Você está na página 1de 8

ESTRUTURA EXTERNA

“Frei Luís de Sousa” é constituído por três atos, sendo que o primeiro e o
terceiro têm doze cenas e o segundo ato, quinze. Verificamos, assim, estarmos
perante um texto organizado de forma tripartida, regular e harmoniosa.

ESTRUTURA INTERNA
Exposição – Ato I, Cenas I a IV
Através das falas das personagens tomamos conhecimento dos antecedentes
da ação que explicam as circunstâncias atuais; conhecemos igualmente as
personagens e as relações existentes entre elas.
Conflito – Cenas V a XII do Ato I, Ato II e até à Cena IX do Ato III
Desenrolar gradual dos acontecimentos, em que se vivem momentos de tensão
e de expetativa – no caso de FLS, desde o conhecimento de que os
governadores espanhóis escolheram o palácio de Manuel de Sousa para se
instalarem até ao reconhecimento do Romeiro (Clímax) – e que
desencadearam uma série de peripécias.
Desenlace – Ato III, Cenas X a XII
Desfecho motivado pelos acontecimentos anteriores – dá-se a consumação da
tragédia familiar em que Maria morre e os seus pais se veem obrigados a
separar-se, morrendo um para o outro assim como para a vida terrena.

PERSONAGENS
D. Manuel de Sousa Coutinho:
  Homem culto, de muitas letras e espirituoso, cavalheiro e racional;
  Nobre cavaleiro de malta, bom marido e pai terno;
  Corajoso, audaz, decidido, patriota e nacionalista;
  É fidalgo e bom português;
  Revela-se ingénuo, e pouco perspicaz.
D. Madalena de Vilhena
  Nobre e culta;
  Sentimental, apaixonada, romântica, sensível e frágil;
  Supersticiosa, pessimista, cautelosa e insegura (vivia em pânico constante);
  Complexo de culpa e remorsos da sua visa passada, pois casou com D. João e
gostava de D. Manuel;
  Ligada aos amores infelizes de Inês de Castro.
Telmo Pais
  É sem dúvida a personagem sebastiana por excelência.
  Aio de D. João de Portugal, cultiva quase em toda peça a esperança de que o seu
amo regresse.
  Ironicamente será no reencontro com D. João que a sua posição se alterará,
tomando o partido, ainda que involuntário, por Maria de Noronha;
  Telmo Pais tinha um carinho enorme por Maria, era contra o segundo casamento
de Madalena.
Dona Maria de Noronha
  Personagem principal;
  É terna, adorava D. Sebastião;
  Sonhadora, corajosa, pura, ingénua, supersticiosa;
  Curiosa, perspicaz e inteligente;
  Sofria de tuberculose, possuía ouvidos de tísica.
D.João de Portugal
  Nobre (família dos vimiosos);
  Cavaleiro, austero;
  Ama a pátria e o seu rei;
  Ligado à lenda de D. Sebastião;
  Pensa que o seu sentimento por Madalena é recíproco;
  Exemplo de paradoxo.
Frei Jorge
  Irmão de Manuel de Sousa;
  Representa a autoridade de Igreja.
  É também confidente de Madalena, pois é a ele que ela confessa o seu “terrível”
pecado: amou Manuel de Sousa ainda D. João era vivo.
  Acompanha sempre a família, é conciliador, pacificador e impõe uma certa
racionalidade, procurando manter o equilíbrio no meio de uma família angustiada e
desfeita.
ATO 1
Ambiente agradável, mas marcado pela instabilidade emocional das
personagens.
Cena I
Informações sobre o passado e características das personagens.
Ao ler episódio de Inês de Castro, de "Os Lusíadas", Madalena compara o seu
estado de espírito com o de Inês de Castro (sente-se predestinada para a
morte).
Cena II
Telmo conversa com Madalena e aflige-a com recordações do passado. Nesta
cena, todas as personagens são apresentadas:
 -Manuel de Sousa surge desvalorizado em relação a D. João de Portugal.
 -Maria é sempre caracterizada positivamente – curiosa, compreende tudo, formosa,
bondosa, viveza de espírito.
 -Telmo – escudeiro valido e fiel, familiar quase parente… Cheio de agoiros e
pressentimentos.
Estrutura-se, nesta cena, uma analepse, onde as personagens recuam 21 anos
– batalha de Alcácer Quibir (1578), mais sete anos de busca (1585) -2º
casamento de Madalena, nascimento de Maria mais um ano (15999 – presente
da ação.
