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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE SERTÃ

SÍNTESE DE CONTEÚDOS – Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett – 11º ano

Contextualização histórico-literária
Primeira metade do século XIX
✓Invasões francesas, de 1807 a 1810.
✓Fuga do Rei e da Corte para o Brasil (1807).
✓Crise de sucessão, após a morte do rei D. João VI.
✓Mal-estar social, que impulsiona a Revolução Liberal de 1820.
✓Instabilidade política ditada pelas lutas entre fações liberais e as absolutistas,
lideradas, respetivamente, por D. Pedro IV e D. Miguel.
✓Guerra civil, que só termina com a assinatura da Convenção de Évora-Monte, em
1834.
✓Reações políticas: revoltas, massacres e o golpe de estado desencadeado por
Costa Cabral, que conduziu à instauração de uma ditadura (1840).
✓Fim do cabralismo, representado pelos barões enriquecidos.
✓A estabilidade política só regressará ao país em 1847, com a Regeneração.

Dimensão patriótica e a sua expressão simbólica


É possível estabelecer um paralelismo entre o período histórico retratado em Frei Luís
de Sousa e o tempo da escrita da obra (década de 1840). A situação de crise e de
desencanto provocada pelo desaparecimento de D. Sebastião e a consequente perda
da independência é comparável aos tempos do regime ditatorial de Costa Cabral, que
renegou os ideais do liberalismo doutrinal.
A ação de Frei Luís de Sousa decorre numa conturbada época da História de Portugal: o
domínio filipino. Manuel de Sousa Coutinho representa a defesa e afirmação da
liberdade, o desejo de contribuir para a construção da identidade de um país que vive
oprimido, marcado indelevelmente pelo sebastianismo, um país que, tal como o
Romeiro, é “ninguém”.
A família de Manuel de Sousa Coutinho é obrigada a abandonar a sua residência e a
mudar-se para a casa que fora de D. João de Portugal, o que, simbolicamente, pode ser
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visto como um regresso ao passado, a um Portugal velho, impeditivo da construção de


um Portugal novo.
A família de D. Manuel de Sousa Coutinho representa simbolicamente a tragédia
coletiva de Portugal. D. Madalena, D. Manuel, Maria e Telmo anseiam pela liberdade e
pelo ressurgimento da pátria. Este último, particularmente, deseja que o seu antigo
amo, D. João de Portugal – que representa simbolicamente D. Sebastião -, esteja vivo e
regresse. Porém, hesita quando dá conta de que o seu regresso trará a ruína da
família.
Consequentemente, emerge que o velho Portugal, que morreu em Alcácer-Quibir – o
Portugal de D. Sebastião e de D. João -, já não conseguirá um novo ímpeto e fazer
ressurgir a Nação; trata-se apenas de um fantasma sem sentido que está preso na
saudade e na ideia do passado. Por outro lado, o novo Portugal, representado por D.
Manuel, D. Madalena e Maria, acaba por não ser a solução para o problema da Nação,
pois estas personagens morrem (física ou simbolicamente) e com elas morre a
esperança de futuro de um novo país.
Em Frei Luís de Sousa percebe-se, portanto, uma crítica ao cabralismo, ainda que
latente e simbólica. Aliás, o regime reagiu à publicação e representação da obra,
considerando que esta poderia avivar nos portugueses valores e sentimentos
patrióticos que podiam pôr em causa a política despótica de Costa Cabral.

Dimensão atemporal da obra


✓A defesa dos ideais de liberdade (e do liberalismo).
✓A denúncia da arbitrariedade e da prepotência.
✓O conflito entre o “eu” e a sociedade.

O Sebastianismo: história e ficção


História
D. Sebastião, O Desejado, após duas regências, subiu ao trono aos catorze anos.
Movido por um grande fervor religioso e militar, e entusiasmado pela nobreza a
reviver as glórias passadas da Reconquista, decidiu submeter o reino a um grande
esforço financeiro e militar, planeando uma expedição militar em Marrocos também
como forma de resposta ao apelo de Mulei Mohammed, que solicitou a sua ajuda para
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recuperar o trono. A derrota portuguesa na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578,


provocou o desaparecimento de D. Sebastião (e da “nata” da nobreza), facto este que
originou uma crise de sucessão e deixou o país financeiramente exaurido. A crise de
sucessão que se seguiu (1580) conduziu à perda da independência, dando origem à
dinastia filipina e ao nascimento do mito sebástico.

