualquer D. Sebastião), atitude que impedia o progresso e a construção do
futuro.

Manuel de Sousa Coutinho é, pelo seu comportamento, a personagem que projeta os próprios sentimentos
e ideais do autor – racional, nega a crença sebástica e, num ato de liberdade patriótica, incendeia a própria
casa, colocando o ideal liberal acima dos bens materiais. De facto, ecoa na ação da peça a luta do autor ao
lado dos liberais, pela construção de um país novo, o que, segundo ele, só poderia ser conseguido através
do aniquilamento do regime absolutista e conservador, símbolo da opressão, representada por D. Miguel.
É de realçar que a morte de Maria apresenta uma dimensão simbólica polissémica: se, na realidade, a
criança inocente morre “de vergonha”, esmagada por uma sociedade que a ostraciza, a sua morte significa
também o desaparecimento do velho mundo que ela representa, uma vez que se manifesta uma
personagem crente no mito sebastianista, crença que é alimentada pelo seu temperamento quimérico.
É de salientar ainda, ao nível da caracterização do espaço social, a predominância da moral cristã, que se
evidencia quer no comportamento das personagens quer no facto de a religião ser vista como uma forma de
consolo e de refúgio para o sofrimento.

 O espaço psicológico:

O espaço psicológico é aquele que surge como tradutor dos sentimentos e pensamentos das personagens.
Através do diálogo, apercebemo-nos destes fatores, mas ele aparece mais nitidamente em situações
definidas. Na obra, o espaço psicológico é construído fundamentalmente através dos monólogos e dos
sonhos (de Maria).

Os monólogos – são de reter o monólogo inicial de D. Madalena, quando reflete sobre a sua própria vida,
motivado pela leitura do episódio de Inês de Castro, inserido na obra Os Lusíadas (cena 1, ato I); o
monólogo de Manuel de Sousa Coutinho, no momento em que decide incendiar a sua própria casa, pondo a
hipótese de que, tal como seu pai, poderia sofrer as consequências da sua decisão (final do ato I, cena 11)
e o monólogo de Telmo, que espelha o conflito que domina a sua alma, aquando do reaparecimento de D.
João, hesitando entre a fidelidade que lhe deve e o amor a Maria (ato III, cena 4). No ato II (cena 9), o
monólogo de Frei Jorge, anunciando a perturbação que lhe causa o estado em que vê a família do irmão,
exprime os seus sentimentos, mas funciona igualmente como indício trágico (Frei Jorge constata consigo
mesmo: “A todos parece que o coração lhes adivinha desgraça...”). No ato III (cena 9), o monólogo de D.
Madalena, abraçada à cruz, lamentando junto do Senhor a sua desgraça, revela, por um lado, o papel da
religião como um consolo e, por outro, o próprio inconformismo da personagem, que luta até ao fim para
preservar uma réstia da sua felicidade antiga.

Os sonhos – os sonhos de Maria, para além de funcionarem como forma de caracterização da personagem,
realçando a sua tendência para a quimera e a sua crença nalgumas superstições populares, anunciam o
seu receio semiconsciente de que a fatalidade destrua a sua família.

O tempo dramático
O tempo, num qualquer texto dramático, caracteriza-se globalmente pela sua condensação: na
representação, muito tempo transforma-se em pouco tempo.

De facto, se se quisesse cumprir a regra da unidade de tempo exigida nas tragédias da Antiguida-
de, o tempo não poderia nunca exceder as 24 horas, ou seja, um dia.

Podemos dizer que este tempo da tragédia é simbólico: a sua circularidade, o facto de conter a
noite e o dia, como que significa, ou pode significar, que a tragédia é a própria existência, feita de
claros e escuros, de felicidades e tristezas.
Por outro lado, este espaço de tempo faz com que toda a ação se processe de uma forma
extremamente rápida e, portanto, todo o crescendo dramático evolua de uma forma também ela
acelerada, transmitindo ao espetador uma tensão dramática que só pode provocar nele o terror e
a piedade, exorcizando assim paixões.
Era também este efeito catártico provocado pelo rápido fluir do tempo, um dos objetivos do drama
romântico, mas os românticos pretendiam ir mais longe ao desejar que, em certa medida, o
espetador sentisse que em cima do palco não se passava histórias de deuses e de homens mas
tão-somente ações de homens, ainda que movidas por um destino obscuro.