Telmo confessa-se um crente no regresso de D. João e justifica a sua
credulidade pelas palavras de uma carta escrita por d. João, onde esta garantia
que “vivo ou morto” haveria de voltar.
Madalena pede a Telmo que não fale a Maria em assuntos relacionados com a
batalha e D. Sebastião… e ele promete que o fará.
Madalena está preocupada com a demora de Manuel de Sousa que foi a
Lisboa, é tarde e não aparece. Pede a Telmo que vá saber notícias junto de frei
Jorge.
Cena III
Maria evidencia a sua cultura e gosto pela leitura. Pede a Telmo o livro da ilha
encoberta… mostra-se uma crente no sebastianismo.
Madalena tenta levar a filha a não acreditar nem em fantasmas nem em
fantasias do povo.
Esboça-se um pequeno conflito de Maria com o pai e com a mãe, pois ambos
não aceitam ouvir falar do regresso de D. Sebastião. Tal causa estranheza em
Maria.
Cena IV
Maria não consegue entender nem compreender a perturbação e preocupação
dos pais com ela. D. Madalena não pode relevar a causa das suas
preocupações…
Sem querer, Maria martiriza a mãe, afirmando que lê nos olhos, nas estrelas e
sabe muitas coisas, mostrando-se portadora de uma forte imaginação.
Madalena não responde às questões da filha e tenta desviar de Maria, pedindo-
lhe que fale do seu jardim.
 -As flores simbolizam a brevidade da vida.
 -As flores de Maria murcharam. Não será um presságio da sua morte?
Cena V
Frei Jorge traz a notícia de que os governadores saíram de Lisboa e querem vir
hospedar-se na casa de Manuel de Sousa, a notícia é dada progressivamente.
 -Maria e Madalena reagem de formas distintas: Maria mostra-se entusiasmada, dá
largas à sua imaginação, idealismo e patriotismo; Madalena revela alguma ingenuidade,
é individualista e não revela qualquer sentido patriótico
Novos sinais da doença de Maria: ouve a voz do pai e percebe que vem
“afrontado”.
Cena VI
Miranda anuncia a chegada de Manuel de Sousa Coutinho (confirmação dos
sinais da doença de Maria).
Madalena e frei Jorge ficam preocupados e destacam a agudeza do ouvido de
Maria. Chamam-lhe “Terrível sinal”.
Cena VII
É noite fechada.
Manuel de Sousa entra num tom precipitado e agitado, dando ordens aos seus
criados. Algo estranho se passa e Madalena preocupa-se. Confirma as notícias
trazidas por frei Jorge na cena V e anuncia que é preciso saírem
imediatamente daquela casa.
Face a este anúncio, Maria reage de forma eufórica, intensa e patriótica;
Madalena fica assustada e tenta contrariar Manuel.
Cena VIII
Nesta cena contrasta a linguagem serena e decidida de Manuel de Sousa com
a linguagem emotiva, hesitante e assustada de madalena.
Manuel mostra-se um herói clássico, racional, o homem presente, o patriota, de
consciência limpa, nada teme e para ele não há razões que justifiquem não
mudar para o palácio que fora de D. João. Madalena age pelo coração, é
modelo da heroína romântica, assustada, ligada ao passado cheia de
pressentimentos e crente que vai morrer, infeliz, naquela casa.
Manuel de Sousa tenta chamá-la à razão e pede-lhe que atente na sua
condição social, o ajude e apoie neste momento tão decisivo da sua vida.
A mudança para o palácio de D. João de Portugal, mais do que um regresso ao
passado, é o regresso ao passado.
Cena IX e X
Telmo informa que os governadores desembarcaram.
Manuel de Sousa apressa ainda a mais a saída da casa e a mudança para o
palácio de D. João. Manuel pede a frei Jorge e a Telmo que levem Maria e
Madalena
Cena XI
Manuel refere o acontecido com seu pai e põe a hipótese de lhe acontecer algo
semelhante. É uma prolepse ou antecipação da desgraça que irá acontecer.
Manuel de Sousa mostra-se um homem de valores intensos. Para ele, nada
perdura, tudo muda, a vida é uma constante e eterna mudança, tudo é
aparência…
Cena XII
Concretiza-se o incêndio.
Na impossibilidade de salvar o palácio, Madalena pede desesperadamente que
lhe salvem o retrato do seu atual marido/prolepse/antecipação da separação…