Ficção
Fundada em superstições, a crença popular profetizava o regresso do Rei numa manhã
de nevoeiro para libertar o país do domínio filipino e instaurar a glória passada.
O mito sebastianista tornou-se um traço da personalidade nacional que se caracteriza
por viver as glórias do passado e acreditar que os problemas serão resolvidos com a
chegada de um redentor, de um Messias.
Com o passar dos tempos, o sebastianismo já não se referirá ao regresso físico de D.
Sebastião, mas sim à chegada de uma figura que assumisse esta função salvadora ou a
uma ideia que desempenhasse esse papel, como sucede com o mito do Quinto
Império, de que Vieira e Fernando Pessoa trataram.

Sebastianismo em Frei Luís de Sousa


A ação de Frei Luís de Sousa decorre vinte e um anos após a histórica Batalha de
Alcácer-Quibir (1578), em que morreu o rei D. Sebastião e parte da nobreza nacional. A
batalha teve consequências diretas na perda da soberania nacional, pois Portugal foi
politicamente anexado a Espanha em 1580.
Nesta obra, D. João de Portugal não regressa de Alcácer-Quibir, é feito prisioneiro e só
volta vinte e um anos depois à pátria, com D. Madalena casada em segundas núpcias,
desencadeando, assim, as consequências trágicas que se conhecem. D. João alude
simbolicamente a D. Sebastião, e o seu regresso serve para especular sobre as
consequências do regresso do antigo rei.
Nesta peça de Garrett, o sebastianismo é perspetivado de forma crítica e negativa. Por
um lado, porque a saudade deste velho Portugal, que Telmo protagoniza, não traz a
solução para o problema da pátria. Por outro, porque o regresso de D. João (e da ideia
de uma nação decadente) impossibilita que se opere a mudança e o surgimento de um
novo Portugal (de Madalena, Manuel e Maria) que consiga triunfar.
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Recorte das personagens principais


D. Madalena de Vilhena
Origem social: nobreza, da família dos Vilhenas.
Retrato psicológico: moralmente íntegra; torturada pelo passado e avassalada por
pressentimentos angustiantes indiciadores da tragédia; vulnerável, sobressaltada e
incapaz de ser feliz.
D. Madalena vive numa grande instabilidade emocional: o terror que lhe provoca a
possibilidade de regresso de D. João nunca a deixa desfrutar da felicidade de viver ao
lado do homem que ama. Os seus receios são alimentados pelas contínuas alusões de
Telmo à iminente vinda daquele que considerava como verdadeiro amo. A tensão
nervosa em que vive mergulhada é também aumentada pelo pecado que lhe pesa na
consciência: o facto de se ter apaixonado por D. Manuel de Sousa Coutinho enquanto
ainda era casada com D. João. Muito embora se tenha mantido fiel ao seu marido,
considera que o facto de amar secretamente D. Manuel era já uma traição. O
sofrimento é ainda intensificado pelo profundo amor que sente pela filha, na medida
em que tem consciência de que o regresso de D. João – ou a simples noção da sua
existência – a poderiam matar. Crente em indícios, entrevê presságios de desgraça em
vários acontecimentos aparentemente fortuitos.
Apesar de parecer psicologicamente mais frágil do que D. Manuel, curiosamente é ela
quem, no fim, se mostrará mais revoltada por ser forçada a separar-se do marido e a
ingressar no convento. Ao contrário de D. Manuel, mantém até ao último momento a
esperança de evitar o desenlace trágico.
Modelo representado: a mulher romântica, dominada por sentimentos exacerbados
(amor-paixão).