O drama romântico pretendia que o espetador se sentisse incluído, percebesse a história, e até
recebesse uma lição. É talvez esta vontade que faz com que o “Frei Luís de Sousa” surja não
cumprindo a regra clássica da unidade de tempo.
De facto, do ato I à morte de Maria não se passa um dia, mas uma semana e, se consideramos o
tempo dos antecedentes de intriga, temos de admitir que toda a ação decorre ao longo de
sensivelmente 21 anos – do desaparecimento de D. João ao regresso do Romeiro.

Este alargamento de um tempo que, no entanto, se vai progressivamente reduzindo, ao contrário


de diminuir o dramatismo da ação vem contribuir para o seu aumento, a que também não é
estranha uma certa coincidência, digamos fatalidade, porque percepcionada como tal pelas
personagens. Para esta leitura perece-nos importante a reflexão de Madalena, no ato II: é como
se todos os acontecimentos mais importantes da sua existência se passassem todos num mesmo
dia, estranhamente, uma sexta-feira (é de salientar que ação começa a uma sexta-feira – 28 de
julho e o segundo ato decorre novamente a uma sexta-feira – 4 de agosto).
A sexta-feira assume um importante simbolismo na obra, estando conotada com a tragédia, pois
vários eventos ocorrem a uma sexta-feira: D. Madalena casa-se com D. João de Portugal; D.
Madalena conhece Manuel de Sousa Coutinho; D. João desaparece na Batalha de Alcácer Quibir;
Manuel de Sousa Coutinho incendeia o seu palácio e D. João regressa encoberto na figura do
Romeiro.

De sexta a sexta decorre então o drama da família e é Maria que o diz logo no início do ato II, na
cena 1, comentando para Telmo Pais o estranho estado de sua mãe.

Se quisermos analisar o tempo mais alargado que contém os antecedentes do drama, podemos
dizer que ele se organiza em ciclos, três ciclos de 7 anos, desde o desaparecimento de D. João
até ao fatídico dia do seu regresso na forma de Romeiro.

O momento do dia privilegiado ao longo da obra também tem uma marca acentuadamente
romântica. De facto, conhecemos a preferência dos românticos pelo entardecer ou pelo
amanhecer e se analisarmos bem a peça damo-nos conte que a didascália do ato I nos diz “É no
fim da tarde.”. Logo de seguida, na cena 2 desse mesmo ato, confirmamos através das palavras
de D. Madalena, dirigindo-se a Telmo: “Ah! Sois vós, Telmo... Não, já não leio: há pouca luz de dia
já; confundia-me a vista.”.

É, curiosamente, mais uma coincidência que tanto o ato I como o último ato sejam fundamental-
mente noturnos e o ato II diurno.

Quando Manuel de Sousa Coutinho chega com a notícia da chegada dos governadores, é já “noite
cerrada” e podemos dizer que os momentos de maior dramatismo estão relacionados com a falta
de luz, logo, com momentos noturnos.

O ato II que se inicia com a conversa entre Maria e Telmo Pais a propósito daquela casa, o palácio
de D. João de Portugal, começa também num momento diurno como o provam as palavras de
Maria na cena 2 – “Oh, meu pai, meu querido pai! Já me não diz nada o coração senão isto. Ainda
bem que viestes, mas de dia!... Não tendes receio, não há perigo, já?”.