ATO 2
Cena I
Maria pretende conversar com Telmo, para que este lhe revele a identidade do
retrato que tanto assustava a mãe. O incêndio do palácio provocou impressões
diferentes entre Maria e Madalena, maria ficou fascinada, encontrou nele
alimento para a usa fértil imaginação; Madalena ficou doente, aterrorizada,
cheia de pesadelos, liga o incêndio à perda do marido, de que a destruição do
retrato é um prognostico fatal.
Tal como no ato I, Maria agora cita o início de um livro trágico (pressentimento
de fatalidade).
Na sala dos retratos, onde Maria conversava com Telmo, há 3 retratos que a
fascina. Ela conhece dois, mas quer confirmar o de D. João de Portugal. Em
analepse, recorda o que ocorreu oito dias antes e que tanto perturbou a mãe,
deixando-a doente. As atitudes estranhas da mãe perante o retrato deixaram
Maria curiosa.
Telmo alterou a sua posição face Manuel de Sousa depois do incêndio: antes
admitia as suas qualidades, mas não o admirava; agora admira-o pelo seu
patriotismo e lealdade.
Quando Maria questiona Telmo sobre a identidade do retrato, este não
responde.
Cena II
É Manuel de Sousa que revela a identidade do retrato a Maria. Manuel de
Sousa refere-se a D. João, tal como fizera na cena VIII do ato I: admira as suas
qualidades e não tem ciúmes.
Manuel de Sousa chega encoberto com uma capa, pois anda escondido (há
oito dias) dos governadores.
Maria confessa ao pai as suas capacidades intuitivas: já sabia a identidade do
retrato sem ninguém lhe ter dito; era de um saber “cá de dentro”.
Cena III
Pai e filha conversam sobre a vida e confessa que com aquela capa parece um
frade. Novo indício de fatalidade.
Acentuam-se as relações familiares: D. Madalena sempre respeitou D. João,
mas nunca o amou; amou e ama Manuel de Sousa. Maria não controla as
emoções diante do retrato de D. João: admira-o pela sua coragem e liga-o ao
seu rei, mas ama os seus pais.
Nesta cena, Manuel é meigo, carinhoso e afetivo para com a filha.
Cena IV
Frei Jorge sugere a Manuel de Sousa que o acompanhe a Lisboa para
agradecer ao arcebispo pois foi ele que intercedeu junto dos outros
governadores.
Manuel decide acompanhá-lo a Lisboa, pois ate precisa de ir ao sacramento
conversar com a abadessa (é a tia Joana de Castro que se separou do marido,
para ambos professarem). Mais um indício de fatalidade (também Manuel e
Madalena vão separar-se e professar).
Maria quer acompanhar o pai a Lisboa; quer conhecer a tia Joana e quer levar
consigo Telmo, frei Jorge e Doroteia.
Cena V
Madalena que já está melhor, reage mal à ida de Manuel a Lisboa e não quer
que a filha a deixe só.
Madalena teme pelo dia de Hoje, é um dia terrível para ela (faz anos que foi a
batalha de Alcácer Quibir); é sexta feira. Perante toda a confusão, é frei Jorge
quem vai resolver a situação, comprometendo-se a ficar com Madalena.
Madalena está cheia de agoiros, muito ligados ao passado, cheia de fatais
medos. Tudo faz pressentir que alguma coisa fatal está para acontecer.
Cena VI
Manuel confirma que Maria precisa de espairecer. Talvez lhe faça bem.
Madalena diz que não quer que Telmo fique (Terá medo das suas conversas?)
Cena VII
Madalena está preocupada, assustada e temerosa. Chora e pede a todos que
não se afastem de Maria, que a protejam. A despedida é dolorosa e dramática.
Cena VIII
Madalena volta a evidenciar a sua incapacidade para não sentir medo e horror.
A despedida é dramática – voltam a referir a Condessa de Vimioso (Joana de
Castro) e paira no ar a fatalidade.
Cena IX
Frei Jorge começa a sentir que alguma desgraça está para acontecer.
Cena X
Madalena dá ordens a Miranda para que fique no mirante até que o bergantim
chegue a Lisboa.
Madalena confessa a Jorge que HOJE é o dia da sua vida que mais tem
receado.
 -Faz anos que casou a primeira vez.
 -Faz anos que se perdeu el-rei (e D. João).
 -Faz anos que conheceu Manuel de Sousa.
Madalena considera-se uma pecadora.
 -Conheceu Manuel de Sousa quando ainda D. João era vivo.
 -Amou-o assim que o viu; o pecado estava-lhe no coração; a imagem do amante
perseguia-a; apenas foi fiel a D. João.
Adverbio de tempo HOJE repete-se nove vezes.