D. Manuel de Sousa Coutinho


Origem social: nobreza, cavaleiro da Ordem de Malta.
Retrato psicológico: desprendido dos bens materiais, forte consciência cívica – a honra
e o dever; patriota e corajoso (incendeia o seu próprio palácio); bom marido e pai
carinhoso; aparentemente racional (insensível aos pressentimentos de D. Madalena e
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da própria Maria) e determinado; dominado pelo desespero perante a situação de


ilegitimidade de Maria.
Esta personagem é, tal como D. Madalena, uma figura de grande densidade
psicológica, o que se manifesta nos contrastes que marcam a sua personalidade. Todo
o seu discurso se pauta por uma racionalidade e lucidez que se traduzem na recusa dos
agouros e de qualquer sentimento de culpa em relação ao passado. O ceticismo que
mostra em relação aos presságios é um pouco contrariado quando recorda que o seu
pai fora morto pela própria espada, interrogando-se sobre se também ele não será
vítima do fogo que ateou.
O heroísmo que demonstra ao atrever-se a enfrentar abertamente os governadores
portugueses ao serviço de Castela parece esbater-se aquando do regresso de D. João:
ao contrário de D. Madalena, o seu sofrimento não o impede de aceitar com
resignação a solução de ingressar numa ordem religiosa.
Finalmente, a cultura revelada por D. Manuel e o seu amor às letras funcionam como
prenúncios de que se irá converter num dos maiores prosadores da literatura
portuguesa.
Modelo representado: o escritor romântico (a ida para o convento proporciona-lhe a
solidão propícia à escrita).

D. Maria de Noronha
Origem social: nobreza.
Retrato psicológico: adolescente desejosa de aventura; entusiasta e sonhadora;
idealista (tem vontade de transformar o mundo); sebastianista; culta, perspicaz e
intuitiva, compreende o mundo e as coisas fora do comum, o que lhe permite o acesso
aos mistérios da vida.
Maria acredita ter a capacidade de desvendar o oculto, traço que, supostamente, é
agudizado pelo aumento de sensibilidade que o facto de estar tuberculosa lhe
proporciona. A sua intuição apurada leva-a a compreender que há algo que toda a
família lhe quer ocultar, no intuito de a proteger.
A coragem que demonstra quando incita o pai a queimar o palácio manifesta-se
também no fim, quando enfrenta as convenções sociais e as próprias convenções
religiosas, afirmando que nada justifica a destruição de uma família.
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Apesar da sua força interior, a sua fragilidade física não lhe permite sobreviver ao
desgosto de descobrir que é filha ilegítima, acabando por morrer de vergonha (e da
tuberculose, obviamente).
Modelo representado: a mulher-anjo, ser puro e frágil.

Telmo Pais
Origem social: escudeiro leal da família, velho aio.
Retrato psicológico: fiel a seu amo, D. João de Portugal, movido pela honra e pelo
dever; dedicado a Maria e seu protetor; sebastianista (o seu discurso é marcado pelos
agouros que indiciam um desfecho trágico); atormentado por um conflito interior (a
consciência de que o amor que nutre por Maria é mais forte do que aquele que
dedicava a D. João, seu antigo amo); dividido entre o passado e o presente.
O escudeiro destaca-se, numa fase inicial, pela sua severidade, que o leva a criticar D.
Madalena por ter casado segunda vez sem estar certa da morte do primeiro marido e
mesmo a sugerir que, em consequência disto, Maria poderia não ser uma filha legítima
(cf. Cena II, Ato I).
No entanto, a inflexibilidade que revela (e que se manifesta, por exemplo, no facto de
nunca mentir) virá a ser quebrada aquando da chegada do Romeiro. Confrontado com
a necessidade de salvar Maria, apercebe-se de que já a amava mais do que ao primeiro
amo. Assim, dispõe-se, pela primeira vez, a mentir, em nome dos afetos. É
interessante verificar que, desta forma, se humaniza, aproximando-se de D. Madalena,
a quem tantas críticas dirigira anteriormente, na medida em que se apercebe de que o
amor, por vezes, se sobrepõe aos princípios morais.
Modelo representado: é um comentador da ação, assumindo um papel semelhante ao
do coro das tragédias clássicas.