O tempo vai avançando tragicamente e o ato III inicia-se “noite alta” para acabar antes de
amanhecer, segundo a vontade de Manuel de Sousa Coutinho que diz a seu irmão, na cena 1 do
último ato: “E isso está tudo pronto? Eu não sofro nestes hábitos, eu não aturo, com estes
vestidos de vivo, a luz desse dia que vem a nascer.”.
O tempo histórico
Frei Luís de Sousa é perpassado por algumas referencias históricas, das quais destacam-se:

 a Batalha de Alcácer Quibir;


 a conjuntura nacional, após a perda da independência de Portugal e consequentemente
anexação a Espanha;
 as alusões a Camões, feitas por D. Madalena e Telmo;
 as referências a Bernardim Ribeiro, feitas por Maria;
 o mito sebastianista, cuja génese se encontra enraizada na época histórica aqui retratada.

O tempo psicológico
O tempo psicológico é o tempo interior das personagens; a forma como estas sentem a passagem
do tempo. Em Frei Luís de Sousa, as personagens vivem, antecipadamente, um clima de medo,
devido aos presságios de desgraça que as invadem.
À medida que os seus receios e ansiedades aumentam e que o seu sofrimento se agudiza, as
personagens tornam-se gradualmente mais frágeis.

Encontramos evidências do tempo psicológico sobretudo em D. Madalena – “Tenho medo, este


horror de ficar só... de vir a achar-me só no mundo!” - e em Maria: “a perda do retrato é
prognóstico fatal de outra perda maior, que está perto, de alguma desgraça inesperada mas certa
(...)”, “E há... oh! há grande desgraça a cair sobre meu pai decerto! E sobre minha mãe também,
que é o mesmo.”.

Madalena
Personagem principal e plana.

Madalena de Vilhena é uma mulher nobre e culta, sentimental, frágil e pessimista.


É uma heroína romântica, vive marcada por conflitos interiores e pelo passado (torturada pelo remorso do
passado). Vive com o complexo de culpa, pois nunca gostou de D. João, mas sim de D. Manuel.
Os sentimentos e a sensibilidade sobrepõe-se à razão e é uma mulher em constante sofrimento, podemos
mesmo afirmar que está ligada à lenda dos amores infelizes de Inês de Castro.

Crê em agoiros, superstições e dias fatais (a sexta-feira). É uma sofredora, tem um amor intenso e uma
preocupação constante com a filha Maria, contudo coloca acima de tudo a sua felicidade e amor ao lado de
Manuel de Sousa, mesmo o seu amor à pátria é menor do que o que sente por Manuel. No final da obra,
aceita o convento como solução, mas fá-lo seguindo Manuel (ele foi? Eu vou).
Frei Jorge
Personagem secudária e plana.

Irmão de Manuel de Sousa, representa a autoridade de Igreja. É também confidente nas horas de angústia
de Madalena, pois é a ele que ela confessa o seu “terrível” pecado: amou Manuel de Sousa ainda D. João
era vivo.
É uma figura moderadora, que procura harmonizar o conflito, modera os sentimentos trágicos.
Acompanha sempre a família, é conciliador, pacificador e impõe uma certa racionalidade, procurando
manter o equilíbrio no meio de uma família angustiada e desfeita.

Frei Jorge pertence à Ordem dos Dominicanos, é amigo da família e é quem presencia as fraquezas de
Manuel de Sousa.

Manuel de Sousa Coutinho


Personagem principal e plana.

É o típico herói clássico (construído segundo os parâmetros do ideal da época clássica), dominado pela
razão, que se orienta por valores universais, como a honra, a lealdade, a liberdade; é um patriota, um velho
português às direitas, forte, corajoso e decidido (o incêndio), bom marido, pai terno, não sente ciúmes do
passado e não crê em agoiros. O incêndio e a decisão violenta de o concretizar é um traço romântico.
É um nobre, cavaleiro de Malta, ao longo da obra é audaz e nacionalista.

Contudo, esta personagem evolui de uma atitude interior de força e de coragem e segurança para um
comportamento de medo, de dor, sofrimento, insegurança e piedosa mentira no ato III quando teme pela
saúde da filha e pela sua condição social. Existe um momento de exceção ao equilíbrio (momentos em que
Manuel foge ao modelo clássico e tende para o romântico): cena do lenço de sangue/espetáculo excessivo
do incêndio.