ESPAÇO
A peça situa-se em três lugares:
 -palácio de Manuel de Sousa Coutinho (acto I);
 -palácio de D. João de Portugal (acto II);
 -capela / parte baixa do palácio (acto III).
O ato I envolve um espaço aberto, com amplas janelas, luz, decorado e
comunica com o exterior, o que se relaciona com alguma felicidade que se vive
naquele lugar.
O ato II decorre num espaço mais fechado, mais sombrio e melancólico. Não
tem janelas e as portas têm reposteiros, há grandes retratos de família,
lembrado o passado. É aqui que vai chegar o Romeiro e felicidade da família
começa a desagregar-se.
No ato III, o espaço ainda é mais fechado e subterrâneo, não há janelas e há
pouca portas. Na capela não há decoração, há apenas um altar e uma cruz,
símbolos de sacrifício e de morte. É lá que Manuel e Madalena vão professar e
maria vai morrer.
Em suma pode dizer-se que, à medida que a ação avança e se torna mais
trágica, o espaço é mais fechado e opressivo e aniquilador das personagens.

TEMPO
Também o tempo se fecha e concentra.
 -Inicialmente amplo e vasto (21 anos);
 -1578 – batalha de Alcácer Quibir;
 -+7 – anos de buscas por parte de Madalena;
 -+14 – segundo casamento / +13 nascimento de maria;
 -1599 – tempo presente.
No presente, a peça passa-se numa sexta-feira à tarde, 21 anos após a batalha
de Alcácer Quibir, passam oito dias desde o incêndio (noite de sexta para
sábado), é de novo sexta-feira. Chega o Romeiro, Manuel de Sousa e
Madalena professam e maria morre.
Toda a ação dramática se passa “Hoje”, o dia em tudo se concentra: por um
lado, Madalena teme esse dia; por outro lado, D. João quer chegar ali “Hoje” (é
o dia em que faz 21 anos que ocorreu a batalha).
Em síntese, podemos dizer que a ação, espaço e tempo convergem e
concentram-se progressivamente, até à tragédia final.

DRAMA OU TRAGÉDIA?
“Frei Luís de Sousa” é um drama quanto à forma e uma tragédia quanto ao
conteúdo.
Principais características trágicas da obra:
 -número reduzido de personagens;
 -personagens de elevado estatuto social e moral;
 -ação única e que converge para o desenlace trágico;
 -concentração temporal (progressão temporal, até culminar na madrugada da morte e
separação);
 -concentração espacial (progressão espacial, terminando na Igreja de S. Paulo dos
Domínicos);
 -presença de momentos e indícios trágicos.
Marcas do drama romântico:
 -Texto em prosa;
 -Não cumprimento da lei das três unidades (ação, espaço e tempo);
 -Presença de temáticas como: a liberdade individual, o patriotismo, a cosmovisão
cristã, a importância do oculto, a primazia dos sentimentos sobre a razão e a mitificação
da figura de Camões.
ELEMENTOS DA TRAGÉDIA CLÁSSICA
Hybris: consiste num desafio feito pelas personagens à ordem instituída
Perpetrada tanto por D. Madalena como por D. Manuel de Sousa Coutinho.
Com efeito, no primeiro caso, o desafio consistiu no facto de a personagem se
ter apaixonado por D. Manuel de Sousa Coutinho quando ainda era casada
com D. João de Portugal. Além disso, ambas as personagens põem em causa
a ordem instituída ao casarem sem terem provas irrefutáveis da morte de D.
João de Portugal.
Peripécia e anagnórise: momento em que se verifica uma inflexão abrupta dos
acontecimentos e revelação de acontecimentos desconhecidos ou na
identificação de determinada personagem, respetivamente.
Ocorrem em simultâneo: com a chegada do Romeiro e o reconhecimento da
sua identidade (anagnórise), dá-se uma inversão brusca nos acontecimentos
(peripécia) — o casamento torna-se inválido e Maria torna-se filha ilegítima.
Clímax: momento culminante da ação.
Ocorre na cena final do Ato Segundo, pois éneste momento que a tensão
dramática atinge o seu auge: D. João de Portugal dá a conhecer de forma
inequívoca a sua identidade, demonstrando, ao mesmo tempo, de forma
paradoxal, que o esquecimento a que foi votado anulou a sua existência.
Catástrofe: desenlace trágico.
A família é totalmente exterminada: D. Madalena e D. Manuel morrem para o
mundo, ingressando na vida religiosa, e Maria morre, de facto.
Ágon: conflito vivido pelas personagens (conflito com outras personagens ou o
conflito interior).
As atitudes de D. Madalena ao longo da intriga são um reflexo do conflito
interior que a atormenta.
Telmo é vítima de um conflito interior: depois de ter passado vinte e um anos a
desejar o regresso do antigo amo, apercebe-se de que, na verdade, o seu
amor por Maria acabou por superar o que nutria por D.João de Portugal,
mostrando-se disposto a abdicar dos seus princípios éticos para a salvar.
Pathos: sofrimento crescente das personagens.
O sofrimento das personagens vai-se intensificando ao longo das cenas.

Você também pode gostar