D. João de Portugal
Origem social: nobreza.
Retrato psicológico: patriota; apaixonado; severo e inflexível (conforme revela no
diálogo que trava com D. Madalena e Frei Jorge na cena XIV do Ato II); arrependido
(cena IV do Ato III); infeliz, solitário.
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Este fidalgo, apesar de ser considerado pelas outras personagens como uma figura
digna de temor pela dignidade e rigidez da fidelidade aos seus princípios, acaba por se
revelar muito humano. Confrontado com o facto de que D. Madalena tinha feito todos
os esforços para o procurar e de que ela tinha uma filha, mostra-se disposto a anular a
própria existência para salvar toda a família da catástrofe.
Modelo representado: o Portugal de outrora.

Frei Jorge Coutinho


Origem social: clérigo, frade da Ordem dos Dominicanos.
Retrato psicológico: equilibrado, sereno e prudente; crente na vontade de Deus;
confidente tanto de D. Madalena como de seu irmão, D. Manuel de Sousa Coutinho.
A personagem tem um papel determinante na resolução do conflito entre D. Manuel e
os governadores ao serviço de Castela.
No Ato Terceiro, quando D. Manuel se verga sob o peso da desgraça, é Frei Jorge quem
toma todas as providências para que o irmão e D. Madalena ingressem no convento –
procurando, simultaneamente, amparar a família e funcionar como intermediário
entre as personagens.
Apesar de se comover com o sofrimento a que assiste, Frei Jorge mostra-se inflexível
na obediência aos seus princípios, recusando qualquer solução que passasse pela
mentira, mesmo que esta lhe permitisse impedir a catástrofe. Com efeito, considera
que a entrada na vida religiosa proporcionará a D. Manuel e a D. Madalena o consolo e
a redenção de que necessitavam.
Modelo representado: é um comentador da ação, assumindo um papel semelhante ao
do coro das tragédias clássicas.

O Espaço e o tempo na obra


O espaço
Em termos de macroespaços, toda a ação de Frei Luís de Sousa decorre em Almada. A
cidade reveste-se de um forte valor simbólico pela oposição que estabelece com
Lisboa: na capital está instalada a sede do governo de Portugal, que é controlado pela
coroa espanhola. A classe dominante e os governadores portugueses traíram a sua
pátria e colaboram com a potência invasora. Daí que a peste que se abateu sobre
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Lisboa sugira simbolicamente o estado de corrupção moral e política em que vivem


aqueles que se venderam ao rei de Espanha. Por seu turno, do outro lado do Tejo,
longe da corrupção moral, Almada respira ares “saudáveis”. Aí se encontram as
personagens patrióticas, fiéis a Portugal: destacam-se D. Manuel, Maria, Telmo e D.
João.
O Ato I decorre no palácio de D. Manuel, numa sala ornamentada e luxuosa, sugerindo
que este lugar é habitado por personagens nobres. Se uma casa simboliza a
estabilidade de uma família, este palácio transmite a ideia de conforto, bem-estar e a
união e o amor familiares. Por esse motivo, o incêndio que destrói o solar revela-se um
presságio da desagregação do núcleo familiar, consumada pela catástrofe que se
abaterá sobre os seus membros.
Perdido o palácio de D. Manuel, a família muda-se para a antiga casa de D. João de
Portugal (e de D. Madalena). O Ato II decorrerá num espaço austero e frio,
destacando-se uma sala pouco ornamentada e de “gosto melancólico e pesado”. Os
retratos de D. Sebastião, D. João e Camões conferem solenidade à cena e são uma
recordação do velho Portugal independente e grandioso que pereceu em Alcácer-
Quibir. Esta sala é uma divisão interior, sem janelas (simbolizando o afastamento do
mundo), inóspita, pautada pela gravidade e iluminada por tochas e não pelo Sol. As
personagens perderam a noção de lar, D. Madalena vive em estado de receio e tensão.
A ação do Ato III decorre na parte baixa do palácio de D. João. O espaço subterrâneo é
ainda mais fechado, mais escuro, quase não tem ornamentos: trata-se de um lugar
propício à sensação de claustrofobia – há mesmo portas que separam as personagens
e que lhes impedem a livre circulação. A sala subterrânea tem ligação à “capela da
Nossa Senhora da Piedade”, representando que o casal optou pela vida religiosa e a
família está condenada à desagregação. No fim do ato, surge, ao fundo, o interior da
Igreja de S. Paulo.
Podemos, assim, interpretar a sucessão de espaços como um percurso gradativo do
mundo terreno para o sagrado e espiritual. É este o caminho que a família vai
percorrer: D. Madalena e D. Manuel, porque ingressarão na vida monástica; Maria,
porque morrerá e irá para o “Céu”.
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Assistimos também a um progressivo afunilamento do espaço: de uma sala com