No final da obra, mostra-se tão decidido como noutros momentos: abandona tudo (bens, vida, mundo) e
refugia-se no convento.

D. João de Portugal / Romeiro


Personagem principal, plana e central.

Nobre cavaleiro da família dos Vimiosos, está ausente fisicamente durante os atos I e II da peça. Contudo,
está sempre presente na memória e palavras de Telmo, na consciência de Madalena, nas palavras de
Manuel e na intuição de Maria. É um exemplo de paradoxo / contradição: personagem ausente mas que, no
desenrolar da ação, está sempre presente.
É sempre lembrado como patriota, digno, honrado, forte, fiel ao seu rei; quando regressa, na pele do
Romeiro é austero e misterioso, representa um destino cruel, é implacável, destrói uma família e a sua
felicidade, mas acaba por ser, também ele, vítima desse destino. Ele nunca assumirá a sua identidade.
Resta-lhe então a solidão, o vazio e a certeza de que ele já só faz parte do mundo dos mortos (é “ninguém”;
Madalena não o reconhece; Telmo preferia que ele não tivesse voltado pois Maria ocupou o seu lugar no
coração do velho escudeiro).

D. João é uma figura simbólica: representa o passado, a época gloriosa dos descobrimentos; representa
também o presente, a pátria morta e sem identidade na mão dos espanhóis / e é a imagem da pátria cativa
e está diretamente ligado à lenda de D. Sebastião.

Maria
Personagem principal e plana.

É a mulher-anjo dos românticos (modelo da mulher romântica). Fisicamente é fraca e frágil, em oposição,
psicologicamente, é muito forte. É a encarnação da “Menina e Moça” de Bernardim Ribeiro.

Nobre (sangue dos Vilhena e dos Sousa), de inteligência precoce, é muito culta, intuitiva e perspicaz. Muito
curiosa, quer saber tudo... É uma romântica: é nacionalista, idealista, sonhadora, fantasiosa, patriota, crente
em agoiros e uma sebastianista. Possui uma poderosa intuição e é dotada do dom da profecia.

É a vítima inocente de toda a situação e acaba por morrer fisicamente, tocada pela vergonha de se sentir
filha ilegítima (está tuberculosa).

Telmo Pais
Personagem secundária e modelada.

É o velho aio, não é nobre, contudo a sua convivência com as famílias nobres, “deu-lhe” todas as
características de um nobre (postura, fala, educação, cultura...).

É considerado uma personagem modelada num momento: durante anos, Telmo rezou para que D. João
regressasse, mas, quando este voltou, quase que desejou que se fosse embora.

É o confidente de Madalena e de Maria, mas provoca a confidência das três personagens principais. Fiel,
dedicado, é o elo de ligação entre as duas famílias (os dois maridos de Madalena), é a chama viva do
passado que alimenta os terrores de Madalena. É o escudeiro e aio de Maria. Pode se dizer que ele tem
dois amores: D. João e Maria.

É muito crítico, cria juízos de valor e é através dele que toma consciência da personagem fragmentada que
vive num profundo conflito interior, pois sente-se dividido entre D. João e Maria, não sabendo o que fazer.
É um sebastianista e sofre muito pela sua lealdade.
As personagens
 Classificação de personagens:

Relevo / desempenho:
 Personagem principal (impulsiona diretamente o avanço da ação).
 Personagens secundárias.
 Figurantes (não participam na acção mas estão diretamente relacionados com o espaço social
- Doroteia, Miranda, Prior de Benfica, Arcebispo).

Formação da personagem:
 Personagem modelada (a que se aproxima do modelo humano).
 Personagem plana (tem características que obedecem a um padrão).
 Personagem tipo (representativo de uma classe social).

Todos os figurantes em “Frei Luís de Sousa” são personagens tipo.


No texto dramático predomina a caracterização indireta (com base na atuação).

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