grandes janelas e onde a luz natural penetra, no Ato I, passando para uma sala fechada
(Ato II) até chegarmos a um espaço subterrâneo e em que as personagens parecem já
enclausuradas (Ato III). Por um lado, este fechamento do espaço contribui para o
aumento da tensão em cena (adensa-se progressivamente o ambiente trágico); por
outro, esse trajeto ilustra a progressiva limitação de soluções para o problema com
que a família de D. Manuel se depara.
Espaço Psicológico – corresponde ao domínio das vivências mentais de uma
personagem: pensamentos, sonhos, sentimentos – tem, no texto dramático, o
monólogo e o solilóquio o modo privilegiado de expressão.
O solilóquio de D. Madalena dá voz às suas inquietações, ainda que de forma
enigmática. Na penúltima cena do Ato I, é D. Manuel que, só, em palco, justifica o
gesto de atear fogo à sua própria casa. Na Cena IX do Ato II, desempenhando funções
semelhantes às do coro da tragédia grega, Frei Jorge, só em palco, dá conta da
preocupação que sente com a situação em que aquela família se encontra. Por fim, no
importante solilóquio da Cena IV do ato final, Telmo manifesta o conflito interior entre
a fidelidade ao seu antigo amo e o grande amor a Maria.
O Tempo
A peça inicia-se com a apresentação dos antecedentes da ação, que abarcam um longo
período temporal. Há referências à Batalha de Alcácer-Quibir, que tivera lugar vinte e
um anos antes, e a momentos ainda anteriores. Depois da batalha, e durante sete
anos, D. Madalena promoveu buscas para saber se D. João ainda está vivo. No fim
deste período, e como a procura se revelou infrutífera, acabou por casar-se com D.
Manuel.
Em contrapartida, a ação da peça desenrola-se num breve período de tempo,
sensivelmente uma semana. O segundo ato decorre no dia do aniversário da Batalha
de Alcácer-Quibir. Tendo em conta que esta batalha teve lugar no dia 4 de agosto de
1578, e que D. Madalena afirmara que já haviam passado vinte e um anos desde a
batalha, é possível localizar a ação deste ato no dia 4 de agosto de 1599. Uma vez que
estes acontecimentos se desenrolam oito dias depois dos do primeiro ato, podemos
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concluir que o primeiro ato decorre no dia 28 de julho de 1599. Quanto ao terceiro
ato, passa-se durante a noite do dia 4 de agosto.
Constatamos que há uma progressiva concentração temporal: da evocação dos
episódios de um longo período de vinte e um anos (Ato I), passamos a acontecimentos
que se desenrolam em dois dias, separados entre si no período de uma semana. Nos
atos segundo e terceiro, a velocidade dos acontecimentos precipita-se: tudo sucede no
dia do aniversário da Batalha de Alcácer-Quibir, prolongando-se depois pela noite e
pela madrugada, que anuncia já o dia seguinte.
Este afunilamento do tempo contribui para intensificar a tensão dramática, na medida
em que todos os acontecimentos se sucedem de forma cada vez mais rápida, até ao
desenlace trágico.
A dimensão trágica
No que diz respeito à intriga trágica, é interessante verificar que há uma concentração
de personagens, de espaço e de tempo, como vimos, de modo que nada seja supérfluo
e que tudo contribua para a intensificação da tensão dramática.
De notar que, de acordo com factos históricos, D. Madalena tivera três filhos do
primeiro casamento, que são aqui eliminados, para que a aniquilação de Maria
represente, de facto, o extermínio completo da família.
Da mesma forma, todo o desenrolar da ação converge para o desenlace trágico.
Mesmo o momento em que D. Manuel parece revoltar-se contra o destino,
incendiando o seu palácio, acaba por servir a fatalidade que se abate sobre as
personagens, na medida em que as obriga a família a mudar-se para o palácio de D.
João, local aonde este regressará.
Características da tragédia clássica
✓Lei das três unidades: ação (a intriga deve ser simples e sem ações secundárias),
tempo (a ação não deve exceder as 24 horas) e espaço (a ação decorre no mesmo
espaço).
✓A ação da peça desenvolve-se a partir do conflito entre o ser humano e o destino,
entre o indivíduo e o coletivo ou o transcendente.
✓O conflito surge associado a um mistério na origem das personagens.
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✓O castigo das forças superiores devido ao “desafio” (hybris) cometido pelas


personagens conduz à catástrofe.
✓A presença de indícios que apontam para um desfecho trágico.
✓A presença de um coro que surge nos momentos de grande intensidade
dramática, comentando as situações ou as personagens.
✓O sofrimento das personagens (pathos).
✓O conflito que se encaminha progressivamente para um clímax (ponto culminante
da ação trágica).
✓O desvendamento do mistério com o reconhecimento (anagnórisis).
✓As personagens são nobres e em número reduzido.
✓O desenlace/catástrofe: morte das personagens (física, social ou afetiva).
✓Os efeitos sobre o público: inspirar sentimentos de terror e de piedade.

Aspetos trágicos em Frei Luís de Sousa


✓A ação tripartida.
✓A simplicidade da intriga.
✓O desafio (hybris): as personagens desafiam a ordem estabelecida. D. Madalena
desafia o destino, apaixonando-se por Manuel de Sousa quando ainda estava casada
com D. João de Portugal. Manuel de Sousa desafia politicamente o poder instituído,
incendiando o seu palácio.
✓O sofrimento (pathos): as personagens são torturadas pelos conflitos de
consciência vivenciados.
✓A peripécia: mudança de rumo da situação – o incêndio e o aparecimento de D.
João, que anula a legitimidade do casamento, colocando Maria na situação de filha
ilegítima.
✓O reconhecimento (anagnórisis): a revelação da identidade do Romeiro.
✓O clímax: o auge emocional acontece no momento em que D. Madalena descobre
que D. João está vivo.
✓A catástrofe: a morte para o mundo de D. Madalena e de Manuel de Sousa
Coutinho e a morte física de Maria.
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✓O coro: representado, sobretudo, por Telmo e Frei Jorge.


✓A catarse/purificação (cathársis): a reflexão purificadora do espectador/leitor, a
irreversibilidade dos acontecimentos e a vulnerabilidade das personagens provocam
piedade e comoção.

Estrutura da obra

Drama romântico: características


Drama romântico
Relativamente ao género da obra, há que sublinhar o facto de Frei Luís de Sousa ter
sido escrito em pleno Romantismo, um período literário cuja estética dominante
rompia com os princípios da arte do período anterior – o Neoclassicismo. Coloca-se,
então, a questão: este texto é uma tragédia clássica, de matriz greco-latina, ou um
drama romântico, género literário que nasce no Romantismo e que representa o
espírito da época? Garrett defenderá que Frei Luís de Sousa é um drama romântico
que incorpora, a nível formal, características da tragédia (hibridismo de género).
Garrett constrói um drama romântico definido pelos princípios de estética romântica:
✓o uso da prosa;
✓o assunto nacional;
✓a valorização dos sentimentos humanos das personagens;
✓o ser humano como vítima das suas próprias atitudes/paixões, deixando de ser
um joguete do destino;
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✓o pendor social (espelha a verdade social e a realidade dos acontecimentos


quotidianos);
✓a linguagem fluente e coloquial, próxima da realidade vivida pelas personagens.
É de notar que não existe o cumprimento exato da lei das três unidades (ação,
espaço e Tempo): na tragédia clássica, todos os acontecimentos deveriam convergir
para o desenlace trágico, desenrolar-se no mesmo espaço e durar apenas 24 horas.
E Frei Luís de Sousa não há unidade de tempo (a ação desenrola-se numa semana).
Quanto à unidade de espaço, embora toda a ação se desenrole em Almada, há, de
facto, uma mudança de espaço. Finalmente, podemos considerar que temos
unidade de ação. Apesar de alguns estudiosos afirmarem que esta unidade é
quebrada pela introdução do incêndio no palácio, evento que consideram que
introduz uma ação secundária, a verdade é que o facto de D. Manual destruir a sua
casa obriga as personagens a mudarem-se para o palácio de D. João, local aonde
este regressará.
Características românticas em Frei Luís de Sousa
✓Crença no sebastianismo.
✓Amor à pátria: patriotismo e o nacionalismo.
✓Crenças em agouros, superstições e visões.
✓Fatalismo (as personagens tentam negar racionalmente o destino, mas não o
conseguem).
✓Religiosidade (sobretudo a presença do ideário cristão).
✓Apologia do individualismo (o confronto entre o indivíduo e a sociedade; a
felicidade individual é contrariada pelas normas sociais).
✓Aspiração à liberdade.
✓Exacerbação dos sentimentos.
✓Noite como tempo em que se desenrola a ação (fim da tarde, noite e madrugada).
✓Tema da morte: a morte como solução para os problemas.
✓Intenção pedagógica: a problemática dos filhos ilegítimos e a denúncia da falta de
patriotismo.
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✓Mitificação da figura de Camões (no Romantismo, o poeta é, muitas vezes,


configurado como uma figura incompreendida e desprezada pela sociedade que não
reconhece o seu génio).

Linguagem e Estilo
A obra foi escrita em prosa e, desta forma, os diálogos ganham um sabor de
coloquialidade e fluidez que dificilmente teriam em verso. Por outro lado, seguindo
as regras da tragédia clássica, a linguagem das personagens centrais adequa-se ao
estatuto social da nobreza: assim domina o nível de linguagem elevado e,
frequentemente, encontramos um léxico rico e até erudito (“ignomínia”, “opróbrio”,
“pejo”, etc.).
As falas das personagens são marcadas por uma grande emotividade, fruto do seu
estado de espírito quando confrontadas com os acontecimentos intensos ou com os
seus receios. No texto abundam marcas linguísticas que traduzem os sentimentos
das personagens: as interjeições (e as locuções interjetivas), as frases exclamativas.
Os melhores exemplos estão nas falas de D. Madalena.
Associados aos sentimentos e ao estado de espírito das personagens estão as frases
suspensas (ou seja, interrompidas), que pontuam as falas de diferentes
personagens, exprimem as suas inquietações, perplexidades e hesitações. Por vezes,
deixam no ar alguns subentendidos cujo significado é partilhado pelas personagens
(ver o diálogo da Cena II do Ato I). Telmo e D. Madalena deixam por terminar as
frases por não quererem mencionar o que receiam (o regresso de D. João, a desonra
ou a doença de Maria) ou por hesitarem em verbalizar certos factos (a possibilidade
de D. João não ter morrido).
As frases interrogativas, frequentes nas falas mais tensas, dão igualmente conta dos
anseios e do desassossego das personagens, mas também da sua desorientação ou
da incerteza em relação ao futuro. Por outro lado, a frase curta (por vezes
constituída por uma única palavra: “Ninguém!”) confere um tom incisivo aos
diálogos e contribui para fazer crescer a tensão dramática.
Por fim, ainda a nível de vocabulário, encontramos certas personagens associadas a
determinados campos lexicais. Frei Jorge e os outros prelados glosam o campo
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lexical da religião; Telmo, o aio, recorre a termos associados às ideias de honra e


servidão (“senhor”, “amo”, “servidor”). As repetições de palavras são utilizadas para
exprimir a ansiedade ou a inquietação, mas frequentemente também o afeto entre
os membros da família.

(Síntese elaborado com base em materiais disponibilizados pela Escola Virtual e


retirados do manual Entre nós e as palavras 11, da Santillana)

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